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Da educação ambiental à consciência ecológica:

horizontes geográficos

Eduardo Marandola Jr.* 


Yoshiya Nakagawara Ferreira* *

Resumo
A Educação tem papel destacado na grande questão ambiental planetária. É necessário afastá-la da condição de fim
e torná-la um meio para que, através de ações, programas e objetivos definidos, possa contribuir para a formação de
uma Consciência Ecológica, visando uma vida social sustentável e sadia. Este artigo é uma contribuição à discussão
da relação entre Educação e a formação de uma Consciência Ecológica, discutindo os programas e ações delineadas
na Agenda 21 e inserindo a Geografia no processo educativo, como disciplina escolar e científica, que pode contribuir
para a inclusão da dimensão ética nas ações de Educação Ambiental, um dos caminhos necessários para a transformação
das estruturas de pensamento firmadas pela modernidade.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Ambiental, Consciência Ecológica, Geografia, Ética

FROM ENVIRONMENTAL EDUCATION TO ECOLOGICAL CONSCIENCE: GEOGRAPHIC HORIZONS

Abstract
The Education has an important function in planetary environmental question. It is necessary to take away from the
end condition and become a way, through action, with programs and defined objectives, can contribute for the forma-
tion of an ecological conscience, aiming at a sustainable and healthy social life. This paper is a contribution to discuss
the relation between Education and formation of ecological conscience, arguing programs and action delineated in
Agenda 21 and inserting Geography in educative process, like a scholar and scientific discipline, that can contribute
for the inclusion of the ethical dimension in the actions of Environmental Education, one of the necessary ways to the
transformation of the structures of thought firmed by modernity.
KEY-WORDS: Environmental Education, Ecological Conscience, Geography, Ethic

A Educação e a Questão Ambien- “A Educação é o instrumento principal a ser ativa-


tal do e re-orientado no sentido de atingir o objetivo
As grandes questões discutidas a partir da maior que é a sustentabilidade” (MALHADAS,
quarta parte do século XX estiveram atreladas à 2001, p.17). O termo Educação Ambiental já é
grande questão ambiental planetária. Quanto a debatido antes da obra pioneira de Tanner (1978),
isto, temos vasta literatura produzida, tanto no seio desde antes da famosa conferência de Tibilisi,
científico, quanto nos meios de comunicação. Con- em 1977, e vem sendo debatido tanto no sentido
tudo, além das dimensões da política, economia, teórico-epistemológico, quanto nas suas formas de
produção e desenvolvimento, um fio condutor im- aplicação e resultados.
portante que se apresenta como fundamentalmente Na realidade, a proposta da Educação
relacionado à questão ambiental e, na maioria das Ambiental fundamenta-se no estabelecimento de
vezes, à equação de seus problemas, é a Educação. condições aos educandos para que adquiram conhe-

 * Graduado em Geografia, Pesquisador associado ao projeto “Riscos Ambientais Urbanos”, do Laboratório de Pesquisas
Urbanas e Regionais, Departamento de Geociências, Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina.
Londrina, PR. marandola@yahoo.com.
Geógrafa, Professora do Departamento de Geociências, Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina. Londrina,
 **

PR. yoshiya@ldnet.com.br.
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cimento a respeito da questão ambiental, com senso e na busca de formas alternativas de soluções, re-
crítico e consciência, para que possam desenvolver lacionando fatores psicossociais e históricos com
práticas cotidianas no sentido da conservação do fatores políticos, éticos e estéticos (Dias, 1993,
meio. É esta Educação Ambiental política que o p.129). É uma forma de inclusão de questões pro-
ecologista e educador Reigota destaca, envolvendo fundas (ética, política, estética) com problemas co-
a atitude e a cidadania. Ele menciona ainda que tidianos vivenciados pela população, aproximando
esta educação “[...] prepara os cidadãos para exi- a Educação Ambiental da sua realidade vivida.
gir justiça social, cidadania nacional e planetária, Lima (1999, p.137-138), falando sobre as
autogestão e ética nas relações sociais e com a tendências dos programas de Educação Ambiental,
natureza” (REIGOTA, 1998, p. 9-10). Desta ma- alerta que “[...] as propostas educacionais para o
neira, a Educação Ambiental prioriza as relações meio ambiente têm em geral enfatizado os aspectos
econômicas e culturais entre a humanidade e a técnicos e biológicos da educação e da questão am-
natureza e entre os homens, destacando os aspectos biental, em detrimento de suas dimensões políticas
político-econômicos da questão ambiental. e éticas.” Enfatiza-se as práticas, metodologias e
Além de proporcionar a consciência crítica os aspectos explicativos dos problemas ambientais,
e o conhecimento sobre o meio, a Educação Am- ficando com menor importância, a responsabili-
biental tem uma característica primordial, que é a dade pelas ações e problemas. O autor menciona
sua transdisciplinaridade. Em verdade, é impossí- ainda “[...] que uma educação ambiental de ênfase
vel abranger a sua multidimensão e amplitude de técnica e biologizante reduz a complexidade do
forma disciplinar, isoladamente. Reigota (2001, p. real e mascara os conteúdos e conflitos políticos
9) destaca que o ambiente “[...] pode ser estudado inerentes à questão ambiental, favorecendo uma
em todas as áreas do conhecimento presentes no compreensão alienada e limitada do problema por
cotidiano escolar [...]”, sendo, portanto, necessá- parte dos educandos”. Fica evidente a necessidade
rias a integração dos conhecimentos e uma visão da consideração das dimensões ética, social, cul-
integral do ambiente. tural e política, entre outras questões, relacionadas
Outro aspecto fundamental destacado é a aos mais diversos fatores e fenômenos envolvidos,
participação comunitária, conforme registra Dias para a compreensão dos problemas, objetivando
(1993, p.128). É a inclusão da esfera informal da não reproduzir uma visão distorcida da responsa-
educação na dimensão da Educação Ambiental, que bilidade e origem das questões.
ocorre tanto no cotidiano vivencial quanto nas ações Contudo, a problemática está num substrato
de organizações não governamentais, associações mais profundo de nossas estruturas de pensamento.
comunitárias e programas de educação popular. Carvalho (apud LIMA, 1999, p.140) aponta que,
Esta esfera da educação deve, igualmente, “[...] desde a conferência de Tibilisi, as ações governa-
promover, simultaneamente, o desenvolvimento mentais de Educação Ambiental estão impregnadas
de conhecimento, de atitudes e de habilidades de uma visão liberal de sociedade, estando a mu-
necessárias à preservação e melhoria da qualida- dança socioambiental e o futuro legado às esferas
de ambiental [...]”, integrando a comunidade, de individual e comportamental. A autora destaca
forma articulada e consciente tanto da parte dos que o discurso de cidadania e participação social
educadores quanto dos educandos, promovendo os está delimitado num molde comportado, formal e
“[...] conhecimentos necessários à compreensão do planejado, como se fosse parte de uma estratégia
seu ambiente, de modo a suscitar uma consciência normativa e disciplinadora para abordar o proble-
social que possa gerar atitudes capazes de afetar ma, parecendo um discurso técnico e neutro.
comportamentos.” É a educação para a vida e para Neste contexto, a Geografia, como disciplina
a cidadania, visando a vida social sustentável, sadia científica e escolar, coloca-se com a responsabili-
e participativa. dade de também privilegiar nos seus estudos e no
Esta educação participativa, política, centra- seu cotidiano escolar as perspectivas ambientais.
se no desenvolvimento de uma sensibilização a No que se refere à ciência geográfica, nota-se uma
respeito dos problemas ambientais da comunidade preocupação premente com este temário, basta

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observar os anais dos encontros científicos, os cipalmente à ideologia política, no que tange ao
trabalhos defendidos nos cursos de pós-graduação modelo produtivo da sociedade, conforme análise
e a vasta literatura escrita no país. Contudo, que de Viola (apud FUSCALDO, 1999). As correntes
dizer do ensino destas questões? de natureza socioambiental foram denominadas
Em primeiro lugar, a consideração do am- por Sorrentino (apud LIMA, 1999) de conserva-
biente no ensino de Geografia não é, necessaria- cionista, educação ao ar livre, gestão ambiental
mente, uma tarefa árdua, desde que os educadores e economia ecológica. Estas perspectivas trazem
e pesquisadores se identifiquem com a nova peda- à tona diversos fatores e visões de mundo, ora
gogia já em evidência há mais de uma geração. As valorizando o sistema econômico, ora destacando
relações existentes entre as categorias de análise da o caráter político da questão ambiental, seja pelo
Geografia como o espaço, a região, a paisagem, envolvimento de grupos e interesses econômicos,
o lugar, o mundo vivido, os geossistemas e os do Estado ou da sociedade organizada.
domínios, entre tantas outras, revelam a relação Leff (2000, p.203) destaca que estas ten-
indissociável da Geografia com o meio. Estudar dências, em geral, se mostram limitadas por não
uma realidade a partir de qualquer uma destas envolver em suas discussões e preocupações
categorias implica no estudo e na consideração questões fundamentais como a complexidade, a
do ambiente, que, na realidade, compõe a própria desordem, o desequilíbrio e as incertezas no campo
essência da Geografia. Porém, para praticar esta do conhecimento. O autor demonstra a necessidade
educação, é necessário uma reflexão e posturas de se aprofundar as questões e de se relacionar os
psicopedagógicas condizentes com as necessidades diversos fenômenos envolvidos na problemática
contemporâneas, quanto à perspectiva a adotar, ou ambiental planetária.
seja, pensar sobre que prisma iremos considerar e Neste sentido, Lima (1999) faz uma crítica às
discutir as questões referentes ao ambiente, pois, propostas educacionais para o ambiente, apontando
devido à diversidade e complexidade das questões alguns reducionismos presentes no discurso e na
envolvidas nas discussões ambientais, temos uma prática dessas propostas. Ele aponta o reducionis-
grande gama de perspectivas, de diferentes natu- mo técnico, ecológico e particularista, que limita
rezas, no tratamento não apenas da questão, mas as concepções e podem nublar a compreensão da
também da Educação Ambiental (FUSCALDO, questão. Estas tendências podem transformar-se
1999). Além disso, o professor não pode simples- em dicotomias, onde a fragmentação da ciência e
mente reproduzir o que a mídia traz, como também do conhecimento pode tornar a consideração do
não pode ignorar que o processo de Educação ambiente, no processo educativo como um todo,
Ambiental é repleto de discursos e incongruências um grande desafio. O autor cita a diversidade de
(LIMA, 1999). É importante considerar a matriz abordagens da questão ambiental na educação,
teórica e os objetivos da aplicação de determinada apontando duas tendências gerais:
perspectiva e postura educativa, como também
as implicações e visão de mundo que estaremos a) as propostas educacionais oferecidas pelas
produzindo ou reproduzindo. ciências humanas, onde os fatores históricos e
sociais são ressaltados, em detrimento dos aspec-
Múltiplas Perspectivas, Problemas tos técnicos e naturais da questão ambiental. Tal
Comuns tendência, estaria mais ligada ao ensino formal
e, especialmente aos níveis de graduação e pós-
A diversidade de perspectivas pode ser assim graduação;
reunida, de acordo com sua natureza: política, as-
b) a outra tendência geral concentra a sua aborda-
sociada à corrente ambientalista e socioambiental,
gem, quase que exclusivamente, sobre os aspectos
referente à visão de mundo e sociedade.
técnicos e naturais dos problemas ambientais. Essa
Quanto às primeiras, podem ser resumidas
tendência, onde destacam-se os temas ecológicos
em ecofundamentalistas, ecorealistas, ecocapi-
tem, segundo a autora, prevalecido sobre a tendên-
talistas e ecosocialistas, visões referentes prin-
cia anterior. Ela atribui essa prevalência à histórica
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fragmentação do saber, que divide as ciências é nesta pluralidade e riqueza de formas de abordar
naturais e sociais e à dimensão instrumental do e enfrentar os problemas que cada segmento pode
conhecimento institucionalizado pela sociedade contribuir.
industrial. Explica ainda que embora se possa A Geografia, portanto, pode alinhar-se à base
falar em tendências gerais, o campo da educação de todo o processo de formação da consciência,
ambiental é bastante diversificado, havendo um sendo um dos conhecimentos elementares desta
continuum que varia de uma extremidade à outra e, construção. Isto não se dará apenas pela perspec-
também, a possibilidade de encontrar trabalhos que tiva adotada, métodos e objeto de estudo, mas
não se encaixam em nenhuma destas tendências. pela própria característica da ciência que tem, nas
(BRÜGGER, apud Lima, 1999, p.142) suas categorias de análise, ligação imediata com a
cognição e realidade cotidiana das pessoas. Nota-se
Desta forma, percebemos uma problemática a necessidade de envolvimento da Geografia nas
ainda maior do que a influência da ideologia po- discussões nos quadros mais amplos da ciência e
lítica: uma visão fragmentária da realidade, tendo da educação nos quais, por vezes, os geógrafos
ambas as tendências incongruências nítidas, igno- têm hesitado em participar. Precisamos explorar
rando a complexidade e a multidimensão inerente o potencial de nossa disciplina no estudo do am-
às questões ambientais. (FERREIRA, 2000) biente, conforme aponta Vernier (1994, p.126).
A natureza contraditória da Educação tam- Ele registra que a Geografia e as Ciências Naturais
bém desempenha papel importante no estabeleci- são as disciplinas mais abertas ao meio ambiente,
mento destas perspectivas. Fuscaldo (1999, p.107 e no sentido de que já têm o ambiente como objeto
segs.), escrevendo sobre A Geografia e a Educação de preocupação, sendo mais imediata a adoção de
Ambiental, fala das relações possíveis entre as dis- práticas e perspectivas que coloquem a questão
ciplinas. O autor registra, citando Mininni-Medina, ambiental em foco.
as faces contraditórias da Educação: lógica, social, A visão geográfica do espaço e da socie-
antropológica e histórica. Estas faces implicam dade pode trazer uma contribuição significativa
na reprodução de desigualdades, relacionadas à ao tratamento das questões ambientais. Fuscaldo
reprodução estanque do conhecimento, ao uso da (1999, p.109) menciona que “[...] introduzindo a
educação por uma classe e seus interesses, à con- noção de espaço como essa totalidade que abarca
tradição entre o presente e o futuro do educando e a natureza, os objetos e sistemas construídos pelo
à conservação das estruturas sociais. Estas contra- homem sobre um dado território e a sociedade
dições, inerentes ao sistema educativo como um que o habita, poderemos talvez encontrar a nossa
todo, nos leva, segundo Fuscaldo, “[...] a admitir fala nesse diálogo [...]”, ou seja, entre a Geogra-
a dupla relação dialética que se dá no seu interior, fia e a Educação. Além disso, pelo conjunto das
isto é, a educação reflete as contradições da socie- contribuições da ciência geográfica aos estudos
dade e é condicionada por elas, ao mesmo tempo envolvidos na relação homem-meio/sociedade-
em que possibilita a tomada de consciência das natureza, ela tem significativas possibilidades e,
contradições sociais, fornecendo as ferramentas concomitantemente, responsabilidades, de incluir
para a sua compreensão”. em suas ações a questão da responsabilidade.
Neste cenário de múltiplas perspectivas, Esta dimensão é fundamental na medida que co-
porém, os problemas são comuns e o esforço nunca loca não apenas a necessidade de preservar, mas
deve ser dirigido na fragmentação de objetos de lança a questão de quem deve cuidar, quem é o
estudo ou de responsabilidade. O trabalho con- responsável pela situação atual e quais as ações e
junto entre conhecimentos, formas de saber, atores pessoas/instituições devem estar envolvidas neste
sociais e políticos e instituições, deve ser a base processo. A questão da responsabilidade é uma
do pensamento, do diálogo e das ações. Esta plu- questão ética, que necessita ser trabalhada tanto
ralidade de perspectivas não é um ponto negativo, pela Geografia como por todas as disciplinas que
constituindo-se em um elemento de fragilização se ocuparem em inserir a dimensão do ambiente na
do discurso, como alguns tentam apregoar. Antes, sua prática científica e educativa. Faz-se necessário

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compreender a emergência ética e a racionalidade gerador de valores e conhecimentos para a constru-
hegemônica atual, para que se possa praticar estas ção da racionalidade ambiental, que leve em conta
possibilidades. Além disso, a questão da ética no a outridade, o planeta e as pessoas.
pensar o ambiente nos traz a oportunidade e a ne- A incongruência do modelo produtivo, posto
cessidade de transcender a limitação da educação em ordem pela modernidade, que está centrado no
pura e simples, seja formal ou informal, como um domínio científico e tecnológico humano, torna a
fim em si que conseguirá equacionar os grandes vida cada vez mais vulnerável. As técnicas instru-
problemas ambientais mundiais. A reflexão sobre a mentalizaram os homens a degradar o ambiente
ética nos leva a pensar outras questões e fenômenos em velocidade e extensão nunca antes imaginadas.
de significado entrelaçado com o próprio modelo Zancanaro (2000, p.89-90), filósofo estudioso
de desenvolvimento, sociedade e racionalidade de Jonas, analisando o dever na ética do futuro,
estabelecidas pela civilização ocidental, tornando menciona a vulnerabilidade escalonária que a tec-
esta reflexão importante para a compreensão da nologia proporciona à medida que assume tarefas
problemática posta em tela. que antes eram desempenhadas pelo Estado e
agora estão nas mãos da organização tecnológica
Ética e Racionalidade Ambiental de instituições e, diante disso, sequer temos a quem
recorrer. O autor chama atenção para os sistemas de
A Educação Ambiental surge no mesmo valores em mutação, pois “[...] se antes a religião
bojo da crise do modelo civilizatório ocidental. tinha a função de proteção e as pessoas tinham a
Diversos autores relacionam a crise ambiental com quem recorrer, eis uma forte razão para apelarmos
a crise da civilização ou a crise da modernidade à ética como instrumento de consciência moral,
(LEFF, 2000; GIDDENS, 1991; ALTVATER, 1999; de proteção e respeito em relação às mais variadas
ZANCANARO, 2000). Esta crise possui reflexos formas de poder.” Este excessivo poder dado ao
não definidos, conforme reflete Heller (1999). A homem através das técnicas, característica deste
autora compara a crise à uma doença. Neste caso, estágio da modernidade em que vivemos, traz a
a civilização, em crise, está doente, o que nos faz necessidade de uma reformulação dos valores, na
supor duas hipóteses: ou suas doenças serão cura- medida em que há uma reformulação da relação
das ou ela entrará em colapso. A crise ambiental é elementar entre o homem e o meio. E, assim como
apenas uma destas muitas patologias da sociedade Leff, Zancanaro coloca a educação em foco, como
moderna e global1. uma das formas de construção deste novo consen-
Leff (2000, p.201-202), economista e eco- so, desta nova racionalidade mediada pela ética
logista mexicano, menciona que a questão está da responsabilidade com o futuro: “Nesse aspecto
centrada no questionamento dos paradigmas do colocamos em evidência as diversas tarefas que
conhecimento e dos modelos sociais da modernida- exercemos e sobre as quais temos poder, tanto na
de, imperando a necessidade da construção de outra esfera da administração pública quanto da educação
racionalidade social, orientada por novos valores e e assim por diante”.
saberes, por novos modos de produção sustentados Muitos autores vislumbram uma nova forma
em bases ecológicas, significados culturais e nova de relação da sociedade com a natureza, buscando,
organização democrática. Ele destaca ainda que a viabilizado pela Consciência Ecológica e a ética, a
mudança do paradigma social leva à transforma- compreensão e equação das questões ambientais.
ção da ordem econômica, política e cultural. Esta O filósofo Serres (1994), em seu Contrato
mudança é impensável sem a transformação das natural, postula a igualdade entre a força das
consciências e comportamentos das pessoas. intervenções humanas e a globalidade do mun-
“En este sentido, la educación se convierte en un do, vendo a relação do homem com as coisas do
proceso estratégico con el propósito de formar los mundo sem a dominação e a posse, adotando uma
valores, habilidades y capacidades para orientar atitude recíproca do respeito. Em outras palavras,
la transición hacia la sustentabilidad”. De fato, a conferir-se-á direito à natureza. No entanto, não se
Educação Ambiental converte-se no novo processo trata de reduzir o homem a um animal como todos

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os outros. A ética antropocêntrica não precisa, a Educação Ambiental num contexto holístico e
necessariamente, dar justificativa à degradação interdisciplinar. Neste sentido, a Educação Ambien-
predatória do ambiente. A própria compreensão da tal requer avançar na construção de novos objetos
necessidade premente da saúde ambiental para a interdisciplinares de estudo, através da problema-
saúde humana, justifica a relação ética com relação tização dos paradigmas dominantes, da formação
ao meio. (ZANCANARO, 2000) dos docentes e da incorporação do saber ambiental
Nestas direções é que está a maioria das emergente em novos programas curriculares. O
discussões da Educação Ambiental no Brasil e no ensino ambiental implica a construção de novos
mundo. Não apenas a questão da educação, mas conhecimentos. É por isso que umas das maiores
as discussões sobre o ambiente como um todo. dificuldades ao estabelecimento desta educação
Mazzotti (apud SEGURA, 2001, p.33), analisan- são os interesses disciplinares e as resistências
do as representações sociais sobre o “problema teórico-pedagógicas, que não querem abrir mão
ambiental”, de diversos grupos sociais, durante a de seu “espaço” e não querem transcender suas
realização da ECO-92, resumiu esse debate: fronteiras. (Leff, 2000, p. 203-204)
A conformação de uma racionalidade am-
[...] (o problema ambiental) é visto como um biental, ou ecológica, não implica num novo redu-
desequilíbrio produzido pelo “estilo de vida” da cionismo, pautado na negação total das estruturas
sociedade moderna. As razões para o desequilíbrio vigentes. Antes, ela pode propor um meio termo à
seriam de duas ordens gerais: o tipo de desenvol- questão, por não reivindicar que a natureza regule
vimento econômico e o tipo de racionalidade en- a vida social, mas um equilíbrio das forças sociais
volvida – cartesiana, particularista. Dessa maneira, onde a prudência ecológica possa impedir que
seria necessária a construção de outro estilo de vida a racionalidade econômica invada o espaço dos
e de uma nova racionalidade. Esta nova raciona- limites ecossistêmicos de resistência dos sistemas
lidade seria holística e implicaria uma nova ética naturais, operando eternamente sob o consentimen-
de respeito à diversidade biológica e cultural, que to da irracionalidade da Razão. (LAYRARGUES,
estaria na base da sociedade sustentável. A ênfase 1998, p.45)
das ações educativas justifica-se pela necessidade Não podemos cair no equívoco de desprezar
de formar um novo homem, aquele que seria capaz o desenvolvimento tecnológico trazido pela moder-
de viver em harmonia com a natureza. nidade. Precisamos nos esforçar a compreendê-lo,
encarando as mudanças de poder legado aos hu-
A nova ética postulada por estes autores,
manos, como a base para o re-pensar de uma nova
segundo Leff (2000, p.202), foi contemplada no
racionalidade e de uma nova ética. A sociedade
Programa Internacional de Educação Ambiental
e suas estruturas estão estabelecidas. Cabe a nós
UNESCO/PNUMA, em 1975:
pensá-las e encontrar alternativas de re-construção
das estruturas de pensamento, encarando a nossa
1. Una nueva ética que orienta los valores y
responsabilidade, conforme nos alerta Zancanaro
comportamientos sociales hacia los objetivos de
(2000, p.93):
sustentabilidad ecológica y equidad social.

2. Una nueva concepción del mundo como un A ética de responsabilidade com o futuro está na
sistema complejo, llevando a una reformulación esfera do nosso poder. Os atos e os efeitos de nos-
del saber y a una reconstitución del conocimiento. sas ações podem comprometer essa possibilidade.
En este sentido, la interdisciplinaridad se convirtió Desta forma ela se constituirá um fator limitador
en un principio metodológico privilegiado de la de nossas ações apelando para a necessidade do
educación ambiental. cuidado em relação à existência. O fundamento
Estes princípios serviram de base para a do dever estará arraigado no princípio da vida. É
Conferência de Tibilisi, estando latentes nas dis- isto que deve ser garantido pelo “dever” no agir
cussões subseqüentes, conforme percebemos no tecnológico.
principal objetivo estabelecido em 1977: fundar
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Conscientização, Educação e a consciência uma faculdade que penetra no âmago
Agenda 21 da personalidade e passa a compor a essência dos
pensamentos e ações, tanto de uma pessoa quanto
A grande corrente pedagógica que defende a de uma sociedade ou classe social. O autor finaliza:
formação do chamado “cidadão crítico” instaurou- “Não haverá futuro novo nem promissor se a nova
se baseada em um discurso político-ideológico ‘razão’ não for comunicada à base da pirâmide. Não
forte que encontrou terreno fértil para se proliferar. será apenas pela via do filosófico – advogando a
Conscientizar aparece freqüentemente nos planos necessidade de uma nova ‘episteme’ e apontando
político-pedagógicos assim como nos objetivos os horizontes teleológicos e até escatológicos – que
traçados pelos professores. Contudo, pensando na a tomada de consciência se produzirá.”
questão do ambiente, o que é conscientizar? Qual A Educação Ambiental e a Consciência
a sua amplitude? Ecológica já estão colocadas nas principais mesas
Em verdade, a Consciência Ecológica, ou de discussões mundiais, como também estão con-
seja, a ciência das questões acerca do ambiente, templadas nos grandes documentos produzidos
não é nova. O geógrafo Lago (1991) faz um res- como guias e diretrizes para as ações ambientais.
gate histórico da consciência dos homens sobre o A Agenda 21 (Conferência das Nações
seu ambiente e destaca que esta é bem anterior à Unidas..., 2001), documento máximo de esforço
quarta parte do século XX. Esta consciência, de mundial com diretrizes e projetos para o cuidado
que o autor fala, está relacionada substancialmente com o ambiente, trata desta questão no seu Capí-
à Ecologia e a ascensão desta ciência é associada tulo 36: Promoção do ensino, da conscientização
às preocupações com a saúde do planeta. Nos e do treinamento. São importantes a menção e
últimos anos, a importância desta tem crescido consideração das propostas delineadas na Agen-
mais, conforme aponta Segura (2001, p. 32-33), da, porque ela não é mera somatória de estudos e
registrando que “[...] a mundialização dos efeitos propostas identificadas tecnicamente por diversas
da degradação, resultado da própria globalização equipes de profissionais nem mero planejamento
econômica e cultural, gerou um movimento favorá- tecnocrático do desenvolvimento. De fato, ela é
vel em relação à Consciência Ecológica global nos um processo, servindo de mote e instrumento para
últimos 30 anos, mas ainda prevalece a fragilidade transformações na estrutura e nas ações sociais,
de qualquer iniciativa que questione o modelo políticas e culturais, desde que os atores sociais que
dominante”. dela queiram se utilizar tenham consciência deste
No entanto, a palavra consciência não deve potencial e destes objetivos (BORN, 1998/1999,
ser tomada no âmbito individual. Monteiro (1991, p.11). Embora no Brasil haja muitas dificuldades
p.10) lembra que se deve abrir “[...] no espectro para a sua implementação, conforme aponta Born
de uma consciência coletiva, da humanidade [...]”, (1998/1999), como a tradução tardia da Agenda
e que “[...] a elaboração do futuro e essa tomada (apenas em 1994, quase três anos após a sua ela-
coletiva de consciência requerem muito mais do boração), a falta de um marco institucional, a falta
que aquilo que se passa no vértice da pirâmide de políticas e linhas de atuação, a deficiência em
do saber, entre os seus filósofos – poucos e ainda recursos humanos, de metas e de sistemas de ava-
um tanto perplexos ante a magnitude da mutação liação, o descompasso entre os níveis de governo
– seus cientistas, muitos e cada vez mais compe- e seus setores, a contradição entre as políticas de
tentes no isolamento de seus laboratórios”. Desta ajustes econômico-administrativo-estruturais e as
forma, embora a Consciência Ecológica esteja necessidades de reorientação dos papéis do Estado
presente na sociedade há algum tempo, ela ainda e do setor privado, ela passa a ser, gradativamente,
não tomou a dimensão coletiva, muito menos se aplicada em diversos municípios, contando atual-
materializou numa nova racionalidade ou mesmo mente com uma preocupação cada vez maior dos
nas estruturas sociais. Ela possui mais o caráter de órgãos estatais.
preocupação do que de consciência, entendendo-se Os objetivos dos programas delineados no
a preocupação como algo ocasional, momentâneo, e Capítulo 36 da Agenda 21 demonstram claramente

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a orientação do documento no sentido do desen- humanas, visando compreender os princípios do
volvimento econômico associado à preservação desenvolvimento sustentável, sua implantação, os
do ambiente. Esta é, em verdade, a idéia que está valores envolvidos e as ramificações de sua imple-
subjacente ao conceito de desenvolvimento sus- mentação. Porém, não é o ensino de conceitos de
tentável. Porém, a questão da consciência do meio Educação Ambiental que irá desenvolver a Cons-
ambiente é colocada no sentido do conhecimento ciência Ecológica (ambiental) (Segura, 2001,
do ambiente e de suas limitações, associados à p.34). Há necessidade de análise da perspectiva
educação social, educação formal e programas de envolvida nestas propostas e a visão de mundo que
educação das populações (ensino comunitário). É está sendo perpetuada.
por isso que as três áreas de programas propostas A perspectiva desta educação, deste trei-
são: namento e desta conscientização deve, portanto,
1. Reorientação do ensino no sentido do ser vista e questionada. Não basta informar, tem
desenvolvimento sustentável; de se informar corretamente, assim como não
2. Aumento da consciência pública; basta “adestrarmos” as crianças a separar tipos
3. Promoção de treinamento. de resíduos sólidos ou a pegar latas de alumínio,
Estas ações estão pautadas no suprimento conforme apontou o diretor da UNESCO, Mayor,
de informações à população para que esta possa na Conferência Internacional “Meio Ambiente e
conhecer e perceber a inter-relação entre as ativi- Sociedade: Educação e Conscientização Pública
dades humanas e o ambiente. Nesta empreita, estão para a Sustentabilidade”, realizada em Thessaloni-
colocadas desde os governos que, em verdade, são ki, Grécia, 1997: “[...] a Educação é muito mais do
os principais envolvidos em todas as propostas, as que informação, muito mais do que conhecimento.
instituições de educação formal, as instituições de A Educação fornece a todas as mulheres e homens
educação ambiental, que, no Brasil, são em geral do mundo a capacidade de gerir as suas próprias
Organizações não-Governamentais e as Instituições vidas, e de reter a sua soberania pessoal” (apud
de Ensino Superior. MALHADAS, 2001, p.7). Além disso, conforme
Embora a Agenda 21 permaneça quase apontamos em trabalhos anteriores:
esquecida e desconhecida pela maioria dos pes-
quisadores e professores brasileiros, há algumas A consciência ecológica vai além da Educação
reflexões e projetos isolados que a tomam como Ambiental, acompanhando o desenvolvimento
objeto e diretriz. Por exemplo, subsidiada pelas da sociedade. Nela, os preceitos éticos, na visão
ações e propostas da Agenda 21, Malhadas (2001, sistêmica e holística do ambiente e do homem, são
p.18) faz uma das poucas elaborações de sua apli- postos em relevo, contribuindo para o estabeleci-
cação, direcionada à prática educativa. Ela aponta mento de uma relação distinta da sociedade com a
para uma dupla ação: conscientização e educação natureza, superando as dicotomias estabelecidas
ambiental, visando a sustentabilidade. Ela traça a pela ciência moderna. (Marandola Jr. &
palavra chave, ação, pois “[...] agir e promover a Ferreira, 2001a, p.22)
ação ambientalmente e culturalmente correta é o
dever de todo o educador, de todo o líder comuni-
tário e, por extensão, de todos os cidadãos”. Desta Desta forma, a Consciência Ecológica é um
forma, o seu projeto de re-orientação da educação passo à frente em relação à Educação Ambiental,
para a sustentabilidade tem como base a cons- por deslocar o ponto focal para a relação do homem
cientização pública, utilizando-se de mecanismos com seu meio na perspectiva de sua visão de mundo
interdisciplinares, enfocando o educador para que e de sua própria ética. A crítica a esta racionalidade
possa aplicar adequadamente os conhecimentos, estabelecida juntamente com o modelo ocidental
valores, habilidades, perspectivas e os tópicos de desenvolvimento pautado na modernidade têm
especiais. Nesta perspectiva, a autora afirma que de ser os pilares de uma conscientização coletiva,
a população necessita do conhecimento básico, que transcende a ciência, de que existem problemas
tanto das ciências naturais quanto das sociais e ambientais. A Consciência Ecológica deve trazer

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as perspectivas amplas das dinâmicas físicas, bio- orientadas sob uma perspectiva consciente, podem
lógicas, sociais e econômicas que envolvem nosso dar origem a uma nova postura ética, e culminar na
Bioma maior, o próprio planeta. Uma natureza hu- conformação da Consciência Ecológica. Esta cons-
manizada, que não é dependente nem independente, ciência é mais do que se preocupar com o ambiente;
e sim, interdependente. É de um resgate do holis- ela implica na internalização de uma mentalidade,
mo e da concepção sistêmica que estamos falando. incorporando à personalidade e à visão de mundo,
De uma visão que priorize o homem, mas que não individual e social, o comportamento responsável.
justifique a destruição dos ecossistemas. Neste Neste sentido, a Educação Ambiental tem de ser
processo, a educação formal é limitada, sendo ne- trabalhada não apenas de forma interdisciplinar,
cessário a transformação nas bases do pensamento, como também de maneira a transpor as barreiras da
para que haja esta tão aclamada “conscientização” educação formal, significando uma nova concepção
pública apontada pela Agenda 21. do modelo produtivo e de visão de mundo. Esta é
A ética é colocada como fundamental nesse uma forma de avançar na Educação Ambiental,
quadro, devido ao seu caráter profundo no sistema buscando alcançar um patamar além do simples
econômico, político, cultural e ideológico, os quais ensino das questões ambientais, rumo à formação
gerem o modelo de racionalidade e desenvolvimento da Consciência Ecológica, pautada na responsabi-
vigente. Assim, Leff (2000, p.74) demonstra o papel da lidade referente à vida.
ética ambiental na conformação de uma racionalidade Há quase 30 anos que a questão do ensino
produtiva e de práticas de produção e consumo: escolar da Geografia já vinha sendo colocada como
um importante eixo na compreensão do ambiente.
La ética ambiental propone um sistema de valores Neste aspecto, é importante retomar a obra de
asociado a una racionalidad productiva alternativa, Debesse-Arviset “L’enviromnement à l’école (une
a nuevos potenciales de desarrollo y a una diver- révolution pédagogique)”, traduzida em 1974 como
sidad de estilos culturales de vida. [...] Se trata de “A escola e a agressão do meio ambiente - uma re-
ver los princípios éticos del ambientalismo como volução pedagógica”, onde o autor propõe mudan-
sistemas que rigen la moral individual y los dere- ças nas concepções do ensino escolar da Geografia,
chos colectivos, su instrumentación em prácticas visando um preparo mais integrado do homem,
de producción, distribuición y consumo, y em na compreensão do seu ambiente. Segundo suas
nuevas formas de apropriación y transformación expressões, a obra repousa “[...] na experiência de
de los recursos naturales. quarenta anos de magistério em estabelecimentos
um pouco livres do programa escolar, e onde os
efeitos dos métodos empregados com as alunas-
Além disso, sem uma nova ética que permita professoras eram postos imediatamente à prova,
ver o planeta como um grande sistema, interliga- mediante a aplicação que estas faziam dos referidos
do e interdependente, é impossível construir uma métodos nas escolas anexas, onde lecionavam”
nova visão de mundo que atenda à necessidade (Debesse-Arviset, 1974, p.124). Não se trata,
de sustentabilidade da sociedade humana. Nesse portanto, de mais uma obra indicando a necessidade
sentido, “[...] a noção de cultura, sua diversidade, de uma revolução no ensino, mas é fruto de uma
respeito e consideração ao próximo no seu sentido longa experiência teórico-prática.
mais amplo [...]”, são questões fundamentais para o O autor apresentava, à época, quatro itens
avançar a esta ética e Consciência Ecológica. (Ma- para uma boa formação educacional geográfica,
randola Jr. & Ferreira, 2001b, p.267) contemplando conteúdos e atitudes para a formação
de um “espírito crítico construtivo”, expressão de
Geografia, Educação e Ética: Ho- Piaget, na promoção de um “novo humanismo”:
rizontes formação de um espírito experimental; formação
de uma noção de espaço adaptada ao nosso tempo;
A interface entre a Geografia e a Educação,
educação de uma forma de raciocínio e reencon-
em conjunto com outras ciências e formas de saber,
trando o sentido da natureza. Esses itens foram pro-

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postos tendo-se em vista que, desde a Renascença, dos fenômenos. A paisagem traduz-lhe as variações
a nossa educação teve como finalidade tornar “o e o ritmo. Entretanto, esta noção adquire ainda uma
homem mais homem” pelo estudo da Literatura, importância maior no domínio econômico, onde
das Artes, da Filosofia, da História e de um pouco as qualidades do espaço dependem imediatamente
de Geografia. E, na opinião do autor, se a impren- da rapidez e do custo do intercâmbio. São noções
sa, o rádio e a televisão subtraíram à Geografia bem difundidas no ensino da Geografia. Porém, a
Escolar uma parte de seu interesse, certamente adaptação de qualquer fenômeno ao nosso tempo
não a substituíram como instrumento de formação nem sempre é feita de forma mais acurada no sen-
do espírito. Assim, como foi assinalado anterior- tido da formação de um espírito capaz de entender
mente, a questão da consciência do indivíduo, os e de fazer relações entre o passado e o presente, na
fundamentos da sua formação e o agir sempre es- perspectiva de se compreender o futuro próximo.
tão relacionados, portanto, “conhecer para agir” é A Geografia pode, juntamente com outras
um dos fundamentos da formação da consciência. disciplinas, desenvolver uma forma de raciocínio
Dar aos adolescentes um capital intelectual que e hábitos de pensar fortalecedores do julgamento,
os tornem aptos a compreender qualquer meio e objetivando a educação de uma forma de racio-
empreender uma ação criadora na sociedade só é cínio. Debesse-Arviset registra que a Geografia
possível com o relacionamento com seu ambiente, pode favorecer o desenvolvimento intelectual dos
conduzindo-os à análise das relações que se acham escolares quando são adotados métodos educativos
em jogo, à reinvenção dos liames geográficos, da arte da análise e do rigor racionais. Entre as letras
que é preciso respeitar ou utilizar, como colocou e as matemáticas, deveria haver lugar, em nosso
Debesse-Arviset. ensino, para uma cultura fundada na observação das
Como se procede para uma boa formação de coisas da vida, a biologia no sentido etimológico. A
um espírito experimental? Ainda é verdade que, reflexão é uma das principais características para a
apesar dos contínuos progressos no domínio das formação de uma forma de raciocínio. O estudante
ciências, “[...] nossos métodos de ensino, em uma de Geografia pode receber, pelo estudo do ambien-
civilização que se baseia enormemente nas ciências te, uma educação racional que nada fica a dever ao
de experiência, negligenciam quase que totalmente verbalismo, mas tudo à pesquisa, ao esforço pessoal
a formação do espírito experimental entre os alu- de descoberta e de opções. Certamente, esta moda-
nos” (PIAGET, apud DEBESSE-ARVISET, 1974, lidade de transmissão dos conhecimentos será mais
p.114). Partir da observação do ambiente é exercí- lenta que a recitação dos manuais, porém, incitará
cio de atenção, da aptidão para distinguir o essen- o pensamento a uma construção, ou a uma recons-
cial do contingente; é uma incitação no sentido de trução inventiva e prudente. Segundo o autor, “[...]
se imaginarem aproximações probantes, esboço de há mais caminhos na educação das inteligências do
generalidade. Cada um descobre os efeitos de sua que o admitem as nossas tradições” (DEBESSE-
ação no meio físico, biológico, humano e seu poder ARVISET, 1974, p.120-121). O autor finaliza este
às vezes destrutivo, assim como a possibilidade de item observando que o “pensar junto”, em causas
contribuir para uma nova beleza. Assim, para uma múltiplas e nem sempre suficientes, pode exercer
educação do espírito, importa inverter a ordem uma dialética que não se confunde mais nem com a
dos fatores, tal como é proposta pelo autor, e ir da demonstração matemática nem com a compreensão
observação à explicação. literária. É, portanto, importante que se exercite
Na concepção do autor, quanto à formação o aprendizado do “[...] sentido das imperfeições
de uma noção de espaço adaptada ao nosso tem- inerentes ao raciocínio [...] e que as realidades são
po, o importante é reconhecer que a Geografia não sempre mais complexas do que podemos prever”.
desenvolve por igual todas as qualidades do pensa- O tempo, submetido à velocidade, já não
mento: tem ela seu domínio específico, que se ma- tem duração, e é fundamental que se reencontre
nifesta pela apresentação de uma melhor concepção o sentido da natureza. Os nossos antepassados,
do espaço. Toda explicação do meio geográfico em contato com a natureza, a organizavam, isto é, a
integra o fator “tempo” pela antiguidade e duração poupavam. Segundo Debesse-Arviset (1974, p.121

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e segs.), não iremos reencontrar esta sabedoria, integração dos sistemas que abrangem tanto o meio
a não ser em um plano novo: por uma educação físico quanto social, pode ser um caminho para a
que forme homens aptos a se tornarem senhores concretização dos projetos e propostas delineadas
benfeitores do meio terrestre, e isto graças a um há 10 anos na Agenda 21. Colocar a Geografia
conhecimento e a uma nova compreensão das for- neste contexto, como disciplina escolar e científica
ças que o modelam. Assim, o estudo do meio, “[...] e como conhecimento de mundo que, através de
acarretando uma conscientização da fragilidade sua prática e categorias de análise, pode priorizar
da biosfera, pode despertar nos moços um novo a visão integrada do ambiente e potencializar uma
sentimento de natureza”. postura ética em relação ao meio, é de extrema
Colocadas estas questões, a disciplina importância para que, num âmbito geral, a Cons-
Geografia não é mais apenas um instrumento de ciência Ecológica possa ser globalizada.
informação, mas também de formação do espírito Um dos caminhos a ser trilhados na confor-
e do intelecto. Um alerta que foi feito há cerca mação destas idéias, é a busca da maneira ecoló-
de 30 anos por Debesse-Arviset, aqui retomado gica de ser, fazer e pesquisar, conforme registra
sucintamente, lembra-nos que as questões da Alves (2002, p.10 e segs.). Segundo a autora, esta
formação do ensino e a compreensão do mundo maneira não está posta em uma vitrine para quem
em que vivemos, como também questões cruciais queira comprar, pois precisa ser tecida nas múltiplas
do ambiente e a própria qualidade de vida hoje redes prático-teórico-práticas existentes nos múl-
tão comentadas e faladas, tanto na mídia quanto tiplos e variados cotidianos de que participamos,
nos meios intelectuais e não intelectuais, não são colocando a necessidade da aproximação das dife-
frutos dos “perigos ambientais” ou degradações rentes e dos “diferentes”, que se questionem com
do ambiente, mas são questões que estão na raiz seus olhos de outro, indispensáveis, se queremos
das revoluções pedagógicas que devem ser feitas enxergar nossas zonas cegas. A formação de uma
no seio de todas as disciplinas e conhecimentos rede de subjetividades, surgida de diferentes, ou
acumulados, a caminho do “diálogo de saberes”. seja, de pessoas tanto do meio acadêmico como de
A re-ligação entre ética e Educação Am- todos os outros níveis de organicidade social (po-
biental é um ponto focal nestas reflexões sobre o lítico, econômico, social, religioso, local, cultural,
ambiente, a Geografia e a Consciência Ecológica. vizinhança etc.) é apontada como uma forma de,
Grün (2000, p.111) destaca que a tarefa da Educa- de uma maneira ecológica, formar o que desejamos
ção Ambiental é dupla, sendo necessário primeiro para nós como pessoas e como humanidade. É uma
vencer os obstáculos epistemológicos, conforme busca pela responsabilidade e pelo compromisso,
apontamos, que se refletem no cartesianismo e no num re-pensar de nossas próprias estruturas de
arcaísmo (bases filosóficas da modernidade), para pensamento, raízes de nossas ações.
depois construir as bases de responsabilidade e Este caminho se entrecruza com nossos co-
consciência das pessoas com respeito ao ambiente tidianos, no espaço da vivência imediata e global,
e à própria humanidade. A ética não se apresenta onde nossas experiências são experimentadas. E,
apenas como fundamento epistemológico, mas tratando-se de questões que envolvem o conhe-
também como fim, considerando tanto a vida cimento e o seu desenvolvimento, a Escola, ou
humana quanto extra-humana (ZANCANARO, melhor, a Educação, formal e informal, ainda se
2000). Esta é a postura ambiental ética que, apli- coloca com posição focal em todo este processo de
cada à educação, pode proporcionar, em longo re-pensar as estruturas firmadas pela modernidade,
prazo, a conformação de uma Consciência Eco- buscando transpor as fragmentações e as estruturas
lógica, que considere tanto as limitações quanto a rígidas que dificultam o contato e o diálogo entre
magnitude dos sistemas físicos em suas relações pessoas e conhecimentos, com preocupações éticas
de interdependência com os elementos ecológicos e humanas. É um esforço de, como postula Morin
e antrópicos. (2001, p.47 e segs.), ensinar a condição humana,
A ética, aplicada junto com programas e através do conhecimento do ser humano e de sua
objetivos estabelecidos, visando a conformação da posição no mundo, na sua unidualidade, não sendo

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completamente biológico nem cultural, mas ambos Nota
ao mesmo tempo, e envolvido em um universo 1. A sociedade moderna de hoje é denomi-
individual e outro social, além do universo das nada globalizada, superando a dualidade ocidente-
intersubjetividades. Ensinar a identidade terrena oriente, conforme Heller. A autora mostra como
é outra tarefa do educador do futuro, segundo o que, apesar de suas diferenças históricas, culturais,
autor. É o ver-se no mundo, nesta era planetária de ideológicas, religiosas etc., a modernidade coloca
incertezas, aprendendo a conviver com esperança estas duas “civilizações” que por séculos tiveram
consigo mesmo, com as outras pessoas e com o seu desenvolvimento material e cultural indepen-
planeta. dentes, a formar uma única sociedade, global e
Toda esta complexidade aponta para a res- dominada pela mesma racionalidade. Confome
ponsabilidade que os educadores tem no trabalho Guiddens (1991, p.69), “[...] a modernidade é
com o desenvolvimento do conhecimento e, no inerentemente globalizante”. Este aspecto da glo-
caso da Geografia, uma tarefa riquíssima, por tra- balização é por alguns delimitado como sendo a
fegar por todas as esferas que Morin aponta com própria essência do processo e, por outros, como a
sendo necessárias à educação do futuro. Tanto ao homogeneização ou massificação.
se pensar a condição humana quanto à identidade
terrena, a Geografia coloca-se no seu campo cien- Referências
tífico, escolar e como conhecimento de mundo,
como indispensável para se re-pensar o consenso ALTVATER, E. Os desafios da globalização e da
estabelecido e para re-estabelecer a relação homem- crise ecológica para o discurso da democracia e
homem, homem-sociedade e homem-meio. dos direitos humanos. In: HELLER, Agnes et
Colocamos um agudo pensamento registrado al. A crise dos paradigmas em ciências sociais
por Debesse-Arviset (1974, p.126), quando obser- e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro:
vou que a Geografia, situada na encruzilhada das Contraponto, 1999. p.109-153.
Ciências Humanas e das da Natureza, pode desen- ALVES, N. Prefácio. In: LOUREIRO, C. F. B.;
volver um espírito crítico construtivo convidando- LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S. de (orgs.)
nos a um novo aprendizado que postule novas Educação ambiental: repensando o espaço da cida-
relações com a natureza, pois, do contrário “[...] dania. São Paulo: Cortez, 2002. p.9-14.
se a geografia escolar recusar semelhante ponto de
BORN, R. H. Caminhos, descaminhos e desafios da
vista, surgirá uma disciplina que, com o nome de
Agenda 21 brasileira. Debates socioambientais, São
ecologia, ou de meio ambiente, ou outro qualquer
Paulo, ano IV, n.11, p. 9-11, nov./fev. 1998/1999.
tirado da naturologia, a isso proverá, em seu lugar.
E, se a escola não o quiser, a mocidade o descobrirá. CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE
Ela já está nesse caminho”. São palavras e práticas MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO.
observadas quando nem se pensava no grande en- Agenda 21. Curitiba: IPARDES, 2001. 260p.
contro de Estocolmo.
DEBESSE-ARVISET, M.-I. A escola e a agressão
No entanto, a Geografia não é um “barco de
do meio ambiente: uma revolução pedagógica.
salvação”, nem fará nada sozinha. Como destacado,
Tradução de Gisela S. de Souza & Hélio de Souza.
o esforço é pela complexidade e pelo transcender
São Paulo: Difel, 1974. 129p.
de consensos e fronteiras, conforme as palavras
significativas de Reigota (2001, p. 8): “Trabalhar as DIAS, G. F. Educação ambiental: princípios e prá-
questões ambientais na escola, desde que não seja ticas. 2ed. São Paulo: Gaia, 1993. 400p.
no contexto de uma única disciplina é, e será sempre FERREIRA, Y. N. Metrópole sustentável? Não
uma proposta bem-vinda quando acompanhada de é uma questão urbana. São Paulo em Perspecti-
preceitos éticos e de busca de melhoria da qualidade va, São Paulo, vol.14, n. 4, p.139-144, out./dez.
de vida da população”. 2000.
O fim ético é este: o bem estar do homem.

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