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ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS
NAS ORGANIZAÇÕES
1 Administração de Indivíduos
2 Administração de Equipes e Grupos
3 Administração de Liderança, Treinamento e Motivação
4 Administração de Recursos Humanos
5 Administração da Cultura Organizacional
CAPÍTULO UM
ADMINISTRAÇÃO DE INDIVÍDUOS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
No final deste capítulo, você será capaz de: Definir valores e como eles orientam o
Entender como a psicologia contribui para comportamento individual
o comportamento organizacional Definir e descrever um conjunto de teo-
Descrever o processo de percepção e de rias da personalidade
como ele pode afetar de modo significati- Explicar como a psicologia positiva pode
vo o desempenho no trabalho contribuir para que o local de trabalho seja
saudável e feliz.
administração por quase 20 anos e possui for- mos em esferas específicas dependeria de nos-
mação na ciência comportamental (Stewart), sas disposições genéticas – inteligência, des-
um filósofo e estrategista que trabalha nas áreas treza, habilidade matemática, raciocínio e as-
de administração e design (Martin) e um psi- sim por diante. Em outras palavras, nascemos
cólogo (Tyrone) que também trabalha em com predisposição, como a personalidade, a
administração. Nos Capítulos 1 e 4 lançamos capacidade de liderança ou a inteligência. Ou-
mão das contribuições da psicologia ao CO; tros dizem que nascemos tabula rasa – isto é,
mais adiante, algumas influências se tornam como uma lousa em branco – e que aprende-
aparentes – todas fazendo parte de uma rica mos nossa personalidade, aprendemos a nos
mistura que compreende o estudo da admi- tornar líderes e somos fortemente influenciados
nistração e organização de hoje. Agora, va- por contextos sociais como o status socioeconô-
mos adiante. mico de nossa família, sua cultura, apoio so-
Então, por que somos do jeito que somos? cial, o ambiente em que nos criamos, nossa
Podemos responder até certo ponto, mas como educação, etc.
respondemos depende de nossa crença na na- As visões opostas apresentadas pelas teo-
tureza humana. Nos últimos cem anos, hou- rias referidas estabelecem muito do que você
ve muita teoria, pesquisa e prática abordando irá aprender no campo do CO, porque a psi-
estas questões na psicologia. Nossa intenção é cologia diz muita sobre a teoria, a pesquisa e a
orientá-lo quanto à sua necessidade de conhe- prática do CO. Alguns teóricos e pesquisado-
cimento da psicologia no trabalho. res aderem a um ou outro desses lados com
Em quase todos os campos da psicologia, muita convicção. Há aqueles que, como nós,
dois temas principais impulsionam a teoria e preferem teorias mais moderadas, integrado-
a pesquisa. O primeiro está centrado no de- ras, sobre o tema. Nossa opinião é a de que
bate sobre a natureza versus modo de criação nascemos com alguns dos aspectos que for-
do indivíduo. A questão é: se somos o que mam nossa constituição, mas muito do que
somos devido à genética, nesse caso, viríamos somos é aprendido com o tempo, e o contex-
ao mundo pré-programados, e o que realiza- to tem um impacto profundo em nosso de-
82 PARTE UM ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES
senvolvimento. A forma como você encara a mico ocorrem porque o comportamento hu-
questão da natureza e o modo de criação in- mano é baseado no interesse próprio, que é
fluencia fortemente a maneira de administrar melhor servido pela operação de mercados li-
as pessoas, bem como as suposições sobre seu vres e desimpedidos no fornecimento de bens
funcionamento. e serviços. Por exemplo, se nós consumidores
Um importante tema que emergiu na teo- queremos mais lazer e o expressamos pelas
ria e pesquisa do CO sugere que o modo de nossas decisões nos mercados – talvez pela
criação é ignorado devido às forças fundamen- compra de serviços para aproveitar as férias
tais que sustentam a natureza humana. Alguns ou produtos de entretenimento, em vez de eco-
argumentos reforçam a perspectiva do “gene nomizar – os negociantes que vendem paco-
egoísta”: somos programados para a competi- tes de férias e novidades que ajudam a poupar
ção numa luta fundamental para perpetuar o trabalho são recompensados. Compramos e
nossos genes sobre os outros. Há quem enfa- vendemos em mercados que alcançam o equi-
tize que a força e a sobrevivência dependem líbrio entre a oferta e a procura de bens, de
muito mais do fato de que somos animais so- modo que, em longo prazo, as eficiências pre-
ciais buscando afiliação e relações humanas; valecerão e o mecanismo do preço manterá o
portanto, estamos mais comprometidos com equilíbrio. Pelo fato de sermos autointeressados,
a cooperação do que a competição para asse- criamos demandas que os mercados buscam
gurar nossa sobrevivência como espécie. Mui- atender; estes mercados beneficiam toda a
tos estudiosos e teóricos da administração sociedade, criando um sistema economica-
usam a teoria de Darwin para validar suas afir- mente autorregulador.
mações sobre a natureza humana como ba- O interesse próprio fundamental não ne-
seada em instinto e luta competitiva. A psico- cessariamente proporciona o bem-estar, pro-
logia evolucionária tem feito tanto progres- dutos ou serviços que não podem ser possuí-
so na pesquisa e teoria da administração que dos de modo privado para gerar renda, e disso
agora está imersa na tradição darwiniana da decorre o argumento de que o governo preci-
“sobrevivência do mais apto”. Alguns dos sa fornecer tais bens públicos. Quando uma
que acreditam fortemente na sobrevivência mãe solteira de 16 anos ganha um bebê e pre-
do mais apto como fator competitivo são cisa de apoio para seu sustento, nenhum ne-
os primeiros a reivindicar um transplante gociante irá ajudá-la, porque ele não vê lucro
de fígado ou rim. No mundo ideal da so- nisso, a não ser que alguém esteja financian-
brevivência do mais apto, esses indivíduos do. Assim, o governo proporciona a segurida-
seriam abandonados até a morte por não te- de social e sustento básico. Com certeza, as-
rem nascido suficientemente adaptados. Por sim agindo em longo prazo, o governo subsi-
outro lado, alguns dos que acreditam que dia o negócio em geral, pois viabiliza (no caso
os sobreviventes mais fortes são aqueles que do bebê que está para nascer) a reprodução de
mais cooperam são os primeiros a se quei- mais um “recruta” para a próxima geração de
xar quando os impostos aumentam para trabalhadores e consumidores. Não é surpre-
gerar mais bens públicos. sa que a responsabilidade social e econômica
Antes de Darwin publicar On the Origin e a sustentabilidade ambiental tenham sido
of Species by Means of Natural Selection ou Pre- percebidas como algo que o governo deva re-
servation of Favoured Racer in the Struggle gular ou uma tarefa para uma instituição be-
for Life em 1859, uma obra que explicou sua neficente (ver o Capítulo 10, Administração
visão evolucionária da biologia, Smith de Modo Sustentável: Ética e Responsabilida-
(1961[1776]), economista político e filósofo de Social Corporativa.)
reconhecido como o pai do capitalismo, de- As visões de Adam Smith certamente ti-
fendeu que o progresso e crescimento econô- veram muita influência. Veja as reportagens
CAPÍTULO UM ADMINISTRAÇÃO DE INDIVÍDUOS 83
zou sobre aquela pessoa atraente (atratividade, bém conhecidos como schemata). Os esque-
sorriso, interesses mútuos, linguagem corpo- mas são usados para estruturar e organizar as
ral) foram agrupadas num conjunto de esque- informações que experimentamos em nosso
mas que compreendem um possível relacio- mundo social e são frequentemente hierárqui-
namento (seja sexual ou afetuoso) e assim você cos (meu carro é um Mini Cooper, um Mini
armazena todas estas informações como reali- Cooper é um carro
dade ou representações do que você está vi- pequeno, um carro é Esquemas pessoais
venciando. O problema é que as pessoas in- um automóvel, um são estruturas de sen-
terpretam estímulos de formas diferentes, por automóvel é um veí- tido que afetam pensa-
mento, planejamento e
vezes não da mesma forma que a sua. O que culo, um veículo é comportamento em re-
você não notou é muito importante, ou seja, um meio de trans- lação a outros indiví-
a pessoa achou você amigável e o reconhe- porte). Há vários ti- duos; existem esque-
mas/diagramas pes-
ceu de um evento anterior – não foi inte- pos de esquemas , in- soais idealizados que
resse romântico, mas simples afabilidade que clusive esquemas pes- servem como protóti-
a pessoa demonstrou em relação a você. As- soais e autoesquemas . pos e os que usamos
para estabelecer com-
sim, na sequência, você se depara com pala- Você se acha uma parações com todas as
vras que você nunca esperava ouvir. “Este é pessoa aberta, honesta outras pessoas (veja
meu namorado, vou lhe apresentar, vocês e atraente, então não se Horowitz, 1991).
vão se dar bem”. Todas as informações que surpreenda se uma pes-
você armazenou sobre um possível interesse soa em uma festa tam-
Autoesquemas são auto-
amoroso são recuperadas e reinterpretadas. bém lhe achar atraen- conceitos específicos que
O que antes você achou que era “real”, não te: auto-esquemas são possuímos sobre nós
é mais e então precisa reanalisar e atualizar importantes para nos- mesmos e que acredita-
mos ser autodescritivos
suas informações. É claro, alguns não fazem sa personalidade e in- e extremamente impor-
isto, e ainda se atém à crença original – neste cluem autoesquemas tantes de se possuir
exemplo, se você o fizesse, correria o risco idealizados e autoes- (Markus, 1977; Forg e
Markus, 1982).
de seu comportamento ser considerado quemas projetados.
como assédio. Outros tipos de
Um comportamento muito importante no esquemas incluem es- Esquemas documentais
processamento de informações perceptual são quemas documentais, es- referem-se a esquemas
os esquemas, porque eles atestam de muitas quemas sociais e esque- sobre a maneira como
operamos em nosso
formas o que abordamos neste capítulo – nos- mas de papéis. Todos mundo, como compreen-
sos valores, nossa personalidade e nossas emo- nós temos scripts, de- demos e memorizamos
ções podem estar ligados aos esquemas (tam- rivados de esquemas informações.
CAPÍTULO UM ADMINISTRAÇÃO DE INDIVÍDUOS 85
documentais que nos Esquemas sociais, como para pessoas com boa habilidade na língua
permitem funcionar o nome sugere, refe- inglesa. O cérebro lê a primeira e última letra,
em nossas vidas diárias rem-se ao nosso conhe- combina as palavras de um dos lados e rapi-
cimento social (como o
– temos scripts para ir conhecimento sobre damente apela para scripts de linguagem que
ao restaurante, à uni- questões públicas, leis, se encaixam na ideia geral do texto. “The ha-
versidade, para andar política, mídia, as artes mun brian” não faz sentido (a menos que al-
e tudo o que for social-
de bicicleta, etc. mente importante). guém realmente se chame Hamun Brian),
(Schank e Abelson, então seu cérebro procura a melhor combina-
1977). Em todas estas situações existem con- ção, “the human brain”.
dições (como ir ao restaurante porque você está Para os psicólogos cognitivos, esquemas,
com fome, você tem dinheiro para pagar pela como já mencionamos, são combinações bá-
comida e o restaurante tem comida), papéis sicas que contêm informações sobre nossos
padrões para atores principais (você é a estrela valores, a forma como nos vemos como pes-
desempenhando o papel principal de cliente) e soas, como percebemos os outros, como nos
para atores coadjuvantes (garçonete, chefe adaptamos e reagimos a mudanças, como ope-
de cozinha e outros clientes), acessórios (me- ramos em nosso mundo e como vivemos as
sas, cadeiras, etc.) e resultados (o ator prin- emoções. Os esquemas são tão poderosos que
cipal ficou com me- evidenciam que são um dos componentes mais
Esquemas de papéis re-
nos dinheiro, mas ferem-se a esquemas importantes da terapia comportamental cog-
não está mais com sobre compor tamento nitiva. A terapia de esquemas é usada para re-
fome) (Reed, 2007). adequado e inadequado velar e desfazer os processos de pensamento e
em contextos específicos
Desenvolvemos estes (por exemplo: o papel da estruturas básicas de pessoas e para transplan-
scripts a partir de es- mulher como mãe, filha, tar aqueles psicologicamente mais sadios (Gi-
quemas sociais e es- profissional, esposa, esen-Bloo et al., 2006; Young et al., 2003).
amiga, etc.).
quemas de papéis . Vamos rever os esquemas mais tarde neste con-
Uma vez estabelecidos nossos esquemas, texto quando tratarmos da personalidade e
torna-se cada vez mais difícil mudá-los e falsi- também da busca pela felicidade. Veremos
ficá-los, isto é, nossa tendência é prestar aten- agora como a percepção e os esquemas po-
ção às informações que reafirmam ou se adap- dem ser problemáticos, especialmente em con-
tam a nossos esquemas, em vez de questioná- textos de trabalho.
los sempre que experimentamos informações Provavelmente, não há melhor exemplo da
que os contradizem (Reed, 2007). Como forma como os esquemas estruturam nossos
exemplo, tente a questão abaixo, antes de pros- entendimentos, crenças e valores do que o
seguir com a leitura. Este exemplo funciona debate da ciência versus religião, da evolução
The Hamun Brian is so Azaming, as Inog “The human brain is so amazing ...”. Contudo, se
as the Frist and Isat Iteter is the Smae yuo você ler a frase exatamente como as letras apa-
wlil Mkae Snese of the Snetecne! recem, verá que a maior parte não faz sentido. O
que você acha que vê e o que realmente ali está
Esta frase é um exemplo da forma como os es- são duas coisas diferentes.
quemas são organizados e influenciam a percep-
ção pela percepção seletiva. Seu cérebro auto- (©Tyrone S. Pitsis (2008) Organizational Bahavi-
maticamente completa as informações para você, or in Practice. Tutors Guide for the Executive MBA.
para que haja sentido – muitas pessoas verão U. of Tecnology, Sydney).
86 PARTE UM ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES
versus criacionismo. O argumento a favor ou ra definir e explorar alguns erros que come-
contra o design inteligente (DI) é um destes temos em julgamentos, interpretações, su-
debates. Atualmente existe um movimento posições e crenças sobre nosso mundo so-
forte nos EUA que busca incluir DI como cial, as pessoas inseridas nele e nosso lugar
parte integrante do currículo evolucional. Na no referido mundo. Neste capítulo, discu-
melhor das hipóteses, os proponentes de DI tiremos a estereotipagem, profecias autor-
querem que seja lecionado juntamente à teo- realizáveis, o efeito estereotipagem, erro de
ria evolucionária de Darwin, na pior, querem atribuição e dissonância cognitiva. Todos
que substitua completamente os ensinamen- estes erros têm implicações importantes, não
tos sobre a evolução. O principal argumento só em nossas funções como administrado-
é que Deus (uma entidade inteligente) proje- res, mas na vida em geral.
tou o mundo e os humanos e que grande par- O primeiro erro
te deste projeto pode ser cientificamente tes- de percepção é a este- A estereotipagem refe-
re-se ao processo de
tado e subtestado para (a) provar que Deus reotipagem. Na realida- agrupar objetos em ca-
existe e (b) para provar que a teoria evolucio- de, enquanto muitos tegorias simplificadas,
nária está errada. Aqui temos um exemplo dos livros-texto apresen- com base em percep-
ções generalizadas de
argumentos usados: tam a estereotipagem alguém sobre aqueles
como um erro, ela objetos.
A visão cristã do mundo começa com a Cria- serve como um im-
ção, com um ato deliberado de um Ser pessoal portante processo para lidar com informa-
que existiu por toda a eternidade. Esta dimen- ções de uma maneira adequada e nem sem-
são pessoal é fundamental para o entendimen- pre é negativa.
to da Criação. Antes de trazer o mundo à exis- A estereotipagem ocorre mais comumente
tência, o Criador fez uma escolha, tomou uma na ausência de um número suficiente de da-
decisão: Ele elaborou um plano, um design in- dos sociais para se fazer uma avaliação bem
teligente (Colson e Pearcey, 1999). informada (Kawakami et al., 1998). Os este-
reótipos são problemáticos quando os obje-
A ciência, é claro, rejeita tais informações e tivos que estereotipam forem complexos,
organizações, instituições como a National como as pessoas tendem a ser. As questões
Science Teachers’ Association e US National mais comuns sobre estereotipagem giram em
Academy of Science reagiram dizendo que DI torno da cultura e raça. Exemplos de lin-
não é uma ciência, e de fato alguns a denomi- guagem sobre estereotipagem incluem afir-
nam Ciência Fajuta. Ironicamente, as próprias mações explícitas que pretendem ser positi-
coisas que DI defende ou a que se opõe con- vas e que são, no entanto, falsas e racistas
tradizem o design inteligente; por exemplo, a de forma velada: “os irlandeses adoram ba-
existência e extinção da maioria dos dinossau- tatas”, “os ingleses não tomam banho fre-
ros, a presença da doença mental e física e o quentemente”, “os norte-americanos são es-
argumento de que todo ser humano na Terra palhafatosos e detestáveis”, “asiáticos estu-
teve sua origem em Adão e Eva (ou seja, so- dam muito e dirigem carros caros”. Por ou-
mos resultado de produção interna), são pro- tro lado, muitas vezes a estereotipagem pode
vas fracas de design inteligente. ser explicitamente racista e abertamente
ofensiva: “Os mexicanos são preguiçosos”,
“os árabes são terroristas” e assim por dian-
PERCEPÇÃO E ERROS COMUNS te. A estereotipagem também se relaciona
às funções das pessoas com base no gênero.
Munidos do entendimento básico da per- Por exemplo, atualmente na Austrália, no
cepção, seu processo e estrutura, vamos ago- Reino Unido e nos Estados Unidos ainda
CAPÍTULO UM ADMINISTRAÇÃO DE INDIVÍDUOS 87
carro luxuoso e veste um terno, deve ser rica e Outro compo- A atribuição externa re-
bem-sucedida. Em termos de negócios e CO nente da atribuição é fere-se a atribuir a cau-
o efeito de estereotipagem parece ser predo- a estabilidade: se per- sa de um comportamen-
to individual a um fator
minante. A publicidade espalhafatosa de ne- cebermos as causas externo ou situacional,
gócios vistos como bem-sucedidos cria uma atribuídas como está- como ser “católico” ou
aura ao redor deles. Por exemplo, “Cisco” foi veis, então esperare- “judeu”.
uma das companhias mais populares e, fre- mos o mesmo resulta-
quentemente, considerada como exemplo de do daquele comportamento numa próxima
como os negócios devem operar – até, é claro, vez. Pelo contrário, se a causa atribuída for
a Cisco ter seus problemas financeiros (Ro- instável, esperaremos que os resultados vari-
senzweig, 2007). De modo semelhante, a En- em na próxima vez. O componente final refe-
ron havia recebido uma série de elogios bem re-se ao ato de controle: se acreditarmos que a
pouco antes de seu colapso histórico, portan- situação é controlável, então iremos supor que
to precisamos ser céticos e cuidadosos ao usar na próxima vez poderemos controlar o resul-
exemplos como prova tado: se a situação for incontrolável, acredita-
O efeito perverso refere-
se a imputar, de maneira
de sucesso. É interes- remos então que ela provavelmen-
geral, interpretações ne- sante notar que um te não pode ser alterada, indepen-
gativas a pessoas com efeito semelhante e dentemente de nossos esforços (veja
base em um traço nega-
tivo de determinada si-
menos abordado é o Weiner, 1980;
tuação (por exemplo, o efeito perverso. 1992). A pesquisa
caso de um homem Os dois últimos mostra como atri- Visite ww.uk.sagepub.com/
managingandorganizations/
egresso da prisão que
não consegue emprego
erros de percepção buímos motiva- para acesso gratuito a um ar-
quando isso é divulgado, que tendemos a co- ções negativas a tigo de Glenn D. Reeder e
mesmo que tenha cum- meter são os erros de pessoas de quem seus colegas se quiser
aprender sobre pesquisas
prido sua pena).
atribuição e de disso- discordamos e per- interessantes sobre George
nância cognitiva. Vamos começar pelo erro de atri- cepções mais favo- Bush e sua decisão de ir a
buição; para isso, precisamos primeiro falar ráveis àquelas com guerra do Iraque e sobre ati-
tudes em relação a casa-
sobre a teoria da atribuição. quem concorda- mento gay e aborto.
A teoria da atribuição mos. Portanto, se
A teoria da atribuição, aborda o modo como concordarmos com a guerra ou o casamento
em sua definição mais explicamos nosso pró- gay, provavelmente atribuiremos motivações po-
simples, refere-se ao
modo como as pessoas prio comportamento e sitivas àqueles que também sustentam nossas
“atribuem” sentido (cau- o comportamento dos percepções e atitudes.
se) a seu próprio com- outros em nossa vida, No âmbito da atribuição, estamos propen-
por tamento e ao com-
por tamento de outros com base em dois tipos sos a dois erros-chave.
(Heider, 1958). gerais de atribuições. O primeiro é o erro fun- O erro fundamental de
Mais adiante, conside- damental de atribuição . atribuição é a tendência
de fazer atribuições inter-
raremos o lócus interno e externo de controle, Quando vemos al- nas ao explicar as cau-
uma teoria cognitiva social da personalidade. Na guém fracassar ou agir sas do comportamento
essência, o lócus de de certa forma, acre- dos outros.
trole de seu próprio comportamento, ou de- desenvolver armas de destruição em massa, ele
vido à escolha da profissão, no lugar de culpar sentiu ansiedade e arrependimento – suas su-
as causas externas tais posições iniciais eram de que suas descobertas
como o ato criminoso Quando um viés de au- iriam levar a uma novas formas de geração de
toproteção (self-serving
e o comportamento bias) se apresenta, as energia, e não a uma possível destruição da
antissocial de outra pessoas atribuem seus humanidade e à morte de milhões de pessoas
pessoa (Vanderveen, próprios sucessos a (Braun e Krieger, 2005). Festinger (1957) foi
causas internas e seus
2006). Relacionada fracassos a causas ex- uma das primeiras pessoas a desenvolver e es-
ao erro de atribuições ternas. tudar a teoria da dissonância cognitiva. O es-
está a noção de self- tudo de Festinger, embora bastante antigo, não
serving bias, isto é, um viés de autoproteção. é apenas essencial para o entendimento da
Vamos supor que você faça uma entrevista dissonância cognitiva, mas é também fascinan-
de emprego e o consiga. Você poderá acreditar te. Junto a alguns colegas, ele estudou o com-
que conseguiu porque foi bem na entrevista, portamento e as cognições de determinado
possui todas as qualificações e habilidades ne- culto que afirmava saber a data do fim do
cessárias e sabe executar o trabalho. Mas supo- mundo e que esse fim se daria pelas enchen-
nhamos que você não conseguiu o emprego. Você tes. Muitas pessoas se convenceram e aderiri-
atribui o seu fracasso às perguntas mal formula- am ao culto, algumas com total comprometi-
das da entrevista, a alguém da banca que não mento, enquanto outras, com menos. Após
gosta de você, às perguntas que foram ridículas ter passado a data prevista, sem enchente ou
ou ao fato de que o cargo já havia sido preenchi- destruição, o que você acha que aconteceu?
do internamente. O erro de atribuição funda- Aqueles que não estavam muito convencidos
mental e a tendência à autoproteção são impor- acreditaram que haviam sido enganados e
tantes conceitos sobre os quais precisamos refle- abandonaram o culto. Mas um bom número
tir quando administramos pessoas e especialmen- ficou ainda mais fiel alegando que, na verda-
te quando fazemos julgamentos sobre seus com- de, foram sua fé e suas orações que impedi-
portamentos baseados em suas atribuições in- ram as enchentes.
ternas. Praticar a empatia colocando-se no lugar Portanto, quando as pessoas experimen-
do outro, tentando entender suas perspectivas, tam a dissonância cognitiva, elas procuram re-
e tentar responder pelas causas externas do com- conciliar seus sentimentos de ansiedade e des-
portamento são boas formas de evitar erros de conforto mudando suas crenças ou reinterpre-
atribuição. tando as informações que as contradizem (Fes-
O último tipo de tinger, 1957; Festinger e Carlsmith, 1959).
erro de percepção é a A dissonância cognitiva Existem implicações interessantes que surgem
dissonância cognitiva . refere-se à ansiedade e da dissonância cognitiva. Digamos que você
Geralmente não sen- ao desconforto que ex-
perimentamos quando
decida estudar uma matéria, percebe que ela é
timos a dissonância mantemos conjuntos de realmente difícil, então você luta e se esforça
até experimentarmos cognições (ou esque- muito e consegue ser aprovado, mas não mui-
informações confli- mas) inconsistentes e
conflitantes.
to bem. Agora digamos que esteja estudando
tantes e não confir- outra matéria muito fácil. Nem precisa estu-
madas. Por exemplo, um devoto pode contes- dar muito e passa com facilidade. O que a teo-
tar sua fé após sofrer uma tragédia em sua vida; ria da dissonância mostra é que o primeiro
pode questionar sua crença em Deus e na sua caso cria a dissonância porque você escolheu
religião. Pode se perguntar, “Por que Deus fez uma matéria e a achou difícil; portanto, redu-
isso comigo?” De modo semelhante, Alfred ziu a dissonância ao dizer “embora difícil, es-
Einstein desenvolveu a teoria da relatividade, tou aprendendo muito e vale a pena”. De ou-
mas quando seus estudos foram usados para tro lado, suas emoções em relação à matéria
90 PARTE UM ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES
em que você se deu bem são menos intensas. vamente o que experimentamos para que se
A dissonância cognitiva é importante para o ajuste ao que já sabemos (Pitsis e Clegg, 2007;
processo de dar feedback às pessoas, porque Weick, 2004). O processo de percepção é im-
seu comprometimento com a tarefa, suas cren- portante e mostra que podemos cometer er-
ças, opiniões e expectativas determinarão ros com frequência. Muitas vezes esses erros
como elas irão reagir ao feedback. ocorrem porque nossas ideias se baseiam em
É muito interessante notar que raramente crenças irreflexivas e fazemos suposições e
nos perguntamos o que sabemos, como fica- inferências com base nestes sistemas de cren-
mos sabendo e o que achamos que sabemos, ças em lugar da decisão informada (veja os
porque assumimos determinadas coisas como dois exemplos no quadro acima Momento
certas, como, por exemplo, nosso conhecimen- para Exercitar).
to, experiências, valores e crenças; consequen- Uma última palavra: tudo o que discuti-
temente percebemos e reinterpretamos seleti- mos em relação à percepção é o que de certa
CAPÍTULO UM ADMINISTRAÇÃO DE INDIVÍDUOS 91
forma nos torna humanos. Nossas imperfei- mesmo tempo os valores próprios e os dos
ções, criatividade, excentricidade são o que nos outros. Entender os valores é atributo funda-
torna únicos, e a realidade é que alguns dos mental da administração de hoje. Além disso,
mais influentes teóricos, pesquisadores e líde- devemos também entender e apreciar como
res do mundo interpretaram coisas e as racio- nossos valores filtram as informações e criam
nalizaram de modo completamente diferente conhecimento, colorindo o mundo que vemos
do que faria a maior parte das pessoas. Além como se houvesse lentes coloridas. Nem to-
do mais, muitas questões relativas à percep- dos veem as coisas do mesmo modo. Embora
ção são essenciais para lidar com os estímulos existam muitas teorias e abordagens a respei-
que nossa mente recebe, em quantidade pra- to de valores, examinaremos o relato de
ticamente infinita. Assim, precisamos questio- Schwartz (1992) sobre o papel que os valores
nar seriamente que “erros” de percepção são universais desempenham em nível pessoal. Es-
funcionais ou disfuncionais. colhemos Schwartz por dois motivos: primei-
Percepção e cognição são definitivamente ro, porque seu livro apoia grande parte da
áreas fascinantes da pesquisa e teoria, embora pesquisa sobre valores hoje em CO, ainda que
nossa discussão sobre a percepção termine seu papel não seja muito destacado, embora
aqui. Entretanto, você agora possui fundamen- tenha desenvolvido sua teoria de valores a par-
tos sólidos para o restante da leitura, uma vez tir de uma amostra de mais de 60 mil pessoas
que grande parte do que foi abordado neste de todo o mundo (Schwartz, 1994); e segun-
tópico encontra fundamento nos estudos de do, seu trabalho é reconhecido e respeitado
percepção e esquema (eu, pessoa, função, so- na psicologia. De fato, acreditamos que nos
cial, scripts e assim por diante). Então, está na próximos anos o modelo de Schwartz sobre
hora de examinarmos valores, personalidade valores se tornará uma ferramenta dominante
e emoção. para entender os valores das pessoas – sejam
funcionários ou clientes – e alinhar os pró-
prios valores da organização a esses valores.
ADMINISTRAÇÃO DOS Diferentemente dos modelos de valores que
vimos no Capítulo 6, o modelo de Schwartz
VALORES PESSOAIS claramente distingue valores individuais de va-
lores culturais – o mesmo não ocorre com o
Para muitos estudiosos, os valores podem ser de Hofstede, Trompenaars ou Hampden-Tur-
considerados como a base da cultura (Howard, ner, orientados em um nível cultural mais
1988: 271-274; veja também pp. 280-283). amplo de análise. Na próxima seção, fornece-
Entretanto, os valores também podem ser remos a base necessária sobre a teoria dos va-
compreendidos dentro do contexto da admi- lores para que possa iniciar a administrá-los.
nistração de pessoas. Para formar, sustentar e
melhorar os relacionamentos com as pessoas
ou motivá-las, precisamos entender o que é e Valores
o que não é importante para elas. Como vi- Valores são crenças
consistentes de uma
mos na seção anterior, os valores não apenas Então, que são valores? pessoa ou grupo sobre
impulsionam o comportamento, mas também As pessoas são ani- algo no qual aplicam um
afetam e são afetados pela forma como perce- investimento emocional.
mais sociais vivendo Schwartz define valores
bemos e damos sentido ao nosso mundo. Em num estado de tensão como metas desejáveis,
termos amplos, a administração tem a ver com entre valores associa- variando em impor tân-
administrar pessoas de uma forma coordena- cia, que servem de prin-
dos com sua indivi- cípios norteadores para
da, a fim de garantir que os resultados organi- dualidade e valores as- a vida do ser humano
zacionais sejam alcançados, assegurando ao sociados com a con- (Schwartz, 1992; 1994).
92 PARTE UM ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES
Muitas pesquisas apoiam as opiniões de seus valores são priorizados de modo diferen-
Schwartz sobre os valores e têm demonstra- te (Keele e Wolak, 2006) e a forma como pri-
do que todos nós temos mais ou menos os orizamos nossos valores exerce forte influên-
mesmos conjuntos de valores – independen- cia no fato de confiarmos ou não em institui-
temente da cultura, gênero e religião ções como igrejas, governos, etc.(Devos et al.,
(Schwartz, 1996). Entretanto, di- 2002). Por esta razão, tem havido grande in-
ferimos quanto às prioridades que teresse na última década em entender os valo-
atribuímos a nossos valores (Ro- res, especialmente nos cenários organizacio-
han, 2000). A nais, e o modelo de Schwartz está crescendo
pesquisa mostra em importância e popularidade (Lindeman e
Visite www.uk.sagepub.com/
managingandorganizations/
que a forma Verkasalo, 2005; Lönnqvist et al., 2006; Sa-
para acesso gratuito a um ar- como os valores giv e Schwartz, 2002; Tsui et al., 2007). Mais
tigo de Sapna Parashar e co- são priorizados adiante, analisaremos os valores em maior de-
laboradores que apresenta al-
guns insights sobre valores,
pode levar ao con- talhe (veja também Capítulo 5), quando abor-
sua definição e constructos flito entre pessoas darmos administração de liderança, adminis-
subjacentes e a forma como de mesmo partido tração de culturas e administração da susten-
são desenvolvidos no tempo.
político quando tabilidade. Parashar et al. (2004) proporcio-
CAPÍTULO UM ADMINISTRAÇÃO DE INDIVÍDUOS 95
EM ESSÊNCIA
Uma questão de valores ela considera o universalismo como valor de or-
dem maior. Olhe para os valores associados re-
Usando os valores de Schwartz, vamos tomar um lativos ao poder e universalismo na Tabela 1.1.
exemplo da forma como as pessoas pensam e Você acha que com o tempo Samanta e Ana te-
agem de acordo com seus valores. Imagine que rão dificuldade de se relacionar? O que você acha
uma pessoa que trabalha para uma grande em- que poderia acontecer a elas após discutirem
presa de TI conheça uma cliente numa reunião – questões importantes? Certamente, elas podem
vamos chamá-las de Ana (gerente geral de uma concordar que é um lindo e ensolarado dia, que
rede de livrarias) e de Samanta (a gerente de Brad Pitt é um “gato” e que o novo bebê africa-
atendimento de clientes da firma de TI). As duas no da Angelina é muito fofinho – mas e quan-
terão muito contato nos próximos anos uma vez do elas começarem a discutir por que motivo
que suas empresas estão agora celebrando uma os refugiados de diferentes credos conseguem
joint venture. Vamos supor que Ana valorize mui- entrar em seus países? É claro, como gesto-
to a tradição, o poder e a conformidade, mas não res nosso desejo é de que ambas falem ape-
muito o universalismo,1 assim ela respeita e man- nas sobre questões de trabalho, mas nas rela-
tém suas tradições culturais e religiosas e acre- ções de trabalho próximas é difícil controlar
dita que elas são dominantes e as pessoas que assuntos mais íntimos. Aqui surge a importân-
violam ou ameaçam tais tradições devem ser cia dos valores, pois nossa tendência é prefe-
convertidas e punidas. Assim como Ana, Saman- rir pessoas com os mesmos valores que nós e
ta também valoriza muito a tradição e a confor- normalmente achamos difícil tolerar quem tem
midade, mas em vez do poder como prioridade, prioridades diferentes.
nam um relato acessível e de agradável leitura mentos das pessoas e as classificamos. Veja o
sobre os valores e apresentam um estudo sobre seguinte exemplo. Um grupo de amigos vai
os valores dos estudantes, suas percepções a ao bar da universidade todas as sextas-feiras à
respeito de quais valores são importantes para noite. Uma amiga, Jô, está sempre brincando
a sociedade e as prováveis consequências des- e fazendo as pessoas rir; a outra, Sal, é quieta e
ses valores em suas ações como futuros profis- reservada. Jô é uma pessoa “legal” e dizem que
sionais. é extrovertida. Sal, contudo, é vista como in-
trovertida. Suas personalidades individuais
influenciam a forma como os outros reagem e
PERSONALIDADE se comportam diante delas, tanto no bar,
quanto no trabalho. No trabalho, dependen-
Por que os adminis-
A personalidade refere- do da tarefa, as personalidades diferentes de
-se a padrões estáveistradores precisam sa- Sal e Jô causam um profundo efeito na forma
de comportamento e de
ber sobre personalidade?
estados internos de es-
como os outros desempenham suas tarefas e
A administração, aci-
pírito que ajudam a ex- na qualidade de suas relações de trabalho. Esse
plicar as tendências de
ma de tudo, diz res- fato por si só justifica que a habilidade de ad-
comportamento de um
peito à administração
indivíduo (Monte, 1991).
ministrar diversas personalidades diferentes é
de pessoas. E pessoas, um importante elemento para o conjunto de
diferentemente de máquinas e números, pos- habilidades de um gestor. Além do conheci-
suem personalidades individuais. mento sobre os valores, saber sobre a persona-
Nós já somos, na grande maioria, teóricos lidade também é importante para entender-
da personalidade – quase todos os dias faze- mos por que e como os seres humanos agem,
mos observações sobre as ações e comporta- pensam e sentem; a personalidade das pessoas
pode causar forte impacto em nossas escolhas, gem mais popular vem da análise de fatores. A
e na forma como executamos o trabalho análise de fatores é uma técnica de análise esta-
(George, 1992). tística de dados usada para explicar a variedade
Nesta seção, abordamos uma série de teorias entre variáveis randômicas observadas. Ela cor-
que tiveram origens bem distintas. A história relaciona os escores das variáveis entre si para
fascinante da forma como a personalidade é te- estabelecer padrões de relação. Desta forma, pro-
orizada revela vários caminhos diferentes. Vere- duz um número menor de variáveis randômicas
mos quatro abordagens amplas: a do traço, a não observadas denominadas fatores.
sociocognitiva, a psicoanalítica e a humanista. Vamos voltar para Jô. Jô é engraçada, amiga,
Cada abordagem vê a questão da personalidade fácil de se relacionar e talvez goste de experimen-
de uma perspectiva bem distinta. tar coisas novas e correr riscos. Cada um destes
traços reflete a personalidade de Jô. Traços que
Você é o que é: a abordagem do traço A abor- se aglomeram são chamados de fatores. Neste
dagem do traço se desenvolve a partir da ótica de exemplo, o fator seria a “extroversão”.
que personalidade é algo que pode ser claramente Sem dúvida a teoria mais conhecida sobre o
identificada, operacio- traço, usando a análise fatorial, é a teoria dos
Traços referem-se à mis- nalizada e medida. “Cinco Grandes” fatores de personalidade de
tura de influências bioló-
gicas, psicológicas e so- A perspectiva do McCrae e Costa (1996). A abordagem dos Cin-
ciais que caracterizam o traço se tornou popu- co Grandes fatores da personalidade tem sido
humor e o compor ta- lar nos anos 1930, considerada um dos métodos, baseados em tra-
mento de um indivíduo
no decorrer de sua vida. quando Allport e Od- ços, mais confiáveis para medir a personalidade
bert (1936) procura- (Schmitt et al., 2007; Howard e Howard, 2006;
ram identificar todos os traços que pudessem des- Endler e Speer, 1998). Quase todo livro-texto
crever as pessoas. Para tanto, decidiram recorrer sobre personalidade, comportamento organiza-
ao dicionário. Encontraram cerca de 18 mil pa- cional e administração inclui os “Cinco Gran-
lavras que poderiam ser usadas como descrito- des”, às vezes também chamados de NEO-PI e
res. Alguns psicólogos, a seguir, procuraram re- OCEAN. Os cinco fatores e seus significados
duzir e condensar esta enorme lista. A aborda- são apresentados na Tabela 1.2.
(continua)
CAPÍTULO UM ADMINISTRAÇÃO DE INDIVÍDUOS 99
20 (a) É difícil saber se alguém gosta de você 27 (a) Dá-se ênfase demais aos esportes na es-
ou não. cola secundária.
(b) O número de amigos que temos depen- (b) Esporte em equipe é um excelente meio
de de nossa simpatia. de se formar o caráter.
21 (a) Com o tempo, as coisas ruins que acon- 28 (a) O que acontece comigo é da minha
tecem se equilibram com as boas. conta.
(b) A maior parte dos infortúnios é resultado (b) Às vezes sinto que não tenho suficiente
de falta de habilidade, ignorância, pre- controle sobre o rumo da minha vida.
guiça ou das três. 29 (a) Muitas vezes não consigo entender por
22 (a) Com bastante esforço, podemos erradi- que políticos agem da forma como agem.
car a corrupção política. (b) Em longo prazo, as pessoas são respon-
(b) É difícil controlar as ações dos políticos sáveis pelo mau governo tanto nacional
em seus gabinetes. como local.
23 (a) Às vezes não entendo como professores
chegam às notas que atribuem aos alu- Contabilize um ponto para cada uma das res-
nos. postas: 2(a), 3(b), 4(b), 5(b), 6(a), 7(a), 9(a),
(b) Há uma relação direta entre a forma 10(b), 11(b), 12(b), 13(b), 15(b), 16(a), 17(a),
como eu estudo e minhas notas. 18(a), 20(a), 21(a), 22(b), 23(a), 25(a), 26(b),
24 (a) Um bom líder espera que as pessoas de- 28(b), 29(a).
cidam o que fazer. Quanto mais alto o escore, maior o lócus exter-
(b) Um bom líder deixa bem claro a todos no de controle (máximo: 23).
as tarefas que devem cumprir. Quanto mais baixo, maior o lócus interno de
25 (a) Muitas vezes acho que exerço pouca in- controle.
fluência sobre o que acontece comigo.
(b) É impossível acreditar que o acaso ou a Direitos reservados © 1966 pela American
sorte desempenhe um papel importante Psychological Association. Reimpresso com au-
em minha vida. torização: Tabela 1, 11-12 de Rotter, J. (1966) Ex-
26 (a) As pessoas são solitárias porque não pectativas generalizadas para reforços de con-
procuram ser simpáticas. trole interno versus controle externo, PSYCHO-
(b) De pouco adianta querer agradar as pes- LOGICAL MONOGRAPHS: GENERAL AND APPLI-
soas; elas gostam de você ou não. ED, 80(1), (Whole no 609): 1-28.
chegam a um alto nível de realização, são cial e querem liderar e serem liderados de
muito mais independentes, têm uma saúde forma autocrática (Beukman, 2005).
mental e física melhor e sabem usar melhor O lócus de controle é muito importante
estratégias para enfrentar dificuldades no que diz respeito à forma como as pessoas
(Myers, 2001). Além disso, possuem um agem nas organizações e como lidam com a
melhor desempenho nas avaliações subjeti- incerteza e a mudança (Chen e Lei Wang,
vas e objetivas do CO (Beukman, 2005; 2007; Herscovitch e Meyer, 2002; Spector,
Spector, 1982). É interessante notar que as 1982); aqueles que possuem alto lócus inter-
pessoas com alto nível de controle externo no de controle conseguem administrar melhor
se dão melhor e são mais felizes quando, as condições de incertezas e estresse no traba-
idosas, vão para asilos onde a vida é estru- lho (Rahim,1997). E também, o tipo de ló-
turada e controlada (Cicirelli, 1987); esses cus de controle pode até mesmo prever como
indivíduos tendem a criar um ambiente so- você se comunica. Lam e Mizerski (2005) rea-
100 PARTE UM ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES
lizaram um estudo sobre a forma como os con- Segundo, o ego nos permite lidar com o
sumidores passam informações “boca a boca” mundo baseado no princípio da realidade
sobre marcas. Os pesquisadores descobriram (com a consequência de que à medida que
que as pessoas com alto lócus externo de con- crescemos, nos tornamos mais cientes do
trole tendem a passar a informação a seus “in- ambiente real e da necessidade de se adap-
groups” (grupos internos) – pessoas mais ínti- tar a ele). O ego reconhece desejos e os sa-
mas, ao passo que as pessoas com alto lócus cia, mas de forma a garantir a mínima dor e
interno de controle tendem a comunicar-se destruição. O ego é a “sala de controle” de
boca a boca com “out-groups” (grupos exter- nossa personalidade.
nos) – pessoas não intimamente associadas ou Terceiro, o superego – nosso monitor so-
ligadas a eles. cial e pessoal, constantemente julgando nosso
Você é aquilo que não sabe: a abordagem comportamento, pensamentos e sentimentos,
psicanalítica Diferentemente das aborda- observando como devemos agir perante os
gens anteriores, a abordagem psicanalítica olhos daqueles que ao nosso redor constituem
é caracterizada por desejos inconscientes e nossa sociedade. O superego e o id estão ge-
mecanismos de defesa voltados à luta con- ralmente em conflito, por isso o ego precisa
tra a ansiedade sexual contida e o temor manter os dois em harmonia – e, como vere-
generalizado da morte. Sigmund Freud é mos, é onde começa o problema.
considerado o pai da abordagem psicanalí- Freud (1935) acreditava que o desenvolvi-
tica da personalidade. Foi um dos mais con- mento da personalidade coincidia com deter-
testados teóricos (por muitos psicólogos e minadas fases psicossexuais. Por exemplo, na
feministas) e, ao mesmo tempo, um dos fase oral (até 1 ½ ano de idade) a criança se
mais admirados (por muitos artistas, escri- fixa em prazeres orais, como chupar, salivar e
tores e psiquiatras). Certamente, Freud, jun- mastigar, ao passo que na fase anal (entre 1 ½
tamente a outras figuras como Charles e 2 ½ anos), a criança se fixa na fase anal do
Darwin e Adam Smith, muito fizeram para desenvolvimento, focando tudo que se rela-
definir o modo como entendemos a nature- ciona com seu próprio ânus. Piadas sobre ga-
za da realidade em que vivemos. Freud acre- zes intestinais funcionam bem com aqueles
ditava que a personalidade era composta de fixados nessa fase – lembrem dos personagens
pensamentos e ações que emergem do que da série South Park, Terrence e Philip. Dos três
ele chamou de inconsciente. O inconsciente a seis anos, a criança está na fase fálica (aqui
vem à tona em sonhos e erros da língua, por- se percebe porque feministas não gostam de
que contém desejos, pensamentos e senti- Freud: por causa da natureza “falocêntrica” de
mentos que ficaram inconscientes ou repri- sua teoria!) e experimenta prazer e excitação
midos. Para Freud, absolutamente nada com estímulos na região genital. Depois, por
acontece por acaso; há explicação provavel- volta dos seis anos até a puberdade, as pessoas
mente escondida no inconsciente. É no fun- entram numa espécie de hibernação – ou o
do do inconsciente que armazenamos nos- que Freud chama de latência – onde tudo é
sos sentimentos e pensamentos atribulados dormente. Finalmente, o indivíduo passa à fase
e a mente os mantém escondidos de uma genital, ao chegar à puberdade e começa a se
maneira extraordinária. De acordo com interessar pelo sexo.
Freud, nossa mente está estruturada de três Muitos termos linguísticos de hoje têm sua
modos. Primeiro, a mente inconsciente (o origem na teoria freudiana baseada nas fases
id) opera baseada no princípio do prazer e é sexuais do desenvolvimento – por exemplo, a
impulsionada por desejos como a fome, sexo noção de um lapso freudiano, o complexo de
e agressão. O id precisa ser controlado ou Édipo, a inveja do pênis, fixação, repressão e
seria impossível protelar a satisfação. muitos outros conceitos de uso diário. A Ta-
CAPÍTULO UM ADMINISTRAÇÃO DE INDIVÍDUOS 101
bela 1.3 dá uma descrição de alguns destes canismo imperfeito porque alguns pensamen-
conceitos relacionados às três fases psicosse- tos ainda escapam. Freud acreditava que tais
xuais (oral, anal e fálica). pensamentos se manifestariam pelo simbolis-
Obviamente, se tal desenvolvimento da mo ou lapsos de linguagem. Por exemplo, o
personalidade significasse a totalidade da teo- fato de que os mísseis são projetados numa
ria de Freud do mundo e constituisse um forma semelhante ao pênis sugere a alguns psi-
retrato preciso da realidade, a maioria das cólogos que os homens criam estas armas de
pessoas teria problemas em suas realizações. destruição em massa devido aos seus sentimen-
A ansiedade, a culpa e o temor que sentimos tos sexuais e de agressão reprimidos. Segun-
constantemente seriam insuportáveis. Contu- do, usamos a formação reativa para bloquear
do, Freud afirmou que existe um sistema in- nossos sentimentos e impulsos e agir de for-
trincado de controle mútuo que nos ajuda a ma contrária. Um problema social comum
agir no mundo – mecanismos de defesa que hoje é a violência que alguns jovens praticam
nos permitem reinterpretar a realidade e en- em relação aos homossexuais. Os freudianos
ganar a nós mesmos dizendo que está tudo diriam que tais jovens estão tentando resolver
bem. Existe uma série de mecanismos; aqui, seus pensamentos e sentimentos homossexuais
brevemente analisaremos três: a repressão, a com violência dirigida às pessoas que eles te-
formação reativa e a projeção (adaptado de mem vir a ser. Assim, ser macho ajuda a re-
Myers, 2001: 494). primir qualquer ansiedade e a demonstrar
Primeiro, através da repressão bloqueamos aos outros, pela supercompensação, o pró-
nossos pensamentos e sentimentos incestuo- prio tipo de sexualidade que almejam. Ter-
sos e tentamos apresentar uma face tranquila ceiro, a projeção: quando temos sentimen-
ao mundo. Entretanto, a repressão é um me- tos e pensamentos que nos ameaçam, nós
Oral Traumas ou disciplina rígida durante a fase oral criam fixação pela fase. Por consequência,
uma pessoa oral se fixa em prazeres da boca, que podem ser bem sensuais. Constante-
mente colocam coisas na boca, tendem a exagerar na comida e provavelmente fumam.
Estas pessoas podem vir a ser artistas. Ou negam sua dependência excessiva de prazeres
orais e, como compensação, se tornam agressivas, podendo terminar trabalhando como
“segurança” num bar, ou sendo um faixa preta no judô.
Anal Castigos durante esta fase podem conduzir a pessoa ao que Freud chama de “analmente
retentiva”. Elas descobrem que podem controlar seus pais negando-a se ir ao banheiro,
ou indo ao banheiro em momento e lugar inadequado. São pessoas muito rigorosas,
orientadas para o controle, com tendência a escolher carreiras em contabilidade ou
algo parecido. Ou podem se tornar analmente expulsivas – extremamente desorganiza-
das e bagunçadas.
Fálica Nesta fase é que começamos a perceber alguns problemas reais. Por exemplo, baseado
na tragédia grega de Édipo, que matou seu pai e casou com sua mãe, Freud acredita que
os homens desenvolvem o complexo de Édipo. A satisfação sexual e excitação do bebê
derivam do cuidado materno realizado durante a higiene. Aos poucos, os meninos desen-
volvem sentimentos sexuais pela sua mãe e ódio pelo pai, visto como concorrente ao afeto
materno. Estes sentimentos criam intensa ansiedade e culpa nas crianças e elas passam a
temer a castração pelos pais. A única forma de lidar com estes sentimentos opressivos é
reprimir e esconder todos estes medos bem no fundo do inconsciente.
Fonte: Adaptado de Hall e Lindzey (1957; 29-75).
102 PARTE UM ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES
os projetamos nos outros. Por exemplo, um Mais importante para Maslow (1968) e
gestor desconfiado e incompetente pode tra- Rogers (1967) é a noção da forma como ex-
tar qualquer um que venha ao seu escritó- pressamos o autoconceito. Quando tentamos
rio com desconfiança e considerá-lo como responder “quem sou eu?”, o autoconceito re-
incompetente. Ele nega sua incompetência, fere-se aos nossos pensamentos e sentimentos
projetando-a nos outros. em relação a nós mesmos. Nós nos vemos de
Embora Freud tenha produzido uma das diversas formas dentro do mundo. Primeiro,
mais interessantes teorias sobre a personalida- temos um eu real e um eu ideal, e nos esforça-
de, há evidências inconsistentes na fundamen- mos para reduzir a distância entre os dois,
tação de seus conceitos. Mesmo assim, não há chegando o mais próximo possível de nosso
dúvida de que ele foi, historicamente, um dos eu idealizado. Quando agimos de forma con-
psicólogos teóricos e práticos mais influentes. sistente com nosso eu ideal, temos uma auto-
Suas conceituações têm apresentado apelo in- imagem positiva. Se sentirmos lacunas entre
telectual e ainda permanecem como os aspec- o eu ideal e o eu real, temos uma autoimagem
tos mais notáveis de sua obra. Ainda assim, a negativa.
teoria de Freud tem uma visão muito negati- Rogers abordou a personalidade da pers-
va da humanidade e coloca forte ênfase no pectiva de que todos nós somos únicos e fun-
desejo sexual como o principal motivador do damentalmente “boas” pessoas, todos lutando
comportamento e pensamento. Imagine cha- pelo que Maslow chamou de autorrealização.
mar a atenção de um funcionário dizendo que Para Rogers, o segredo da autoimagem positi-
ele tem fixação pela fase fálica de desenvolvi- va é o ambiente no qual crescemos, porque
mento e age assim porque quer dormir com ele nos oferece três condições básicas viabili-
sua mãe e matar seu pai – isso poderia não dar zando aquele crescimento:
muito certo! Felizmente, existem outras teo-
rias da personalidade que abordam o assunto As pessoas precisam ser genuínas, hones-
de um lado positivo – a abordagem humanista. tas e abertas sobre seus próprios senti-
mentos.
Você é aquilo que cultiva: a abordagem hu- As pessoas devem ser receptivas, no senti-
manista Os humanistas colocam o sentido do de valorizar a si mesma e os outros. Até
do self no centro da personalidade. Seu obje- os fracassos devem ser vistos com olhos po-
tivo é assegurar que os seres humanos reali- sitivos, o que Rogers chama de “Olhar Po-
zem seu crescimento pessoal e desenvolvam sitivo Incondicional”.
seu potencial. A tradição humanista viveu seu O último fator importante para Rogers é
maior crescimento nos anos 1960, à medida a empatia; a empatia se relaciona à forma
que psicólogos se tornaram cada vez mais crí- como comunicamos nossos sentimentos ao
ticos à confiança depositada na objetividade mundo e como, de nossa parte, comparti-
do estudo da personalidade, baseada na abor- lhamos e refletimos sobre estes significa-
dagem dos traços em que inventários escritos dos. A empatia é muito importante para
e análise de fatores substituem as habilidades mais conceitos como a inteligência emocional
interpretativas dos analistas. Foram também mais e é parte integrante de nossa habilidade de
cautelosos no tocante à orientação exagerada- agir no mundo social.
mente negativa de Freud, pela qual nossa per-
sonalidade é baseada principalmente na su-
pressão de pensamentos maus e desejos sexuais Personalidade e administração
incestuosos. Sem dúvida, os psicólogos huma-
nistas mais conhecidos são Carl Rogers e A personalidade é claramente algo complexo.
Abraham Maslow (veja também o Capítulo 3). Embora todo mundo tenha uma personalida-
CAPÍTULO UM ADMINISTRAÇÃO DE INDIVÍDUOS 103
de, não sabemos o que ela é ou como deve ser tente levar isto em consideração ao lidar com
concebida. Muitas pessoas bem-sucedidas são elas. Veja que nem todo comportamento é
a favor de mascarar a verdadeira natureza de óbvio e mensurável, e que as pessoas são, às
sua personalidade. À semelhança da imagem vezes, levadas pelo subconsciente e por moti-
da máscara simbólica nesta página, apresen- vos reprimidos. E também, tente ser um hu-
tam ao mundo uma face serena, porém ines- manista prático facilitando o crescimento hu-
crutável. Então, se existe tanta coisa oculta e mano e seu potencial.
obscura na personalidade, de que modo usá-
la como ferramenta para administrar pessoas?
Talvez o melhor seria aproveitar alguns pon-
tos de cada teoria. Tente identificar os traços
PSICOLOGIA POSITIVA:
dos que trabalham com você e tente ajustar EMOÇÕES E FELICIDADE
suas expectativas e comportamento adequa-
damente. Seja sensível às conceituações que No início desta jornada pela percepção, valo-
as pessoas formam sobre o lócus de controle. res e personalidade, declaramos que abordarí-
Perceba que algumas pessoas terão caracterís- amos a perspectiva psicológica. A psicologia,
ticas que as configuram como “analmente re- em geral, se associa ao estudo de desvios e anor-
tentivas” em intensidade maior do que outras; malidades, mas está se interessando cada vez
104 PARTE UM ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES
mais por fenômenos mais positivos. Embora em ajudar as pessoas a serem “anormais”,
a essência da psicologia positiva tenha sido porém acima da norma. Uma área na qual
defendida a partir de William James, o con- PP é reconhecida internacionalmente é a
ceito pode ser atribuído a Martin E. P. Selig- busca da felicidade.
man e Mihaly Csikszentmihalyi, os quais re- Nem todo mundo está encan-
gistram que: tado com a PP; de fato alguns cri-
ticam certos setores do movimento.
A área da psicologia positiva em nível subjeti- Held (2004), por exemplo, acredi-
vo trata de experiências subjetivas valorizadas: ta que a PP para-
o bem-estar, o contentamento e a satisfação (no doxalmente se Visite www.uk.sagepub.com/
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passado); esperança e otimismo (no futuro); e apresenta numa para acesso gratuito a um
fluxo e felicidade (no presente). Em nível in- perspectiva nega- artigo de Barbara Held se
dividual, diz respeito a traços individuais po- tiva. Ela acredita quiser aprender que a
psicologia positiva pode não
sitivos: à capacidade de amar e à de escolher que alguns den- ser tão positiva como seus
uma vocação, à habilidade interpessoal, sensi- tro da corrente da adeptos sugerem.
bilidade estética, perseverança, capacidade de PP são negativos
perdoar, à visão de futuro, espiritualidade, ta- e repudiam ideias e opiniões que vão contra a
lento e sabedoria. Em nível de grupo, diz res- mensagem dominante da referida corrente: (a)
peito a virtudes cívicas e instituições que le- a negatividade sobre a negatividade em si, que
vam a uma melhor cidadania: responsabilida- é explorada pela forma de pesquisar sobre a
de, educação, altruísmo, civilidade, moderação, psicologia da saúde, da felicidade e estilos de
tolerância e ética no trabalho (Seligman e Csiks- enfrentamento em vez de depressão, etc.; e (b)
zentmihalyi, 2000: 5). negatividade relativamente ao tipo errado de
positividade, a alegada positividade não cien-
Em sua forma mais sim- A psicologia positiva, tífica, especialmente aquela que Seligman diz
na forma do compor-
ples, a psicologia posi- encontrar na psicologia humanística.
tiva é o estudo, a pes-tamento organizacio- A felicidade é algo que a PP busca espa-
quisa e a teorização das
bases psicológicas paranal positivo (COP), lhar, portanto será o foco desta seção final de
se viver da melhor ma- está crescendo e atrai capítulo. Antes de falar na felicidade, vamos
neira possível a partir do
a atenção da teoria, examinar brevemente o tópico geral das emo-
pensamento, sentimento e
compor tamento positi- pesquisa e prática da ções. Primeiro, veremos o que são e depois
administração. É um
vos. No sentido adminis- mostraremos a diferença entre “ler emoções”
trativo, a psicologia posi-
sucesso hoje, mas que e “sentir emoção”.
tiva busca compreender e
estava em processo há
promover valores cívicos, As emoções são
100 anos (Pitsis,
responsabilidade social, complexas e ao mes- Emoções são, por defi-
altruísmo, tolerância, fe- nição, sentimentos de-
2008c). Historica- mo tempo altamente monstrados como res-
licidade e bem-estar psi-
cológico. mente, a psicologia se pessoais e sociais. Fre- posta, ou por expectati-
interessava predomi- quentemente supõe-se vas, em relação a obje-
tos ou eventos.
nantemente pela patologia e tratamento de que as emoções sur-
uma variedade de doenças mentais. Como tal, gem como resultado de um processo cogniti-
sua aplicação inicial a disciplinas como CO vo irracional e que, portanto, é algo supérfluo
também uniu a psicologia da administração à para a função racional de administrar. Sabe-
patologia. A psicologia centralizava-se na mos agora que este não é o caso e que emo-
anormalidade abaixo da norma e seu obje- ções interferem fortemente no modo como os
tivo explícito era encontrar formas de aju- gerentes administram.
dar o indivíduo a se tornar “normal”. A psi- As primeiras obras sobre as emoções apre-
cologia positiva (PP) está mais interessada sentam-nas relacionadas ao instinto e à sobre-
CAPÍTULO UM ADMINISTRAÇÃO DE INDIVÍDUOS 105
MINICASO
Tire algumas fotos de seus amigos. Peça que Peça que cada um conecte uma emoção a um
eles assumam alguma atitude ou estado de rosto.
espírito. Grave e carregue as fotos no compu-
tador. Mostre agora as fotos e distribua uma • Quão consistentes são as pessoas na atribui-
lista de emoções a outro grupo de pessoas. ção de emoções?
vivência; entretanto, desde o final dos anos pular. Muitos livros- Inteligência emocional é
1990, pesquisadores e teóricos da emoção têm texto incluem uma um conceito popularizado
oferecido teorias a respeito das emoções que discussão sobre a inte- por Daniel Goleman, que
a concebe como a capa-
vão além dos primeiros relatos sobre as mes- ligência emocional, que cidade de reconhecer
mas (Veja, por exemplo, Campos et al., 1999). quase sempre acaba nossas próprias emoções
A cognição racional e irracional é um compo- abordando questões e as dos outros, bem
como a habilidade de ad-
nente importante das emoções e é bem possí- da personalidade. ministrar nossas emo-
vel que uma pessoa possa sentir tipos diferen- Enquanto o con- ções em nossos relacio-
tes de emoções quase ao mesmo tempo (Srou- ceito de Goleman namentos com os outros
(Goleman, 1997).
fe, 1979). Contudo, entender as emoções tem sobre a inteligência
sido problemático. Ekman, por exemplo, (Ek- emocional é extrema-
man e Friesen, 1986) estudou as emoções, mente popular, John D. Mayer, que juntamen-
observando expressões faciais e descobriu que te a Peter Salovey escreveu largamente sobre
estas podem ser consistentes nas culturas. Mas, QE (quociente emocional) no começo dos
o que isso significa? Quando alguém sorri, é anos 1990, argumenta que a afirmação popu-
sinal de que está feliz? Às vezes sorrimos mes- lar na literatura – “que pessoas com grande
mo estando tristes ou devolvemos um sorriso inteligência emocional possuem uma vanta-
a alguém em sinal de simpatia, ou simples- gem irrestrita na vida – parece exagerada hoje
mente porque achamos alguém atraente e fora dos padrões científicos razoáveis”
(O’Doherty et al., 2003) ou queremos vender (Mayer, 1999: 1). Mais importante ainda é
alguma coisa (Sutton e Rafaeli, 1998) ou por Mayer acreditar que a inteligência emocional
qualquer outro motivo. Os antropólogos de- é apenas isso, um fator de inteligência e não
monstraram que sorrir pode ser interpretado um fator da personalidade. Além do que, tes-
como sinal de afabilidade e felicidade, entre- tes destinados a medir a inteligência emocio-
tanto, culturalmente pode ser que alguém que nal ainda não são confiáveis como deveriam e
sorri esteja nervoso ou ansioso – como é o caso afirmações de que a inteligência emocional
encontrado nas culturas de nativos da Indo- leva a resultados significativos em termos de
nésia e Austrália. Naturalmente, outras vezes desempenho, ou outros resultados na vida, está
um sorriso realmente significa que a pessoa além da realidade – parece que chega a expli-
está feliz. car apenas de 2% a 25% da variança em re-
Conseguir ler as emoções de alguém é con- sultados. Em outras palavras, 98% a 75% de
siderado como uma importante habilidade importantes resultados na vida não podem ser
social; além disso, a habilidade de adminis- explicados pela inteligência emocional, mes-
trar suas próprias emoções e as das outras pes- mo naquelas pesquisas desenvolvidas por
soas se tornou um domínio de interesse po- Mayer et al. (2001). Portanto, tudo que se lê
pular. Recentemente, o conceito de inteligên- de positivo sobre a inteligência emocional deve
cia popular tem se tornado cada vez mais po- ser tratado com certo cuidado – ela funciona,
106 PARTE UM ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES
mas não na extensão que muitos autores de tado de espírito, importante na sociedade com-
livros populares acreditam. plexa, ambígua e carregada de estresse do mun-
Entretanto, deve ficar bem claro que lei- do de hoje – a felicidade.
tura de emoções e experiência de emoções são Há poucas emoções tão debatidas nas ciên-
coisas bem diferentes. Imagine estar em pro- cias sociais como a felicidade. A vida, os ne-
funda depressão – os constantes sentimentos gócios, as empresas de treinamento para lide-
de tristeza, fadiga e falta de motivação podem rança, psicoterapeutas, institutos, livros de
ser muito debilitantes e até letais. Só na lógica autoajuda e DVDs, centros de pesquisa uni-
anedótica podemos acreditar que alguém agi- versitária têm girado em torno da emoção da
ria de uma forma totalmente diferente no seu felicidade. Mas, o que realmente significa fe-
dia-a-dia depois que a depressão passasse. As licidade? Ela afeta o desenvolvimento no tra-
emoções certamente afetam certos desfechos balho e na vida? As duas últimas perguntas
na vida (quando cientistas usam palavras bran- são as mais controversas e não temos tempo
das “sem emoção” do tipo “resultados na vida” para debatê-las aqui. No entanto, apresenta-
eles se referem a coisas como sucesso, fracas- remos as principais
so, vida, morte, alcoolismo, abuso de drogas, ideias e deixaremos A felicidade pode ser ge-
ralmente definida como
etc. As emoções in- você decidir sobre este pensamentos e senti-
A diferença entre humor cluem amor, fúria, tópico complexo, rea- mentos positivos sobre a
e emoções é a sua dura-
ção – um humor ou “cli- ódio, vergonha, felici- lizando pesquisa com- vida, e que podem ir da
alegria (presente quando
ma” dura mais e seus dade, tristeza, medo, plementar. A felicidade seu time ganha a grande
estados precisam de ressentimento, ale- é um conceito difícil final no fim de semana)
tempo para se desenvol-
ver. Emoções são consi- gria. Frequentemente de se estabelecer e a a um sentimento geral de
satisfação e contenta-
deradas como resposta se ouve a palavra hu- maioria a descreve mento com a própria
a um acontecimento, ou mor (ou clima) e para como um estado em vida: inclui sentir-se cal-
episódio emocional, a
emoção subsiste (às ve- muitos é difícil distin- que você se sente mo, contente, satisfeito,
realizado, inspirado, po-
zes, por minutos), mas guir entre humor e bem, ou se sente po- sitivo e livre.
os estados de um clima emoção (Parkinson et sitivo.
emocional permanecem
por horas, até semanas. al., 1996). Enquanto “bem” ou “bom” poderiam sig-
Outros dizem que nificar qualquer coisa em sentido subjetivo,
a distinção é superficial e não está baseada em como um sentimento geral de que a vida é
pesquisa e, na realidade, não é tão importan- boa (seja qual for a definição de boa), Vee-
te. Entretanto, alguns teóricos argumentam nhoven (2004) considera a qualidade de vida
que as emoções podem servir para influenciar como parte integrante da felicidade. Ele clas-
ou impulsionar uma ação ou comportamento sifica a qualidade de vida (felicidade) em duas
ao passo que o humor afeta a cognição (Da- partes, representadas na Figura 1.2. Primeiro,
vidson, 1994). É claro que a cognição pode existe uma distinção entre as chances de uma
criar humores e emoções também. Portanto, vida boa (chance de vida) e os verdadeiros
a questão da emoção é muito complexa. Ape- resultados da vida (resultados da vida). Se-
sar disso, vamos examinar uma emoção ou es- gundo, ele distingue entre qualidades am-
bientais (externas) e qualidades individuais bem na vida. Existe um leve problema nestes
(internas). estudos sobre a felicidade e saúde. A questão é
Felicidade, no modelo de Veenhoven, é que pessoas não saudáveis se classificam como
uma função de: (a) o tipo de ambiente em infelizes e pessoas felizes se classificam como
que vivemos (quadrante superior esquerdo) e saudáveis, mas é a saúde que causa o estado
se o ambiente oferece oportunidades de cres- de espírito ou é o estado de espírito que causa
cimento e felicidade; (b) o objetivo de vida a saúde? Além disso, tem-se falado que a feli-
(parte inferior esquerda) e se sentimos que cidade aumenta a produtividade no trabalho
temos um alto objetivo na vida e vivemos de e leva a outros resultados de produção organi-
acordo com nossos valores; (c) habilidade de zacional. A felicidade realmente leva à produ-
vida da pessoa (lado superior direito) que in- tividade organizacional? Parece uma questão
clui saúde, capacidades, habilidades de adap- simples, mas tem provocado uma reação mui-
tação (otimismo, enfrentamento de problemas, to complexa e grandes debates. O fato é que,
resiliência e assim por diante); e (d) valorização apesar de tudo que se tenha lido, não temos
da vida (lado inferior direito) que se refere à sa- uma resposta definitiva para essa pergunta –
tisfação na vida e tipicamente é uma experiência na verdade, se pensarmos bem, a felicidade
subjetiva. Felicidade, portanto, requer um am- pode não levar a certos tipos de desempenho.
biente positivo, objetivo e valores, saúde, capa- Por exemplo, sabe-se que a riqueza tem pouca
cidade e valorização da vida e satisfação. correlação com a felicidade (Kahneman et al.,
Por que ser feliz? Vários estudos mostra- 2006) e sentimentos de bem-estar, mas a ri-
ram que as pessoas felizes tendem a ser mais queza tem muita relação com boa saúde
saudáveis (Ward e Coates, 2006) e têm maio- (Bloom e Canning, 2000), o que torna a liga-
res oportunidades na vida, especialmente ção saúde/felicidade um pouco confusa. En-
quando fazem parte de uma comunidade fe- tretanto, o campo de pesquisa sobre a felici-
liz, pois as comunidades felizes tendem a ser dade e resultados relacionados ao trabalho é
mais saudáveis e mais ricas (Ross, 2005: Su- novo, e lentamente a pesquisa está começan-
bramanian et al., 2005) e, geralmente, se dão do a abordar a questão da confiabilidade, va-