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Tradução Técnica - Armadilhas e Desafios
Tradução Técnica - Armadilhas e Desafios
RESUMO
Silvana Polchlopek
Universidade Federal de Santa Catarina A tradução da modalidade de textos considerados “técnicos” representa um dos
UFSC/PGET maiores segmentos dentro do mercado de tradução, gerando, portanto, discussões no
que se refere à conceituação dessa modalidade textual. A tendência atual, no entanto,
sil-in-sc@uol.com.br
é considerar técnicos não só manuais de instrução, artigos científicos e bulas de
remédio, por exemplo, como também textos literários, jornalísticos e até mesmo uma
carta de amor. Com isso, perde-se a dicotomia existente entre textos literários e
Michelle de Abreu Aio técnicos, e, por conseguinte, as classificações atribuídas aos tradutores desses textos.
Universidade Federal de Santa Catarina Nesse sentido, propomos discutir a tradução chamada de “técnica” através do papel
UFSC/PGET do tradutor; da terminologia (AUBERT, 2001); e dos marcadores culturais (AZENHA,
1999), utilizando exemplos reais que representam, muitas vezes, desafios e armadilhas
michelleaio@yahoo.com.br para o tradutor, bem como estratégias e caminhos empregados para chegar à tradução
dos termos apresentados. O objetivo é abandonar a concepção equivocada de que
textos técnicos são rápidos e fáceis de traduzir visto que necessitam “somente” do
conhecimento “básico” da terminologia específica, exigindo do tradutor “apenas” o
domínio do assunto e a revisão sintática para torná-lo legível e com sentido.
ABSTRACT
The translation of texts regarded as ‘technical’ represents one of the largest segments
in the translation market, generating, therefore, discussions concerning the
conceptualization of this text modality. The current tendency is, though, to consider as
technical not only instructions manuals, scientific papers and medicine directions, but
also literary, journalistic texts and even love letters. Thus, the dichotomy existing
between literary and technical texts is lost, as well as the classifications attributed to
the translators of those texts. In this sense, we aim to discuss the translation named as
‘technical’ through the translator role; terminology (AUBERT, 2001); cultural markers
(AZENHA, 1999), using real examples that many times represent challenges and traps
to the translator, as well as strategies and paths taken to get to the translation of the
presented terms. The focus is to abandon the mistaken concept that technical texts as
quick and easy to be translated, for to translate them it is necessary to have ‘only’ the
‘basic’ knowledge of the specific terminology, requiring from the translator ‘just’ the
domain of the issue and the syntactic review in order to make it readable and
meaningful.
1. INTRODUÇÃO
Com base nestas considerações, este artigo pretende discutir os pressupostos que
envolvem a modalidade da tradução de textos técnicos, tais como a rigidez terminológica
e sintática, ressaltando que mesmo sendo técnicos os textos exigem sensibilidade e
criatividade por parte do tradutor, o que demanda uma reavaliação imediata tanto do
conceito do termo ‘técnico’, como também da valorização do tradutor que se especializa
nessa modalidade. Essas reflexões são ainda pautadas pela análise de exemplos aleatórios
de textos técnicos representativos da realidade profissional das autoras, selecionados
devido ao grau de especificidade de análise e funcionalidade exigidas durante o processo
tradutório, para além do simples domínio dos idiomas envolvidos. Tais reflexões são
articuladas a partir de teóricos como Nord (1991); Azenha Jr. (1999); Barbosa (2005);
Aubert (2001); Cabré, (1999) e Emmel (1998).
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Uma pesquisa, ainda de caráter informal, para coleta de dados de cunho acadêmico
realizada pelas autoras entrevistou 71 pessoas de um grupo denominado “público-leitor”.
A contagem preliminar das respostas revelou que o material mais requisitado para
traduções são os textos técnicos, caracterizados como artigos científicos, manuais, abstracts
citados por 49,2% dos respondentes. Dos 71 entrevistados, 53,5% traduziram o texto por
conta própria, enquanto apenas 32,3% recorreram ao tradutor profissional quando os
textos eram jurídicos e precisava-se de um tradutor juramentado. Questionados sobre os
critérios de escolha dos profissionais tradutores, independente do tipo de texto para
tradução, 35,2% consideraram o domínio do idioma e 21,1% a rapidez e a agilidade.
Outras 31% responderam que traduziram direto porque dominam o idioma e/ou a área
da tradução.
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havia mais itens para esta pergunta e que os entrevistados poderiam marcar quantos itens
quisessem.
Sabe-se, por outro lado, que os textos técnicos não permitem muitas variações
estilísticas, o que, no entanto, não lhes diminui o valor, visto que atuam diretamente no
processo de disseminação de dados e experiências tecnológicas e científicas. Seu terreno
não é árido simplesmente por ser técnico. O que há é a redução da instabilidade ou
ambigüidade pelo uso da terminologia. Se traduzir é, à parte os termos teóricos, transpor
um texto de uma língua para outra, não se pode esquecer de que a língua é parte
integrante da cultura, ou seja, os textos técnicos também estão expostos a variantes
culturais estilísticas, lexicais, sintáticas ou mesmo variantes internas à própria área técnica
em que se está traduzido devido a diferenças no grau de desenvolvimento tecnológico
entre uma cultura e outra, por exemplo. Conhecer tais especificidades deve fazer parte do
processo de tradução tanto quanto o domínio da terminologia em questão, no sentido de
buscar um texto funcionalmente adequado para o leitor-destinatário ou grupo.
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Segundo Azenha (1999, p.10) costuma-se admitir para a tradução técnica uma
característica “veemente condenada para a tradução como um todo: a noção de sentidos
estáveis [...] uma operação de transcodificação [...] à margem de um enquadramento
cultural.” No entanto, como o próprio autor discute em seguida, a terminologia “é
dinâmica e admite uma margem de subjetividade no tratamento de seu objeto” (idem).
Porém, e independente desse fato, a consulta a bancos terminológicos deve ser uma
atividade paralela àquela da tarefa de tradução, seja o tradutor especialista ou não numa
determinada área. Pode-se comparar tal consulta à procura de quaisquer termos em
dicionários durante atividades tradutórias formalmente classificadas como não-técnicas.
Parece-nos que a idéia central dos autores é o fato de o termo técnico ser,
necessariamente, conciso, exato, abranger e ao mesmo tempo delimitar o conteúdo
descrito conceitualmente, estabelecendo uma relação: conceito ↔ signo lingüístico
(AUBERT, 2001; HOFFMANN, apud EMMEL, 1998). Podemos dizer, então, que o termo
técnico é formado por dois constituintes: a noção de conceito, como um conteúdo
independente da língua utilizado em acepções técnico-científicas, somada à de
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designação, como uma espécie de “etiqueta” para o objeto que designa, conforme Fluck
(apud EMMEL, 1998, p.13).
1Estes exemplos foram retirados do Guia de Reciclagem do SF6, documento normativo que visa normalizar o manuseio
correto do gás SF6 (agente causador do efeito estufa) em projetos de equipamentos elétricos, facilitando sua reciclagem e
transporte. Ver referências bibliográficas.
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a partir das características específicas das culturas envolvidas e das instruções da tarefa
de tradução, uma estratégia de trabalho que, ao mesmo tempo, (1) preserve a referência
à instância que transfere o saber especifico (...) e (2) possa ser eficaz na cultura para a
qual o texto é transportado.
Apesar da sua importância, especialmente no que diz respeito aos textos técnicos,
como é o caso do corpus deste artigo, a responsabilidade maior do tradutor vincula-se à
definição de estratégias, escolhas e gerenciamento variáveis que vão desde a sua
competência lingüística e cultural até a avaliação da função (skopos3) que ao TT pretende
alcançar na cultura alvo. Tais considerações, segundo Azenha (1999, p.13) nos convidam a
redefinir o papel e a tarefa do tradutor técnico cujas habilidades, além, do mero domínio
de códigos e contextos de produção e recepção, tem a ver também com percepção
aguçada, criatividade, sensibilidade e experiência de tradução, além de, eventualmente,
do assunto que traduz. Nesse sentido, defende-se a idéia de que a tradução seja feita por
profissionais tradutores, ainda que não especialistas nas suas áreas de trabalho, em razão
dessa maior capacidade de leitura apurada. Caberia, então, ao técnico (engenheiro,
médico, economista) a tarefa de revisão terminológica e questões de ordem estilístico-
discursivas. Mesmo que esta seja uma visão idealista e “time consuming” quando se trata
do trabalho costumeiro via agências, esta deveria ser uma prática real que poderia, quem
sabe, contribuir para a maior valorização do tradutor no mercado de trabalho, visto que
para o tradutor profissional ingressar na tradução técnica – não sendo técnico-especialista
– os desafios são muitos e as armadilhas também.
6. O TRADUTOR NA PRÁTICA
Muito se engana quem assume a tarefa de traduzir um texto técnico com a crença de que
apenas o conhecimento da terminologia e da língua estrangeira serão ferramentas
suficientes para que se tenha um bom texto final. Se um trabalho de tradução é assim
assumido, será o revisor, também inserido dentro da cadeia do processo tradutório, quem
geralmente se debruçará em tal texto com a tarefa de dar sentido ao texto traduzido.
Revisor este muitas vezes designado de acordo com seu grau de conhecimento na área
específica da tradução em questão. O próprio Azenha (1996), em trabalho realizado para
editoras, afirma ter sido incumbido da tarefa de apenas “rever a sintaxe” visto que a
“terminologia estava 100% correta”. É por isso que, em algumas áreas, mesmo os termos
denominados ‘técnicos’, quando não reestruturados de forma adequada na língua alvo,
chegam a se tornar verdadeiros enigmas para o leitor.
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Mais uma vez vemos que a construção do termo alvo é crucial para evitar que o
texto se torne empobrecido, ou mesmo hilário, se pensarmos no desvio de interpretação
que algumas sugestões acima poderiam causar.
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para concluir as reflexões desenvolvidas neste artigo, acreditamos ser necessário mudar a
dimensão da tradução de textos considerados técnicos, do papel do tradutor e das
condições em que o trabalho é realizado. Conforme os dados da pesquisa com o público
leitor, traduzir textos técnicos é, além de uma tarefa fácil e rápida – dadas as condições
facilitadoras que o simples domínio de línguas e conhecimento terminológico impõe –,
uma tarefa reconhecidamente desvalorizada no mercado de tradução em termos de
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REFERÊNCIAS
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1997.
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Silvana Polchlopek
Mestre e doutoranda em Estudos da Tradução pela
UFSC. Pesquisa os temas: tradução-jornalística, discurso
jornalístico, cultura e ensino de línguas. É membro do
grupo de pesquisa TRAC - Tradução e Cultura (UFSC).
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