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ISSN 1981-3708 Pesquisa

Protocolo de Atendimento e Acompanhamento do Paciente com


Líquen Plano Oral (LPO)
Protocol of Care and Patient Follow-up Monitoring with Oral Lichen Planus (OLP)

Juline DANIELLI1, Larissa S. R. VILANOVA1, Ludmila PEDROSO2, Maria A. G. SILVA3.


1 - Graduanda em Odontologia – Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás.
2 - Mestranda em Odontologia, área de concentração em Clínica Odontológica pela Universidade Federal de Goiás.
3 - Professora Associada de Diagnóstico Bucal da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás.

RESUMO medicamentosa. A dexametasona tópica foi utilizada em 89,65%


O Líquen Plano é uma doença mucocutânea crônica com pre- dos casos. Nenhum caso apresentava características clínicas ou
valência relativamente elevada, acometendo entre 0,02% e 1,2% histopatológicas de transformação maligna, entretanto apenas
da população mundial. A complicação mais importante é sua 26,92% dos pacientes possuíam acompanhamento profissional
discutida possibilidade de transformação maligna, razão pela de suas lesões e 48,07% tiveram o diagnóstico confirmado por
qual tem sido considerada uma condição cancerizável. Objetivo: exame histopatológico. Conclusões: Embora remota, a possibi-
O objetivo deste estudo foi a criação de um protocolo de aten- lidade da transformação maligna deve ser considerada. Dessa
dimento e acompanhamento dos pacientes com LPO. Material e forma, torna-se imprescindível a implementação de padrões rí-
método: O protocolo foi criado pela revisão da literatura e pelo gidos de acompanhamento destes pacientes com cuidado e em
estudo obtido por meio do exame detalhado de 52 pacientes com longo prazo. Espera-se que este protocolo possa ser validado
diagnóstico de LPO, que procuraram o Centro Goiano de Doen- em estudos futuros e utilizado de forma rotineira no controle
ças da Boca (CGDB) da FO/UFG, durante o período de agosto de clínico do paciente com diagnóstico de LPO.
1998 a abril de 2010. Resultados: Dos 52 pacientes diagnosticados
com LPO e incluídos na pesquisa, 55,76% já fizeram uso de cor- PALAVRAS-CHAVE: Líquen plano oral, estomatologia, le-
ticóides, outros 44,23% nunca foram submetidos à terapêutica sões cancerizáveis.

INTRODUÇÃO Clinicamente, o LPO possui apresentações variadas, sendo


O Líquen Plano é uma doença mucocutânea relativamen- que as formas reticular e erosiva são as mais encontradas. O LP
te frequente, com prevalência estimada entre 0,02% e 1,2% da reticular é o mais comumente observado, na maior parte dos
população1. Acomete, usualmente, indivíduos entre a quarta e casos não provoca sintomas, e envolve a região posterior da
a sexta década de vida, demonstrando predileção pelo gênero mucosa jugal bilateralmente. Apresenta um padrão caracterís-
feminino2. Apesar de não ser totalmente esclarecida, a etiopa- tico de estrias brancas que se entrecruzam, reconhecidas como
togenia do LPO está ligada à autoimunidade, sendo também estrias de Wickham. O LP erosivo geralmente apresenta lesões
relacionados fatores genéticos, psicológicos, infecciosos, entre sintomáticas, caracterizadas por áreas eritematosas atróficas,
outros3. Possui caráter inflamatório crônico que se caracteriza com graus variados de ulceração. Algumas vezes este quadro
por uma resposta imune mediada por células T contra células é confinado à mucosa gengival, produzindo uma apresentação
epiteliais, provocando sua constante destruição4. conhecida como gengivite descamativa. Existem ainda outras
formas menos comuns, como o LP bolhoso, em que o compo-
Vários estudos ressaltam o papel de fatores psicológicos no nente erosivo é mais severo levando à separação epitelial e for-
desenvolvimento do LPO, mas uma correlação direta entre estes mação de bolhas12; e o LP em placa, caracterizado pela presença
fatores e a doença permanece ainda pouco definida5. Krasowska de pápulas ou placas brancas elevadas que muitas vezes asse-
et al.6 (2008) sugerem que o estresse pode alterar inúmeros parâ- melham-se à leucoplasia13.
metros da resposta imune e endócrina no LPO, o que explicaria
seu papel na etiopatogenia da doença. Desta forma, estresse e Pacientes com LPO podem apresentar lesões extra-orais que
ansiedade podem provocar ou exacerbar a sintomatologia. afetam a pele, as unhas, o couro cabeludo, a glande peniana e
a mucosa esofágica e vaginal14, deixando clara a necessidade de
A relação dessa doença com a infecção pelo vírus da hepatite cuidados de uma equipe multiprofissional, que deve incluir mé-
C (VHC) tem sido observada por vários autores, entretanto ain- dicos e Cirurgiões Dentistas.
da permanece um tema controverso, marcado por disparidades
geográficas7. Enquanto alguns estudos com populações especí- O diagnóstico de LPO é estabelecido com base nas caracte-
ficas confirmam esta associação8-9, outros não observam relação rísticas clínicas, história da doença e exame histopatológico15. A
entre as doenças10-11. imunofluorescência também é um recurso que pode facilitar o

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diagnóstico16. RESULTADOS
Do levantamento de 8030 prontuários do arquivo do CGDB,
A complicação mais importante desta doença é sua discuti-
foram encontrados 179 pacientes com diagnóstico inicial de
da e controversa possibilidade de transformação maligna, razão
LPO (n=141) e/ou leucoplasia sem confirmação histopatológica
pela qual tem sido considerada uma condição cancerizável3.
(n=38). Destes, 100 (55,86%) foram excluídos da pesquisa por
Considerando a elevada prevalência do LPO, o possível po- um dos seguintes motivos: impossibilidade de comunicação
tencial de malignização da doença e as diversas controvérsias (n=88), por terem faltado às consultas agendadas (n=8) ou por
que a envolvem, induzindo os profissionais a diferentes con- optarem em não participar da pesquisa (n= 4).
dutas clínicas, este trabalho tem como objetivo a criação de um
Dos 179 pacientes iniciais, 79 (44,13%) foram atendidos. Des-
protocolo de atendimento e acompanhamento dos pacientes
tes, 27 (34,17%) foram excluídos por não apresentarem lesões no
com LPO.
momento do atendimento ou por ter sido confirmado, micros-
copicamente, o diagnóstico de leucoplasia. Outros 52 (65,82%)
foram diagnosticados com LPO e incluídos na pesquisa.
MATERIAL E MÉTODO
Esse estudo foi aprovado pelos critérios da Ética com Seres Analisando-se a presença de tratamentos anteriores, especi-
Humanos pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFG (CEP- ficamente quanto ao uso de corticóides, observamos que 55,76%
UFG), conforme Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de (n=29) dos pacientes já fizeram uso destes medicamentos, sendo
Saúde, pelo protocolo n° 159/2009. distribuídos de acordo com a Figura 1. Outros 44,23% (n=23)
nunca foram submetidos à terapêutica medicamentosa.
A amostra foi constituída a partir do exame de todos os pa-
cientes com diagnóstico presuntivo ou final de LPO e casos
de leucoplasia sem confirmação histopatológica, per­tencentes
ao arquivo do Centro Goiano de Doenças da Boca (CGDB) da
Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás,
que procuraram este centro de referência durante o período de
agosto de 1998 a abril de 2010. Foram excluídos da amostra os
pacientes com documentação ou contato incompletos e aque-
les cuja avaliação histopatológica mostrou tratar-se de casos de
leucoplasia.

Os pacientes incluídos foram avaliados, após a assinatura


do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, por meio da
análise do Prontuário Odontológico, exame clínico das condi-
ções de saúde bucal, observação da presença de fatores de ris-
co para a exacerbação do LPO e exame histopatológico quando Figura 1 – Distribuição dos pacientes de acordo com o tipo de corticóide utilizado
houvesse alguma dúvida quanto ao diagnóstico. Os pacientes no tratamento do LPO. CGDB/FO/UFG – Goiânia/GO, 2009.

foram questionados quanto à presença de tratamentos em uso


ou acompanhamento médico das lesões. As intervenções tera-
pêuticas só foram realizadas em pacientes com sintomatologia DISCUSSÃO
e sem acompanhamento, os que relataram estar em tratamento Classicamente, o LPO tem sido considerado pela Organização
não tiveram a conduta do profissional responsável alterada. Mundial de Saúde (OMS) uma condição cancerizável, entretan-
to seu potencial de malignização ainda é um tema controverso.
O protocolo foi criado utilizando-se os dados obtidos do exa- Sousa e Paradella17 (2009), analisando estudos epidemiológicos
me detalhado dos pacientes, avaliação de recidivas e alterações realizados nos últimos 20 anos, apresentaram uma taxa de trans-
relacionadas à malignização. Dados da literatura foram investi- formação maligna de 0,27% ao ano para o LPO, valor que é 27
gados e adicionados para construir o protocolo. vezes maior que a incidência de câncer oral no Brasil, de acordo
com o Instituto Nacional de Câncer (INCA). As formas atípicas
Para identificar todos os estudos relevantes, foram utiliza-
(atrófica, erosiva e “em placa”) e as lesões localizadas na língua
das as bases de dados eletrônicos: Medline, Lilacs, Cochrane
apresentaram maiores riscos de transformação maligna. Estes
Controlled Trials Database, Sci Search e Base de dados da BI-
resultados reforçam a importância do correto diagnóstico e do
REME  (LILACS  e  SCIELO-Br). Além disso, foram pesquisadas
acompanhamento em longo prazo dos pacientes com LPO2. Dis-
manualmente revistas e anais de congressos. Seguiu-se a este
cordando destes dados, dos 52 pacientes examinados em nosso
passo, a avaliação crítica dos estudos de acordo com sua valida-
estudo, nenhum apresentava características clínicas ou histopa-
de, observando-se os critérios: revisão de literatura, análise da
tológicas de transformação maligna e apenas 1 caso apresentou
amostra e da metodologia empregada, impacto da publicação e
displasia leve ao exame histopatológico. Entretanto, apenas
probabilidade das conclusões estarem baseadas em dados vicia-
para 26,92% dos pacientes foi observada reavaliação das lesões
dos. Todos os artigos foram lidos, e após selecionados, criterio-
pelo profissional, enquanto 73,07% não eram acompanhados.
samente interpretados, sendo utilizados na revisão da literatu-
Considerando a incerteza do potencial de malignização dessas
ra, nos resultados e discussão.

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lesões, consideramos este dado alarmante. Os corticóides são amplamente utilizados no tratamento do
LPO sintomático por reduzirem a dor e a inflamação21. Potentes
Neste contexto, ainda que as características clínicas associa- corticóides tópicos como propionato de clobetasol, acetato de fluoci-
das à anamnese sejam, na maioria das vezes, suficientes para o nolona e fluocinonida constituem a primeira linha de tratamento
correto diagnóstico da doença, a análise histopatológica torna-se para lesões sintomáticas de LPO e tem se mostrado como uma
fundamental, tanto para confirmar o diagnóstico clínico, quanto alternativa eficaz e confiável de tratamento. Os corticóides de
para excluir a presença de displasia e transformação maligna. uso tópico desencadeiam efeitos colaterais reduzidos e apresen-
Por se tratar de uma desordem crônica que requer longos perí- tam relação custo benefício positiva em tratamentos longos19,22,23.
odos de acompanhamento e tratamento, a biópsia se torna uma Da mesma forma, corticóides sistêmicos como a prednisona são a
prática clínica prudente, principalmente nos casos atípicos18. primeira linha de tratamento em casos intensos e generalizados
Mesmo sendo reconhecida a importância de se realizar análise de LPO, LP envolvendo outros sítios mucocutâneos ou lesões
histopatológica dos casos de LPO, nosso estudo evidenciou a resistentes à terapia tópica18.
baixa taxa de realização deste exame por parte dos Cirurgiões
Dentistas (48,07%), o que fortalece a necessidade de se estabele- Carbone et al.24 (2003) comparando a eficácia e segurança
cer protocolos de atendimento que reforcem essa prática. Con- no tratamento do LPO utilizando corticóides sistêmicos e tó-
siderando que estes pacientes foram atendidos em um centro picos, observaram resultados similares em relação à completa
especializado em Estomatologia, pode-se supor que a situação remissão dos sintomas, entretanto, um terço dos pacientes do
seja ainda mais crítica nos casos atendidos por cirurgiões com primeiro grupo contra nenhum do segundo desenvolveram
outras especialidades ou clínicos gerais. efeitos colaterais, como aumento da pressão arterial, dor epigás-
trica e retenção de água. Com base nestes resultados, os auto-
O tratamento do LPO não determina a cura da doença, sendo res concluíram que a terapia com corticóide mais adequada é
associado apenas à redução dos sinais e sintomas. É relativa- a tópica, pela facilidade de aplicação e maior custo-benecifio.
mente bem-sucedido, porém de efeitos temporários. Lesões re- Concordando com autores acima citados, os resultados obtidos
ticulares assintomáticas geralmente exigem apenas acompanha- nesse estudo demonstram a predileção dos profissionais pela
mento, enquanto o tratamento das formas atrófica e ulcerada indicação de corticóides, especialmente na forma tópica. Todos
se destina ao alívio dos sintomas e eliminação das úlceras com os pacientes submetidos à terapêutica medicamentosa anterior-
intenção de reduzir o risco de transformação maligna15-16. mente à pesquisa eram tratados com corticóides tópicos, com
destaque para a dexametasona (89,65% dos casos), seguida do
A primeira etapa a ser estabelecida para o tratamento é a eli-
acetato de triancinolona (6,89% dos casos) e propionato de clobetasol
minação de fatores traumáticos próximos à lesão, tais como res-
(3,44% dos casos).  Assim como realizado neste estudo, Lodi et
tos radiculares, arestas cortantes, grampos de próteses, restau-
al.25 (2005) sugeriram um protocolo de tratamento e acompa-
rações em excesso ou rugosas, próteses mal adaptadas. Também
nhamento para pacientes com LPO tendo como primeira opção
deve ser instituído um programa de higiene oral e de orientação
terapêutica os corticóides tópicos.
aos pacientes para evitarem a ingestão de alimentos que favo-
reçam o aparecimento de dor ou exacerbação das lesões13,16,19. A candidose oral secundária constitui um efeito colateral co-
mum no tratamento com corticóides por isso, agentes antifúngi-
Diversos agentes têm sido empregados no tratamento do
cos são frequentemente utilizados em associação a esses medi-
LPO20 (Tabela 1), entre eles estão os corticóides tópicos e sistê-
camentos, como forma eficaz de prevenir quadros iatrogênicos
micos, retinóides, agentes imunossupressores e fototerapia.
de candidose26.

Tabela 1. Medicamentos disponíveis para o tratamento do LPO. Fonte: Modificado Os retinóides tópicos e sistêmicos são utilizados apenas como
de Carrozo e Gandolfo, 1999.
terapia coadjuvante ou como segunda linha de tratamento, par-
ticularmente para as lesões reticulares e hiperqueratóticas7. Isso
CORTICÓIDES RETINÓIDES AGENTES
Tópicos: Tópicos: IMUNOSSUPRESSORES se deve ao fato destes agentes serem menos efetivos que os cor-
- Fosfato de - Fenretidina - Ciclosporina ticóides tópicos, além de desencadearem sérios efeitos adver-
betametasona - Isotretinoína - Azatioprina sos, o que deveria proibir seu uso como rotina no tratamento do
- Valerato de - Tretinoína - Tracolimus LPO. Os retinóides são também teratogênicos e, portanto, seu
betametasona - Tazarotene
uso em mulheres em idade fértil é contra-indicado18.
- Propionato de OUTROS
clobetasol Sistêmicos: - Anfotericina A
Algumas formas de LPO podem não responder adequada-
- Acetato de - Acitracina - Dietilditiocarbamato
fluocinolona - Etretinato - Dapsona mente ao tratamento com corticóides. Para estes pacientes, po-
- Fluocinonida - Isotretinoína - Doxicilina tentes imunossupressores como a ciclosporina e o tracolimus po-
- Hemissuccinato de - Tretinoína - Sulfato de hidroxicloroquina dem ser benéficos.
hidrocortisona - Temaroteno - Levamisol
- Acetato de - Gliciricina A ciclosporina pode ser uma alternativa aos tratamentos con-
triancinolona - Griseofulvina vencionais para o controle do LPO, no entanto, não deve ser
- Eticol
considerada como primeira opção terapêutica devido ao alto
Sistêmicos: - Enoxaparina
- Prednisona custo do tratamento em longo prazo e a disponibilidade de ou-
- Metilprednisona tras alternativas eficazes. Além disso, efeitos secundários graves
decorrentes da utilização de ciclosporina sistêmica, como hiper-

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tensão e nefro toxicidade, contra-indicam a sua utilização para Protocolo de Atendimento e Acompanhamento do Paciente
LPO25. com Diagnóstico de LPO

O tracolimus tópico é utilizado em casos de LPO em que há Diagnóstico


envolvimentos de sítios extra-orais, como as mucosas genital Anamnese cuidadosa abordando possíveis fatores desenca-
e esofagiana, couro cabeludo e unhas. Byrd et al.27 (2004) estu- deantes ou predisponentes como estresse, medicamentos em
dando a resposta do LPO ao tratamento com tracolimus tópico uso, diabetes, hepatopatias, hepatite C, tabagismo e alcoolismo.
(0,1% e 0,03%) observaram 89% de melhora sintomática e 84%
de eliminação parcial a completa das lesões, mostrando ser este Pesquisa de lesões cutâneas e em outras mucosas;
um tratamento eficaz. Entretanto, 1/3 dos pacientes apresenta-
ram efeitos colaterais como irritação, ardência e formigamen- Exame clínico buscando aspectos característicos da do-
to e, quando a terapêutica foi interrompida, algumas lesões ença, que são, em grande parte dos casos, suficientes para o
recidivaram. diagnóstico;

Apesar dos resultados positivos, o uso do tracolimus deve ser Exame histopatológico (indicado em casos que não pos-
limitado devido à possibilidade de acelerar a carcinogênese28. suem a forma clássica da doença. Para qualquer caso em que
Diante deste fato, a Food and Drug Administration (FDA) publi- paira a dúvida sobre o diagnóstico, o exame histopatológico é
cou um informativo aos profissionais da saúde e pacientes re- obrigatório).
comendando que a droga seja usada em quantidades mínimas, Imunofluorescência direta/indireta (indicada em casos histo-
apenas por curtos períodos de tempo e de forma descontínua. patologicamente inconclusivos);
A fototerapia já foi sugerida como opção terapêutica para Testes sorológicos para VHC não são realizados como rotina
casos intensos de LPO que não respondem aos tratamentos con- (indicados apenas em casos de exposição a fatores de risco para
vencionais29, todavia os estudos mais recentes não recomendam hepatite C).
esta forma de tratamento devido ao seu potencial oncogênico18.

Com base na literatura e no atendimento dos pacientes, apre- Conduta


sentamos um protocolo de atendimento e acompanhamento do
Orientações aos pacientes
paciente com LPO, cuja síntese está expressa na Figura 2.
Nos casos sintomáticos, esclarecimento quanto aos cuidados
em relação à doença: evitar alimentos condimentados, ácidos e
apimentados.

Figura 2 – Protocolo de atendimento e acompanhamento do paciente com LPO. CGDB/FO/UFG – Goiânia/GO, 2009.

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Orientações quanto à higiene oral e sua manutenção: utilizar em longo prazo constitui uma conduta prudente. Desta forma,
creme dental infantil ou menos irritante à mucosa (no caso de os pacientes devem ser examinados a cada seis meses até a re-
sintomatologia dolorosa durante a escovação dentária); missão da lesão;

Buscar melhorias na qualidade de vida, evitando situações O acompanhamento é a conduta indicada para os pacien-
de estresse e desequilíbrio emocional; tes assintomáticos, visto não necessitarem de intervenção
medicamentosa.
Alerta quanto à possível infecção pelo VHC e quanto ao po-
tencial de malignização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Adequação do meio bucal
Pela possibilidade, ainda que remota, da transformação
Escariação e selamento de cavidades cariosas; remoção de maligna do LPO, torna-se imprescindível a implementação de
restos radiculares; raspagem e alisamento radicular; padrões rígidos e sistemáticos de acompanhamento destes pa-
cientes com cuidado e em longo prazo (pelo menos a cada 6 me-
Eliminação de fatores traumáticos próximos à lesão (arestas
ses), permitindo o reconhecimento de períodos de exacerbação,
cortantes, grampos de próteses, restaurações em excesso ou ru-
sucesso terapêutico e a detecção precoce de possíveis alterações
gosas, próteses mal adaptadas);
malignas. Atenção especial deve ser dada aos tipos ulcerado e
Realização de um programa de higiene oral; bolhoso.

Em casos de suspeita de reação liquenóide, troca ou remoção Espera-se que este protocolo possa ser validado em estudos
do material associado à lesão e reavaliação. futuros e utilizado de forma rotineira no cuidado ao paciente
com diagnóstico de LPO, proporcionando uma conduta eficaz
Terapêutica medicamentosa e um acompanhamento consciente. Este protocolo pretende ser
uma ferramenta de orientação, entretanto, cada caso deve ser
Pacientes sintomáticos e/ou com lesões erosivas, bolhosas
avaliado cuidadosamente e encaminhado ao estomatologista e/
ou ulcerativas são tratados inicialmente com corticóides tópi-
ou dermatologista em caso de dúvidas.
cos (Elixir de Dexametasona 0,5mg, utilizado como solução para
bochechos por um minuto, 3 vezes ao dia ou Propionato de Clo-
betasol 0,05mg duas vezes ao dia). O tempo de uso é variável a
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ABSTRACT have never been subjected to drug therapy. The topical dexa-
Lichen planus is a chronic mucocutaneous disease with re- methasone was used in 89.65% of cases. No case had clinical or
latively high prevalence, affecting between 0.02% and 1.2% of histopathologic features of malignant transformation, however
the population. The most important complication is discussed only 26.92% of patients had professional monitoring of their
their possible malignant transformation, which is why a con- injuries and only 48.07% had the diagnosis confirmed by his-
dition has been considered carcinogenic. Objective: The objec- topathology. Conclusions: Although remote, the possibility of
tive of this study was to establish a protocol for treatment or malignancy should be considered. Thus, it is essential to imple-
monitoring of patients with OLP. Methods: The protocol was ment strong standards for monitoring these patients carefully
established by literature review and the study obtained through and long term. It is hoped that this protocol can be validated in
detailed examinations of 52 patients diagnosed with OLP, who further studies and used routinely in patient care with a diag-
sought the Centre Goiano Mouth Disease (CGDB) of FO / UFG, nosis of OLP.
during the period August of 1998 to April of 2010. Results: 52
KEYWORDS: Oral lichen planus, stomatology, cancerous
patients was diagnosed with OLP and included in the survey,
lesions.
55.76% have already made use of corticosteroids, other 44.23%

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA:


Profª. Drª. Maria Alves Garcia S. Silva
Rua 13, Nº778 – Setor Marista
74150-140 Goiânia - GO
E-mail: mariaagsilva@gmail.com

Rev Odontol Bras Central 2010;19(50) 238

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