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ouvindo não a mim, mas ao lógos é sábio co d


' ncor ar ser
tudo-um.

li

Desse lógos, sendo sempre, são os homens ignorantes tanto


antes de ouvir como depois de o ouvirem; todas as coisas vêm a ser
segundo esse lógos, e ainda assim parecem inexperientes, embora
se experimentem nestas palavr~s e ações, tais quais eu exponho,
distinguindo cada coisa segundo a natureza e enunciando como se
comporta. Aos outros homens; encobre-se tanto o que fazem acor-
dados como esquecem o que fazem dormindo.

111

Não sabendo ouvir, não sabem falar.

IV

Ignorantes: ouvindo, parecem surdos; o dito lhes atesta: pre-


sentes, estão ausentes.
V

Ignoram como o divergente consigo mesmo concorda·· har..


monia de movimentos contrários, como do arco e da lira.

VI

O contrário é convergente e dos divergentes, a mais bela har..


mon1a.

VII

Harmonia inaparente mais forte que a do aparente.

VIII

Natureza ama ocultar-se.

IX

Bem-pensar é a maior virtude, e sabedoria dizer coisas verda-


deiras e agir de acordo com a natureza, escutando-a.

Diante do dafmon, o homem ouve, infantil, como, diante do


homem, a criança.
~
XXX

Das coisas lançadas ao acaso, a mais bela, o cosmo.

XXXI

Mesmo o ciceão, se não agitado, desmancha-se.

XXXII

Heráclito diz ser o cosmo, para os acordados, uno e igual,


enquanto, dos que estão deitados, cada qual se volta para seu cos-
mo particular.

XXXIII ,

Os que dormem são operários e cooperadores nas coisas que


vêm a ser no cosmo.

XXXIV

Não é para falar e agir como os que dormem.

XXXV
Morte é tudo que vemos acordados; sono, tudo que vemos
dormindo.

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XLIX

Nos mesmos rios entramos e não e t


n ramos, somos e não
sornos.

Não é possível entrar duas vezes no mesmo rio.

li

Aos que entram nos mesmos rios afluem outras e outras


águas; e os vapores exalam do úmido.

lll

As coisas frias esquentam-se, o quente esfria-se, o úmido


seca, o seco umidifica-se.

llll

A morte da terra é tornar-se água e a morte da água tornar-se


ar e a do ar, fogo, e vice-versa.

li V

Para os vapores, tornar-se água é morte; para a água, tornar-


se terra é morte; mas da terra nasce água, da água, vapor.

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LV

Para as almas é prazer ou morte tornarem-se úmidas.

LVI

Vivemos a morte delas e vivem elas a nossa morte.

LVII

Imortais mortais, mortais imortais, vivendo a morte destes,


morrendo a vida daqueles.

LVIII

Aos mortos de Ares prestam honra deuses e homens.

LIX

Maiores partes [de vida] maiores destinos obtêm.

LX

Nascidos consentem em viver e em ter partes [da vida], porém,


ainda mais, em repousar, e assim deixam filhos a tornarem-se
[outras] partes.
LXI

um, dez mil, se for o melhor.

LXII

Estabeleço dois gêneros de sacrifícios· uns do h . .


· ' s omens mtel-
ra mente purificados, tais que raramente ocorrem a um ·md.1v1'd uo,
ou a alguns poucos homens, facilmente contáveis.

LXIII

Uma só coisa contra todas as outras escolhem os melhores, a


glória eterna dos mortais; a massa, porém, está empanzinada como
o gado.

LXIV

É legítimo que todos os efésios adultos morréiDl e que os


menores abandonem a cidade, eles que expulsaram Hermodoro, o
mais valoroso dos seus, dizendo: 11de nós, nenhum será o mais
valoroso, senão que o seja algures e entre outros".

LXV

O que é então o saber deles senão diafragma? Enternecem-se


com os cantores dos Demos e têm a muI ti dão por mestre, não
sabendo que a maioria é má e a minoria boa.

.207
LXVI

Que não vos faltasse a riqueza, efésios, a fim de que fosse


desvendada a vossa maldade.

LXVII

Os que procuran1 ouro cavam mui ta terra e acham pouco.

LXVIII

Purificam-se em vão, abluindo-se com sangue, como se


alguém, entrando na lama, com lama se lavasse. Se um ser huma-
no qualquer o observasse fazendo isso, tomá-lo-ia por louco. E
oram às imagens, como se alguém falasse às paredes, não reconhe-
cendo deuses nem heróis tais como são.

LXIX

A quem o profetiza Heráclito, o Efésio? Aos errantes notur-


nos, magos, bacantes, mênades, mistas, pois impiamente se ini-
ciam nos mistérios em voga entre os homens.

LXX

Impiedade foge para não ser reconhecida.

LXXI

A ignorância é melhor ocultar.


LXXII

Diversões de criança, as idéias humanas.

LXXIII

Ludibriados são os homens no conhecimento das coisas apa-


rentes, semelhante a Homero, que foi o mais sábio de todos os
helenos. Pois ludibriaram-no meninos, a matar piolhos, falando-
lhe: "quantas coisas vimos e catamos, largamo-las; quantas não
vimos nem pegamos, levamo-las".

LXXIV

Dizia ser a presunção doença sagrada e a visão, mentir.

LXXV

Os olhos são, de fato, testemunhas mais precisas do que os


ouvidos.

LXXVI

... almas b,ar b aras, olhos e ouvidos são


Para homens que tem
más testemunhas.

LXXVII

, . . - . d eis o que eu prefiro.


Do que ha vtsão, audtçao, aprendtza o,

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LXXVIII

O pensar é comum a todos.

LXXIX

Em todos os homens está o conhecer a si mesmo e bem-


pensar.

LXXX

Muito aprendizado não ensina saber, pois teria ensinado a


Hesíodo e a Pitágoras, também a Xenófanes e a Hecateu.

LXXXI

De quantos ouvi os discursos nenhum chega a ponto de


conhecer o que, de todas as coisas apartado, é sábio.

LXXXII

Um, o único sábio, consente e não consente em ser chamado


pelo nome de Zeus.

LXXXIII

limites da aurora e do ocaso, a Ursa e, face à Ursa, o marco


do radiante Zeus.

~10
XCVI

N ão encontrarias os limites da alma, mesmo todo o camm


. h
o
rendo, tão profundo lógos possui.
percOr

XCVII

Da alma é um lógos que a si mesmo aumenta.

XCVIII

Em Priene nasceu Bias, filho de Teutames; seu lógos é maior


que o dos demais.

XCIX

As almas farejam no invisível.

c
Édifícil lutar com o coração, pois se paga com alma.

CI

Brilho: alma seca, a mais sábia e melhor.

Cli
. . ;

0 homem, quando bêbado, é levado por uma cnança tmpu-


bere tr " - d t do úmida a alma.
' apego, nao notando para onde an a, en
Clll

Recordar-se também do que esquece por onde pa ssa


0
caminho.

CIV
O senhor, de quem é o oráculo, aquele em Delfos, não diz
nem oculta, porém, assinala.

cv
Com delirante boca, sem risos, sem pinturas e sem bálsamos,
emite a Sibila através do deus a voz que ultrapassa mil anos.

CVI
Eu busco a mim mesmo.

CVII
É bem necessário investigar muitas coisas para os homens
serem amantes da sabedoria.

CVIII
Não é para ser como crianças de seus genitores.

CIX
Não conjecturemos à toa acerca das grandes coisas .

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ex
Mais do que o incêndio é necessá ·
no apagar a hybris.

CXI

Sol: da largura do pé do homem.

CXII

O sol (é) preposto e vigia para definir, dirigir, revelar e fazer


aparecer transmutações e períodos que trazem todas as coisas.

CXIII

Não sendo pelo sol, seria noite pelos outros astros.

CXIV

A doença faz da saúde coisa agradável e boa, a fome da


saciedade, a fadiga do repouso.

CXV

Água do mar: a mais pura e a mais impura; para os peixes,


potável e vital, para os homens, impotável e deletéria.

C XVI

O mais sábio dos homens, d1ante . d e de us ' um macaco


revelar-se-á, na sabedoria, na beleza e em tudo mais.
CXXIV

Homero era astrólogo.

cxxv
Esse Homero merece ser expulso dos con b
. cursos e astonado,
e Arquíloco 1gualmente.

CXXVI

O ensino dos retóricos: princípio dos embustes.

CXXVII

Os médicos, cortando, queimando e de todas as maneiras


torturando, ainda acusam despropositadamente os doentes por não
receberem deles, de jeito nenhum, a remuneração que merecem,
fazendo os bens e as doenças serem as mesmas coisas.

CXXVIII

Para os mesmos é pena sofrê-la e principiá-la.

CXXIX

Comédias~ tragédias e ritos sagrados: remédios

9 17
cxxx
Assim como a aranha no centro da teia logo sente quando
uma mosca rompe qua !quer fio de sua teia, e, deste modo, corre
pressurosa para lá, como se temesse pela integridade do fio, tam-
bém a alma do homem, lesada qualquer parte do corpo, dirige-se
rapidamente para lá, como se não suportasse a lesão do corpo a
que está unida firme e proporcionalmente.

CXXXI

O tempo é uma criança brincando, jogando: reinado da


criança.
o Fragmento V relembra que surd os e ausentes não têm
orno saber ou mesmo reconhecer a natureza d 16
e . o gos, que se faz
· no jogo de movi mentas cont , ·
sentir , . ranos necessariamente interde-
dentes: a mutua necessidade entre dive "' . " .
pe n rgenc1a e concordanc1a
ue Heráclito designa como harmonia o , d. '
oq · mesmo esta 1to no
fragmento VI. Aqui temos de volta a relação entre as antíteses, tal
como na tensão uno-múltiplo e no tudo-um do primeiro fragmen-
to. Mas antes que se creia que harmonia é um sinônimo para lógos
ou dele um segundo nome, é preciso sublinhar que 0 fógos man-
tém a unidade, a multiplicidade e a tensão entre elas, fazendo con-
cordar o que discorda. O estabelecimento da relação que põe os
pólos em contato não implica a descaracterização dos pólos
enquanto pólos nem resulta em subsunção. Hâ três momentos a
destacar na esfera traçada pelo jogo de reunião e separação pro-
movido pelo /ógos: A, B e A-B; multiplicidade, unidade e relação;
tudo, um e tudo-um. A comunidade do lógos consiste em abarcar
e gerir os três momentos. Pois bem, o hífen do terceiro momento
A-B, a tensão entre os pólos opostos, este hífen recebe o nome de
harmonia.

VII e VIII -Após a caracterização da harmonia como o nome para


a tensão que comunica as antíteses, Heráclito distingue no
Fragmento VII dois tipos de harmonia: a aparente e a inaparente.
Além da distinção, acrescenta um juízo: esta é mais forte que aque-
la. Creio não ser possível vislumbrar o que quer realmente dizer
essa sentença se não a colocarmos em paralelo com o Fragmento
VIII: "natureza ama ocultar-se". Por aqui se pode inferir queª men-
eiona da harmon1a
. 1naparente
. e, essa natureza q ue ama ou tende ao
encob . " ltar se" aJ·uda a com-
nmento. O encobrimento, ou o ocu - '
· · , 1 absoluto e
Preender melhor o que é o inaparente: não 0 invisive
ina , .d t ndência ao vela-
cessivet, mas o gosto pelo escondi o, ª e

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