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Relatório Final - Iniciação Científica 2022-2023

Associação entre questionários FACT-F e perfil inflamatório em pacientes com


câncer hospitalizados.

1 INTRODUÇÃO

O câncer é uma doença caracterizada por um grande aumento de citocinas


pró-inflamatórias, incluindo IL 6 e TNF-alfa. Sua patogênese também se deve a
fatores de crescimento, agentes promotores de danos ao DNA, estroma ativado e
ao aumento da proliferação de células inflamatórias. Segundo diversos estudos,
uma resposta inflamatória local frequente pode causar uma desregulação no
sistema de ativação de quimiocinas, e por consequência pode afetar
consideravelmente a morte e a reparação celular, contribuindo para o
desenvolvimento do câncer (SING, et al., 2019).
A proteína C-reativa (PCR) é uma proteína de fase aguda sintetizada pelos
hepatócitos e é um dos indicadores mais sensíveis da inflamação. Além disso, a
PCR juntamente com a albumina são marcadores que se mostram eficientes em
selecionar pacientes aptos para quimioterapia ou como uma previsão de eventos
indesejáveis da quimioterapia (SING et al., 2019).
Outro método capaz de mensurar a inflamação sistêmica é o RNL (razão
neutrófilos-linfócitos), sendo altas proporções de RNL encontradas em pacientes
com câncer gástrico (SZOR et al., 2018). O estudo de SZOR e colaboradores
avaliou a RNL como um fator prognóstico, sendo a RNL elevada relacionada a um
pior prognóstico.
Um estudo feito com adultos, sendo 23% dos participantes apresentando
câncer gástrico e doença metastática, mostrou que a resposta inflamatória sistêmica
dos pacientes tem seu principal efeito sobre o apetite e a fadiga. Essa resposta
provoca um grande declínio no apetite e na fadiga e uma diminuição considerável
da qualidade de vida dos pacientes. (DOLAN et al., 2018). De acordo com os
autores, outros fatores que contribuem para o desenvolvimento e a evolução do
tumor são a linfopenia e a neutrofilia. Enquanto os neutrófilos levam ao aumento da
angiogênese, dano do DNA e inibição da atividade das células T contra as células
tumorais, com consequente aumento da metástase, os linfócitos provocam uma
função contrária, levando à morte celular dessas células.
Outro efeito colateral da doença e do tratamento é a fadiga. A fadiga afeta
consideravelmente a vida dos pacientes, prejudicando o trabalho, as relações
sociais, o humor e as atividades diárias dos mesmos. Com isso, a qualidade de vida
geral durante e após o tratamento é prejudicada (BOWER et al., 2014). A fadiga
nesses pacientes podem se manifestar de forma física, emocional e mental. Entre
os questionários que avaliam a fadiga e a qualidade de vida em pacientes com
câncer, está o questionário FACT-F, composto por questões que avaliam a fadiga e
a qualidade de vida. A hipótese desse estudo é de que há uma associação positiva
entre o questionário FACT-F e parâmetros inflamatórios.
Portanto, o objetivo deste estudo é investigar se há associação entre o
questionário FACT-F e parâmetros inflamatórios.

2 METODOLOGIA

2.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO E PARTICIPANTES

Esse foi um estudo transversal realizado com pacientes internados no


Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás. A amostra foi composta por
125 pacientes, de ambos os sexos, com idade ≥ 18 anos, diagnosticados com
câncer de trato gastrointestinal e órgãos acessórios de digestão - esôfago,
estômago, intestinos, fígado, pâncreas e vesícula, que aceitaram participar do
estudo por meio da assinatura do TCLE. Foram excluídos do estudo os pacientes
que apresentaram índice de massa corporal (IMC) ≥ 30kg/m², doenças cardíacas
graves, em cuidados paliativos exclusivos, e deficiência cognitiva grave, que
impossibilitassem resposta ao questionário.

3.2 AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA

Para avaliação do peso corporal e estatura utilizou-se a balança eletrônica


portátil (Tanita®), com capacidade máxima de 150 kg, e o estadiômetro (Filizola®),
respectivamente. O cálculo do IMC foi feito por meio da fórmula peso/altura².

3.5 AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA

As concentrações de PCR, neutrófilo e linfócitos para cálculo da RNL foram


coletadas no prontuário médico.

3.6 AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE FUNCIONAL E QUALIDADE DE VIDA

Para a avaliação da capacidade funcional da sarcopenia utilizou-se a escala


de fadiga Assessment of Cancer Therapy-Fatigue (FACT-F versão 4), o qual
apresenta questões gerais e específicas sobre os níveis de fadiga e qualidade de
vida do paciente com câncer. Por meio desse questionário é possível avaliar o bem-
estar físico (PWB) o bem-estar social/familiar (SWB), o bem-estar emocional (EWB),
o bem-estar funcional (FWB) e a sub-escala de fatiga (FS). Para a análise dos
dados, foi realizada uma análise estatística de regressão múltipla entre RNL e
FACT-F. os resultados foram considerados significativos com o p<0.05.

RESULTADOS

As características dos pacientes estão descritas na Tabela 1. Do total de 106


pacientes, encontrou-se idade média de 59 anos, sendo 51% dos pacientes eram do
sexo feminino, 55% dos pacientes eram do sexo masculino, 41.5% dos pacientes
eram fumantes, 44.3% dos pacientes realizavam consumo de álcool e apenas
24.5% realizavam atividade física. Nosso estudo encontrou uma média do IMC de
23.57 nos pacientes.
O sítio tumoral encontrado foi de 9.4% tumor no esôfago, 20.8% tumor no
estômago, 49% tumor no intestino e 20.8% tumor em órgãos acessórios do sistema
digestório. Entre os tipos de tratamento, 11.3% realizaram quimioterapia, 67%
realizaram cirurgia e 21.7% realizaram tratamento clínico. A respeito do
estadiamento do tumor, 15.5% apresentaram um estadiamento inicial (I/II); 35.5%
apresentaram um estadiamento localmente avançado (III); 49% apresentaram um
estadiamento avançado/metastático (IV).

Para as análises de regressão múltipla entre PCR e FACT-F e suas


dimensões (Tabela 2), não mostraram associações. Em contrapartida, a RNL se
associou positivamente com os domínios PWB sem ajuste e com ajuste, FWB sem
ajuste, (e, FS sem e com ajuste, FACIT-F total sem e com ajuste e FACIT-F
pontuação total sem ajuste(Tabela 3). Os ajustes foram feitos para sexo, idade, tipo
de tratamento e estadiamento.

DISCUSSÃO
Esse estudo mostrou que uma resposta inflamatória elevada, observada pelos altos
índices de RNL nos pacientes estão associados à redução da qualidade de vida
sendo fadiga o sintoma principal. Assim, o estudo demonstrou que quanto maior a
inflamação, menor a pontuação nos questionários de qualidade de vida como o
FACT-F.
Para explicar a presença da fadiga relacionada ao câncer, diversos estudos
investigaram seu mecanismo nos últimos anos, sendo que o fator que recebeu
maior atenção foi a desregulação de citocinas, principalmente citocinas pró-
inflamatórias. (BOWER et al., 2014) Segundo pesquisas, há respostas inflamatórias
no corpo que sinalizam o sistema nervoso central a gerar sintomas de fadiga
através de modificações nos processos neurais. Os pesquisadores mostraram que
os tumores e os tratamentos utilizados para combatê-los podem estimular o SNC a
sinalizar uma ativação de uma resposta inflamatória sistêmica que provoca o
sintoma de fadiga. Ao mesmo tempo que o tumor pode intensificar a resposta
inflamatória no período anterior ao tratamento, também pode gerar esse efeito no
período posterior, devido a resposta fisiológica do corpo ao dano tecidual gerado por
radiação ou quimioterapia.
O nosso estudo identificou que há uma forte associação entre a inflamação e
a qualidade de vida dos pacientes, concordando com diversos estudos na literatura.
Enquanto os resultados da PCR se mostraram irrelevantes, os resultados
encontrados entre a RNL e os questionários, mostraram que quanto maior a razão
neutrófilo-linfócito menor o bem-estar físico, o bem-estar emocional, e o bem-estar
funcional. Além disso, quanto maior a RNL, maior foram os níveis de fadiga e
menores as pontuações no FACIT-F Trial Outcome Index. Consequentemente, as
pontuações totais no FACIT-F e no FACT-G também foram menores.
Dessa forma, o estudo reflete que a inflamação sistêmica observada nos
pacientes através de uma RNL alta pode afetar em vários aspectos da qualidade de
vida dos pacientes, reduzindo sua qualidade de vida e intensificando sintomas como
fadiga crônica. Os dados apresentados no artigo são consistentes com um
estudo prospectivo longitudinal que selecionou 291 pacientes com câncer colorretal
em estágio I-III da doença em período pré ou após cirurgia que responderam a
questionários de qualidade de vida como o (QOL)-(FACT-F) e comparou com um
grupo de 72 pacientes controle saudáveis e um grupo de 72 pacientes com local
metastático limitado. Os autores identificaram uma relação igual de fadiga relatada
no momento ou depois do diagnóstico. O relato da fadiga esteve presente em 52%
dos pacientes com câncer colorretal localizado e os níveis medianos da maioria das
citocinas foram fortemente mais altos em pacientes com câncer comparados aos
pacientes do grupo HC (controle saudável) e foram associados ao estágio da
doença (VARDY et al., 2014).
Além da inflamação, outro fator que afeta sintomas relacionados à qualidade
de vida é o tipo de tratamento realizado pelo paciente (SCHUTTE; BISPING, et al.,
2021). Nesse sentido, um estudo transversal realizado com pacientes com câncer
gástrico teve como objetivo comparar o efeito do tratamento com endoscopia ou da
cirurgia na qualidade de vida dos participantes. Nesse estudo, a qualidade de vida
foi avaliada por questionários QLC-Q30 da Organização Europeia para Pesquisa e
Tratamento do Câncer. O estudo relatou que aqueles pacientes que fizeram
tratamento cirúrgico apresentaram de forma mais predominante os sintomas
relacionados à qualidade de vida, como a fadiga com p = 0,044. (CHOI; KIM; LEE et
al., 2015). Em adição, os resultados do nosso estudo revelaram que 67% dos
pacientes fizeram tratamento cirúrgico e que a pontuação total do FACIT-F total foi
de 79.32 de 160, o que corrobora com o artigo de Choi Hyuk já que a maior parte
dos participantes do nosso estudo realizaram tratamento cirúrgico o que também
pode refletir uma predominância de sintomas de fadiga nesses pacientes e uma
pontuação razoavelmente baixa no FACT-F, revelando uma qualidade de vida
mediana dos participantes.
Um estudo que também analisou a qualidade de vida dos pacientes pelo
Questionário de Qualidade de Vida (QLQ)-C30 do Tratamento do Câncer (EORTC)
revelou que os sintomas de doença mais presentes relatados pelo paciente foram
fadiga, dor e perda de apetite e ressaltou a necessidade do controle do câncer para
melhorar a qualidade de vida do paciente (CHAU, et al., 2018).

CONCLUSÃO

O presente trabalho observou associação positiva entre a razão


neutrófilo/linfócito e FACT-F, enquanto que a PCR não. Esses resultados mostram
que a inflamação é um importante fator contribuinte para a diminuição na qualidade
de vida e na manifestação de sintomas como a fadiga em pacientes oncológicos
hospitalizados. Entretanto, ainda são necessários mais estudos para verificar se a
dimensão do impacto na qualidade de vida gerado pela alteração dos níveis na
qualidade de vida dos pacientes.

REFERÊNCIAS:

Vardy J. Cognitive function and fatigue after diagnosis of colorectal cancer.


2014 Dec. Ann Oncol.

Bower JE. Cancer-related fatigue--mechanisms, risk factors, and treatments.


2014 Oct. Nat Rev Clin Onc.

Dolan RD, Laird BJA, Horgan PG. The prognostic value of the systemic
inflammatory response in randomized clinical trials in cancer: A systematic
review. 2018 Dec. Crit Rev Oncol Hematol.

Szor D. Prognostic Role of Neutrophil/Lymphocyte Ratio in Resected Gastric


Cancer: A Systematic Review and Meta-analysis. 2018. Vol 73. Clinics.

Choi Jae, Kim Eun, Lee Yoo. Comparison of Quality of Life and Worry of Cancer
Recurrence Between Endoscopic and Surgical Treatment for Early Gastric
Cancer. 2015. Vol 82, Issue 2. Gastrointestinal Endoscopy.

Singh Nitin. Inflammation and cancer. 2019. Ann Afr Med.

Tabelas

Tabela 1. Características dos pacientes entre os grupos.


Variáveis Valor
Idade (anos)a (n=106) 59,32 ± 12,17
Sexoc (n=106)
Feminino 51 (48%)
Masculino 55 (52%)
Fumante ou ex-fumantec (n=106)
Sim 44 (41.5%)
Consumo de álcoolc (n=106)
Sim 47(44.3%)
Atividade físicac (n=106)
Sim 26 (24.5%)
Local do tumorc (n=106)
Esôfago 10 (9.4%)
Estômago 22 (20.8%)
Intestino 52 (49%)
Órgãos acessório da digestão* 22 (20.8%)
Tipo de tratamentoc (n=106)
Quimioterapia 12 (11.3%)
71 (67%)
Cirurgia
Clínico 23 (21.7%)
Estadiamentoc (n=90)
Inicial (I/II) 14 (15.5%)
Localmente avançado (III) 32 (35.5%)
Avançado/metastático (IV) 44 (49%)
Tempo de diagnóstico (meses)b (n=106) 6 (2-12)
Índice de massa corporal (kg/m²) a 23.57±5.09
(n=106)
Perda de peso (%)b (n=106) 13.7 (4.32-23.4)
a
PWB (n=106) 11.71±6.22
SWBb (n=106) 25.43 (21-28)
EWBa (n=106) 8.46±4.71
FWBa (n=106) 15.14±6.36
FSa (n=106) 20.36±9.83
FACIT-F TOIa (n=106) 47.20±11.44
FACT-G TOTAL SCOREa (n=106) 58.96±9.47
FACIT-F TOTAL SCOREa (n=106) 79.32±14.61
Proteína C reativa(mg/dL)b (n=99) 5.10(1.10-18)
b
Razão neutrófilo-linfócito (n=99) 3.83(2.15-7.6)
*Fígado, vesícula biliar, pâncreas; bmediana e intervalos interquartis; amédia e desvio padrão
c
frequência.
PWB: bem-estar físico; SWB: bem-estar social; EWB: bem-estar emocional; FWB: bem-
estar funcional; FS: sub-escala de fadiga; FACIT-F TOI: PWB+PWB+FS; FACT-G TOTAL
SCORE: PWB+SWB+EWB; FACIT-F TOTAL SCORE: PWB+SWB+EWB+FWB+FS.
p<0.05 foi considerado significante.
Tabela 2. Regressão múltipla entre PCR e FACT-F (n=96).
Βeta P R2 ajustado
PCR (mg/dL)
PWB 0.02 0.81 -0.01
Modelo 1 0.33 0.08 0.05
SWB 0.11 0.29 0.001
Modelo 1 0.33 0.09 0.05
EWB 0.006 0.95 -0.01
Modelo 1 0.32 0.10 0.05
FWB 0.05 0.61 -0.008
Modelo 1 0.32 0.10 0.05
FS 0.03 0.71 -0.009
Modelo 1 0.35 0.06 0.07
FACIT-F TOI 0.01 0.86 -0.01
Modelo 1 0.34 0.06 0.06
FACT-G 0.04 0.69 -009.
Modelo 1 0.32 0.10 0.05
FACIT-F 0.05 0.62 -0.008
Modelo 1 0.34 0.07 0.06
a b
*Fígado, vesícula biliar, pâncreas; média e desvio padrão; mediana e intervalos interquartis;
c
frequência.
PWB: bem-estar físico; SWB: bem-estar social; EWB: bem-estar emocional; FWB: bem-
estar funcional; FS: sub-escala de fadiga; FACIT-F TOI: PWB+PWB+FS; FACT-G TOTAL
SCORE: PWB+SWB+EWB; FACIT-F TOTAL SCORE: PWB+SWB+EWB+FWB+FS.
p<0.05 foi considerado significante.
Tabela 3. Regressão múltipla entre RNL e FACT-F (n=95).
Βeta P R2 ajustado
RNL
PWB 0.30 0.003 0.08
Modelo 1 0.36 0.04 0.08
SWB 0.10 0.32 -0.0002
Modelo 1 0.22 0.51 -0.008
EWB 0.18 0.07 0.02
Modelo 1 0.27 0.29 0.01
FWB 0.32 0.002 0.09
Modelo 1 0.35 0.05 0.07
FS 0.37 <0.001 0.13
Modelo 1 0.44 0.004 0.14
FACIT-F TOI 0.30 0.003 0.08
Modelo 1 0.38 0.02 0.09
FACT-G 0.02 0.85 -0.01
Modelo 1 0.20 0.62 -0.01
FACIT-F 0.26 0.01 0.06
Modelo 1 0.34 0.07 0.06
Modelo 1: ajustado para: sexo, idade, tipo de tratamento e estadiamento
PWB: bem-estar físico; SWB: bem-estar social; EWB: bem-estar emocional; FWB: bem-
estar funcional; FS: sub-escala de fadiga; FACIT-F TOI: PWB+PWB+FS; FACT-G TOTAL
SCORE: PWB+SWB+EWB; FACIT-F TOTAL SCORE: PWB+SWB+EWB+FWB+FS.
*p<0.05 foi considerado significante

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