"A Árvore Relâmpago" Por Pat Rothfuss

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The Lightning Tree 
Por – Patrick Rothfuss 
 
“A Árvore Relâmpago” 
Equipe de tradução 
Tradutores:Daniela Cajado, Felipe Bertoldo, Lucas Dias 
Revisores: Bárbara Nery, Vagner Stefanello, Marlon  
 
 
 
Bestseller  do   New  York  Times,  Patrick  Rothfuss  ganhou  grande  popularidade  e  aclamação  na 
crítica  com  a publicação de seu romance de estreia,  O Nome do Vento. O segundo romance da  
série,  O  Temor  do  Sábio, foi recebido com o mesmo sucesso e  aclamado  novamente em todo 
o  mundo. Outros projetos de Patrick incluem um livro infantil de humor negro, The Adventures of 
the  Princess and Mr. Whiffle, e Worldbuilders, um projeto beneficente  que arrecadou mais que 2 
milhões de dólares para a Heifer International desde que ele a fundou em 2008. 
  
Aqui  ele  nos  leva  para  a  icônica Pousada Marco do Percurso afim de acompanhar um dia típico  
na  vida  de  um  dos  personagens  mais  populares  da  Crônica  do  Matador  do  Rei,  o  misterioso 
Bast,  ostensivamente  um  ajudante,  o  qual  é  muito  mais  do  que  aparenta  ser  –  um dia no qual 
Bast aprende muitas lições, e também ensina algumas. 
  
  
  
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Manhã – A Estrada Estreita 
Bast  quase  saiu  pela  porta  dos  fundos  da  pousada  Marco do Percurso. Ele na verdade  já havia 
saído,  ambos  os  pés  estavam  fora  da  soleira  e  a  porta  estava  quase  completamente  fechada 
atrás  dele  antes que escutasse a voz do seu  mestre.   Bast  deteve­se, com a mão no trinco. Ele 
franziu  o  cenho ao atravessar a porta, a um palmo de ser fechada. Ele não fez nenhum barulho. 
Ele  sabia.  Ele  era familiarizado com todas as partes silenciosas da estalagem, quais assoalhos 
rangiam,  quais  janelas  emperravam...  As  dobradiças  da  porta  dos  fundos  rangiam  às  vezes, 
dependendo  do  seu  estado,  mas  isso   era  fácil  de   resolver.  Bast  dirigiu  seu  punho  ao  trinco,  
levantando­o  para  que  o  peso  da  porta  não ficasse  tão  grande,  para  que  fechasse  facilmente. 
Sem rangido. A porta giratória estava mais leve que um suspiro. 
Bast  pôs­se  de  pé  e  sorriu.  Seu  rosto  era  doce,  astuto  e  selvagem.  Ele  parecia  uma  criança 
malcriada  que  acabara  de  roubar  a  lua  e  a  comera.  Seu  sorriso  era  como o  último  pedaço  da 
lua remanescente, um fragmento branco e perigoso.   
“Bast!“ 
O  chamado  veio  de novo,  mais  alto  desta  vez.  Nada  tão grosseiro quanto um grito, seu mestre 
nunca  se  rebaixaria a  berros. Mas  quando  ele  queria  ser  ouvido,  seu  barítono  não seria parado 
por  alguma  coisa  tão  insignificante  quanto  uma   porta  de  carvalho.  Sua  voz  foi  transportada 
como  uma  buzina,  e  Bast  sentiu  seu  nome  sendo  tragado  como  uma  mão  ao  redor  de  seu 
coração.   Bast  suspirou,  então  abriu  a  porta  suavemente  e  caminhou  de volta  para  dentro.  Ele 
era escuro, alto e amável. Quando caminhava parecia que estava dançando.  
 “Sim, Reshi?  “ ele falou. 
  Após  um  momento  o  hospedeiro  entrou  na  cozinha,  ele  usava  um  avental  branco  e  limpo  e 
seus  cabelos  eram vermelhos.  Além  disso,  ele  era  dolorosamente banal. Seu rosto mantinha a 
serenidade  dos  hospedeiros  entediados   de  todas  as  partes.  Apesar  de  ser  cedo,  ele  parecia 
cansado.  Ele entregou um livro de couro a Bast.  
 “Você quase esqueceu isto “ ele disse sem nenhum vestígio de sarcasmo.   
Bast pegou o livro e fingiu estar surpreso. 
 “Oh! Obrigado, Reshi ““ 
O hospedeiro deu de ombros e sua boca tomou a forma de um sorriso.  
“Sem  problemas, Bast. Enquanto você se ausenta para realizar seus afazeres, se importaria de 
pegar alguns ovos?”   Bast assentiu, pondo o livro embaixo do braço. 
“ Mais alguma coisa?“ perguntou obedientemente.   
“Talvez  algumas  cenouras  também.  Estou  pensando  em  fazermos  ensopado  nesta  noite.  É 
tempo  de  colheita,  então  precisamos  estar  prontos  para  uma  grande  clientela.”  Sua  boca 
curvou­se um pouco quando disse isso. 
 O hospedeiro começou a voltar, então parou.  
“Oh,  o   garoto  dos  Willyams  veio  aqui  procurando  por  você  nesta  última  noite.  Não  deixou 
nenhum tipo de mensagem.” 
 Ele ergueu uma sobrancelha para Bast. O olhar falou mais do que fora dito.  
“Não tenho a mínima ideia do que ele queria.“ disse Bast.  
O hospedeiro fez um barulho evasivo e se virou de volta em direção ao saguão. 
Antes  que  ele  desse  três  passos,  Bast  já  estava  porta  afora, correndo  através dos raios de sol  
matutino. 

No  momento  em  que Bast chegara, havia duas crianças esperando. Elas brincavam no enorme 


monólito cinzento que estava meio caído na parte inferior da colina, escalando por seu declive, e 
pulando na grama alta.  
No  topo  ficava o  que  as  crianças  chamavam  de  árvore relâmpago, embora atualmente era  um 
pouco  mais  do  que  um  tronco  sem  ramificações  quase  tão  alto  quanto um homem. A casca 
havia  tempo   que  tinha  caído,  e  o  sol  tinha  esbranquiçado  a  madeira,  que  ficara  tão  branca 
quanto  um  osso. Toda  a  árvore exceto  o  topo,  onde  mesmo  após  todos estes anos a madeira 
era carbonizada num preto áspero . 
Bast  tocou  o  tronco  com  as pontas dos dedos e circulou lentamente a árvore. Ele foi no sentido 
horário,  na  mesma  direção que o sol se movia. A maneira correta de se fazer. Então virou­se e 
trocou  de  mãos,  fazendo três círculos  lentos  anti­horários,  opostos  ao movimento do sol. Essa 
virada  foi  contra  o  mundo.  Era  a  forma  de  contrariar.  Indo  e  voltando,  ele  foi,  como  se a árvore 
fosse um carretilho e ele o enrolava e desenrolava.. 
Finalmente,  ele  sentou­se  com  suas  costas  contra  a  árvore  e   colocou  o  livro  em  uma  pedra 
perto.  O  sol  brilhou  nas  letras  douradas  como  ouro,   Celum  Tinture.  Então  ele  se  distraiu 
jogando  pedras  no  córrego  vizinho  que   cortava  abaixo  da  encosta  do  morro  em  frente  a   um 
monólito cinzento. 
Depois de um minuto, um menino louro e rechonchudo marchou até a colina. Ele era o filho 
mais novo do padeiro, Brann. Ele cheirava como suor e pão fresco e....algo mais. Algo que não 
se encaixava. 
A abordagem lenta do menino  tinha um ar ritualístico. Ele subiu  a pequena colina e ficou ali por 
um momento  em silêncio, o único barulho que vinha era das outras duas crianças brincando 
ali embaixo. 
Finalmente  Bast virou para examinar o rapaz. Ele não tinha mais que oito ou nove anos, bem 
vestido e mais encorpado do que a maioria das crianças da cidade. Ele carregava um chumaço 
de pano branco na mão. O garoto engoliu nervosamente. 
“Eu preciso de uma mentira.” 
Bast assentiu  com a cabeça. 
“Que tipo de mentira?” 
O rapaz cautelosamente abriu a mão, revelando que o chumaço de pano era um curativo 
improvisado, salpicado com vermelho brilhante. Ligeiramente preso na mão dele. Bast assentiu 
com a cabeça; Isso foi o que ele tinha sentido o cheiro antes. 
“Eu estava brincando com as facas da minha mãe” disse Brann. 
Bast examinou o corte. O corte era superficial na carne perto do polegar. Nada de grave.  
“Doi muito?” 
“Nada comparado a surra que vou tomar se ela descobrir que eu estava brincando com suas 
facas.” 
Bast assentiu  com simpatia 
“Você limpou a faca e a colocou de volta ?” 
Brann assentiu com a cabeça. Bast tocou seus lábios, pensativamente. 
“Você pensou que viu um grande rato preto. E se assustou. Você atirou uma faca nele e acabou 
se cortando. Ontem, uma das outras crianças contou uma história sobre ratos mastigando as 
orelhas e os dedos dos pés dos soldados enquanto dormiam. Isso lhe causou pesadelos.” 

Brann deu um arrepio. “Quem me contou a história?” 
Bast encolheu os ombros. “Escolha alguém que você não goste.” 
O menino sorriu cruelmente. 
Bast começou a indicar as coisas com os dedos.  
“Coloque um pouco de sangue na faca antes de jogá­la.”  Ele apontou para o pano que  o rapaz 
tinha embrulhado dentro da sua mão. 
“Livre­se disso, também. O sangue é seco, obviamente velho. Você consegue fingir um bom 
choro?” 
O rapaz abanou a cabeça, parecendo um pouco envergonhado pelo fato. 
“Coloque um pouco de sal em seus olhos. Fique ranhento e choroso antes de você ir até eles. 
Lamente e chore. Então, quando eles te perguntarem sobre sua mão, diga a sua mãe que se 
lamenta por ter quebrado sua faca.” 
Brann escutava, abanando a cabeça lentamente no início  e depois mais rápido. Ele sorriu. 
“ Isso é bom.” Ele olhou ao redor nervosamente. “O que eu devo a você?” 
“Algum segredo?”  Bast pediu. 
O menino  do padeiro pensou por um minuto. ­ Velho Lant está cercado de viúvas... ele disse 
em um tom esperançoso 
Bast acenou com a mão. ­ Há anos. Todo mundo sabe. 
Bast esfregou  seu nariz então disse. “ Você pode me trazer dois pães doce hoje mais tarde?” 
Brann assentiu com a cabeça. 
“Este é um bom começo,” falou Bast. “O que você tem em seus bolsos? “ 
O  rapaz  cavou  ao  redor  e  ergueu  ambas  as  mãos.  Ele tinha duas arruelas de ferro, uma pedra 
lisa esverdeada, um crânio de pássaro, um emaranhado de corda, e um pouco de giz. 
Bast  pediu  a  corda.  Assim,  tomou  cuidado  para  não  tocar  nas  arruelas,  pegou  a  pedra 
esverdeada entre dois dedos e arqueou uma sobrancelha para o garoto. 
Após hesitar por um momento, o garoto assentiu. 
Bast pôs a pedra em seu bolso. 
“E se, de qualquer forma, eu for castigado? ” Brann perguntou. 
Bast  deu  de  ombros.  “Isso  é  problema  seu.  Você  quis uma  mentira. Eu te dei uma decente. Se 
deseja que eu te livre desse problema, isso é algo completamente diferente. ” 
O filho do padeiro pareceu desapontado, mas ele assentiu e desceu a colina. 
Próximo  à  colina   havia  um  garoto  um pouco  mais  velho  em  uma  manta  esfarrapada.  Um  dos 
garotos  dos  Alard,  Kale. Ele tinha um corte nos lábios e uma crosta de sangue ao redor de uma 
das  narinas.  Ele  estava tão furioso quanto um garoto  de dez anos poderia estar. Sua expressão 
era de uma tempestade. 
“Eu  peguei  meu  irmão  beijando  Gretta  atrás  do   velho  moinho!”  ele  falou  logo  quando  ia  em 
dispara para a colina, não esperando Bast falar. “Ele sabia que eu tava a fim dela!” 
Bast estendeu as mãos, impotente, encolhendo os ombros. 
“Vingança,” o garoto cuspiu. 
“Vingança pública?” Bast perguntou. “Ou vingança secreta?” 
O garoto tocou seu lábio cortado com a língua. “Vingança secreta,” ele disse em voz baixa. 
“Quanto de vingança?” Perguntou Bast. 

O  garoto  pensou  um  pouco,  então  posicionou  suas mãos cerca de 60 centímetros de distância 


“ Este tanto “ 
“ Hmmm” Disse bast. “ Quanto, em uma escala de um rato a um touro?” 
O  garoto  esfregou  seu nariz por um instante. “ O equivalente a um gato,” ele disse. “ Talvez um 
cachorro. Não tipo o cachorro do Martin Maluco. Tipo o cachorro dos Bentons.” 
Bast  assentiu  e  inclinou  sua  cabeça  de  forma  pensativa.  “Certo,”  ele  disse.  “Mije nos  sapatos 
dele.” 
O garoto parecia cético. “Isto não soa como uma vingança no nível de um cachorro.” 
Bast  chacoalhou  a  cabeça.  “Você  mija  num  copo  e  o  guarda. Deixe  em repouso por um dia  ou 
dois.  Então  numa  noite  quando  ele  por  seus  sapatos  perto  do  fogo,  despeje  o  mijo  neles. Não 
faça  uma  poça,  apenas  deixe­os  úmidos.  Pela  manhã  eles estarão secos e provavelmente não 
estarão tão fedidos...” 
“Então  qual é  o  sentido disso?”  o garoto o interrompeu colericamente. “Isso não equivale nem a 
uma pulga!” 
Bast  ergueu  a  mão  de  forma  pacificadora.  “Quando  os   pés  dele  ficarem  suados,  ele  vai 
começar  a  cheirar  a  mijo. Quando ele caminhar na neve, ele vai cheirar a mijo. Vai ser difícil pra 
ele  saber   de  onde vem  exatamente  este  cheiro,  mas  todos  saberão  que  o  seu  irmão  é  aquele 
que  fede.”  Bast  sorriu  para  o  menino.  “Eu  suponho   que  a  sua  Gretta  não  vai  querer  beijar  o 
garoto que não para de se mijar.” 
Uma  admiração  genuína  se  espalhou  pelo  rosto  do  jovem  garoto  como  o  nascer  do  sol  nas 
montanhas. “Isto foi a coisa mais maliciosa que eu já ouvi,” ele disse, boquiaberto. 
Bast tentou parecer modesto e falhou. “Você tem algo pra mim?” 
“Eu encontrei uma colmeia desabitada,” o garoto disse. 
“Isto vai servir para o começo,” disse Bast. “Onde?” 
“  Foi  bem  distante   dos  Orissons.  Passando  o  Pequeno  Riacho”  O  menino  agachou­se  e 
desenhou um mapa na terra. “Vê?” 
Bast assentiu. “Algo mais?” 
“Bem... Eu sei onde Martin Maluco esconde sua destilaria...” 
Bast ergueu suas sobrancelhas ao ouvir isto. “Sério?” 
O  garoto  desenhou  outro  mapa  e  deu  algumas  direções.  Então ele levantou­se  e tirou o pó dos 
joelhos. “Estamos quites?” 
Bast esfregou seus pés na terra, destruindo o mapa. “Estamos quites.” 
Os garoto espanou os joelhos, “Eu tenho uma mensagem também. Rike quer vê­lo.” 
Bast balançou sua cabeça firmemente. “Ele conhece as regras. Diga a ele que não.” 
“Eu  já  o  avisei,”  o  garoto  falou  com  um  encolher  de  ombros  comicamente  exagerado.  “Mas 
falarei novamente se o vir...” 
  
Não  haviam  mais  crianças  esperando  depois  de  Kale,  então  Bast  colocou o  livro  de  couro sob 
seu  braço  e  partiu  numa  grande  caminhada  sem  rumo.  Ele  encontrou  algumas  framboesas  e 
comeu­as. Ele bebeu do poço do Ostlar. 
Eventualmente  Bast  subiu  até  o  topo  de  uma  ribanceira  próxima  onde  ele  deu  uma  grande 
espreguiçada,  antes  de esconder a cópia  de capa de couro do Celum Tinture em um espinheiro  
disperso onde um largo ramo fez um recanto aconchegante de frente ao tronco. 

Então  ele  olhou  para  o  céu,  limpo  e  brilhante.  Sem  nuvens. Com pouco vento. Cálido, mas não 


quente.  Não  havia  chovido  por  um  bom  tempo.  Não  era  um  dia  de  mercado.  Horas  depois  do 
meio­dia no Abate... 
A  sobrancelha  de  Bast  ergueu­se  um  pouco,  como   se  ele  estivesse  resolvendo  um  cálculo 
complexo. Então ele assentiu para si mesmo. 
Logo  Bast  desceu  pela  ribanceira,  passando  pela  casa  do  Velho  Lant  e  em  torno  das 
framboesas  que  limitavam  a  fazenda do Alard.  Quando ele veio para o Pequeno Riacho,  cortou 
alguns  juncos e  preguiçosamente  talhou­os  com  uma  pequena e  brilhante  faca. Então pegou o 
barbante do bolso e os juntou, fazendo assim uma bem trabalhada flauta pastoril. 
Ele  soprou   por  cima  dela  e inclinou  sua  cabeça  para  escutar  sua  doce  dissonância.  Sua  faca 
brilhante   aplainou  mais  um  pouco,  e  ele  soprou  novamente.  Dessa  vez  a  afinação  estava  
próxima, o que fez um chiado irritante. 
A  faca  de  Bast  moveu­se  novamente,  uma,  duas,  três  vezes.  Então  ele  a  pôs  longe  e trouxe a  
flauta  para  perto  de  seu  rosto.  Ele  respirava  pelo  nariz,  sentindo  o  orvalho  que  vinha  deles. 
Então  ele  lambeu  a  ponta  dos  juncos recém  cortados, da sua língua brotou um súbito vermelho 
cintilante. 
Então  suspirou  e  soprou  na  flauta.  Dessa  vez   o  som  era  resplandecente  como  o  luar,  vívido 
como um  peixe saltitante, doce como uma fruta furtada. Sorrindo, Bast dirigiu­se para a parte de 
trás  das  colinas  dos  Bentons,  e  não  demorou  para  que  ouvisse  o  baixo  e  estúpido  balido  de 
uma ovelha ao longe. 
Um  minuto  depois,  Bast  veio  sobre  o  cume  de  uma  colina  e  avistou  duas  dúzias de  ovelhas 
gordas  e  patéticas  cortando  a  grama  no  vale  verde  abaixo. A umbra  e  o  isolamento  tomavam 
conta  deste  lugar.  A  falta  de  chuva  recente  indicava  que  o  pastoreio  seria  melhor  ali.  Os  lados 
íngremes  do vale denotavam que as ovelhas  não  estavam propensas a afastarem­se e isso não 
precisava de muita atenção. 
Uma  jovem  mulher  sentou­se  à sombra de um olmo disperso que  dividia o vale. Ela havia tirado 
seus sapatos e sua boina. Seus cabelos longos e cheios tinham a cor de trigo maduro. 
Em  seguida,  Bast  começou  a  tocar.  Uma melodia  perigosa.  Ela  era  doce e brilhante, vagarosa 
e astuta. 
A  pastora  animou­se  ao  ouvir  o  som,  ou  assim  ela  aparentava.  Ela  levantou  a  cabeça, 
empolgada...  mas  não.  Ela  não  olhou  em   sua  direção.  Ela  simplesmente  estava  erguendo­se 
com  os  pés  para  se  esticar, levantando­se  alto  sobre  seus  dedos,  com as  mãos entrelaçadas 
acima da cabeça. 
Ainda  assim,  aparentemente  sem  ter  percebido  que  estava  sendo  tocada  uma  serenata  para 
ela,  a  jovem  mulher  pegou uma manta que estava próxima, espalhando­a por baixo da árvore,  e 
sentou­se.  Era  um  pouco  estranho,  como  ela  sentava­se  antes  sem  a  manta.  Possivelmente 
ela havia sentido frio. 
Bast  continuou  a  tocar  conforme  andava  pela  encosta  do vale em direção a ela. Ele não estava 
apressado, e a música que ele fez era doce, divertida e langorosa ao mesmo tempo.   
A  pastora  não  mostrou  nenhum  sinal  de  que  notara  a música ou o próprio Bast. Na verdade ela 
desviou  o  olhar  dele,  em  direção  à  extremidade  do   pequeno  vale,  como  se  estivesse  curiosa 
sobre  o  que  a  ovelha  fazia  ali.  Quando  ela  virou  a  cabeça,  expôs  a  amável  linha  que  ia  do  seu 

pescoço  à  sua  perfeita  orelha  em  forma  de  concha,  até  a  suave  ondulação  de  seus  seios  que 
eram expostos por cima de seu corpete. 
Com  os   olhos  atentos  na  jovem  mulher,  Bast  pisou  numa  pedra  solta  e  tropeçou 
desajeitadamente  pela  colina.  Ele  emitiu  um  forte  guincho,  e  então  soltou  mais  um  pouco  de 
sua música enquanto atirava um braço descontroladamente para conseguir se equilibrar. 
A  pastora  então riu,  mas  ela estava olhando incisivamente para a extremidade do vale. Talvez a 
ovelha  tenha  feito  algo  engraçado.   Sim.   Sem  dúvidas  foi  isso.  Elas  poderiam  ser  animais 
engraçados algumas vezes. 
Ainda  assim,  pode­se  olhar  para  as  ovelhas  por   tanto  tempo.  Ela  suspirou  e  relaxou, 
recostando­se  contra o tronco inclinado da árvore. O movimento acidentalmente puxou a bainha 
da  saia  até  um  pouco  além  de  seus  joelhos.  Suas  panturrilhas  eram  redondas  e  bronzeadas,  
cobertas com o tom mais claro de seu cabelo cor de mel. 
Bast  continuou  descendo  a  colina.  Seus  passos   eram  delicados  e  graciosos.  Ele  parecia  um  
gato furtivo. Ele parecia que estava dançando. 
Aparentemente  satisfeita  de  que  as  ovelhas  estavam  a  salvo,  a  pastora suspirou  novamente, 
fechou  os  olhos  e  repousou  a  cabeça  no  tronco  da  árvore.  Seu  rosto  inclinado  pra  cima  para 
poder  pegar  um  sol.  Ela  parecia  prestes  a  dormir,  apesar  de   todos  seus  suspiros,  sua 
respiração  parecia  vir  rapidamente.  E  quando  moveu­se   inquietamente  para  ficar  mais 
confortável,   uma  mão  caiu  de  tal  maneira  que  acidentalmente  puxou  a  bainha  de  seus  vestido 
ainda mais longe, até que mostrou uma pálida extensão de sua coxa. 
É difícil sorrir enquanto toca uma flauta pastoril. De alguma forma, Bast conseguiu. 
 
O  sol  estava  subindo  ao  céu  quando   Bast   voltou   para  a  árvore  relâmpago,  agradavelmente 
suado  e  levemente  desgrenhado.  Não  havia   crianças  esperando  perto  do  monólito  cinzento 
desta vez, o que lhe convinha perfeitamente. 
Ele  rapidamente  fez  um  círculo  da  árvore novamente  quando alcançou o topo da colina, um em 
cada   direção  para  garantir  que  seus  pequenos  trabalhos  ainda  estavam  no  lugar.  Em  seguida 
ele  afundou­se,  e  ao  pé  da  árvore  encostou­se  no  tronco.  Menos  de  um  minuto  depois.  Seus  
olhos estavam fechados e ele roncava suavemente. 
Após  passar  a maior  parte  de  uma  hora,  o  som  de  passos  quase  silenciosos  o despertou. Ele 
deu  uma  grande  esticada  e  avistou  um  garoto  magricelo,  com   sardas  e  roupas  que  iam  um 
pouco além do que pode­se ser chamado de “bem vestido”. 
“Kostrel!” Bast disse alegremente. “Como está o caminho para Tinuê?” 
“Parece   ensolarado  o  suficiente  para  mim  hoje,”  o  garoto  disse  enquanto  chegava  ao  topo  da 
colina.  “E  eu  achei  um  lindo  segredo  na beira da estrada. Algo que acho que você poderia estar 
interessado.” 
“Ah,” Bast disse. “Venha e sente­se então. Em que tipo de segredo você tropeçou?” 
Kostrel sentou­se de pernas cruzadas na grama. “Eu sei onde Emberlee toma seu banho.” 
Bast ergueu uma sobrancelha, meio interessado. “É mesmo?” 
Kostrel sorriu. “Você finge. Não finja que não se importa.” 
“Claro  que  me  importo,”  disse  Bast,  “Ela  é  a  sexta  garota  mais  graciosa  na  cidade,  apesar  de 
tudo.” 
“Sexta?” o garoto disse, indignado. “Ela é a segunda e eu sei disso.” 

“Talvez a quarta,” Bast admitiu. “Após Ania.” 
“As pernas de Ania são finas como as de uma galinha.” Kostrel observou calmamente. 
Bast  sorriu   para   o  garoto.  “Cada  um  com  a  sua.  Mas  sim.  Estou  interessado.  O  que  gostaria 
em troca? Uma resposta, um favor, um segredo?” 
  “Eu  quero  um   favor  e  uma  informação,”  o  garoto  disse  com  um  pequeno  sorriso.  Seus olhos 
escuros  era  afiados em  seu rosto  fino.  “Eu  quero  boas  respostas para três perguntas. E vale a 
pena. Porque Emberlee é a terceira garota mais bela da cidade.” 
Bast  abriu  sua boca  como  se fosse  protestar,  então  encolheu  os  ombros  e  sorriu. “Sem favor. 
Mas  eu  lhe  darei  três  respostas  de  um  tema  escolhido  de  antemão,”  ele  contrapôs.  “Qualquer 
assunto exceto sobre meu chefe, cuja a confiança eu não posso trair em sã consciência.” 
Kostrel  assentiu  em  concordância.  “Três  respostas  completas,”  ele  disse.   “Sem  usar  frases 
equivocadas ou enrolações.” 
Bast  assentiu.  “Desde  que  as  perguntas  sejam  diretas  e  específicas.  Sem  tolices  como 
conte­me tudo que você sabe a respeito.” 
“Isto não seria uma pergunta,” Kostrel frisou. 
“Exato”  disse  Bast.   “E   você  concorda  em  não  contar  a  mais   ninguem  onde  Emberlee  está 
tomando seu banho?” 
Kostrel  fez  uma  careta  por  conta  disso,  e  Bast  riu.  “Seu  pentelinho,  você  teria  vendido  essa 
informação umas vinte vezes, não é mesmo? 
O garoto deu de ombros com facilidade, não negando isto, e também sem ficar envergonhado.  
“ É uma informação valiosa.” 
Bast  soltou  um  riso  abafado.  “Três  respostas  completas  e  sérias  em  um  único assunto com a 
condição de que sou o único a quem você contará.” 
“Você é,” o garoto disse repentinamente. “Eu vim aqui primeiro.” 
“E compreende  que não deve contar a Emberlee que alguém sabe sobre isso.” Kostrel pareceu 
tão  ofendido  enquanto  Bast  não  se  incomodava  de  esperar  que  ele  concordasse.   “E   com  a 
condição de que você não vai aparecer.” 
O  garoto  de  olhos negros cuspiu algumas palavras que surpreenderam Bast mais do que  o uso 
anterior de “equivocadas”. 
“Certo,”  Kostrel   rosnou.  “Mas  se  você  não  souber  a  resposta  para  a  minha  pergunta,  eu  farei 
outra.” 
Bast pensou por um instante, então assentiu. 
“E se eu selecionar um tema que você não saiba muito a respeito, irei escolher outro.” 
Outro assentimento. “Justo.” 
“E  você  me   emprestar  um  outro  livro,”  o  garoto  disse,  seus  olhos  escuros  brilhando.  “E  uma 
moeda de cobre. E você terá que descrever os seios dela para mim.” 
Bast jogou a cabeça pra trás e riu. “Feito”. 
Eles  apertaram   as  mãos  para  fechar  negócio,  a  mão  fina  do  menino  era  delicada  como  uma 
asa de um passarinho. 
Bast  inclinou­se  contra  a  árvore  relâmpago,  bocejando   e  esfregando  a  parte  de  trás  de  seu 
pescoço. “Então. Qual é o assunto?” 
O  olhar  sombrio  de  Kostrel  projetou­se,  e  ele  sorriu  animadamente.  “Eu quero  saber  sobre  os 
Fae”. 

É  significativo   notar  que  Bast  terminou  seu  grande  ruído  de  um  bocejo  como  se  não  se 
importasse  com  a  pergunta.  É  bastante  difícil  bocejar  e  espreguiçar­se  quando  sua  barriga 
sente  como  se  você  tivesse  engolido  um  pedaço  de  ferro  amargo  e  sua  boca  subitamente  
ficara seca. 
Mas  Bast  era  uma  espécie  de um  dissimulado  profissional,  então  bocejou  e  espreguiçou­se,  e 
foi ao ponto de poder coçar­se preguiçosamente debaixo do braço. 
“E aí?”, perguntou o menino, impaciente. “Você sabe o suficiente sobre eles?” 
“Uma  quantidade  razoável”,  falou  Bast,  fazendo  o  melhor  possível  para  parecer modesto desta 
vez. “Mais do que a maioria das pessoas, eu imagino.” 
Kostrel  inclinou­se  para  frente,  com  seu  rosto  fino atento. “Eu pensei que você soubesse. Você 
não é daqui. Você sabe coisas. Você já viu o que realmente está mundo afora.” 
“Algumas  coisas,”  Bast  admitiu. Ele  olhou  para  o  sol.  “Faça  logo  as  suas  perguntas.  Eu  tenho 
que estar em algum lugar ao meio­dia.” 
O  garoto  assentiu  seriamente,  então  olhou  para  a  grama  em  frente  dele  por  um  momento, 
pensando. 
“Como eles se parecem?” 
Bast  piscou  por  um  momento, tomado de  surpresa.  Então  ele riu impotente e ergueu as mãos. 
“Tehlu  misericordioso.  Você tem noção  de  quão  louca foi essa pergunta? Eles não se parecem 
com nada. Eles são eles mesmo.” 
Kostrel  pareceu  indignado.  “Você  tá  tentando  me  tapear!”  ele  disse,  levantando  um  dedo  para 
Bast. “Eu disse sem enrolações!” 
“Eu  não  estou.  Honestamente  não  estou.”  Bast  ergueu  suas  mãos  defensivamente.  “É apenas 
uma  questão impossível  de  se  responder.  O que você diria se eu perguntasse a você como as 
pessoas  se  parecem?  Como  responderia  isto?  Há   tantos  tipos  de  pessoas,  e  elas  são  tão 
diferentes.” 
“Então é uma grande pergunta.” Kostrel disse. “Dê­me uma grande resposta.” 
“Não é apenas grande,” falou Bast. “Preencheria um livro.” 
O garoto deu de ombros, profundamente rude. 
Bast franziu o cenho. “Pode­se argumentar que a sua pergunta não é  focada nem específica.” 
Kostrel  ergueu  uma  sobrancelha.  “Então  estamos  argumentando  agora?  Achei  que  nós  
estivéssemos  trocando  informações?  Completa  e  livremente.  Se   você  perguntar  onde 
Emberlee  vai  para  tomar  seu  banho,  e  eu  disser,  “em  um  córrego”  você  iria  se  sentir como se 
eu estivesse medindo as palavras, não sentiria?” 
Bast  suspirou.  “Justo.  Mas  se  lhe  dissesse  todos  os  rumores  e  trechos   que  já  ouvi,  ia  levar 
dias.  A  maior  parte  seria  inútil,  e  alguns  nem  sequer  seriam  verídicos  porque  foram apenas de 
histórias que ouvi.” 
Kostrel  franziu  o  cenho,  mas  antes  que  pudesse  protestar,  Bast  ergueu  uma  mão.  “Eis  o  que 
vou  fazer.  Apesar  da  natureza  sem  foco  de  sua  pergunta,  vou  lhe  dar  uma resposta que cobre 
de forma geral as coisas...” Bast hesitou. “... uma resposta secreta sobre o assunto. Certo?” 
“Dois segredos.” Kostrel falou, seus olhos escuros cintilando de empolgação. 
“Justo.”  Bast  profundamente  respirou.  “Quando  você  diz  fae,  você  está falando  sobre  qualquer 
coisa  que  vive  no  Fae.  Isso  inclui  um  monte  de  coisas  que  são...  apenas  criaturas.  Tipo 
animais. Aqui você tem cachorros e esquilos e ursos. No Fae, eles têm raum e dennerlings e...” 
10 

“E trols?” 
Bast assentiu. “E trols. Eles são reais.” 
“E dragões?” 
Bast balançou a cabeça. “Sobre isto eu não ouvi. Não mais...” 
Kostrel  parecia  desapontado.  “E  sobre  o  povo  faérico?  Como  latoeiros  fadas  e  tal?”  O  garoto 
estreitou   seus  olhos.  “Pense,  esta  não  é  uma  nova  pergunta,  apenas  uma  tentativa  de  
concentrar o avanço da sua resposta.” 
Bast  riu,  impotente.  “Senhor  e  senhora.  O  avanço?  A  sua   mãe  tomou  um  susto  de  um  juíz 
quando estava grávida? De onde você tira esse tipo de conversa? 
“Eu  fico  acordado  na  igreja.”  Kostrel  encolheu  os  ombros.  “E  algumas  vezes  Padre  Leodin me 
permite ler seus livros. Como eles se parecem?” 
“Como pessoas comuns,” falou Bast. 
“Como você e eu?”, indagou o garoto. 
Bast  forçou  um   sorriso.  “Assim   como  você  ou  eu.  Você  dificilmente  não  notaria  se  eles 
passassem  por   você  pela  rua.  Mas  há  outros.  Alguns  deles  são...  Eles  são  diferentes.  Mais 
poderosos.” 
“Como Varsa nunca­morto?” 
“Um  pouco,”  Bast  admitiu.  “Mas  alguns  são  poderosos  em  outras  formas.  Como  o  prefeito é 
poderoso.  Ou  como  um  agiota.” A expressão de Bast passou a ficar azeda. “Muitos deles... não 
são bons de se estar por perto. 
Eles gostam de enganar as pessoas. Brincar com elas. Machucá­las.” 
Muito da empolgação de Kostrel se esvaiu ao ouvir isto. “Eles parecem demônios.” 
Bast  hesitou,  então  assentiu  relutantemente.  “Alguns  deles  são  muito  parecidos  como 
demônios,” ele admitiu. “Ou tão próximo que nem chega a fazer diferença.” 
“Alguns deles são como anjos também?” perguntou o garoto. 
“É legal pensar nisso,” Bast retrucou. “Eu espero.” 
“De onde eles vieram?” 
Bast  ergueu  sua  cabeça.  “Então  esta é a sua segunda pergunta?” ele perguntou. “Suponho que 
seja, uma vez que não tem nada a ver com como eles se parecem...” 
Kostrel  fez  uma  careta,  parecendo  um  pouco  embaraçado,  mas  Bast  não  sabia  dizer  se  ele 
estava  envergonhado  ou  se  estava  satisfeito  com  as  suas  perguntas,  ou  envergonhado  por ter 
sido   pego  tentando  ganhar  uma  resposta  extra.  “Desculpe­me,”  ele  disse,  “É  verdade  que  um 
encantado nunca pode mentir?” 
“Alguns  não  podem,”  Bast  respondeu.  “Alguns  não  gostam.  Alguns ficam felizes de mentir mas 
nunca  voltam  atrás  em  suas  promessas  ou quebram sua palavra.” Ele deu de ombros. “Outros 
mentem tão bem, e em todas as oportunidades.” 
Kostrel  começou  a  perguntar  mais  alguma  coisa,  mas  Bast  pigarreou.  “Você  tem  que admitir,” 
ele  disse.  “É  uma  resposta  muito  boa.  Eu  até  te  dei   algumas  perguntas  grátis,  para  ajudar  a 
manter o foco das coisas, por assim dizer.” 
Kostrel deu um aceno mal humorado. 
“Eis  o  seu  primeiro   segredo.”  Bast  ergueu  um  único  dedo.  “A  maioria  dos  Fae  não  vem  para 
este  mundo.  Eles  não  gostam.  Este  mundo  é  um  tanto  áspero  para  eles,  como  se  vestissem 
uma  camisa  de  estopa. Mas  quando  eles  vem,  gostam  de  alguns  lugares  mais  do  que  outros.  
11 

Eles  gostam  de  lugares  ermos.  Lugares  secretos.  Lugares  estranhos.  Há muitos  tipos  de  fae, 
como tribunais e casas. E todos eles são regidos de acordo com seus próprios desejos...” 
  
Bast  continuou  num  tom leve de conspiração.  “Mas algo que agrada a todos os encantados são 
lugares  com   conexões  brutas, coisas  verdadeiras  que  dão  forma  ao mundo. Lugares  que  são 
tocados   com  fogo  e  pedra.  Lugares  que  estão  próximos  à  água  e  o  ar.  Quando  os  quatro 
unem­se...” 
Bast  parou  para  ver  se  o  garoto  iria  interromper.  Mas  o rosto de  Kostrel havia perdido a astúcia 
latente  que  possuía antes.  Ele  parecia  uma  criança  novamente,  ligeiramente boquiaberto, seus 
olhos arregalados de admiração. 
“Segundo  segredo,”  Bast  disse.  “O  povo  encantado  se  parece  um  pouco  conosco,  mas  não 
exatamente.  A  maioria  tem  algo  que  os  torna  diferentes.  Seus  olhos.  Suas  orelhas.  A  cor  de 
seus  cabelos  ou  pele.  Algumas  vezes  eles  são  mais   altos  que  o  normal,  ou  mais  baixos,  ou 
mais fortes, ou mais bonitos.” 
“Como Feluriana.” 
“Sim,  sim,”  Bast   falou  irritadamente.  “Como  Feluriana.  Mas  qualquer  um  do  Fae   que  tenha  a 
habilidade  de  viajar  pra  cá,  terá  astúcia  suficiente  para  esconder  coisas”  Ele  se  inclinou, 
assentindo para si mesmo. “Este é um tipo de mágica que os encantados comungam entre si.” 
Bast expeliu os comentário final como um pescador arremessando uma isca. 
Kostrel  fechou  sua  boca  e  engoliu  à  seco.  Ele  não  lutou  contra  a linha.  Ele  sequer  sabia  que 
havia sido fisgado. “Que tipo de magia eles podem fazer?” 
Bast revirou os olhos dramaticamente. “Oh, vamos,  há outro livro inteirinho digno da questão.” 
“Bem,  talvez  você  devesse  escrever  um  livro,  então,”  Kostrel  disse  categoricamente.  “Aí  você 
pode me emprestar e matar dois pássaros com uma única pedra.” 
O comentário pareceu pegar Bast de jeito. “Escrever um livro?” 
“É  o  que  as  pessoas  fazem  quando  elas  sabem   toda  maldita  coisa,  não  é?”  Kostrel  disse 
sarcasticamente. 
“Eles escrevem para então mostrar.” 
Bast  olhou  pensativo  por  um  instante,  então  sacudiu  a  cabeça  para  desanuviá­la.  “Está  bem. 
Eis  o  que  eu  sei.  Eles  não  pensam  nisso  como  magia.  Eles  nunca usariam  este  termo.  Eles 
chamariam de arte ou ofício. Eles falam de parecer ou dar forma.” 
Ele  olhou  para  o  sol  e  franziu  os  lábios.  “Mas  se  eles estavam sendo francos, o que raramente 
são,  lembre­se, diriam que quase tudo que fazem é glammouria ou grammaria. Glammouria é a 
arte de fazer algo parecer. Grammaria é a arte de fazer algo ser.” 
Bast  apressou­se antes  que  o  garoto  pudesse  interrompê­lo.  “Glammouria  é  fácil.  Eles  podem 
fazer  uma   coisa   parecer  o  que  não  é.  Eles  poderiam  fazer  uma   camisa  branca  parecer  ser 
azul.  Ou  uma  camisa  rasgada  parecer  estar  inteira.  A  maioria  do  povo  tem  pelo menos uma 
pequena  fração  desta  arte.  Suficiente  para  que  se  escondam  dos  olhos  mortais.  Se  seus 
cabelos  forem  de  um branco  prateado,  a  sua  glammouria  poderia  fazer  com  que  parecessem 
escuros como a noite.” 
Novamente,  o  rosto  de  Kostrel  estava  disperso  em  admiração.  Mas  não  era  uma  admiração 
supérflua,  escancarada  como  antes.  Era  uma  admiração  ponderada.  Uma  admiração 
12 

inteligente,  curiosa  e  faminta.  Era  o  tipo  de  admiração  que  conduziria  um  garoto  para  uma 
pergunta que havia começado com um por quê. 
Bast  podia  ver  as  formas  destas  coisas  se  movendo  nos  olhos   escuros  do  menino.  Seus 
malditos  olhos  sagazes.  Muitos  sagazes  pela  metade.  Logo  esses  pensamentos  vagos 
começaram  a  se   cristalizarem  em perguntas  do  tipo  “Como  elas  fazem  sua  glammouria?”  ou 
até pior. “Como um jovem garoto pode quebrá­lo?” 
E  então,  com  uma  pergunta  assim  suspensa  no   ar?  Nada  bom  poderia  provir  disto.  Quebrar 
uma  promessa  honestamente  feita  e  mentir  descaradamente  ia  contra sua  vontade.  Até  seria 
pior  fazer  isto  neste  lugar.  Seria  muito mais fácil dizer a verdade e,  em seguida, certificar­se de 
que algo acontecesse com o garoto... 
Mas  sinceramente,   ele  gostava  do  garoto.  Ele  não  era  tapado  ou  fácil.  Não  era  mesquinho  ou  
baixo.  Ele  empurrou  de volta.  Ele  era  engraçado,  cruel,  faminto  e  mais  lívido  do  quaisquer  três 
pessoas  da cidade juntas. Ele era brilhante como  vidro quebrado e afiado o bastante  para cortar 
a  si  mesmo.  E  Bast  também, aparentemente. Bast esfregou o rosto. Isto nunca acontecera. Ele 
nunca  havia  estado  em  conflito  com  seu  próprio  desejo  antes  de  chegar  aqui.  Ele  odiava  isto. 
Isto  era  unicamente  simples.  Querer  e  ter.  Ver  e  tomar.  Correr e perseguir. Sedento e saciado. 
E  se  ele  houvesse  se  frustrado  em  busca  de  seu  desejo...   e  daí?  Este  era  simplesmente  o 
modo das coisas. O desejo em si continuaria seu, continuaria puro. 
Não  foi  assim  agora.  Agora  seus  desejos  ficaram  complicados.  Eles  estavam  constantemente 
em  conflito  uns  com  os  outros. Sentia­se  infinitamente  voltado  contra  si  mesmo.  De  nenhuma 
forma nada era mais simples, ele foi arrancado de diversas maneiras... 
“Bast?”,   Kostrel  disse,  sua  cabeça  inclinada  para  o   lado,  com  preocupação  em  seu  rosto. 
“Você está bem?” ele perguntou. “Qual é o problema?” 
Bast  sorriu   um  sorriso  sincero.  Ele  era  um  garoto curioso.  De  fato.  Este  era  o  caminho.  Este 
era  o  estreito  caminho  entre  desejos.  “Eu  só  estava  pensando.  Grammaria  é  muito  mais  difícil 
de explicar. Eu não posso afirmar que entendo disto tão bem.” 
“Apenas  faça  seu  melhor,”  Kostrel  disse  gentilmente.  “Qualquer  coisa que me  diga  será  mais 
do que eu sei.” 
Não, ele não podia matar este garoto. Isto seria um tanto quanto difícil. 
“Grammaria  é  mudar  uma  coisa.”  Bast  disse,  fazendo  um  gesto  indistinto.  “Fazendo disto algo 
diferente do que é.” 
“Como  transformar  chumbo  em  ouro?”,  indagou  Kostrel.  “É  assim  que  eles  fazem  ouro 
feérico?” 
Bast  fez  questão  de  sorrir  perante  a  pergunta.  “Boa  tentativa,  mas  isso  é  glammouria.  É  fácil, 
mas  não  o  bastante.  É  por  isso  que  as  pessoas   que   pegam  ouro  faérico  acabam  com  os 
bolsos cheios de pedras ou bolotas pela manhã. 
“Eles  podem  transformar  cascalho  em  ouro?”  Perguntou  Kostrel.  “Se   eles  realmente 
quiserem?”  “Não   é  este  tipo  de  mudança.”  Interpôs  Bast,  embora  ainda  tenha  rido  e  assentido 
para  aquela  questão. “Isto  é muito grande. Grammaria é sobre... mudança. É sobre transformar 
algo em mais do que realmente é”. 
 O rosto de Kostrel se retorceu com a confusão. 
Bast  respirou  fundo  e  expirou  de  vez  pelo  nariz.  “Deixe­me  tentar  outra  coisa.  O  que  você tem 
em seus bolsos?” 
13 

Kostrel  vasculhou­o e  estendeu as mãos. Havia um  botão de bronze, um pedaço de papel, uma  


ponta de lápis, uma pequena faca dobrável... e uma pedra com um buraco. É claro. 
Bast  passou  sua  mão  vagarosamente  sobre  a  coleção  de  trecos,  eventualmente  parando 
acima  da  faca.  Ela  não  era  particularmente  fina  ou  elegante,  apenas  um  pedaço  de   madeira 
plana  do  tamanho  de  um  dedo  com  uma  ranhura  onde  uma  lâmina  pequena  e  dobrável  fora 
escondida. 
Bast pegou­a delicadamente entre dois dedos e colocou­a no chão entre eles. 
“O que é isto?” 
Kostrel enfiou o resto de seus cacarecos em seu bolso. “É a minha faca.” 
“É isto mesmo?” Questionou Bast. 
Os olhos do garoto estreitaram­se desconfiadamente. “O que mais poderia ser?” 
Bast  sacou  sua  própria  faca.  Ela  era  um  pouco   mais  larga,  e  ao  invés  de  madeira,  ela  foi 
entalhada  em  em um pedaço de chifre de veado, polido e bonito. Bast a abriu, e a lâmina brilhou 
ao sol. 
Ele deitou sua faca próxima a do garoto. “Você trocaria sua faca pela minha?” 
Kostrel  olhou  para  a  sua  faca,  enciumado.  Não   obstante,  não  houve  nem  um  rastro  de 
hesitação antes que ele abanasse a sua cabeça. 
“Por que não?” 
“Porque é minha,” disse o garoto, seu rosto se turvando. 
“A minha é melhor,” Bast falou com naturalidade. 
Kostrel  aproximou­se  e  pegou  sua  faca,  fechando  a  mão possessivamente. Seu  rosto  estava 
carregado  como uma tempestade. “Meu pai me deu isto.”  Ele disse. “Antes que ele recebesse o 
soldo  do  rei  e passasse a ser um soldado e para nos salvar dos rebeldes.” Ele olhou para Bast,  
como se o desafiasse a dizer uma única palavra que contrariasse isso. 
Bast  não  desviou  o  olhar  dele,  apenas  assentiu  seriamente.  “Então é  mais  que  uma  faca.”  Ele 
disse. “É especial para você.” 
Ainda segurando a faca, Kostrel assentiu, piscando rapidamente. 
“Para você, é a melhor faca.” 
Outra concordância. 
“É  mais  importante  do que as outras facas. E não é apenas aparentemente.” Bast falou. “É algo  
que a faca é.” 
Houve um lampejo de compreensão nos olhos de Kostrel. 
Bast  assentiu.  “Isto  é grammaria. Agora imagine se alguém pegasse uma faca e a fizesse mais 
do  que  uma  faca  realmente  é.  A  transformasse  na  melhor  faca.   Não  apenas  para  eles,  mas 
para  alguém.”  Bast  pegou  a  sua  faca  e  fechou­a. “Se eles realmente são capazes, eles podem 
fazer  isso  com  qualquer  outra  coisa  além de uma faca. Eles podem fazer um fogo mais do que 
realmente  é.  Mais  faminto.  Mais  quente.  Alguém  realmente  poderoso  pode  até fazer mais. Eles 
podem pegar uma sombra...” Ele parou gentilmente, deixando uma lacuna no ar. 
Kostrel  espirou  e  liberou  para  preencher  com  uma  pergunta.  “Como  Feluriana!”  ele  disse.  “Foi 
isso que ela usou para fazer a capa das sombras do Kvothe?” 
Bast  assentiu  seriamente,  feliz  pela  pergunta,  odiando  que  aquela  fosse  a  pergunta.  “Parece 
plausível  pra  mim.  O  que  uma  sombra  faz?  Ela  oculta,  ela   protege.   A  capa  das  sombras  do 
Kvothe faz o mesmo, só que mais.” 
14 

Kostrel  assentia em  compreensão,  e  Bast  o  pressionou  rapidamente,  ansioso para deixar para 


trás este assunto em particular. "Pense na própria Feluriana...” 
O garoto sorriu, ele parecia não ter problema algum para fazer isso. 
“Uma  mulher   pode  ter  um  pouco  de  beleza,”  disse  Bast  vagarosamente.  “Ela  pode  ser  uma 
fonte  de  desejo.  Feluriana  é  isso.  Como  uma  navalha.  A  mais  bela.  A  maior  fonte  de  desejo. 
Para todos…” Bast deixou a ultima frase terminar suavemente mais uma vez. 
Os  olhos  de  Kostrel estavam longe, obviamente  dando ao assunto uma completa reflexão. Bast 
lhe  deu  tempo  para  isso,  e  depois  de  um  momento  outra  questão  surgiu para  o  garoto.  “Isso 
não poderia ser meramente uma Glammouria?”, ele perguntou. 
“Ah,” disse Bast, sorrindo. ”Mas qual é a diferença entre ser bonita e parecer bonita?” 
“Bem...”  Kostrel  parou  por  um  momento,  depois  se  reestabeleceu.  ”Uma  seria  real  e  a  outra 
não.”  Ele  parecia  ter certeza,  mas  isso  não  refletiu  em  sua  expressão.  “Uma  seria falsa.  Você 
poderia perceber a diferença, não poderia?” 
Bast  deixou  a  questão  ao  vento.  Era  próximo,  mas  não  exatamente  isso.  “Qual é  a  diferença 
entre uma blusa que parece branca e uma blusa que é branca?” contrapôs. 
“Uma  mulher   não   é  a  mesma  coisa  que  uma  blusa.”,  Kostrel  disse   com  um  vasto   desdém. 
“Você  saberia  ao  tocá­la.  Se  ela  parecer  macia  e  rosada  como  Emberlee,  mas  seu  cabelo 
parecesse como uma cauda de cavalo, você saberia que não é real.” 
“Glammouria  não  é  apenas  enganar  os  olhos”  disse  Bast.  “É  para  tudo. Ouro  de  fada  parece 
pesado.  E  um  porco  glammourado  cheiraria  como  rosas  quando  você  o  beijasse.”  Kostrel 
visivelmente   refletiu  sobre  isso.  A  mudança  de  Emberlee   para   um  porco  glammourado 
obviamente   o  fez  se  sentir  mais  do  que  um  pouco  chocado.  Bast  esperou um  momento  para 
ele se recompor. 
“Não seria mais difícil  glammourar um porco?” ele perguntou, por fim. 
“Você  é   esperto.”  Encorarou  Bast.  “  Você  está  certo.  E  glammourar  uma  bela  garota  para  ser 
ainda mais bonita não seria muito trabalho. É como colocar cobertura no bolo.” 
Kosbrel  esfregou  suas  bochechas  pensativamente.  “Pode­se usar glammouria e grammaria ao 
mesmo tempo?” 
Bast ficou mais genuinamente impressionado desta vez. “Foi o que eu ouvi.” 
Kostreu  assentiu para si  próprio.  “Deve  ser isso que Feluriana faz.”  Ele disse. “Como creme na 
cobertura do bolo.” 
“Eu  acho  que  sim”  disse  Bast.  “O  que  eu  conheci...”,  ele  parou   abruptamente,  sua  boca  se 
fechou. 
“Você conheceu um Fae?” 
Bast sorriu como uma armadilha de urso. “Sim” 
Nesse   momento  Kostrel  fisgou  tanto  o  gancho  quanto   a  linha.  Mas  era  tarde  demais.  “Seu 
bastardo!” 
“Eu sou”, Bast admitiu, contente. 
“Você me enganou para eu perguntar isso.” 
“Eu  enganei”,  disse  Bast.  “Era  uma  questão  relacionada   ao  assunto,  e  eu  respondi  por 
completo sem nenhum equívoco.” 
Kostrel  ficou  de  pé  e saiu irritado, voltando apenas  um tempo depois. “Me dê meu centavo!”, ele 
exigiu. 
15 

Bast enfiou a mão no bolso e tirou o centavo de cobre. “Onde Emberlee toma seu banho?” 
Kostrel  o  encarou  furiosamente,  depois  disse:  “Para  depois  da  ponte  da  Pedra  Antiga,  em 
direção das colinas a cerca de meia milha. Há um pequeno buraco com um olmo ". 
“E quando?” 
“Depois  do  almoço  na  fazenda  Boggan.  Logo  após  ela  termina  de  lavar  e  pendurar  a  roupa.” 
Bast jogou o centavo, sorrindo como um doido. 
“Espero que seu pinto caia!” O menino disse venenosamente antes de descer do morro. 
Bast  não  pode  evitar  em  rir.  Ele  tentou  fazê­lo  silenciosamente  para  poupar  os sentimentos do  
menino, mas não obteve sucesso. 
Kostrel chegou até a base do morro e gritou. “E você ainda me deve um livro!” 
Bast  parou  de  rir  como  algo  tivesse  fugido  de  sua  memória.  Ele  entrou  em  pânico  por  um 
momento quando percebeu que o exemplar de Celum Tinture não estava no lugar de costume. 
Então  ele  se  lembrou  de  ter  deixado  o  livro  no  topo  da  árvore  de cima  da  ribanceira  relaxou. O 
céu  limpo  não  mostrava  sinal de  chuva.  Ele  estaria  seguro  o  suficiente.  Além  disso,  era quase 
meio  dia,  talvez  um  pouco mais  tarde. Então ele voltou e se apressou para baixo do morro, não 
querendo se atrasar. 
Bast  correu  a  maior  parte do  caminho  para  o  pequeno  vale  arborizado,  e na  hora  que  chegou, 
estava  suando  como  um  cavalo  de  corrida.  Sua  blusa   grudou  nele  de  um  modo  tão 
desagradável  que,  enquanto  ele  andava  pelo  banco  de  água  inclinado,  ele  a  retirou  e  a  usou 
para limpar o suor de seu rosto. 
Uma  longa  e  plana saliência de pedras prolongava­se dentre o Pequeno Riacho de lá,  formando 
uma  calma  piscina  lateral  onde  o  fluxo  retornava   para   si.   Um  estande  de  salgueiros  que 
pendiam sobre da água o tornavam um local privado e sombreado. 
A  margem  estava  cheia  de  arbustos  grossos  e  a  água  era  suave e  calma e clara. Com o peito 
nu,  Bast  saiu  pela  saliência  áspera  de  pedra.  Com  roupas,  seu  rosto  e mãos o faziam parecer 
um  pouco  magro  demais,  mas  sem  camisa  seus ombros  largos  eram  surpreendentes,  sendo 
mais  esperado  de  se  ver em  um  trabalhador  do  campo  do  que em  um  tipo  indolente  que nada 
mais  faz  do que ficar em uma estalagem vazia durante o dia todo. Quando ficou fora da sombra 
dos  salgueiros,  Bast  ajoelhou­se  para  afundar  a   camisa  na  piscina.  Então,  ele  pressionou­a 
sobre   a  cabeça,  tremendo  um pouco  por  conta  do  frio  da  água. Ele  a esfregou  no  peito  e  nos 
braços  rapidamente, sacudindo  as  gotas  de  água de  seu  rosto.  Ele colocou  a  camisa  de  lado, 
se  apoiou  na  beirada  da  pedra  da  borda  da  piscina,  em  seguida,  respirou  fundo  e  mergulhou 
sua cabeça. O movimento fez os músculos de suas costas e  de seus ombros flexionarem. Um 
tempo  depois,  ele  tirou  a  cabeça  para  fora,  ofegando  um  pouco  e  sacudindo  a  água  do  seu 
cabelo.  Bast  então  se  levantou,  alisando  seu  cabelo  com  as  duas mãos.  A agua escorreu pelo 
seu  peito,  fazendo  filetes  em  seu  cabelo  escuro,  escorrendo  toda  pela  superfície  plana  de  seu 
estômago.  Ele  se  sacudiu  um  pouco,  então  saiu  pelo  nicho  escuro  produzido  por  uma 
plataforma  pontiaguda  de  uma  rocha  pendendo.  Ele  apalpou  por  um  tempo  antes  de  puxar a 
saliência  do  sabão  cor­de­manteiga.  Ele  se  ajoelhou   novamente  na  borda  da  água,  molhando 
sua blusa várias vezes, em seguida, esfregando­a com o sabão. Demorou um pouco, já que ele 
não  tinha  nenhuma  placa  de  lavar  e   ele,  obviamente,  não  queria  roçar  a  camisa  contra  as 
pedras  ásperas.  Ele  ensaboou  e  enxaguou  a  blusa  várias  vezes,  torcendo­a  com  as  mãos,  
fazendo  com  que  os  músculos  de  seus  braços  e  ombros  se   tencionassem  e  se 
16 

entrelaçassem.  Ele  fez  uma limpeza  completa,  embora  no  momento  em  que  ele  terminou,  ele 
estava completamente encharcado e sujo de espuma. 
Bast colocou sua camisa em uma pedra de sol para secar.  Ele começou a se desfazer de suas 
calças,  então  parou  e  inclinou  a  cabeça   para   um  lado,  tentando  retirar  a  água  de  seu  ouvido. 
Talvez  por  causa  da  água  em  seu  ouvido  Bast  não  ouviu  os  gorjeios  animados  vindo  dos  
arbustos   que  cresciam  próximos  a  margem.  Um  som  que  poderia  ser,  possivelmente,  de 
pardais  batendo­se entre os galhos. Um bando de pardais. Vários bandos, talvez. E se Bast não 
tivesse  visto   os  arbustos  se  movimentando  também?  Ou  notado   que  dentre  as  folhagem 
pendurada  entre  os  ramos  de  salgueiro  não  havia  as  cores  que  normalmente são encontradas 
em árvores? 
Hora   um  rosa   pálido,  hora  um vermelho  corado.  De  vez  em  quando,  um  amarelo  irrefletido ou 
um centáurea­azul. 
E  embora  seja  verdade  que  os  vestidos  viessem  nessas  cores...bem...  as  aves  também. 
Tentilhões  e   gralhas.  E,  além  disso,  era  de  conhecimento   popular  entre  as  moças  da  cidade 
que moreno que trabalhava na pousada era terrivelmente míope. 
Os  pardais  piaram  nos  arbustos  a  medida  que  Bast  começou  a  desamarrar  o  cordão de suas 
calças   novamente.  O  nó  aparentemente  estava  dando­lhe  trabalho.  Ele  atrapalhou­se  com  ele 
por  um   tempo,  então  ficou  frustrado  e  deu  uma  grande  esticada  felina,  com  seus  braços  em 
arco  sobre  a  cabeça,  o  corpo  dobrando  como  um  arco.  Finalmente  ele  conseguiu  deixar  o  nó 
frouxo e ficou livre de suas calças. Ele não usava nada por baixo. 
Ele  as   jogou  em  um  canto  e  do  salgueiro  veio  um  grito  do  tipo  que  poderia  ter  vindo  de  um 
pássaro  maior.  Uma  garça­real,  talvez.  Ou  um corvo.  E  se  um  ramo  tremeu  violentamente, ao 
mesmo  tempo,  bem,  talvez  um  pássaro  tivesse  se  inclinado  para  muito  longe  de seu  ramo  e 
quase caiu. E, além disso, foi no momento em que Bast estava olhando para outro lado. 
Bast  mergulhou  na água,  em  seguida,  respingou  água  como um  menino e ofegante com o frio. 
Depois  de  alguns  minutos  partiu  para  uma  parte  mais  rasa  da  piscina,  onde  a  água  subiu  até 
quase  alcançar  sua  cintura  estreita.  Debaixo  da  água,  um  observador  atento  poderia  notar  as 
pernas do  rapaz parecia um pouco... estranhas.  Mas estava sombreado lá e todos sabem que a 
agua  dobra  a  luz  de  forma  estranha,  fazendo  as  coisas parecerem  diferentes  do que elas são. 
E,  além  disso,  pássaros  não  são  os observadores mais cautelosos, especialmente porque sua 
atenção estava concentrada em outro lugar. 
 
Uma  hora  mais  tarde,  ligeiramente  úmido  e  com  cheiro  doce  de  sabão  de madressilva,  Bast 
escalou  a  ribanceira  onde  tinha  certeza  de  ter  deixado  o  livro  de  seu  mestre.  Foi  a  terceira 
ribanceira  que  ele  escalou  na  última  meia  hora.  Quando  chegou no  topo,  Bast  relaxou  com  a  
visão  de  um   espinheiro.  Caminhando  para  mais  perto,  ele  viu  que  era  a  árvore  certa,  com  a 
brecha  onde  ele  se  lembrava.  Mas  o  livro  tinha  desaparecido.  Uma  volta  em  torno  da  árvore 
mostrou  que  ele  não  tinha  caído  no  chão.  Então  o  vento  se  agitou  e  Bast  viu  algo  branco.  Ele 
sentiu  um  calafrio  instantâneo,  temendo  ser  uma  pagina  solta  do  livro. Poucas coisas irritavam 
tanto  seu  mestre  como  um  livro  mal cuidado.  Mas  não,  se  aproximando,  Bast não viu  o  papel. 
Era  uma   extensão  lisa  de  casca  de  bétula.  Ele  a   retirou  e  viu  as  letras  riscadas  com  uma 
inclinação tosca. 
  
17 

Eu prciso fala co vc.  Eh emportante. 
Rike 
  
Tarde: Pássaros e abelhas 
  
Sem  saber  onde  poderia  encontrar  Rike,  Bast  fez  seu   caminho  de  volta  para  a  Árvore 
Relâmpago. Ele se estabeleceu no lugar de costume quando uma menininha veio até ele. 
Ela não parou no monólito e, ao invés disso, marchou direto morro acima. 
Ela  era mais nova do que os outros, com seis ou sete anos. Ela usava um vestido azul brilhante 
e  tinha  lacinhos  roxos amarrados  em seu cabelo  cuidadosamente enrolado. Ela nunca tinha ido 
a  árvore  relâmpago  antes, mas  Bast  já  a  havia  visto.  Mesmo  se  não tivesse, poderia supor por 
suas  roupas   finas  e seu  cheiro de  água  de  rosas  que  era  Viette,  a filha  mais  nova  do  prefeito. 
Ela  escalou  o  pequeno  morro  vagarosamente,  carregando  algo  peludo  na  dobra  de  seu  braço. 
Quando ela cheio no topo ela ficou parada, um pouco inquieto, mas ainda esperando. 
Bast  olhou  para  ela  silenciosamente  por  um  momento.   “Você  conhece  as  regras?”  ele 
perguntou. 
Ela  se  ficou  de  pé,  com  fitas roxas  em  seu  cabelo.  Ela  obviamente  parecia  amedrontada,  Mas 
seu lábio inferior estava tenso, desafiador. Ela assentiu. “Quais são elas?” 
A  garotinha  lambeu  os  lábios  e  começou  a  recitar  com  uma   voz  cantada.  “Não  ser  mais  alto 
que  a  pedra.”  Ela apontou  para o monólito caído na parte inferior do morro.  “Quando vier para a 
árvore preta, venha sozinha.” 
Ela colocou o dedo nos lábios, imitando o som de “chiu”. 
“Não dizer­“ 
“Espere” Bast interrompeu. “Você não disse as duas ultimas frases enquanto tocava na árvore.” 
A  menina  empalideceu  um  pouco por conta disso,  mas deu um passo a frente e colocou a mão 
contra  a  madeira  desbotada  pelo  sol  da   árvore  que  já  estava  morta  há  muito  tempo.  A  garota 
pigarreou  novamente,  então  parou,  seus  lábios  se  movimentando silenciosamente percorrendo 
desde  o  inicio  do  poema  até  encontrar  onde  tinha  parado.  ”Não dizer a nenhum  adulto o que foi 
dito aqui, senão, que um relâmpago te acerte e te mate.” 
Quando  ela  disse  a  ultima  palavra,  Viette  engasgou  e  puxou  a  mão  para  trás,  como  se  algo 
tivesse  queimado ou mordido seus dedos. Seus olhos ficaram maiores a medida que ela olhava  
para  as  pontas  dos  seus  dedos  e  viu  que  estavam  intocados,  com  um  rosa  saudável.  Bast 
escondeu um sorriso por trás de sua mão. 
“Muito  bem  então,”  Bast  disse.  “Você  conhece  as  regras.  Eu   guardo  seus  segredos  e  você 
guarda  os  meus.  Eu  posso  responder  suas  perguntas  ou  ajudo  a  solucionar  algum  problema.” 
Ele  se   sentou  novamente,  suas  costas  contra  a  árvore,  deixando­lhe  na  altura  dos  olhos  da  
menina. “O que você quer?” 
Ela  se  estendeu  a pequena  nuvem  de  pelos  brancos  que ela carregava na dobra do seu braço. 
Ele miou. 
“Esse é um gatinho mágico?” ela perguntou. 
Bast  pegou  o  gatinho  em  sua  mão  e  olhou  para  ele.  Era  uma  coisa  dorminhoca,  quase  inteiro  
branco.  Um  olho  era  azul  e  o outro  verde.  “De  fato,  é  sim”  ele  disse, um  pouco surpreso. “Pelo 
menos um pouco” Ele entrou o gato de volta a ela. 
18 

Ela assentiu séria. “Eu quero chama­la de Princesa Glacê” 
Blast simplesmente ficou olhando para ela, perplexo. “Está bem.” 
A menina fez uma careta para ele. “Eu não sei se ela é menina ou menino!” 
“Oh”  disse  Bast. Ele estendeu a mão, pegou o gatinho, em seguida, acariciou­o e entregou­o  de 
volta. "É uma menina". 
A filha do prefeito estreitou os olhos “Você está mentindo?” 
Bast  piscou  para  a  menina,  então  riu  “Por  que  você  acreditaria  em  mim na  primeira  vez  e  não 
na segunda?” ele perguntou. 
“Eu  sabia  que  ela  era  uma  gatinha  mágica.”  Disse  Viette,  revirando  os  olhos,  irritada.  “Eu  só 
queria  ter  certeza. Mas  ela  não  está usando  um vestido. Ela não tem fitas ou laços. Como você 
pode saber que ela é uma menina?” 
Bast  abriu  sua  boca.  Então  fechou  novamente.  Ela   não  era  uma  filha  de  fazendeiro  qualquer. 
Ela  tinha  uma  governanta  e  um  armário  cheio  de  roupas.  Ela  não  passava  o  tempo  entre 
ovelhas  e  porcos  e  cabras. Ela  nunca  viu  um  cordeirinho  nascer. Ela  tinha  irmãs  mais  velhas, 
mas nenhum irmão... 
Ele  hesitou.  Ele  preferiria  não  mentir.  Não  aqui.  Mas  ele  não  tinha  prometido  responder  a 
pergunta,  não  fez  nenhum  tipo  de  acordo  com  ela.  Isso fez as coisas serem mais fáceis. Muito 
mais  fácil  do  que  ter  o  prefeito  raivoso  visitando  na  Marco  do  Percurso exigindo  saber  porque 
sua filha repentinamente conhecia a palavra “pênis”. 
“Eu  fiz  cócegas  na  barriga da  gatinha”  Bast  disse  com  facilidade.  “E se ela pisca para mim, eu 
sei que é uma menina.” 
Isso   satisfez  Viette  e  ela  balançou  a  cabeça  solenemente.  “Como  eu  faço  meu  pai  me  deixar 
ficar com ela?” 
“Você já pediu gentilmente a ele?” 
Ela assentiu. “Papai odeia gatos.” 
“Implorou e chorou?” acenou com a cabeça. 
“Gritou e deu um ataque histérico?” 
Ela revirou os olhos e deu um suspiro irritado. “Eu já tentei tudo isso, ou eu não estaria aqui.” 
Bast  pensou  por  um  momento.  “Está  bem,  primeiro  você  deve  conseguir um pouco de comida 
que  possa  se  manter  boa  por  dois  dias.  Biscoitos,  salsicha,  maçãs.  Esconda  isso  no  seu 
quarto   onde  ninguém  possa  ver.  Nem  mesmo  sua   governanta.  Nem  a  empregada.  Você  tem 
um lugar assim?” 
A garotinha assentiu. 
“Então  você  vai  perguntar  ao  seu  papai  mais   uma  vez.  Seja  gentil  e  educada.  Se  ele   ainda 
disser  não,  não  fique  brava.  Só  diga  a  ele  que  você  ama  a  gatinha.  Diga  que  se  você  não ficar 
com ela, você tem medo de ficar tão triste que você morrerá.” 
“Ele ainda dirá não” disse a garotinha. 
Bast  deu  os  ombros.  “Provavelmente.  Então  ai  vem  a  segunda parte. Hoje a noite, você cutuca  
o  seu   jantar.  Não  coma.  Nem  mesmo  a  sobremesa”  A  garotinha   começou  a  dizer  algo,  mas 
Bast levantou a mão. 
“Se  alguém  lhe perguntar, somente diga que você  não está com fome. Não mencione a gatinha. 
Quando você estiver sozinha em seu quarto, coma um pouco da comida que você escondeu.” 
A garotinha parecia pensativa. Bast continuou. 
19 

“Amanhã,  não  tome  café  da  manhã.  Não  almoce.  Você  pode beber um pouco de água, mas só  
golinhos. Fique só deitada na cama, quando ele perguntar qual é o problema­“ 
Ela se animou “Eu digo que quero minha gatinha!” 
Bast  balançou  a  cabeça  com  uma  expressão  severa.  “Não.  Isso  vai  estragar  o  plano.  Apenas 
diga  que  você  está  cansada.  Se  eles  lhe  deixarem  sozinha,  você  pode  comer,  mas  seja 
cuidadosmãea. Se eles a descobrirem, você nunca terá a gatinha.” 
A garota escutava atentamente agora, com a testa franzida por causa de sua concentração. 
“Lá  pela  hora  do  jantar  eles  estarão  preocupados.  Eles  lhe  oferecerão  mais  comida.  Suas 
preferidas.  Continue  dizendo  que  você  não  tem fome. Que você só está cansada. Apenas fique 
deitada. Não fale. Faça isso o dia todo.” 
“Posso levantar para fazer xixi?” 
Bast  assentiu.  “Mas  lembre­se  de  parecer cansada.  Não  brinque.  No  próximo  dia,  eles estarão 
assustados.  Vão  lhe  levar  ao  médico.  Vão  tentar   lhe   dar  caldo  para  comer.  Eles  tentarão  de 
tudo. Em algum momento, seu pai estará do seu lado e ele lhe perguntará qual é o problema.” 
Bast  sorriu   para   ela.  “É  nessa  hora  que  você  começa  a  chorar.  Não  berrando.  Nem 
choramingando.  Apenas  lágrimas.  Basta  deitar  lá  e  chorar.  Depois diga  que  você  sente  muita 
falta da sua gatinha. Você sente tanta falta que não quer estar mais viva.” 
A  garotinha  pensou  sobre  isso  por  um  longo  minuto,  acariciando  sua  gatinha  distraidamente 
com uma mão. Finalmente ela assentiu. “Está bem” ela se virou para ir. 
“Espere ai!” Bast disse rapidamente. “Eu te dei o que você queria. Você me deve algo.” 
A  menininha  virou­se,  sua  expressão  era  de  uma  estranha  mistura  de  surpresa  e  de  um 
constrangimento  ansioso.  “Eu  não  trouxe  nenhum  dinheiro”  ela  disse,  não  olhando  nos  olhos 
dele. 
“Não  é  dinheiro.”  Disse  Bast.  “Eu  lhe  dei  duas  resposta  e  uma  maneira  de  você ficar  com  sua 
gatinha.  Você  me  deve  três  coisas.  Você  paga  com   presentes  e  favores.  Você  paga  com 
segredos…” 
Ela pensou por um momento. “Papai esconde sua chave do cofre dentro do relógio da cornija." 
Bast assentiu em aprovação. “Esse é um” 
A  garotinha olhou  para  o  céu,  ainda  acariciando  seu gato.  “Eu  vi  a  mamãe  beijar  a  empregada 
uma vez.” 
Bast levantou sua sobrancelha diante disso. “São dois...” 
A garotinha colocou o dedo na orelha e o mexeu. “Isso é tudo, eu acho.” 
“Que  tal  um  favor  então?”  Bast  disse.  "Eu  preciso  que   você  me  busque  duas  dúzias  de 
margaridas com hastes longas. E uma fita azul. E duas braçadas de Tesouro de Donzela " 
O rosto de Viette enrugou­se em confusão. "O que é um Tesouro de Donzela ?" 
“Flores”  disse  Bast,  olhando  intrigado  consigo  mesmo.  “Talvez  você  as  chame de  balsamos? 
Elas  crescem  na   natureza  por  todo  canto.”  Ele  disse,   fazendo  um  amplo gesto  com as  duas 
mãos. 
“Você quer dizer gerânios?” Ela perguntou. 
Bast  balançou  sua  cabeça.  “Não.  Elas  têm  pétalas  frouxas  e  são  mais  ou  menos  desse 
tamanho.”   Fez   um  circulo  com  o  polegar  e  o  dedo  médio  “Elas   são  amarelas  e  laranjas  e 
vermelhas...” 
A garota o fitou sem expressão. 
20 

“A  viúva  Creel  as  deixa na  jardineira  da  janela”  Bast  continuou  “Quando  você  toca  nas vagens, 
elas estalam..." 
O  rosto  de  Viette  se  iluminou  “Oh!  Você  quer  dizer  as  Não­Me­Toques”  ela  disse,  seu  tom  de 
voz  mais  do  que  um pouco  paternalista.  “Eu  posso  te  trazer  um  monte  delas.  Isso  é  fácil.” Ela 
virou para correr morro abaixo. 
Bast  a  chamou  antes  de  ela  dar  o  sexto  passo.  “Espere!” Quando ela se virou, ele perguntou a 
ela. “O que você vai dizer quando alguém lhe perguntar para quem está pegando as flores?” 
Ela  revirou   os  olhos  novamente.  “Eu  digo  que  não  é  da  conta  deles.”  Ela  disse.  “Porque  meu  
papai é o prefeito!” 
Depois  que  Viette  saiu.  Um  alto  assobio  fez  Bast  olhar para baixo do morro pelo monólito. Não 
havia  criança  lá  esperando.  O  assobio  veio  novamente  e  Bast  se  levantou,  se  esticando  de 
forma  longa  e  árdua.  Teria  surpreendido  a  maioria  das  jovens  mulheres  da  cidade  o  quão  fácil 
ele  visualizou  uma  figura  parada  nas  sombras  da  árvore  na  borda  da  clareira  que  estava  a 
quase duzentos metros de distância. 
Bast  caminhou  descendo  a  colina,  através de um  campo  gramado, e em direção a sombra das 
árvores.  Havia  um  menino mais  velho  com  o  rosto  sujo e um nariz achatado. Ele talvez tivesse 
uns  doze  anos  e tanto  sua blusa como calças eram muito pequenas para ele, mostrando muita 
sujeira  em  seu  pulso  pelo  punho  e  um  tornozelo  nu  embaixo.  Estava  descalço  e  havia  um 
cheiro ligeiramente azedo nele. 
“Rike”  A  voz  de  Bast  não  trazia  nada  de  amigável,  fazendo  um  tom  que  ele  usaria  com  as 
outras crianças da cidade. “Como está a estrada para Tinuë?” 
“É  um  maldito  caminho  longo.”  O  menino disse com amargura, não olhando nos olhos de Bast. 
“Nós vivemos na bunda de lugar nenhum” 
“Eu vejo que você tem meu livro.” Bast disse. 
O  rapaz  o   estendeu.  “Eu  num  queria  tentar  roubá­lo”  ele  murmurou  rapidamente.  “Eu  só 
precisava falar com você.” 
Bast pegou o livro silenciosamente. 
“Eu  não  violei  as  regras”  disse  o  garoto.  “Eu  nem  fui  para  a  clareira.  Mas  eu  preciso  da  sua 
ajuda. Eu lhe pagarei por isso.” 
“Você mentiu para mim, Rike” Disse Bast, sua voz severa. 
“E  eu  num  paguei  por  isso?”  O  rapaz  exigiu  com  raiva,  olhando­o  pela  primeira  vez.  “Num 
paguei  por  isso  dez  vezes  mais?  A  minha  vida  num  é  uma  merda  o  suficiente  sem  ter  mais 
merda empilhada no topo dela?” 
“E isso tudo é irrelevante porque você é muito velho agora", disse Bast categoricamente. 
Em  seguida, o garoto lutou e respirou fundo, visivelmente tentando controlar seu temperamento. 
“Tam é mais velho qui eu e ele ainda pode ir a árvore! Eu só sou mais alto qui ele!” 
“Essas são as regras” disse Bast. 
“Essas  são  regras  de  merda!”  O rapaz  gritou,  fazendo  um  punho  com  as mãos. “E você é um 
bastardo de merda, que merece mais cintadas do que recebe.” 
Houve  um  silêncio  então,  quebrado  apenas   pela  respiração  irregular  do  garoto.  Os  olhos  de 
Rike se voltaram para o chão, os punhos cerrados ao lado do corpo, ele estava tremendo. 
Bast estreitou os olhos ligeiramente. 
21 

A  voz  do menino era áspera. “Só um” disse Rike. “Só um favor só essa vez. É um dos grandes. 
Mas eu pagarei. Pagarei o triplo.” 
Bast respirou fundo e soltou o ar como um suspiro. “Rike, eu­“ 
“Por  favor,  Bast?”  Ele  ainda  estava  tremendo,  mas  Bast  percebeu  que  a  voz  do  garoto  não 
estava  mais  com  raiva.  “Só...por  favor?”  Estendeu  a mão e apenas  ficou ali à toa, como se não 
soubesse  o  que  fazer  com  ela.  Por  fim,  ele  pegou  a  manga  da blusa  de  Bast  e  puxou­a  uma 
vez,   debilmente,  antes  de  deixar  a  mão  cair  de  volta  para  seu lado.  “Eu  não  posso  consertar 
isso sozinho”. 
Rike  olhou  para  cima, seus  olhos  cheios de lágrimas. Seu rosto foi torcido em um nó de raiva e 
medo.  Um  menino  muito  jovem  para  evitar  chorar,  mas  ainda  velho  o   suficiente  para  ele  se 
odiar por fazer isso. 
“Eu  preciso  que  você se livre do meu pai” ele disse com uma voz  partida. “Eu não sei como. Eu 
poderia  furá­lo enquanto  ele dormia, mas assim minha  mãe descobriria. Ele bebe e bate nela. E 
ela chora o tempo todo e então ele vai lá e bate mais nela.” 
Rike  olhava  para  o  chão  novamente,  as  palavras  derramavam  dele  em  erupção.  “Eu  poderia 
pegá­lo  enquanto  ele  estivesse  bêbado  em  algum  lugar,  mas  ele  é  muito  grande.  Não  poderia 
movê­lo.  Eles  encontrariam  o corpo  e  o  juíz  me  pegaria.  Eu  não  poderia olhar para minha mãe 
nos  olhos  então.  Não  se  ela  soubesse.  Eu  não  posso  pensar  o  que  isso  faria  com  ela,  se  ela 
soubesse que eu sou o tipo de pessoa que mataria seu próprio pá.” 
Ele olhou para cima então, seu rosto furioso, seus olhos vermelhos de tanto chorar. “Embora eu 
faria. Eu o mataria. Só me diga como fazer.” 
Houve um momento de silêncio. 
“Está bem” disse Bast. 
  
Eles  desceram  para  o  córrego  onde  ele  poderia  tomar  um  gole  de  água  e  Rike  poderia  lavar  o  
rosto  e  se   recompor  um  pouco.  Quando  o  rosto  do   rapaz  estava  limpo,  Bast  notou  que  nem 
toda  imundice  era  sujeira.  Era  fácil  de  confundir,  pois  o  sol  havia  o  bronzeado  em  um  rico 
marrom  noz.  Mesmo  depois  de  ele  ter  se  limpado  bastante   era  difícil  de  saber  se  eram  os 
restos tênues de contusões. 
Suposição  ou  não,  os  olhos  de  Bast  eram  penetrantes. Bochecha e mandíbula. Uma escuridão 
em  torno  de  seu  pulso  magrelo.  E  quando  ele  se  inclinou  para  tomar  uma  bebida  do  córrego, 
Bast vislumbrou as costas do rapaz... 
“Então”  disse  Bast  enquanto  sentava  ao  lado  do  córrego.  “O  que  exatamente  você  quer? Você 
quer que eu o mate ou quer que ele apenas vá embora?” 
“Se  ele  for  apenas  embora,  eu  nunca  dormiria  novamente  por  me  preocupar  de  ele  voltar.” 
Disse   Rike,  então  ele  ficou  um  pouco  em  silêncio.  “Ele  foi  embora  por  um  período  uma vez.” 
Ele  deu  um  leve  sorriso.  “Essa foi  uma boa  época,  só  eu e  minha mã. Era como se fosse meu 
aniversário  todos  os  dias  quando  eu  acordava  e  ele  não  estava  lá.  Eu nunca  pensei que minha 
mãe pudesse cantar...” 
O  menino  ficou   em  silêncio  novamente.  “Eu  pensei  que  ele  tivesse  caído  bêbado  em  algum  
lugar  e  finalmente  tivesse  quebrado  o  pescoço.  Mas  ele  tinha  apenas  negociado  um   ano   de 
peles  em  troca  de  dinheiro  para  beber.  Ele  só  estava  em  seu  barraco  de  armadilhas,  todo 
22 

entorpecido  de  bebida  por  metade  de   um  mês,  e  não  um  pouco  mais  de  um  quilômetro  de 
distância." 
O rapaz sacudiu a cabeça, mais firmemente dessa vez. “Não, se ele for, ele não ficará longe.” 
“Eu  posso  descobrir  como  fazer”  disse  Bast.  “Isso  é  o que eu faço. Mas você precisa me dizer 
o que você realmente quer.” 
Rike  sentou  por  um bom  tempo, abrindo  e  fechando  a mandíbula. “Longe” ele disse finalmente. 
Essa  palavra   parecia  pegar  em  sua  garganta.  “Desde  que  ele  permanece  longe  para  sempre. 
Se você puder realmente fazer isso." 
“Eu posso fazer isso.” Disse Bast. 
Rike  olhou  para  suas  mãos  por  muito  tempo.  “Longe  então.  Eu  o  mataria.  Mas  esse  tipo  de 
coisa  num  é   certa.  Eu  não  quero  ser  esse  tipo  de  homem.  Um  rapaz  não  deve  matar  seu 
próprio pai ”. 
 “Eu posso fazer isso para você.”, disse Bast com facilidade. 
Rike  se  sentou  por  um  tempo,  então  balançou  sua  cabeça.  “É  a  mesma  coisa,  num  é?  De 
qualquer  forma,  sou  eu.  E  se  for  eu,  seria  mais  honesto  se   eu  fizesse  com  minhas próprias 
mãos do que com minha boca.”  
Bast assentiu. “Certo então. Longe para sempre” 
“E logo” disse Rike. 
Bast  suspirou  e  olhou  para  o  sol.  Ele  já  tinha  coisas  para  fazer  hoje.  As  engrenagens  de  seu 
desejo  não  pararam  de  girar  só porque  algum  agricultor  bebeu demais.  Emberlee  tomaria  seu  
banho logo. Ele deveria pegar cenouras... 
Ele  não  devia nada ao garoto também.  Era o oposto. O garoto tinha mentido para  ele. Quebrado 
uma  promessa.  E  enquanto  Bast  acertava  as contas tão firmemente que as outras crianças da 
cidade  nem  sonhavam em  cruzar  seu  caminho  daquele  jeito...  ainda  era  irritante  de  lembrar. A 
ideia de ajudá­lo agora, apesar disso, era completamente o oposto do que ele desejava. 
“Tem  que  ser  logo”,  Rike  disse. “Ele está ficando pior. Eu posso  fugir, mas minha mãe não. E o 
pequeno Bip também não… E...” 
“Certo, certo...” Bast o cortou, sacudindo as mãos. “Logo.” 
Rike engoliu. “O que isso vai me custar?” ele perguntou, ansioso. 
“Muito.”  Bast  disse  amargamente. “Não  estamos falando de fitas e  botões aqui. Pense o quanto 
você  quer  isso.  O  quão importante  isso é.” Ele olhou nos olhos do garoto e não desviou o olhar. 
“Três vezes isso é o que você me deve. Mais um pouco pelo logo.” Ele encarou o rapaz. 
“Pense bem sobre isso.” 
Rike  estava  um pouco pálido agora, mas ele assentiu sem desviar o olhar. “Você pode ter o que 
você  quiser   de  mim”,  ele  disse.  “Mas  nada de  minha  mãe.  Ela  num  tem  muito  mais  além  que 
meu pai já não tenha bebido.” 
“Nós resolveremos isso.” Disse Bast. “Mas não será nada dela. Eu prometo.” 
Rike  respirou  fundo.  Em  seguida,  deu  um  aceno  acentuado  de  cabeça.  “Está  bem.  Quando 
começamos?” 
Bast  apontou  para  o  córrego.  “Encontre­me  uma  pedra  do  rio  com  um  buraco  e  traga  para 
mim.” 
Rike deu a Bast um olhar estranho. “Ocê quer uma pedra de fada?” 
23 

“Pedra  de  fada.”  Bast  disse  com  um  deboche  fulminante  tão  grande  que  Rike  corou  de 
vergonha. 
“Você  está  muito velho para esse absurdo.” Bast deu uma olhada para o garoto. “Você quer que 
eu te ajude ou não?” ele perguntou. 
“Eu quero.”, disse Rike em voz baixa. 
“Então  eu  quero  uma  pedra  do  rio.”  Bast  apontou   para o  córrego.  “Você  deve  ser  a  pessoa  a  
achá­la.” Ele disse. “Não pode ser ninguém mais. E você precisa encontrá­la seca na margem.” 
Rike assentiu. 
“Está bem então.” Bast bateu palmas duas vezes. “Pode ir.” 
Rike  saiu   e  Bast  retornou  para  a  árvore  relâmpago.  Nenhuma  criança  estava  esperando  para 
falar  com   ele,  portanto  vadiou  no  tempo  livre.  Ele  pulou  pedras  no  riacho  próximo  e  folheou 
Celum Tinture, olhando para algumas das ilustrações. Calcificação. Titulação. Sublimação. 
Bran,  feliz   sem  castigo  e  com  uma  mão  enfaixada,  trouxe  dois  pães  doces  enrolados  em  um 
lenço  branco.  Bast  comeu  o  primeiro  e  deixou  o  segundo  de lado. Viette trouxe as braçadas de 
flores  e  uma  fita  azul  fina.  Bast  teceu  as  margaridas  em  uma  coroa,  enfiando  a  fita  através  do 
caule. 
Então,  olhou  para  o  sol  e  viu  que  estava  quase  na  hora.  Bast  removeu  sua  blusa  e  a  encheu 
com  o  rico  amarelo  e  vermelho  das  Não­Me­Toques  que  Viette  trouxe  para ele. Ele adicionou o 
lenço  e  a   coroa,  em  seguida,  pegou  um  pedaço   de  pau  e  fez  uma  trouxinha  para   que   ele 
pudesse levar tudo muito mais facilmente. 
Ele  seguiu  afora  passando  a  ponte  Pedra  Antiga,  então  para  cima  em  direção  às  colinas  e  ao 
redor  de  um   precipício  até  que  achou  o  lugar  descrito  por  Kostrel.  Era escondido  de  maneira 
esperta, e  o regato se encurvava e espiralava em uma amável  pequena piscina perfeita para um  
banho privativo. 
Bast  sentou­se  atrás  de  alguns  arbustos,  e  passada  meia­hora  de  espera  ele  caiu  no  sono.  O  
estalo  agudo  de  um  galho  e  um  pedaço  de  uma  canção preguiçosa  despertaram­no,  e  ele  se 
empertigou  para  baixo  para  ver  a  jovem  mulher  cuidadosamente  se  dirigindo  da  íngreme 
vertente para a borda da água. 
Movendo­se  silenciosamente,  Bast  apressou­se  rio  acima,  carregando seu fardo. Dois minutos 
depois  ele  estava  se  ajoelhando  na  margem  coberta  de  grama  com  a  pilha  de  flores  ao  seu 
lado. 
Ele  pegou  uma  flor  amarela  e  expirou  nela  geltilmente.  Conforme  sua  respiração  roçou  nas 
pétalas,   sua  cor  mudou  gradualmente  para  um  azul   delicado.  Ele  soltou­a  e  a  corrente  a 
carregou lentamente rio abaixo. 
Bast  juntou  um punhado de ramalhetes, vermelhos e laranjas, e expirou neles novamente. Suas 
cores  também  mudaram  e  deslocaram  para  um  pálido  e  vibrante  azul.  Ele  os  espalhou  na 
superfície do regato. Fez isso duas vezes mais até que as flores acabaram­se. 
Então,  pegando  o  lenço  e  a  coroa  de  margaridas,  ele  correu de volta rio abaixo para o pequeno 
vazio  aconchegante  entre  os  olmos.  Ele  se  moveu  rápido  o  bastante  para  que  Emberlee 
estivesse a caminho da margem. 
Suavemente,  silenciosamente,  ele  se  arrastou  até  o  aglomerado  de  olmos.  Mesmo  com  uma 
mão carregando o lenço e a coroa, ele seguiu o lado ágil como um esquilo. 
24 

Bast  deitou­se  ao  longo  de  um  ramo,  protegido  pelas  folhas, respirando  rápido  mas  nao  forte. 
Emberlee  estava  removendo  a  meia­calça  e  dispondo­as  cuidadosamente  em  uma  sebe.  Seu 
cabelo  brilhava  dourado  e  vermelho,  caindo  em  preguiçosas  curvas.  Sua  face  era  doce  e 
redonda, uma amável tom pálido e rosado. 
Bast  abriu  um  sorriso  enquanto  a  via  olhando  ao  redor,  primeiro  para  a  esquerda, então para a 
direita.  Então  ela  começou  a  soltar  o  laço  de  seu  corpete.  Seu  vestido  era  de  um  pálido  
centáurea­azul,  com  bordas  amarelas,  e  ela  esticou­o  na  sebe,  chanfrado  fulgorosamente  de 
maneira  que  parecia  a  asa de um enorme pássaro. Talvez alguma combinação fantástica entre  
um tentilhão e um gaio. 
Vestida  apenas  com  sua  roupa  de  baixo  branca,  Emberlee  olhou  ao  redor  denovo:  esquerda, 
depois  direita.  Então  se  remexeu  para  tirá­la,  um  movimento  fascinante.  Ela  jogou  a  roupa  de 
baixo  de   lado  e  lá  estava  ela,  nua  como  a  lua.   Sua  cremosa  pele  estava  incrível  coberta  de  
sardas. Seus quadris largos e amáveis. As pontas dos seios coradas como o mais pálido rosa. 
Ela  se   precipitou  rapidamente  para  dentro   d’água.  Soltando  uma  série  de  pequenos, 
consternados  gemidos  de  frio.  Eles  eram,  em  consideração,  nada  parecidos  com  um  corvo 
afinal. No entanto, poderiam ser, talvez, com uma garça. 
Emberlee  lavou­se  um  pouco,  salpicando  água  e  tremendo.  Ela  se  ensaboou,  imergiu   sua 
cabeça no rio, e veio a tona ofegante. Molhado, seu cabelo ficou da cor de cerejas maduras. 
Foi  então  que  os  primeiros  Não­Me­Toques  chegaram,  flutuando  na água.  Ela  dirigiu  seu  olhar 
para eles curiosamente enquanto flutuavam ao redor e começou a ensaboar seu cabelo. 
Mais  flores  seguiram  o  fluxo.  Vieram  corrente  abaixo  e fizeram círculos ao redor dela, pegas no 
pequeno  rodamoinho  da  piscina.  A  garota  olhou  para  elas  maravilhada.  Então  ergueu  um 
punhado acima da água e as trouxe defronte sua face, inspirando para sentir seu perfume. 
Ela  riu  encantada  e  mergulhou  abaixo  da   superfície,  emergindo  no  meio  das  flores,  a  água  
escorreu  por  sua  pele pálida, passando por  seus seios nus. Flores se agarraram nela, como se 
relutantes em deixa­la. 
Foi então que Bast caiu da árvore. 
Houve um breve, irritado arrastar de dedos contra a casca, uns  poucos ganidos, então ele bateu 
contra  o  chão como  um  saco  de  banha.  Ele deitou de costas na grama e deixou sair um grave, 
miseravel rosnado. 
Ouviu  um  som  de  chapinhar,  e  então  Emberlee  apareceu  diante dele.  Ela  segurava  sua  roupa 
de baixo branca à frente. Bast, deitado na grama alta, olhou para cima. 
Ele  foi   sortudo  em  aterrissar  naquele  trecho  de  relva,  amortecido   pela  grama  alta  e  verde. 
Alguns  metros  para  um lado,  e  ele  teria  se  esborrachado  de  encontro  as  rochas.  Dois  metros 
para o outro lado e ele teria se afundado na lama. 
Emberlee  ajoelhou­se  ao  seu  lado,  sua  pele  pálida,  seus  cabelos  escuros.  Um  ramalhete 
agarrado ao seu pescoço—era da mesma cor de seus olhos, um pálido e vibrante azul. 
“Oh,”  Bast  disse  feliz  ao  olhar  para  ela.  Seus  olhos  estavam  ligeiramente ofuscados.  “Você  é 
muito mais adorável do que eu imaginei.” 
Ele  levantou  uma  mão  como  se  para  roçar  sua  bochecha,  mas  viu­se  segurando  a  coroa  e  o 
lenço  amarrado.  “Ahh,”  ele  disse,  lembrando.  “Eu  lhe  trouxe  algumas  margaridas  também.  E 
um pão doce.” 
25 

“Obrigada,”  ela  disse,  pegando  a  coroa  de  margaridas  com  as  duas  mãos.  Ela  se  livrou  da 
roupa de baixo para fazê­lo, que caiu suavemente sobre a grama. 
Basst piscou, momentaneamente sem palavras. 
Emberlee  inclinou  a  cabeça  para  olhar  a  coroa;  a   faixa  era  impressionantemente  de  um  azul 
safira,  mas  não  era  nem  perto  de  ser  tão  amável  como  seus  olhos.  Ela a ergueu com as duas 
mãos  e  a  posicionou  orgulhosa  em  sua  cabeça.   Seus  braços  ainda  erguidos,  ela  inspirou 
lentamente. 
O olhar de Bast escorregou da coroa. 
Ela sorriu para ele indulgentemente. 
Bast puxou ar para falar, mas então parou e inspirou denovo pelo nariz. Madressilva. 
“Por acaso você roubou meu sabonete?” ele perguntou incrédulo. 
Emberlee riu e o beijou. 
   
Um  bom  tempo  depois, Bast pegou  o caminho longo de volta para a árvore relâmpago, fazendo 
uma  larga   curva  até  as  colinas ao  norte  da  cidade.  A  paisagem era  mais  rochosa  por  aqueles  
lados, sem solo plano o bastante para o plantio, o terreno muito traiçoeiro para o pasto. 
Mesmo  com   as  indicações  do  menino,  Bast  levou  um  tempo  para  encontrar  a  destilaria  de 
Martin.  O   velho  louco  merecia  certo  reconhecimento  afinal.  Entre   os  espinheiros,  barranco,  e 
árvores  caídas,  não  havia  chance  que  ele  teria  trombado  com  o  esconderijo  acidentalmente,  
espremido dentro de uma caverna superficial, em um insignificantemente pequeno vale. 
A  destilaria  não  era  nenhuma  profusão  de  geringonças  enroscadas  a  velhas  jarras  e  fios  
emaranhados.  Era  uma  obra  de  arte.  Haviam  barris  e  bacias  e  enormes espirais formadas por 
tubos  de  cobre.  Uma  enorme chaleira  de  cobre  com  o  dobro  do  tamanho  de  um  tanque,  e  um 
fogão   para  aquece­la.  Uma  vala  de  madeira  se   estendia  ao  longo  de  todo  o  teto,  e  somente 
depois  de  segui­la  até  o  lado  de  fora   Bast   percebeu  que  Martin  coletava  água  da  chuva  para 
encher seus barris de refrigeração. 
Observando  a  destilaria,  Bast  sentiu  uma  repentina  necessidade  de  folhear  o  Celum  Tinture  e  
aprender  como  eram  chamadas  cada  uma  das  peças,  e  para que serviam. Somente então ele 
percebeu que havia deixado o livro na árvore relâmpago. 
Então  ao  invés  disso  ele  explorou  ao  redor  até  que  achou  uma  caixa  preenchida  com  uma 
maluca  mistura   de  recipientes:  duas  dúzias  de  garrafas   de  todos  os  tipos,  jarros  de  barro, 
antigas  jarras  de  lata  ...  Uma  dúzia  delas  estavam  cheias.  Nenhuma  delas  estavam  rotuladas 
de forma alguma. 
Bast  ergueu  a  garrafa  alta  que  obviamente  conteve  vinho  um dia.  Ele  puxou  a  rolha,  cheirou­a 
cautelosamente,  então  tomou  um  gole  cuidadoso.  Seu  rosto  desabrochou  numa  aurora  de 
deleite.  Ele  quase  que  esperava  aguarrás,  mas  isso  era  ...  bem  ...  ele  nao  tinha  total  certeza. 
Bebeu outro gole. Havia um toque de maçãs na bebida, e ... cevada? 
Bast  entornou  um  terceiro  gole, sorrindo.  Qualquer coisa que fosse, era adorável. Suave e forte 
e só um pouco doce. Martin pode até ser atormentado, mas claramente sabia destilar. 
Já  havia  passado  mais  do  que  uma  hora  antes  que  Bast  fizesse  o  caminho  de  volta  para  a 
árvore   relâmpago.  Rike  não  havia  retornado,  mas  Celum   Tinture  permanecia  intocado.  Era  a 
primeira  vez   que   se  encontrava  feliz  em  ver  o  livro,  pelo  que  se  lembrava.  Ele  abriu  o  livro  no 
26 

capítulo   de  destilação  e  leu  por  meia  hora,   assentindo  para  si  mesmo  em  vários  pontos.  Era 
chamada de bobina de condensação.  Parecia importante, pensou ele. 
Finalmente  ele  fechou  o  livro  e  emitiu  um  suspiro.  Havia  algumas  nuvens  se  adensando,  e 
nenhum  bem  seria  feito  ao  deixar  o  livro  abandonado  de  novo.  Sua  sorte  não  duraria  para 
sempre,  e  ele  estremeceu  ao pensar  no  que  aconteceria se o vento tombasse o livro na grama 
e rasgasse algumas páginas. Se houvesse uma chuva repentina.... 
Então  Bast  caminhou  de  volta  para  a  Pousada  Marco  do  Percurso  e  se  esgueirou 
silenciosamente pela  porta  de  trás.  Pisando  com  cuidado,  ele  abriu um  armário  e enfiou o livro 
dentro.  Ele  estava fazendo  seu  silencioso  caminho  de  volta  para  a  porta antes de ouvir  passos 
atrás de si. 
“Ah, Bast,” o hospedeiro disse. “Você trouxe as cenouras?” 
Bast  estagnou,  pego  embaraçosamente  no meio de sua fuga. Ele ficou ereto e alisou as roupas 
constrangido. “Eu... eu ainda nao cheguei nessa parte, Reshi.” 
O  hospedeiro  suspirou  profundamente.  “Eu  não  peço  uma...”  Ele  parou  e  cheirou,  então  
estreitou os olhos para o homem de cabelos escuros.”Você está bêbado, Bast?” 
Bast pareceu ofendido. “Reshi!” 
O hospedeiro virou os olhos. “Está bem então, você esteve bebendo?” 
“Eu  estive   investigando,”  Bast  disse,  enfatizando  a  palavra.  “Você  sabia  que  o  Martin  Maluco 
tem uma destilaria?” 
“Eu  não.”   o  hospedeiro  disse,  seu  tom  deixando  claro  que  não  achava  a  informação 
particularmente  emocionante.  “E  Martin  não  é  louco.   Ele  só  tem  um  punhado  de  fortes 
afetações compulsivas infelizes. E um toque de maluquice militar de quando ele era soldado.” 
“Bem,  sim...”  Bast  disse  vagarosamente.  “Eu  sei,  pois  ele  atiçou  seu  cachorro  em  mim  e 
quando  eu  escalei  uma  árvore  para  fugir,  ele   tentou  derrubar  a  árvore  a  machadadas.  Mas  
também, fora essas coisas, ele também é louco, Reshi. Muito, muito louco.” 
“Bast.” O hospedeiro olhou­o com olhar de reprovação. 
“Eu  não  estou  dizendo que  ele  é  mau,  Reshi.  Não  estou  nem  dizendo que não gosto  dele. Mas 
acredite. Eu conheço loucura. Ele não tem a cabeça no lugar, como uma pessoa normal.” 
O hospedeiro assentiu conformadamente,  senão impaciente. “Eu notei.” 
Bast abriu a boca, então pareceu ligeiramente confuso. “Sobre o que estávamos falando?” 
“Sobre  seu  estado  avançado  em  tal  investigação,”  disse  o  hospedeiro,  dirigindo  o  olhar  para  a 
janela. “Apesar do fato de ainda estarmos antes da terceira badalada.” 
“Ah.  Certo!”  Bast disse animado. “Eu sei que Martin tem adicionado boa parte dos gastos desse 
ano na conta dele até agora. E que você anda com problemas para ajustar as contas porque ele 
não tem dinheiro.” 
“Ele não usa dinheiro,” o hospedeiro corrigiu gentilmente. 
“Mesma  coisa,  Reshi,”  Bast  suspirou.  “E  isso não muda o fato de que não precisamos de outro 
saco  de  cevada.  A  despensa  está  transbordando  cevada!  Entretanto,  já  que  ele  tem  uma 
destilaria...” 
O  hospedeiro  já  estava  balançando  a  cabeça.  “Não,  Bast,”  ele  disse.  “Eu não  vou  envenenar 
meus clientes com vinho das colinas. Você não tem ideia do que poem nessa coisa ...” 
“Mas  eu  sei,  sim,  Reshi,”  Bast  disse  melancolicamente.  “Acetatos  de   etila  e  metanos.  E 
estanho diluído. Não tem nada disso.” 
27 

O  hospedeiro  piscou,  obviamente  surpreendido.  “Você...  você  tem  mesmo  lido  o  Celum 
Tinture?” 
“Eu estive, Reshi.” Bast declarou orgulhoso. “Em nome do  aperfeiçoamento da minha educação 
e  do  meu  desejo  de  não  envenenar  as  pessoas.  Eu  degustei  um  pouco,  Reshi,  e  posso  dizer 
com  alguma  autoridade que Martin nao está  fazendo vinho das colinas. O produto é encantador. 
Sua qualidade equivale a metade de um Rhis, e isso não é o tipo de coisa que eu digo à toa.” 
O  hospedeiro  afagou  o  lábio  superior  pensativo.  “Onde  você  conseguiu  um  pouco  disso  para 
experimentar?”, ele perguntou. 
“Em  uma  troca,”  Bast  disse,  facilmente  contornando  os  limites  da  verdade. “Estive  pensando”, 
Bast  continuou,  “isso  não  só  daria  a  Martin  a  chance  de   quitar  sua  conta.  Mas  também  nos 
ajudaria a arranjar a preencher o estoque. Essa é difícil, do jeito que as estradas andam ruins...” 
O  hospedeiro  levantou as  duas  mãos  incapacitado.  “Estou  convencido,  Bast.”  Bast,  feliz, abriu 
um sorriso. 
“Honestamente,  eu  o  faria  apenas  para  celebrar  que  você  se  ateve às  suas  aulas  pelo  menos 
dessa  vez.   Mas  isso   será  ótimo  para  Martin,  também.  Isso  vai  lhe  dar  uma  desculpa  para  vir 
aqui com mais frequência. Vai ser bom para ele.” 
O  sorriso  de  Bast  murchou  um  pouco.  Se  o  hospedeiro   notou,  não  colocou  seu  comentário.  
“Mandarei um garoto para ir até Martin e pedir para ele vir aqui com algumas garrafas.” 
“Pegue  cinco  ou  seis,”  Bast  disse.  “Está  começando  a  ficar  frio  lá  fora.  O   inverno  está 
chegando.” 
O hospedeiro sorriu. “Tenho certeza que Martin ficará lisonjeado.” 
Bast  empalideceu  ao  ouvir  aquilo.  “Por  todos  os  juncos  não,  Reshi,”  ele  disse, acenando  com 
as  mãos   à  sua  frente  e  dando  um  passo  para  trás.   “Não  diga­lhe  que  eu  irei  beber,  ele  me  
odeia.” 
O hospedeiro escondeu um sorriso atrás de sua mão. 
“Não tem graça, Reshi,” Bast disse nervoso. “Ele arremessa pedras em mim.” 
“Mas  já  faz  alguns  meses  que  não  joga,”  o  hospedeiro  apontou.  “Martin tem sido perfeitamente 
cordial em bela parte das últimas vezes que passou por aqui.” 
“Isso porque não há nenhuma pedra dentro da pousada,” Bast disse. 
“Seja  justo,  Bast,”  o  hospedeiro continuou.  “Ele  tem  sido  civil  por  quase um  ano. Até  educado. 
Está  lembrado   que  ele  se  desculpou  com  você  dois  meses   atrás?  Já  ouviu  algum  relato  do 
Martin se desculpando com qualquer outro nessa cidade?” 
“Não, “ Bast disse, mau­humorado. 
O hospedeiro assentiu. “É um gesto grandioso vindo dele. Está virando a página.” 
“Eu  sei,”  Bast  murmurou,  movendo­se  em direção  à  porta  dos  fundos.  “Mas se ele estiver aqui 
na hora que eu voltar, jantarei na cozinha.” 
  
Rike  alcançou  Bast  mesmo  antes  dele  conseguir  chegar  na  clareira,  muito  menos  na  árvore 
relâmpago. 
“Eu  consegui,”  o  garoto  disse, erguendo  alto  sua mão  triunfantemente. Toda a metade  de baixo 
de seu corpo estava pingando. 
“O quê, já?” Bast perguntou. 
28 

O  garoto  assentiu  e  fez  um  floreio  ao  mostrar  a  pedra  entre  seus  dois  dedos.  Era  uma  pedra 
plana, lisa e redonda, um pouco maior do que uma moeda de cobre. “E agora?” 
Bast  acariciou  o  queixo  durante  um  momento,  como  se   tentando  lembrar  algo.  “Agora 
precisamos  de  uma agulha.  Mas  tem  que  ser emprestada de uma casa onde não haja homens 
habitando.” 
Rike  pareceu  pensativo  por  alguns  segundos,   então  se  iluminou.  “Posso  pedir  uma  para  a  tia 
Sellie!” 
Bast  se  esforçou  para  não  praguejar.  Tinha  se  esquecido  da  Sellie.  “Pode  ser  que  sirva ...” ele 
disse,  relutante,  “Mas  vai  funcionar  melhor  se  a  agulha  vier  de  uma  casa  com  muita  mulheres 
morando nela.“ 
“Rike olhou para cima por mais alguns segundos. “A viúva Creel então. Ela tem uma filha.” 
“Ela  tem  um  filho  também” Bast apontou. “Tem que ser de uma casa onde não haja homens ou 
meninos morando.” 
“Mas  onde  habitem  moram  muitas  mulheres ...”  Rike  disse.  Ele  teve  que  pensar  por  um  longo 
período  de  tempo.  “A  velha  Nan  não  gosta   nem  um   pouco  de  mim, “ ele disse.  “Mas  acredito 
que ela me daria um alfinete.” 
“Uma  agulha,”  Bast  salientou.  “E  você  tem  que  emprestá­lo.  Não  pode  roubá­lo  ou  comprá­lo. 
Ela tem que emprestar­lhe” 
Bast  achava  que  o  garoto  poderia  reclamar  sobre  certos  detalhes,  como o  fato  de  que  a  velha 
Nan  vivia  bem longe do outro lado da cidade, tanto quanto você poderia ir sentido oeste sem sair 
da  cidade  propriamente  dita.  Ele levaria meia­hora para chegar lá, e mesmo assim, a velha Nan 
talvez não estivesse em casa. 
Mas  Rike  não fez mais do que suspirar. Simplesmente assentiu seriamente, virou­se, e decolou 
em uma corrida, quase voando descalço. 
Bast  continuou  até  a  árvore  relâmpago,  mas quando alcançou­a ele viu um bocado de  crianças 
brincando no marco do percurso, claramente esperando por ele. Eram quatro crianças. 
Coberto  pelas  sombras  das  árvores,  à  margem  da  clareira,  Bast  espreitou­as  hesitante,  então 
olhou  em  direção  ao  Sol  antes  de  se  embrenhar  de  volta  na floresta. Ele havia outro peixe para 
fritar. 
A  fazenda  dos  Williams  na  verdade  não  era  nenhuma   fazenda.  Ao  menos  por  décadas.  Por 
estar  a  tanto  tempo  infértil,  o  solo  não  parecia  ter  sido  um  dia destinado ao plantio, sarapintado 
com  espinheiros  e  mudas  de  árvores.  O  celeiro  alto  carecia  de  reparos  e metade do  teto  era 
um buraco aberto ao céu. 
Percorrendo   o  longo  caminho  através  dos  campos,  Bast  virou  em  uma  curva e  viu  a  casa  de 
Rike.  Sua  aparência  contava  uma  história  diferente  à  do  celeiro. Era  pequena  mas  ajeitada.As 
telhas  precisavam  de  um  pequeno  conserto,  mas  fora  isso,  tudo parecia  bem  cuidado  e  cheio 
de  propósito.  Cortinas  amarelas  estavam  esvoaçando  para  fora da  janela  da  cozinha,  e  havia 
uma floreira transbordando de cravos amarelos e filodendros. 
De  um  lado  da  casa  havia  uma  baia  com  três  cabras,  e  um  jardim  bem  cuidado  do  outro. 
Estava  densamente  cercado  por  gravetos  amarrados,  no   entanto  Bast  conseguia  vislumbrar 
linhas estreitas de verde dentro. Cenouras. Ele continuava precisando de cenouras. 
Empinando  um  pouco  seu  pescoço,  Bast  viu  várias  caixas   grandes  atrás  da  casa.  Deu  mais 
alguns passos para o lado e olhou­as antes de descobrir que eram colméias de abelha. 
29 

No  exato  momento  ouviu­se  uma  tempestade  de  latidos  e  dois grandes cachorros pretos, com 


orelhas  de  abano,  contornando  a   casa  e   indo  em  direção  a  Bast,  ladrando  com  todas  suas  
forças.  Quando  chegaram  perto  o  bastante,  Bast  se  apoiou  em  um  joelho  e,  de  maneira 
brincalhona lutou com eles. Coçando suas orelhas e a parte de trás de seus pescoços. 
Depois  de  alguns  minutos  de  brincadeira,  Bast  continuou  em  direção  à  casa,  os  cachorros 
correndo  e  pulando  a  sua frente antes  que  eles avistaram algum tipo de animal e correram para 
debaixo   de  um  arbusto.  Ele  bateu  à  porta  da  frente  polidamente,  no  entanto  depois  dos  latidos 
sua presença dificilmente seria uma surpresa. 
A  porta  abriu­se alguns centímetros, e por um momento  tudo o que Bast conseguia ver era uma 
longa  fatia  de  escuridão.  Então  a  porta  abriu­se  um  pouco mais,  revelando  a  mãe  de  Rike. Ela 
era  alta,  e  seus  cacheados  cabelos  castanhos  saltando  livres  da  trança  que  caia  em  suas 
costas. 
Ela  abriu  totalmente  a  porta,  segurando  um   pequeno  bebê  semi­nu  na  curva  de  seu  braço.  A  
face  redonda  pressionada  em  seu  seio,  que  estava  ocupada sugando  o  leite  materno, fazendo 
pequenos grunhidos. 
Olhando para baixo, Bast sorriu acolhedoramente. 
A mulher olhou afetuosamente para a criança, e então favoreceu Bast com um sorriso cansado.  
“Olá Bast, no que posso ajudá­lo?” 
“Ah,   bem,”  ele  disse  embaraçosamente,  levantando  seu  olhar  para  os  olhos  dela.  “  Eu  estava 
pensando, madame. Digo, Senhora Williams...” 
“Pode  me  chamar  de  Nettie,  Bast,”  ela  disse  indulgente.   Mais  do  que  algumas  pessoas  da 
cidade  consideravam  Bast  um  tanto  simplório  na  cabeça,  um  fato  do  qual  Bast  não  se 
importava. 
“Nettie,” Bast disse, com seu sorriso mais cativante. 
Houve  uma  pausa, e  ela  se  inclinou  no  batente  da porta. Uma menina pequena espiou ao redor 
da saia azul desbotada, nada mais do que um par de olhos sérios. 
Bast sorriou para a menina, que desapareceu novamente atrás de sua mãe. 
Nettie olhou para Bast coma r de expetativa. Finalmente ela impeliu. “Você estava pensando ...” 
“Ah sim.” Bast disse. “Eu estava pensando se o seu marido estaria em casa.” 
“Temo que não está,” ela disse. “Jessom está fora, checando suas armadilhas.” 
“Ah,”  Bast  disse,  desapontado.  “ Sabe  se  ele  vai  voltar  logo?  Eu não me importaria de esperar  
...” 
Ela  balançou a  cabeça,  “Sinto  muito.  Ele  vai  fazer  as  linhas  e  então passar a noite esfolando  e 
secando em sua cabana.” Ela assentiu vagamente em direção as colinas. 
“Ah,” Bast disse novamente. 
Aninhado  confortavelmente  nos  braços  da  mãe,  o  bebê  inspirou  profundamente,  e  então 
suspirou  alegre,  silenciando  e  adormecendo.  Nettie  olhou  para  baixo,  e  então  para  Bast, 
apoiando um dedo nos lábios. 
Bast  assentiu  e  deu  um  passo para trás do batente da porta, assistindo enquanto Nettie andava 
para  dentro,  habilmente  separando  o  bebê adormecido de seu mamilo com a mão livre, e então 
ajeitava  cuidadosamente  a  criança  em  um  berço  de  madeira  que estava  no chão. A menina de 
olhos negros surgiu detrás da mãe e se inclinou para o bebê. 
30 

“Me  chame  se  ele  começar  a se  agitar,”  Nettie  disse  suavemente.  A  pequena menina assentiu 
seriamente,  sentou  em  uma  cadeira  próxima  e  começou a  balançar o berço gentilmente com o 
pé. 
Nettie  andou  para  fora,  fechando  a  porta  atrás   de  si.  Ela  deu  os  últimos  poucos  passos 
necessários  para  chegar  até  Bast,  ajeitando  seu  corpete  inconscientemente.  Pela  iluminação 
da  luz  do   sol  Bast  notou  suas  maçãs  do  rosto  altas  e  boca  generosa.  Mesmo  assim,  ela 
parecia  mais  arrumada  do  que  bela,  seus  olhos  negros  estavam  pesados  de  preucupação.  A 
mulher  alta  cruzou  os  braços  ao  redor  do  peito.  “Qual  é  o  problema  então?"  ela  perguntou 
desgastada. 
Bast  pareceu  confuso.  “Não  há  problema,  “  ele  disse.  “Eu  estava pensando se seu marido tem 
alguma tarefa.” 
Nettie descruzou os braços, parecendo surpresa. “Oh.” 
“Não   tem   muita  coisa  para  eu  fazer  na  pousada,”  Bast  disse  de  maneira  um  pouco  tímida. 
“Pensei que seu marido talvez precisasse de uma mão extra.” 
Nettie  olhou  em  volta, os  olhos  mirando  o  velho  celeiro.  Sua  boca  repuxando  nas  laterais.  “Ele  
prepara  armadilhas  e  caça  pela  maior  parte  do  tempo   hoje  em  dia  nesses  dias,”  ela  disse. 
“Mantem  ele  ocupado,  mas  não  ao  ponto  de  precisar  de  ajuda,  eu  imagino.”  Ela  olhou  de  volta 
para Bast. “Pelo menos nunca fez menção de precisar.” 
“E  você?”  Bast  perguntou,  dando  seu  sorriso  mais  charmoso.  “Tem  alguma coisa por aqui em 
que você possa precisar de uma mão?” 
Nettie  sorriu  para  Bast  indulgentemente.  Era  só  um  pequeno  sorriso,  mas  retirou  10  anos  e 
meio   mundo  de  preucupação  do  rosto  dela,  fazendo­a  praticamente  brilhar  de  amabilidade. 
“Não   tem   muito  o   que  fazer,”  ela  disse  desculpando­se.  “Só   três   cabras  para  cuidar,  e  meu 
menino se encarrega disso.” 
“Lenha?”  Bast  perguntou.  “Não  tenho  problemas  para  fazer  um  trabalho  suado.  E  deve  estar 
sendo  difícil  lidar  com  as coisas  com  seu cavalheiro  fora  por  dias  afinal ...” Ele sorriou para ela 
esperançoso. 
“E nós não temos o dinheiro para pagar por uma ajuda, eu temo.” Nettie disse. 
“Só preciso de algumas cenouras,” Bast disse. 
Nettie  olhou  para  ele  por  alguns  minutos,  e  então  explodiu  em  gargalhadas.  “Cenouras,”  ela 
disse esfregando a face. 
“Quantas cenouras?” 
“Talvez... seis?” Bast perguntou, soando claramente não ter certeza de sua resposta. 
Ela  riu  novamente,  balançando  a  cabeça  um  pouco.  “Tudo  bem.  Você  pode  partir  algumas 
toras.”  Ela  apontou  para  o  bloco  de  corte  que  ficava  atrás  da  casa.  “Virei  até você quando tiver 
feito o bastante para seis cenouras.” 
Bast  partiu  obstinado para o trabalho, e logo o quintal estava cheio do barulho fresco e  saudável 
de  madeira  partindo­se.  O  sol  ainda  brilhava  forte  no  céu,  e  depois  de  alguns  minutos  Bast 
estava coberto por uma fina camada de suor. 
Ele arrancou a camisa descuidadamente e pendurou­a em uma cerca do jardim próxima. 
Havia  algo  diferente  na  maneira  como  ele  partia  a   madeira.  Nada  dramático.  Na  verdade,  ele 
partia   a  madeira  do  mesmo  jeito  que  todo  mundo   fazia:  você  posiciona  a  tora  de  pé,  você 
golpeia com o machado, você corta a madeira. 
31 

Não tem algo em que se possa improvisar. 
Mas  mesmo  assim,  havia  uma  diferença no jeito que ele o fazia. Quando ele colocava a tora de  
pé, ele se movia atentamente, 
Então  ele  esperaria  um  momento,  perfeitamente  parado.  Então  vinha  o  golpe.  Era  um 
movimento fluído. 
O posicionamento de seus pés, o dançar dos longos músculos de seu braço ... 
Não   havia  nada  extravagante.  Nada  como  um  floreio.  Mesmo  assim,   quando  ele  levantava  o 
machado  e  o  trazia  em  um  perfeito  arco  até  a  madeira,   havia  elegância nisso.  O  ruído  rouco 
agudo  que  a  madeira  fazia  daao  partir­se,   o  jeito  repentino  como  as  metades  quicavam  no 
chão. De algum jeito, ele fazia o processo parecer... bem ... arrojado. 
Ele  trabalhou  durante  árduos  trinta  minutos,  até  que  Nettie  saiu de  dentro  da  casa,  carregando 
um  copo  de  água  e  um  punhado  de  cenouras  cheias  com  o  cabo  verde  ainda  preso.  “Tenho 
certeza que isso já vale pelo menos seis cenouras,” ela disse, sorrindo para ele. 
Bast  pegou  o  copo  de  água,  bebeu   metade  dele,  então  se  curvou  e  jorrou  o   resto  em  sua 
cabeça.   Ele  estremeceu  um  pouco,  então  se  endireitou,  seu  cabelo  negro  se  enrolando  e  
grudando  em  seu  rosto.  “  tem  certeza  de  que  não  tem  mais   nada  em  que  precise  de  uma 
mão?”  ele  perguntou,  lançando  um  sorriso  fácil para ela. Seus olhos eram negros e sorridentes  
e mais azuis do que o céu. 
Nettie  balançou  a  cabeça.  Seu  cabelo  estava  solto  da  trança  agora,  e  quando  ela  olhava  para 
baixo,  as  curvas  soltas  cairam  separadamente  ao  redor  de  seu rosto. “Não consigo pensar em 
nada que precise ser feito,” ela disse. 
“Eu  tenho  jeito  com  mel  também,”  Bast  disse,  içando  o  machado  para  apoiá­lo  em  seu  ombro 
nu. 
Ela  pareceu  um  pouco  confusa  até  que  Bast  apontou  em  direção  as  colméias  de  madeira 
espalhadas  através  do  campo  coberto  de  mato.  “Ah,”  ela  disse,  como  se  lembrando  de  um 
sonho  semi­esquecido.  “Eu  costumava  fazer  velas  e  mel.  Mas  perdemos  algumas  colméias 
para  o  inverno rigoroso  de  três  anos  atrás.  E  então  outra  para  uma  praga.  Então  houve aquela 
primavera  úmida   e  mais  três  se  foram  levadas  pela  chuva  colina  abaixo  antes  que 
soubessemos”.  Ela  encolheu  os  ombros.  “No  começo  desse  verão   vendemos  uma  para  os 
Hestles para poder pagar os impostos ...” 
Ela balançou a cabeça de novo, como se estivesse em  um devaneio. Ela encolheu os ombros e 
se virou para olhar para Bast. “Você sabe lidar com abelhas?” 
“Consideravelmente,”  Bast  disse  suave.  “Ela  não  são   difíceis  de  lidar.  Elas  só  precisam  de 
paciência e ternura.” 
Ele  casualmente  golpeou  com  um machado para que ficasse preso em um toco próximo. “Elas 
são igual a todo o resto, de verdade. Só precisam saber que estão seguras.” 
Netties  estava  olhando  em  direção  ao  campo,  assentindo  com  as  palavras  de  Bast 
inconscientemente.  “Só sobraram  duas,”  ela  disse. “O bastante para algumas velas. Um pouco 
de mel. Não muito. Dificilmente vale a pena o esforço, sério.” 
“Ah,   vamos  lá,”   Bast   disse  gentilmente.  “Um  pouco  de  doçura  é  tudo  o  que  temos  as vezes. 
Sempre vale a pena. Mesmo se demande algum esforço.” 
Nettie  virou  para  olha­lo.  Dessa  vez  em  seus  olhos.  Em  silêncio,  mas  não  desviando  o  olhar 
também. Seus olhos eram como uma porta aberta. 
32 

Bast  sorriu,  gentil   e  paciente,  sua  voz  aconchegante   e  doce  como  o  mel.  Ele  estendeu  sua 
mão. “Venha comigo, “ ele disse. “ Tenho algo para lhe mostrar.” 
  
O  sol  estava  começando a  afundar  em  diração  a  floresta  Oeste quando Bast retornou a árvore 
relâmpago. 
Ele  estava  mancando  um  pouco  e  tinha  sujeira  em   seu  cabelo,  mas  parecia  estar  de  bom 
humor.  Haviam  duas  crianças na parte inferior do morro, sentadas  no monólito e balançando os 
pés  como  se  fosse  um  enorme  banco  de  pedra.  Bast  nem  sequer  teve  tempo  para  sentar­se 
antes  que  elas  subissem até  o  morro  juntas.  Era  Wilk,  um  menino  sério  de  dez  anos  com  um 
cabelo  loiro   bagunçado.  Ao  seu  lado  estava  sua  irmãzinha  Pem,  com metade  de  sua  idade  e  
três vezes mais linguaruda. 
O  garoto  assentiu  a  Bast  a  medida  que  ele  chegava  ao  topo  do  morro,  então  ele  olhou  para 
baixo. 
“Você machucou sua mão” ele disse. 
Bast  olhou  para  sua  mão  e  se  surpreendeu   ao  ver  algumas  manchas  escuras  de  sangue 
escorrendo pelos lados. Ele tirou seu lenço e cobriu o machucado. 
“O que aconteceu? “A pequena Pem pergunta a ele. 
“Eu fui atacado por um urso” ele mentiu despreocupadamente. 
O  rapaz  balançou  a  cabeça,  não  dando  indícios se  ele  tinha  acreditado  ou  não  que  aquilo  era 
verdade.  
“Eu preciso de um enigma para desafiar Tessa” disse o menino. “ Um dos bons”. 
”Você cheira como o vovô” Pem piou enquanto ela subia para ficar ao lado de seu irmão. 
Wilk a ignorou. Bast fez o mesmo. 
“Está  bem.”  disse  Bast. “Eu  preciso  de  um  favor,  eu  posso  trocar  com  você.  Um  favor por um 
enigma.” 
“Você cheira como o vovô quando ele tomava seu remédio” Pem esclareceu. 
“Porém tem que ser um muito bom”Will salientou. “Um quebra­cabeça” 
“Mostre­me  alguma  coisa  que  nunca  fora  vista  antes  e  que  nunca  será vista  novamente.” Bast 
disse. 
“ Hmmm…” disse Wilk, parecendo pensativo. 
“  O  vovô  diz   que   ele  se  sente  bem  melhor  com  seu  remédio”  Pem  disse,  bem  alto  e  bem 
irritada  por  ser  ignorada.  “Mas  a mamãe disse  que  não  é remédio. Ela diz que ele voltou com a 
bebedeira.  E  o  vovô  diz  que  ele  se  sente  muito  melhor  então  é  por  causa  do maldito remédio”. 
Ela olha para eles, revezando entre  Bast e Wilk  como se os desafiasse a repreendê­la. 
Nenhum dos dois o fez. Ela pareceu um pouco desanimada. 
“Esse é um dos bons” Will admitiu, finalmente. “Qual é a resposta?” 
Bast deu um lento sorriso. “O que você vai me oferecer em troca disto?” 
Wilk inclinou sua cabeça para um lado. 
“Eu já disse. Um favor.”  
“ Eu troquei seu enigma por um favor.” Bast disse com facilidade.  “Mas agora você está pedindo 
a resposta…” 
33 

Wilk  pareceu  confuso  por  um momento,  então  seu  rosto  ficou  vermelho  e  irritado.  Ele respirou 
fundo,  como  se  estivesse  prestes  a  gritar.  Então  pareceu  pensar  melhor  e  saiu  descendo  a 
colina, batendo seus pés. Sua irmão viu ir, então se virou para Bast.  
“Sua  camisa  está  rasgada”  disse  ela  com  desaprovação.  “E  você  tem  manchas  de  grama em 
suas calças. Sua mãe vai te dar uma surra.” 
“Não,  ela  não  vai”  Bast  disse  presunçosamente.  “Por  que  já  sou crescido  e  posso  fazer  o  que 
quiser com minhas calças. Poderia atear fogo nelas e eu não teria problema algum.” 
A garotinha o encarou com uma ardente inveja. 
Wilk voltou ao morro. 
“Tudo bem” disse mal­humorado. 
“Meu favor primeiro” disse Bast.  
Ele entregou ao menino uma pequena garrafa com uma rolha na parte superior.  
“Eu preciso que você preencha esta garrafa com água enquanto ela ainda está no ar.“ 
“O quê?“ disse Wilk. 
“Água  que  está  caído  naturalmente“  disse  Bast.  “Você  não  pode  mergulha­la em um barril nem 
em um córrego. Você tem que pegá­la enquanto ainda está no ar. “ 
“A  água  cai  de  uma  bomba quando você a bombeia…“ disse Wilk sem qualquer esperança real 
em sua voz. 
“Água  que  está  caindo  naturalmente.”  Bast  disse  novamente,  dando  ênfase  na  última  palavra.  
“Não serve se alguém somente sobe em uma cadeira e derrama água de um balde.” 
“Para que você precisa disso?” Pem perguntou em sua voz estridente. 
“O que você vai me oferecer em troca para eu responder essa questão?” Bast disse. 
A garotinha ficou pálida e bateu uma mão em sua boca. 
“Talvez não chova por dias” Wilk disse. 
Pem deu um suspiro tempestuoso.  
“Não  tem  que  ser  de chuva” disse sua irmã, sua voz cheia de condescendência.  “Você poderia 
simplesmente ir até a cachoeira perto do Pequeno Penhasco e encher a garrafa lá.”   
Wilk piscou. Bast sorriu para ela. 
“Você é uma garota esperta.“ 
Ela revirou os olhos. “Todo mundo diz isso…” 
Bast  tirou  alguma  coisa de seu bolso e segurou. Era uma palha de milho verde enrolada  em um 
pique de favo de mel pegajoso. Os olhos da menina brilharam quando ela viu. 
“Eu  também  preciso  de vinte e uma nozes de carvalho perfeitas” ele disse. “Sem buracos, com 
seus  pequenos chapéus  intactos.  Se  você  pegá­las  para  mim  perto  da  cachoeira,  eu  lhe  darei 
isso.” 
Ela assentiu ansiosamente com a cabeça. Em seguida, ela e seu irmão correram morro abaixo. 
Bast  voltou  para  a  piscina  perto  do  salgueiro  estendido  e  tomou  outro  banho.  Não   era  seu 
horário de banho habitual, por isso não havia pássaros a sua espera, e como resultado, o banho 
foi  muito  mais  prático  do  que  o  anterior. Ele rapidamente se enxaguou, livrando­se do suor e do  
mel,  ele  havia  manchado  um  pouco  de  suas  roupas,  tendo  que  esfregá­las  para  se  livrar  das 
manchas  de  grama  e  do  cheiro  de  uísque.  A  água  fria fez arder um pouco os cortes nas juntas 
de seus dedos, mas não eram graves e se curariam bastante bem sozinhos. 
34 

Nu  e   pingando,  ele  saiu  da  piscina  e  encontrou  uma rocha  escura,  aquecida  pelo  longo  dia  de 
sol.  Colocou  suas  roupas  sobre  ela  e  deixou  secar  enquanto  balançava o cabelo até ficar seco 
e retirava a água de seus braços e peito com as mãos. 
Em  seguida,  ele  fez  o seu  caminho  de  volta  para  a  árvore­relâmpago,  pegou  um longo pedaço 
de grama para mastigar, e quase imediatamente adormeceu no sol dourado da tarde. 
  
Noite: Lições  
Horas  mais  tarde,  as  sombras  da  noite  esticavam­se  cobrindo   Bast   e  ele  acordou 
estremecendo.  Ele  sentou­se,  esfregando  o  rosto  e  observando  com  os olhos  embaçados  ao 
seu  redor.  O  sol  estava  começando  a varrer os topos das árvores do ocidente. Wilk e Pem não 
haviam  retornado,  mas  isso  não  foi  uma  surpresa.  Ele  comeu  o  pedaço  de  favo  de  mel  que 
havia  prometido a  Pem,  lambendo  os  dedos  calmamente.  Em  seguida, mastigou  ociosamente 
a cera e viu um par de falcões voarem em círculos lentamente no céu. 
Eventualmente, ele ouviu um assobio vindo  das árvores. Ele se levantou e se esticou, seu corpo 
dobrando­se  como  um  arco.  Então  ele  correu  para  baixo  da  colina...  Exceto  que,  à  luz  fraca, 
não  parecia  muito  com  uma  corrida  veloz.  Se  ele fosse um  menino de dez anos, pareceria que 
estava  pulando.  Mas  ele  não  era  um  menino.  Se  ele  fosse  uma  cabra,  teria  parecido  que  ele 
estava  cabriolando.  Mas  ele  não  era  uma  cabra.  Um  homem  descendo  o  morro  tão  rápido 
pareceria  que estava correndo. Mas havia algo estranho no movimento de Bast à luz baixa. Algo 
difícil de descrever. 
Ele  parecia  como se  estivesse  quase…  o quê?  Gracejando? Dançando? Pouco importa. Basta 
dizer  que  ele rapidamente fez o seu caminho até a borda da clareira onde Rike surgiu no  escuro  
entre as árvores. 
“Eu  consegui“  disse  o  menino,  triunfante,  ele  ergueu   a  mão,  mas  a  agulha  era  invisível  no 
escuro. 
“Você pegou emprestado?“  perguntou Bast. “Não trocou nem a negociou?“ 
Rike confirmou com a cabeça. 
“Está bem” disse Bast. “Siga­me”. 
Eles  andaram  pelo  monólito,  Rike seguiu  silenciosamente  quando  Bast  escalou  um  dos  lados 
da pedra meio caída. 
A  luz  do  sol  ainda  era  forte  lá,  e  ambos  tinham  bastante  espaço para ficar  na  parte  de  trás  do 
amplo  monólito  inclinado.  Rike  olhou  ao  redor  ansiosamente,  como  se  estivesse  preocupado 
que alguém pudesse vê­lo. 
“Vamos ver a pedra”, disse Bast. 
Rike cavou em seu bolso e segurou­a para Bast. 
Bast  recusou  sua  mão  de  repente,  como  se  o  menino  tivesse  tentado  entregar­lhe  um  carvão 
incandescente.  "Não  seja  estúpido",  ele  retrucou.  "Não  é  para  mim.  O  encanto só vai funcionar 
para uma pessoa. Você quer que seja eu?" 
O menino recuou sua mão e olhou para a pedra. “O que você quer dizer com uma pessoa?” 
“É como um amuleto” disse Bast. “Eles só funcionam para uma pessoa de cada vez”. 
Vendo  a  confusão  escrita  no  rosto  do  menino,  Bast  suspirou.  “Você  sabe  como  as  garotas 
fazem amuletos que atraem encantos na esperança de capturar o olhar de um rapaz?” 
Rike assentiu, corando um pouco. 
35 

“Esse  é  o  oposto,”  Bast  disse.  “É  um  amuleto  de  afastamento.  Você vai picar seu dedo, pingar 
uma gota de seu sangue na pedra e ela estará selada. Fará as coisas se afastarem.” 
Rike olhou para a pedra. “Que tipo de coisas?” ele disse. 
“Qualquer  coisa  que  machuque  você.”  Bast  disse  com  facilidade. ”Você  pode  apenas  manter 
ele em seu bolso, ou pode pegar um pedaço de cabo...” 
“Isso fará meu pai ir embora?” Rike interrompeu. 
Bast  franziu  a  testa.  “Era  isso  que  eu  ia  dizer.  Você  é  o  sangue  dele.  Então  isso  fará  ele  se 
afastar  mais  fortemente  do  que  qualquer  outra  coisa.  Você  provavelmente  vai  querer  guardá­lo 
no seu pescoço ou...” 
“E quanto a um urso?” Rike perguntou, olhando pensativamente para a pedra. “Ela faria um urso 
me deixar em paz?” 
Bast  fez  um  movimento  para  frente  e  para  trás  com  sua  mão.  “Coisas  selvagens  são 
diferentes”  ele  disse.  “Eles  são  possuídos  por  puro   desejo.  Eles  não  querem  o  machucá­lo. 
Normalmente eles querem comer ou se proteger. Um urso…” 
“Posso  dá­lo  para  minha  mãe?”  Rike  interrompeu  novamente,  olhando  para  Bast.  Seus  olhos  
negros estavam sérios. 
“...quer proteger seu territ....O quê? Bast pausou. 
“Minha  mãe  que  deveria  ter  isso.” Rike disse.  “E  se  eu  estiver  longe  com  o  amuleto  e meu  pai 
voltar?? 
“Ele  estará  bem   mais  longe  que  isso,”  Bast  disse,  com  um  tom  de  certeza  na  sua  voz.  “Não 
será como se ele estivesse escondido na esquina da ferraria...” 
O  rosto  de  Rike  estava  bem  definido  agora,  o  nariz  amassado  fazendo­o  parecer  ainda  mais 
teimoso.  Ele  balançou  a  cabeça.  "Ela  deveria  tê­lo.  Ela  é  importante.  Ela  tem  que  cuidar  da 
Tess e do pequeno Bip." 
“Funcionará bem...” 
“Tem que ser para ELA!” Rike gritou, com sua mão fazendo um punho em volta da pedra. “Você 
disse que poderia servir para uma pessoa, então você fará com que seja para ela!” 
Bast  fez  uma  careta  para  o  menino  sombrio.  "Eu  não  gosto  do  seu  tom",  disse  ele 
severamente. "Você me pediu para fazer o seu pai ir embora. E é isso que eu estou fazendo...” 
“Mas e se isso não for o suficiente?” O rosto de Rike estava vermelho. 
  “Será.”  Bast  disse  distraidamente  esfregando  o  polegar  sobre  os  nós  dos  dedos  de  sua  mão.  
"Ele irá para longe. Você tem a minha palavra." 
“NÃO!”  Rike  disse,  seu rosto ficando vermelho e nervoso. “E se mandar ele para longe não seja 
o  suficiente??  E  se  eu  crescer  e  ficar  como  meu  pai?  Eu  fico  tão..."  Sua  voz  sufocou,  e  seus 
olhos  começaram  a  escorrer  lágrimas.  "Eu  não  sou  bom.  Eu  sei  disso.  Eu  sei  melhor  do  que 
ninguém.  Como  você  disse. Eu tenho o sangue dele em mim. Ela precisa estar segura de mim. 
Se  eu  crescer  afetado  e  mau,  ela  precisará  do  amuleto  para...Ela  precisará  de  algo  para  me 
manter longe...” 
Rike  cerrou   os  dentes,  incapaz  de  continuar.  Bast  estendeu  a  mão  e  o  segurou  ombro  do 
rapaz.  Ele  estava duro e  rígido  como  uma  tábua  de  madeira, mas Bast o agregou e colocou os  
braços  ao  redor  de  seus  ombros.  Gentilmente,  porque ele tinha reparado nas costas do garoto.  
Eles  ficaram  ali  por  um  longo  momento,  Rike  duro  e  apertado  como   uma  corda  de  arco, 
tremendo como um firme veleiro contra o vento. 
36 

“Rike” Bast disse suavemente. “Você é um bom garoto. Você sabe disso?” 
O  menino  então  se  curvou,  apoiando­se  em  Bast  e  parecia  que  ele  iria  despedaçar  com  os 
soluços.  O  rosto  foi  pressionado  no  estômago  de  Bast  e  ele  disse  algo,  mas  foi  abafado  e  
desconexo.  Bast  fez  um som  cantando  suave,  do  tipo que você usaria para acalmar um cavalo 
ou acalmar uma colméia de abelhas inquietas. 
A  tempestade  passou,  e  Rike  se  afastou  rapidamente  para  longe  e  esfregou  o  rosto 
grosseiramente com a manga. 
O céu começou a se tingir de vermelho com o pôr­do­sol. 
“Certo,”  disse  Bast.  “Está  na  hora.  Faremos  para  sua  mãe.  Você  deve  dar  o  amuleto  a  ela.  A 
pedra do rio funciona melhor quando é dada como um presente.” 
Rike assentiu, não olhando para cima. “Mas e se ela não usá­lo” perguntou baixinho. 
Bast piscou confuso. “Ela usará porque você o dará para ela” ele disse. 
“Mas e se ela não usar?” ele perguntou. 
Bast  abriu  sua boca,  então  hesitou  e  fechou  novamente. Ele olhou para cima e viu  as primeiras 
estrelas do crepúsculo surgirem. Ele olhou para o menino. Suspirou. Ele não era bom nisso. 
Era  tão  mais  fácil.Glammouria  era  sua  segunda  natureza.  Apenas  fazia  as  pessoas  verem  o 
que  elas  queriam  ver.  Enganar  gente  era  simples  como cantar. Enganar populares e dizer­lhes 
mentiras,  era  como  respirar.  Mas  isso?  Convencer  alguém  da  verdade  que  estava  muito 
perturbado para verdade?? Por onde começar?   
Eram  desconcertantes.  Estas criaturas.  Eles estavam cheias  e desgastadas em seus desejos. 
Uma  cobra  nunca  iria  envenenar­se,  mas  essa  gente  faz  disso  uma arte. Eles se prendem em 
seus  medos  e  choram  por  estarem  cego.  Era  irritante.  Foi  o  suficiente  para  quebrar  um 
coração. 
Então  Bast  optou  pelo  caminho  mais  fácil.  “É  parte  da  mágica”  ele mentiu. “Quando você der a 
ela, você deve dizer que fez para ela por que a ama.” 
  
O menino pareceu desconfortável, como se ele estivesse tentando engolir a pedra. 
“É  essencial   para  a  mágica”  disse  Bast  firmemente.  “E  então,  para  fazer  a  mágica  ficar ainda 
mais forte, você deve dizer a ela todos os dias. Uma vez pela manhã e uma vez à noite.” 
O  menino  balançou  a  cabeça, com um olhar determinado  em seu rosto. “Certo. Eu posso fazer 
isso.” 
“Certo, então.” Bast disse. “Sente­se aqui. Fure seu dedo.” 
Rike  o  fez  exatamente  isso.  Ele  apontou  o  dedo  curto  e  grosso  e  deixou  uma  gota  de  sangue 
cair sobre a pedra. 
“Bom.” Bast disse, sentando em frente ao garoto. “Agora me dê esta agulha” 
Rike entregou a agulha. "Mas você disse que só precisava de­" 
“Não  me  diga  o  que  eu  disse."  Bast  resmungou.  "Segure  a  pedra  lisa de modo que os buracos 
fiquem voltados para cima." 
Rike o fez. 
“Segure  firme”  disse  Bast  e  furou  o próprio  dedo.  Uma gota de sangue surgiu lentamente. "Não 
se mexa." 
Rike preparou a pedra com a outra mão. 
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Bast  virou  seu  dedo e a gota de sangue ficou  no ar por um momento antes de cair em linha reta  


entre o buraco para atingir o monólito abaixo. 
Não   houve  som.  Sem  agitação  no  ar.  Nenhum  trovão  distante.  Se  aconteceu  algo,  pareceu 
haver  meio  segundo de silêncio pesado  como tijolo no ar. Mas, provavelmente, foi nada mais do 
que uma breve pausa no vento. 
“É isso?” Rike perguntou depois de um momento, claramente esperando por algo mais. 
“Sim”  disse  Bast,  lambendo  o  sangue  de  seu  dedo  com  uma  língua  bem,  bem vermelha.  Em 
seguida,  trabalhou  em  sua  boca  um  pouco  e  cuspiu  a cera  que  ele  tinha  mastigado.  Ele  rolou 
entre  os  dedos  e  entregou­a  ao  rapaz.  "Esfregue  isso  na  pedra,  em  seguida,  leve­a ao  topo do 
monte  mais  alto  que você puder encontrar. Fique lá até o  último raio de sol, e, em seguida, você 
entrega a ela a noite." 
Os olhos de Rike correram ao redor do horizonte, à procura de uma boa colina. Em seguida, ele 
pulou da pedra e disparou a fora. 
Bast  estava  a meio  caminho  da  pousada  Marco  do  Percurso  quando  ele  percebeu que ele não 
tinha  ideia onde estavam as cenouras. Quando Bast chegou à porta de trás, podia sentir o cheio 
de  pão  e  cerveja  e  do  guisado  cozido.  Olhando  em  volta  da  cozinha  ele  viu  migalhas  na  tábua 
de pães e a tampa estava para fora da chaleira. O jantar já havia sido servido. 
Pisando  suavemente,  ele  olhou  através  da  porta  para  a  sala  comum.  O  povo  de  costume 
estava  sentado  curvado  no  bar,  lá  estavam  o  Velho  Cob  e  Graham,  raspando  suas  tigelas.  O 
aprendiz   do  ferreiro  estava  passando  o  pão  ao  longo  do  interior  de  sua  tigela,  então  enchendo 
sua  boca  com  um  pedaço  de  cada  vez.  Jake  espalhou  manteiga na última fatia de pão, e Shep 
bateu sua caneca vazia educadamente contra o bar, o vazio parecia uma solicitação por si só. 
Bast  se  apressou  pela  porta  com  uma  tigela  de  guisado  fresco  para  o  aprendiz  do  ferreiro 
enquanto  o  estalajadeiro  servia  mais  cerveja  para  Shep.  Coletando  a  tigela  vazia,  Bast 
desapareceu entrando na cozinha,  em seguida, ele voltou com outra fatia de pão meio cortada e 
fumegante. 
“Adivinhem  o  que  o  vento  pegou  hoje?”  O  velho Cob disse com um sorriso largo de um homem 
que sabia ter as notícias mais novas da mesa. 
“O que é?” O menino perguntou com a boca cheia de guisado. 
Cob   estendeu  a mão  e  pegou  a  casca  do  pão,  um  direito  que  ele  tinha  por  ser  a  pessoa  mais 
velha  de  lá,  apesar  do  fato  de ele na realidade não ser o mais velho, e pelo fato de que ninguém 
mais  se   importava  muito  com  a  casca.  Bast  suspeitava  que  ele  a  pegou  porque  estava 
orgulhoso por ainda possuir muitos de seus dentes. 
Cob  sorriu  “Adivinhe” ele disse ao  menino,  então  lentamente  espalhou  manteiga  em  seu  pão  e 
deu uma grade mordida. 
"Eu acho que é algo sobre Jessom Williams", disse Jake alegremente. 
O velho Cob o encarou, com a boca cheia de pão e manteiga. 
“O  que  eu  ouvi”  Jake  falou  vagarosamente,  sorrindo  enquanto  o  velho  Cob  tentou  mastigar 
furiosamente  a  boca limpa. “foi  que  Jessom  ficou  sem  suas  armadilhas e foi capturado por um 
puma.  Então,  enquanto  ele  estava  fugindo,  perdeu  o  controle  e  foi  direto  para  o  Pequeno 
Precipício... Se arrebentou feio”. 
38 

O  velho  Cob  finalmente  conseguiu  engolir.  “Você  é  tapado  como  um  poste, Jacob Walker. Não 
foi  isso  o  que  aconteceu.  Ele  caiu  no  Pequeno  Penhasco,  mas  não  havia  um puma. Um puma 
não atacaria um homem adulto.” 
“Atacaria  se  ele  estivesse  cheirando  a  sangue”  Jake   insistiu.   “O  que  Jessom  estava,  levando 
em conta o fato de que ele estava coletando toda sua caça” 
Houve  murmúrios  em  concordância  com  esse  comentário,  o  que  obviamente  irritou  o  velho 
Cob.  “Não  foi  um  puma”  insistiu.  “Ele  estava  bêbado  até  os  pés.  Foi  o  que  eu  ouvi.  Bêbado 
tropeçando  e  perdido. É a única razão disso.  Porque o Pequeno Penhasco num é  nem de longe 
próximo  de  onde  ficam  suas  armadilhas.  Ao  menos  que  o  puma  tenha  seguido  ele  por  pelo 
menos uma milha...” 
O  velho   Cob  voltou  a  sentar  em  sua  cadeira,  presunçoso  como  um  juiz.  Todos  sabia  que 
Jessom era um pouco bebedor. 
E  embora  o  Pequeno  Penhasco  não  fosse  realmente  a  uma  milha  das  terras  dos  Williams, 
ainda  sim  era  muito  longe  para  ser  perseguido  por  um  puma.  Jake  encarou  venenosamente  o 
velho  Cob,  mas  antes que ele pudesse dizer algo, Graham se intrometeu “ Eu também ouvi que 
ele  bebeu  mesmo.  Duas  crianças  o  encontraram  enquanto brincavam perto da cachoeira. Eles  
pensaram  que  ele  estava  bêbado  e  correram  para  buscar  o  condestável.  Mas  ele  estava 
apenas  golpeado  na  cabeça  e  bêbado  como  um  lorde.  Haviam  vários  pedaços  de  vidros 
quebrados, também. Ele se cortou um pouco”. 
O  Velho  Cob   jogou  suas  mãos  para  cima  no  ar  “  Bom,  isso  não  é  maravilhoso”  ele  disse, 
olhando  carrancudo  para  Graham  e  Jake.  “Alguma  outra  parte  da  minha  história  que  vocês 
gostariam de contar antes de eu terminar?” 
Graham pareceu confuso. “Eu pensei que você...” 
“Eu  não  terminei”  Cob  disse  como  se estivesse falando  com um simplório. “Eu estava soltando 
aos poucos. Eu juro. Vocês não sabem nada sobre contar histórias que caberiam em livros.” 
Um silêncio tenso se estabeleceu entre os amigos. 
“Eu  tenho  algumas  novidades  também”  O  aprendiz  do  ferreiro   disse  quase  timidamente.  Ele 
sentou  próximo  ao  bar,  como  se  envergonhado  de  ser  uma  cabeça  mais  alto  do  que  todos  e 
duas vezes mais largo nos ombros. “Se ninguém mais ouviu disso, quero dizer.” 
Shep  falou “Vá  em  frente,  garoto.  Você  não  tem  que  perguntar. Esses dois tem se mordido por 
anos. Eles não falam por mal.” 
“Bem,  eu  estava  fazendo  sapatos”  o  aprendiz  disse,  “Quando  o Martin  Maluco veio.” O menino 
balançou  sua  cabeça  em  empolgação  e  deu  um  longo  gole  de  cerveja.  “Eu  só  o  vi  algumas  
vezes  na  cidade,  e eu  esqueci  o  quão  grande  ele  era..  Mas  ele parecia maior para mim. E hoje 
ele  aparentava  estar ainda maior porque ele estava  furioso. Estava cuspindo parafusos. Eu juro. 
Ele  aparentava  como  alguem que  tinha  amarrado  dois  touros bravos juntos e os fez vestir uma 
só  camisa!”  O  garoto  riu  com  uma  risada  fácil  de  alguém  que  tinha  bebido  um  pouco  mais  de 
bebida do que de costume. 
Houve  uma   pausa.  “Qual  a  novidade  então?”  Shep  disse  gentilmente,  dando­lhe  uma 
cotovelada. 
“Oh!”  o   aprendiz  do  ferreiro  disse.  “Ele  perguntou  ao  Mestre  Ferris   se  ele  tinha  cobre  o 
suficiente  para  consertar  uma  grande  chaleira”.  O  aprendiz  abriu  seus  longos  braços  bem 
abertos,  com   uma  mão  quase  batendo  na  cara  de  Shep.  ”Aparentemente  alguém  encontrou  a 
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destilaria  de  Martin”.  O  aprendiz  do  ferreiro  inclinou­se  para  frente  balançando  um  pouco,  e 
disse em voz baixa. "Roubaram um monte de suas bebidas e destruíram um pouco do lugar." 
O  menino  se  recostou  na  cadeira  e  cruzou  os  braços  sobre  o  peito  com  orgulho,  confiante  de 
uma história bem contada. 
Mas  não  havia  nenhum burburinho que normalmente acompanha uma boa fofoca. Ele deu outro 
gole na bebida, e lentamente começava a parecer confuso. 
“Por Tehlu” Graham disse, seu rosto pálido. “Martin irá mata­lo.” 
“O que?” O aprendiz disse. “Quem?” 
“Jessom,  seu  estúpido”  Jake  agarrou.  Ele  tentou  esbofetear  o  rapaz  na  parte  de  trás  de  sua 
cabeça  e  teve  que  se  contentar  com  o  ombro,  ao  invés.  “O  camarada  que  ficou  bêbado  como  
um gambá no meio do dia e caiu penhasco a baixo carregando um monte de garrafas?” 
“Eu pensei que tivesse sido o puma” disse o velho Cob com rancor. 
“Ele  vai  desejar  que  tivessem  sido  dez  pumãs  quando  o  Martin  o  pegar.”  Jake  disse 
sombriamente. 
“O  que?”  O  aprendiz do ferreiro riu ”O Martin Maluco? Ele está podre, claro, mas ele não é mau. 
Há  uns  tempos,  ele  me  encurralou  e  falou  besteiras  sobre  cevada  por  duas  horas".  Ele  riu 
novamente. 
"Sobre  como  era  saudável.  Como  trigo  iria  arruinar  um  homem.  Como  o  dinheiro  era  sujo. 
Como ele te acorrenta na terra ou alguma coisa sem sentido do tipo." 
O  aprendiz  baixou  sua voz e curvou os ombros um pouco, arregalando os olhos e fazendo  uma 
imitação  razoável  de  Martin  Maluco.  “Você  sabe?”  disse  ele,  fazendo  uma  voz  áspera  e 
lançando olhares a seu redor. “É. Você sabe. Você ouviu o que eu estou dizendo?” 
O  aprendiz  riu  novamente,  balançando para frente em seu banco. Obviamente ele tinha tomado 
mais cerveja do que era suficiente para ele. “As pessoas pensam que devem ter medo de caras 
grandes, mas elas não devem. Eu nunca bati em um homem a minha vida toda.” 
Todos apenas o encararam. Seus olhos eram seriamente mortais. 
“Martin  matou  um  dos  cachorros  de  Ensal  por  rosnar  para  ele.”  Shep  disse.  “Bem  no meio  do 
mercado. Jogou uma pai como se fosse uma lança. Em seguida, deu­lhe um chute.” 
“Quase  matou  o  ultimo  padre,”  Graham disse. ”O antes de Abbe Leodin. Ninguém sabe porquê. 
O camarada foi até a casa de Martin. Aquela tarde  Martiu trouxe­o para a cidade em um carrinho 
de mão e deixou­o em frente à igreja.” Ele olhou para o aprendiz do ferreiro. 
“Isso foi antes de seu tempo. Faz sentido você não saber.” 
“Bateu em um latoeiro uma vez” Jake disse. 
“Bateu em um latoeiro?” o estalajadeiro explodiu incrédulo. 
“Reshi,” Bast disse gentilmente. “Martin é completamente louco.” 
Jake assentiu. “Mesmo o cobrador de impostos não vai á casa de Martin." 
Cob  parecia como se ele fosse pedir para Jake sair novamente, então decidiu pegar leve. “Bem, 
sim”,ele   disse.  “Verdade.  Mas  isso  é  porque  Martin  serviu  por  muito  tempo  no  exército do  rei. 
Oito anos". 
“E voltou doido como um cão espumando.” Shep disse. 
O  velho   Cob  já  tinha  levantado  de  seu  banco  e  estava  a  meio  caminho  da  porta.  “Chega  de 
conversa.  Nós  temos  que  disser  a  Jessom.  Se  ele  pudesse  sair  da  cidade  até  Martin  se 
acalmar um pouco…” 
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“Então...  quando  ele  estará  morto?”  Jake  disse  rispidamente.  “Lembram­se  quando  ele  jogou 
um cavalo pela janela da velha pousada por que o barman não lhe daria outra bebida?” 
“Um latoeiro?” o dono da pousada repetiu, não parecendo menos chocado do que antes. 
O  silêncio  caiu  ao  som  de  passos  no  corredor.  Todos  olharam  para  a  porta e  ficaram  imóveis 
como uma pedra, com exceção de Bast, que lentamente cortou para a porta da cozinha. 
Todos  deram  um  enorme  suspiro  de  alívio  quando a porta  se abriu para revelar a silhueta alta e 
magra  de Carter. Ele fechou a porta atrás de si, sem perceber a tensão na sala. “Adivinha quem 
vai  pagar  uma  rodada  de  uísque  para  todos  hoje  a noite?”  ele  gritou alegremente,  depois parou 
onde estava, confuso com a sala cheia de expressões sombrias. 
O  velho   Cob  começou  a  andar  para  a  porta  novamente,  encorajando  seu  amigo  a  segui­lo. 
“Venha Carter, eu te explico no caminho. Nós temos que encontrar Jessom muito rápido.” 
“Você  terá  uma  longa  caminhada  para  encontra­lo.”  Carter  disse.  "Eu  dirigi  e  o  levei  por  todo o 
caminho a Baden esta tarde." 
Todos  na  sala  pareceram relaxar. “É por  isso  que  você está tão atrasado.” Graham disse,  sua 
voz  engrossada  com  o  alivio.  Ele  retornou  para  seu  banco  e  bateu  forte  no  bar  com  as  juntas 
dos dedos. Bast lhe deu outra cerveja. 
Carter  fez  uma  careta.  "Não  tão  tarde  assim",  reclamou.  "Eu  gostaria  de  vê­lo  fazer  todo  o 
caminho de Baden e de volta agora, que é mais ou menos 40 milhas ..." 
O  Velho  Cob   pôs  a  mão  no  ombro  do  homem.  “Nem.  Não  é  assim.”  Ele  disse,  dirigindo  seu 
amigo  para  o bar. “Nós só estávamos um pouco assustados. Você provavelmente salvou a vida 
do  tolo  do Jessom  por  tirá­lo  daqui.”  Ele  apertou  os  olhos  para ele.  “Apesar  de  que  eu  te disse 
que você não deveria estar na estrada sozinho esse dia...” 
O  estalajadeiro  buscou  uma  tigela  para  Carter  enquanto  Bast  saiu  para  cuidar  de  seu  cavalo. 
Enquanto ele comia, seus amigos disseram­lhe as fofocas do dia pouco a pouco. 
“Bem  explicado.”  disse  Carter.  ”Jessom  apareceu  fedendo  como  um  beberrão  e  aparentava 
como  se   tivesse  sido  comido  por  doze  demônios  diferentes.  Me  pagou  para  leva­lo  ao  Salão 
Municipal  e  ele  recebeu  o  soldo  do  rei  ali  mesmo.”  Carter  deu  um  gole  em sua  cerveja. “Então 
me  pagou  para leva­lo  direto  a  Baden.  Não  queria  nem parar em  sua casa  para  pegar  roupas  
ou qualquer outra coisa.” 
“Não   há  muita  necessidade  nisso.”  Disse  Shep.  ”Eles  vão  vesti­lo  e  alimenta­lo no  exercito  do 
rei.” 
Graham  deixou  escapar  um grande bocejo. ”Isso foi próximo ao acidente. Você pode imaginar o 
que aconteceria se o juíz viesse atrás de Martin? " 
Todos  ficaram  em  silencio  por  um  momento  imaginando  a  confusão  que viria  se  um  oficial  da 
Lei  da  Coroa  fosse  atacado  ali  na  cidade.  O   aprendiz  do  ferreiro  olhou  para  ele,  “E  quanto  à 
família de Jessom?” ele perguntou bem preocupado. “O Martin irá atrás deles?” 
Os  homens  do  bar  balançaram  suas  cabeças  juntamente.  “Martin  é  doido,”  disse o Velho Cob. 
”Mas ele não é desse tipo. Não vai atrás de mulheres ou de criancinhas.” 
“Eu  ouvi  que  ele  bateu  em  um  latoeiro  porque  ele  estava  avançando  na  pequena  Jenna,” 
Graham disse. 
“Há verdade nisso,” O velho Cob disse suavemente. “Eu vi.” 
Todos  na  sala  viraram­se  para  olhá­lo,  surpresos.  Eles  conheciam  Cob  a vida  toda  e ouviram 
todas  suas  histórias.  Até  a  mais  entediante  delas  já  foi  contada  três  ou  quatro  vezes  ao  longo  
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dos  anos.  O   pensamento  que  ele  poderia  ter  guardado  alguma  coisa  era...  Bem...  Quase 
inimaginável. 
  “Ele  estava  todo  cheio  de mãos com a pequena Jenna,” disse Cob não tirando os olhos  de sua 
cerveja.   “E   ela   ainda  mais  nova  naquela  época,  lembrem­se.”  Ele  pausou  por  um  momento, 
então   suspirou.  “Mas  eu  ainda  era  velho  e...  bem...Eu  sabia  que  aquele  latoeiro  me  daria  uma 
surra  se  eu  tentasse  pará­lo.  Eu podia  ver  o  plano  dele em  seu rosto..”  O  velho  suspirou.  “Eu 
não tenho orgulho disso.” 
Cob  olhou  com um  pequeno sorriso perverso. “Então  Martin virou a esquina,” ele disse. “Isso foi 
atrás  da  casa  do  velho  Cooper,  lembram­se?  E  Martin  olhou  para o  companheiro e Jenna, que 
não  estava  chorando  nem  nada,  mas  ela  obviamente  não  estava  feliz.  E  o  latroeiro  estava  a  
segurando pelo pulso... " 
Cob  balançou  sua cabeça.  “Então  ele  bateu  nele.  Era  como  um  martelo  batendo  um presunto. 
Bateu  direito  para  a  rua.  Dez  metros,  mais  ou  menos.  Então  Martin  olhou  para  Jenna,  que 
estava  chorando  um  pouquinho  então.  Mais  supresa  do  que  qualquer  outra  coisa.  E  Martin  
emperrou  sua  bota  nele.  Só  uma  vez.  Não  tão   forte   quanto  ele  podia,  contudo.  Acho  que  ele 
estava  só  acertando  as contas  em  sua  cabeça.  Como  se  ele  fosse  agiota  acertando  os  lados 
de sua balança. 
“Aquele cara não era propriamente um latoeiro.” Jake disse. “Eu me lembro dele.” 
“E eu ouvi coisas sobre o padre,” Graham acrescendo. 
Alguns outros concordaram sem dizer uma palavra. 
“E  se  Jessom   voltar?”   O  aprendiz  do  ferreiro  perguntou.  “Eu  ouvi   que  alguns  homens  ficam 
bêbados  e  recebem  o  soldo,  então  voltam  covardemente  e  pulam  dos  trilhos  quando  ficam 
sóbrios.” 
Todos  pareciam  estar  considerando  isso.  Não  era  um  pensamento  difícil  para  qualquer  um 
deles.  A  banda  da guarda do rei tinha vindo pela cidade no mês passado e  colocaram um  aviso, 
anunciando uma recompensa por desertores. 
“Por  Tehlu,”  Shep  disse  severamente  com  sua  caneca  quase  vazia. "Isso não seria um grande 
provocação à realeza  para uma confusão?" 
“Jessom  não  vai  voltar,” Bast disse com desdém. Sua voz tinha certo  tom  de certeza que todos 
voltaram os olhares para ele curiosamente. 
Bast  arrancou  um  pedaço  de  pão  e  coloque­o  em  sua  boca  antes  de  perceber  que  ele  era  o 
centro  das  atenções.  Ele engoliu  desajeitadamente  e  fez  um gesto  amplo  com  as  duas  mãos. 
"O que?” ele perguntou, rindo. “Vocês voltariam sabendo que o Martin estaria a sua espera?” 
Houve um coro de grunhidos com negação e cabeças balançando. 
“Você  tem  que  ser  um  tipo  especial  de  estúpido   para   detonar  a  destilaria  de  Martin,”  disse  o 
Velho  Cob.  “  Talvez  oitos  anos  sejam  o  suficiente  para  Martin  se  acalmar  um  pouco.”  Shep 
disse. 
“Provavelmente não. “Jake disse. 
  
  
Mais  tarde,  depois  que  os  clientes  se  foram,  Bast  e  o  dono  da  pousada  sentaram­se  na 
cozinha, fazendo seu próprio jantar do que sobrou do guisado e meio pedaço de pão. 
“Então o que você aprendeu hoje, Bast?” o dono da pousada perguntou. 
42 

Bast deu um grande sorriso. “Hoje, Reshi, eu descobri onde Emberlee toma seu banho!!” 
O estalajadeiro inclinou a cabeça, pensativo. “Emberlee? A filha do Alards?” 
“Emberlee  Ashton!”  Bast  jogou  seus  braços  para  cima  e   fez   um  som  exasperado.  “Ela  é 
apenas a terceira garota mais bonita em 20 milhas, Reshi!!” 
“Ah”  disse  o  dono  da  pousada,  com  um  sorriso  honesto  oscilando  em  seu  rosto  pela  primeira 
vez naquele dia. 
“Você me apontou ela”. 
Bast  sorriu   “Eu  te  levo  lá  amanhã”  ele  disse  ansiosamente.  “Eu  não  sei  se  ela  toma  banho  lá 
todos  os   dias,  mas  vale  a  aposta.  Ela  é  doce  como  creme   e  tem  um  quadris  largos.”  Seu 
sorriso  cresceu  maliciosamente.  ”Ela é  uma  leiteira,  Reshi.”  Ele  repetiu  com  bastante  enfase. 
“Uma leiteira!” 
O  dono  da  pousada  balançou  a  cabeça,  mesmo  que  seu  próprio  sorriso  tivesse  se  espalhado 
impotente  em  seu  rosto.  Finalmente,  ele  deu  uma  risada  e  levantou  sua  mão.  “Você  pode  me 
mostra­la   alguma  hora  quando  ela  estiver  vestida,”  disse  ele  incisivamente.  “Isso  seria 
agradavel.”  Bast  deu um suspiro de desaprovação. “Seria muito bom se você saisse um pouco, 
Reshi.” 
O  estalajadeiro  deu  os ombros.  "É  possível",  disse ele enquanto ele cutucava ociosamente seu  
guisado. 
Eles comeram em silencio por um tempo. Bast tentou pensar em alguma coisa para dizer. 
“Eu  peguei  as  cenouras,  Reshi,”  Bast  disse  enquanto  ele  terminava  o  guisado  e  despejava  o 
resto fora da chaleira. 
“Antes  tarde   do  que  nunca,  eu  suponho.”  Disse  o   dono  da  pousada  com  uma  voz  apática  e 
cinza. “Usaremos elas amanhã.” 
Bast se mexeu na cadeira, constrangido “Receio que as perdi depois.” 
Estalajadeiro  disse  numa  voz  apática  e  cinza.  "Não  se  preocupe  com  elas,  Bast."  disse  ele 
timidamente.  Isso  arrancou outro  sorriso  cansado  do  estalajadeiro.  Seus olhos se estreitaram, 
então, focando na mão de Bast que segurava uma colher. "O que aconteceu com sua mão?" 
Bast  olhou  para  os  machucados  em  sua  mão,  que  não  estavam  sangrando  mais  estavam 
esfoladas bem gravemente. 
“Eu  cai  da  árvore.”  Disse  Bast. Não  mentindo,  mas  também  não  respondendo  a  pergunta.  Era 
melhor  não  mentir  sem  rodeios.  Mesmo  cansado  e  sem  brilho,  o  seu  mestre  não  era  um 
homem fácil de enganar. 
“Você  deveria  ser  mais  cuidadoso,  Bast”  disse  o  dono  da pousada, cutucando com indiferença  
sua  comida.  ”E  com  tão  pouco  que  se  tem  para  fazer  por ai,  seria bom você gastar seu tempo 
com seus estudos.” 
“Eu aprendi muitas coisas hoje, Reshi.” Bast protestou. 
O  dono  da  pousada  se  sentou,  olhando  mais  atentamente  “Sério?”  ele  disse.  “Então   me 
impressione.” 
Bast  pensou  por  um  momento.  "Nettie  Williams  encontrou  uma  colméia  de  abelhas selvagens 
hoje", disse ele. "E ela conseguiu pegar a rainha ..." 
 
 

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