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INTERACÇÕES NO. 30, PP.

110-137 (2014)

A INTERAÇÃO E COOPERAÇÃO ENTRE PARES: UMA


PRÁTICA EM CONTEXTO DE CRECHE

Marta Arezes
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Santarém
marta_arezes21@hotmail.com

Susana Colaço
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Santarém
Centro de Investigação Operacional, Universidade de Lisboa
susana.colaco@ese.ipsantarem.pt

Resumo

O presente artigo relata uma experiência da prática profissional com carácter


exploratório no âmbito do relatório de estágio apresentado para a obtenção do grau de
Mestre em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico, da primeira
autora, tendo sido desenvolvido em contexto de creche, num grupo multietário, sendo
os participantes do estudo 15 crianças com idades compreendidas entre os 10 e os 32
meses.

Adotando uma metodologia de investigação-ação, a experiência realizada


apresenta um carácter exploratório e centrou-se na promoção da interação e
cooperação entre pares, procurando compreender as potencialidades desta prática
pedagógica, nomeadamente para o desenvolvimento das crianças e para a melhoria
do bem-estar e envolvimento das mesmas nos momentos de rotina. Os resultados
obtidos desta experiência sugerem melhorias na melhoria do bem-estar e
envolvimento deste grupo de crianças, bem como no seu desenvolvimento,
nomeadamente ao nível da linguagem e autonomia.

Palavras-chave: Creche; Interação; Cooperação entre pares; Papel do educador.

Abstract

The present article reports an experience of professional practice with


exploratory character in scope of internship report submitted for the degree of Master
of Teaching Preschool and 1st Cycle of Basic Education of the first author, having

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been developed in the context of day-nursey in a group with children of different ages,
and the participants were 15 children aged between 10 and 32 months.

Adopting a methodology of action-research, the experience realized presents an


exploratory character and focused on the promotion of interaction and cooperation
between peers, trying to understand the potential of this pedagogical practice,
particularly in the development of children and to improve the well-being and
involvement in times of routine. The obtained results of this experience revealed
evidences in improvement the well-being and involvement of this group of children as
well in their developing, particularly at level of language and autonomy.

Keywords: Day nursery; Interaction; Cooperation between peers; Educator’s role.

Introdução

No decorrer do processo de formação de educadores e professores, as


experiências vivenciadas nos diferentes contextos de estágio constituem as bases
para a construção da prática de cada profissional de educação, emergindo nesses
contextos dilemas, questões, reflexões e novos saberes.

Atendendo às características tão particulares de cada contexto e grupo, o


percurso investigativo da primeira autora delineou-se em torno da temática da
diferenciação pedagógica, focando-se essencialmente nas estratégias do
educador/professor, na tentativa de responder adequadamente às necessidades e
interesses de cada criança em particular.

Neste sentido, e no âmbito do estágio em contexto de creche, realizado numa


sala familiar cujo grupo era composto por crianças de um e dois anos de idade, estas
questões revelaram-se particularmente importantes.

Assim, observando por um lado o grupo e por outro refletindo sobre a prática
profissional, emergiu a questão do presente estudo.

A partir da observação inicial, verificou-se que nos momentos de rotina as


crianças revelavam índices de bem-estar e envolvimento reduzidos, procurando a
atenção do adulto enquanto estavam sentadas na “área da manta” sem que lhes fosse
dada a oportunidade de estarem envolvidas em qualquer atividade. No momento de

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rotina da higiene, um dos adultos acompanhava as crianças mais velhas na sua


higiene, ficando por isso apenas um adulto na sala. Deste modo, este momento
consistia também num enorme desafio para o educador, desdobrando a sua atenção e
ação, simultaneamente, entre a criança que se encontrava no fraldário e as restantes
presentes na sala, não conseguindo dar resposta e atenção adequada a todas elas.

Partindo, assim, das observações e reflexões efetuadas, bem como com


conversas informais com a educadora cooperante, definiu-se uma estratégia,
passando esta pela promoção da interação e cooperação criança-criança, procurando
intervir de modo a transformar os momentos de rotina em tempos de qualidade para
as crianças, fomentando um maior envolvimento das mesmas nesses momentos.

Este artigo encontra-se organizado em diferentes partes, sendo inicialmente


apresentado um breve enquadramento teórico relativo à problemática em foco, assim
como a questão e objetivos desta experiência. Posteriormente, são apresentadas as
opções metodológicas, os procedimentos e instrumentos de recolha e análise de
dados, bem como a apresentação e análise dos dados obtidos e, por último, algumas
considerações finais.

As Interações Entre Pares nos Primeiros Anos de Vida

Os primeiros níveis de educação de infância constituem os principais contextos


onde as crianças interagem com os seus pares, aprendendo a estabelecer relações e
a desenvolver competências sociais (Williams, Ontai & Mastergeorge, 2007; Ladd &
Coleman, 2010). Em Portugal, cerca de 30% das crianças entre os 4 meses e os 3
anos de idade frequentam creches (Conselho Nacional de Educação, 2011).

Brownell (1986), Eckerman e Whitehead (1999) descrevem que, desde muito


cedo, os bebés interagem uns com os outros através de sorrisos, gestos e
vocalizações. Hohmann e Weikart (2003) referem, em revisão de literatura, que as
crianças em idade de creche procuram ativamente os seus companheiros, brincam
lado a lado, observam, imitam, falam e interagem ludicamente. Importa referir que o
desenvolvimento das interações entre pares ocorre simultaneamente com o
desenvolvimento de várias capacidades cognitivas, físicas e linguísticas, tornando as
interações progressivamente mais complexas (Brownell, 1986; Brownell & Hazen,
1999; Williams, Mastergeorge & Ontai, 2010).

A socialização entre pares nesta faixa etária tem gerado muita investigação, os

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autores têm procurado compreender qual o significado destas interação uma vez que
a criança nos primeiros dois anos é frequentemente considerada “cognitivamente
egocêntrica”. Neste sentido, e de acordo com Schaffer (1996), entende-se por
interação o comportamento dos indivíduos que participam numa atividade conjunta,
podendo esta ser uma conversa, um jogo, um conflito ou qualquer atividade que
implique o comportamento de ambos os participantes. Hay et al. (2004) afirmam que a
interação implica a capacidade de coordenar a atenção com outra pessoa, sendo que
neste processo de interação entre crianças tão pequenas, a regulação do olhar e do
uso de gestos comunicativos, constituem aspetos importantes. Os mesmos autores
acrescentam ainda que o sucesso da interação depende de um entendimento mútuo
dos participantes como agentes ativos e intencionais.

As interações entre pares nos primeiros anos de vida apresentam características


muito particulares que as distinguem das restantes interações. Assim, o facto de a
regulação das emoções ser diferente nas crianças muito pequenas, bem como a
existência de limites de entendimento entre si e o outro, condicionam as interações,
sendo que as diferenças individuais têm também grande influência, na medida em que
algumas crianças são relativamente mais sociáveis e dispostas a interagir com os
pares e outras são relativamente inibidas na presença dos seus pares, encontrando
dificuldades no envolvimento com os mesmos (Brownell & Hazen, 1999; Williams et
al., 2007). A par dos referidos aspetos, existem diversos fatores que influenciam as
interações entre pares, nomeadamente as experiências familiares e os contextos
(laboratoriais, em casa, na creche, etc.) em que ocorrem essas interações, entre
outros (Schaffer, 1996).

A capacidade de uma criança participar com êxito na interação com os pares


tem como base várias conquistas nos primeiros anos de vida, nos quais emergem
competências cognitivas e de autorregulação que ajudarão a criança a dedicar-se e a
sustentar interações sociais com diferentes parceiros (Hay et al., 2004).

Apesar das limitações próprias das crianças destas idades, principalmente ao


nível da comunicação, elas também revelam já diversas competências que utilizam
para gerir as interações com o outro (Brownell & Hazen, 1999). Nas crianças muito
pequenas (durante os dois primeiros anos de vida), estas competências referem-se às
capacidades de verificar a disponibilidade de atenção do outro, oferecer algo atrativo,
imitar ou complementar uma ação do par, bem como capacidades básicas de
comunicação entre pares, como por exemplo o contacto visual e a construção de

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mensagens claras (Brownell & Hazen, 1999). Durante o primeiro ano, as crianças
incorporam nas interações entre pares gestos como apontar ou segurar objetos para o
outro (Hay et al., 1991, citado por Hay et al., 2004), bem como vocalizações, sendo
que no segundo ano de vida, as interações entre pares tornam-se mais prolongadas e
complexas, sendo capazes de integrar vários comportamentos num único ato social
(Brownell, 1986).

As crianças nos primeiros dois anos de vida encontram-se num período que se
caracteriza por um enorme desenvolvimento interativo que se prende com o
surgimento de capacidades comportamentais que permitem à criança interagir com os
outros (Eckerman, Davis & Didow, 1989). Para Bronson (2000), as interações
“estabelecem a base para futuras atitudes e comportamentos sociais ou antissociais.
Desde o início, as experiências sociais moldam a compreensão social da criança e as
suas expectativas” (p. 175). Neste sentido, é importante que a criança seja entendida
“(…) como um ser capaz de construir significados sobre o mundo a partir das suas
próprias experiências” (Vasconcelos, 2009, p. 39), sendo por isso fundamental
proporcionar, desde cedo, oportunidades à criança para interagir com os seus pares,
construindo ativamente as suas aprendizagens.

Diversos autores salientam a importância das interações entre pares nos


primeiros anos de vida para a capacidade de autorregulação das crianças e o
desenvolvimento de diversas competências, pois através das interações estabelecidas
com os pares, as crianças aumentam a sua experiência social e potencializam o
desenvolvimento de competências (Eckerman et al., 1989). Nas palavras de Bronson
(2000) “o período entre os 12 e os 36 meses representa um avanço significativo nas
competências de autorregulação da criança” (p.182), nestes primeiros anos de vida,
as crianças desenvolvem a linguagem, a aprendizagem das regras, a capacidade de
influenciar as atividades de outros e de comunicar as suas necessidades. Apesar de
as crianças de um ano utilizarem preferencialmente a linguagem não-verbal, elas
usam as primeiras palavras adquiridas na interação com os seus pares (Eckerman et
al., 1989; Hay et al., 2004; Brownell et al., 2006). Durante o segundo ano, as crianças
revelam um maior domínio da linguagem e utilizam-na na interação com os seus pares
com diversas intenções e objetivos (Brownell, 1986; Hay et al., 2004; Brownell & Koop,
2007). Numa abordagem sobre a importância do desenvolvimento da linguagem, e
portanto da competência comunicativa da criança nos primeiros anos, Katz (2006)
afirma que, comunicando com os pares, as crianças desenvolvem mais facilmente
relações entre si e, simultaneamente, dispõem de oportunidades de melhorar as suas

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capacidades comunicativas.

As interações entre pares nos primeiros anos de vida constituem um processo


complexo, exigindo da criança a capacidade de regular o seu comportamento durante
a interação, bem como outras competências sociocognitivas que se prendem com a
interpretação das crianças e as respostas aos comportamentos dos pares (Brownell &
Hazen, 1999). Tal complexidade e consequente dificuldade diferenciam as interações
criança-criança das interações adulto-criança (Singer, 2002).

Katz (2006) afirma que “quanto mais novas são as crianças, mais aprendem em
interacção e quando têm um papel activo, em vez de um papel passivo, receptivo e
reactivo” (p. 18). Esta perspetiva fundamenta, em parte, a importância das interações
entre pares, na medida em que estas são tendencialmente mais complexas e
exigentes para as crianças do que as interações estabelecidas com os adultos, visto
que “as interações entre pares são caracterizadas por uma semelhança de poder e
conhecimento que leva as crianças a desempenharem um papel mais ativo do que
quando elas interagem com os adultos” (Ashley & Tomasello, 1998, p. 144).

Neste contexto é relevante analisar a importância da composição de grupos


multietários e o modo como estes grupos podem influenciar as interações
criança-criança. Um estudo realizado por Bronwell (1990, citado por Nichols, Svetlova
& Brownell, 2010), com crianças de 18 a 24 meses de idade, indica que mesmo as
crianças mais novas participantes no estudo imitavam e vocalizavam mais durante as
suas interações com crianças mais velhas do que com crianças da mesma idade.
Nichols et al. (2010) referem-se às interações das crianças com outras crianças mais
velhas como sendo um dos fatores que influencia favoravelmente a compreensão
social e emocional das crianças. Por outras palavras, a existência de um grupo de
crianças com diferentes idades pode apresentar grandes potencialidades para o
processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças mais novas(ME, 1997).
Parafraseando Brazelton (2009), as crianças muito pequenas deixam-se impressionar
mais com uma criança mais velha do que com um adulto, aprendendo com as outras
crianças algo que não aprendem com os pais ou outros adultos.

Em síntese, a promoção das interações entre pares pode favorecer o


desenvolvimento das crianças que frequentam a creche e pode constituir a base de
futuras competências sociais (Kemple, David e Hysmith, 1997; Williams et al., 2010),
sendo que, nos primeiros anos da infância, os pares incentivam a exploração do
ambiente físico e social e contribuem para o desenvolvimento cognitivo da criança

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(Hay et al., 2004).

Conceitos de Interação e Cooperação

Interação corresponde ao comportamento de um indivíduo e implica a


participação de outro, como por exemplo a interação numa conversa, a troca de
gestos, um jogo ou um conflito. Por seu lado, a cooperação representa algo mais
complexo, implicando a existência de um objetivo comum. As atividades de
cooperação são aquelas em que pelo menos dois indivíduos agem de modo a
alcançar um objetivo comum, desempenhando papéis complementares (Warneken &
Tomasello, 2007). A cooperação entre crianças deve envolver duas ou mais crianças
que coordenam o seu comportamento de alguma forma mutuamente satisfatória
(Ashley & Tomasello, 1998).

Brownell et al. (2006) observam que as crianças de um ano começam a


participar em atividades coordenadas podendo realizar ações semelhantes e ao
mesmo tempo com outra criança, embora independentes, em direção a um objetivo
comum, sendo no decorrer do segundo ano de vida que se tornam capazes de
participar em atividades cooperativas. Podemos então afirmar que o início da
cooperação entre as crianças se caracteriza por ações executadas por ambas de
forma independente mas com um objetivo comum.

Warneken e Tomasello (2007) evocam estudos realizados com crianças de um


ano que revelam que as suas ações sociais coordenadas ocorrem em situações
restritas e rotineiras, contando com a ajuda do adulto como andaime, sendo que a
partir dos dois anos de idade as crianças são capazes de se envolver em situações
cooperativas diversas, tanto com os adultos como com os pares.

Ao longo do segundo ano de vida a consciência social das crianças desenvolve-


se rapidamente, adquirindo capacidades que lhes permitem cooperar com os pares
para alcançar um objetivo comum (Olson & Spelke, 2008; Nichols et al., 2010). As
crianças desta idade são capazes de modificar as suas próprias ações para que estas
coincidam com as de outras crianças, sendo por isso capazes de participar em tarefas
de cooperação com os pares (Eckerman et al., 1989; Williams et al., 2010),
adequando o seu comportamento e influenciando o dos outros (Brownell & Kopp,
2007).

Numa abordagem à capacidade das crianças desta faixa etária para ajudar e

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cooperar, Warneken e Tomasello (2007) fazem uma distinção entre os dois conceitos.
Neste sentido, estes autores referem que ajudar prende-se com a compreensão da
criança relativamente a uma ação individual do outro, enquanto que a cooperação
baseia-se na existência de um objetivo comum. Contudo, e atendendo ao facto de nos
referirmos a crianças em contexto de creche, ambos os conceitos encontram-se, por
vezes, interligados, sendo que a capacidade de ajudar está muitas vezes na base do
envolvimento em atividades de cooperação.

No âmbito das situações de cooperação entre pares, diversos estudos têm sido
realizados, apresentando resultados discordantes e dividindo as opiniões dos autores.

Até à data, 18 meses corresponde à idade mínima em que as crianças foram


observadas a realizar atividades de cooperação coordenada com outros (Warneken &
Tomasello, 2007), contudo, não foram ainda realizados muitos estudos com crianças
mais pequenas (Eckerman et al., 1989; Brownell & Carriger, 1990; Warneken &
Tomasello, 2007). Numa revisão da literatura, é possível concluir que muitos dos
estudos realizados com crianças nos dois primeiros anos de vida apresentam
características muito particulares, decorrendo por vezes em condições laboratoriais e
apresentando tarefas muito exigentes mecanicamente (Warneken & Tomasello, 2007).
Por este motivo, considero que poder-se-á questionar as conclusões destes estudos e
que outros, realizados noutros contextos e com diferentes metodologias de
investigação, poderão apresentar outros resultados.

A partir de um estudo apresentado por Brownell e Carriger (1990), os autores


afirmam que a partir dos 24 meses as crianças são capazes de cooperar com os seus
pares, mas as crianças de idade inferior à indicada não conseguem. Também
Eckerman e Whitehead (1999) referem que alguns estudos revelam dificuldades das
crianças, antes dos dois anos, em participar em ações coordenadas, na ausência de
um parceiro mais capaz. Assim, Brownell et al. (2006) argumentam que as crianças de
um ano são incapazes de cooperar devido à dificuldade de agir em conformidade com
outra criança, partilhando um objetivo comum, sendo por isso apenas capazes de
cooperar com um individuo “mais capaz”. Neste sentido, acreditamos que a existência
de grupos multietários em creche poderá apresentar inúmeras vantagens para as
crianças, proporcionando-lhes oportunidades de interagir e cooperar com pares tendo
estes diferentes idades. Diversos autores, entre os quais Ashley e Tomasello (1998),
salientam as situações de cooperação em que uma criança é mais capaz do que a
outra e, por esse motivo, faz algo para ajudá-la. A este propósito, Brownell (1986)

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sugere que numa interação com estas características, um elemento do par mais
experiente e capaz oferece um maior controle e suporte e, desse modo, reduz as
exigências da situação, levando a que a criança mais nova apresente capacidades de
“nível superior” do que teria na mesma situação com uma criança da mesma idade.
Relativamente à criança mais velha e que, como tal ajuda ou ensina a outra, esta
também beneficia da experiência (Schaffer, 1996), na medida em que estas situações
contribuem para que se torne mais capaz e autónoma (Brownell & Kopp, 2007).

O desenvolvimento da autonomia constitui um aspeto fundamental na primeira


infância, destacando-se a capacidade de a criança no segundo ano de vida se tornar
mais autónoma em diferentes domínios e situações (Brownell & Koop, 2007). Neste
sentido, Bronson (2000) afirma que as crianças necessitam de oportunidades e
desafios adequados que promovam o desenvolvimento da sua autonomia. A
cooperação entre pares constitui, assim, uma oportunidade favorável a esse nível, na
medida em que a criança desempenha um papel mais ativo (Ashley & Tomasello,
1998; Nichols et al., 2010) e, consequentemente, mais exigente, fomentando a sua
autonomia. Todavia, outras capacidades são desenvolvidas a partir de tarefas de
cooperação entre pares, nomeadamente a linguagem, sendo que as atividades de
cooperação estimulam e favorecem o desenvolvimento comunicativo (Brownell &
Kopp, 2007; Warneken & Tomasello, 2007).

O Papel do Educador na Interação e Cooperação Entre Pares

Tal como foi apresentado anteriormente, as situações que se prendem com a


interação e cooperação nos primeiros anos apresentam características muito
particulares, tendo o educador um papel importante neste processo. Particularmente,
o educador pode orientar as crianças nas suas interações e proporcionar experiências
promotoras de cooperação, em particular nos primeiros anos de vida em que as bases
da competência social são apenas emergentes (Williams et al., 2010).

Em contexto de creche, é fundamental promover interações entre as crianças


pequenas, dando-lhes a oportunidade de interagirem com um significado na presença
de adultos e que estes as ajudem quando necessário (Katz & McClellan, 1991, citados
por Kemple et al., 1997), facilitando e apoiando as interações entre as crianças
(Figueira, 1998). O educador pode estruturar as experiências sociais das crianças
muito pequenas de diferentes formas, nomeadamente através da própria organização
do grupo, formando pares por exemplo, bem como da participação direta nas

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interações entre as crianças, comunicando com elas e modelando comportamentos


(Girard, Girolametto, Weitzman & Greenberg, 2011; Williams et al., 2010). Deste
modo, o educador poderá contribuir e influenciar de forma intencional e determinante
as interações e atividades de cooperação entre pares, nomeadamente através da
função de andaime nesses momentos sendo este um fator potencialmente importante
(Williams et al., 2010; Girard et al., 2011). Esta função de andaime prende-se assim
com a participação e apoio no decorrer das atividades entre as crianças muito
pequenas, facilitando a comunicação entre elas, ajudando-as a resolver problemas ou
a executar tarefas que exigem um nível de capacidade superior (Kemple et al., 1997;
Williams et al., 2010).

Todavia, as crianças necessitam de educadores interessados, atentos e


disponíveis mas não demasiado diretivos e interventivos, dando oportunidade às
crianças de se envolverem nas interações com os seus pares (Singer, 2002). Na
mesma linha de raciocínio, Figueira (1998) considera que “a presença do adulto deve
ser calorosa mas discreta, assegurando uma atitude comunicante e participante, sem
intervir mais do que o necessário” (p. 69). Deste modo, o educador pode influenciar
diretamente o curso das interações entre pares nas primeiras idades, incentivando a
participação em tarefas cooperativas, apoiando as interações ou envolvendo-se na
resolução de conflitos (Williams et al., 2007). Segundo Singer (2002), o educador deve
intervir o menos possível, salientando no entanto a importância da sensibilidade, na
medida em que os educadores devem ser sensíveis aos comportamentos das
crianças e às suas intenções, ponderando quando é que será indicado intervir e como
o fazer.

Singer (2002) salienta a importância de o educador mediar os conflitos, ajudando


as crianças na resolução de problemas e garantindo a continuidade da ação que
decorre. Assim, mediante a intervenção e apoio do adulto, estes conflitos e
dificuldades, nos momentos de interação entre pares, podem ser encarados como
adaptáveis, permitindo às crianças exercer os seus impulsos em ambientes seguros,
na medida em que, com a ajuda do educador, as crianças aprendem a expressar e
controlar o seu comportamento de forma adequada (Williams et al., 2007). Nestes
momentos em que as crianças estão envolvidas com os seus pares, o educador
dispõe, assim, de oportunidades únicas de contribuir para a aprendizagem social das
crianças (Oliveira-Formosinho, 1999).

O educador tem ainda a importante função de assegurar o bem-estar e

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envolvimento das crianças, pois partindo da experiência da criança, o educador


constrói significados através das suas expressões, palavras e gestos (Portugal &
Laevers, 2010).

Este bem-estar da criança traduz-se num bem-estar emocional, refletindo a


alegria e autoconfiança da criança, estando esta, consequentemente, disponível para
uma diversidade de estímulos. Laevers et al. (1997, 2005, citado por Portugal &
Laevers, 2010) define bem-estar como “um estado particular de sentimentos que pode
ser reconhecido pela satisfação e prazer, enquanto a pessoa está relaxada e expressa
serenidade interior, sente a sua energia e vitalidade e está acessível ao que a rodeia”
(p. 20). Neste sentido, são descritos indicadores de bem-estar que facilitam a
condução do processo de observação, sendo que estes se prendem com a abertura e
recetividade, flexibilidade, autoestima e autoconfiança, assertividade, vitalidade,
tranquilidade, alegria e ligação consigo própria (Portugal & Laevers, 2010).

Associado ao conceito de bem-estar encontra-se o conceito de envolvimento,


estando este diretamente relacionado com o impulso exploratório das crianças e a sua
implicação nas atividades em que se envolve. O envolvimento/implicação corresponde
a “uma qualidade humana que pode ser reconhecida pela concentração e
persistência, caracterizando-se por motivação, interesse e fascínio, abertura aos
estímulos, satisfação e um intenso fluxo de energia. (Laevers, 1994, citado por
Portugal & Laevers, 2010). Relativamente aos indicadores de
envolvimento/implicação, estes consistem na concentração; energia; complexidade e
criatividade; expressão facial e postura; persistência; precisão; tempo de reação;
expressão verbal; satisfação (Portugal & Laevers, 2010).

Os conceitos de bem-estar e envolvimento estão interligados, completando-se


entre si. A conjugação de ambos contribui para a criação de situações de
aprendizagem, potencializando o desenvolvimento. Tal como afirma Laevers, na
entrevista dada a Santos e Jau (2008), “se houver envolvimento estamos a fazer com
que se desenvolvam estas potencialidades. E se houver bem-estar sabemos que a
nível emocional, as crianças estão a seguir no caminho certo” (p. 7). Deste modo, a
observação do bem-estar e envolvimento das crianças é fundamental nas situações
de interação e cooperação entre pares, na medida em que poderá ajudar o educador a
intervir, (re)adaptar e promover um ambiente mais favorável e acolhedor para as
crianças, podendo potencializar o seu desenvolvimento.

No que diz respeito às estratégias para promover a interação e cooperação entre

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pares, os educadores dispõem de diversas estratégias, nomeadamente a organização


do espaço e do tempo e das rotinas diárias (Singer, 2002). Para Batista da Silva
(1998), na creche é fundamental refletir, adequar e respeitar o ritmo, espaço e
individualidade de cada criança. Com efeito, é importante que as rotinas sejam
flexíveis e individualizadas, baseadas nas necessidades das crianças (Figueira, 1998),
tendo um caráter securizante para a criança, sendo fundamentais para a compreensão
dos acontecimentos e do mundo que a rodeia, devendo ser intencionalmente
planeadas pelo educador (ME, 1997). Neste sentido, Oliveira-Formosinho (1999)
defende que através das rotinas, as crianças interagem com os outros e vão
desenvolvendo competências sociais e comunicacionais, proporcionando também
oportunidades para que as crianças participem em interações sociais mais complexas.

Os cuidados de rotina são momentos são ricos em oportunidades de interação e


de aprendizagem, oferecendo oportunidades únicas à criança de interações e de
aprendizagens sensoriais, comunicacionais e atitudinais (Portugal, 2012). Atendendo à
importância destes momentos, torna-se imprescindível que o educador esteja
disponível para a criança, sendo fundamental “envolver as crianças nas coisas que
lhes dizem respeito” (Portugal, 2000, p. 91) e investir em tempos de qualidade, ou
seja, momentos em que educador e criança estejam totalmente envolvidos (Portugal,
2000).

Em suma, a promoção da interação e cooperação entre pares poderá, assim,


constituir uma estratégia do educador para elevar os níveis de bem-estar das crianças,
podendo contribuir igualmente para fomentar um maior envolvimento das mesmas
nesses momentos.

Questão e Objetivos do Estudo

Este trabalho de caráter exploratório, realizado no contexto de estágio em


creche, procura averiguar, quais as potencialidades da prática de promoção da
interação e cooperação criança-criança nos momentos de rotina em creche.

Neste sentido, foram definidos os seguintes objetivos desta intervenção, tendo


por base a prática do educador na promoção da interação e cooperação
criança-criança numa sala familiar (crianças de um e dois anos de idade):

• Analisar as potencialidades desta prática, no âmbito desta experiência, para


o desenvolvimento e aquisição de aprendizagens por parte das crianças do

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grupo;

• Observar as implicações desta prática no bem-estar e envolvimento das


crianças do grupo;

• Analisar o papel do educador, no âmbito deste trabalho de caráter


exploratório, para a promoção da interação e cooperação entre pares neste
grupo de crianças em particular.

Opções Metodológicas

O presente trabalho, centrado na prática em contexto de creche, num continuum


entre a investigação e a ação, apresenta um relato de uma experiência da prática
pedagógica, com uma abordagem de natureza qualitativa, descritiva e interpretativa
com um design de investigação-ação. Esta é desencadeada pela “necessidade de
informações/conhecimento de uma situação/problema a fim de agir sobre ela e dar-lhe
solução” (Esteves, 2003, p. 266), constituindo a própria investigação uma forma de
ação (Bogdan & Biklen, 1994), visando uma intervenção na própria prática com a
finalidade de a melhorar (Garcia, 1999; Máximo-Esteves, 2008).

Esta opção metodológica foi, assim, ao encontro da questão e objetivos deste


trabalho, na medida em que este tipo de investigação é realizada por alguém na
situação social que constitui o objeto de pesquisa, bem como pelo facto de permitir
lidar com desafios e situações resultantes da prática, refletindo e permitindo agir sobre
as mesmas (Afonso, 2005). Assumindo a primeira autora o papel de participante na
ação, esta metodologia apresenta diversas vantagens, pois tal como sublinham
Lessard-Hebert, Goyette e Boutin (2005) “o carácter de proximidade entre o
investigador e os participantes na investigação qualitativa está centrado na construção
de sentido” (p. 47). Deste modo, esta proximidade contribuiu de forma determinante
para a compreensão da realidade estudada, abordando as questões de forma mais
profunda, dando forma e significado às intervenções.

Participantes

O trabalho realizado teve como participantes o grupo de crianças da sala na qual


decorreu o estágio de intervenção no contexto de creche, sendo este grupo composto
por 15 crianças com idades compreendidas entre os 10 e os 32 meses, das quais 11
eram do sexo masculino e 4 do sexo feminino.

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INTERAÇÃO E COOPERAÇÃO ENTRE PARES 123

Para além do grupo de crianças, a intervenção constituiu igualmente objeto de


estudo, sendo por isso um investigador-participante.

Atendendo ao facto de os participantes serem crianças tornou-se fundamental


ter em conta questões éticas, procurando respeitar os participantes e garantir um
ambiente acolhedor e que respondesse às características e necessidades das
crianças (Parente, 2012). Os princípios éticos defendidos foram tidos em conta não só
nos momentos de observação e contacto direto com os participantes, mas também
durante todas as etapas de investigação, respeitando os intervenientes, garantindo o
seu anonimato e assegurando rigor, bem como a fidedignidade dos resultados.

Procedimentos e Instrumentos de Recolha e Análise de Dados

O projeto realizado englobou diferentes fases, definindo-se momentos de


observação, recolha de dados a partir da ação, bem como a reorientação da ação.

Deste modo, e atendendo ao processo em espiral característico da investigação-


ação, esta apresenta diferentes fases que se repetem a partir das anteriores,
desenhando-se um novo ciclo (Lewin, 1947, citado por Afonso, 2005). A
investigação-ação pressupõe planear, atuar, observar e refletir, desenvolvendo-se
estas fases de forma contínua e cíclica (Coutinho, Sousa, Dias, Bessa, Ferreira &
Vieira, 2009), implicando reflexão, rigor e organização (Máximo-Esteves, 2008). Neste
sentido, este estudo contemplou várias etapas, originando ciclos que culminaram
numa espiral, tal como se pode verificar no esquema seguinte (Esquema 1).

Esta intervenção consistiu, assim, numa alteração dos momentos de rotina,


consistindo na organização das crianças em pares no momento de rotina da higiene,
sendo estes formados por uma criança de dois anos e outra de um ano, na qual a
mais velha tinha a tarefa de ajudar a mais nova a descalçar os sapatos, permitindo
assim que no momento de muda da fralda o adulto estivesse totalmente disponível
para a criança, sendo que as restantes se encontrariam envolvidas numa tarefa,
promovendo esta a interação e cooperação entre pares. A observação e avaliação da
intervenção no momento de rotina da higiene da manhã, acompanhada por uma
recolha de dados, desencadeou um alargamento da ação, promovendo a interação e
cooperação entre pares noutro momento de rotina – a “hora da fruta” –, na qual uma
criança de dois anos ficava, diariamente, encarregue de distribuir a fruta por todas as
crianças presentes, sendo que anteriormente esta tarefa era realizada pelo adulto.

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124 AREZES & COLAÇO

Esquema 1 – Processo de investigação-ação


(adaptado de Santos, Morais & Paiva, 2004).
 

Esta intervenção consistiu, assim, numa alteração dos momentos de rotina,


consistindo na organização das crianças em pares no momento de rotina da higiene,
sendo estes formados por uma criança de dois anos e outra de um ano, na qual a
mais velha tinha a tarefa de ajudar a mais nova a descalçar os sapatos, permitindo
assim que no momento de muda da fralda o adulto estivesse totalmente disponível
para a criança, sendo que as restantes se encontrariam envolvidas numa tarefa,
promovendo esta a interação e cooperação entre pares. A observação e avaliação da
intervenção no momento de rotina da higiene da manhã, acompanhada por uma
recolha de dados, desencadeou um alargamento da ação, promovendo a interação e
cooperação entre pares noutro momento de rotina – a “hora da fruta” –, na qual uma
criança de dois anos ficava, diariamente, encarregue de distribuir a fruta por todas as
crianças presentes, sendo que anteriormente esta tarefa era realizada pelo adulto.

Neste artigo serão apenas apresentados os dados respeitantes ao momento da


higiene da manhã.

A observação participante refere-se ao contacto direto e envolvimento do


observador com o contexto que se pretende estudar (Sousa, 2005; Estrela, 1994),
permitindo captar os comportamentos no momento em que eles ocorrem (Quivy &

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INTERAÇÃO E COOPERAÇÃO ENTRE PARES 125

Campenhoudt, 2008). Neste sentido, no processo de recolha de dados, a observação


participante constituiu um instrumento de enorme importância, procedendo-se à
observação do grupo de crianças, diariamente. Esta englobou registos audiovisuais,
permitindo registar os momentos posteriormente de forma mais descritiva e fiel
possível. A par dos registos audiovisuais, procedeu-se ao registo no diário de bordo,
permitindo registar as interpretações e notas referentes a diversos aspetos
observados e vivenciados, apresentado assim um caráter reflexivo (Afonso, 2005).

No final do período de estágio realizou-se uma entrevista semiestruturada à


educadora cooperante da creche. Esta opção, associada à anterior apresentada,
permitiu efetuar de algum modo uma triangulação de dados, nomeadamente no que
se refere à compreensão da realidade estudada e impacto da intervenção. Deste
modo, procurou-se assegurar a triangulação de dados, pretendendo dar resposta à
questão e objetivos definidos previamente. A triangulação representou um aspeto
fundamental, na medida em que permitiu um confronto de diferentes pontos de vista e
opiniões, contribuindo para clarificar a informação recolhida, validando os resultados
obtidos (Afonso, 2005)

No âmbito da análise e interpretação dos dados obtidos, a análise de conteúdo


representou um procedimento fundamental, procurando numa primeira fase registar
em tabela os dados recolhidos, contemplando esta a descrição das observações
(código a), interpretações das mesmas (código b) e notas do observador (código c).
Tal como foi referido anteriormente, os registos provenientes dos vídeos e diário de
bordo foram realizados no momento de rotina da higiene da manhã – Vídeo e Diário
da higiene da manhã (VDH). Posteriormente, foram formadas categorias a partir dos
dados obtidos de modo a organizar a informação recolhida, pretendendo este
processo representar de forma mais simplificada e clara os dados (Bardin, 2011).

Apresentação e Análise de Dados

Higiene da manhã

Categoria: Interação

No momento de rotina da higiene da manhã verificaram-se inúmeras situações


de interação entre as crianças, constatando-se evidências de interação com recurso à
linguagem verbal e não-verbal.

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126 AREZES & COLAÇO

Neste sentido, as crianças mais novas interagiam com as mais velhas,


produzindo sons, tal como se verifica quando “(…) a criança S repetia num tom alegre
«pé pé pé pé pé…», olhando diretamente para a criança C. Esta corresponde olhando
para a criança mais nova e sorrindo.” (VDH12a) e o mesmo se verifica quando “A
criança T descalça o primeiro sapato e afirma, num tom alto e alegre «Já tá (pausa) tá
aqui o xapato», colocando-o no chão junto à criança mais nova. A criança S sorri para
a criança T e repete: «xapato».” (VDH23a). Também as crianças mais velhas
procuram interagir intencionalmente com as crianças mais novas. Por exemplo, para
iniciar a tarefa, a criança mais velha revela preocupação para com a mais nova, sendo
que “A criança G estava a chorar sentada na “área da manta” e a criança T senta-se à
sua frente, olhando para a criança mais nova enquanto agarra no seu pé, dizendo-lhe
«Vou tiae tá bem…?». A criança G para de chorar e observa a criança T com atenção,
sendo que esta volta a afirmar: «Vou tiae... os sapatos, tá bem?». (…) «Agoa é o oto»,
refere a criança T, comunicando com a criança G, enquanto esta a observa e retira a
chucha. Retira o sapato e olha para a criança G, sorrindo e afirmando «Já tá…». A
criança mais nova observa-a com um ar atento e alegre.” (VDH22a). Numa outra
situação, “a criança S (…) aponta para o seu próprio pé (que estava já sem sapato) e
afirma «Pepepepe». A criança T olha para a criança mais nova e responda «Xim, é o
pé», enquanto continua a desapertar o sapato. A criança S volta a agarrar o sapato e
mostra-o de novo à criança T, referindo «Pé...pé». A criança T responde «Não é o pé
(pausa) é o xapato» (…)” (VDH18a). Verifica-se nesta situação que se estabelece “um
diálogo entre as crianças e a interação sucede-se enquanto a ação decorre
simultaneamente. As duas crianças interagem entre si, mantendo-se igualmente
envolvidas na tarefa.” (VDH18b).

A par das situações apresentadas, as crianças interagem também através da


linguagem não-verbal, nomeadamente enquanto “(…) Ambas as crianças sorriem,
olhando uma para a outra (…)” (VDH3a) e “A criança R interage com a criança M
através de gestos, sons e risos (…)” (VDH21b). Para além disso, nesta experiência
verifica-se que durante a interação, as crianças alteram o seu comportamento em
função do da outra criança, uma vez estão a desenvolver a sua compreensão
relativamente aos outros e às regras sociais evidenciando uma maior capacidade de
agir de acordo com isso, tal como mencionavam Bronson (2000) e Brownell et al.
(2006). Deste modo, “Verificando a mudança no comportamento da criança S e
observando que esta se encontra (…) triste, a criança A revela a capacidade de
adaptar a sua postura (…) falando num tom mais calmo.” (VDH4b).

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INTERAÇÃO E COOPERAÇÃO ENTRE PARES 127

Ainda nesta experiência, verificaram-se algumas evidências de interação para a


resolução de problemas decorrentes da tarefa. Assim, as crianças interagem umas
com as outras, ajudando-se no sentido de ultrapassarem um determinado obstáculo,
como se verifica, por exemplo, “Enquanto tenta calçar a criança J, a criança T repete
várias vezes «Faz fôça …».” (VDH14a), interagindo com a criança mais nova no
sentido de juntas resolverem o problema. Tal se verifica também quando a criança D
revela dificuldades e “Outra criança de dois anos que se encontrava perto de si
(criança T) intervém dizendo «Tens de puxar aquio aqui», apontando para o sapato.
(…) A criança T afirma «…, tens de puxar axim e tiar axim.», ao mesmo tempo que
exemplifica agarrando no sapato e alargando-o de modo a que este entre no pé da
criança J” (VDH14a).

Categoria: Cooperação

Constituindo a tarefa em si um verdadeiro desafio, verificou-se que as crianças


procuraram, em conjunto, resolver os problemas que dela decorriam. As crianças mais
velhas procuravam comunicar com as mais novas, envolvendo-as na tarefa e
solicitando a sua ajuda, refletindo a sua capacidade de cooperar, sendo que as mais
novas correspondiam a estas iniciativas e pareciam revelar compreender o objetivo da
tarefa, desempenhando ações complementares de modo a alcançar esse objetivo
comum.

Assim, durante esta experiência surgem algumas evidências de cooperação, por


exemplo, quando “A criança J estica de imediato o seu pé em direção à criança D,
sorrindo ao mesmo tempo. A criança D afirma «Não. É do oto». A criança J sorri e dá
à criança D o outro pé.” (VDH14a), bem como quando a criança A tenta retirar o
sapato à criança J mas “(…) quando o puxa este não sai. A criança J começa então a
mexer a perna e segura o seu próprio pé, puxando-o também. As duas crianças fazem
força no sentido oposto (…).” (VDH15a), verificando-se nestas situações que as
crianças realizam ações complementares, cooperando umas com as outras. Tais
ilações baseadas nesta tarefa de caráter meramente exploratório parecem cruzar com
a opinião dos autores que afirmam que numa atividade de cooperação dois indivíduos
agem de modo a alcançar um objetivo comum, desempenhando papéis
complementares (Warneken & Tomasello, 2007), cooperando para resolver um
determinado problema (Ashley & Tomasello, 1998).

O mesmo parece verificar-se quando “(…) a criança T refere «Fauta isto»,

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128 AREZES & COLAÇO

apontando para o velcro dos sapatos que faltava colar. De imediato, a criança F tenta,
espontaneamente, apertar o velcro que faltava. A criança T (…) diz «Tem de ir paqui
(puxando uma parte de velcro) e ete paqui (colocando a outra)». A criança F observa
com atenção. A criança T agarra no outro sapato, alargando-o, enquanto que a
criança F estica o pé na sua direção. (…)” (VDH13a), desenrolando-se a ação de
forma cooperativa entre as crianças. Verificou-se igualmente cooperação entre as
crianças quando a tentativa de desatar os atacadores demorou um período
considerável, sendo que “A determinada altura, a criança S tenta também puxar um
atacador e a criança T agarra o outro, puxando-o também. O laço dos atacadores
acaba por desatar-se e a criança T puxa de imediato o sapato. Ambas as crianças
sorriem e a criança S afirma, de forma espontânea e alegre, «Já tá».” (VDH18a).

Categoria: Autonomia

Nos momentos observados durante esta experiência, as crianças demonstraram


autonomia, nomeadamente, através da motivação, espontaneidade e empenho que
revelaram no início da tarefa, bem como no decorrer da mesma.

Neste sentido, e reportando ao início da tarefa, “(…) a criança T observa ao seu


redor e afirma espontaneamente «Fauta tiae à ... Poxo?» (…)” (VDH10a), “(…)
observando as crianças que ainda faltava descalçar e, identificando a criança V nesta
situação, procura-a de imediato.” (VDH10b), refletindo grande autonomia. Numa outra
situação observada, “Os movimentos da criança M refletem a sua autonomia,
movimentando-se de forma enérgica e segura, estando também bastante
concentrada, ignorando o que o rodeia e não procurando qualquer ajuda.” (VDH21b).

No decorrer da tarefa, as crianças depararam-se com diversos problemas,


revelando, contudo, autonomia para a resolução dos mesmos. Tal é possível concluir
a partir da “(…) concentração e empenho (…) na resolução do desafio que se coloca.”
(VDH2b), sendo que, por exemplo, “A criança D encontra-se durante alguns instantes
a mexer no sapato da criança J, tentando compreender como o descalçar. Olha para o
sapato, mexe e volta a tentar, repetindo a ação diversas vezes.” (VDH3a), “(…)
explorando todas as possibilidades, tendo em vista a resolução do problema que se
coloca.” (VDH3b). “Perante um obstáculo a criança procura ultrapassar as suas
dificuldades explorando as várias possibilidades e não desistindo. Constatando que
não consegue, procura intencionalmente o adulto para a ajudar.” (VDH10b), tal como
se sucedeu na situação em que a criança A opta por “(…) pedir ajuda: «Mata [Marta],

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INTERAÇÃO E COOPERAÇÃO ENTRE PARES 129

eu não xei»." (VDH17a), sendo que “(…) revelou a capacidade de procurar uma
solução (…), procurando diretamente a ajuda do adulto. Utiliza essa ajuda até onde a
considera necessária, interrompendo quando deixa de lhe interessar esse apoio e
quando se acha capaz de retomar sozinha a tarefa (…)” (VDH17c). Atendendo ao
facto de serem crianças tão pequenas, estas iniciativas para pedir ajuda em
determinado momento poderão ser encaradas como evidências de autonomia,
reconhecendo a necessidade de ajuda, procurando e utilizando-a apenas quando
consideram ser realmente necessário. Para além disso, verificou-se que a criança
“utiliza os conhecimentos que adquiriu anteriormente, a partir da minha intervenção e
exemplificação, para retirar o sapato que falta.” (VDH8b), incorporando nas ações
seguintes aquilo que acabou de observar.

Tais resultados vão ao encontro da perspetiva de Bronson (2000) que defende a


importância de criar oportunidades e desafios adequados que promovam o
desenvolvimento da autonomia, sendo que a cooperação entre pares contribui para
que a criança desempenhe um papel mais ativo (Ashley & Tomasello, 1998; Nichols et
al., 2010) e, consequentemente, mais exigente, fomentando a sua autonomia.

Categoria: Bem-estar e envolvimento

O bem-estar das crianças neste momento de rotina foi evidente a partir de


diversos indicadores, nomeadamente pelos “(…) sorrisos e movimentos corporais
enérgicos, manifestando grande contentamento.” (VDH24b), “(…) evidenciando
tranquilidade (…)” (VDH3b), “(…) sorrindo e produzindo sons diversos de forma
enérgica e alegre.” (VDH23a), sendo que “(…) as suas expressões faciais indicavam
alegria e tranquilidade, os seus movimentos eram suaves (…)” (VDH16c).

No decorrer da experiência, as crianças revelaram um evidente bem-estar, pois


“Enquanto a criança M descalça os sapatos à criança R, esta ri (…). A sua postura é
calma e alegre (…)” (VDH21a), verificando-se de igual modo que, “Apesar de alguns
movimentos com maior intensidade por parte da criança E, a criança B mantém-se
muito tranquila, observando apenas a outra criança com um olhar atento e
interessado.” (VDH20b).

A tarefa em questão contribuiu também para a melhoria do bem-estar das


crianças, visto que, “No período observado, destaca-se também a melhoria do
bem-estar da criança R, na medida em que esta no início da tarefa apresentava
alguma neutralidade, estando apenas sentada e com um olhar neutro e

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130 AREZES & COLAÇO

desinteressado, revelando a ausência de atividade mental. Posteriormente, quando a


criança M começa a interagir com ela, (…) a criança R começa a observar a criança
mais velha, interagindo com ela e sorrindo, revelando uma evidente melhoria do seu
bem-estar.” (VDH21c). Tal se verifica também numa situação em que, antes de se
iniciar a tarefa, “a criança G encontrava-se num canto da sala, sentada sozinha a
chorar, indicando um reduzido nível de bem-estar. No decorrer do período observado,
a criança G vai alterando a sua postura e comportamento, revelando tranquilidade e
segurança, bem como algum interesse pelos movimentos e ações praticados pela
criança T” (VDH22c), constatando-se uma significativa melhoria do seu bem-estar.
Também “A postura e expressão facial da criança J demonstram um nível de
bem-estar neutro, aumentando visivelmente a partir do momento em que se inicia a
tarefa a pares. Assim (…), a criança J sorri e evidencia movimentos corporais mais
enérgicos e expressões alegres.” (VDH27b). Deste modo, verificou-se o impacto desta
tarefa no que se refere ao bem-estar das crianças, pois através da mesma as crianças
“sentem-se confortáveis e felizes.” (EE).

Nesta tarefa, as crianças evidenciaram também envolvimento, nomeadamente


através do “(…) olhar focalizado (…)” (VDH18a), “(…) movimentos enérgicos (…)”
(VDH25a), bem como pelo facto de revelarem “(…) interesse na tarefa (…)” (VDH13b),
“(…) grande concentração e persistência (…).” (VDH11b) e “(…) expressão facial (…)
descontraída e alegre” (VDH16a).

As crianças mais novas demonstram envolvimento na tarefa, sendo que “A


criança R encontra-se muito quieta, a olhar com atenção para a criança T, observando
todos os movimentos que esta realiza.” (VDH1a) e o mesmo se verifica quando a “(…)
criança S revela (…) envolvimento, colocando a mão no outro sapato como forma de
referir que agora é este.” (VDH5b). É também de “(…) salientar o interesse revelado
pela criança B, estando esta sempre atenta ao que se estava a passar e procurando
ajudar na fase final, ao entregar o outro sapato à criança E.” (VDH20c).

Relativamente às crianças mais velhas, estas revelam um elevado envolvimento,


na medida em que, por exemplo, “A criança C mexe e volta a mexer no sapato,
tentando abri-lo, puxando o velcro, repetindo os mesmos movimentos várias vezes.”
(VDH24a), sendo que também “A postura da criança E, bem como a sua concentração
e persistência, revelam envolvimento na atividade, explorando diversas possibilidades
e estando atenta a vários pormenores do sapato.” (VDH6b). Deste modo, e quanto ao
envolvimento das crianças nestes momentos, a educadora cooperante afirma que as

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INTERAÇÃO E COOPERAÇÃO ENTRE PARES 131

crianças “(…) adoraram mesmo e envolveram-se. Eles pediam e mostravam


iniciativa…mostravam que queriam participar. Notava-se o seu esforço, empenho e
gosto. (…) Sinceramente, acho que estavam felizes e envolvidos.” (EE).

Categoria: Intervenção do educador

Em determinados momentos, a intervenção do adulto revelou-se necessária,


orientando as interações entre as crianças e promovendo o bem-estar das mesmas.
Verificou-se, assim, a importância da função de andaime por parte do adulto,
incentivando as crianças, facilitando a comunicação entre si, ajudando-as a resolver
problemas (Kemple et al., 1997; Williams et al., 2010; Girard et al. 2011), bem como
facilitando e apoiando as interações entre as crianças (Figueira, 1998).

Deste modo, e reportando às primeiras situações observadas de interação e


cooperação entre pares no momento de rotina da higiene, “A postura e
comportamento da criança S revelam o seu desagrado face à ação iniciada pela
criança C, (…). A criança S expressa-se através da linguagem verbal, bem como
através de movimentos corporais, sendo que a criança C não corresponde a estas
tentativas de comunicação da outra criança e procura continuar a ação que iniciou.
Perante as dificuldades criadas pela criança S, a criança C para e observa-a com
muita atenção, revelando não saber ao certo como agir (…)” (VDH5b), tendo sido
necessário intervir, explicando “(…) à criança S que a criança C a vai ajudar a tirar os
sapatos e rapidamente a criança S altera o seu comportamento, esticando a perna na
direção da criança C, observando-a com atenção.” (VDH5a), verificando-se que
“Inicialmente, a criança S revelou alguma incompreensão face ao que se estava a
passar, sendo necessária a intervenção do adulto. Após esta, ambas as crianças
realizaram a tarefa, revelando bem-estar (…)” (VDH5c). Tal situação ocorreu também
quando “(…) a criança A inicia espontaneamente a tarefa, puxando de forma um
pouco brusca a criança J. Esta reage, afastando-se, manifestando assim algum
desagrado. Perante isto, intervim no sentido de explicar às crianças a tarefa, tornando
igualmente o início da mesma mais tranquilo e confortável para ambas (…)” (VDH15b).

Também num outro momento, “Perante algum mal-estar revelado pela criança F,
e atendendo aos seus olhares na minha direção e sons que quase indicavam choro,
sento-me ao lado das crianças, interrompendo o que estas estavam a fazer e
acalmando em particular a criança F. Esta de imediato volta a aparentar uma postura
calma e sorri enquanto estica os braços na minha direção. Explico-lhe que a criança T

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132 AREZES & COLAÇO

apenas a está a ajudar a tirar os sapatos, porque depois temos todos de ir lavar as
mãos e ir comer. (…) Olho para a criança T e incentivo-a, dizendo que está a fazer
muito bem, mas que tem de tirar o sapato com cuidado para não magoar a outra
criança mais pequenina. A criança T responde «Tá bem» e volta de imediato a agarrar
no sapato, tentando descalçá-lo. Desta vez, fá-lo mais devagar, dispondo menos força
nos seus movimentos.” (VDH8a).

A par dos aspetos já realçados, esta tarefa originou também diversos desafios e
obstáculos para as crianças que implicaram a intervenção do adulto. Assim, descalçar
os sapatos constituiu, por vezes, um enorme desafio, levando as crianças a
explorá-los na tentativa de os conseguir desapertar e retirar do pé de outra criança.
Desse modo, “Constatando algumas dificuldades da criança E, intervenho explicando
como esta deve fazer para ser capaz de retirar o sapato. A criança revela grande
interesse e atenção, mantendo-se concentrada e reproduzindo o que eu fizera.”
(VDH20b). Tais intervenções passam, assim, por exemplos concretos e explicações
claras que as crianças necessitam, como por exemplo na situação em que “Eu
intervenho, ajudando a criança A, explicando-lhe que tem de puxar primeiro a fivela e
depois passar pelo buraco e voltar a puxar. Enquanto explico, pausadamente,
exemplifico.” (VDH17a), revelando-se a intervenção do adulto importante no apoio e
suporte dado às crianças nesta tarefa e garantindo igualmente a sua continuidade.

Considerações Finais

O presente estudo foi realizado em contexto de creche com crianças entre os


10e 32 meses, tendo como base um projeto de promoção da interação e cooperação.
entre pares nos momentos de rotina. Tendo sendo desenvolvido em duas fases,
integrando a segunda fase os dados de observação da primeira e a reflexão
subjacente num processo de ação-reflexão em espiral. Os dados recolhidos devem
ser entendidos no contexto de observação e sem pretensão de generalização. No
entanto, podemos observar as potencialidades dos momentos de rotinas e da
interação dos pares para o bem-estar e envolvimento das crianças participantes do
estudo, com possiveis contributos para o desenvolvimento de diversas competências,
nomeadamente ao nível da linguagem e autonomia. Tais observações cruzam-se com
a perspetiva de diversos autores e com a investigação anterior que indica que as
crianças em interação com os pares desenvolvem efetivamente diversas capacidades
(Brownell & Hazen, 1999; Brownell et al., 2006; Katz, 2006; Brownell e Koop, 2007;

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INTERAÇÃO E COOPERAÇÃO ENTRE PARES 133

Ladd & Coleman, 2010, entre outros). Tal como, Eckerman et al. (1989), acreditamos
que através das interações estabelecidas com os pares, este grupo de crianças
aumentou a sua experiência social, potencializando consequentemente o
desenvolvimento de competências.

Relativamente à cooperação, as nossas observações revelam evidências de


cooperação entre as crianças deste grupo, procurando comunicar entre si e realizar
ações complementares, ajudando-se mutuamente na tentativa de alcançarem um
objetivo comum. Porventura, o facto de esta intervenção ter sido realizada com um
grupo multietário pode ter contribuído para a complexidade das experiências de
cooperação e interações entre as crianças, tendo-se verificado que mesmo que “(…)
uma desempenhe um papel mais ativo do que a outra, o interesse parece visivelmente
inerente a ambas as crianças.” (VDH19b). Outras experiências com estas
características entre crianças com diferentes idades, têm indicado que a criança mais
nova se envolver em tarefas que sozinha não seria capaz (Brownell, 1986; Brownell et
al., 2006; Vigotsky, 2007; Warneken & Tomasello, 2007).

Numa abordagem ao trabalho com grupos multietários, a educadora cooperante


enfatiza as vantagens deste tipo de grupos, afirmando que “(…) torna os mais velhos
mais responsáveis e faz os pequeninos crescerem mais depressa.” (EE), pois os
primeiros “(…) além de terem mais atenção e prestarem mais cuidado também ajudam
e têm mesmo gosto em fazer este papel (…).” (EE), enquanto que os mais novos, em
contacto com outras crianças mais velhas, “(…) desenvolvem muito mais (…)” (EE).
Contudo, afirma que “(…) é um desafio em termos de gestão dos momentos e de
organização da sala.” (EE). Neste sentido, os resultados obtidos podem ter contribuído
para gestão e organização do grupo por parte do educador. Não obstante, tais
situações impliquem a supervisão do adulto, “(…) é diferente nós sabermos que os
mais velhos estão a interagir com os mais novos e que estão todos mais confortáveis
e apoiados, do que estarem todos ali simplesmente à espera, a chorar e assim.” (EE).

Quanto ao papel do educador nos momentos de rotina “A intervenção do adulto


revelou-se necessária (…) e serviu de andaime para a resolução de um problema e
facilitar a continuidade e sucesso da tarefa (…)” (VDH8c). Tais dados permitiram
verificar a importância da intervenção do educador nesses momentos, “(…) ajudando
(…), mostrando-lhe como deveria fazer (…)” (VDH18b), “(…) exemplificando (…)”
(VDH10a), bem como contribuindo para o bem-estar das crianças, apoiando-as nas
suas interações e contribuindo para que cada criança se sentisse segura e

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134 AREZES & COLAÇO

confortável, estando assim confiante para se envolver em experiências com os outros,


promovendo e investindo, deste modo, em tempos de qualidade (Portugal, 2000).

Importa, contudo, referir que os resultados apresentados estão intimamente


relacionados com diversos fatores presentes nesta experiência, nomeadamente no
que se refere ao contexto em que as tarefas foram implementadas, às características
do grupo em particular, bem como à relação estabelecida com as crianças. Tal como
salienta a educadora cooperante, “Se calhar se fosse numa sala de um ano ou de dois
anos não fazia sentido como fez.”, acrescentando que, no entanto, “(…) numa sala em
que existe estas diferenças de idades e (…) estas interações e (…) cooperação dos
mais velhos com os mais novos fez sentido e (…) foi conseguido. (EE).

Em contexto particular de creche, é importante ter presente que todas as


experiências vividas pelas crianças constituem aprendizagens, são descobertas para
compreensão dos outros e do mundo que as rodeia. Tal como afirma Katz (2006) uma
intervenção educativa de qualidade junto das crianças apresenta contributos
fundamentais para o resto das suas vidas, pois “os anos iniciais providenciam as
bases para todos os aspectos de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem para
o resto da vida” (p. 17).

Concluímos salientando as potencialidades da promoção da interação e


cooperação entre pares, constituindo esta uma prática transversal aos vários
contextos de ensino, pois tal como sugerem os nossos resultados e a investigação
prévia, poderá proporcionar experiências importantes para as crianças, contribuindo
para o seu desenvolvimento e apresentando também contributos para o educador no
que se refere à organização e gestão do grupo.

Referências Bibliográficas

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