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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.276 - RJ (2016/0135962-0)

RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ


RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
RECORRIDO : RYANN DOS SANTOS ALMEIDA
ADVOGADO : LUCIANA LOBO AMARAL E OUTRO(S) - RJ058742
EMENTA

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO


QUALIFICADO. DOLO EVENTUAL. AGRESSÃO CAUSADA
POR MOTIVO FÚTIL. COMPATIBILIDADE. RECURSO
PROVIDO.
1. Não há incompatibilidade na coexistência da qualificadora do
motivo fútil com o dolo eventual em caso de homicídio causado após
pequeno desentendimento entre agressor e agredido. Precedentes do
STJ e STF.
2. Com efeito, o fato de o recorrido ter, ao agredir violentamente a
vítima, assumido o risco de produzir o resultado morte, aspecto
caracterizador do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime
ter sido praticado por motivo fútil, uma vez que o dolo do agente,
direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a
conduta.
3. Recurso especial provido, a fim de restabelecer em parte a decisão
de pronúncia, para que o réu seja submetido a julgamento nas penas
dos arts. 121, 2º, II, e 121, § 2º, II, c/c o art. 14, II, na forma do art.
69, todos do Código Penal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,


acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, dar provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Maria Thereza de Assis Moura e
Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
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Brasília (DF), 13 de junho de 2017

Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.276 - RJ (2016/0135962-0)

RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ


RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
RECORRIDO : RYANN DOS SANTOS ALMEIDA
ADVOGADO : LUCIANA LOBO AMARAL E OUTRO(S) - RJ058742

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:


O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO interpõe recurso especial, com fundamento no art. 105, III, "a", da
Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
daquele estado (Recurso em Sentido Estrito n. 0001003-94.2014.8.19.0001).

Depreende-se dos autos que o recorrido foi pronunciado pelos


crimes descritos nos arts. 121, 2º, II e IV, e 121, § 2º, II e IV, c/c o art. 14, II, na
forma do art. 69, todos do Código Penal, por haver, em tese, com vontade livre
e consciente, por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa das
vítimas, assumido o risco de matar, ao desferir um chute contra a cabeça da
vítima Renato Ribeiro da Silva, ocasionando-lhe as lesões que foram a causa de
sua morte, e outro na cabeça de Luís Fernando Cupertino, produzindo-lhe
lesões que não o levaram a óbito, uma vez que a vítima foi prontamente
socorrida e encaminhada à Santa Casa de Misericórdia, onde recebeu o
atendimento médico necessário.

Inconformado com a sentença condenatória, o recorrido interpôs


recurso em sentido estrito ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o
qual foi parcialmente provido, a fim de afastar da decisão de pronúncia as
qualificadoras do motivo fútil e do recurso que dificultou a defesa da vítima.

O Ministério Público estadual interpõe, então, este recurso


especial, no qual alega violação dos arts. 18, I, 2ª parte, e 121, § 2º, II, ambos
do Código Penal, e 413 do Código de Processo Penal, porque a legislação
recebeu interpretação totalmente divergente da consolidada jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça.

O recorrente argumenta, em síntese, que não há qualquer


incompatibilidade entre a qualificadora do motivo fútil e o dolo eventual, "já
que o fato de o agente ter assumido o risco de produzir o resultado morte,
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caracterizador do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime ter sido
cometido por motivo fútil, vez que o dolo do agente não se confunde com o
motivo que ensejou a conduta" (fls. 387-388).

Requer o provimento do recurso, para restabelecer em parte a


decisão de pronúncia, a fim de incluir a qualificadora do motivo fútil em ambos
os crimes imputados.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do


recurso especial.

Em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de origem, verifico


que o réu ainda não foi submetido a julgamento, porque o feito aguarda o
julgamento deste recurso especial.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.276 - RJ (2016/0135962-0)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO


QUALIFICADO. DOLO EVENTUAL. AGRESSÃO CAUSADA
POR MOTIVO FÚTIL. COMPATIBILIDADE. RECURSO
PROVIDO.
1. Não há incompatibilidade na coexistência da qualificadora do
motivo fútil com o dolo eventual em caso de homicídio causado após
pequeno desentendimento entre agressor e agredido. Precedentes do
STJ e STF.
2. Com efeito, o fato de o recorrido ter, ao agredir violentamente a
vítima, assumido o risco de produzir o resultado morte, aspecto
caracterizador do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime
ter sido praticado por motivo fútil, uma vez que o dolo do agente,
direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a
conduta.
3. Recurso especial provido, a fim de restabelecer em parte a decisão
de pronúncia, para que o réu seja submetido a julgamento nas penas
dos arts. 121, 2º, II, e 121, § 2º, II, c/c o art. 14, II, na forma do art.
69, todos do Código Penal.

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):


I. Admissibilidade

O recurso é tempestivo e foram preenchidos os demais requisitos


de admissibilidade, razões pelas quais merece conhecimento.

II. Contextualização

Depreende-se dos autos que o recorrido foi pronunciado pelos


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crimes descritos nos arts. 121, 2º, II e IV, e 121, § 2º, II e IV, c/c o art. 14, II, na
forma do art. 69, todos do Código Penal, por haver, em tese, com vontade livre
e consciente, por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa das
vítimas, assumido o risco de matar, ao desferir um chute contra a cabeça da
vítima Renato Ribeiro da Silva, ocasionando-lhe as lesões que foram a causa de
sua morte, e outro na cabeça de Luís Fernando Cupertino, produzindo-lhe
lesões que não o levaram a óbito, uma vez que a vítima foi prontamente
socorrida e encaminhada à Santa Casa de Misericórdia, onde recebeu o
atendimento médico necessário.

Inconformado com a sentença condenatória, o recorrido interpôs


recurso em sentido estrito ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o
qual foi parcialmente provido, a fim de afastar as qualificadoras do motivo fútil
e do recurso que dificultou a defesa da vítima.

Cinge-se este recurso especial ao restabelecimento da


qualificadora do motivo fútil, em razão da sua compatibilidade com o dolo
eventual.

III. Compatibilidade da qualificadora do motivo fútil com o


dolo eventual

O Tribunal de origem, ao afastar as qualificadoras, asseverou


que (fls. 365-366, destaquei):
Há que se destacar a parcela da Exordial, que descreve a
presença do dolo eventual no atuar do Recorrente.
Senão, vejamos:
“ Saliente-se que o Denunciado assumiu o risco de matar as
vítimas quando desferiu os chutes contra a cabeça das
mesmas, haja vista ser o mesmo praticante de Muai-Thay,
e, portanto, conhecedor da técnica e com capacidade de
força superior ao homem médio. ” – GRIFOS PRÓPRIOS.
Sucede que a identificação de tal modalidade de dolo não se
mostra compatível com a incidência à espécie das figuras
qualificadas do crime de homicídio, na exata medida em que
as concretas circunstâncias que se credenciam a cumprir tais
rubricas legais se constituem em circunstâncias que têm por
característica exponencializar o conteúdo volitivo homicida.
Ora, inocorrendo esta direta representação dolosa homicida
pelo agente, afastada se mostra a sua coexistência com
aquelas formas qualificadas.
Mas não é só. No que tange à qualificadora do emprego de
recurso que dificultou a defesa das vítimas, as narrativas
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judiciais presentes nos autos sequer se credenciariam a sustentar
tal incidência, na exata medida em que estas apontam que as
agressões se deram durante uma discussão instalada entre o
Recorrente e as vítimas, inexistindo qualquer concreta
circunstância que demonstre que estas restaram tolhidas em sua
capacidade de reação, em função de algum atuar diretamente
desenvolvido por aquele.
Neste sentido, há que remanescer o juízo de admissibilidade tão
somente quanto à imputação de dúplice homicídio simples,
sendo um destes na sua modalidade tentada.

Desde já chamo atenção para o recente julgado proferido por


esta Turma no HC n. 307.617/SP, no qual se afastou a qualificadora do motivo
fútil, por entendê-la incompatível com o dolo eventual, porque naquela
hipótese, o homicídio decorreu de um acidente automobilístico, em que não
havia nenhuma relação entre o paciente e a vítima, que "nem era quem
praticava o 'racha' com o paciente, era um terceiro que trafegava por perto
naquele momento e que, por um dos azares do destino, viu-se atingido pelo
acidente que envolveu o paciente" (HC n. 307.617/SP, Rel. Ministro Nefi
Cordeiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe
16/5/2016).

Na hipótese dos autos, todavia, a situação fática diverge da


acima retratada. Isso porque o recorrido – praticante de Muai-Thay e, portanto,
conhecedor da técnica e capacitado com força superior ao homem médio –
disferiu chutes contra a cabeça das vítimas, por haverem elas criticado a forma
como ele havia parado seu veículo na rua, dificultando a passagem dos carros.

O dolo eventual e o motivo fútil são figuras penais diversas e,


em tese, compatíveis, ou seja, elas não se excluem: uma é elemento subjetivo
do tipo, enquanto a outra, circunstância que se relaciona com a ação nuclear de
matar alguém, tornando o tipo qualificado.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o


RHC n. 92571/DF, da Relatoria do Ministro Celso de Mello, entendeu serem
compatíveis a qualificadora do motivo torpe e o dolo eventual, com base na
manifestação do Ministério Público Federal, que, em suma, colacionou o voto
proferido pelo Ministro Nilson Naves no mandamus originário (HC n.
58.423/DF), cujo voto transcrevo a seguir:
Os registros de nossa jurisprudência encontrados por mim são
deste teor: (I) "não há, no crime de homicídio, incompatibilidade
entre dolo eventual e motivo fútil. É possível, por motivo fútil,
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alguém assumir o risco de produzir o resultado. Afastado, assim,
o óbice de tal incompatibilidade, cabe ao Tribunal a quo
examinar, em consequência, a existência da qualificadora
referente ao motivo fútil" (REsp-365, Ministro Edson Vidigal,
DJ de 10.10.89); (II) "o dolo eventual pode coexistir com a
forma pela qual o crime é executado. Assim, nada impede que o
agente, embora prevendo o resultado morte, o aceite e pratique o
ato usando de meio que surpreenda a vítima, dificultando ou
impossibilitando a defesa, tal o quadro que entremostra nos
autos" (REsp-57.586, Ministro Costa Lima, DJ de 25.9.95); (III)
"detectada a dificuldade, em face do material cognitivo, na
realização da distinção concreta entre dolo eventual e preterdolo,
a acusação tem que ser considerada admissível" (REsp-192.049,
Ministro Felix Fischer, DJ de 1º.3.99); (IV) "o fato de o agente
assumir o risco de produzir o resultado, aspecto caracterizador
do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime ser
praticado mediante o emprego de recursos que dificultem ou
impossibilitem a defesa da vítima. Precedentes" (HC-36.714,
Ministro Gilson Dipp, DJ de 1º.7.05).
Há, entre nós, então, precedentes, uns mais antigos, outros
modernos, no sentido da compatibilidade entre dolo eventual e
qualificadoras do homicídio, por exemplo, segundo os indicados
precedentes, em casos de qualificação pelos motivos – fútil – e
pelos modos – surpresa. No precedente da relatoria do saudoso
Costa Lima, lá se tomou, também, o parecer do então Procurador
e hoje Ministro Felix Fischer, e desse longo parecer estou
recolhendo estes tópicos: "Se o modelo de conduta proibida
admite, pela sua estrutura, o dolo eventual, então qualquer
pretensa incompatibilidade só poderá ser reconhecida no plano
concreto, pela própria forma de execução do tipo e nunca por
conflito interno, apriorístico. Este suposto conflito interno, data
venia, não existe.
Ora, se o colendo STJ declinou que inexiste qualquer
incompatibilidade entre dolo eventual e motivo fútil
(circunstância subjetiva), como se pode sustentar o raciocínio de
que, a priori, o dolo eventual é incompatível com a qualificadora
da surpresa (que tem caráter objetivo)?
Em se tratando, bem se vê, de elementos tão diversos - o dolo de
caráter nitidamente psíquico e a surpresa pertinente ao meio de
execução -, impõe-se concluir que não há a mínima
incompatibilidade entre ambos."
Vasculhei a doutrina, pouco encontrei, bem pouco,
especificamente, talvez até porque não a tenha bem vasculhado,
mas encontrei, verbi gratia , nas "Lições" de Heleno Fragoso
Documento: 1613359 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/06/2017 Página 8 de 12
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(parte especial, 1877, pág. 69), estes tópicos:
"As circunstâncias que qualificam o homicídio estão,
evidentemente, cobertas pelo dolo. A qualificação através dos
motivos não apresenta dificuldades, pois são hipóteses de maior
reprovabilidade, através de componentes subjetivos do
comportamento. O mesmo se diga da qualificação ligada ao fim
de agir (art. 121, § 2º, V).
Não se exige que o agente tenha consciência de que o motivo
que o levou a atuar é fútil ou torpe. A valoração dos motivos não
depende do réu, fazendo-se objetivamente, segundo os padrões
éticos dominantes no meio e no lugar onde o fato ocorreu.
Os meios e modos de execução que qualificam o delito,
referem-se à exacerbação do ilícito, integrando a figura típica.
Assim sendo, são elementos que devem estar cobertos pelo dolo
(bastando o dolo eventual), sendo, pois, excluídos pelo erro."
Vejam: (I) "a valoração dos motivos não depende do réu,
fazendo-se objetivamente"; (II) quanto aos meios (inciso III) e
modos (inciso IV), "são elementos que devem estar cobertos
pelo dolo (bastando o dolo eventual)".
E mais: se dolo é, ao mesmo tempo, representação e vontade –
vontade dirigida ao resultado, também a vontade de quem
assume o risco de produzir o resultado, lá dolo direto, cá dolo
eventual, conforme, entre outros, Hungria (vol. I, tomo II, págs.
114 e segs.) –, então confiramos esta conclusão de acórdão
estadual (constante do parecer nos autos do REsp-365, de 1989,
citado):
"Ora, se dolo é vontade e representação não se vê porque aquele
que, apesar da previsão do resultado, persiste em seu
comportamento não possa fazê-lo por motivo fútil. A futilidade
do motivo, vale dizer o móvel que impele o comportamento do
agente ativo, tanto pode ocorrer no dolo direto, como no
eventual. No denominado dolo eventual o agente tem
consciência da ilicitude de seu comportamento e vontade de
praticar o ato. O resultado não é representado como certo, mas
como possível. Mas o agente prefere que ele ocorra, a desistir do
seu ato..."
Escreveu Dotti ("Enciclopédia Saraiva do Direito", São Paulo,
1977, vol. 53, pág. 320):
"Cumpre, porém, não confundir o motivo com o dolo.
Aquele pode ser classificado como social ou anti-social
(que perante a ética se designarão como moral ou imoral,
nobre e ignóbil) e no campo legal é tratado como jurídico e
anti-jurídico, legítimo e ilegítimo, escusável e
não-escusável, conforme a doutrina de Ferri."
Documento: 1613359 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/06/2017 Página 9 de 12
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Há, portanto, precedentes nossos tanto em relação aos motivos
(incisos I e II) quanto em referência aos modos (inciso IV). De
igual maneira, há boa – se não excelente – doutrina. Isto é, há
conceitos de ordem jurisprudencial e de caráter doutrinal
segundo os quais não são antinômicos dolo eventual e
qualificadoras do homicídio. Torno, pois, ao parecer de Fischer,
no precedente de 1995: "... inexiste qualquer incompatibilidade
entre dolo eventual e motivo fútil (circunstância subjetiva),
como se pode sustentar o raciocínio de que, a priori, o dolo
eventual é incompatível com a qualificadora da surpresa (que
tem caráter objetivo)?" Confiram, ainda, Toledo no REsp-365,
de 1989: "Alguém, por motivo fútil, pode assumir o risco de
produzir o resultado. Por essas razões, afasto a alegada
incompatibilidade entre o motivo fútil e o dolo eventual."
(HC n. 58.423/DF, Rel. Ministro Nilson Naves, 6ª T, DJ
25/6/2007)

Com efeito, diante das pertinentes razões adotadas no voto


proferido no habeas corpus acima mencionado, reconheço que o fato de o
recorrido ter assumido o risco de produzir o resultado morte, aspecto
caracterizador do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime ter
sido praticado por motivo fútil, uma vez que o dolo do agente, direto ou
indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a conduta. Não se
afigura, portanto, a apontada incompatibilidade.

Nesse sentido, confira-se outro julgado mais recente deste


Superior Tribunal:
[...]
3. O fato de o Recorrente ter assumido o risco de produzir o
resultado morte, aspecto caracterizador do dolo eventual, não
exclui a possibilidade de o crime ter sido praticado por motivo
fútil, uma vez que o dolo do agente, direto ou indireto, não se
confunde com o motivo que ensejou a conduta, mostrando-se,
em princípio, compatíveis entre si. Divergência jurisprudencial
devidamente demonstrada.
[...]
(REsp n. 912.904/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T, DJe
15/3/2012)

O acórdão proferido pelo Tribunal estadual está, portanto,


contrário à jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores.

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IV. Dispositivo

À vista do exposto, conheço do recurso especial, para dar-lhe


provimento, com vistas a restabelecer em parte a decisão de pronúncia, a fim
de que o réu seja submetido a julgamento nas penas dos arts. 121, 2º, II, e 121,
§ 2º, II, c/c o art. 14, II, na forma do art. 69, todos do Código Penal.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA

Número Registro: 2016/0135962-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.601.276 / RJ


MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00010039420148190001 201625400448


PAUTA: 13/06/2017 JULGADO: 13/06/2017

Relator
Exmo. Sr. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JULIANO BAIOCCHI VILLA-VERDE DE CARVALHO
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RECORRIDO : RYANN DOS SANTOS ALMEIDA
ADVOGADO : LUCIANA LOBO AMARAL E OUTRO(S) - RJ058742
ASSUNTO: DIREITO PENAL

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Sexta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Maria Thereza de Assis
Moura e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.

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