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http://veja.abril.com.br/blog/denis-russo/saude/farinha-de-trigo-acucar-e-cocaina/
segunda-feira, 5 de outubro de 2009 | 16:12
Os três tem efeito parecido na gente. Eles nos jogam no céu com uma descarga de
energia e, minutos depois, nos deixam despencar. Aí a gente quer mais. Como eles
foram separados das partes mais duras das plantas – as fibras – nosso corpo os absorve
como um ralo, de uma vez só. Seu efeito eletrificante manda sinais para o organismo
inteiro, o metabolismo se acelera. Aí o efeito vai embora de repente. E o corpo é pego
no contrapé.
Cocaína, farinha e açúcar eram O Bem no final do século 19. Eram conquistas da
engenhosidade humana. Eram a prova viva de que a ciência ainda iria conquistar tudo,
de que o homem é maior do que a natureza, de que o progresso é inevitável e lindo.
Cocaína era “o elixir da vida”. Nas palavras publicadas numa revista do século 19, “um
substituto para a comida, para que as pessoas possam eventualmente passar um mês sem
comer.” Farinha e açúcar davam margem a fantasias de ficção científica, como a pílula
que dispensaria o humano do ato animal e inferior de comer.
O equívoco da cocaína ficou demonstrado mais cedo, já nas primeiras décadas do século
20. De medicamento patenteado pela Bayer, virou “droga”, proibida, enquanto
exterminava uma população de viciados. A proibição amplificou seus males,
transformando-a de algo que afeta alguns em algo que machuca o planeta inteiro,
movendo a indústria do tráfico, que abastece quase todo o crime organizado e o
terrorismo do globo.
Levaria muito tempo até que os outros dois comparsas fossem desmascarados. Até os
anos 1990, farinha e açúcar ainda eram “O Bem”, enquanto “O Mal” era a gordura, o
colesterol. Os médicos recomendavam que se substituisse gorduras por carboidratos e o
mundo ocidental se entupiu de farinha e açúcar. Começou ali uma epidemia de diabetes
tipo 2, causada pelas pancadas repentinas que farinhas e açúcar dão no nosso
organismo. Começou também uma epidemia de obesidade. Sem falar que revelou-se
que açúcar e farinha estão envolvidos no complô para expulsar frutas, folhas e legumes
dos nossos pratos, o que está exterminando gente com câncer e doenças cardíacas.
Como câncer e coração são as maiores causas de morte do mundo urbanizado, chega-se
à constatação dolorosa: farinha e açúcar são na verdade muito mais letais do que
cocaína. É que cocaína viciou poucos, mas açúcar e farinha viciaram quase todo mundo.
Agora os três pós brancos são “O Mal”. A humanidade está mobilizada para exterminá-
los. Há até uma nova dieta vendendo toneladas de livros pela qual corta-se todos os
carboidratos da dieta e come-se apenas gordura.
Em 1870, caímos na ilusão de que era possível “refinar” plantas até extrair delas o bem
absoluto, apenas para nos convencermos décadas depois de que tínhamos criado o mal
absoluto. Mas será que o problema não é essa mania humana de separar as coisas entre
“O Bem” e “O Mal” em vez de entender que o mundo é mais complexo que isso e que
há bem e mal em cada coisa? Trigo, cana e coca, se mastigados inteiros – integrais – são
nutritivos e inofensivos e protegem contra doenças crônicas. Precisamos parar de tentar
“refinar” a natureza e entender que ela é melhor integral.