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São Paulo
2011
1
São Paulo
2011
2
CDD 372.4
3
Aprovado em
Banca Examinadora
__________________________________________________
Profª. Drª. Maria Lucia Marcondes Carvalho Vasconcelos
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
__________________________________________________
Profª. Drª. Marlise Vaz Bridi
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
__________________________________________________
Profª. Drª. Mônica Cristina de Moura
Universidade Estadual Paulista - Bauru (UNESP - Bauru)
4
AGRADECIMENTOS
A meu pai, pelo carinho e pelo exemplo de homem trabalhador desde os primeiros
anos.
À Profª. Drª. Maria Lucia Marcondes Carvalho Vasconcelos, pelo apoio e pela
orientação para a concretização deste trabalho e por representar o modelo de uma
verdadeira educadora.
À Profª. Drª. Marisa Philbert Lajolo e à Profª. Drª. Mônica Cristina de Moura, pelas
contribuições durante a qualificação desta dissertação.
A meus alunos, pelo contato diário de energia pura que fez com que eu me
mantivesse jovem e sempre tivesse energia extra para buscar atividades cada vez
mais interessantes e relevantes para a formação de cada um.
6
RESUMO
ABSTRACT
The importance of reading in the education of critical and informed citizens has
always been unquestionable. Reading normally offers autonomy for individuals so
that they can live well in society. Narrowing this reality down to the educational field,
if in the past school was able to make most students read literary works without much
trouble, nowadays it sees its students connected – as if to an umbilical cord – to
electronic games and the internet, elements that have been deviating pupils from
reading practices. Games and the virtual world have actually become more attractive
than books. However, these instruments which are primarily used for entertainment
do not have to be excluded from the school ambit. This research has been idealized
based on these daily queries. It intends to reflect upon the pedagogical practice in
the Portuguese language teaching in the Brazilian middle school and junior high and
to search alternatives to promote the taste for reading. The aim of this study is to
ponder upon the role of Portuguese teachers in enabling students to become
effective readers and to show pedagogical practices which, based on digital
technology, have proved to be efficient during reading and writing classes and which
resulted in new forms of reading comprehension assessment. Finally, the research
considers the need for rethinking Portuguese teachers’ education and the great
importance of continuing professional development.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 10
INTRODUÇÃO
A formação efetiva de leitores críticos vem à tona com uma frequência cada
vez maior no ambiente educacional e na sociedade como um todo. Pais sofrem com
filhos que dizem, sem constrangimento, que não gostam de ler. Educadores
preocupam-se com alunos que leem apenas por obrigação e que burlam a leitura de
todas as formas possíveis, como por meio de resumos e análises virtuais, para
conseguir obter notas satisfatórias nas avaliações sobre os livros paradidáticos1
sugeridos.
Hoje se pode dizer, portanto, que grande parte dos jovens não tem o hábito
da leitura presente no seu dia a dia. A leitura, como uma das formas de ajudar na
formação do cidadão, afasta-se da educação familiar. A importância do ato de ler,
que se justificava, facilmente, como uma das formas mais simples de conhecer o
mundo e situar-se nele, está esquecida.
1
Esta pesquisa considerou livros paradidáticos as obras, adotadas pelos professores, que devem, obrigatoriamente, ser lidas
pelos alunos e cuja leitura, normalmente, é cobrada no ambiente escolar por meio de algum tipo de instrumento de avaliação.
12
Por outro lado, é, muitas vezes, questionável a forma por meio da qual os
docentes oferecem as oportunidades de leitura aos seus alunos. Frequentemente,
os professores escrevem o nome da obra na lousa, solicitam a compra do exemplar
e pedem a leitura para uma data, em que será aplicada uma avaliação escrita.
Nasce, a partir deste ponto, a quase interminável discussão sobre a necessidade da
prática pedagógica reflexiva do professor para que este perceba a importância do
seu papel na formação de cidadãos-leitores.
Foi a partir desse precário contexto educacional das aulas de leitura que
surgiu a ideia geradora desta pesquisa. Este trabalho objetiva refletir sobre o
despertar do prazer pela leitura no Ensino Fundamental II. Como o docente de
Língua Portuguesa pode fazer germinar em seus discentes o gosto pela leitura? A
partir do relato de uma experiência profissional voltada para a leitura de obras
literárias e para a reescrita das mesmas, tarefa desenvolvida como instrumento de
reflexão, estas páginas buscam oferecer aos professores de literatura alternativas
mais atraentes para o trabalho com os livros paradidáticos adotados.
Por que, então, esse processo que, pelo menos, deveria ser tão prazeroso,
acaba, na escola, tornando-se tão penoso? A partir desse questionamento, ainda no
primeiro capítulo, também se aborda a importância do professor de língua
portuguesa no processo de formação de novos leitores.
Se antes o aluno era um ser receptor, que apenas copiava em seu caderno o
que o professor escrevia na lousa, atualmente, ele tem um equipamento, movido a
megabytes, que, rapidamente e de uma forma muito mais atraente, oferece tudo o
que o discente precisa e muito mais.
Interessa ao pesquisador, o que já houve, o que está havendo, o que foi feito
e o que se está fazendo. Não somente o quê, mas também o como. A pesquisa
bibliográfica contribui para o desenvolvimento e para a base do pensamento crítico.
17
Em relação a este aspecto, faz-se necessário relatar também que foi usado o
método qualitativo para a elaboração do trabalho, devido ao fato das pesquisas
qualitativas preocuparem-se, conforme Elisabete Pádua (1997, p. 31) “com o
significado dos fenômenos e processos sociais, levando em consideração as
motivações, crenças, valores, representações sociais, que permitem a rede de
relações sociais”.
Partindo do exposto acima, que coloca o letramento como uma das formas
mais importantes de real inserção do indivíduo na sociedade em que vive, torna-se,
2
Letramento para a vida.
3
(www.unesco.org/en/efareport/reports/2006-literacy. Acesso em: 25 agosto 2010).
19
Vê-se discentes que até sabem ler e escrever, mas que não fazem uso
competente e frequente da leitura e da escrita. Estão alfabetizados, porém não
letrados, ou seja, o uso da leitura e da escrita é muito parco, limitado e não permite
maior envolvimento em reais práticas sociais.
4
(revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/roger-chartier-livros-resistirao-tecnologias-digitais-610077.shtml
Acesso em: 15 janeiro 2011).
22
Neste sentido, admitir que muitas das propostas atuais para o uso do
computador em sala de aula têm eficácia duvidosa ou
comprovadamente nula não implica a defesa do abandono, e sim do
refinamento desse instrumento, o que inclusive pode e dever ser feito
a partir das experiências já em andamento.
Faz-se necessário ressaltar que não se pode ser ingênuo e achar que isso só
acontece nos dias de hoje. Mesmo quando a internet não existia, discentes
procuravam resumos em bibliotecas, em livros preparatórios para o vestibular, por
exemplo. Porém, nos dias de hoje, o acesso é mais fácil e rápido. Poucos cliques
23
O termo educação, que tem sua origem no verbo latino educare, significa
alimentar, criar. Embora, ao menos superficialmente, esse significado pareça
simples, no mundo de hoje, com intensas e constantes transformações, a educação
ganha novo significado.
A leitura mecânica que se propunha ao aluno, não tinha sentido. Por meio da
repetição de exercícios, o discente passava a executar certos atos complexos, que,
aos poucos, tornavam-se hábitos. O estudo caracterizava-se pela recitação de cor,
os conhecimentos a serem adquiridos eram reduzidos e para que os alunos
pudessem repeti-los correta e adequadamente, o docente utilizava o procedimento
de perguntas e respostas, tanto em sua forma oral quanto escrita.
quais são seus medos e aflições e assim por diante. É preciso que o professor
conheça o alcance de sua ação como mediador do conhecimento apresentado ao
educando e se perceba como alguém que auxilia o aluno no ato de conhecer e
conhecer-se de maneira autônoma e crítica.
Entretanto, o que se constata, hoje, é que poucos professores têm essa visão
mais ampla sobre a importância de partir da realidade do aluno. Além disso, muitos
também optam, por comodidade, pelos materiais pré-fabricados pelas editoras que
não se aprofundam na diversidade que envolve o mundo das crianças e dos
adolescentes. Lajolo (2008, p. 15) explica muito bem esta dura realidade ao afirmar
que:
Não parece que o que fazer com o texto literário na sala de aula seja
ainda de sua competência. Já faz alguns anos que decidir isso é da
competência de editoras, livros didáticos e paradidáticos, muitos dos
quais se afirmaram como quase monopolizadores do mercado
escolar, na razão direta em que tiraram dos ombros dos professores
a tarefa de preparar as aulas.
5
Teoria que toma como objeto de investigação o receptor e que considera dois vieses: o que envolve a obra e o que é
projetado pelo leitor de determinada sociedade. Volta-se, portanto, para as condições sócio-históricas de diversas
interpretações textuais.
6
(revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/roger-chartier-livros-resistirao-tecnologias-digitais-610077.shtml
Acesso em: 15 janeiro 2011).
28
Por todos esses fatores, pode-se afirmar que cabe aos professores de Língua
Portuguesa, principais responsáveis, mas não os únicos, pela aquisição plena da
escrita e da leitura, a consciência de que as estratégias devem ser constantemente
repensadas.
Mesmo que caiba ao docente essa tarefa cotidiana, não se exclui desse dever
a esfera governamental que, por meio de leis, determina parâmetros e diretrizes
para a educação nacional.
7
(revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/roger-chartier-livros-resistirao-tecnologias-digitais-610077.shtml
Acesso em: 15 janeiro 2011).
29
8
Grifo nosso.
30
[...]
[...]
Quando uma criança aprende a ler e começa a ter contato com livros, é
comum, no caso das famílias com possibilidades financeiras e onde o hábito de
leitura já existe entre seus membros adultos, ela ganhar exemplares dos pais e
passar a possuir critérios de leitura em função daquilo que lhe é apresentado.
No caso do objeto de pesquisa deste estudo, a leitura, não seria coerente, por
exemplo, um docente dizer que os alunos têm de ler pelo menos oito livros ao longo
do ano letivo se ele próprio não o faz. Não há coerência entre a opção proclamada e
a prática.
Ao longo do item “Prática de leitura” (1997, p. 41), há, por exemplo, uma
descrição muita rica do ato de ler:
Não basta oferecer bons materiais aos discentes. Os PCN abordam a
importância do desenvolvimento do trabalho por meio de adultos que estejam
preparados para realmente auxiliarem no processo de aquisição da leitura efetiva,
acompanhando todo o processo e ofertando textos do mundo. O documento que
volta a valorizar, portanto, a diversidade textual (1997, p. 42), conclui o item com a
afirmação de que sem “ela pode-se até ensinar a ler, mas certamente não se
formarão leitores competentes”.
O item seguinte dos PCN, cujo título é “Aprendizado inicial da leitura” (1997,
p. 42), volta-se para a visão mais moderna da alfabetização:
Não se pode falar das aulas de leitura sem se preocupar com a formação dos
professores que colocam em prática os trabalhos com as obras literárias.
Como se pode pensar, então, em uma boa prática pedagógica que anseia
pela plena formação de leitores se, de forma geral, quase todo o contexto
educacional vive um atraso temporal? Se parte do corpo docente age como
dinossauros?
Faz parte desse grupo aquele profissional que coloca toda a culpa do
fracasso escolar no educando, o professor que diz não fazer nada diferente porque a
escola não oferece recursos e o docente que sustenta que não vale a pena fazer
nada de novo porque os discentes não se envolverão com propostas de trabalho
distintas das atividades normais do dia a dia escolar:
É evidente que para que essa mudança ocorra também é necessária uma
alteração na rotina profissional do professor, pois, frequentemente, ele não recebe
de seu empregador, seja ele a escola privada ou a pública, a chance de buscar
cursos de capacitação devido ao fato de ter de ministrar muitas aulas ao longo da
semana, para ter um salário suficiente para pagar suas contas:
Antunes (2010, p. 18) explica que, entre o final do século XIX e o início do
século XX, “instituíram-se muitas escolas para a formação de professores,
apareceram centros de educação infantil, ensino especializado para deficientes” e
“colônias específicas para preparação de trabalhadores agrícolas”.
Todavia, faz-se necessário explicar que a Escola Nova não destruiu tudo o
que era preconizado no modelo convencional até então. Não se questionou, por
exemplo, o irrefutável valor dos sólidos conhecimentos, normalmente agrupados em
disciplinas. O foco de questionamento estava, sim, na forma como os conteúdos
eram desenvolvidos em sala de aula, na melhor maneira de fazer com que o
indivíduo realmente aprendesse a aprender.
Escola e professor precisam refletir sobre sua postura. A escola deve abrir
suas reflexões para além de seus muros e o educador necessita compreender que
não é porque ele foi educado da forma tradicional que não pode mudar, visando a
uma formação mais coerente com a vida de seus educandos.
49
Freire (1996, p. 39) explana muito bem sobre esse processo ao estabelecer
que:
Por meio de práticas reflexivas, por exemplo, mesmo que o professor tenha
estudado em uma época na qual o ensino tradicional tenha imperado, ele trabalhará
em sala a eficácia e a proficiência no uso das modalidades linguísticas, adequadas
ao contexto comunicacional.
No caso das aulas de leitura, prática similar ocorre. O bom educador não
pode ministrar suas aulas da mesma forma que as teve em seu tempo de garoto.
Nesse momento, o professor deve refletir sobre a melhor maneira de apresentar
novos textos e diferentes obras a seus alunos. Não basta, portanto, que os discentes
leiam os livros apenas para que se preparem para uma dada avaliação.
Demo (2006, p. 124) reafirma esse perfil do professor exposto por Lajolo,
explicando que:
Além disso, o ensino da leitura, vista agora como processo de interação entre
autor, texto e leitor, altera-se, ganhando dimensões de prática social. Isso significa
52
que o processo da leitura deve ser feito de modo a garantir que o ato de ler seja
desenvolvido de uma forma que se aproxime da realidade do educando. “Isso
implica trazer para a sala de aula os contextos significativos de leitura que envolvem
diferentes gêneros presentes no convívio social dos alunos e dos professores”
(ALBUQUERQUE, 2006, p. 22).
O educador reflexivo chega à conclusão de que a literatura não pode ser vista
como uma ciência exata. Observa que a sua definição depende do olhar do leitor.
Toma a consciência de que os textos não devem ser trabalhados de forma linear e
fechada.
53
[...]
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos
profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos
dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:
I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com
licenciamento periódico remunerado para esse fim;10
III - piso salarial profissional;
IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na
avaliação do desempenho;
V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído
na carga de trabalho;
VI - condições adequadas de trabalho. (BRANDÃO, 2006, p. 137-41)
Freire (1996, p. 135) afirma que “viver a abertura respeitosa aos outros e, de
quando em vez, de acordo com o momento, tomar a própria prática de abertura ao
outro como objeto da reflexão crítica deveria fazer parte da aventura docente”.
O professor, por maior que seja o seu conhecimento e a sua experiência, não
pode fechar-se em um mundo sem diálogo:
Chega a ser até mesmo estranho para alguns alunos quando um professor
demonstra-se aberto para o diálogo, porque, frequentemente, eles são calados pela
dinâmica da aula. Poucos professores estão realmente dispostos a ouvir seus
alunos. Muitos fazem de tudo para que suas aulas terminem com o sinal para que
perguntas não sejam feitas. Vários são os docentes que entregam suas avaliações
corrigidas ao término do período para que questionamentos não surjam.
11
Termo consagrado por Freire (2005, p. 59).
57
Em segundo lugar, ainda de acordo com Freire (2005, p. 92), não há diálogo
sem amor ao mundo e aos homens:
Por fim, o diálogo também se torna determinante para o docente que reflete
constantemente sobre sua prática, pois, conversando com os alunos e discutindo as
propostas desenvolvidas em sala, o professor pode ter um retorno crítico dos
discentes sobre as atividades e perceber a necessidade de variar as estratégias
metodológicas para um melhor aproveitamento do próprio educador e dos
educandos.
58
Além disso, não há, hoje, como um professor ministrar suas aulas sem levar
em consideração que seu aluno, provavelmente, terá, em um dos bolsos, um celular
cheio de jogos e, no outro, um MP3 player. Uns com variedades mais sofisticadas e
outros, os alunos mais carentes, com versões mais simples e até mesmo piratas.
A tarefa é fazer com que o aluno assista à aula e tenha prazer na mesma,
tendo a forte concorrência de equipamentos que, de tempos em tempos, ficam cada
vez menores e melhores.
O que um educador sábio faz é alterar as suas estratégias para que a aula
não caia na monotonia, que faz tantos alunos não se interessarem por ela. Inúmeros
professores reclamam que seus discentes utilizam o celular durante a aula. Porém,
isso, normalmente, acontece quando estão sendo propostas atividades enfadonhas
e repetitivas. As aulas somente expositivas, por exemplo, podem ser um
desestímulo completo para uma criança e para um adolescente.
dia após dia, sem propor atividades que suscitem a curiosidade ou que desafiem os
alunos.
Marc Weisser, citado por Albuquerque (2006, p. 15), explica essa realidade
dizendo que
No caso das aulas de leitura, foco desta pesquisa, o docente não pode, por
exemplo, solicitar uma leitura sempre da mesma maneira. Diversos professores
escolhem um livro, às vezes, até mesmo sem lê-lo, colocam o nome da obra na
lousa e pedem para que os alunos o adquiram o mais rápido possível porque haverá
uma avaliação escrita, frequentemente, com perguntas e respostas rápidas, sobre a
narrativa em questão.
12
ANDRADE, Carlos Drummond de. Os ombros suportam o mundo. In: _________. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 2002, p. 80.
62
Além disso, não se pode ignorar o fato da rede particular apresentar, grosso
modo, uma infraestrutura completamente diferente do que se encontra na rede
pública. Enquanto a maior parte das escolas da rede privada possui laboratórios de
informática, o mesmo ainda não acontece nas escolas do governo. Faz-se
necessário ressaltar também que a capital do estado de São Paulo, onde ocorreram
as propostas de trabalho que deram origem a esta pesquisa, infelizmente, não
reflete o real contexto educacional brasileiro.
Contudo, apesar dessas discrepâncias, é cada vez mais evidente que muitos
pais escolhem a escola de seus filhos levando-se em consideração se a instituição
oferece uma gama de recursos tecnológicos aos discentes. Várias escolas ressaltam
em suas propagandas os seus laboratórios de informática de última geração como
um diferencial no mercado. Todavia, a mera oferta de ferramentas tecnológicas não
garante a real utilidade desses recursos ao longo do processo de desenvolvimento
social, motor, psicológico e cognitivo do aluno.
Outros docentes chegam, até mesmo, a dizer que não entendem como um
computador pode ser mais interessante e atrair mais a atenção dos educandos do
que o próprio professor. Valdemar W. Setzer (2005, p. 114) explica que se o
computador
que a máquina seja empregada da melhor forma possível em sala de aula, faz-se
necessário, antes de mais nada, que o docente prepare-se, organize-se e justifique
o seu uso ao longo de qualquer atividade.
O ensino não se faz apenas por meio dos instrumentos tecnológicos, mas,
hoje, é inegável que eles sejam ferramentas de extrema relevância no processo de
ensino-aprendizagem de jovens que habitam um mundo que se torna, diariamente,
mais informatizado, interativo, midiatizado e virtual.
Freire (2009, p. 87), há anos, tendo em vista as características da educação
do Brasil, já ditava: “Não tenho dúvida nenhuma do enorme potencial de estímulos e
desafios à curiosidade que a tecnologia põe a serviço das crianças e dos
adolescentes”.
Não se trata, assim, de um aprendizado individual que se concentra, única e
exclusivamente, na livre navegação em sites e na coleta de informações na internet.
Durante a criação dos textos, há trocas entre professor e aluno e entre os próprios
alunos.
O objetivo maior era fazer com que os alunos adquirissem o gosto pelo hábito
da leitura não por causa da reescrita digital ou por causa da utilização do
computador, mas sim pela leitura em si.
É por esse motivo que se faz necessário explicar que em nenhum momento o
projeto buscou valorizar apenas o ambiente virtual que hoje oferece, facilmente, a
leitura de obras literárias. Na realidade, a meta era tentar mostrar ao aluno que a
leitura, realizada por meio de um livro, poderia ser divertida e poderia suscitar a
imaginação de uma forma muito prazerosa. E mais: mostrar que ler na tela do
computador é diferente de ler um livro:
Ao tratar desse fenômeno, Chartier (1998, p. 70) explica, com muita clareza,
que “a obra não é jamais a mesma quando inscrita em formas distintas. Ela carrega,
a cada vez, um outro significado” e completa esse raciocínio explanando que
Foi a partir de todos esses referenciais que a proposta aqui relatada ocorreu.
As experiências deram-se na cidade de São Paulo, maior centro educacional e
econômico do país. A escola, onde nasceu e concretizou-se o projeto, localiza-se na
região central da cidade e os bairros que a circundam, paradoxalmente, são
compostos por população das classes A, B, C e D.
A seleção foi feita pela professora que ministrava aulas para as turmas que
executariam a proposta e deu-se a partir da ideia de se estabelecer relação com
conteúdos desenvolvidos nas outras disciplinas da série. Portanto, desde o início do
projeto, um enfoque interdisciplinar fez parte do trabalho. Segundo Ivani Fazenda
(1979, p. 08), a interdisciplinaridade
Nesse mesmo contexto que envolve o trabalho com a cultura visual, Fernando
Hernández (2000) considera necessário que os educadores levem em consideração
os objetos da cultura visual dos discentes, observando, ainda, os fatores histórico-
antropológico, estético-artístico, biográfico e crítico-social.
Após a escolha das obras, o passo seguinte dava-se com a apresentação das
obras aos alunos.
livro escolhido era lido e interpretado, pela docente, em sala de aula. Ocorria, assim,
uma leitura coletiva e reflexiva, prática libertadora na visão de Zilberman (2009, p.
27): “[...] seja no âmbito coletivo, seja no plano individual, a conquista da habilidade
de ler é simultaneamente o primeiro passo na direção da liberdade, de uma parte e
de outra, para a assimilação dos valores da sociedade”.
Por fim, finalizada essa primeira etapa, os discentes eram convidados a dar
continuidade à leitura em casa, observando que durante todo o processo do ato de
ler, tinham o suporte da professora.
Por motivos que serão expostos mais adiante, no ano seguinte de execução
do projeto, foi escolhido o programa PowerPoint do pacote Office da empresa
Microsoft Corporation em vez do software Hagáquê e a temática do trabalho também
mudou já que o livro escolhido foi O Médico e o Monstro.
No primeiro ano em que o projeto ocorreu, tudo foi pensado com grande
cuidado. Como os alunos não tinham o hábito de realizar tarefas no laboratório de
informática, era importante que a proposta fosse satisfatória para que outros
trabalhos também pudessem surgir nesse ambiente. Talvez, por esse motivo, as
etapas anteriores à entrada no laboratório tenham sido tão intensamente pensadas e
colocadas em prática com tanta cautela.
Figura 4 – Primeira página do trabalho dos alunos Thiago Matheus Ferreira (13 anos) e Caio César
Mota (14 anos)
81
Figura 5 – Segunda página do trabalho dos alunos Thiago Matheus Ferreira e Caio César Mota
82
Figura 6 – Parte final do trabalho dos alunos Thiago Matheus Ferreira e Caio César Mota
83
Observa-se que tanto a parte verbal quanto a não verbal foram exploradas
com riqueza pelos discentes que ora reescreviam a própria recriação ora
procuravam o melhor plano de fundo, que estava ao seu alcance, para ilustrar as
cenas.
Manguel (1997, p. 54) explique que “ler, então, não é um processo automático
de capturar um texto como um papel fotossensível captura a luz, mas um processo
de reconstrução desconcertante, labiríntico, comum e, contudo, pessoal”. E foi
exatamente um processo de reconstrução que ocorreu ao longo das aulas.
Figura 7 – 4º quadrinho do trabalho das alunas Mariana Marques Silva (14 anos) e Flávia Oliveira de
Andrade (13 anos)
85
Figura 8 – 9º quadrinho do trabalho das alunas Amanda Ferreira Goulart (14 anos) e Bianca Costa
(13 anos)
Figura 9 – 35º quadrinho do trabalho das alunas Mariana Marques Silva e Flávia Oliveira de Andrade
Por fim, os trabalhos eram expostos durante as duas últimas aulas do projeto
no projetor multimídia para que os alunos acompanhassem também a produção dos
colegas. Na sequência, as criações eram publicadas na internet.
Essa etapa do projeto envolvia grande euforia por parte dos alunos, pois eles
diziam-se satisfeitos com a possibilidade de mostrar para pais e amigos suas
produções. O trabalho deixara, dessa forma, de ser escrito apenas para funcionar
como um instrumento de avaliação para o professor. Temos aí um ponto fortemente
positivo para a utilização da internet como forma de valorizar as produções dos
alunos. Os educandos, ainda, sentiam-se realizados quando viam seus trabalhos
postados no site oficial da escola.
13
Figura 11 – Slide de apresentação das personagens montadas pelos próprios alunos
Figura 12 – 6º slide – Início da conversa entre as personagens que iniciam a narrativa do livro O
Médico e o Monstro – 1ª parte
13
Os educandos usaram o site http://www.toondoo.com para a criação das personagens.
89
Figura 13 – 6º slide – Continuação da conversa entre as personagens que iniciam a narrativa do livro
O Médico e o Monstro – 2ª parte
Figura 14 – 6º slide – Continuação da conversa entre as personagens que iniciam a narrativa do livro
O Médico e o Monstro – 3ª parte
90
Figura 15 – 6º slide – Continuação da conversa entre as personagens que iniciam a narrativa do livro
O Médico e o Monstro – 4ª parte
Figura 16 – 7º slide – Narração da cena que gera a conversa inicial exposta no primeiro capítulo da
obra O Médico e o Monstro – 1ª parte
91
Figura 17 – 7º slide – Narração da cena que gera a conversa inicial exposta no primeiro capítulo da
obra O Médico e o Monstro – 2ª parte
Figura 18 – 7º slide – Narração da cena que gera a conversa inicial exposta no primeiro capítulo da
obra O Médico e o Monstro – 3ª parte
92
Figura 19 – 7º slide – Narração da cena que gera a conversa inicial exposta no primeiro capítulo da
obra O Médico e o Monstro – 4ª parte
Figura 20 – 1ª parte do 10º slide do trabalho das alunas Ana Beatriz P. Tavares (13 anos)
e Gisele Viviane Gercwolf (14 anos)
94
Figura 21 – 2ª parte do 10º slide do trabalho das alunas Ana Beatriz P. Tavares
e Gisele Viviane Gercwolf
Figura 22 – 1ª parte do 3º slide do trabalho confeccionado pelos alunos Gabriela Tavares Vicente (14
anos) e Murillo dos Anjos de Jesus Santos (13 anos)
95
Figura 22 – 2ª parte do 3º slide do trabalho confeccionado pelos alunos Gabriela Tavares Vicente
e Murillo dos Anjos de Jesus Santos
Figura 23 – 1ª parte do 20º slide do trabalho confeccionado pelos alunos Gabriela Tavares Vicente
e Murillo dos Anjos de Jesus Santos
96
Figura 23 – 2ª parte do 20º slide do trabalho confeccionado pelos alunos Gabriela Tavares Vicente
e Murillo dos Anjos de Jesus Santos
A leitura, assim, ganhou um novo significado. Além disso, ela foi prazerosa.
Outra comprovação de que o projeto atingiu êxito é que, ao término da leitura do
livro solicitado para a execução do trabalho, por livre e espontânea vontade, alguns
alunos procuraram ler outras obras do mesmo autor.
97
14
Distúrbio específico na aquisição da leitura e da escrita.
15
Disfunção neurológica que dificulta a concentração. Caracteriza-se por distração e desorganização em atividades rotineiras.
16
Transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que tem como sintomas a desatenção, a inquietude e a impulsividade.
98
ou tem pouco valor. É frequente, inclusive, certos docentes encararem tal postura
como descaso ou desinteresse pela atividade e como desrespeito pelo professor.
Cabe ao bom educador, crítico e reflexivo, buscar formas para que suas
atividades sejam para todos os discentes e não apenas para os alunos que têm
facilidade ao longo do processo ensino-aprendizagem, ainda que estes últimos
também estejam favorecidos por um ensino mais dinâmico e autônomo.
99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se percebe que algo no cotidiano escolar não está satisfatório, são
fundamentais dados novos para se chegar a possibilidades de soluções que
resolvam os problemas detectados. É durante a formação inicial, somada à
continuada, que o docente pode conhecer estes dados que o ajudarão no futuro. Na
realidade, a formação de professores deve ser um processo permanente, cotidiano e
infindável, como propõem os Parâmetros em Ação (1999). O professor deve
transformar-se, então, em um incansável investigador e a reflexão e a pesquisa em
um exercício constante.
Desta forma, o professor decide sua ação com base em uma sabedoria
prática e teórica, unindo o seu dia a dia a pressupostos teóricos plausíveis.
É durante a sua formação que o professor deve refletir sobre o fato de que o
saber pedagógico deve ser plural e estratégico, para que possa valorizá-lo
futuramente. O docente capacitado, além de representar um papel primordial no
interior das relações que unem a sociedade contemporânea, detém o saber das
disciplinas e dos currículos, levando sempre em conta os saberes profissionais e a
experiência que ganha ao longo da vida docente. Reafirmando tal questão, Oliveira
e André (1997, p. 83-84) ressaltam:
E por que não alcançar a formação de um sujeito mais crítico com a leitura e
com a literatura por meio de mídias e linguagens digitais, se estas estão cada vez
mais presentes no cotidiano da população e chegam com mais força ao universo
escolar?
Seria, portanto, uma postura sábia, por parte do educador, tirar proveito das
ferramentas do mundo virtual. É evidente que cabe, também, ao professor
preocupar-se com a leitura que é feita por meio dos livros, na medida em que ela
gera um tipo de relacionamento mais próximo com as obras, porém se as mídias
digitais representam, em ambientes escolares, recursos que auxiliam o aluno na
leitura e na produção de texto não há porque negá-las.
Embora o cenário educacional, muitas vezes, não pareça o mais propício para
o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, não há como negar a
importância do papel, consciente, do educador, que, como explicitado, vive sob a
tensão de largas jornadas de trabalho, de baixa remuneração, de condições de
espaço físico e tecnológico não adequados, de parca formação, mas que movido por
sentimentos e posturas, largamente defendidos por educadores progressistas e
democráticos, aliados à constante busca pela formação o mais ideal possível de
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(revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/roger-chartier-livros-resistirao-tecnologias-digitais-610077.shtml
Acesso em: 15 janeiro 2011).
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seus educandos, pode conseguir resultados muito safisfatórios junto aos seus
alunos, o que, em verdade, deveria ser sua constante luta já que é este o seu real
papel.
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