Você está na página 1de 3

Biologia Celular no Câncer

Segundo a OMS, o Câncer é a segunda principal causa de morte no mundo, e foi


responsável por 9,6 milhões de mortes em 2018, este número equivale a quase 25%
do número de mortes da Segunda Guerra Mundial, em termos comparativos. Ou seja,
vivemos em guerra com esta doença todos os anos, e o número de baixas é muito alto.
Tal dado se intensifica em países com menor desenvolvimento econômico e sanitário,
como revelam os dados da Organização Pan-americana de saúde, em que percebemos
que em 2008 o câncer causou 1,2 milhões de mortes no mundo, sendo que 45% destas
fatalidades ocorreram apenas na América Latina e no Caribe. Além disso há previsão
de que em 2030 a mortalidade por câncer nas Américas aumente para 2,1 milhões.
Cerca de um terço das mortes por câncer se devem aos cinco principais riscos
comportamentais e alimentares, como: o alto índice de massa corporal, baixo
consumo de frutas e vegetais, falta de atividade física e uso de álcool e tabaco. Além
disso, os cânceres causados por infecções, tais como hepatite e papiloma vírus
humano (HPV), são responsáveis aproximadamente por 22% das mortes pela doença
em países de baixa e média renda, o que corrobora para estes países liderarem as
estatísticas negativas para esta patologia.
O impacto econômico do câncer é significativo e está aumentando. O custo anual total
da doença em 2010 foi estimado em aproximadamente US$ 1,16 trilhão. Porém,
apenas um em cada 5 países de baixa e média renda tem os dados necessários para
conduzir uma política de saúde adequada para o câncer.
Para conseguirmos mudar esse quadro é necessário o investimento em pesquisas e
estudos para otimizar a prevenção e promoção em saúde, combatendo os fatores de
risco, e aumentando o rastreio para diagnosticarmos tal doença em fases iniciais. Ou
seja, quanto maior conhecimento compartilhado, maior a chance de podermos
melhorar tal situação, o que faz deste trabalho de revisão bibliográfica ainda mais
importante.

Uma das descrições mais antigas sobre o câncer vem de Hipócrates, médico grego e
patrono da medicina, que por volta de 400 anos A.C descreveu lesões que cresciam de
maneira descontrolada, e eram alimentadas por vasos de grosso calibre que
lembravam as patas de um Caranguejo, ou Karkinus, besta da mitologia grega que
lutou contra Hércules a mando de Hera. Outra palavra grega associada a esta
enfermidade é a palavra Onkos, termo que significa massa, um fardo, um peso
carregado pelo corpo.
Naquela época, os gregos não estavam preocupados com a reprodução descontrolada
das células, compreendiam o câncer com a visão da Doutrina dos fluídos e volumes, na
qual se acreditava que o corpo humano era composto por 4 fluidos cardeais,
chamados de humores: sangue, bile negra, bile amarela e fleuma. Sendo assim, o
Câncer era visto como uma alteração na bile negra.
A história é repleta de fatos sobre as origens e a percepção da humanidade em relação
ao câncer. Atossa, rainha da Pérsia, em 500 A.C, enfaixava a mama doente para ocultá-
la. Um dia, por não suportar mais o desconforto, solicitou a um escravo que amputasse
sua mama com uma faca. Já em 1930, um papiro egípcio do ano 7 A.C apresentou
ensinamentos do médico Imhotep, dentre eles histórias sobre “massas salientes no
peito que se espalhavam”.
No século XVIII começamos a ter as fundamentações teóricas e as ações para extração
cirúrgica de tumores. No XIX essa prática se aprofundaria de tal modo que originaria as
chamadas mastectomias radicais, com o propósito final de eliminar todo o câncer do
organismo do paciente.
Em 1947, o patologista americano Sidney Farber resolveu se dedicar a estudar a
Leucemia infantil. Sendo assim, Farber testou ácido fólico na doença e percebeu que as
moléculas aceleram o crescimento das células leucêmicas. Contudo, o patologista
iniciou testes com compostos antifólicos em crianças com Leucemia e, em 1948, notou
remissões inquestionáveis.

O estudo da fisiopatologia e da anatomia patológica do Câncer tem evoluído cada vez


mais ao longo dos séculos, e é de extrema importância para ajudar a desenvolver
novos tratamentos e para estadiar a gravidade de cada tipo de tumor, e o seu
respectivo grau de malignidade. Entretanto, para entendermos o aspecto
macroscópico devemos antes compreender o micro, sendo assim, é de extrema
importância o estudo da biologia celular do câncer, tema principal abordado neste
trabalho.
O desenvolvimento e a manutenção das funções vitais do nosso organismo dependem
de uma cooperação das células que o constituem. As células se comunicam umas com
as outras, e partir dessa comunicação coordenam as funções desempenhadas por cada
tipo celular. As moléculas-sinal geralmente são proteínas expostas na superfície celular
e são reconhecidas por receptores, que após se ligarem as moléculas-sinal, transmitem
a informação para outras proteínas presentes no interior da célula, mecanismo
conhecido como transdução de sinal. Esse mecanismo pode desencadear diferentes
respostas, como a alteração da função de uma proteína, ou modificação da expressão
gênica, levando a uma alteração na quantidade de proteína dentro da célula. Essas
modificações levam a alterações no comportamento da célula, visto que as proteínas
são responsáveis por dirigir as funções celulares. A desregulação das vias de sinalização
celular, causada geralmente por aumento/ diminuição da atividade ou expressão de
seus constituintes proteicos, pode levar ao descontrole de eventos fisiológicos e
desencadear variados tipos de doenças, incluindo o câncer.

Câncer é um termo genérico usado para denominar um grande grupo de doenças que
pode afetar diferentes partes do organismo. Apesar da diversidade, o câncer apresenta
características em comum: células cancerígenas apresentam desregulação nos
mecanismos de controle do crescimento e proliferação, permitindo a formação de um
agregado de células anormais. Esse descontrole geralmente está associado a
alterações no material genético das células, o DNA, podendo levar a desregulação da
expressão dos genes, os quais contêm informação para a síntese de proteínas
encontradas nas células. Dessa forma, as alterações podem ser passadas para células
filhas, através da divisão celular, gerando várias células anormais que formarão o
tumor. As principais causas estão relacionadas a agentes externos, os chamados
carcinógenos. Eles podem ser de origem física (radiação solar), química (tabaco) ou
biológica (infecção de certos vírus, como o HPV).
Durante o desenvolvimento do tumor vários eventos celulares podem ser
desregulados. Dentre eles podemos citar o aumento do crescimento e da proliferação,
uma maior resistência ao mecanismo de morte celular e maior suscetibilidade a
instabilidade genômica e mutações, possibilitando as células tumorais acumular
alterações em seu DNA. Dessa forma, o melhor entendimento da participação das vias
de sinalização celular na progressão do câncer é um passo primordial para o
desenvolvimento de metodologias terapêuticas e de diagnóstico para esta doença.

A escolha do tratamento para um tipo de câncer geralmente se baseia em ensaios


clínicos com uma grande população de pacientes, os quais apontam o melhor esquema
terapêutico a ser utilizado. A identificação de um subgrupo de pacientes com câncer
que respondem melhor a um dado esquema terapêutico pode refletir na diminuição
dos custos do tratamento e aumentar os benefícios para o bem-estar dos pacientes.
Sendo assim, os estudos que visam caracterizar os biomarcadores envolvidos na
progressão do câncer ajudam no melhor direcionamento do tratamento, na medida
em que são utilizados como base para o desenvolvimento de ferramentas para o
bloqueio molecular desses processos. Dentre essas ferramentas destacamos o uso dos
anticorpos monoclonais e os inibidores farmacológicos, que atuam na inibição da
atividade de proteínas específicas presentes em vias de sinalização. Os anticorpos
monoclonais são biomoléculas que se ligam a alvos específicos, geralmente receptores
proteicos presentes na superfície celular, evitando a ativação ou reconhecimento
desses receptores por outras moléculas. Os inibidores farmacológicos, por sua vez, são
moléculas purificadas de compostos naturais ou sintetizadas em laboratórios que
impedem a atividade de proteínas por alterar sua conformação ou competir por um
substrato. 

A história nos mostra que o combate ao Câncer é marcado por eterno aprendizado, e
consequentemente pela busca constante por um tratamento cada vez mais eficaz.
Portanto, parafraseando Sun Tzu, estrategista e filósofo chinês, podemos concordar
que: “Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado
de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória
ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si
mesmo, perderá todas as batalhas”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Mukherjee, Siddhartha. O imperador de todos os males, São Paulo: Companhia das letras; 2012

2. Meloche, S.; Pouysségur, J. "The ERK1/2 mitogen-activated protein kinase pathway as a máster
regulator of the G1- to S-phase transition". Oncogene, vol.26, p.3227-3239, 2007.

3. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. "O que é câncer?". Disponível em:
<http://www1.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=322> (acesso em 10/04/2023).

4. Organização Pan-americanada Saúde. Câncer. Disponível em: <


https://www.paho.org/pt/topicos/cancer> (acesso em 10/04/2023)

Você também pode gostar