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ATIVIDADES DE POLÍCIA E USO DA FORÇA

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E USO DA FORÇA

SÉRGIO CARRERA NETO


DANIELE ALCÂNTARA
FREDERICO AFONSO IZIDORO
(Organizadores)

André Luiz Araújo Portela Luiz Carlos Magalhães


Carlos Alberto Gurgel Veras Luiz Gustavo Danzmann
Carlos Roberto Guimarães Rodrigues José Gomes Monteiro Neto
Ederson Reis da Rocha Mainar Feitosa da Silva Rocha
Edson Dias Santos Marlene Inês Spaniol
Eugênio Coutinho Ricas Onivan Elias de Oliveira
Fagner de Oliveira Dias Paulo Augusto Aguilar
Flávio Silvestre de Alencar Paulo Henrique Barbosa
Frederico Afonso Izidoro Rosana Siqueira Galvão Corvoisier
Gleidison Antônio de Carvalho Rodolfo de Oliveira Feitoza
Giuvany P. Menegassi Bastos Sérgio Carrera Neto
Gustavo Dias de Oliveira Junior Temístocles Telmo Ferreira Araújo
Henrique de Souza Lima Júnior

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Copyright © 2020 by Organizadores e Autores

Todos os direitos reservados. Vedada a produção, distribuição, comercialização ou cessão sem


autorização do autor. Os direitos desta obra não foram cedidos.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

Foto de Capa
Site: www.freepik.com

Capa e Diagramação
Andreza de Souza

Revisão
Sérgio Carrera Neto
Daniele Alcântara
Frederico Afonso Izidoro

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Ficha Catalográfica

A872 Atividades de Polícia e o Uso da Força / Organizadores: Sérgio


Carrera Neto, Daniele Alcântara e Frederico Afonso Izidoro...[et al.]. 1
ed. – Pernambuco: Inoveprimer, 2020.

482 p.: il.

Contém bibliografia ao final de cada capítulo

ISBN: 978-65-87229-17-1

1. Polícia. 2. Uso da Força. 3. Polícia Militar. Polícia Federal.. I.


Carrera Neto, Sérgio. II. Alcântara, Daniele. III. Izidoro, Frederico Afonso.
IV. Título.

351.746 CDU (1999)


Fabiana Belo - CRB-4/1463

Inove Primer – Recife-PE


Projeto Gráfico: Andreza de Souza
Fone: (81) 3039.3959 / 9.86903427
inoveprimer@gmail.com
www.inoveprimer.com.br

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

PREFÁCIO

Em um dos seus discursos, o Presidente da República,


Jair Messias Bolsonaro, disse: “Para que haja prosperidade é
preciso garantir que os cidadãos brasileiros estejam seguros
contra a bandidagem”! Esse pensamento bem demonstra a
importância e a influência da segurança pública na vida dos
cidadãos e essa conclusão é a constatação resultante da
observação do dia a dia dos homens e mulheres de bem, os quais
são os verdadeiros responsáveis pela produção de riqueza no
nosso país.
O clamor social por segurança se intensificou nos
últimos anos diante da escalada da violência no Brasil; fruto de
políticas públicas equivocadas que acabaram impondo às
instituições responsáveis pela garantia da segurança pública (e,
obviamente, aos seus integrantes), um desgaste profundo e o
dispêndio de esforços no sentido de promover uma inevitável e
constante readaptação. Além disso, a dinâmica social e as ações
cada vez mais ousadas dos criminosos impactaram
significativamente o ramo da segurança pública. Um lado
positivo nisso é que as dificuldades fizeram com que nossas
instituições se reinventassem e se sobressaíssem mais
preparadas e fortes.
Por tocar diretamente a vida de todos os cidadãos, o
tema atrai muita atenção para si e se torna um dos temas

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

preferidos da imprensa e também de “especialistas”. Ocorre que,


para entender e lidar com a complexidade dos elementos
influenciadores da segurança pública, deve-se aprofundar no
estudo das variáveis e atores, bem como das causas e
consequências, de modo a assegurar ações bem-sucedidas por
parte do Estado e, também, de outros ramos da sociedade sobre
essa temática. Desta forma, o incentivo a obras como esta que o
leitor tem agora em mãos é crucial para evitar empirismos nos
debates.
Conhecer profundamente os principais aspectos da
atividade policial, fator decisivo para fazer frente aos problemas
da segurança pública, propiciará que os desafios sejam
enfrentados com maior serenidade, que as oportunidades sejam
aproveitadas ao máximo e que os meios disponíveis sejam
utilizados de maneira eficiente e eficaz. A divulgação desse tipo
de conhecimento tende a ser um catalisador para o sucesso das
ações de segurança pública e, por conseguinte, para a
prosperidade tão almejada pelo povo brasileiro.
O desenvolvimento e o amadurecimento de pesquisas na
área das Ciências Policiais (ciência que foi recentemente
inserida no rol daquelas oficialmente estudadas no Brasil) é
experimentado nessa obra. Aliás, uma das características mais
marcantes em relação aos pesquisadores e autores que
contribuíram para a elaboração deste livro é que todos eles
possuem uma bagagem prática e plenamente realista sobre os
temas abordados, fruto de suas experiências profissionais.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Sendo egresso da Polícia Militar do Distrito Federal e do


sistema de segurança pública no Brasil, vejo com grande alegria
a multiplicação de obras literárias e de pesquisas científicas
sérias sobre nossas atividades. Os artigos reunidos nesta obra,
produzidos por autores pertencentes às diversas corporações,
demonstram que elas estão repletas de profissionais
possuidores de vasta experiência prática e profundo
conhecimento teórico, transmitindo-nos a certeza de que, do
ponto de vista do capital humano, o Brasil tem tudo para obter a
tal almejada vitória contra a criminalidade.
Nesta obra, o leitor encontrará abordagens bastante
refletidas sobre a aplicação prática dos preceitos dos Direitos
Humanos no exercício da atividade policial; sobre a preparação
policial para o trato com grupos vulneráveis ou minoritários;
sobre o gerenciamento de crises; sobre o uso técnico,
responsável e consciente da força letal e da não letal; sobre o
emprego de instrumentos de menor potencial ofensivo lançados
à partir de plataformas aéreas; sobre processos decisórios em
situações críticas, enfim, uma coleção de assuntos que
demonstrará o quão heroica é a atividade policial em nosso país
e o quanto ela é fundamental para o nosso desenvolvimento
econômico e social.
Parabenizo os autores por tamanha contribuição à
segurança pública, à Ciência Policial e, principalmente, à
sociedade brasileira pois, certamente, um dos principais
caminhos para o aprimoramento e para o contínuo sucesso das

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

instituições responsáveis pela segurança do nosso povo é o


investimento e a divulgação do conhecimento. Parabenizo
também a cada um dos leitores dessa obra pois, interessar-se
pelos temas relevantes da Nação é, sem dúvida, a melhor
preparação para o exercício dos direitos e deveres inerentes à
democracia.
Brasília – DF, em outubro de 2020.

JORGE ANTÔNIO DE OLIVEIRA FRANCISCO


Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral
e Subchefe para Assuntos Jurídicos da Presidência da
República

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APRESENTAÇÃO

Quando soube da escrita desta obra fiquei muito feliz, pois


a atividade policial, com o tempo, tem adquirido seu merecido
espaço acadêmico e vem em boa hora o livro organizado por
exponentes policiais e pesquisadores da área, intitulado
“Atividades de Polícia e o Uso da Força”.
O livro conta com três organizadores, o meu querido amigo
Sérgio Carrera, Major da Polícia Militar do Distrito Federal,
possuidor de grande experiência internacional, por ter sido o único
policial do Brasil, até então, que serviu na sede da Organização das
Nações Unidas, tendo participado de diversas missões
internacionais; o Major Frederico Afonso, Chefe da Divisão de
Direitos Humanos da Polícia Militar do Estado de São Paulo e autor
e coautor de mais de uma dezena de livros; e, a Major Daniele
Alcântara, também autora e pesquisadora, Coordenadora de
Políticas de Prevenção de Crimes contra a Mulher e Grupos
Vulneráveis da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Um traço distintivo deste livro é a escrita exclusiva por
policiais, de um tema extremamente relevante - Atividades de
Polícia e o Uso da Força -, por estar presente no dia a dia do policial
e da sociedade.
Essa importante obra, que contou com a participação de
mais de 20 policiais brasileiros, nos brinda com currículos de
profissionais de segurança pública de alto nível acadêmico e ampla
experiência profissional.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A produção acadêmica por policiais deve ser incentivada,


pois demonstra, tecnicamente, a visão de quem vive a realidade das
instituições e das ruas e, consequentemente, o direito fora da caixa.
A atividade policial possui íntima conexão com os Direitos
Humanos e a razão da existência das instituições policiais é a
preservação da ordem social e da paz, sendo necessário, muitas
vezes, o uso da força para alcançar esse fim.
O uso da força é um tema complexo, possui várias
peculiaridades e uma dinâmica própria, sendo necessário que esse
tema seja amplamente debatido e fomentado pelas instituições de
segurança pública e pela sociedade. Invariavelmente, o uso da força
policial é necessário para a proteção de vidas, do patrimônio e da
sociedade.
Nesse contexto, e como Oficial da Reserva Não Remunerada
da Polícia Militar de Minas Gerais, instituição a qual nutro um
carinho especial e me dediquei por quase 11 anos de minha vida,
chegando ao posto de 1º Tenente, esta brilhante obra apresenta-se
com temas instigantes, o que é facilmente perceptível ao ler o
sumário, e todos artigos escritos por profissionais capacitados,
rigorosamente selecionados pelos organizadores deste livro.
Parabéns aos organizadores desta excelente obra e a cada
um dos coautores que, sem dúvida, somam muito para a atividade
policial, a segurança pública e os direitos humanos.

Rodrigo Foureaux
Juiz de Direito
Autor do site “Atividade Policial”
Oficial RNR - PMMG

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AUTORES

André Luiz Araújo Portela - Sargento da Polícia Militar do Distrito


Federal (PMDF), ex-escrivão de polícia da Polícia Civil de Goiás,
negociador policial pelo Batalhão de Operações Especiais da PMDF,
segurança pessoal com experiência no Governo do Distrito Federal, ex-
segurança pessoal do Embaixador de Israel, graduado em Direito com
pós-graduação em Direito Penal e Direito, Estado e Constituição (Rio
de Janeiro). Professor de Legislação Especial Penal e Processo Penal,
coautor do material de apoio "Saber Direito", publicado pelo Supremo
Tribunal Federal, coautor do livro Legislação Penal Especial na Visão
das Bancas Examinadoras e da Jurisprudência – Editora Vestcon –
2012, coautor de material didático para concursos públicos. E-mail:
portelaluiz.andre@gmail.com.

Carlos Alberto Gurgel Veras - Professor Doutor Associado do


Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília. As
linhas principais de pesquisa são: modelagem numérica de
escoamentos reativos; propulsão aeroespacial, com ênfase em
motores a propelentes híbridos, estato-reatores a combustível sólido;
câmaras de combustão de turbinas a gás com tecnologia LowNOx;
motores de combustão interna, sistemas de gaseificação de biomassa
e carvão.

Carlos Roberto Guimarães Rodrigues - Mestre em Segurança Cidadã


pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS e Instituto
Latino-Americano de Estudos Avançados (UFRGS/IFCH/ILEA/
PPGSeg), Especialista em Segurança Pública e Cidadania pelo IFCH da
UFRGS, Coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar do estado
do Rio Grande do Sul (BM/RS); Professor de Pós-Graduação da
Uniritter e do grupo Verbo Jurídico Educacional. E-mail:
guimacorg@gmail.com.
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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Daniele de Sousa Alcântara - Doutora em Sociologia pela


Universidade de Brasília, em parceria com a Universidade de Lisboa e
o Centre d’Analyse et d’Intervention Sociologiques (CADIS) da L’École
des Hautes Études en Sciences Sociales. Mestra em Educação pela UnB.
Especialista em Segurança Pública e Cidadania pela UnB. Especialista
em Ciências Jurídicas pela UniCSul. Graduada em Educação Artística,
Letras Espanhol e Direito. Membro da Sociedade Brasileira de
Sociologia (SBS). Membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública
(IBSP) e do É membro do Instituto Brasileiro de Segurança e Justiça
(IBRASJUS). Avaliadora do INEP/MEC. Coordenadora de Políticas de
Prevenção de Crimes contra a Mulher e Grupos Vulneráveis da
Senasp/MJSP.

Ederson Reis da Rocha - 1º Sargento da Polícia Militar do Distrito


Federal (PMDF). É técnico em Operações de Choque, Patrulhamento
Tático Móvel (PATAMO) e em Operações Químicas pela PMDF.
Certificado como multiplicador em Armas Elétricas pela então Taser
International. É graduado em Letras pela Universidade Estadual de
Goiás Estácio e Pós-graduado em Língua e Literatura pela
Universidade Estadual de Goiás. E-mail: edersonreis@yahoo.com.br.
Tel.: (61) 9 9970-4416.

Edson Dias Santos - Cabo da Polícia Militar do Estado de São Paulo


(PMESP), atualmente Negociador policial pertencente ao GATE (Grupo
de Ações Táticas Especiais) do 4º Batalhão de Polícia de Choque –
Operações Especiais; Professor e especialista em Gerenciamento de
Crise e Negociação de Crises com reféns e pessoas com propósitos
suicidas em posse de arma de fogo e/ou branca; Psicólogo e professor
Pós-Graduado pela Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista
de Medicina. Possui, dentre os cursos: Gerenciamento de Crise e
Negociação do COT- Polícia Federal (DF- Brasília), Curso de Ações
Táticas Especiais GATE, Gerenciamento de Crises e Negociação de São
Paulo (GATE/SP), Curso de Negociação Policial BOPE (DF- Brasília),
com experiência de negociador policial em centenas de ocorrências
atendidas durante seus 18 anos dedicados ao GATE, entre elas:
ocorrências com reféns, emocionalmente perturbado, mentalmente
perturbado, atirador ativo, suicida e marginal embarricado em local de
difícil acesso.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Eugênio Coutinho Ricas - Delegado de Polícia Federal desde 2003,


atual adido policial federal nos Estados Unidos, professor de Direito
Penal da Escola da Magistratura do Paraná, ex-Diretor de Investigação
e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, ex-Secretário de
Estado da Justiça do Espírito Santo, Ex-Secretário de Estado de
Controle e Transparência do Espírito Santo, Mestre em Gestão Pública
pela Universidade Federal do Espírito Santo, Especialista em
Inteligência de Segurança Pública pela Universidade de Vila Velha,
Especialista em Ciências Criminais pela UNAMA-LFG.

Fagner de Oliveira Dias - Doutorando em Administração com ênfase


em Gestão Estratégica no Setor Público (UnB), Mestre em
Administração com ênfase em comportamento organizacional e
desempenho de equipes (UnB). MBA em marketing (USP). Graduado e
Pós-graduado em Segurança Pública (ISCP), graduado em Física (UnB)
e graduando em Economia (UCB). É membro do grupo de pesquisa em
relações interorganizacionais (GERIR/IOR&N) da UnB. Atua como
professor colaborador da Universidade de Brasília – UnB e Oficial da
Polícia Militar do Distrito Federal – PMDF na patente de capitão.

Flávio Silvestre de Alencar - Capitão da Polícia Militar do Distrito


Federal. Mestre em Ciências Mecânicas – Universidade de Brasília
(UnB) (2018), Graduado em Ciências Policiais – ISCP/PMDF (2009) e
Engenharia Mecânica – Faculdade de Tecnologia - UnB (2006).
Especialista em Patrulhamento Tático, Controle de Distúrbios Civis,
abordagens táticas, AMT (Armamento, munição e Tiro), avaliação de
riscos em praças desportivas e reparo de tubulações industriais com
material compósito. E-mail: f.s.alencar@gmail.com

Frederico Afonso Izidoro – Major da Polícia Militar do Estado de São


Paulo (Chefe da Divisão de Direitos Humanos); Mestre em Ciências
Policiais de Segurança e Ordem Pública; Mestre em Direitos Difusos e
Coletivos; Pós-graduado em Direitos Humanos; Pós-graduado em
Gestão de Políticas Preventivas da Violência, Direitos Humanos e
Segurança Pública; Pós-graduado em Direito Processual; Bacharel em
Direito; Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública.
Professor de Direitos Humanos, Direito Internacional, Direito
Constitucional e Direito Administrativo. Autor de diversas obras pelas

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

editoras Saraiva, Forense, Método dentre outras. Articulista.


Palestrante. E-mail: professor.frederico@uol.com.br; Twitter:
@fredericoafonso; Instagram: @professorfredericoafonso; Facebook:
https://www.facebook.com/fredericoizidoro.

Giuvany P. Menegassi Bastos - Major da Polícia Militar do Distrito


Federal (PMDF), formado pela Academia de Polícia Militar de Brasília
no ano 2000, graduado e pós-graduado em Direito e Gestão de
Segurança Pública, possui especializações como a de Instrutor de
Armamento Munição e Tiro, Instrutor de Uso Legal da Força e da Arma
de Fogo, Radiopatrulhamento, Patrulhamento Tático de Alto Risco,
Salvamento Aquático, Instrutor Avançado de Direitos Humanos,
Negociador, Abordagens Táticas e Tiro Defensivo na Preservação da
Vida-Método Giraldi, Segurança de Autoridades, Swat Tactical
Training, Special Police Tactical, Two Man Tean Tactical, Protection of
National Leadership Management – Diplomatic Security Service, Curso
de Segurança Orgânica, especialista em Logística, contratações e
processos licitatórios.

Gleidison Antônio de Carvalho - É Major da Polícia Militar do estado


do Tocantins e Mestre em Gestão de Políticas Públicas pela
Universidade Federal do Tocantins, possui especializações lato sensu
em Direitos Humanos e Cidadania, Gestão Pública e Direito Civil. É
Bacharel em Direito e Licenciado em Letras. Possui diversos cursos nas
áreas operacional e de gestão. É membro do Instituto Brasileiro de
Segurança e Justiça (IBRASJUS) e participa de grupos de pesquisa em
segurança pública, no fomento às ciências policiais. Foi soldado pela
Polícia Militar de Minas Gerais, desenvolvendo práticas e habilidades
em Polícia Comunitária. Atualmente está na Secretaria Nacional de
Segurança Pública, atuando na área de Políticas para a Sociedade. Tel.:
(63) 98423-4936. E-mail: gleidison@gmail.com

Gustavo Dias de Oliveira Junior – Major da Polícia Militar do Distrito


Federal. Ex-comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais
(BOPE). Coordenador de cursos do uso progressivo da força na PMDF
e Força Nacional. Especialista em Gestão Estratégica de Segurança
Pública pelo Instituto Superior de Ciências Policiais (PMDF) e Análise
de Inteligência pela Escola de Inteligência Militar do Exército.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Henrique de Souza Lima Júnior - É Coronel da Polícia Militar do


estado do Tocantins. Possui especializações lato sensu em Direitos
Humanos, em Ciências Políticas e Estratégia Nacional, em Docência do
Ensino Superior e em Altos Estudos de segurança pública. É Bacharel
em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins. Exerceu as
funções de Corregedor Geral e Chefe do Estado Maior da Polícia Militar
do estado do Tocantins. Atualmente está na Secretaria de Operações
Integradas do Ministério da Justiça, atuando na área de Operações
integradas de segurança pública e de Comando e Controle Nacional. E-
mail: henrique.oficial@hotmail.com.

José Gomes Monteiro Neto – Diretor de País da ONG International


Justice Mission na República Dominicana. Escrivão de Polícia Federal
licenciado. Foi Diretor de Operações da Secretaria Extraordinária de
Segurança para Grandes Eventos – SESGE e Coordenador Nacional do
Centro de Comando e Controle na Copa das Confederações FIFA e na
visita do Papa Francisco ao Brasil, em 2013. Mais recentemente, foi
Adido Policial Adjunto da PF em Buenos Aires, Argentina e Analista da
INTERPOL.

Luiz Carlos Magalhães - Mestre em Ciências da Educação, Bacharel


em Direito, Policial Federal, ex-coordenador do Programa INTERCOPS.
Exerceu as funções de Coordenador de Inteligência e Coordenador de
Análise Criminal da SENASP/MJ. Foi Secretário Municipal de
Segurança em São Luís do Maranhão. Professor da Escola Superior de
Polícia da Academia Nacional de Polícia e professor de Gestão Pública
da Faculdade Laboro.

Luiz Gustavo Danzmann – Mestre em Direito com Menção em


Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra/PT - FDUC.
Especialista em Gestão Estratégica de Segurança Pública (Curso de
Altos Estudos de Oficiais PM) - ISCP/PMDF - UNIS MG. Especialista em
Gestão de Segurança Pública (Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais
PM) - ISCP. Especialista em Uso da Força, Técnicas e Tecnologias
Menos Letais pela Polícia do Equador – Grupamento de Intervenção e
Resgate - GIR. Especialista em Segurança Pública - PUCRS (2008).
Graduado em Direito - UDF (2005). Membro do Núcleo Estruturante
do Instituto Superior de Ciências Policiais - ISCP/PMDF. e integrante

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

de seu Corpo Permanente de Docentes. Atuou como colaborador


eventual junto à FNSP/MJ na Coordenação de Cursos de Uso da Força,
Edição do Mercosul e de Multiplicadores Nacionais. Autor do Livro:
“Legítima Defesa do Policial: limites do recurso a armas de fogo na
atividade policial”. Atualmente é Major da PMDF, Chefe da Unidade de
Segurança Institucional da Vice-Governadoria do DF. E-mail:
gustavo.danzmann@iscp.edu.br

Mainar Feitosa da Silva Rocha - 1º Sargento policial-militar do


Distrito Federal. É técnico em Operações de Choque e Operações
Químicas pela PMDF. Certificado como multiplicador em Armas
Eletroeletrônicas pela então Taser Internacional e pela Condor
Indústria Química. É graduado em Direito pela Faculdade Estácio e
especialista em gestão e logística pública pela PMDF. E-mail:
mainarrocha@gmail.com.

Marlene Inês Spaniol - Pós-doutoranda do PPG em Ciências Criminais


da PUCRS, Doutora em Ciências Sociais do PPGCS da PUCRS, Mestre em
Ciências Criminais pela PUCRS, Especialista em Segurança Pública e
Cidadania pelo IFCH da UFRGS e Justiça Criminal pela PUCRS.
Integrante dos Grupos de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança
e Administração da Justiça Penal (GPESC) e Gestão Integrada da
Segurança (GESEG) da PUCRS, Capitã da Reserva Remunerada da
Polícia Militar/RS, Sócia e Conselheira do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP) e Professora de Pós-Graduação na Uniritter.
E-mail: marlenespaniol@hotmail.com.

Onivan Elias de Oliveira – Tenente-Coronel da Polícia Militar da


Paraíba. Doutor em Ciências Policiais da Segurança e Ordem Pública.
Autor do livro “Você Sabe com Quem Está Falando?”: usando a
Programação Neurolinguística na Aplicação da Lei. Coautor do livro “É
um Assalto!” E se Eu Reagir? Um Guia de Sobrevivência. Primeiro
Comandante do Grupamento de Ações Táticas Especiais
(GATE/PMPB), Comandante Veterano da Companhia de Polícia de
Choque (CPChq) e Comandante do Centro de Pós-graduação e Pesquisa
da PMPB.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Paulo Augusto Aguilar - Major da Polícia Militar do Estado de São


Paulo (PMESP), atualmente no Comando de Policiamento de Choque.
Professor do Instituto Mauá de Tecnologia, do Bacharelado e do
Mestrado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública do
Centro de Altos Estudos de Segurança (CAES) da PMESP. Possui,
dentre outros cursos: Mestrado em Ciências Policiais de Segurança e
Ordem Pública - PMESP; Ações Táticas Especiais - Grupo de Ações
Táticas Especiais da PMESP; Curso de Análise do Terrorismo - Agência
Brasileira de Inteligência (ABIN); Combating Domestic and
Transnational Terrorism - Office of Antiterrorism Assistance, U.S.
Department of State.

Paulo Henrique Barbosa - Delegado de Polícia Federal desde 2003.


Atual Corregedor Regional da Superintendência Regional de Polícia
Federal em Minas Gerais, onde também já exerceu as funções de Chefe
Substituto da Delegacia de Repressão a Drogas, Chefe da Delegacia de
Repressão aos Crimes contra o Patrimônio, Chefe do Núcleo de
Inteligência Policial, Delegado Regional de Investigação e Combate ao
Crime Organizado e Delegado Regional Executivo.

Rodolfo de Oliveira Feitoza - Pós-Graduado em Inteligência Policial


pela Faculdade Integrada (2016), pós-graduado em Inteligência de
Estado e de Segurança Pública pela INASIS (2017); licenciado em
Educação Física pela Universidade Católica de Brasília (2008) e em
bacharel em Relações Internacionais pela UNINTER (2018).

Rosana Siqueira Galvão Corvoisier - Capitã da Polícia Militar do


Estado de Mato Grosso (PMMT), atualmente Chefe da Administração
Sistêmica do 13º Comando Regional. Já exerceu as funções de Chefe da
Divisão de Pós-graduação e Pesquisa da Academia de Polícia Militar
Costa Verde (APMCV), Chefe do Departamento de Justiça e Disciplina
da APMCV e Presidente da Comissão Local de Segurança do Trabalho
da APMCV. Possui, dentre outros cursos: especialização em Políticas de
Segurança Pública e Direitos Humanos (UFMT), Bacharel em
Segurança Pública (APMCV), Bacharel em Direito (UNIC), Curso de
Filosofia dos Direitos Humanos Aplicada à Atuação Policial - VA, Curso
de Atendimento as Mulheres em Situação de Violência. E-mail:

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

rosanacorvoisier@pm.mt.gov.br; Tel.: (65) 99213-2373; IG:


@rosanasgcorvoisier

Sérgio Carrera de Albuquerque Melo Neto - Major da Polícia Militar


do Distrito Federal (PMDF). Mestre em Ciência Política e Direitos
Humanos. É bacharel em Direito, em Relações Internacionais e em
Segurança Pública. Foi negociador de reféns por seis anos, Chefe de
Gabinete do Chefe do Estado-Maior e Comandante de Batalhão.
Integrou 2 missões de paz e outras especiais da Organização das
Nações Unidas. Foi consultor do Alto Comissariado de Direitos
Humanos da ONU e o único policial brasileiro a ocupar cargo na
Divisão Policial na sede da ONU. Professor Convidado da Escola
Judicial do TRT da 14ª Região (EJUD) e consultor Grupo TFI. Autor,
articulista e palestrante. E-mail: meloneto.sergio@gmail.com IG:
@sergiocarreraneto

Temístocles Telmo Ferreira Araújo - É Coronel da Polícia Militar do


Estado de São Paulo – Comandante da Escola Superior de Sargentos -
São Paulo. Doutor, Mestre e Bacharel em Ciências Policiais de
Segurança e de Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de
Segurança - Polícia Militar do Estado de São Paulo. Pós graduado lato
senso em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público, São
Paulo. Professor de Direito Processual Penal, Direito Penal e Prática
Jurídica Penal do Centro Universitário Assunção. Membro nato do
Conselho Comunitário de Segurança Santo André Centro (2007 a
2012). http://temistoclestelmo.jusbrasil.com.br/.

Observação: Os dados disponibilizados sobre os autores, assim como correções


ortográficas e de normas da ABNT e o conteúdo dos capítulos, são de
responsabilidade dos próprios escritores.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 - USO DA FORÇA EM NEGOCIAÇÕES TÁTICAS:


UMA ANÁLISE JURÍDICA DA COAUTORIA NO TIRO DE
COMPROMETIMENTO 23
André Luiz Araújo Portela

CAPÍTULO 2 - ANÁLISE FÍSICO-MECÂNICO DE MUNIÇÕES


QUÍMICAS LANÇADAS DE PLATAFORMAS
HELITRANSPORTADAS 45
Flávio Silvestre de Alencar
Carlos Alberto Gurgel Veras

CAPÍTULO 3 - O USO DA FORÇA E O ENSINO POLICIAL:


UMA ANÁLISE A PARTIR DOS CURSOS DE FORMAÇÃO NA
BRIGADA MILITAR DO RIO GRANDE DO SUL 73
Marlene Inês Spaniol
Carlos Roberto Guimarães Rodrigues

CAPÍTULO 4 - ABORDAGEM POLICIAL COMO


INSTRUMENTO DO USO PROGRESSIVO DA FORÇA PELAS
AUTORIDADES DE SEGURANÇA PÚBLICA NA GARANTIA
DA ORDEM PÚBLICA 101
Temístocles Telmo Ferreira Araújo.

CAPÍTULO 5 - USO DA FORÇA E A LEI 13.869/19 – NOVA


LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE 125
Eugênio Coutinho Ricas
Paulo Henrique Barbosa

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 6 - AS MUNIÇÕES DE IMPACTO CONTROLADO


COMO ALTERNATIVA TÁTICA NO USO DA FORÇA 149
Ederson Reis da Rocha

CAPÍTULO 7 - TIPOLOGIA DO CAUSADOR


EMOCIONALMENTE E MENTALMENTE PERTURBADO EM
INCIDENTES CRÍTICOS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA 165
Edson Dias Santos

CAPÍTULO 8 - O “TRIPÉ DA SEGURANÇA PÚBLICA” COMO


GUIA ESTRATÉGICO NA REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE 193
Fagner de Oliveira Dias

CAPÍTULO 9 - MANUAL NACIONAL DE ATUAÇÃO POLICIAL


VOLTADA À PROTEÇÃO, PROMOÇÃO E EDUCAÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS E DA CIDADANIA 211
Frederico Afonso Izidoro

CAPÍTULO 10 - O NÍVEL BALÍSTICO ADEQUADO


CONTRIBUI PARA O USO DA FORÇA CONDIZENTE 245
Giuvany P. Menegassi Bastos

CAPÍTULO 11 - TAMBÉM MORRE QUEM ATIRA: O USO DA


FORÇA POLICIAL EM CONFRONTOS ARMADOS E
ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO 267
Gleidison Antônio de Carvalho
Henrique de Souza Lima Júnior

CAPÍTULO 12 - O EMPREGO DAS TECNOLOGIAS NÃO


LETAIS PARA OS APLICADORES DA LEI 289
Gustavo Dias de Oliveira Junior

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 13 - USO DA FORÇA EM AEROPORTOS:


COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E O PROGRAMA
INTERCOPS DA POLÍCIA FEDERAL 299
Luiz Carlos Magalhães
José Gomes Monteiro Neto

CAPÍTULO 14 - O DISPARO DE ARMA DE FOGO E A


ATUAÇÃO POLICIAL: O REGIME ESTABELECIDO E O
TRATAMENTO JURÍDICO-PENAL. 323
Luiz Gustavo Danzmann

CAPÍTULO 15 - HABILITAÇÃO NA ARMA DE LANÇAMENTO


DE ELETRODOS ENERGIZADOS: OFICINA PEDAGÓGICA
NA CAPACITAÇÃO DOS DISCENTES DO XI CURSO DE
OPERAÇÕES QUÍMICAS DA PMDF - UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA 345
Mainar Feitosa da Silva Rocha

CAPÍTULO 16 - A VITIMIZAÇÃO POLICIAL COM A PRÓPRIA


ARMA DE FOGO 367
Onivan Elias de Oliveira

CAPÍTULO 17 - PROCESSO DECISÓRIO EM OPERAÇÕES DE


RECUPERAÇÃO DE REFÉNS: DA NEGOCIAÇÃO REAL AO
USO DAS ALTERNATIVAS TÁTICAS LETAIS COMO
SOLUÇÃO 383
Paulo Augusto Aguilar

CAPÍTULO 18 - AS QUESTÕES DE GÊNERO E O USO DA


FORÇA NO PARADIGMA POLICIAL 413
Rosana Siqueira Galvão Corvoisier

21 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 19 - A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA COMO


APOIO A ATIVIDADE POLICIAL COM FOCO NO USO DA
FORÇA 439
Rodolfo de Oliveira Feitoza

CAPÍTULO 20 - OS POLICIAIS E CIDADÃOS CHILENOS


CLAMAM POR SOCORRO:BREVE ANÁLISE DOS
DISTÚRBIOS SOCIAIS SOB A PERSPECTIVA POLICIAL. 461
Sérgio Carrera Neto

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 1
USO DA FORÇA EM NEGOCIAÇÕES TÁTICAS:
UMA ANÁLISE JURÍDICA DA COAUTORIA NO
TIRO DE COMPROMETIMENTO

André Luiz Araújo Portela

O presente capítulo tem por objetivo analisar a atividade


do gerenciamento de crise no que tange ao momento da
autorização do tiro de comprometimento realizado pelo atirador
de precisão frente às normas jurídicas aplicadas no sistema jurídico
brasileiro e em consonância com os preceitos previstos na
Constituição Federal de 1988. Cumpre esclarecer que o propósito
textual consiste na verificação da possibilidade de se haver, ou não,
fato típico por ocasião da ação conjunta entre o negociador, gerente
da crise e o atirador de precisão quando se deparam com uma crise
instalada e unem com vistas ao seu enfrentamento.
É notório, por oportuno, registrar que a análise se reserva
tão apenas a situação jurídica apresentada no campo do
gerenciamento de crise, furtando-se, por conseguinte, do
diagnóstico efetivo das técnicas e táticas operacionais. O presente
texto consiste em se chamar o leitor, seja ele estudante de direito,
apreciador da matéria, policial, gerente de crise ou o próprio
atirador de precisão, à análise da situação jurídica que se perfaz no
momento em que os agentes atuam com o propósito de realizar o
“tiro do sniper”.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Desta forma, o presente artigo convida o leitor a fazer um


“balançar de cabeça” mediante exame, de um lado, do Código Penal
brasileiro, norma vinculante e, de outro, a hipótese concreta em
que se estabelece o chamado tiro de comprometimento. Há crime
em coautoria desses agentes? Existe a chamada exclusão de
ilicitude? Há possibilidade de se haver coautoria de agentes que
estão agindo no cenário da crise? Esses são alguns dos
questionamentos que serão elucidados, tendo em vista as
peculiaridades da atividade, as ordens legais emanadas e o dever
legal de agir.
Desta forma, inicialmente, abordar-se-ão conceitos
basilares de crise, gerente em ação, operadores do cenário,
negociador policial, causador do evento crítico e a figura do
atirador policial de precisão.

DO EVENTO CRÍTICO – CENÁRIO

Há inúmeras formas de se conceituar a crise em si.


Levando-se em consideração o termo no âmbito da análise da
atividade típica policial, tem-se por crise “... um evento ou situação
crucial que exige uma resposta especial da Polícia, a fim de assegurar
uma solução aceitável”. Esse é o conceito idealizado pela Academia
Nacional do Federal Bureau of Investigation – FBI, dos Estados
Unidos da América. Entende-se que este é o conceito mais
respeitado quanto ao tema dentro da atividade policial de
gerenciamento de crise.
Desta forma, levando-se em conta a conceituação
supramencionada, tem-se o seguinte evento crítico, consoante a
hipótese fática a seguir expendida:

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

“Na manhã do dia 20 de agosto de 2008, na cidade de


Ceilândia, Região Administrativa próxima à Capital Federal, R. D. P,
após ter se beneficiado em um “saidão” (saída temporária prevista
na Lei de Execuções Penais), tentou realizar um roubo com emprego
de arma de fogo, calibre .38, em uma farmácia. Entretanto, vendo que
sua ação delituosa estava comprometida, manteve sete pessoas em
cárcere no intuito de se livrar da ação policial.”
Do fato narrado desdobrar-se-ão os demais conceitos para,
ao final, se sugerirem respostas quanto à possibilidade de se haver
a coautoria de agentes policiais no toante ao tiro de
comprometimento, sempre sob a égide da legislação nacional.
Tomando por base o caso narrado, percebe-se que se trata de um
roubo frustrado, porquanto o plano de fuga ou do autor do crime –
doravante denominado como causador do evento crítico – CEC,
não saiu conforme o esperado. Assim, a partir daquele momento, já
não mais se está diante, simplesmente, de um crime de roubo, mas,
além dele, de um crime de cárcere privado, com arma de fogo e com
o indivíduo altamente nervoso, sob efeito de alucinógenos e sob a
real pressão de sair preso ou morto daquele local.
Atrelado a isso, outras figuras surgem no cenário. No
primeiro momento, temos os clientes da loja, os funcionários, os
transeuntes, de modo que resta verdadeiramente instalado o
evento crítico, tendo em vista se estar diante de uma circunstância
fática que exige uma resposta especial da Polícia, a fim de assegurar
uma solução aceitável. A Polícia Militar do Distrito Federal foi
acionada, com a determinação de imediato atendimento ao local.
Tem-se, de um lado, um perpetrador de posse de arma de
fogo e, do outro, sete indivíduos sob a mira de uma arma, coagidos
e proibidos de saírem do local do fato. Do lado de fora do
estabelecimento, uma viatura policial militar acaba de chegar. Esse

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

é o cenário do evento crítico ocorrido na cidade de Ceilândia no ano


de 2008.

DO CAUSADOR DO EVENTO CRÍTICO

O causador do evento crítico é o indivíduo que gerou o


cenário – diga-se, crítico – ora em questão, tratando-se, pois, no
caso acima, do criminoso que se homiziou no interior da farmácia.
Contudo, há inúmeras tipologias de CEC, são eles1:

• Criminoso comum;
• Emocionalmente perturbado;
• Mentalmente perturbado2
• Terrorista.

DO PRIMEIRO INTERVENTOR

O primeiro interventor nada mais é do que aquele que


primeiro tem contato com o evento crítico. Geralmente, consiste em
uma equipe policial que se encontra em patrulhamento na área e se
depara com o evento crítico, assim como a equipe que se conduz à
localidade onde se encontra instalada a ocorrência, conforme
indicação emanada da Central da Polícia.

1 Ainda há a figura do suicida, porém, entendemos que essa tipologia está contida

no emocionalmente perturbado ou no mentalmente perturbado.


2 Nomenclatura utilizada por Edson Santos, negociador do GATE-SP - PMESP,

psicólogo e professor especialista Gerenciamento de Crise e Negociação de crises


com reféns.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Ao primeiro interventor, a doutrina de negociação de crises


estabelece que há ações a serem realizadas, quais sejam: conter,
isolar e negociar.
A contenção é o ato de eliminar a possibilidade de que
aquele evento crítico se propague. Assim, por meio da contenção,
se refrea o CEC naquele local, seja no estabelecimento, em um
quarto, no escritório, na casa, ou seja, no local onde se perfaz o
evento crítico.
A ação de isolar está relacionada à possibilidade de contato
do CEC com o ambiente externo, bem como do mundo externo para
com o causador. Esse isolamento pode ocorrer, por exemplo, com o
corte de energia, com bloqueadores de sinal, entre outras medidas
aptas a, de fato, produzirem o isolamento do CEC com o mundo
externo.
Por fim, no que diz respeito ao verbo negociar, embora haja
o acrônimo CIN (conter, isolar e negociar), aqui vai uma retificação
quanto ao tema. Negociar é uma atividade específica e meticulosa,
devendo ser realizada por um profissional de segurança pública,
doutrinado e forjado para aquela atividade em específico. Não se
deve incentivar a negociação àqueles que não foram instruídos
para tanto. Desta forma, o primeiro interventor vai tão somente
“estabelecer contato” com o causador do evento crítico, não
devendo, sob pena de, potencialmente, tragédia e perdas de vidas,
negociar com outrem.
Assim, após a chegada do primeiro interventor, será
comunicada à Central da Polícia a situação, de modo que, a partir
de então, se montará o “teatro de operações” pelas equipes
habilitadas, geralmente vinculadas às atividades de operações
especiais.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

DO TEATRO DE OPERAÇÕES INSTALADO

Com o teatro de operações instalado, tem-se, então, o


gerente da crise (o responsável pelo planejamento, coordenação,
organização das equipes táticas, bem como tomador de decisões),
o negociador, o time tático e, com eles, o atirador de precisão. É
claro que há outros agentes no cenário, contudo, como o objetivo
do presente artigo consiste na análise de referidos atores, limitar-
se-á, aqui, tão somente, aos referidos agentes.
Voltando ao exemplo outrora colacionado a crise se
encontra efetivamente instalada, com uma negociação em
andamento, um time tático posicionado e o gerente da crise, por seu
turno, atento às mais diversas situações que permeiam o caso
concreto. Têm-se então, ao gerente da crise, as seguintes
alternativas táticas para solução da crise em andamento:

I. Negociação;
II. Manejo de técnicas não letais;
III. Tiro de comprometimento;
IV. Invasão tática.

A negociação, dentro de uma ótica ideal, é denominada


“rainha das alternativas táticas” ou “rainha das intervenções”, isso
porque, com ela, as chances de uma resolução de conflito sem que
haja uma exposição exacerbada do policial se revela, sobremaneira,
majorada. Ademais, sob outra ótica, as chances de o causador do
evento crítico sair com vida diante dessa alternativa tática é
infinitamente maior quando em comparação a situação hipotética
em que a negociação não se revela presente.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Neste momento, deve ser feita a análise jurídica do caso.


Tratava-se, inicialmente, diante do fato da vida exposto, de um
roubo majorado. Contudo, em dado momento, há uma
transfiguração de ato típico do criminoso, agora com objetivo,
inclusive, homicida. Há sete pessoas (funcionários e clientes) sob
seu poder, mantidos em cárcere privado, sob a mira de um revólver
calibre .38 e submissão a constantes ameaças. O criminoso, no
momento, tem uma arma de fogo encostada na cabeça da vítima.
Questiona-se, assim, se não se poderia, por si só, já realizar
o per saltum nas alternativas táticas e se chegar ao tiro de
comprometimento. São inúmeras as variáveis. Porém, de um ponto
de vista didático, poder-se-ia reputar, esta, como uma
possibilidade, desde que estivessem presentes as causas de
exclusão de ilicitude no caso em concreto, hipóteses legalmente
previstas no corpo do Código Penal brasileiro e que, como tais,
afastam a incidência do fato típico no caso concreto, na medida em
que excluem a antijuridicidade da conduta. Vejamos:

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica


o fato:

I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou
no exercício regular de direito.

No caso em análise, arriscar-se-ia aferir que há exclusão de


ilicitude pela legítima defesa de terceiro, pois se entende em
legítima defesa quem, usando, moderadamente, dos meios
necessários para tanto, repele injusta agressão, atual ou iminente,

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

a direito seu ou de outrem. Essa é a previsão constante do art. 25


do Código Penal, in verbis:

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem,


usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem.

A esse respeito, inclusive, cumpre registrar que, com o


advento da novel Lei nº 13.964, de 24/12/2019, que aperfeiçoou a
legislação penal e processual penal brasileira, trazendo, inclusive,
novos paradigmas e institutos no que diz respeito às regras de
ordem material e processual correspondentes, o legislador fez
incidir dispositivo expresso, no Código Penal, que faz menção
justamente à situação ora em cotejo, qual seja, a legítima defesa de
terceiro na atuação de agente de segurança que repele agressão ou
risco de agressão a vítima mantida refém em prática de crimes.
Vejamos, assim, os estritos termos do parágrafo único do art. 25 do
Código Penal:

Parágrafo único. Observados os requisitos


previstos no caput deste artigo, considera-se
também em legítima defesa o agente de
segurança pública que repele agressão ou
risco de agressão a vítima mantida refém
durante a prática de crimes.

Entretanto, se assim se conduzir o agente de segurança,


fato é que sequer se dará início a uma fase de negociação. Entende-
se que, se existe possibilidade, ao menos em tese, de se realizar a

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

negociação, é razoável e oportuno que esta seja manejada a fim de


se intentar a solução do evento crítico de maneira que acarrete
prejuízo minorado a todos os envolvidos.
Outrossim, entende-se que a não utilização do negociador,
quando disponível e viável para o caso concreto, diante de uma
mera “comodidade” em se usar o “sniper” a fim de se pôr termo à
crise de forma mais célere, afronta não somente os termos estritos
da lei, mas a Constituição Federal, na medida em que implica
violação ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa
humana, podendo, assim, legitimar a tipificação penal da conduta
daqueles que assim procederam.
Voltando à análise do fato narrado, o gerente da crise inicia
com a rainha das alternativas táticas. O negociador estabelece o
rapport com o causador do evento crítico e cria-se, então, uma fusão
entre eles. Destarte, tem-se o seguinte: já há um interesse mútuo
entre o negociador e o causador do evento crítico que realiza o
roubo frustrado, qual seja, de se ultimar o teatro de operações.
Comumente, o causador, diante dessa situação, teme pela
sua vida, pois o braço forte do Estado se faz presente no local. Desta
maneira, sair com vida e ser conduzido à autoridade policial, dentro
de um jogo de sopesamento entre perdas e ganhos, pode lhe
apresentar mais favorável. De outro lado, está o negociador, a quem
é preferível usar do manejo das técnicas de persuasão e empatia do
que expor um colega de trabalho à mira de uma arma de fogo.
No caso ocorrido na manhã daquele dia 20 de agosto de
2008, o negociador perdurou na utilização de suas técnicas e táticas
com o causador do evento crítico por aproximadamente 5 (cinco)
horas. Logrou, inclusive, êxito, na liberação de 5 (cinco) reféns,
permanecendo duas vítimas sob a mira do fugitivo do sistema
penitenciário.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Assim, se dá seguimento à negociação até o momento em


que se mantém inerte o prosseguimento das tratativas. Isso porque,
quando o causador do evento crítico se torna irredutível com as
negociações e demonstra que pode dar cabo à sua vida, bem como
à vida de terceiros, pode-se afirmar que a negociação se tornou
frustrada, isso porque, o interesse comum que havia entre
negociador e CEC já não mais persiste a partir de então.
Neste exato instante, convergem-se outras ações emanadas
dos demais atores do teatro de operações no intuito de se obter o
êxito na situação de crise. É inexorável que o interesse doa atores,
desde a origem, é de se salvar vidas. Mas se há um causador da crise
que veicula intento homicida tendo em vista o cerco policial, por
exemplo, deve-se voltar o olhar protetivo do Estado, em especial,
àqueles que estão sob a mira da arma do perpetrador.
Diante dessa situação hipotética, alternativas táticas
exsurgem, sendo a ora em questão, o tiro de comprometimento. O
atirador de precisão, comumente conhecido como sniper, é o
policial, normalmente, integrante das linhas das operações
especiais, que tem por objetivo, além de ser um observador ao
gerente da crise, realizar o tiro no causador do evento crítico no
momento em que é orientado para tanto ou quando há perigo a vida
de outrem.
Existe uma simetria nas ações dentro do teatro de
operações entre o atirador, gerente da crise, time tático e
negociador. Todos estão, geralmente, conectados por rádios
comunicadores para que a comunicação seja realizada de forma
célere.
Assim, diante da situação fática, a partir do momento em
que a negociação se torna frustrada por ausência de rapport e
ainda, diante da verificação de perigo à vida ou à integridade física

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

de terceiros por parte do perpetrador, os interesses de todos na


equipe se convergem em um único sentido.
Dessa forma, nada obstante o negociador já tenha
conhecimento de que a negociação não surtirá mais efeitos
positivos, este permanece no estabelecimento de contato com o
perpetrador, até que as demais alternativas táticas recebam o
devido aval para entrarem em cena.
Já neste momento, o atirador de precisão possui a
aquiescência para agir. O gerente da crise já sinalizou. O negociador
está ciente. Todos, portanto, confluem suas ações para que o sniper
possa ter êxito no tiro, momento em que emerge a seguinte
problemática jurídica: caso o atirador venha a efetuar o tiro de
comprometimento e acerte o perpetrador, este vindo a óbito, quem
será considerado autor do fato típico? É certo afirmar que o autor é
tão apenas aquele que executa a ação (verbo) elencado pelo típico
da figura delituosa?
Para sanear esses questionamentos, devem-se observar os
preceitos basilares do Direito Penal brasileiro no que diz respeito,
essencialmente, ao estudo dos elementos do crime. Na medida em
que se estudam os elementos do crime – fato típico, antijurídico e
culpável e, no âmbito do fato típico, a conduta criminosa, mostra-se
necessária a elucidação das teorias adotadas pelo sistema jurídico
brasileiro no que tange à autoria de um delito.
A priori, parece se tratar de conceituação simples,
porquanto, autor é quem comete efetivamente o crime. Todavia, a
autoria de um delito perpassa o mero exame acerca do sujeito de
quem provém a prática efetiva da ação – ou comissão – constante
do tipo penal previsto no bojo do Código Penal. Extrapola as linhas
do núcleo do tipo e se estende àqueles que participaram, de alguma
forma, para o êxito da ação.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

No Brasil, em consonância com o que se estabelece o art. 29


do Código Penal considera-se autor aquele que realiza o núcleo do
tipo do delito; quem participa de qualquer forma do delito, mesmo
sem realizar, efetivamente, o núcleo do tipo; quem tem o domínio
da vontade da vontade outras pessoas; ou aquele quem tem o
controle organizacional. Nesses termos, vejamos os termos legais:

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre


para o crime incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º - Se a participação for de menor


importância, a pena pode ser diminuída de
um sexto a um terço.

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis


participar de crime menos grave, ser-lhe-á
aplicada a pena deste; essa pena será
aumentada até metade, na hipótese de ter
sido previsível o resultado mais grave.

Doutrinariamente, essa é a conhecida Teoria do Domínio


do Fato, do professor Claus Roxin, o qual preceitua que, ainda que
haja pluralidade de autores ou participação de somenos
importância, todos os envolvidos serão reputados autores do crime
devendo fazer, o juiz, distinção no momento da aplicação da pena.
Perpassado o exame acerca da (co)autoria e verificando-se
que, de fato, todos os agentes que concorrem, de alguma forma,
para a realização do fato típico, são considerados autores, deve-se
debruçar sobre a análise da “coluna” do crime. A teoria adotada no
Brasil quanto ao delito é a analítica e tripartite, ou seja, considera-

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

se crime quando se está diante dos seguintes elementos: fato típico,


antijuridicidade e culpabilidade do agente causador.
O fato típico compõe-se pela tipicidade do fato à norma –
ou seja, a perfeita adequação do que ocorreu com a norma
preexistente –, pela a conduta do agente causador – comissiva ou
omissiva, dolosa ou culposa, nas perspectivas da imprudência,
negligência ou imperícia, pelo nexo de causalidade – que é o elo
entre a conduta e o resultado verificado no caso concreto – e, por
último, o resultado.
A antijuridicidade, ou ilicitude, consiste na contrariedade
da conduta perpetrada com o ordenamento jurídico. Estuda-se a
antijuridicidade por meio de seu exame, a contrario sensu, o que nos
demonstra as suas excludentes e, assim, as hipóteses que culminam
na ausência de sua configuração. São as seguintes as excludentes de
ilicitude, também denominadas causas eximentes, justificantes ou
descriminantes: a) legítima defesa, b) exercício regular do direito,
c) estrito cumprimento do dever legal e d) estado de necessidade.
Perpassado, pois, o estudo da antijuridicidade, segue-se ao
exame na estrutura do crime, da culpabilidade, que é o terceiro
elemento da análise na teoria tripartite. Em tempo, observa-se se o
fato é culpável, ou seja, se o autor tinha a potencial consciência da
ilicitude do fato, se ele é imputável – lembrando que menores de 18
anos, no Brasil, são considerados inimputáveis – e se era exigível
dele conduta diversa daquela praticada.
Analisada, pois, o exame da estrutura do crime e da
configuração da autoria, retorna-se à problemática do exemplo: há
um indivíduo que roubou, com emprego de arma de fogo, um
transeunte e, após a consumação do fato, foge para o interior de um
estabelecimento no intuito de se homiziar da polícia, mantendo
alguns cidadãos em cárcere. A polícia chega, abre-se o teatro de

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

operações, o negociador inicia sua atividade, entretanto, em dado


momento, percebe-se que as tratativas se encontram ineficazes. O
gerente da crise, então, verifica que há um perigo iminente aos
demais cidadãos mantidos em cárcere e, assim, prepara as equipes
para o tiro de comprometimento.
É dado o tiro de comprometimento! Teatro de operações
desmontado, reféns a salvos e o causador de evento crítico
neutralizado. Mas ainda há um problema: quem cometeu o fato
típico? Tem-se, aqui, a cautela de se indagar quem cometeu o fato
típico e não o crime, uma vez que, conforme já mencionado, o
atirador de precisão, no momento do esmagamento do gatilho,
acobertado pela exclusão de ilicitude especificamente em sua
hipótese da legítima defesa de terceiro.
Necessário abrir um tópico para esclarecer que o sniper
jamais agirá sob a espécie da exclusão de ilicitude do estrito
cumprimento do dever legal, porquanto, não há obrigatoriedade de
se efetuar o tiro de comprometimento, mesmo que ele esteja sob
ordem de um comandante ou chefe. Estuda-se, aqui, o Direito Penal
pátrio, e não as normas de hierarquia e disciplina típicas das
organizações militares.
Por outro olhar, também não agirá o sniper com o crivo da
exclusão da ilicitude na espécie exercício regular do direito. São
situações distintas em que não se aplicam ao caso narrado.
Necessário, pois, se voltar o olhar para o exemplo didático: se autor
é todo aquele que pratica o núcleo do tipo ou colabora, de alguma
forma para a execução do delito, pode-se afirmar que o negociador,
gerente da crise e o atirador de precisão são coautores?
Entende-se que a resposta para o questionamento é
positiva. Todos eles serão, de alguma maneira, coautores de um fato
típico. Lembre-se que são elementos do fato típico a tipicidade, a

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

conduta, o nexo causal e o resultado. Sendo assim, percebe-se que


houve a perfeita adequação entre o fato da vida e a norma vigente
e preexistente ao tiro, ou seja, a ação do atirador de esmagar o
gatilho e projetar, por meio dos gases, através do cano do seu rifle,
um projétil, atingindo o bulbo raquidiano do perpetrador, o que se
tipifica como conduta prevista no art. 121 do Código Penal
brasileiro.
Lembre-se que, quanto aos demais autores – negociador e
gerente da crise –, a tipicidade, bem como os demais elementos do
fato típico, perdurará tendo em vista a teoria adotada no CPB, pois,
agiram com um único fim, qual seja, neutralizar o perpetrador. Ou
seja, aquele que, de alguma forma, auxilia o autor sabendo do seu
fim específico, se qualifica por coautor.
Entrementes, a análise não permanece pausada somente
com essa perfeita adequação, pois ainda há outros elementos do
fato típico. Até o presente momento, foi observada tão somente a
tipicidade, devendo-se examinar, a partir de agora, a conduta dos
autores.
Quanto à análise da conduta dos autores, neste momento,
avalia-se se houve dolo ou culpa dos agentes, na medida em que o
atirador, o gerente e os negociadores estavam voltados a essa
conduta. Inclusive, agiram juntos a tal propósito, canalizando suas
respectivas condutas – dolo direto – no intento de se salvar as
demais pessoas que se encontravam em cárcere, mesmo que, pra
isso, fosse necessário agir com o uso da força letal contra aquele
que empunha uma arma contra inocentes.
Ainda dentro da conduta, é sabido que alguns fatores a
excluem, e por conseguinte, não há de se falar em fato típico, são
eles: a coação física irresistível, sonambulismo ou as ações reflexas.
Nenhum desses fatores está correlacionado ao exemplo em estudo,

37 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

o que faz então analisar o terceiro elemento do fato típico, o nexo


causal.
Ainda no exame concernente à conduta, a teoria
prevalecente no Direito brasileiro insere, em seu âmbito, o
elemento subjetivo consubstanciado no dolo ou culpa, de modo
que, no caso hipotético, pode-se afirmar que os agentes agiram
munidos de dolo, e dolo direto, porquanto intentavam obter o
resultado neutralizador do causador do evento crítico.
O nexo causal é o elo entre a conduta realizada pelo agente
e o resultado observado. O perpetrador morreu por qual motivo?
Se há um resultado – morte e uma conduta, deve-se ter uma “ponte”
que liga esses dois elementos, qual seja, o nexo de causalidade. Não
sendo observado, não há de se falar, também, em fato típico.
O resultado é o último elemento do fato típico. O resultado,
no exemplo, é a morte do perpetrador. Agora todos os elementos
do fato típico, primeiro componente da estrutura do crime, foram
analisados. O que deve ser explorado agora é o segundo
componente da estrutura do fato típico, qual seja, a
antijuridicidade.
A exclusão da antijuridicidade do delito faz com que o
crime não ocorra, embora ainda persista, pela análise didática, o
fato típico. Cumpre salientar que para a ocorrência do crime, há de
ter os três elementos, necessariamente, consoante outrora
mencionado – fato típico, antijuridicidade e a culpabilidade do
agente causador, de modo que, caso ocorra a retirada de qualquer
desses elementos, não há de se falar na configuração de crime.
O estudo, no momento, foca-se na antijuridicidade do
delito, o que quer dizer que o fato típico já foi analisado e
preenchidos todos os seus requisitos. A análise é feita por camadas.
Essa observação é de suma importância para a correta

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

compreensão da coautoria dos agentes tão apenas no fato típico e


não no crime.
Quanto à antijuridicidade, e suas hipóteses de exclusão e
levando-se em conta o exemplo trazido ao estudo, tem-se que se
configurar a legítima defesa, quando alguém, no manejo moderado
dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a
direito seu ou de outrem.
No exemplo em análise, há um indivíduo com arma de fogo
apontada para a cabeça da atendente de caixa da farmácia. Em todo
momento, o fugitivo do sistema penitenciário assevera que não
voltará à carceragem e gritava constantemente que iria matar
alguém naquele dia.
Soa, pois, compatível a situação exemplificada com a causa
de exclusão de ilicitude pelo amparo da legítima defesa. E legítima
defesa de terceiros.
Observa-se que o gerente da crise, após mais de 5 (cinco)
horas de negociação, repara que essa alternativa tática já está
frustrada. Existem ainda a entrada do time tático e o acionamento
da equipe sierra3, qual seja, o atirador de precisão.
O atirador recebe o comunicado, então, de que foi dado o
“sinal verde” para o tiro de comprometimento. O negociador, ainda
na posição de comunicação com o perpetrador, já está ciente de que
haverá a interferência do sierra, posicionando-se no melhor local
para tanto e canalizando todos os esforços dos agentes para se
obter o resultado almejado.

3A nomenclatura “sierra” é utilizada nos times táticos como sendo o policial (ou
equipe, pois há a figura do “observador”) responsável pelo tiro de
comprometimento, ou seja, o atirador de precisão.

39 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Quando se fala, então, em conjunto de esforços, há de se


trazer em consideração a possibilidade de coautoria dos agentes.
Mas, surge o seguinte questionamento: como seria, no caso em tela,
essa coautoria?
Se coautor é todo aquele que concorre para o crime, existe
uma pluralidade de autoria no caso. No exemplo, o negociador,
mesmo já sabendo da sua retirada do cenário tendo em vista a
impossibilidade de se manter a negociação em andamento,
persiste, por mais alguns instantes, em comunicação com o
perpetrador.
O cenário se ajeita, os agentes, já sabendo da ação imediata
do atirador de precisão, se dispõem de maneira precisa no
ambiente, o gerente da crise está atento às circunstâncias e, então,
abre-se a contagem na rede de rádio. Todos estão ouvindo e o
negociador posiciona o causador do evento crítico no melhor local
para o perfeito tiro do sierra: “cinco, quatro, três, dois...”. O tiro de
comprometimento é efetuado.
No momento em que o sierra esmagou o gatilho e desferiu
o tiro contra o CEC, também há a perfeita adequação do fato à
norma jurídica. Ali está presente o art. 121 do Código Penal, que
prevê como típica a conduta de “matar alguém”. Essa seria a
tipicidade, elemento contido no fato típico – primeira análise da
estrutura central do crime.
Houve a perfeita adequação à norma, a conduta do sniper,
o nexo de causalidade, bem como o resultado pretendido diante das
ações pretéritas. Logo, há fato típico. Preencheu-se, então, todos os
elementos necessários para se aferir que esse nível estrutural do
crime já não está mais em análise.
Mas há, em um segundo momento de análise, outros
autores dessa tipificação: o gerente da crise, como sendo o autor

| 40
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

intelectual (o mandante), e o negociador que, de alguma forma,


colaborou para o fato. Então, dentro da figura da conduta, inserem-
se o negociador e o gerente da crise, na medida em que agiram, de
alguma forma, para o resultado do atirador de precisão.
Ora, a conduta do negociador, bem como do gerente da
crise, foram cruciais para o resultado? Lembre-se de que não se
examina, neste instante, tão apenas o núcleo do tipo do crime
pesquisado no Código Penal, mas também, as demais ações, que de
alguma forma, influenciaram para o resultado pretendido.
Como afirmado, houve uma agregação de ações dos agentes
policiais para a liberação daquelas duas últimas vítimas que
estavam sob a mira do revólver de R.D.P. Assim, entende-se pela
presença de coautoria desses agentes no que tange ao fato típico
analisando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse sentido, examinando os mais diversos cenários do


teatro de operações, constata-se a peculiaridade das ações policiais
no momento da decisão de se dar continuidade ao tiro de
comprometimento e, por conseguinte, a efetiva neutralização do
causador do evento crítico.
Embora haja a perfeita adequação do fato da vida à norma
jurídica, não há de se falar em ilegalidade na conduta policial
quanto ao atirador de precisão, porquanto sobre ele recai no
momento em que se esmaga o gatilho e se projeta o tiro, o abrigo
legal que emana do Código Penal brasileiro, bem como da
Constituição Federal.

41 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Com isso, entende-se por espúria a afirmação de que o


negociador, gerente da crise e o atirador de precisão são coautores
em delito. Isso porque referida assertiva implica ausência de
análise de todas as camadas estruturais do crime.
Embora, no caso em tela, tenha havido a canalização de
esforços dos agentes de segurança pública para se ter a
neutralização de R.D.P, não se pode afirmar, que os policiais
incorreram de fato típico + antijurídico + culpável.
As três elementares do crime são os seus pilares, devendo
ser observadas, sob o prisma legal. Na falta de qualquer uma dessas
colunas, não há que se falar, por consequência, em crime. Da mesma
forma, se há fato típico, mas pende alguma causa legal de exclusão
de ilicitude, igualmente não há que se falar em delito em espécie.
Na análise do caso trazido neste artigo foram preenchidos
todos os elementos do fato típico, bem como a possibilidade de
coautoria de agentes policiais, passando-se à segunda coluna
estruturante do delito, no intuito de se ratificar a presença do crime
para aqueles agentes, qual seja, a antijuridicidade, quando se
depara, para todos, com a situação de exclusão de antijuridicidade
consubstanciada na legítima defesa de terceiros.
E, caso no momento em que se analisa o segundo pilar do
crime se observa qualquer figura em que obsta a existência de
crime, não se pode mais examinar o grau de culpabilidade do
agente, não se estando legitimado, também, ao exame da, existência
de crime, permanecendo, tão apenas, a figura do fato típico,
entrementes, não antijurídico.
Ou seja, no caso trazido ao estudo, bem como nas demais
ações no teatro de operações, entende-se como forte e inafastável
a compreensão acerca da presença da exclusão de ilicitude pela
vertente da legítima defesa própria ou de terceiros. Por esse

| 42
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

motivo, não se pode afirmar pela coautoria dos agentes policiais,


porquanto não se verifica, na hipótese, ilicitude.
Portanto, não está incorreta a afirmação de possibilidade
de coautoria na análise do fato típico entre o negociador, sniper e
gerente da crise dentro de um cenário de operações lícito. Mas
espúria é a afirmativa de que houve crime no local e os agentes
estariam acobertados pela causa de exclusão de antijuridicidade. É
viciada essa análise. A coautoria só poderá ser observada dentro do
fato não apenas típico, mas criminoso e, jamais, quando presente
alguma das causas de exclusão de ilicitude, hipótese em que se
exclui, do caso, a incidência de crime.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Brasília-DF, Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL, Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Diário


Oficial da União de 31.12.1940

LUCCA, Diógenes & Viegas, Dalle. Alternativas Táticas na


Resolução de Ocorrências com Reféns Localizados. Monografia
do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais - CAO-II/01. 1 Volume.
Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores. Polícia Militar do
Estado de São Paulo. São Paulo, 2002.
LUCCA, Diógenes & Viegas Dalle. Gerenciamento de Crises em
Ocorrências com Reféns Localizados. Monografia do Curso de
Pós-Graduação Lato Sensu em Política e Estratégia – Convênio
NAIPPE / USP / ADESG. São Paulo, 2002.

43 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

SALIGNAC, Angelo Oliveira - Negociação em Crises: Atuação


Policial na Busca da Solução Para Eventos Críticos. Editora
Ícone 1ª edição Brasil, 2011.

SOUZA, Wanderley Mascarenhas. Ações do Policial Negociador


nas Ocorrências com Reféns. Monografia de conclusão de curso.
São Paulo, 2002.

SOUZA, Wanderley Mascarenhas. Negociação de Reféns:


sistematização e manejo das ações do negociado no contexto
da segurança pública. Editora Ícone, 2010.

| 44
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 2
ANÁLISE FÍSICO-MECÂNICO DE MUNIÇÕES QUÍMICAS
LANÇADAS DE PLATAFORMAS HELITRANSPORTADAS

Flávio Silvestre de Alencar


Carlos Alberto Gurgel Veras

O presente capítulo apresenta o estudo do comportamento


físico/mecânico das munições químicas (Condor) GL307, GL 309,
GL 203L e GL 203T utilizadas na Polícia Militar do Distrito Federal,
quando lançadas de aeronaves de asa rotativa e ainda apresenta
uma comparação quando lançados do solo, conforme manual do
fabricante e emprego pelas tropas de choque.
Atualmente, percebe-se que as manifestações populares
estão por diversas vezes mais organizadas, devido a ampla
divulgação pelas redes sociais, e por ventura quando há uma quebra
da ordem pública, pequenos grupos organizados podem realizar
atos de vandalismo em diversos locais simultaneamente, o que
inviabiliza a atuação da tropa de choque em todas esses locais, visto
que doutrinariamente não há a divisão da fração de tropa que está
atuando. Uma boa alternativa para coibir atos de vandalismo,
depredação do patrimônio público e garantir a segurança dos
policiais militares que não dispõem de todos os equipamentos da
tropa de choque é a utilização de aeronaves de asa rotativa para
lançamento de munições químicas.
Para uma possível utilização de munição químicas em
aeronaves de asas rotativas se faz necessário estimar a trajetória, a

45 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

velocidade terminal e energia cinética das munições químicas, isto


é, a velocidade e energia quando tocam no solo, de forma a garantir
a segurança do manifestante. Para se estimar a trajetória da
velocidade terminal, bem como da energia cinética, faz-se
necessário obter o valor do coeficiente de arrasto para cada
munição. Este coeficiente de arrasto depende de vários fatores,
porém os mais importantes são a geometria da munição,
velocidade inicial e ângulo de lançamento.
Dessa forma, realizou-se testes numéricos e práticos para a
determinação dos coeficientes de arrasto para cada munição e
consequentemente, os valores de velocidade terminal e energia
cinética final.

METROLOGIA DA GL 307, GL 309, GL 203L E GL203T

A medição das munições químicas GL307, GL309, os


projéteis lacrimogêneos da GL203L e GL203T foram mensurados
no laboratório de materiais mecânicos do Departamento de
Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília – UnB.
Para a medição dos diâmetros, comprimentos e espessuras
foram utilizados o paquímetro digital Absolute da Mitutoyo com
exatidão de ±0,02mm (≤ 200mm), ±0,03mm (≤ 300mm).

Figura 1 - Paquímetro Digital Absolute Mitutoyo.

| 46
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Para a medição da massa das munições químicas foi


utilizado a balança digital de marca Balmak modelo Linha Brasil,
com exatidão de ±1g, capacidade máxima de 5kg e capacidade
mínima de 20g.

Figura 2 - Balança de Precisão Digital Balmak Modelo Linha Brasil.

Granada GL 307

Figura 3 - Granada GL307.

A granada GL307 é uma granada explosiva de


atordoamento, que combinado uma carga explosiva com uma
substância química produz uma luz ofuscante, que causa

47 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

atordoamento e distração em uma turba. As suas medições são


demonstradas na tabela (1).

Tabela 1 - Medições da GL307.

GL 307
1 2 3 Média Desv. Pad
Diâmetro [mm] 57 57 57 57 0
Altura com EOT [mm] 128,7 128,7 128,7 128,7 0
Altura sem EOT [mm] 104 103,9 104 104 0,0433013
Massa com EOT [g] 182 182 182 182 0
Massa sem EOT [g] 144 144 144 144 0

Granada GL 309

Figura 4 - Granada GL309.

A granada GL309 é uma granada de emissão lacrimogênea


que possui como agente químico CS
(ortoclorobenzalmalononitrila), sendo esta, muito utilizada em
ações de controle de distúrbios civis. As suas medições são
demonstradas na tabela 2.

| 48
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tabela 2 - Medições da Granada GL309.

GL 309
1 2 3 Média Desv. Pad
Diâmetro Máximo [mm] 78 79 81 79 1,0897247
Altura com EOT [mm] 120 120 120 120 0
Massa com EOT [g] 281 281 281 281 0

Massa Após Ativação [g] 184 184 184 184 0

Cartucho com projéteis de emissão lacrimogênea gl 203l

Figura 5 - Cartucho com Projéteis de Emissão Lacrimogênea GL203L.

Figura 6 - Lançador AM637.

49 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A GL203L é um cartucho com 05 (cinco) projéteis de


emissão lacrimogênea que são lançados pelo lançador AM637 ou
AM640. O agente químico é o CS (ortoclorobenzalmalononitrila).
Para efeitos práticos foram medidos somente os projéteis de
emissão lacrimogênea apresentadas na tabela 3.

Tabela 3 - Medições dos Projéteis de Emissão Lacrimogênea GL203L.

GL 203L
1 2 3 Média Desv. Pad
Diâmetro Máximo [mm] 35,67 35,88 35,81 35,79 0,0756086
Altura Máxima [mm] 22,45 23,19 22,76 22,80 0,2627737
Massa Intacta [g] 28,3 28,6 28,97 28,62 0,2373113
Massa Após Uso [g] 18,66 20,54 19,6 19,60 0,6646804

Cartucho com projéteis de emissão lacrimogênea GL


203t

Figura 7 - Cartucho com Projéteis de Emissão Lacrimogênea GL203T.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A GL 203T possui as mesmas características da GL203L,


diferindo somente na quantidade de projéteis que são 03 (três). As
medições dos projéteis são apresentadas na tabela 4.

Tabela 4 - Medições dos Projéteis de emissão Lacrimogênea GL203T.

GL 203T
1 2 3 Média Desv. Pad
Diâmetro Máximo [mm] 35,88 35,9 35,84 35,87 0,0216025
Altura Máxima [mm] 23,7 23,9 23,9 23,83 0,0816497
Massa Intacta [g] 31,74 31 31,5 31,41 0,2669582
Massa Após Uso [g] 13,97 13,99 13,97 13,98 0,008165

DETERMINAÇÃO DO COEFICIENTE DE ARRASTO

Para a determinação das velocidades terminais e energias


cinéticas das granadas, é necessário determinar primeiro os
coeficientes de arrasto de cada granada. Assim, foi realizado o
lançamento das granadas da torre do CTO/CBMDF nas alturas
descritas nas tabelas abaixo até a altura de 45m, e nas alturas de
60m e 70m foram lançadas do helicóptero da PMDF, de forma a
obter os tempos de queda e velocidade média, e com a utilização de
um software de solução de equações algébricas, será determinado
os valores dos coeficientes de arrasto.

51 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

GL 307

Tabela 5 - Resultados Experimentais da GL 307.

Altura [m] TEMPO [s] Tmed Vmed


4,3 0,92 0,83 0,83 0,93 0,92 0,96 0,89 0,76 0,92 0,81 0,88 4,90
6,2 1,12 1,15 1,08 1,32 1,18 1,09 1,09 1,06 1 1,2 1,13 5,49
9,5 1,38 1,36 1,4 1,5 1,4 1,5 1,5 1,42 1,43 1,46 1,44 6,62
12,8 1,86 1,73 1,8 1,65 1,69 1,68 1,7 1,63 1,65 1,8 1,72 7,45
19,3 2,1 2,12 2,05 2,22 2,09 2,03 2 2,03 1,92 2,15 2,07 9,32
26,15 2,43 2,43 2,52 2,49 2,43 2,55 2,53 2,43 2,59 2,49 2,49 10,51
32,7 2,71 2,85 2,65 2,69 2,8 2,82 2,82 2,82 2,85 2,82 2,78 11,75
45 3,1 3,29 3,35 3,25 3,18 3,16 3,26 3,22 3,15 3,22 13,98
60 3,95 3,86 3,95 4,15 3,88 4,1 3,98 15,07
70 4,33 4,13 4,25 4,33 4,12 4,23 16,54

Com os dados obtidos, considerou-se o tempo médio (Tmed)


e a velocidade média (Vmed) para o cálculo do coeficiente de arrasto.
Como as amostras das granadas foram submetidas à queda e
devido a limitação da quantidade de amostras, não foi possível
realizar todos os dez lançamentos nas alturas de 45m, 60m e 70m,
pois elas se danificaram e poderia haver o risco de acionamento.
Assim, utilizando um software de solução de equações algébricas, o
valor do coeficiente de arrasto da granada GL307 é
aproximadamente igual a 0,92.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

GL 309
Tabela 6 - Resultados Experimentais da GL 309.

Altura [m] TEMPO [s] Tmed Vmed


4,3 0,85 0,9 0,82 0,95 0,93 1 0,9 0,88 1,02 0,8 0,91 4,75
6,2 1 1,12 0,89 0,89 1,16 0,92 1,05 1,1 1,15 1,18 1,05 5,93
9,5 1,38 1,45 1,43 1,32 1,5 1,49 1,49 1,59 1,49 1,4 1,45 6,53
12,8 1,9 1,63 1,63 1,62 1,59 1,69 1,69 1,76 1,69 1,69 1,69 7,58
19,3 1,96 2,13 2,13 2,06 2,13 2,09 2,06 2,06 2,06 2,01 2,07 9,33
26,15 2,43 2,36 2,52 2,48 2,54 2,39 2,39 2,43 2,45 2,55 2,45 10,66
32,7 2,69 2,75 2,78 2,93 2,76 2,76 2,7 2,7 2,63 2,78 2,75 11,90
45 3,11 3,34 3,32 3,12 3,25 3,23 3,17 3,25 3,22 3,06 3,22 13,96
60 3,9 4,1 4,16 3,92 4,09 4,03 14,87
70 4,32 4,12 4,16 4,08 4,33 4,20 16,66

Similar ao da granada GL 307, considerou-se o tempo


médio (Tmed) e a velocidade média (Vmed) e o valor do coeficiente de
arrasto da granada GL309 é aproximadamente igual a 0,8.

GL 203L
Tabela 7 - Resultados Experimentais da GL 203L

Altura [m] TEMPO [s] Tmed Vmed


4,3 0,79 0,81 0,72 0,9 0,86 0,8 0,79 0,83 0,93 0,89 0,83 5,17
6,2 1,13 1,16 1,22 1,12 1,12 1,1 1,19 1,22 1,15 1,02 1,14 5,42
9,5 1,43 1,52 1,43 1,53 1,5 1,46 1,43 1,42 1,45 1,53 1,47 6,46
12,8 1,89 1,9 1,64 1,9 1,69 1,73 1,79 1,71 1,7 1,78 1,77 7,22
19,3 2,08 2,03 2,03 2 2,21 2 2,14 2,29 2,2 2,16 2,11 9,13
26,15 2,42 2,55 2,6 2,52 2,55 2,53 2,56 2,5 2,69 2,43 2,54 10,32
32,7 2,73 3,05 2,83 3,03 2,9 2,87 2,93 2,8 2,85 2,78 2,88 11,37
45 3,18 3,46 3,25 3,4 3,32 13,54
60 4,43 4,2 4,29 4,06 4,35 4 4 4,19 14,32
70 4,42 4,5 4,55 4,33 4,49 4,36 4,44 15,76

Semelhante aos casos anteriores, o coeficiente de arrasto


da pastilha lacrimogênea GL 203L é aproximadamente igual a 0,72.

53 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

GL 203T

Tabela 8 - Resultados Experimentais da GL 203T.

Altura [m] TEMPO [s] Tmed Vmed


4,3 0,78 0,68 0,73 0,79 0,78 0,76 0,79 0,85 0,8 0,88 0,78 5,48
6,2 1,38 1,06 1,13 1,15 1,13 1,09 1,35 1,1 1,13 1,03 1,16 5,37
9,5 1,45 1,39 1,35 1,4 1,43 1,46 1,39 1,36 1,36 1,33 1,39 6,82
12,8 1,85 1,76 1,79 1,73 1,73 1,75 1,74 1,8 1,69 1,69 1,75 7,30
19,3 2,05 2,03 2,04 1,93 2,12 2 1,96 2,03 2,13 2,09 2,04 9,47
26,15 2,56 2,42 2,65 2,69 2,65 2,45 2,55 2,59 2,52 2,56 2,56 10,20
32,7 2,9 2,89 2,95 2,82 2,9 2,75 2,64 2,84 2,89 2,73 2,83 11,55
45 3,33 3,1 3,12 3,18 3,16 3,15 3,1 3,19 3,16 3,13 3,18 14,14
60 4,02 4,05 3,83 4,16 3,86 3,96 3,71 3,98 3,98 3,7 3,94 15,22
70 4,26 4,32 4,3 4,25 4,33 4,32 4,66 4,45 4,38 4,33 4,30 16,29

O coeficiente de arrasto obtido para a pastilha


lacrimogênea GL 203T é aproximadamente igual a 0,64.

DETERMINAÇÃO DA VELOCIDADE E ENERGIA


TERMINAL

Para a determinação da velocidade e energia cinética final


das granadas considera-se as seguintes condições de contorno:
a) As granadas GL 307 e GL 309 serão lançadas do repouso,
ou seja, a velocidade inicial igual a 0,0m/s, e nas alturas
de 45m e 70m respectivamente, que são as alturas de
lançamento operacional;

| 54
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

b) As granadas GL 203L e GL 203T serão lançadas de uma


altura de 90m, a uma velocidade inicial e angulação de 0°,
30°, 45°, 60° e 90° em relação ao solo; e lançadas do solo
a um ângulo de 45°, conforme manual do fabricante para
posterior comparação com os resultados obtidos a uma
altura de 90m.

GL 307

Para a GL 307 considerando o diâmetro (D) igual a 0,057m,


a massa (m) igual a 0,144kg, velocidade inicial (V0) igual a 0,0m/s,
altura inicial (Z0) igual a 45m tem os seguintes resultados:
• Tempo para Tocar o Solo: 3,25s;
• Velocidade Terminal: 24,33m/s;
• Energia Cinética Terminal: 42,63J.

24
22
20
18
16
14
v [m/s]

12
10
8
6
4
2
0
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 1,2 1,4 1,6 1,8 2 2,2 2,4 2,6 2,8 3 3,2 3,4
t [s]
Figura 8 - Gráfico Velocidade X Tempo da GL 307.

55 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

GL 309

Para a GL 309 considerando o diâmetro (D) igual a 0,079m,


a massa inicial (m0) igual a 0,281kg, massa após a queima (m) igual
a 0,184kg, taxa de queima (Tq) igual a 0,0039kg/s, velocidade
inicial (V0) igual a 0,0m/s, altura inicial (Z0) igual a 70m tem os
seguintes resultados:
• Tempo para Tocar o Solo: 4,16s;
• Massa ao Tocar o Solo: 0,2648kg;
• Velocidade Terminal: 28,28m/s;
• Energia Cinética Terminal: 105,9J.

30
28
26
24
22
20
18
16
v [m/s]

14
12
10
8
6
4
2
0
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5
t [s]

Figura 9 – Gráfico Velocidade X Tempo da GL 309.

| 56
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

GL 203L

a) SOLO

Para o caso em que os projéteis da GL 203L são lançados do


solo a um ângulo (θ) de 45°, considerando X0 = 0,0m; Y0 = 0,0m; D
= 0,03579m; m0 = 0,02862kg; V0 = 50m/s; Vwind = 0,0; g = 9,8m/s2;
Tq = 0,0003608kg/s; Cd = 0,72, tem-se os seguintes resultados:
• Tempo para Tocar o Solo: 5,42s;
• Massa ao Tocar o Solo: 0,0267kg
• Velocidade Terminal: 22,79m/s;
• Energia Cinética Terminal: 6,921J.

50

45

40

35

30
Y [m]

25

20

15

10

0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 100
X [m]

Figura 10 - Gráfico da Trajetória dos Projéteis do GL 203L


lançada a 45° do Solo.

57 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

b) PLATAFORMA HELITRANSPORTADA

Para os projéteis da GL 203L lançados de uma plataforma


helitransportada a um ângulo (θ) de 0°, 30°, 45°, 60° e 90°; X0 =
0,0m; Y0 = 90m; D = 0,03579m; m0 = 0,02862kg; V0 = 50m/s; Vwind
= 0,0; g = 9,8m/s2; Tq = 0,0003608kg/s; Cd = 0,72, tem-se os
seguintes resultados:
θ = 0°

• Tempo para Tocar o Solo: 5,28s;


• Massa ao Tocar o Solo: 0,0267kg
• Velocidade Terminal: 26,84m/s;
• Energia Cinética Terminal: 9,624J.

Tabela 9 - Resultados Comparativos dos Projéteis da GL203L Lançados à 0°.

GL 203L
0° SOLO DIFERENÇA [%]
TEMPO [s] 5,28 5,42 2,58
MASSA [kg] 0,0267 0,0267 0,00
VELOCIDADE [m/s] 26,84 22,79 15,09
ENERCIA CINÉTICA [J] 9,624 6,921 28,09

| 58
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

100

90

80

70

60
Y [m]

50

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
X [m]

Figura 11 - Gráfico da Trajetória dos Projéteis do GL 203 L


lançada a 0°.

θ = 30°

• Tempo para Tocar o Solo: 3,53s;


• Massa ao Tocar o Solo: 0,0274kg
• Velocidade Terminal: 28,92m/s;
• Energia Cinética Terminal: 11,44J.

Tabela 10 - Resultados Comparativos dos Projéteis da GL203L


Lançados à 30°.

GL 203L
30° SOLO DIFERENÇA [%]
TEMPO [s] 3,53 5,42 34,87
MASSA [kg] 0,0274 0,0267 2,55
VELOCIDADE [m/s] 28,92 22,79 21,20
ENERCIA CINÉTICA [J] 11,44 6,921 39,50

59 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

100

90

80

70

60
Y [m]

50

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
X [m]

Figura 12 - Gráfico da Trajetória dos Projéteis do GL 203 L


lançada a 30°.

θ = 45°

• Tempo para Tocar o Solo: 3,09s;


• Massa ao Tocar o Solo: 0,0275kg
• Velocidade Terminal: 29,77m/s;
• Energia Cinética Terminal: 12,19J.

Tabela 11 - Resultados Comparativos dos Projéteis da GL203L


Lançados à 45°.

GL 203L
45° SOLO DIFERENÇA [%]
TEMPO [s] 3,09 5,42 42,99
MASSA [kg] 0,0275 0,0267 2,91
VELOCIDADE [m/s] 29,77 22,76 23,55
ENERCIA CINÉTICA [J] 12,19 6,921 43,22

| 60
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

100

90

80

70

60
Y [m]

50

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
X [m]

Figura 13 - Gráfico da Trajetória dos Projéteis do GL 203 L


lançada a 45°.

θ = 60°

• Tempo para Tocar o Solo: 2,81s;


• Massa ao Tocar o Solo: 0,0276kg
• Velocidade Terminal: 29,96m/s;
• Energia Cinética Terminal: 12,39J.

Tabela 12 - Resultados Comparativos dos Projéteis da GL203L


Lançados à 60°.

GL 203L
60° SOLO DIFERENÇA [%]
TEMPO [s] 2,81 5,42 48,15
MASSA [kg] 0,0276 0,0267 3,26
VELOCIDADE [m/s] 29,96 22,76 24,03
ENERCIA CINÉTICA [J] 12,39 6,921 44,14

61 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

100

90

80

70

60
Y [m]

50

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
X [m]

Figura 14 - Gráfico da Trajetória dos projéteis do GL 203 L


lançada a 60°.

θ = 90°

• Tempo para Tocar o Solo: 2,6s;


• Massa ao Tocar o Solo: 0,0277kg
• Velocidade Terminal: 28,11m/s;
• Energia Cinética Terminal: 10,93J.

Tabela 13 - Resultados Comparativos dos Projéteis da GL203L


Lançados à 90°.

GL 203L (90m)
90° SOLO DIFERENÇA [%]
TEMPO [s] 2,6 5,42 52,03
MASSA [kg] 0,0277 0,0267 3,61
VELOCIDADE [m/s] 28,11 22,76 19,03
ENERCIA CINÉTICA [J] 10,93 6,921 36,68

| 62
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

100

90

80

70

60
Y [m]

50

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
X [m]

Figura 15 - Gráfico da Trajetória dos projéteis do GL 203 L


lançada a 90°.

GL 203T

a) SOLO

Para o caso em que os projéteis da GL 203T são lançados do


solo a um ângulo (θ) de 45°, considerando X0 = 0,0m; Y0 = 0,0m; D
= 0,03587m; m0 = 0,03141kg; V0 = 44,5m/s; Vwind = 0,0; g = 9,8m/s2;
Tq = 0,0006972kg/s; Cd = 0,64, tem-se os seguintes resultados:
• Tempo para Tocar o Solo: 5,72s;
• Massa ao Tocar o Solo: 0,0278kg
• Velocidade Terminal: 23,64m/s;
• Energia Cinética Terminal: 7,765J.

63 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

50

45

40

35

30
Y [m]

25

20

15

10

0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 100
X [m]

Figura 16 - Gráfico da Trajetória dos projéteis do GL 203T


lançada a 45° do Solo.

b) PLATAFORMA HELITRANSPORTADA

Para os projéteis da GL 203T lançados de uma plataforma


helitransportada a um ângulo (θ) de 0°, 30°, 45°, 60° e 90°; X0 =
0,0m; Y0 = 90,0m; D = 0,03587m; m0 = 0,03141kg; V0 = 44,5m/s;
Vwind = 0,0; g = 9,8m/s2; Tq = 0,0006972kg/s; Cd = 0,64

θ = 0°

• Tempo para Tocar o Solo: 5,09s;


• Massa ao Tocar o Solo: 0,0279kg;
• Velocidade Terminal: 29,49m/s;
• Energia Cinética Terminal: 12,12J.

| 64
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tabela 14 - Resultados Comparativos dos Projéteis da GL203T


Lançados à 0°.

GL 203T
0° SOLO DIFERENÇA [%]
TEMPO [s] 5,09 5,2 2,12
MASSA [kg] 0,0279 0,0278 0,36
VELOCIDADE [m/s] 29,49 23,64 19,84
ENERCIA CINÉTICA [J] 12,12 7,765 35,93

100

90

80

70

60
Y [m]

50

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
X [m]

Figura 17 - Gráfico da Trajetória dos projéteis do GL 203T lançada a 0°.

θ = 30°

• Tempo para Tocar o Solo: 3,46s;


• Massa ao Tocar o Solo: 0,029kg
• Velocidade Terminal: 31,58m/s;
• Energia Cinética Terminal: 14,46J.

65 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tabela 15 - Resultados Comparativos dos Projéteis da GL203L


Lançados à 30°.

GL 203T
30° SOLO DIFERENÇA [%]
TEMPO [s] 3,46 5,2 33,46
MASSA [kg] 0,029 0,0278 4,14
VELOCIDADE [m/s] 31,58 23,64 25,14
ENERCIA CINÉTICA [J] 14,46 7,765 46,30

100

90

80

70

60
Y [m]

50

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
X [m]

Figura 18 - Gráfico da Trajetória dos projéteis do GL 203T lançada a 30°.

θ = 45°

• Tempo para Tocar o Solo: 3,03s;


• Massa ao Tocar o Solo: 0,0293kg
• Velocidade Terminal: 32,4m/s;
• Energia Cinética Terminal: 15,37J.

| 66
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tabela 16 - Resultados Comparativos dos Projéteis da GL203T


Lançados à 45°.

GL 203T
45° SOLO DIFERENÇA [%]
TEMPO [s] 3,03 5,2 41,73
MASSA [kg] 0,0293 0,0278 5,12
VELOCIDADE [m/s] 32,4 23,64 27,04
ENERCIA CINÉTICA [J] 15,37 7,765 49,48

100

90

80

70

60
Y [m]

50

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
X [m]

Figura 19 - Gráfico da Trajetória dos projéteis do GL 203T lançada a 45°.

θ = 60°

• Tempo para Tocar o Solo: 2,75s;


• Massa ao Tocar o Solo: 0,0295kg
• Velocidade Terminal: 32,49m/s;
• Energia Cinética Terminal: 15,57J.

67 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tabela 17 - Resultados Comparativos dos Projéteis da GL203T


Lançados à 60°.

GL 203T
60° SOLO DIFERENÇA [%]
TEMPO [s] 2,75 5,2 47,12
MASSA [kg] 0,0295 0,0278 5,76
VELOCIDADE [m/s] 32,49 23,64 27,24
ENERCIA CINÉTICA [J] 15,57 7,765 50,13

100

90

80

70

60
Y [m]

50

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
X [m]

Figura 20 - Gráfico da Trajetória dos projéteis do GL 203T lançada a 60°.

θ = 90°

• Tempo para Tocar o Solo: 2,55s;


• Massa ao Tocar o Solo: 0,0296kg
• Velocidade Terminal: 30,79m/s;
• Energia Cinética Terminal: 14,05J.

| 68
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tabela 18 - Resultados Comparativos dos Projéteis da GL203L


Lançados à 90°.

GL 203T
SOLO DIFERENÇA [%]
90°
5,2 50,96
TEMPO [s] 2,55
0,0278 6,08
MASSA [kg] 0,0296
23,64 23,22
VELOCIDADE [m/s] 30,79
7,765 44,73
ENERCIA CINÉTICA [J] 14,05

100

90

80

70

60
Y [m]

50

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
X [m]

Figura 21 - Gráfico da Trajetória dos projéteis do GL 203T lançada a 90°.

69 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A granada GL 307 possui uma velocidade terminal de


24,33m/s e energia cinética de 42,63J, valores com baixa
probabilidade de causar morte, caso atinja um manifestante com a
sua não deflagração, contudo, há o risco de lesões. A granada GL
309 apresentou elevados valores de velocidade terminal 28,28m/s
e energia cinética 105,9J, que caso atinja uma manifestante no solo
pode ocasionar graves lesões.
Analisando os resultados dos projéteis da GL 203L e GL
203T de uma plataforma helitransportada verificou-se que entre os
ângulos de 45° a 60° há os maiores valores de energia cinética
comparadas às lançadas a 45° do solo conforme manual técnico.
Dessa forma, a angulação ideal para o lançamento de munições
químicas deve ser entre 0 e 30° ou 70 a 90°. Os maiores valores de
energia cinética, dos projéteis lacrimogêneos das granadas GL203
L e GL203 T lançadas entre 45° e 60° possuem valores menores do
que as granadas GL 307 e GL 309, e consequentemente, caso atinja
algum manifestante, há uma baixa probabilidade de causar óbito,
contudo, por possuir um invólucro de alumínio e possui alta
temperatura durante a liberação lacrimogênea, há o risco de lesão,
assim como se fosse lançado do solo.
Em todo tipo de lançamento de munições químicas para o
restabelecimento da ordem pública, seja em solo ou em uma
plataforma helitransportada, o operador sempre deve ter o cuidado
de garantir a integridade física de manifestantes em atos de
vandalismo. No lançamentos em plataformas helitransportada, o
Maj. PMDF Deroci Barbosa Ximendes Júnior, o 1°Sgt PMDF Mainar
Rocha e o 3° Sgt PMDF André Luiz Cerqueira desenvolveram um

| 70
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

conjunto de protocolos e um procedimento operacional padrão


(POP) para lançamento de munições químicas em aeronaves de
asas rotativas que garantem a segurança dos operadores
embarcados, bem como dos manifestantes em solo, além de
garantir uma maior precisão dos lançamentos, se comparados ao
lançamento em solo.
Assim, o emprego de aeronaves de asa rotativa é uma
excelente alternativa tática nas operações de controle de distúrbios
civis devido à sua grande versatilidade de emprego (manifestações
violentas, reintegrações de posse urbana/rural, presídios
rebelados etc.), rápido deslocamento e grande capacidade de
assessoramento ao comandante de operação. Além da precisão no
lançamento o “fator surpresa” para o manifestante em atos de
vandalismo, torna o seu emprego inovador e cada vez mais
difundido entre as forças policiais brasileiras.

REFERÊNCIAS

ÇENGEL, Yunus A., CIMBALA, John M., “Mecânica dos Fluidos:


Fundamentos e Aplicações” – 3. Ed. – Porto Alegre: AMGH, 2015;

CONDOR, Tecnologias não Letais, “Ficha Técnica dos Produtos”,


2018.

FOX, Robert W., McDONALD, Alan T., “Introdução à Mecânica dos


Fluidos” – 7ª ed. – LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora
LTDA;

POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL, 2005, “Manual de


Operações de Choque”.

71 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2018, “Manual de


Controle de Multidões da Polícia Militar (M-8-PM)”, 5ª Edição.

XIMENDES, Deroci B., ROCHA, Mainar F. S., CERQUEIRA, André L.,


“Emprego IMPO a Partir dos Helicópteros da PMDF –
Procedimento Operacional Padrão (POP)”, POLÍCIA MILITAR
DO DOSTRITO FEDERAL.

| 72
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 3
O USO DA FORÇA E O ENSINO POLICIAL: UMA
ANÁLISE A PARTIR DOS CURSOS DE
FORMAÇÃO NA BRIGADA MILITAR DO RIO
GRANDE DO SUL

Marlene Inês Spaniol


Carlos Roberto Guimarães Rodrigues

O presente capítulo tem por objetivo mostrar como são


apresentadas e ensinadas as disciplinas que tratam do uso da força
policial nos cursos de formação da Brigada Militar do Estado do Rio
Grande do Sul.
O tema educação policial e uso da força recebeu maior
destaque após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988
que inseriu em diversos dispositivos temas ligados à rotina da
atividade do profissional de segurança pública. A atividade de
segurança pública não pode estar descolada do objetivo maior de
sua contribuição social que é servir ao cidadão e zelar por seu bem
estar e sua integridade.
Este tema tem grande relevância social justificada pelo fato
de que estes profissionais, após aprovação em concurso público,
frequentarão escolas de formação policial onde irão aprender seu
ofício para serem aplicadores da lei em nome do Estado. Neste
contexto é imprescindível que o profissional de segurança pública
saiba fazer uso adequado da força policial que a lei lhe faculta.

73 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A metodologia do estudo consistiu na análise bibliográfica


e documental sobre o tema, além dos registros da educação policial
nos órgãos de ensino da Brigada Militar/RS.
O presente trabalho é resultante de um recorte de
pesquisas de pós-graduações realizadas pelos autores, trazendo à
discussão a questão da formação policial, analisando como as
polícias se adaptaram à redemocratização do Brasil no quesito uso
da força. Também são usadas as experiências dos autores como
profissionais no campo da segurança pública, professores e
pesquisadores da área.

AVANÇOS NO ENSINO POLICIAL NO BRASIL PÓS-


REDEMOCRATIZAÇÃO

Desde a Promulgação da Constituição Federal de 1988 é


possível perceber significativa mudança na atuação das polícias
brasileiras, numa clara e necessária adaptação à carta democrática
e cidadã, sendo que estas alterações influenciaram diretamente o
processo formativo dos policiais.
O primeiro avanço neste sentido foi a implantação dos
Programas Nacionais de Direitos Humanos4 que tornou obrigatória
a inserção desta disciplina em todos os cursos e treinamentos dos
integrantes dos órgãos da segurança pública.

4 O Governo Brasileiro, em 1995, inspirado pela recomendação da Conferência Mundial

dos Direitos Humanos - Viena, 1993 - para que cada Estado Membro preparasse o seu
programa de direitos humanos, promoveu um amplo processo de consultas à sociedade
e, com a colaboração de especialistas, iniciou a formulação do Programa Nacional de
Direitos Humanos (PNDH) concluído em 1996, tendo como foco os direitos civis e
políticos, apresentando 228 propostas de ações governamentais a serem
implementadas.

| 74
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Em médio prazo foram previstas, dentre outras ações, o


apoio às experiências de polícias comunitárias ou interativas
entrosadas com conselhos comunitários, para verem o policial
como agente de proteção dos direitos humanos; o apoio aos
programas de bolsas de estudo para aperfeiçoamento técnico dos
policiais e a revisão da legislação regulamentadora dos serviços
privados de segurança, com o objetivo de limitar seu campo de
atuação e; proporcionar seleção rigorosa de seus integrantes e
aumentar a supervisão do poder público.
No ano de 2002, foi criado o PNDH-II que, além do foco nos
direitos civis e políticos, incorporou os direitos econômicos, sociais
e culturais, apresentando 518 propostas de ações governamentais,
enquanto que a terceira e última versão do PNDH foi lançada em 21
de dezembro de 2009, através do Dec. nº 7.037, tendo sido
atualizada na sequência pelo Dec. nº 7.177, de 12 de maio de 2010,
apresentando eixos orientadores, diretrizes transversais e 521
ações programáticas sobre o tema.
Estas ações refletiram em todos os cursos de formação e
treinamentos, constituindo-se os direitos humanos junto com a
ética, a cidadania e a segurança pública, um dos eixos articuladores
da formação policial inseridos na Matriz Curricular Nacional da
SENASP, instituída pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública,
em sua primeira versão no ano de 2003, para todas as ações
formativas dos profissionais da área de segurança pública,
cumprindo o que havia sido determinado no PNDH.
Em 2003, se deu a elaboração e apresentação da 1ª Matriz
Curricular Nacional, pela SENASP, revisada no ano de 2005 e
ampliada em 2014, sendo a versão atualmente em vigor. A
motivação que justificou a criação da 1ª edição desta Matriz foi a
proposição de:

75 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

[...] um conjunto de orientações para o


desenvolvimento de ações formativas visando
situar as atividades educativas no contexto
profissional e social em razão a cada vez mais
exigente demanda de novos conhecimentos,
saberes e habilidades que exija
continuamente novas aprendizagens e que
requer uma integração (BRASIL, SENASP/MJ,
MCN, 2003, p. 5).

A MCN (2003, p.17) buscou padronizar procedimentos no


que se refere aos processos formativos de todas as forças que
atuam no campo da segurança, justificando sua criação ao concluir
que: “Há hoje um consenso da necessidade de um esforço intenso
de abrangência nacional para o aprimoramento da formação em
segurança pública em sua complexidade, que potencializa o
compromisso com a cidadania e a educação para a paz”. Esses
avanços na busca por uma melhor formação foram ampliados na
segunda e terceira versão da Matriz.
Fica claro nos objetivos da MCN que o ensino policial é o
mais eficiente instrumento de mudança de postura das polícias
diante de uma realidade que exige formas de policiar com a
prevenção privilegiando ações que substituam o uso da força em
confrontos.
Sobre a importância do ensino sobre uso da força na
formação policial pós-redemocratização Jacondino e Tombini
assim se manifestam:

De modo geral, o exercício do controle social


feito em sociedades democráticas, por meio
do uso de forças militares, foi se tornando
cada vez mais condenável e inapropriado.

| 76
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Desde modo cresceu a busca por


instrumentos, notadamente os ligados a
formação dos policiais, mais adaptáveis a
estas sociedades como os que se voltam para
o controle da força legal utilizada
(JACONDINO; TOMBINI, 2019, p. 314).

Os autores advertem também que o uso legítimo da força


não pode ser confundido com a truculência e a violência policial,
sendo rechaçado socialmente todo excesso cometido na atividade
de segurança pública. Todo esse cuidado no atendimento de
ocorrências, somente será administrado pelo policial se ele tiver
recebido uma adequada formação acerca da sua atividade e
orientações para tal durante o desempenho do serviço.
Ainda sobre o discernimento do policial entre a distinção
da linha tênue do uso legítimo da força policial e do abuso,
especialmente com a utilização de armamento letal, Jacondino e
Tombini (2019, p. 314) apontam que “o uso da arma de fogo feito
por parte dos policiais, por exemplo, só está autorizado quando se
configurar uma situação que represente perigo iminente de morte
/ ou lesões graves, em defesa própria (do policial) ou de outras
pessoas”, ou seja, seguindo as recomendações da ONU e dos
Princípios Básicos do Uso da Força e da Arma de fogo (PBUFAF).
Estes Princípios Básicos do Uso da Força e Armas de Fogo
aos aplicadores da lei foram adotados, por consenso, em 7 de
setembro de 1990, por ocasião do 8º Congresso das Nações Unidas
sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes,
incluindo na justificativa de sua criação a importância da formação
policial no seguinte aspecto:

77 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

[...] 6. Apela a todos os governos para que


promovam seminários e cursos de formação
sobre a função da aplicação das leis e sobre a
necessidade de restrições ao uso da força e de
armas de fogo pelos funcionários
responsáveis pela aplicação da lei e
estabelece parâmetros para o seu uso: [...] os
policiais, no exercício das suas funções,
devem, na medida do possível, recorrer a
meios não violentos antes de utilizarem a
força ou armas de fogo. Só poderão recorrer à
força ou a armas de fogo se outros meios se
mostrarem ineficazes ou não permitirem
alcançar o resultado desejado. [...]
Instrumentos de controle das polícias serão
instituídos, a exemplo de ouvidorias, cursos
de direitos humanos, empregos de armas não
letais e reformas curriculares. [...]. 20. Na
formação profissional dos responsáveis pela
aplicação da lei, os governos devem dedicar
atenção especial às questões de ética policial
e direitos humanos, especialmente durante o
processo de investigação; as alternativas ao
uso da força e armas de fogo, incluindo a
solução pacífica de conflitos, a compreensão
do comportamento das multidões e os
métodos de persuasão, negociação e
mediação, bem como os meios técnicos,
destinados a limitar o uso da força e armas de
fogo. [...] (ONU, PBUFAF, 1990).

Adorno e Dias (2014, p. 189-190) ao descreverem o


monopólio estatal da violência pelas forças repressivas do Estado,
representadas pelos órgãos de segurança pública, destacaram que
se trata de “um dos maiores desafios ao controle democrático da
violência e, consequentemente, à instauração de um Estado de
Direito nesta sociedade”. Os autores descrevem sobre o uso da
força, mesmo que legítimo, visando o controle social e do desafio de

| 78
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

usá-lo em nome do Estado, razão pela qual a educação policial é


imprescindível.
Tais concessões de utilização legítima do uso da força e da
arma de fogo estão recepcionadas pela legislação processual penal,
todavia mostra-se necessário sempre rever tais conhecimentos em
instruções e treinamentos, pois a prática da atividade e, até mesmo
o mau exemplo de colegas, desenvolvem vícios cuja gravidade pode
redundar em ilegalidade administrativa ou até penal, ou ambas.
Com este mesmo entendimento, Jacondino e Tombini
(2019, p. 315) alertam que “uma observação mais acurada aponta
que estes preceitos jurídicos não são suficientes de per si para
inculcarem uma postura menos truculenta por parte dos policiais”.
Neste sentido, formas de controle da atuação policial têm sido
implementadas nas mais diversas sociedades, sendo que os
esforços têm se concentrado na criação de mecanismos
institucionais de controle da atividade policial. Somente o
conhecimento de que poderá ser responsabilizado pelo proceder
irregular não parece também suficiente, o policial tem que se
conscientizar da necessidade de uma postura proativa, tratando os
cidadãos como gostaria de ser tratado.
No Brasil a superação do modelo de polícia, que prioriza
ações com o uso da força no combate à violência, significou uma
mudança cultural que vem transformando o ensino policial a partir
da entrada em vigor da Constituição Cidadã, trazendo uma maior
abrangência e complexidade, especialmente aos conteúdos dos
cursos de formação, onde outrora eram privilegiadas disciplinas
técnicas e de resolução de conflito social com uso da força física ou
até utilização de armamento prioritariamente e, nesta nova fase,
disciplinas humanas recebem um status de destaque (GUIMARÃES
RODRIGUES, 2020, p. 71).

79 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Ressalta também o autor que todo este esforço tinha como


objetivo mudar o perfil dos profissionais da área de segurança
pública, adequando suas qualidades técnico-profissionais a um
novo momento constitucional, onde as os direitos e garantias dos
cidadãos deviam ser atendidos em todas as áreas do serviço
público, com mais ênfase na segurança pública.
Vale lembrar que, independente da natureza da atividade
da instituição policial e de qual fase do ciclo de polícia ela está
inserida, o importante é que seu treinamento, instrução, formação
e atualização profissional sejam focados no cumprimento da
observância do respeito aos direitos e as garantias individuais
inscritos no texto constitucional.
Neste sentido, ratifica-se posição de Costa e Lima (2014, p.
488) ao destacarem a necessidade de profissionalização dos
integrantes da segurança pública, contexto no qual o uso da força
está diretamente inserido, chamando a atenção para o fato de que
“a criação de escolas e academias de polícia e de cursos e
departamentos nas universidades para lidar com problemas de
segurança pública tem exercido forte influência na reconfiguração
deste campo”, destacando que profissionalizar implica em
desenvolver saberes específicos.

A BRIGADA MILITAR/RS E O SEU PROCESSO DE


FORMAÇÃO POLICIAL

A Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul (BM/RS),


nome pelo qual é conhecida a Polícia Militar neste Estado da
Federação, foi fundada em 1837 e tem como missão “promover a
polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”, segundo o que

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

preconiza o § 5º do art. 144 da Constituição Federal e art. 129 da


Constituição Estadual.
A Constituição Estadual atribui à Brigada Militar
responsabilidade em formar e aperfeiçoar seus efetivos através de
cursos regulares, permitindo a formação, atualização de
conhecimentos específicos legislativos e técnicos e também a
ascensão nos diversos níveis da carreira, neste sentido Rosa (2010,
p. 27) destaca que “com essas definições calcadas nas bases
constitucionais, verifica-se a importância do estabelecimento de
uma estrutura de ensino forte, para o atendimento da
responsabilidade atribuída e delegada pela Constituição, para a
formação e capacitação dos efetivos da corporação”, demonstrando
a preocupação da BM/RS na formação e ensino de seus efetivos.
A história do ensino nas intuições policiais militares
brasileiras deriva das concepções militares herdadas do Exército,
onde foi buscado um viés específico após receber a incumbência
definitiva de polícia ostensiva preventiva fardada, através do art. 3º
do Decreto-Lei 667 de 2 de Julho de 1968, que reorganizou as PMs
e Corpos de Bombeiros Militares, obrigando que fossem repassadas
instruções relativas à atividade fim dessas Corporações.
O processo formativo, quando da origem da BM, possuía
cursos de cunho essencialmente militar, já que a formação e o
treinamento tinham por base o modelo adotado pelo Exército,
especialmente no chamado período bélico. Neste mesmo sentido,
Simões (2014, p. 353) destaca que: “[...] dessa época em diante, os
comandos que se sucederam, durante esse período (1892-1932),
cognominado de ‘fase bélica da BM’, adotaram políticas
semelhantes quanto ao preparo intelectual e o adestramento da
tropa (voltado para operações bélicas)”. Se a prioridade do governo
da época era a segurança nacional, por certo que a opção pelo

81 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

ensino e o treinamento seriam, também, voltados para este viés,


pois não se estava formando um profissional de segurança pública,
e sim de segurança nacional.
Com o mesmo raciocínio, entende Rosa (2010, p. 26) que:
“[...] desenvolvera-se a formação militar, com predominância sobre
o aspecto formativo, o qual se manteve com essa característica
marcante entre os anos de 1892 a 1950, aproximadamente; do
outro, desenvolveram-se a formação policial (tornada obrigatória a
partir de 1952)”. Importante distinguir os momentos históricos
pelos quais passaram a instituição também na área de ensino, fase
bélica e fase policial. Destaca ainda o mesmo autor que “[...] Para
tanto, precisa adequar como é feita a capacitação de seus quadros,
podendo abster-se das informações legadas pelo Exército, pois suas
concepções são estritamente bélicas, diferentemente do que
acontece com as PMs, que têm a preocupação com a resolução de
conflitos sociais”.
Na BM/RS há duas formas de ingresso via aprovação em
concurso público: uma para soldados, na carreira de nível médio,
através do Curso Básico de Formação Policial Militar (CBFPM) e
outra para oficiais, na carreira de nível superior, através do Curso
Superior de Polícia Militar (CSPM) que forma oficial no posto de
Capitão tendo como requisito de ingresso a formação jurídica,
mudança instituída através das Leis nº 10.990 e 10.992, ambas de
18 de agosto de 1997 (dispõem sobre o estatuto dos servidores e o
plano de carreira da BM/RS, respectivamente), sendo que a
exigência da formação jurídica para o ingresso na carreira de nível
superior foi replicada por vários outros Estados da Federação
desde então.
Outros dois cursos de formação, na carreira de nível médio,
são destinados àqueles que já são policiais, mas almejam evoluir na

| 82
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

carreira, ou seja, os soldados que se preparam para serem


promovidos à graduação de sargentos necessitando para tanto,
aprovação no Curso Técnico em Segurança Pública (CTSP) e os
sargentos que almejam galgar o posto de tenente e frequentam o
Curso Básico de Administração Policial Militar (CBAPM). Ambos
ocorrem por concurso interno da corporação com vagas destinadas
em 50% por antiguidade (tempo de serviço) e 50% por mérito
intelectual.
Na carreira de nível superior há dois cursos de habilitação
da instituição que visam tornar o policial apto às promoções desta
carreira, ou seja, sem aprovação nestes cursos o oficial não poderá
ser promovido, como o Curso Avançado de Administração Policial
Militar (CAAPM) para os capitães que precisam se habilitar para
serem promovidos ao posto de major e o Curso de Especialização
em Políticas e Gestão de Segurança Pública (CEPGSP) que habilitará
os oficiais do posto de tenente-coronel à promoção ao posto de
coronel, último posto da carreira de policiais militares.
Conforme se depreende da Tabela 1, os dois cursos de
formação de ingresso na carreira, o CBFM, para soldados, (com
1.675 horas/aula (h/a) e o CSPM, para os alunos oficiais que serão
promovidos a capitães ao final do curso, (com 2.585 h/a), são os
cursos com maior carga horária, considerando a necessidade de
uma transmissão maior de conhecimentos para os novos
integrantes da Brigada Militar, visando uma formação profissional
adequada, enquanto que os demais cursos o CTSP (com 800 h/a), o
CBAPM (com 620h/a) e o CAAPM e CEPGSP (com 555 h/a cada um)
são cursos internos para evolução na carreira, portanto as
disciplinas específicas para a formação não tem necessidade de
serem ministradas novamente e cada um destes cursos objetiva
ministrar conhecimentos para as atividades que estes profissionais

83 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

vão exercer depois da sua formação, conforme objetivos de cada


curso e funções futuras a serem exercidas constantes na Tabela 2.

Tabela 1 – Cursos de Formação e Aperfeiçoamento


na Polícia Militar do RS

Cursos Nº de Carga Nº de Carga


Módulos horária disciplinas Horária
(h/a) de Total em
cada módulo h/a
ou semestre
CBFPM 03 1-370; 2- 53 1.675
1.025; 3-280
CTSP 03 1-295; 2-235; 25 800
3-270
CBAPM 02 1-290; 2- 21 620
280+50
CSPM 04 1-555; 2-765; 67 2.585
3-720; 4-545
CAAPM 01 1-555 13 555
CEPGSP 01 1-555 17 555

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Departamento de


Ensino da BM/RS

Todos os seis cursos da instituição, apontados na Tabela 1,


sejam eles de formação (CBFPM, CTSP, CBAPM, CSPM) ou de pós-
graduação (CAAPM, CEPGSP) que habilitam a promoção ao posto
superior, tem requisitos e objetivos diferenciados para as funções
que irão desempenhar após a formação, conforme está descrito na
Tabela 2.

| 84
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tabela 2 – Cursos da Polícia Militar do RS e seus requisitos e objetivos

Cursos Requisito Quem Objetivo do curso e funções


forma futuras
CBFPM Ensino Soldados Atuar na linha de frente junto à
Médio comunidade na atividade fim
da corporação
CTSP Ensino Sargentos Supervisionar a atuação dos
Médio Soldados e assessorar a chefia
nas tarefas administrativas
CBAPM Ensino Tenentes Ser Cmt de Pelotão e frações
Médio destacadas e encarregado de
procedimentos
administrativos
CSPM Formação Capitães Funções gerenciais iniciais, ser
Jurídica Cmt de Cia PM, encarregado de
IPM, Conselhos etc.
CAAPM Ser Capitão Só habilita à Funções gerenciais
promoção intermediárias e de comando
de tropa e unidades
operacionais
CEPGSP Ser Major Só habilita à Funções gerenciais
ou Ten Cel promoção institucionais do alto comando
e de Administração da
Corporação

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Departamento de


Ensino da BM/RS

Em todos os quatro cursos de formação da BM/RS para


soldados (CBFPM), sargentos (CTSP), tenentes (CBAPM) e capitães
(CSPM) não há disciplinas específicas e que tratem tão somente do
uso da força policial ou de uso diferenciado da força, o que se
encontra são disciplinas que dentre seus objetivos estão, o de fazer
o uso moderado e progressivo da força, na sua forma prática, como
se verá a seguir.

85 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

O USO DA FORÇA POLICIAL: UMA ANÁLISE A PARTIR


DA GRADE CURRICULAR DOS CURSOS DE FORMAÇÃO
NA BRIGADA MILITAR/RS

No curso de soldados o “uso da força” é abordado em cinco


disciplinas (duas no 1º módulo e três no 2º), porém a sua análise
vem inserida junto com a disciplina de “uso da arma de fogo”
variando em cada uma delas o tipo de armamento utilizado,
conforme se depreende da Tabela 3. Também é possível identificar
três disciplinas de “Defesa Pessoal” cujo objetivo é desenvolver
técnicas não letais de defesa, controle e imposição, segundo o
princípio da proporcionalidade, técnicas de defesa, sem utilização
de arma de fogo bem como capacitar o discente a assegurar a sua
integridade física e a de outrem, especialmente de pessoas que
estejam custodiadas.
Estas oito disciplinas somam 250 horas aula de um total de
1.675 h/a do curso, ou seja, atingindo um percentual de 14,92%.

Tabela 3 – Inserção de disciplinas de uso da força no Curso de Formação


de Soldados

Cursos Disciplinas Carga Módulo % carga


horária horária
1) Uso da força e da arma 50
De de fogo I – Pistola básica 1
Soldados e revólver 250h/a =
2) Uso da força e da arma 20 14,92%
(CBFPM) de fogo II – Decisão de
tiro I
3) Defesa pessoal I 20

| 86
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

1.675 4) Uso da força e da arma 40


h/a de fogo III – Pistola
Avançado 2
5) Uso da força e da arma 20
de fogo IV – Decisão de
tiro II
6) Uso da força e da arma 40
de fogo V – Espingarda
Calibre 12
7) Defesa Pessoal II 30
8) Defesa Pessoal III 30

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Departamento de


Ensino da BM/RS

No plano de curso para os soldados, elaborado pelo


Departamento de Ensino da Brigada Militar (DE/BM), o objetivo da
disciplina de “Uso da força e da arma de fogo” é de “capacitar os
discentes a recorrer ao uso da força e da arma dentro dos princípios
da legalidade, da proporcionalidade e da racionalidade, primando
pela segurança própria e de terceiros”, apresentando a seguinte
contextualização:

O Estado tem, entre outras, a função de


proteção à sociedade, utilizando-se das suas
estruturas burocráticas, destacando-se aí os
servidores encarregados da aplicação da lei,
com o objetivo de equilibrar as relações
sociais, monopolizando o uso da força e da
arma para a resolução de conflitos. As
instituições do campo da segurança pública,
muitas vezes necessitam usar da força em
diversas escalas de proporção,
consequentemente, precisam estar
preparadas para uma ação dentro dos

87 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

princípios legais. O recurso ao uso da força e


da arma deve ser visto como último meio,
atendendo aos princípios da racionalidade e
da proporcionalidade, quando outros
procedimentos técnicos e não violentos, mas
igualmente eficazes, forem tentados e
falharem, ou quando, em razão de
circunstâncias, o recurso aos referidos meios
não deixar entrever qualquer possibilidade de
êxito, garantindo assim justificativa legal para
seu emprego. O Estado, ao recorrer ao uso da
força e da arma, deverá ter como objetivo
colocar o(s) suspeito(s) em tal situação, que
qualquer tentativa de resistência se faça
inútil, e assim, efetuar a prisão com o
resultado menos danoso aos envolvidos e à
sociedade. Portanto, faz-se necessário que o
profissional da segurança pública tenha
conhecimentos técnicos atualizados, segundo
as normas sobre o uso da força e da arma de
fogo, para bem atender aos anseios da
sociedade, protegendo seus direitos
fundamentais, com o equilíbrio psicológico
necessário para sua atuação (RIO GRANDE DO
SUL, BM/RS, DE/BM, PLANO DE CURSO
CBFPM, 2018).

A disciplina de defesa pessoal, também presente em todos


os cursos de formação, são transmitidos conhecimentos aos
discentes de que as instituições de segurança pública devem pautar
suas condutas dentro dos princípios da legalidade, necessidade e
proporcionalidade, acarretando, entre outras coisas, a preocupação
com a redução do efeito letalizante do uso da arma de fogo, quando
da abordagem, contenção e captura de infratores.
A força utilizada deve ser suficiente para conduzir as
pessoas ao cumprimento das normas, não sendo permitido o

| 88
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

excesso, o que também caracteriza o descumprimento da lei pelo


policial. Esta disciplina reúne conhecimentos multidisciplinares de
diversas artes marciais, tendo sido estruturada a partir da união
das técnicas de mais fácil assimilação e aplicação no cotidiano dos
agentes de Segurança Pública.
Percebe-se na apresentação e contextualização destas duas
disciplinas que há uma preocupação da Brigada Militar em incutir
aos futuros soldados tanto o Código de Conduta para os
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em 1979, através da
Resolução n. 34/169 e também, dos Princípios Básicos do Uso da
Força e da Arma de Fogo (PBUFAF), adotado pela ONU em 1990.
Na apresentação e transmissão dos conteúdos através de
aulas expositivas, aulas práticas, estudo de casos, utilização de
meios eletrônicos e audiovisuais, demonstrações e simulações os
instrutores têm esta dupla preocupação: 1) com a arma: segurança
e maneiras de uso da arma de fogo, história, conceitos, montagem,
desmontagem e manejo, os fundamentos do seu uso, observação,
proteção e condição do tiro, decisão do tiro, e prática de tiro; 2) com
a força: medidas de proteção e segurança individual e coletiva,
formas de abordagem, revista, algemação e condução de pessoas
presas, tanto para o processo de policiamento a pé como em
veículos, como de entrada e busca em recintos.
As características e abordagens do CTSP (antigo Curso de
Formação de Sargentos – CFS) são bastante distintas do CBFPM por
se tratar de profissionais com vários anos de experiência e que
apenas precisam de atualização de conhecimentos e preparação
para o desempenho das novas funções. Importante destacar que,
apesar da experiência agregada a anos de desempenho da atividade
policial como praça, esta revisitação à sala de aula será uma valiosa

89 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

oportunidade de atualizar conceitos e receber conhecimentos que


não eram contemplados nos cursos de formação quando ingressou
na instituição policial.
Percebe-se pela Tabela 4 que, as disciplinas que tratam da
temática do uso da força policial estão presentes nos três módulos,
porém com a inserção da disciplina de decisão de tiro e com nome
da disciplina de “proteção armada” ao invés de “uso da força e da
arma de fogo”, embora a contextualização e objetivo da disciplina
seja praticamente o mesmo.

Tabela 4 – Inserção de disciplinas de uso da força no Curso de Formação


de Sargentos

Carga % carga
Cursos Disciplinas Módulo
horária horária
1) Proteção armada I -
30
Pistolas 1
De
2) Defesa pessoal 30
Sargentos
3) Proteção armada II 30 2
150 h/a
(Calibre 12 e armas de
(CTSP) =
eletricidade conduzida)
18,75%
4) Decisão de tiro 20 3
800 h/a
5) Proteção armada III 40
(FAMAE)

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Departamento de


Ensino da BM/RS

O recurso ao uso da arma de fogo deve ser o último meio a


ser usado pelo policial, devendo estar sempre alicerçado nos
princípios da legalidade, racionalidade e proporcionalidade. Para
tanto, estes profissionais devem ter consciência de como e quando
usar uma arma de fogo, empregando-a com eficiência, segurança e

| 90
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

sem excessos, sempre avaliando a escala de uso legal e progressivo


da força, de acordo com o grau de agressão sofrido e com a clareza
de que a força letal é sempre o último recurso.
Já a disciplina de “decisão de tiro” apresenta como
objetivos conhecer as técnicas de decisão de tiro para a ação
policial correspondente aos princípios legais, e dos direitos
humanos; e executar as técnicas de decisão de emprego dos meios
moderados necessários para fazer cessar uma agressão injusta,
utilizando a simulação dirigida.
Percebe-se pela Tabela 5 que, as disciplinas do CBAPM que
tratam do tema uso da força policial, possuem a menor carga
horária dos cursos de formação acerca desta temática por se tratar
de um curso para profissionais já experientes e que já passaram
pelos dois cursos anteriores da corporação, ou seja, o curso de
soldados e o curso de sargentos

Tabela 5 – Inserção de disciplinas de uso da força no Curso de Formação


de Tenentes

Carga Módulo % carga


Cursos Disciplinas
horária horária
1) Uso da arma de fogo I 30 1 90 h/a
De Oficiais =
2) Defesa pessoal 30
(Tenentes) 14,51%
(CBAPM) 3) Uso da arma de fogo II 30 2
620 h/a

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Departamento de


Ensino da BM/RS

91 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A formação dos futuros capitães, conforme Tabela 6, nos


mostra que o curso com maior carga horária é também aquele que
mais horas-aula são dedicadas a esta temática, considerando ser
uma das formas de ingresso na Brigada Militar e de potenciais
futuros instrutores da disciplina de usa da força e da arma de fogo.
Nos quatro módulos da disciplina de uso da arma de fogo,
o objetivo de capacitação dos alunos oficiais é o mesmo dos demais
cursos, variando apenas o tipo de armamento utilizado em cada
semestre, para que, além de aprender as técnicas e o correto
manuseio estes discentes aprendam a fazer uso da força e da arma
dentro dos princípios da legalidade e da escala de
proporcionalidade do uso da força.
Já a disciplina de decisão de tiro, tem como principais
objetivos a execução de técnicas em pistas de tiro real,
automatizada e no simulador tecnológico visando preparar os
policiais para o exercício técnico e tático junto às suas frações como
responsáveis pelo treinamento de seu efetivo para a decisão do
emprego correto da força legal e da arma de fogo.
A disciplina de defesa pessoal, também presente em todos
os módulos do curso, visa permitir ao agente de segurança pública
atuar com técnica, inteligência e desenvoltura no trato e resolução
das ocorrências em que seja necessário o uso da força como forma
de contenção e coerção de indivíduos que estejam cometendo
ilícitos ou portando-se de forma antissocial.

| 92
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tabela 6 – Inserção de disciplinas de uso da força no Curso de


Formação de Capitães

Carga Módulo/ % carga


Cursos Disciplinas
horária Semestre horária
De 1) Uso da arma de fogo I 45 1
Oficiais 2) Defesa pessoal I 45
3) Uso da arma de fogo 45 2 390 h/a
(Capitães) II =
4) Defesa pessoal II 45 15,08%
(CSPM) 5) Uso da arma de fogo 45
III 3
2.585 h/a 6) Defesa pessoal III 45
7) Decisão de tiro 30
8) Uso da arma de fogo 45 4
IV
9) Defesa pessoal IV 45
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Departamento de
Ensino da BM/RS

A contextualização da disciplina de decisão de tiro aos


futuros instrutores e gestores dá uma clara ideia da
responsabilidade com a qual vão lidar estes profissionais diante da
necessidade de fazer uso de força letal ou de autorizar que seja
utilizada. Destaca o texto que:

[...] Uma das situações mais difíceis da


atividade policial, no que se refere ao uso de
armas de fogo, é a decisão de atirar. Assim o
policial deverá ter condições de decidir, com
base na lei, o momento correto de utilizar a
sua arma. [...] Sua intenção não é de agredir ou
de matar alguém, mas de fazer cessar em
determinadas circunstâncias, o risco à sua
vida ou a de terceiros. O policial nunca deve

93 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

usar a arma com a intenção de matar, mas de


se fazer cessar aquele risco. E é exatamente no
campo do treinamento quanto ao uso da força
e da arma de fogo, que reside à importância da
disciplina que analisará o treinamento de
decisão de tiro, em simulador de ocorrências
policiais de confrontos armados, e em pista de
tiro automatizada, com movimentação de
alvos. [...] Dependendo da precisão e da sua
decisão, é que será medida no instruendo a
destreza na prática do tiro policial, se
verificando a sua intervenção correta ou não,
o seu tempo de reação, a sua tática policial e a
sua interação verbal no intuito de se fazer
cessar a agressão do infrator criminal contra
a abordagem do Policial Militar (RIO GRANDE
DO SUL, BM/RS, DE/BM, PLANO DE CURSO
CSPM, 2018).

O estudo da decisão de tiro visa: 1) possibilitar ao aluno


maior compreensão sobre o emprego na prática do amparo legal do
excludente de criminalidade de legítima defesa; 2) dar uma
compreensão maior do emprego da técnica de tiro, mediante o
critério de se pensar na execução do tiro policial; 3) possibilitar
maior compreensão do fenômeno risco de vida e saber empregar
corretamente os meios moderados necessários para se fazer cessar
uma agressão injusta; e 4) desenvolver corretamente o emprego
em abordagens policiais, da voz de comando, do uso do corpo, do
uso de meios complementares, da proteção e do uso da força.
O Gráfico 1 nos dá uma dimensão da importância que é
dada ao tema “uso da força” nos cursos de formação da Brigada
Militar, embora não haja uma disciplina que trate exclusivamente
do tema, os percentuais atingidos são muito próximos, variando de
14,51 a 18,75% atingindo profissionais em formação inicial como

| 94
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

acontece no curso de soldados e de oficiais de nível superior, assim


como para profissionais já experientes e que buscam promoções na
carreira como é o caso dos sargentos e tenentes.

Gráfico 1 – Percentual de carga horária dos cursos de formação da


BM/RS de disciplinas que abordam o tema “uso da força”

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados das


Tabelas 3, 4, 5 e 6

Uma abordagem técnica e minuciosa de cada item destas


disciplinas é necessária pois, é muito tênue a linha entre o legítimo
exercício do poder de polícia e o abuso de poder, levando
profissionais da área de segurança pública a responderem criminal,
civil e administrativamente pelos excessos cometidos no
desempenho da função pública. Rondon Filho (2011, p. 89) destaca
que este poder sofre limitações pela própria lei e que “em caso de
exacerbação deve o responsável pelo abuso sofrer as sanções
devidas, pois o monopólio da força exercida pelo Estado só deve ser
utilizado em último recurso e quando todos os mecanismos
possíveis de intervenção falharam”.

95 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Esta mesma posição acerca do poder de polícia nas ações


de segurança pública é ratificada por Spaniol (2016, p. 84), ao dizer
que: “A atividade policial é eminentemente discricionária, fator que
demanda de todos os agentes policiais apurado juízo de
razoabilidade e proporcionalidade nos momentos de intervenção,
dispondo do poder de polícia”. Diante disto, todo policial deve
submeter suas ações sempre a princípios constitucionais
orientadores da administração pública e do ordenamento jurídico
vigente, precisando passar por um processo formativo rigoroso
para não se exceder em suas ações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que, houve avanços consistentes no processo


formativo das polícias brasileiras pós-redemocratização e que este
processo refletiu na forma como o uso da força passou as ser
abordado nos cursos de formação dos profissionais de segurança
pública.
Embora todos os cursos de formação da BM/RS tenham
atingido um percentual considerável na abordagem ao tema “uso
da força”, esta se dá apenas de forma prática não havendo uma
análise, em disciplina específica, dos Princípios Básicos do Uso da
Força e da Arma de Fogo (PBUFAF), adotado pela Organização das
Nações Unidas (ONU) em 1990, por exemplo, além de referências,
portarias e outras regulamentações acerca do tema.
Seria recomendável a inserção de uma disciplina específica
sobre o uso da força na atividade policial em todos os cursos de
formação da BM/RS ou exigir que cada aluno apresentasse até sua
formatura o certificado de conclusão do curso em EAD da Senasp

| 96
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

de Uso Diferenciado da Força, com uma carga horária de 60 horas


aula, curso que inicialmente se chamava de Uso Progressivo da
Força mas que mudou por uma necessidade de alinhamento do
tema ao que prescreveu a Portaria Interministerial nº 4.226, de 31
de dezembro de 2010, que estabeleceu diretrizes sobre o uso da
força pelos agentes de segurança pública e conceituou, no seu
Anexo II, uso diferenciado da força como “a seleção apropriada do
nível de uso da força em resposta a uma ameaça real ou potencial
visando limitar o recurso a meios que possam causar ferimentos ou
mortes” (BRASIL, PORTARIA Nº 4.226/2010).

REFERÊNCIAS

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In: LIMA, Renato Sérgio de; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo
Ghiringhelli de. Crime, Polícia e Justiça no Brasil. São Paulo:
Contexto, p. 187-197, 2014.

BRASIL. Dec.-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969. Reorganiza as


Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados,
dos Territórios e do Distrito Federal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0667.
Acesso em: 28/11/2019.

_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ 97
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______. Ministério da Justiça. Programa Nacional de Direitos


Humanos (PNDH I em 1996; PNDH-II em 2002 e PNDH-III entre

97 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

2009/2010). Disponível em: http://dhnet.org.br/dados/pp/pndh/


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______. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança
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Disponível em: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em: 14/12/2019.

_________. Ministério da Justiça. Portaria Interministerial nº 4226,


de 31 de dezembro de 2010. Disponível em:
portal.mj.gov.br/services/.../FileDownload. Acesso em
14/12/2019.

GUIMARÃES RODRIGUES, Carlos Roberto. Educação Policial e


Segurança Cidadã: Análise da inserção da Matriz Curricular
Nacional na Brigada Militar/RS e na forma de policiar em
democracia. Dissertação de Mestrado em Segurança Cidadã,
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Nília; CAÑAS, Pablo Angarita, MOTA BRASIL, Maria G. Violência,
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17 de dezembro de 1979, Resolução n. 34/169.

_____. Princípios Básicos do Uso da Força e Armas de Fogo


(PBUFAF) para os funcionários responsáveis pela aplicação da lei.
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| 98
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

RIO GRANDE DO SUL. Constituição do Estado do Rio Grande do


Sul de 1989. Porto Alegre, 1989. Disponível em:
http://www.al.rs.gov.br/Legislacao. Acesso em: 08/01/ 2020.

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Dispõe sobre o Estatuto dos Servidores da Brigada Militar do
Estado. Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/filerepository/
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_____. Lei complementar nº 10.992, de 18 de agosto de 1997.


Dispõe sobre a carreira dos Servidores Militares do Estado do Rio
Grande do Sul. Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/
filerepository/repLegis/arquivos/10.992.pdf. Acesso em: 08/01/
2020.

_____. Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul. Departamento


de Ensino. Planos dos Cursos de Formação do CBFPM, CTSP,
CBAPM, CSPM, 2018.

RONDON FILHO, Edson Benedito. Fenomenologia da Educação


Jurídica na formação policial militar. Dissertação de Mestrado
em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá,
2011.

ROSA, Roget Kopczynski da. Estratégia da Brigada Militar na


melhoria do seu sistema de ensino superior para a
qualificação dos recursos humanos e reconhecimento dessa
estrutura por parte do MEC. Monografia Especialização do
CEPGSP. APM/BMRS, 2010.

SIMÕES, Moacir de Almeida. Brigada Militar: Trajetória histórica


e evolução na Constituição. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014.

99 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

SPANIOL, Marlene Inês. Políticas Municipais de prevenção à


violência no Brasil: Desafios e experiências no campo da
segurança pública. Tese de Doutorado do PPG em Ciências Sociais,
PUCRS, 2016.

| 100
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 4
ABORDAGEM POLICIAL COMO INSTRUMENTO
DO USO PROGRESSIVO DA FORÇA PELAS
AUTORIDADES DE SEGURANÇA PÚBLICA NA
GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA

Temístocles Telmo Ferreira Araújo.

“É interessante isso: quando o discurso vem do outro


lado, serve, pois, fantasiado de ‘imparcial’... como se
não fosse tão ou mais contaminado! É incrível a
ingenuidade de quem fala de uma parte-imparcial, sem
perceber o absurdo que isso representa.”

ABORDAGEM POLICIAL POR MEIO DA FALA LOCAL.


QUEM VIVE POLÍCIA

Como a verdade de alguns é mais verdadeira que a de


outros, fizemos questão de escrever em primeira pessoa, ou seja,
uma fala de quem vive polícia há 34 anos, uma fala local.
A imparcialidade que emprestamos do prefácio de autoria
do Doutor Aury Lopes Jr, na primorosa obra de Caio Paiva –
Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro (JR, 2018), nos
remete a Carnelutti ‘Mettere il pubblico ministero al suo posto
(coloque o promotor em seu lugar), e na visão doutrinária, técnica e
legalista, sem viés ideológico baseado apenas na teoria, já que não
conhecem a dinâmica das ruas, é que em meio a avalanche de
discussões sobre o modelo de polícia que devemos ter, o clamor

101 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

pela desmilitarização das Polícias Militares, ou de que diante de


fatos graves, é preciso criar um plano de treinamento, pois as
Polícias, sobretudo, a Polícia Militar é despreparada, resolvemos
escrever. Não com a pretensão de convencer alguém, jamais, mas
sim por meio da fala local, mostrar o porquê a polícia se vale da
abordagem policial em todo o mundo. Sim, a abordagem policial é
legal e para que ela ocorra estamos diante de respaldos legais e a
execução é pautada em procedimentos.
Alguns poderão achar a leitura não muito agradável, já nos
desculpamos, mas somos obrigados a trazer o que os parciais não o
fazem, as normas e a legitimidade de atuação, já que
propositalmente fazem confundir procedimentos, algo
institucional, com conduta, que é pessoal.
O ambiente social global está em constante mutação e
exigência, para que cada vez mais o Estado, detentor do monopólio
da solução de conflitos sociais, disponibilize não só os melhores
serviços, mas que também a conduta de suas instituições e seus
integrantes seja ética e responsável.
Nessa seara surge a Polícia Militar, instituição diretamente
presente na vida em sociedade já que representa o cumprimento
sistemático da lei, impondo a vontade do Estado, legitimada pela
sociedade, por meio das leis. A sociedade não espera apenas que o
Estado faça as coisas bem, é fundamental fazê-las da forma correta.
A forma como a Polícia Militar e seus integrantes efetuam o
seu trabalho é tão importante como o trabalho em si. É fundamental
que a conduta seja íntegra e em conformidade com as leis e os
regulamentos que regem as suas atividades, pautadas sempre na
defesa da vida e dignidade da pessoa humana.
Polícia só existe para proteger pessoas (PMESP, 2020). E
para o exercício da proteção é necessário o uso da força e de armas

| 102
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

de fogo, devendo guardar estreita conexão com a vida em


sociedade, haja vista que as demandas resultantes do surgimento
de situações especiais e excepcionais, podem colocar em perigo a
ordem pública, a segurança das pessoas e, em última instância, o
próprio Estado.
A ruptura da condição normal da ordem pública associa-se,
muitas vezes, a ideia de violência, por isso é importante que o
Estado, além de traçar as normas legais para regular o convívio
harmônico e pacífico, também tenha bem alicerçado uma política
de enfrentamento, com prevalência irrestrita à defesa dos direitos
humanos e uso moderado da força por parte dos órgãos da
segurança pública.

O USO DA FORÇA E SEUS ASPECTOS HISTÓRICOS

O uso da força tem no Tratado de Renúncia à Guerra “Pacto


Briand Kellog” de 1928 sua origem histórica, já que o uso
progressivo da força e de armas de fogo pelos órgãos, agentes e
autoridades de segurança pública, foram tratados em âmbito dos
direitos humanitários internacionais (Artigo II). As Altas Partes
contratantes reconhecem que o ajuste ou a solução de todas as
controvérsias ou conflitos qualquer natureza ou origem, que se
suscitem entre elas: nunca deverá ser procurado senão por meios
pacíficos. (Brasil, 1934)
Adotada também pela Carta das Nações Unidas, ratificada
pelo Brasil por meio do Decreto Nº 19.841, de 22 de outubro de
1945 (BRASIL, 1945). O art. 2, traz em seus princípios expressa
previsão da proibição do uso da força: 4. Todos os Membros deverão

103 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força


contra a integridade territorial ou a dependência política de
qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os
Propósitos das Nações Unidas.
O Código de Conduta para os Funcionários
responsáveis pela aplicação da lei (NET, 1979), adotado pela
Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução nº 34/169, de 17
de dezembro de 1979), traz legitimidade de atuação dos referidos
funcionários. Artigo 2º: No cumprimento do dever, os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e proteger a
dignidade humana, manter e apoiar os direitos humanos de todas as
pessoas. (grifo nosso)
Como nossa fala é local, vamos considerar Funcionários
Encarregados pela Aplicação da Lei (FEAL) os integrantes da
Polícia Militar, e por parte do policial militar essa questão deve ser
tratada com especial distinção, pois, possuem, com exclusividade,
as faculdades profissionais para privar uma pessoa de liberdade ou
até mesmo, usar a força e arma de fogo contra um cidadão que
rompeu a ordem social, pautando-se pelos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, como bem reproduz o artigo
3º do referido código de conduta: Artigo 3º: Os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força
quando estritamente necessária e na medida exigida para o
cumprimento do seu dever. (grifo nosso)
O emprego da força por parte dos funcionários
responsáveis pela aplicação da lei deve ser excepcional. Embora se
admita que estes funcionários, de acordo com as circunstâncias,
possam empregar uma força razoável, de nenhuma maneira ela
poderá ser utilizada de forma desproporcional ao legítimo objetivo
a ser atingido.

| 104
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

O emprego de armas de fogo é considerado uma medida


extrema; deve-se fazer todos os esforços no sentido de restringir
seu uso, especialmente contra vulneráveis. Em geral, armas de fogo
só deveriam ser utilizadas quando um suspeito oferecer resistência
armada ou, de algum outro modo, põe em risco vidas alheias e
medidas menos drásticas são insuficientes para dominá-lo. (NET,
1979)
A polícia é uma das instituições mais visíveis do Estado, em
razão da natureza particular do mandato que a autoriza a utilizar a
força com o objetivo de manter a ordem pública, o que compreende
fiscalizar, deter, prender e até mesmo, sob circunstâncias
justificáveis, ferir ou matar (Delord & Sanders, 2006).
A capacidade do uso da força, portanto, tem função central
no papel da polícia (Bittner, 1990) e qualquer pessoa, seja por um
comportamento suspeito ou pelas próprias atividades rotineiras
poderá em qualquer momento se submeter a algum grau de força
aplicado pela polícia. Tânia Maria Pinc (2006. p. 12, apud, Delord &
Sanders, 2006)
Nos países democráticos com o império do estado de
direito, uma consequência lógica dessa democracia e liberdade é o
direito que as pessoas têm de ir, vir e permanecer pacificamente
em território pátrio, assim, no exercício de seus direitos e
liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações
determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o
devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de
outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem
pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

105 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

MANUTENÇÃO DA ORDEM E OS ASPECTOS LEGAIS DA


ABORDAGEM POLICIAL

Para a manutenção da ordem é imperioso que


especialmente a Polícia Militar, que é detentora exclusiva da
prerrogativa constitucional da Polícia Ostensiva e de Preservação
da Ordem Pública (art. 144, V da Constituição Federal de 1988),
exerça na sociedade ação de polícia, que nada mais é que uma
forma ordinária e inafastável de atuação administrativa que se dá
para verificar o cumprimento das ordens ou observar as condições
do consentimento.
A primeira ação policial legitimada pelo Estado está na
abordagem policial, que é que consequência lógica da busca pessoal
prevista no artigo 244 do Código de Processo Penal. Art. 244. A
busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando
houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma
proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou
quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
(grifo nosso)
A “fundada suspeita”, está centrada no poder discricionário
do policial, para decidir quem parar e quando parar. Art. 239.
Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo
relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de
outra ou outras circunstâncias. (grifo nosso)
Para proteger os cidadãos e garantir-lhes seus direitos,
considerando as frequentes oscilações de comportamentos da
sociedade, a Polícia Militar tem poderes legais para cumprir a
missão constitucional da garantia da ordem pública e sua
preservação, para isso pode: (I) Abordar e revistar pessoas, sempre

| 106
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

que presenciar alguma atitude suspeita; (II) Prender e apreender


pessoas, desde que em flagrante delito ou com ordem judicial; (III)
Empregar a força e as armas de fogo, quando necessário e de forma
proporcional à ameaça sofrida.
A busca pessoal, consiste no contato físico do policial com
a pessoa suspeita e seus pertences. Art. 284. Não será permitido o
emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de
tentativa de fuga do preso (grifo nosso). Ou seja, pode-se usar a força
apenas quando indispensável no caso de resistência e no caso de
tentativa de fuga do preso, fora de tais situações poderá ser
considerado crime de abuso de autoridade à luz da Lei Nº 13.869,
de 5 de setembro de 2019 5 , já que os mais variados estudos
aplicados na Polícia Militar direcionam, principalmente ao
entendimento de que seus integrantes demonstrem clara
sensibilidade em relação aos direitos e liberdades individuais.
E na busca incessante do equilíbrio entre a ação policial e a
reação do cidadão, padronizou-se a abordagem em 3 (três) níveis:
(I) Abordagem a pessoas em fundadas suspeitas; (II) Abordagem a
pessoas suspeitas; (III) Abordagem a pessoas infratoras da lei.
Mesmo com a padronização, as ações de polícia não são um
fim em si mesmo, pois possuem um componente fundamental, que
é a dinâmica das ações, não há abordagem igual à outra, já que
estamos diante do ser humano, bem como a linha da fundada
suspeita, da suspeição propriamente dita e do infrator da lei, é
muito tênue.

5Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21


de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de
13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº
4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de dezembro de 1940 (Código Penal).

107 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Muito se tem questionado e não é de hoje, se a abordagem


policial é legal e necessária. Que é legal já vimos que sim, agora
quanto necessária, ainda entendemos também que sim, pois não se
inventou na sociedade um mecanismo para prender criminosos,
recuperar uma arma, apreender objetos ilícitos, recapturar um
procurado pela justiça entre outros, sem a efetiva abordagem
policial.
Afiançamos desde já, que é a abordagem uma conduta
constrangedora sim, por isso que é tão polêmica. Mas também
consideramos um dos momentos mais cruciais da atividade
policial, pois como as pessoas não são instruídas como devem
proceder e pelo mito que se coloca que a abordagem é ilegal, as
reações são as mais variadas possíveis.
É importante que os cidadãos compreendam que um dos
aspectos principais do combate ao recrudescimento da
criminalidade, por óbvio, é contar com um sistema policial de
segurança eficaz, efetivo e eficiente. Quando se trata de
criminalidade violenta, isto significa que policiais devem ter o
preparo adequado para situações de confronto, para dizer
claramente, devem ter a postura e a conduta mais acertada para
enfrentar conflitos em que o agressor esteja armado.

O MOMENTO “FIO DA NAVALHA” DA ABORDAGEM


POLICIAL

Vivemos tempos de crescimento populacional sem


precedentes e por consequência, cada dia deparamos com uma
escalada do crime revestida de ousadia sem limites, criminosos
armados com fuzis e explosivos sitiam cidades pelo país, em

| 108
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

especial aquelas do interior, cujo aparato e contingente policial é


menor.
A população desordenada clama pela polícia, mas a ataca e
a hostiliza quando uma viatura vai atender a um chamado. Então
uma questão que deveria ser discutida pelos acadêmicos, é como
poderiam auxiliar a polícia no seu dever agir? Sim auxiliar, no
verdadeiro espírito da integração e não apenas produzindo estudos
de ódio. Pois o que vemos é o estudo ideológico, que polícia mata
muito, que polícia só aborda negro e pobre. Como se policial
nascesse policial e viesse de uma casta rica da sociedade. É
importante lembrar que policial é um ser humano, que ao entrar na
força de segurança já possui seus valores e costumes, já que a
instituição não vai lhe criar o caráter, apenas fortalecerá os valores
éticos, sociais e morais.
Mas o que vemos na prática, são críticas injustas, como se
na fração de segundo de uma decisão, na dinâmica da rua, o policial
conseguisse relembrar as dezenas de normas legais e sociais que
norteiam sua atuação, sem contar que o interlocutor, como já
explicitamos acima, parte do senso comum difundido pela
academia e pela mídia, que numa abordagem o policial irá ofender,
agredir e até mesmo forjar uma ação policial.
E por quê? Porque basta assistir a qualquer dramaturgia
nacional em especial, que veremos o policial mal fardado, uma
mistura de instituições, palavreado chulo e invariavelmente
associado a atos de desvios de finalidade. Ou seja, quem tem o
poder de mostrar o contraponto do poder, procura apenas
marginalizar o Estado por meio da polícia.
Por isso que sempre nos questionamos a quem interessa
uma polícia fraca, desacreditada e desorientada? Na nossa fala
local, pensamos que somente ao crime, ao bandido.

109 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Para evitar esta desinformação generalizada, somos


adeptos da capacitação de pessoas, por isso, que na era da
integração social, entendemos que a academia (escola lato senso),
viesse para o debate e apresentasse ao jovem o que é e o porquê da
abordagem policial, pois ela é legal e, como devemos nos portar
diante de uma abordagem policial.
Com tal capacitação desde os bancos escolares e sua
difusão correta pelos demais órgãos que levam conhecimento à
sociedade, poderíamos entender como separar uma abordagem
de rotina de uma abordagem com infratores da lei? Como
imaginar que num dia de policiamento rotineiro vai se deparar com
elementos armados de fuzis, ou que numa abordagem de um
suspeito deparará com um procurado pela justiça, que reagirá à
abordagem?
Antes de tentar responder a tais questionamentos,
permita-nos ilustrar o momento do “fio de navalha” da abordagem
policial com duas trágicas ocorrências, uma recente deste ano de
2020, mês de agosto, e outra do final da década de 90, em maio de
1999.

Três policiais militares morrem em


abordagem a falso policial civil em São
Paulo (grifo nosso)

Um dos PMs mortos era sargento e a esposa


está grávida de gêmeos. O caso vai ser
investigado pelo Departamento de
Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).

De acordo com polícia, os suspeitos tinham


saído de uma festa e abordaram uma moto na
Avenida Politécnica, no Butantã, Zona Oeste
de São Paulo, por volta das 5h. Os PMs viram

| 110
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

a cena e abordaram a moto e o carro com dois


ocupantes. Um deles, Cauê Doretto de Assis,
de 24 anos, disse que era policial civil. Os PMs
solicitaram a arma e a carteira funcional do
suspeito, que as entregou para os PMs.
[...]
Enquanto os PMs checavam se Cauê era
mesmo policial civil, ele sacou uma segunda
arma, baleou um PM na cabeça, baleou o
segundo e correu atirando.
[...]
A Polícia Militar divulgou uma nota de pesar,
lamentando a morte dos três policiais
militares. O soldado Celso Ferreira de
Menezes Júnior tinha 33 anos e estava na
corporação há mais de 10 anos.
[...]
O soldado Victor Rodrigues Pinto da Silva
tinha 29 anos e estava na polícia há há 6 anos
e 9 meses. Já o sargento José Valdir De Oliveira
Júnior, de 37 anos, estava na polícia há 14
anos e 5 meses e também deixa uma filha e a
esposa, Bianca, que está grávida de gêmeos.
(G1 SÃO PAULO, 2020)

O trabalho policial das ruas é muito dinâmico, não há


rotina, neste caso em questão, o que deve ter passado na cabeça do
nosso ex-aluno o então 3º Sgt PM Oliveira6, policial experiente na
Polícia Militar e na função de Força Tática? Bom se arriscarmos a
responder, sim palpite, pois não restou sobreviventes da equipe, e
poucos policiais (civis e militares) já abordaram um integrante das
forças de segurança, ou alguém se passando por tal.

6Oliveira foi aluno da Escola Superior de Sargentos, CFS I – 19, formando-se


em outubro de 2019.

111 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Arriscamos pensar como somos treinados, o “policial civil”


já se identificou e disse que estava armado e entregou a arma ao
comandante da equipe.
Perfeito! Melhor cenário impossível.
Mas o desfecho não foi assim, ou seja, daria para acreditar
em algo diferente naquela hora da madrugada?
Acreditamos que não. E por certo, poderíamos fazer
exatamente igual a equipe do 3º Sgt PM Oliveira, mas serve para
reflexões e discussões, o momento da abordagem policial é sem
dúvidas, o momento mais crítico do turno de um policial.

Policiais são mortos ao revistar carro


da Redação

Dois policiais rodoviários foram


assassinados anteontem à noite quando
atendiam a uma ocorrência de acidente de
trânsito na rodovia Raposo Tavares, em
Cotia (Grande São Paulo).

O motorista Sérgio Wilson Campos, 33, que


dirigia um dos carros envolvidos no
acidente, também morreu durante o
tiroteio.

Segundo policiais do Garra (Grupo Armado


de Repressão a Roubos e Assaltos), o
sargento Nivaldo da Costa Marques, 34, e o
cabo Wagner Valci Sordi, 29, faziam ronda
na rodovia quando perceberam um Pointer
azul e um Fusca verde batidos, no km 27,
sentido capital-interior.

Os policiais foram baleados quando


começaram a revistar o carro. O sargento

| 112
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Marques levou cinco tiros e o cabo Sordi,


que usava colete à prova de balas, foi
atingido no pescoço.

Mesmo ferido, Sordi conseguiu disparar


alguns tiros. Um deles atingiu Campos, que
morreu na hora. Os policiais foram levados
ao pronto-socorro de Cotia, onde
morreram.

Além de Campos, estavam no Pointer


Rodrigo Dota dos Santos, 18, a garota L.R.S.,
17, e o adolescente J.P.P.S.S., 17. Santos é
acusado de matar os policiais. Ele estava
foragido até a tarde de ontem.

O motorista do Fusca fugiu durante a troca


de tiros. Segundo a polícia, Campos tinha
ficha por assalto a banco e vários roubos e
estava foragido. (FOLHA DE SÃO PAULO,
1999)

Tivemos a oportunidade de atuar quando chefe da


inteligência do 1º Batalhão de Polícia Militar Rodoviária (1º BPRv),
nessa ocorrência, desde as suas primeiras horas e ficar por vários
dias na busca de entender os fatos.
Naquela época o policial rodoviário ainda trabalhava
sozinho na viatura. O Cabo PM Sordi, policial rodoviário
responsável pelo policiamento no 1º trecho da SP-270 Rodovia
Raposo Tavares, deparou com um acidente de trânsito, os veículos
já estavam no acostamento e 04 pessoas estavam ao lado do
veículo. Diligentemente perguntou se havia alguém ferido e
precisando de socorro médico, diante da negativa, foi até a viatura
pedir apoio do guincho e outras providências inerentes.

113 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Ato contínuo, o 2º Sgt PM Nivaldo, que também trabalhava


sozinho, e era o rondante de serviço, ouviu a comunicação e foi ao
apoio do Cabo PM Sordi, mas estava na pista contrária (interior x
capital) e quando chegou na altura do acidente, parou a viatura no
acostamento e a pé atravessou as pistas indo ao encontro do Sordi.
Claro que o Sargento PM Nivaldo suspeitou de algo. Mas o
que? Seria razoável que já tivesse chegado com sua arma em punho
e determinado que aquelas quatro pessoas, 01 adulto e 03
adolescentes, sendo duas garotas, colocassem as mãos para cima e
virassem de costas para proceder a abordagem?
Seria razoável, não é mesmo? Sim. Há 21 anos me pergunto
por que eles não fizeram isso?
Mas será que os adolescentes corresponderiam à
abordagem?
Ousamos responder que não, pois estavam indo para uma
festa à época no bairro Cocaia do Alto, de carona com um fugitivo
do sistema penitenciário, e naquele momento, o algoz era o herói
deles.
Sim. Infelizmente uma prática comum, pela desinformação
e para os que desejam uma polícia fraca, heroicizam o bandido, já
que aqueles jovens não tinham históricos criminais e eram de
família de classe média.
Sem maiores delongas, apenas a ilustração do momento do
“fio da navalha” da abordagem policial, ficamos sabendo depois que
Campos desde a chegada da viatura do Cabo PM Sordi, já tinha
avisado aos demais ocupantes do carro, que não voltaria para o
sistema penitenciário, então resolveu atirar nos policiais militares.
Após a ilustração destas duas ocorrências, podemos voltar
ao questionamento proposto: como separar uma abordagem de
rotina de uma abordagem com infratores da lei?

| 114
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A questão pelo que podemos observar nas duas


extremadas ocorrências, não tem resposta simples e talvez nunca
tenha, muito menos encontraremos soluções em si mesma, precisa-
se conhecer a fundo a atividade de polícia, uma atividade sem
rotinas, uma atividade de “fio de navalha” de riscos extremos, cujo
erro é implacável, ou se paga com a liberdade ou com a vida.
Portar uma arma de fogo não é uma prerrogativa da função
policial, é uma obrigação que exige consciência de tal
responsabilidade. A função de uma arma é reduzir a capacidade de
ataque de um confrontante, ferindo-o ou matando-o. Não há meio
termo. Para o policial, o confrontante só pode ser um agressor que,
em dada situação caracterizadora da prática de crime, aja com
violência em face da perspectiva de ser detido ou impedido. (JR,
2010)
Por óbvio, muitos são os questionamentos sobre a
abordagem policial, sobre o uso da força e de armas de fogo pela
Polícia Militar, Luciana Guimarães e Carolina Ricardo, ambas do
Instituto “Sou da Paz”, discorreram que: “Polícia só é polícia
porque é autorizada legitimamente a usar a força. Gostemos ou
não, é preciso reconhecer essa autorização e discutir se e como
nossa polícia está preparada para usar a força corretamente”.
(GUIMARÃES, et al., 2013).
Para entendermos o processo que leva ao uso da força é
preciso introduzir um outro ator importante: o suspeito.
A medida de força a ser usada está diretamente relacionada
a reação ofensiva, em outras palavras, o comportamento do policial
no que diz respeito ao uso da força está condicionado ao grau de
resistência oferecido pelo suspeito, destacando que o uso de força,
em grau inferior ao necessário poderá vitimizar o policial. (PINC,
2006, p.15).

115 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Acrescentamos que o grau de resistência ou de reação do


suspeito é que balizará a atuação do policial. Já que é o suspeito que
escolherá o desfecho da ocorrência.
A questão é polêmica e extrema, mas legítima, já destacado
pelo código de conduta para os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei. Em geral, armas de fogo só deveriam ser utilizadas
quando um suspeito oferece resistência armada ou, de algum outro
modo, põe em risco vidas alheias e medidas menos drásticas são
insuficientes para dominá-lo. Toda vez que uma arma de fogo for
disparada, deve-se fazer imediatamente um relatório às autoridades
competentes. (NET, 1979)

USO PROGRESSIVO DA FORÇA E A ABORDAGEM


POLICIAL

Para que possamos nivelar o conhecimento, é importante


se ter em mente que a abordagem policial é a progressão do uso da
força estatal, sim, o policial diante de uma suspeição poderia chegar
atirando já que não sabe quem enfrentará, mas não o faz, e porquê?
Conhecedores que somos da tal dinâmica das ações criou-
se mecanismos e modelos de uso progressivo da força, no intuito
de orientar a todos os encarregados de cumprir a lei a exercerem
de forma ritualística. Prova disso são as atualizações nas grades
curriculares dos cursos de formação da Polícia Militar do Estado de
São Paulo (PMESP), principalmente na matéria de tiro policial que
desde 1997 adotou o Tiro Defensivo na Preservação da Vida
“Método Giraldi®”, método reconhecido internacionalmente, que
pautou também novo método de treinamento e realização de
abordagens e atuações em confrontos armados, baseados nas

| 116
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

normas e tratados internacionais de Direitos Humanos, diminuindo


os riscos à população e ao próprio policial, minimizando as
possibilidades de erros e abusos.
O método foi reconhecido pelas Nações Unidas como
prática policial adequada aos princípios dos direitos humanos, pelo
que também foi incorporado ao treinamento de policiais militares
de outros estados, bem como policiais de outros países, sendo seus
multiplicadores formados por oficiais da PMESP, possuindo vasta
carga horária nos currículos de formação: (I) Bacharelado em
ciências policiais de segurança e ordem pública - Curso de
Formação de Oficiais (CFO): 300 horas aulas; (II) Curso superior de
tecnólogo de polícia ostensiva e preservação da ordem pública
(Sargento): 100 horas aulas; (PMESP, 2013); (III) Curso superior de
técnico de polícia ostensiva e preservação da ordem pública
(Soldado): 60 horas aulas; (PMESP, 2013)

Capacitação e Treinamento. A formação, graduação, pós-


graduação, aperfeiçoamento, habilitação e treinamento dos
policiais militares são realizados por intermédio dos Órgãos de
Apoio de Ensino Superior da Diretoria de Educação e Cultura da
PMESP. Sua missão precípua é promover com excelência a gestão
de ensino, através de conhecimentos científicos e tecnológicos,
humanísticos e gerais, indispensáveis à educação e à capacitação do
policial militar, com o objetivo de torná-lo apto a atuar como
operador do sistema de segurança pública em conformidade com a
filosofia de polícia comunitária e de direitos humanos. (PMESP,
2020)
Mensalmente ou conforme a situação exija, são editadas e
reeditadas Instruções Continuadas de Comando (ICC), que
consistem no método regular e continuado de instrução para o

117 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

efetivo policial (PMESP, 2009), com a finalidade de manter os


policiais militares atualizados. Destacamos pelo menos duas que
diretamente tratam do tema: ICC nº 28 refere-se ao “Uso moderado
da força e emprego de armas não letais”; ICC nº 40 refere-se "A
importância do treinamento de técnicas de defesa pessoal, para sua
utilização como meio não letal no atendimento de ocorrências
policiais”.

4º - Policial Militar! O emprego de força no ato


da prisão deve ser considerado que, inerente
a ele, encontra-se a autorização legal do
emprego de força coercitiva necessária para a
sua realização.

Logo, o ato de algemar se insere,


naturalmente, como meio moderado e
imprescindível à implementação da medida
para que ela ocorra eficazmente, sem risco de
vida ou de ferimentos para o policial, para
terceiros e para o próprio preso.

5º - Importante: Convém registrar que o


emprego da força deve cessar imediatamente,
no momento exato em que cessar a ação
agressora ou o risco que determinou o seu
emprego e, no caso de o emprego da força
produzir ferimentos em qualquer indivíduo,
deverá ser providenciado, de imediato, o seu
atendimento médico, tão logo que possível.

6º - Em casos especiais, a fim proporcionar


uma atuação policial, o policial militar deve
utilizar os equipamentos não letais, tais como
cassetetes, tonfas, munições de elastômero
macias, espargidores de agente lacrimogêneo,
granadas de agente lacrimogêneo ou
fumígenas, e arma de lançamento de

| 118
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

eletrodos energizados (conhecido por TASER


M26).

O manual ainda fala em equipamento não letal, no entanto,


tal conceituação sofreu alterações, fala-se hoje em equipamento
com baixo potencial letal, já que todo equipamento que for utilizado
para proteção do agente ou de terceiros, se mal empregado poderá
atingir de forma letal. Ou seja, mais uma vez deparamos não com
erro de procedimento e sim com conduta individual em não
conformidade.
As iniciativas para equilíbrio do uso progressivo da força e
de armas de fogo na PMESP são corroboradas por diversos órgãos,
destacamos os comentários trazidos pelo Instituto Sou da Paz, nas
regulações sobre o Uso da Força pelas Polícias Militares dos estados
de São Paulo e Pernambuco:

7.2. ATOS NORMATIVOS PARA REGULAÇÃO


DO USO DA FORÇA
Em relação aos atos normativos que regulam
o uso dos diferentes níveis de Uso da Força, foi
possível notar que a Polícia Militar do Estado
de São Paulo tem se destacado em relação às
demais polícias do Brasil e embora não tratem
direta e explicitamente sobre o Uso da Força,
a análise permitiu concluir que acabam tendo
um impacto direto da regulação deste. Na
PMESP existem atos normativos que
regulamentam a distribuição do efetivo no
território, por meio dos Programas de
Policiamento, bem como diretrizes básicas de
atuação em cada programa. (JUSTIÇA, 2013)

119 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação da força física para incidir sobre o


comportamento das pessoas constitui competência exclusiva da
polícia e pode ser utilizada enquanto houver ameaça efetiva. Ou
seja, ainda que possa não usar, a polícia possui autorização para o
exercício da força física sobre os demais cidadãos. Por isso que
escolhemos a temática: Abordagem policial como instrumento do
uso progressivo da força pelas autoridades de segurança pública na
garantia da ordem pública, já que a atuação policial possui
escalonamentos e a abordagem é sem dúvidas o momento de
desenvolver a aproximação polícia e sociedade, mantendo-se a
sensação e percepção de segurança inerentes à vida no coletivo,
mas também é o momento que o policial tem para restabelecer a
tranquilidade pública, pois pode apreender um criminoso foragido
da justiça, apreender uma arma (fogo ou branca), bem como
apreender substâncias entorpecentes, drogas ou objetos produtos
de ilícitos.
Ainda que existam outros agentes estatais que possuam o
poder coercitivo de obrigar as pessoas a determinados
comportamentos, somente a polícia é definida por essa
possibilidade: a força policial, e somente ela, recebe o mandato para
exercer a força física entre o grupo que lhe autorizou. (JUSTIÇA,
2013, apud BAYLEY, 2001).
A Polícia Militar do Estado de São Paulo responsável
constitucionalmente por exercer a preservação da Ordem Pública
vem ao longo dos anos realizando o aprimoramento de sua força
operacional, a fim de minimizar as consequências danosas quando
da existência de conflitos que necessitem da utilização do uso da

| 120
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

força. Não é, portanto, o emprego da força física, mas sim a


possibilidade de vir a utilizá-la, que caracteriza o trabalho policial
– como apontam Muniz, Proença Junior e Diniz (1999, p. 3). “[...] a
força que respalda a autoridade de polícia é inseparável de todas as
suas ações, ainda que permaneça como potencial na maioria dos
casos, incluindo aí a maioria das ocorrências criminais”. (JUSTIÇA,
2013)
O uso da força é legítimo, por isso discordamos, pelo menos
no atual cenário, de algum tipo de treinamento ou até mesmo
reformulação de procedimentos, baseados em erros de condutas,
até mesmo porque seria inviável a elaboração de procedimentos
que abrangessem caso a caso, pois seria de infinitas possibilidades.
Concordamos com a necessidade de se capacitar ainda mais
o policial psicologicamente, em inteligência emocional ou até
mesmo no estudo do comportamento humano, haja vista parte da
sociedade está doente, não respeitam uns aos outros e buscam suas
liberdades individuais de forma plena, sem olhar o interesse
coletivo e algo esquecido ao brasileiro em especial: deveres.
É muito fácil buscar soluções apenas no Policial, que deve
ser resiliente, já que enfrenta várias situações durante o seu turno
de serviço cotidiano, tendo que a cada atendimento retornar ao seu
estado psicológico anterior, antes de prosseguir ao próximo
embate.
O que simplesmente não é possível, por se tratar, em última
análise, de um argumento quiçá impreciso, é repetir o mantra de
que policiais brasileiros são despreparados e de que a polícia
precisa ser reformada, sem a verdadeira compreensão dos
processos em curso para o aprimoramento dos profissionais de
polícia.

121 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Somente uma discussão técnica e fundada em parâmetros


científicos pode constituir uma verdadeira contribuição a essa
temática que impacta a vida de todos nós. (PEREIRA, 2020)

REFERÊNCIAS

GIRALDI, NILSON. 2011. PORTARIA INTERMINISTERIAL SOBRE O


USO DA FORÇA E A PMESP. PORTARIA INTERMINISTERIAL SOBRE
O USO DA FORÇA E A PMESP. São Paulo : Produção própria do autor
- e-mail, 2011.

GUIMARÃES, LUCIANA e RICARDO, CAROLINA. 2013. Instituto Sou


da Paz. A morte de Douglas Martins e a questão de uso da força.
[Online] 05 de novembro de 2013. [Citado em: 06 de abril de 2014.]
http://app.soudapaz.org/c/?13284.103.323578.0.1.20474.9.1209
203.0. 10.2136.0.138131.0.1.8b0cf.

FOLHA DE SÃO PAULO. 1999. Policiais são mortos ao revistar carro.


FOLHA DE SÃO PAULO. [Online] FOLHA DE SÃO PAULO, 31 de maio
de 1999. [Citado em: 07 de setembro de 2020.]
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff31059911.htm.

G1 SÃO PAULO. 2020. Três policiais militares morrem em


abordagem a falso policial civil em São Paulo. G1. [Online] G1, 08 de
agosto de 2020. [Citado em: 07 de setembro de 2020.]
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/08/08/tres-
policiais-militares-morrem-em-abordagem-a-falso-policial-civil-
em-sp.ghtml.

JR, AURY LOPES. 2018. Prefácio ao livro Audiência de Custódia e o


Processo Penal Brasileiro. [A. do livro] CAIO PAIVA. Prefácio ao
livro Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro. Porto
Alegre : CEI, 2018.

| 122
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

PEREIRA, FÁBIO COSTA. 2020. O ENSINO POLICIAL MILITAR O


PADRÃO DE EXCELÊNCIA NA FORMAÇÃO NA POLÍCIA. DEFESA
NET. [Online] DEFESA NET, 26 de junho de 2020. [Citado em: 27 de
junho de 2020.]
https://www.defesanet.com.br/pm/noticia/37297/Fabio-
Pereira---O-Ensino-Policial-Militar-da-Policia-Militar-do-Estado-
de-SP/.

PMESP. 2020. PMESP. PMESP. [Online] PMESP, 27 de junho de


2020. [Citado em: 2020 de junho de 2020.]
http://www.policiamilitar.sp.gov.br/institucional/missao-e-visao.

JR, JOÃO IBAIXE. 2010. Última Instância. Última Instância. [Online]


12 de fevereiro de 2010. [Citado em: 06 de abril de 2014.]
http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/colunas/2791/polici
a+e+treinamento+operacional.shtml.

JR, AURY LOPES. 2018. Prefácio ao livro Audiência de Custódia e o


Processo Penal Brasileiro. [A. do livro] CAIO PAIVA. Prefácio ao
livro Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro. Porto
Alegre : CEI, 2018.

PEREIRA, FÁBIO COSTA. 2020. O ENSINO POLICIAL MILITAR O


PADRÃO DE EXCELÊNCIA NA FORMAÇÃO NA POLÍCIA. DEFESA
NET. [Online] DEFESA NET, 26 de junho de 2020. [Citado em: 27 de
junho de 2020.]
https://www.defesanet.com.br/pm/noticia/37297/Fabio-
Pereira---O-Ensino-Policial-Militar-da-Policia-Militar-do-Estado-
de-SP/.

PMESP. 2020. PMESP. PMESP. [Online] PMESP, 27 de junho de


2020. [Citado em: 2020 de junho de 2020.]
http://www.policiamilitar.sp.gov.br/institucional/missao-e-visao.

123 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

NET, DH. 1979. CÓDIGO DE CONDUTA PARA OS FUNCIONÁRIOS


RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI. DH NET. [Online] 17 de
12 de 1979. [Citado em: 10 de março de 2014.]
http://www.dhnet.org.br/direitos/codetica/codetica_diversos/on
u.html.

PINC, Tânia Maria. 2006. Uso da Força Não Letal pela Polícia nos
Encontros com o Público. Uso da Força Não Letal pela Polícia nos
Encontros com o Público. São Paulo : s.n., 2006.

—. 2009. Intranet PM. Intranet PM. [Online] 09 de março de 2009.


[Citado em: 2014 de abril de 2014.]
http://www.intranet.policiamilitar.sp.gov.br/. NOTA DE
INSTRUÇÃO Nº PM3-001/03/09.

| 124
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 5
USO DA FORÇA E A LEI 13.869/19 – NOVA LEI DE
ABUSO DE AUTORIDADE

Eugênio Coutinho Ricas


Paulo Henrique Barbosa

O presente capítulo visa apresentar a relação entre o uso da


força policial e a lei 13.869/2019, conhecida como Lei de Abuso de
Autoridade. Importante, antes de tudo, apresentar alguns conceitos
e fundamentos para o chamado uso da força policial.
Inicialmente, portanto, podemos mencionar, ainda que de
forma superficial, os fundamentos weberianos sobre o monopólio
da violência física. Para Weber, o Estado moderno é detentor do
monopólio do uso legítimo da violência física, a fim de se garantir
ordem e segurança para a sociedade. O Estado, portanto, seria
definido “por um meio específico que lhe é peculiar: o uso da coação
física” (WEBER, 1983 [1918], p. 56).
Na visão de André Zanetic (2012), o monopólio da violência
e o uso da força física por parte do Estado são essenciais ao
processo de estabilização social, chamado contrato social, onde as
pessoas abrem mão da liberdade individual para garantir maior
segurança e ordem.
Decorrem daí, portanto, alguns dos fundamentos que
legitimam o uso da força policial. Como um dos primeiros
representantes do Estado na sociedade, o policial está legitimado,
em alguns casos, a se valer do uso necessário de força moderada

125 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

para assegurar a segurança dos demais cidadãos e a aplicação da lei


para a manutenção da ordem.
Para assegurar a manutenção da ordem e a segurança dos
cidadãos, o Estado faz uso do denominado poder de polícia, o qual
recebe distintas, mas semelhantes, conceituações na doutrina.
Para Maria Sylvia Zanela di Pietro:

Poder de polícia é a faculdade que tem o


Estado de limitar, condicionar o exercício dos
direitos individuais, a liberdade, a
propriedade, por exemplo, tendo como
objetivo a instauração do bem-estar coletivo,
do interesse público” (2017, p 158).

O Código Tributário Nacional, por sua vez, apresenta a


definição legal do que vem a ser poder de polícia, senão vejamos:

Art. 78. Considera-se poder de polícia


atividade da administração pública que,
limitando ou disciplinando direito, interesse
ou liberdade, regula a prática de ato ou
abstenção de fato, em razão de interesse
público concernente à segurança, à higiene, à
ordem, aos costumes, à disciplina da
produção e do mercado, ao exercício de
atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do Poder Público, à
tranquilidade pública ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuais ou
coletivos.

Resumidamente, pois, podemos afirmar que a fim de


assegurar a incolumidade das pessoas e do patrimônio, e a

| 126
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

preservação da ordem pública, o Estado pode, de forma legítima,


utilizar seu poder de polícia e fazer uso da força policial, conforme
o preceito Constitucional insculpido no art. 144 da Constituição
Federal. Obviamente, para que haja legitimidade, a força policial
utilizada no caso concreto necessita ser moderada, ou seja, aquela
necessária a impedir a agressão a um bem jurídico protegido ou ao
cumprimento do ato legal a que se incumbe o policial durante sua
atuação.
Na tutela da vida, de igual modo o uso da força policial no
estrito cumprimento do dever legal ou em legítima defesa de
terceiro estará acobertada pelas excludentes de ilicitudes previstas
no art. 23 do Código Penal Brasileiro. Contudo, o agente do estado
poderá responder pelo excesso doloso ou culposo, conforme dispõe
o parágrafo único do referido dispositivo legal.
Lado outro, vindo o agente do Estado, mais precisamente o
policial, a atuar em desacordo com as normas estabelecidas,
ultrapassando os limites legais ou atuando sem a moderação
exigida, poderá incorrer em algum dos tipos penais previstos na
nova Lei nº 13.869/2019, denominada Lei de Abuso de Autoridade
(obviamente, se outro crime mais grave e diverso não for
praticado).
Contudo, antes de apresentar as hipóteses em que o
excesso da atuação policial poderá configurar a prática de crime de
abuso de autoridade é importante realizar uma breve
contextualização de tal fenômeno na legislação brasileira. Até o
advento da mencionada lei, vigorava em nosso país a Lei nº
4898/65, expressamente revogada pelo art. 44 da Lei nº
13.869/2019, a qual regulava o direito de representação e o
processo de responsabilidade administrativa, civil e penal nos
casos de abuso de autoridade. A lei revogada trazia no art. 3º e art.

127 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

4º as hipóteses em que o servidor público incorria na prática do


abuso de autoridade.
No seu art. 5º, a lei revogada conceituava o que deveria ser
entendido como autoridade para os efeitos legais, ou seja, àquelas
pessoas que estariam sujeitas às penas da lei caso praticassem um
dos atos previstos nos artigos anteriores. Assim, até o advento da
novatio legis, autoridade era quem exercia cargo, emprego ou
função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que
transitoriamente e sem remuneração.
A primeira consideração que merece ser feita, portanto, diz
respeito ao sujeito ativo dos crimes de abuso de autoridade. A nova
Lei nº 13.869/2019, em seu art. 2º, amplia consideravelmente o rol
de pessoas sujeitas ao cometimento de um dos delitos previstos na
norma. Agora, podem incidir na prática dos tipos penais de abuso
de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da
administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios
e de Território, compreendendo, mas não se limitando, servidores
públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas, membros do
Poder Legislativo, membros do Poder Executivo, membros do
Poder Judiciário, membros do Ministério Público e membros dos
tribunais ou conselhos de contas.
Por fim, a nova lei apresenta em seu art. 2º, parágrafo único,
o conceito de agente público, para os efeitos legais, apontando que
todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem
remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou
qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pela lei pode
ser sujeito ativo da novatio legis.

| 128
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Em que pese, porém, o fato de o rol de pessoas abarcadas


pelo conceito de agente público ter sido consideravelmente
ampliado pela nova lei, o que se nota, no entanto, é que
praticamente todos os tipos penais criados pela Lei nº
13.869/2019 dizem respeito única e exclusivamente à atuação
policial ou judicial em investigações, realização de diligências
policiais e processos criminais.
Na década de 90 a Itália viveu a chamada “Operação Mãos
Limpas” que desbaratou um grande esquema de corrupção
envolvendo licitações irregulares e uso do poder público em
benefício de pessoas e de partidos políticos. Inúmeros industriais,
políticos, magistrados e advogados foram presos. Doze pessoas
cometeram suicídio e vários partidos políticos foram extintos.
Depois disso, no entanto, foram criadas leis que dificultaram o
trabalho de policiais, Ministério Público e Judiciário. O resultado é
que, infelizmente, todo o trabalho que foi feito na “Mãos Limpas”
não fez com que a Itália se tornasse um país menos corrupto.7
A promulgação da Lei nº 13.869/2019 desperta atenção
para uma possível tendência de caminho semelhante ao seguido
pela Itália no pós “Mãos Limpas”. O que se percebe de alguns
setores no Brasil atual, em momentos pós auge da “Operação Lava
Jato”8, seria também uma suposta atuação de alguns membros do
Congresso Nacional, diretamente afetados e investigados na citada
investigação, para aprovação de leis que podem dificultar
sobremaneira a atuação policial, criando barreiras legais e
criminalizando condutas que certamente impedirão a atuação mais

7 Derrota do combate à corrupção – Jornal A Tribuna, 18/01/2019, Eugênio Ricas.


8 https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato

129 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

proativa de policiais, membros do Ministério Público e


magistrados.
Tal sentimento decorre da forma “a toque de caixa” como
referidas leis foram aprovadas pelo Congresso Nacional, com pouco
debate sobre temas tão importantes, e a previsão de tipos penais
abertos com o uso de expressões amplas e lacônicas, como por
exemplo, manifesta desconformidade”, (art. 9º, caput); “dentro do
prazo razoável”, (art. 9º, parágrafo único); “manifestamente ilegal”,
(art. 9º, parágrafo único, I); “manifestamente cabível”, (art. 9º,
parágrafo único, II e III); “manifestamente descabida”, (art.
10); “manifestamente ilícito”, (art. 25), por exemplo.
Além da nova lei de abuso de autoridade, a recém criação
do instituto conhecido como “juiz de garantias”, instituído pela Lei
nº 13.964/2019, e a alteração do entendimento do Supremo
Tribunal Federal no que tange à prisão após o transito em julgado
das sentenças condenatórias são apenas alguns exemplos que, em
tese, poderiam acender um alerta na sociedade brasileira, acerca
das possíveis repercussões que tais inovações legislativas podem
acarretar sobre as futuras investigações criminais, e sua plena
efetividade.

DOS CRIMES EM ESPÉCIE E O USO DA FORÇA POLICIAL

A nova Lei de Abuso de Autoridade (13.869/2019) foi


publicada no Diário Oficial da União no dia 05 de setembro de 2019
e previu uma vacatio legis de cento e vinte dias. Entretanto, no dia
18 do mesmo mês, ocorreu a publicação de uma retificação, com a
correção do art. 13 que inicialmente foi publicado sem o preceito

| 130
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

secundário, isto é, sem a previsão de pena ao crime previsto no


caput.
Entretanto, essa retificação em nada alterou o prazo de
vigência da lei, cujo início se deu no dia 03 de janeiro de 2020,
conforme o preceito do art. 8º, §1º, da Lei Complementar nº
95/2008. Assim, fatos ocorridos a partir do dia 03 de janeiro de
2020 passaram a estar sujeitos à incidência da nova Lei de Abuso
de Autoridade.
Antes de iniciarmos o estudo dos crimes em espécie que se
relacionam com o uso força policial, importante ressaltar que a
nova lei previu no art. 1º, caput, e §1º, o dolo específico do agente
(elemento subjetivo), consistente na vontade livre e consciente de
abusar do poder que lhe foi atribuído, no exercício de suas funções
ou a pretexto de exercê-las, com a finalidade específica de
prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda,
por mero capricho ou satisfação pessoal. Tal previsão trouxe
elementos normativos semelhantes ao crime de prevaricação,
tipificado no art. 319 do Código Penal, quais sejam, o interesse e o
sentimento pessoal.
Mister, salientar, ainda, que a divergência na interpretação
de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de
autoridade, conforme o previsto no §2º do citado art. 1º, o que nos
parece certa segurança para a atuação policial, desde que, é claro, a
conduta praticada pelo agente público seja passível de
fundamentação e razoável justificativa.
Na análise dos crimes previstos na nova lei que guardam
relação com o uso da força policial, podemos entender o uso da
força propriamente dito, concernente à abordagem policial nas
ruas, durante o cumprimento de mandados judiciais, dentre outras
ações, e também o uso da força policial quando o preso ou detido é

131 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

apresentado à polícia judiciária ou já se encontra em sede policial,


momento em que tem o seu direito de ir e vir restringido pela
atuação estatal do poder de polícia. Assim, pode-se dizer que
faremos, na presente análise, uma interpretação extensiva, ou seja,
não consideraremos apenas e tão somente o uso da força física
policial, mas, também, a força emanada do poder de polícia
propriamente dito e que traz aos indivíduos consequências
jurídicas.
Passamos agora ao exame dos crimes tipificados pela Nova
Lei de Abuso de Autoridade relacionados ao uso da força policial:

Art. 12. Deixar injustificadamente de


comunicar prisão em flagrante à autoridade
judiciária no prazo legal:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena
quem:
I - deixa de comunicar, imediatamente, a
execução de prisão temporária ou preventiva
à autoridade judiciária que a decretou;
II - deixa de comunicar, imediatamente, a
prisão de qualquer pessoa e o local onde se
encontra à sua família ou à pessoa por ela
indicada;
III - deixa de entregar ao preso, no prazo de 24
(vinte e quatro) horas, a nota de culpa,
assinada pela autoridade, com o motivo da
prisão e os nomes do condutor e das
testemunhas;
IV - prolonga a execução de pena privativa de
liberdade, de prisão temporária, de prisão
preventiva, de medida de segurança ou de
internação, deixando, sem motivo justo e
excepcionalíssimo, de executar o alvará de
soltura imediatamente após recebido ou de

| 132
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

promover a soltura do preso quando esgotado


o prazo judicial ou legal.

O caput do artigo 12 apresenta estreita relação com o


mandamento constitucional previsto no Art. 5º, LXII, segundo o
qual a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão
comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do
preso ou à pessoa por ele indicada, e também com o art. 306 do
Código de Processo Penal. Agora, a omissão dessas comunicações
constitui crime de abuso de autoridade, contudo, é necessária que
a conduta seja injustificada.
Aqui surge uma indagação: se a omissão injustificada, por
descuido do delegado de polícia ou dos policiais em serviço durante
a lavratura do auto de prisão em flagrante, mas sem a finalidade
específica de prejudicar o preso ou por mero capricho ou satisfação
pessoal do agente público, também caracterizaria o crime de abuso
de autoridade. Pensamos que não, mas será cabível a apuração de
falta funcional no âmbito administrativo, do responsável pela
omissão.
O caput do tipo em comento (art. 12) refere-se à omissão
da comunicação da prisão em flagrante à autoridade judiciária no
prazo legal.
Segundo o art. 306, caput, do Código de Processo Penal, a
prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão
comunicados imediatamente ao juiz competente. O §1º do mesmo
artigo prevê que em até 24 horas após a realização da prisão, será
encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e,
caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral
para a Defensoria Pública. Nesse mesmo prazo, será entregue ao
preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade

133 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e


testemunhas.
Na casuística policial, esse prazo “imediatamente” é
cumprido com o encaminhamento do auto de prisão em flagrante
ao juiz no prazo de vinte e quatro horas, em razão dos
procedimentos necessários à formalização do auto de prisão em
flagrante, apreensões, dentre outras diligências.
O parágrafo único traz as condutas equiparadas. No inciso
I, temos a comunicação imediata do cumprimento da prisão
temporária ou preventiva. Na interpretação do termo
“imediatamente” é preciso compreender que a atividade policial é
dinâmica e operacional, assim, é razoável e compreensível que
sejam necessárias algumas horas para se fazer a devida
comunicação.
O inciso II tipificou a omissão da comunicação da prisão à
família do preso ou à pessoa por ele indicada. Nesse caso, o
delegado de polícia deverá fazer constar no início do auto de
qualificação e interrogatório, o nome da pessoa para quem o preso
efetuou a ligação telefônica e comunicou sua prisão, bem como o
respectivo número, a fim de se evitar qualquer questionamento.
Outro ato de formalização da prisão em flagrante também
teve a sua omissão tipificada no inciso III, qual seja, deixar o agente
público de entregar ao preso a nota de culpa, no prazo de 24 horas,
assinada pelo delegado de polícia, com o motivo da prisão e os
nomes do condutor e das testemunhas. Tal providência já era
adotada na Polícia Federal e, certamente, também nas Polícias
Civis, em cumprimento ao art. 306 do CPP, cuja omissão poderia
ensejar o relaxamento da prisão em flagrante.
O inciso IV tipificou a conduta do agente público de
prolongar a execução da privação de liberdade do preso, seja

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

decorrente de condenação, de prisões cautelares, medida de


segurança ou de internação (no caso de menores), deixando, sem
motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura
imediatamente após recebido, ou deixar de promover a soltura do
preso quando esgotado o prazo judicial ou legal.
Nesses casos, também é importante observar que o
cumprimento imediato não pode prescindir da necessária
observância dos procedimentos de segurança, bem como após as
necessárias pesquisas a fim de se certificar de que o preso não
possui outra ordem judicial de prisão.
No tocante à prisão temporária, a Nova Lei de Abuso de
Autoridade incluiu o §4º-A ao art. 2º da Lei nº 7.960/89 (Lei da
Prisão Temporária), que agora prevê expressamente a necessidade
de se fazer constar do mandado judicial o período da prisão, bem
como o dia em que o preso deverá ser libertado.
A nova Lei também alterou a redação do §7º do citado art.
2º, para dispor que decorrido o prazo contido no mandado de
prisão, a autoridade responsável pela custódia deverá,
independentemente de nova ordem da autoridade judicial, pôr
imediatamente o preso em liberdade, salvo se já tiver sido
comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação
da prisão preventiva.

Art. 13. Constranger o preso ou o detento,


mediante violência, grave ameaça ou redução
de sua capacidade de resistência, a:
I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele
exibido à curiosidade pública;
II - submeter-se a situação vexatória ou a
constrangimento não autorizado em lei;
III - (VETADO).

135 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

III - produzir prova contra si mesmo ou contra


terceiro:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos,
e multa, sem prejuízo da pena cominada à
violência.

O tipo penal em comento previu a conduta do agente


público de constranger o preso ou detento, mediante atos de
violência, grave ameaça ou a redução de sua capacidade de
resistência, com a finalidade de (I) exibi-lo (ou parte de seu corpo)
à curiosidade pública, (II) submeter-se a situação vexatória ou a
constrangimento não autorizado em lei, ou (III) produzir prova
contra si mesmo ou contra terceiro.
A conduta tipificada pela nova lei exige o ato de violência,
grave ameaça ou a redução de sua capacidade de resistência, que
neste último caso seria a hipótese de se encontrar o preso ou
detento, por exemplo, algemado.
Buscou a nova lei proibir a divulgação pelos agentes
públicos, de imagens de pessoas sendo presas ou apresentadas
após a prisão. Nesse aspecto, já fazia parte do manual de
planejamento operacional da Polícia Federal a proibição de
divulgação dos nomes e das imagens dos presos, de forma a
garantir o preceito insculpido no Art. 5º, X, da Constituição Federal.
Não há que se falar, contudo, em crime nas hipóteses em
que a imagem do preso seja obtida em ambiente em que não haja o
controle do agente público, uma vez que nessas situações não
haverá a ação de constranger. É o caso por exemplo da imagem
obtida no momento em que há a escolta do preso para entrar e sair
da delegacia de polícia ou do prédio da justiça.
O inciso II tipificou a conduta de submeter o preso ou
detento a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

em lei. Segundo o Professor Marcelo de Lima Lessa (Lessa, p. 23),


“situação vexatória é aquela que humilha, traz vergonha, dor ou
aflição. É a execração pública”.
Quanto ao constrangimento não autorizado em lei,
entende-se que em razão da prática da infração penal a lei autoriza
certos constrangimentos ao preso, decorrentes da própria atuação
do estado, como o seu interrogatório pelo delegado de polícia, o uso
de algemas (se necessário à sua segurança ou dos policiais,
devidamente fundamentado), bem como a sua identificação
criminal nas hipóteses cabíveis. Por cautela, no entanto, deve o
profissional de polícia sempre lançar mão da necessária
fundamentação dos atos praticados com o devido embasamento
legal.
O inciso III tipificou a conduta de constranger o preso ou
detento, mediante violência ou grave ameaça, a produzir prova
contra si mesmo ou contra terceiro.
Tal conduta decorre do princípio da inexigibilidade de
autoincriminação ou nemo tenetur se detegere (também
denominado de princípio da autodefesa), “que assegura que
ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo”
(Távora, p. 96).). Nesse sentido, o preso ou detento tem direito ao
silêncio, com espeque no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal.
Nesse diapasão, o delegado de polícia e seus agentes
deverão realizar todas as diligências necessárias ao esclarecimento
do fato sob investigação, nos termos do art. 6º do Código de
Processo Penal, atentos para não incidir na conduta tipificada pela
nova lei.
Por fim, não podemos esquecer que a colaboração
voluntária do preso ou detento no esclarecimento do fato
criminoso sob investigação, que poderá se traduzir em seu

137 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

benefício, como redução de pena, afasta qualquer discussão sobre


a ocorrência do crime de abuso.

Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de


prisão, pessoa que, em razão de função,
ministério, ofício ou profissão, deva guardar
segredo ou resguardar sigilo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos,
e multa.
Parágrafo único. (VETADO).
Parágrafo único. Incorre na mesma pena
quem prossegue com o
interrogatório: (Promulgação partes
vetadas)
I - de pessoa que tenha decidido exercer o
direito ao silêncio; ou
II - de pessoa que tenha optado por ser
assistida por advogado ou defensor público,
sem a presença de seu patrono.

O artigo 207 do Código de Processo Penal diz o seguinte:

Art. 207. São proibidas de depor as pessoas


que, em razão de função, ministério, ofício ou
profissão, devam guardar segredo, salvo se,
desobrigadas pela parte interessada,
quiserem dar o seu testemunho.

Percebe-se, pois, que o artigo 15 da lei 13. 869/19 criou a


conduta que criminaliza o ato de constranger, sob ameaça de
prisão, as pessoas já mencionadas no artigo 207 do Código de
Processo Penal. Importante atentar para o fato de que, para a
ocorrência do delito em tela, é fundamental que haja a ameaça de

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

prisão. Caso a ameaça seja diversa, poderemos estar diante de


outro delito, mas não o do artigo 15.
O parágrafo único estabelece que incorre nas mesmas
penas aquele que prossegue com o interrogatório de pessoa que
tenha invocado seu direito constitucional ( CF/88, art. 5º, LXIII) de
permanecer em silêncio ou daquele que tenha optado por ser
assistido por advogado ou defensor público (e não seja atendido).
Alguns pontos, aqui, merecem ser destacados.
Em primeiro lugar, importa dizer que a conduta tipificada
é prosseguir com o interrogatório. Assim, aquele que prossegue,
por exemplo, com a tomada de depoimento ou de declarações não
incorre na prática do crime. A justificativa, por óbvio, reside no
quanto previsto no artigo 342 do Código Penal (Crime de Falso
Testemunho), isso porque o interrogatório consiste no ato de
inquirir pessoa suspeita de crime o qual, por expressa previsão
constitucional e legal (CF/88, art. 5º, LXIII e Código de Processo
Penal, art. 186) tem direito ao silêncio e de não produzir provas
contra si mesmo e, também, de ser acompanhado por advogado.

Art. 16. Deixar de identificar-se ou


identificar-se falsamente ao preso por ocasião
de sua captura ou quando deva fazê-lo
durante sua detenção ou prisão:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena
quem, como responsável por interrogatório
em sede de procedimento investigatório de
infração penal, deixa de identificar-se ao
preso ou atribui a si mesmo falsa identidade,
cargo ou função.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A Constituição da República, em seu artigo 5, LXIV


estabelece que o preso tem direito à identificação dos responsáveis
por sua prisão ou por seu interrogatório policial. O tipo penal em
apreço decorre, pois, da própria previsão constitucional que
assegura a todos o direito de conhecer os responsáveis por sua
prisão.
Percebe-se, pois, que aquele que deixa de identificar-se ou
que fornece identificação falsa incorre nas iras do artigo 16 em
análise. O mesmo crime pratica aquele que, responsável pela
realização de interrogatório, deixa de identificar-se ou apresenta
identificação falsa.

Art. 18. Submeter o preso a interrogatório


policial durante o período de repouso
noturno, salvo se capturado em flagrante
delito ou se ele, devidamente assistido,
consentir em prestar declarações:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos, e multa.

No artigo em comento, o legislador tipificou a conduta de


realizar o interrogatório do preso durante o período de repouso
noturno, salvo nos casos de prisão em flagrante delito ou se
acompanhado de advogado assim o consentir. Quanto o sentido da
expressão “período de repouso noturno”, entendemos que se
equivale ao conceito de noite, isto é, tal período corresponde a todo
período noturno. Segundo o Professor Pedro Lenza (Lenza, p. 890),
discorrendo sobre a inviolabilidade do domicílio, prevista no Art.
5º, XI, da Carta Magna, o melhor critério para definir a noite seria
conjugar a definição de parte da doutrina (6h às 18h) com a posição

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

do Ministro do STF, Celso de Mello, que utiliza um critério físico-


astronômico: a aurora e o crepúsculo.
Conforme o Enunciado nº 08 aprovado pela Corregedoria-
Geral da Polícia Federal – unidade competente para orientar a
interpretação e o cumprimento da legislação pertinente às
atividades de polícia judiciária e disciplinar – “não há óbice à
formalização de auto de prisão em flagrante de conduzido que
optar por ser assistido por advogado ou defensor público, quando
a presença do patrono não se fizer imediatamente possível. Diante
desta situação, a autoridade policial deve consignar a opção do
interrogando, registrando que o indiciado decidiu permanecer em
silêncio até oportuna orientação de seu defensor, sem prejuízo,
obviamente, de posterior inquirição, na presença de seu patrono”.

Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou


astuciosamente, ou à revelia da vontade do
ocupante, imóvel alheio ou suas
dependências, ou nele permanecer nas
mesmas condições, sem determinação judicial
ou fora das condições estabelecidas em lei:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos,
e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena, na forma
prevista no caput deste artigo, quem:
I - coage alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou
suas dependências;
II - (VETADO);
III - cumpre mandado de busca e apreensão
domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou
antes das 5h (cinco horas).
§ 2º Não haverá crime se o ingresso for para
prestar socorro, ou quando houver fundados
indícios que indiquem a necessidade do

141 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

ingresso em razão de situação de flagrante


delito ou de desastre.

No presente caso, o caput da nova lei criminalizou conduta


semelhante à violação de domicílio. Observe-se, no entanto, que no
caso do crime previsto no art. 150 do Código Penal (Violação de
Domicílio) a pena prevista é a detenção de 1 a 3 meses (quando
praticado durante o dia) ou detenção de 6 meses a 2 anos (quando
praticado durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de
violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas). Em qualquer
das hipóteses, portanto, a novatio legis tornou a punição da conduta
mais severa.
Como condutas equiparadas, o legislador acrescentou os
incisos I (coação de alguém, mediante violência ou grave ameaça,
para franquear a entrada ao imóvel) e III (cumprimento de
mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h e antes das
05h), e, no parágrafo segundo, incluiu exceções em que não haverá
a prática do crime, muito embora tenha havido a entrada em algum
domicílio. Merece destaque o fato de que, em havendo necessidade
por situação de flagrante delito, não haverá a prática de crime,
estando justificada a ação policial. No mesmo sentido, se o agente
não incidir nos elementos normativos do tipo “clandestina” e
“astuciosamente” não incidirá no tipo penal em análise.
Curiosamente, no caso do inciso III, a nova lei alargou a
restrição de estatura constitucional, prevista no Art. 5º, XI, da
Constituição Federal, segundo a qual a casa é asilo inviolável do
indivíduo e que, por determinação judicial, só pode ser adentrada
durante o dia. Parece-nos que neste ponto, o novo dispositivo
afronta a Carta Magna e poderá ter questionada sua
constitucionalidade.

| 142
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Art. 24. Constranger, sob violência ou grave


ameaça, funcionário ou empregado de
instituição hospitalar pública ou privada a
admitir para tratamento pessoa cujo óbito já
tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou
momento de crime, prejudicando sua
apuração:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos,
e multa, além da pena correspondente à
violência.

O tipo penal no presente caso exige a especial finalidade de


alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração e,
para sua ocorrência, a conduta deve ser praticada com uso de
violência ou grave ameaça. Destaque, também, para as possíveis
vítimas que são específicas, ou seja, somente funcionário ou
empregado de instituição hospitalar pública ou privada podem ser
sujeitos passivos do presente crime.
Importante atentar para o fato de que o policial não é
profissional de saúde e, em grande parte dos casos, não pode
atestar com certeza a ocorrência do óbito. Na maior parte das
ocorrências, portanto, caberá ao policial prestar o devido socorro,
ficando à cargo dos profissionais de saúde a responsabilidade de
atestar o momento da morte. Obviamente, vale ressaltar, para a
configuração do presente tipo penal é fundamental que o policial
tenha agido com a expressa intenção de alterar o local ou o
momento do crime, caso contrário, estaremos diante de fato
atípico.
No âmbito das instituições de segurança pública federais, a
questão envolvendo o socorro de pessoas é disciplinado pela
Portaria Interministerial nº 4.226, de 31 de dezembro de 2010, que

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

prevê em seu Art. 1º o estabelecimento de diretrizes sobre o Uso da


Força pelos agentes de segurança pública, nos termos do Anexo I.
A observância dessas diretrizes é obrigatória pela Polícia
Federal, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário
Federal e Força Nacional de Segurança Pública, conforme o
disposto no Art. 2º da citada norma.
O item 10 do Anexo I, prevê que quando o uso da força
causar lesão ou morte de pessoa, o agente de segurança pública
envolvido deverá realizar as seguintes ações: a) facilitar a
prestação de socorro ou assistência médica aos feridos, b)
promover a correta preservação do local da ocorrência, c)
comunicar o fato ao seu superior imediato e à autoridade
competente, e d) preencher o relatório individual correspondente
sobre o uso da força disciplinado na Diretriz nº 22.

Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar


procedimento investigatório de infração
penal ou administrativa, em desfavor de
alguém, à falta de qualquer indício da prática
de crime, de ilícito funcional ou de infração
administrativa:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos, e multa.
Parágrafo único. Não há crime quando se
tratar de sindicância ou investigação
preliminar sumária, devidamente justificada.

Antes de passarmos à análise do presente tipo penal é


importante esclarecer que consideramos, no presente caso, que a
instauração de inquérito policial pode, sim, ser considerada como
uso da força por parte da polícia judiciária. Ora, é a partir da
instauração de um inquérito policial e do devido indiciamento de

| 144
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

um suspeito que o indivíduo tomará ciência de que pesa contra si


determinada imputação de fato definido como crime.
O primeiro comentário que merece ser feito quanto ao tipo
penal em tela é que se trata de crime de natureza própria, ou seja,
apenas quem tem o poder legal de requisitar instauração ou de
instaurar de ofício procedimento investigatório (penal ou
administrativo) pode ser sujeito ativo do presente delito. Além
disso, importa destacar que para que o delito em apreço seja
praticado é imprescindível que não haja qualquer indício da prática
de crime, ilícito funcional ou infração administrativa. Havendo,
contrario sensu, indícios mínimos, estaremos diante de fato atípico.
Considera-se indício, segundo o disposto no art. 239 do
Código de Processo Penal, a circunstância conhecida e provada,
que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a
existência de outra ou outras circunstâncias.
Assim, na portaria inaugural do inquérito policial o
delegado de polícia deverá demonstrar os indícios da prática do
crime, em observância à motivação dos atos administrativos. O
mesmo se aplica, obviamente, na apuração de possíveis infrações
administrativas, isto é, a autoridade competente deverá
fundamentar a decisão com os indícios da prática da falta
disciplinar.
O parágrafo único estabelece a exceção nos casos em que
sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente
justificada, for instaurada.
Sobre o delito em questão, a Corregedoria-Geral da Polícia
Federal também aprovou o Enunciado nº 10, com o seguinte teor:
“Não constitui abuso de autoridade, para os fins do artigo 27 da Lei
nº 13.869/2019, a instauração de procedimento de verificação de
procedência de informações, quando, na forma da normatização

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

interna de polícia judiciária, a notícia-crime for anônima ou não


possibilitar a imediata instauração de inquérito policial.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O advento da nova lei 13.869/2019 inovou na previsão de


uma série de condutas que passaram a ser consideradas
criminosas. Boa parte delas diz respeito à atuação das polícias,
indiscriminadamente, ou seja, guardas municipais, polícias
militares, polícias civis, polícias federais podem, eventualmente, ter
integrantes acusados de praticarem um ou mais de um dos novos
delitos.
Longe de pretender exaurir o assunto, buscamos, com o
presente capítulo, apresentar de forma inicial, os artigos que
possuem relação com a atividade policial, notadamente, naqueles
casos em que há o uso da força ainda que, como já dito,
considerando uma interpretação extensiva da expressão (uso da
força).
Por se tratar de lei extremamente nova, ainda não temos
jurisprudência nem consenso doutrinário acerca dos principais
pontos da novatio legis. Acreditamos ser de grande importância, no
entanto, um olhar atento não só à lei sob análise, mas a todas as
iniciativas legislativas que buscam cercear, de uma forma ou de
outra, atividades policiais/investigativas. Conforme já dito,
vivemos um momento pós Operação Lava Jato em que pode haver
(ou estar havendo) uma reação legislativa que busca obstaculizar
novas iniciativas como essa.
O grande problema, no entanto, é que vivemos em um país
onde impera a violência. Contamos com mais de 50.000 homicídios

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

por ano e a mesma lei que busca amarrar as mãos de quem


investiga o criminoso de colarinho branco, acaba por paralisar as
mãos daqueles profissionais que buscam identificar as
organizações criminosas responsáveis por ceifar tantas vidas Brasil
afora. É necessário, assim, que a sociedade esteja vigilante e que
iniciativas que visam coibir o trabalho policial sejam rechaçadas
pelos próprios brasileiros que escolhem seus representantes no
Congresso.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Tributário Nacional.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 30. Ed. –


São Paulo: Atlas, 2017. 882p

LESSA, Marcelo de Lima. Padrões Sugeridos de Conduta Policial


Diante da Nova Lei de Abuso de Autoridade, pg. 23

WEBER, Max. (1983[1918]), Ciência e política: Duas vocações. São


Paulo, Cultrix.

ZANETIC, André. Policiamento, segurança privada e uso da força:


Conceito e características descritivas. 2012

Derrota do combate à corrupção – Jornal A Tribuna, 18/01/2019,


Eugênio Ricas

Curso de Direito Processual Penal – Nestor Távora. Rosmar


Rodrigues Alencar. 12ª ed. Pag,96

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 15ªed, pag.


890

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

ENUNCIADO Nº 08-COGER/PF, de 9 de abril de 2020. Boletim de


Serviço nº 82. Brasília-DF, 30 de abril de 2020. Da Corregedoria-
Geral da Polícia Federal.

ENUNCIADO Nº 10-COGER/PF, de 9 de abril de 2020. Boletim de


Serviço nº 82. Brasília-DF, 30 de abril de 2020. Da Corregedoria-
Geral da Polícia Federal.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 6
AS MUNIÇÕES DE IMPACTO CONTROLADO
COMO ALTERNATIVA TÁTICA NO USO DA
FORÇA

Ederson Reis da Rocha

O presente capítulo visa apresentar as munições de


impacto controlado, conhecidas popularmente como balas de
borracha, como uma alternativa tática no uso da força pelos agentes
encarregados de aplicação da lei no cenário nacional, bem como
posicioná-las dentro do escalonamento da força no modelo de uso
da força adotado pela Polícia Militar do Distrito Federal e ainda
apresentar dados coletados em oficinas de treinamento de tiro
policial não letal para o XI Curso de Operações Químicas da Polícia
Militar do Distrito Federal, que justificará o seu posicionamento
dentro da pirâmide de uso da força e como alternativa tática para
tal.

CONTEXTUALIZAÇÃO

O Brasil, assim como qualquer outra República


democrática, passa por constantes mudanças políticas, econômicas
e sociais que por sua vez melhoram as expectativas de vida das
pessoas, e isso vem provocando o crescimento acelerado da

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

população, com ênfase nos grandes centros urbanos e em suas


regiões limítrofes, que chamamos de regiões metropolitanas.
Contudo, cabe salientar que tal crescimento não vem
acompanhado na mesma proporção e velocidade dos meios
necessários para garantir a dignidade da pessoa humana e assim
atender as necessidades básicas do ser humano como: emprego,
saúde, habitação, educação, transporte público de qualidade,
dentre outras.
Nesse cenário o Distrito Federal não é diferente e por isso,
a Polícia Militar do Distrito Federal busca proporcionar o acesso, a
disseminação e a criação de formadores de opinião sobre as
Técnicas e Instrumentos de Menor Potencial Ofensivo e o seu
emprego nas ações policiais de segurança pública, seguindo a
doutrina do “Uso Diferenciado da Força”, formalizado pela Portaria
Interministerial nº 4.226 de 31 de dezembro de 2010,
recepcionada no âmbito da Polícia Militar por meio da Portaria
PMDF 801 de 15 de agosto de 2012, e orientar o policial militar na
seleção adequada da força por meio da Portaria PMDF 843 de 14 de
março de 2013, permitindo assim a especialização de seus policiais
membros.
Mas a questão que sempre buscamos responder de
maneira adequada é a seguinte, porque os órgãos de segurança
pública precisam utilizar a força para poder conter uma
manifestação que busca a melhoria de direitos legítimos como os
que já vimos acima. Isso ocorre muitas vezes porque infiltrados no
meio dos manifestantes de bem estão pessoas que militam em
causa própria e partilham de pensamentos e objetivos diversos aos
dos manifestantes e se aproveitam de um certo anonimato,
protegidos pela quantidade de pessoas envolvidas e dessa forma
iniciam suas ações delituosas, promovendo quebras de patrimônio

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

público, saques em lojas, depredação de empresas, tudo visando


uma causa alheia aos verdadeiros motivos que geram a
manifestação até o momento legítima. Por isso, o Estado se vê na
obrigação de restaurar a ordem, a paz e a segurança pública, como
está previsto na nossa Carta Magna, que o Estado tem o dever de
preservar o patrimônio público, bem como garantir a segurança da
sua população. Destarte, é de suma importância que os órgãos de
segurança empreguem a força necessária para conter estas
manifestações e restabelecer a ordem e a paz pública.
Dentro desse contexto o tiro policial não letal, menos que
letal, de baixa letalidade ou de menor potencial ofensivo, por meio
das munições de impacto controlado, se torna uma alternativa
tática importante na ação policial militar, uma vez que a sociedade
que nomeia o policial como seu defensor, espera que este faça o uso
legal, necessário, oportuno, moderado e proporcional da força
utilizando de alternativas táticas e técnicas que tem a sua
disposição.
Com a informação de que as munições são elementos
lançados, animados por uma carga de projeção e partem do interior
de alguma arma ou um lançador específico. E que nas munições
temos todos os elementos que são necessários para que essa
propulsão aconteça. Aliado a isso temos diversos tipos de
munições. Essas encontram em seus projéteis, a parte da munição
que é lançada para fora do interior da arma e de encontro a um
objetivo, diversos tipos de materiais, com a finalidade de alcançar
objetivos distintos ao se disparas uma munição de impacto
controlado.
Assim, por analogia entendemos que as munições de
impacto controlado a serem empregadas em espingardas (gauge

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

12) 9 e lançadores (calibre 37 mm, 38.1 mm e 40 mm x 46mm), que


são unidades modernas das armas de fogo, e nelas se reúnem os
elementos projetados e necessários à alimentação da arma,
possibilitam seu emprego tático/operacional contra pessoas ou
materiais com menor ofensividade.
Destarte, as munições de impacto controlado são espécies
de instrumentos de menor potencial ofensivo, destinadas a
provocar intimidação psicológica, por meio de disparos
direcionados para as pernas do agressor.
Como ensina a experiência profissional existem casos
especiais como as ocorrências de “Gestão de Grandes Massas” em
que pode ser necessário o uso das munições de impacto controlado.
Essas munições têm sido desenvolvidas e aperfeiçoadas
principalmente por causa de suas aplicações policiais, com a
finalidade de obedecer aos conceitos não letais, ou de baixa
letalidade e ainda para dar uma resposta mais adequada para a
população em termos de contenção e restabelecimento da ordem,
buscando o mínimo de leões possíveis, baixando os riscos de
provocar o evento morte com vistas a alcançar um efeito de
persuasão psicológica, por meio da intimidação provocada pelo
estímulo doloroso, característica nata das munições e ainda
buscando a aplicação da lei em todos os casos.
Por seu emprego, funções e tecnologia, as munições de
impacto controlado podem ser classificadas como recursos

9 Gauge 12 – diâmetro do cano de uma arma baseado em polegadas por libras, assim um
canhão de 1 gauge tinha o diâmetro equivalente a uma esfera de chumbo de 1 libra. Na
medida em que as armas tiveram os canos reduzidos para serem portáteis, foi necessário
adaptar também a unidade de medida. Então criaram-se subdivisões desta medida
grande. Desta forma um cano em que uma esfera de 1 libra não passe, mas apenas uma
esfera que tenha um duodécimo (1/12) de libra, ou o equivalente a 18,53mm. Este é o
chamado calibre 12, ou seja, um cano em cujo diâmetro serve perfeitamente uma esfera
de chumbo com 1/12 libra.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

antipessoais de restrição física. O efeito da intimidação psicológica


é alcançado quando a munição, ao atingir seu objetivo, provoca
hematomas e fortes dores, desencorajando os agressores a
continuarem com suas ações delituosas e ainda alcança outras
pessoas que possam estar no mesmo ambiente e com o mesmo dolo
delituoso. Essas pessoas, no momento em que veem os hematomas
e escutam os relatos da dor experimentada por outros agressores,
indubitavelmente, não querem vivenciar a mesma experiência e
essa percepção se propaga em todas as pessoas que estão próximas.
Esse evento quebra o fator anonimato que estava
acobertando os infratores, pois a partir desse momento eles são
identificados e enfraquecidos diante dos seus seguidores e diante
de todas as pessoas que por algum motivo estavam se sentindo
seguros para cometer atos em desacordo com o ordenamento
jurídico.
O disparo com a munição de impacto controlado deverá ser
realizado na região das pernas, pois o emprego desse tipo de
munição provoca hematomas bem marcados, lesões reversíveis a
curto prazo, além de uma dissuasão psicológica alcançada pelo
intenso estímulo doloroso no momento do impacto do projétil no
corpo da pessoa. Esse efeito pode ser constatado no estudo
realizado em oficina de tiro policial não letal para o X Curso de
Operações Químicas, no ano de 2019. Esta teve o objetivo de
analisar alguns dados acerca das munições de impacto controlado,
nela conseguimos aferir a velocidade do projétil na saída da boca
do cano da arma, a deformação em profundidade e diâmetro que
tais munições podem provocar quando colidirem contra um alvo
humano. Para coletar estes dados utilizamos do cronógrafo

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

shooting suplies 10 da fabricante Caldwell, modelo Precision


Chronograph, lançador modelo AM 600 de numeração C5b636,
Lançador AM640 de numeração C1682 ambos do fabricante
Condor e espingarda modelo M3 Super 90 de numeração M677710
do fabricante Benelli, bem como as seguintes munições abaixo
relacionadas:

Cump.
Munição Mdl Fab. Lote VD Peso
total
Monoimpacto
com holow base
e saia AM
Condor GNP-O 2023 23g 63mm
estabilizadora 403/P
de longo
alcance
Monoimpacto
com holow base
e saia AM
Condor AVOX19 2024 21g 62mm
estabilizadora 403/PSR
de curto
alcance
Monoimpacto
AM 470 Condor FRJ-F 2022 156g 100mm
expansível
Monoimpacto
com ponta de NT 901 Condor FWW-I 2022 94g 99mm
espuma de EVA
Monoimpacto
com ponta de NT
Condor FRJ-G 2022 103g 98mm
espuma de EVA 901/CS
com carga de CS
Considerando que a temperatura do dia do teste,
30/11/2019, era de 32ºC, aferida pelo sitio climatempo11, e, depois
de efetuados os disparos de aferição com a arma passamos a
realizar disparos para a coleta dos dados mencionados.

10 Cronógrafo shooting suplies – aparelho utilizado para aferir a velocidade do projétil


a 20cm da saída da boca do cano da arma.
11 HTTPS://www.climatempo.com.br.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A oficina se deu com a dinâmica a seguir, para medir a


velocidade de cada munição objeto deste estudo, efetuamos 03
(três) disparos que tiveram por objetivo aferir a velocidade em
metros por segundo (m/s). Depois de efetuados os disparos,
fizemos uma média aritmética para chegar à velocidade média de
cada projétil conforme o seu lote de fabricação e sua data de
validade. Assim, chamaremos de V1 o primeiro disparo de aferição
de velocidade, V2 o segundo disparo, V3 o terceiro disparo e de VM
a velocidade média constatada após as três aferições. No quadro
abaixo, seguem os resultados:

Munição V1 (m/s) V2 (m/s) V3 (m/s) VM (m/s)


AM – 403P 289 266 276 277
AM – 115 108 110 111
403PSR
AM – 470 93 80 69 80,66
NT – 901 116 110 107 111
NT – 901/CS 105 115 118 112,66

Ao levar em consideração os cenários das manifestações no


Distrito Federal, tais como o restabelecimento da ordem pública, a
gestão democrática de movimentos sociais, as atuações em praças
desportivas e restabelecimento da ordem em unidades prisionais e
ainda a ações de operações especiais em procedimentos de
abertura de portas, as equipes de patrulhamento tático foi
constatado que os modelos de munições que são mais utilizados
neste meio policial são as munições de impacto controlado
monoimpacto com saia estabilizadora de longa e curta distância12.
Por estes motivos os testes realizados buscando aferir a

12 Monoimpacto com saia estabilizadora de longa e curta distância – munição de


elastômero dotada de somente um projétil com corpo tipo flecha cuja base é oca, local
em que a energia de projeção é concentrada por isso chamada de saia estabilizadora.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

profundidade e diâmetro em centímetros de deformação do alvo


que simulam o corpo humano reduziu-se pra dois tipos de munição,
o modelo AM 403P e AM 403PSR ambos do fabricante Condor.
Segundo informação do catálogo técnico do fabricante, o
modelo de munição para combate a longa distância, chamada de
AM 403P, tem alcance de utilização que vai a 50 metros,
considerando que a menos de 20 metros o disparo torna-se
potencialmente letal e que a mais de 50 metros ele pode ser
considerado ineficaz, logo as distâncias elegidas para a aferição do
teste foram as de 20 e 30 metros, desconsideramos a distância de
50 metros por constatar que a essa distância um agressor não seria
capaz de atingir uma equipe policial e que o disparo sofrerá maior
interferência da velocidade do vento o que levará o projétil a
desviar mais facilmente do seu objetivo.
Os disparos foram efetuados em uma peça de sabão
balístico, que simula a densidade e dureza dos tecidos moles do
corpo humano, e que é capaz de se deformar e manter a deformação
possibilitando a aferição dos dados produzidos.
Segue abaixo o quadro demonstrativo do teste para a
munição monoimpacto, modelo AM 403P do fabricante Condor:

Munição AM 403P Profundidade (cm) Diâmetro (cm)


Distância 20m 13,9 9,0
Distância 30m 8,7 8,5
Para a aferição da deformação do tecido humano
provocada por uma munição monoimpacto com saia estabilizadora
de curto alcance, utilizamos o modelo de munição AM 403PSR, que
segundo suas especificações técnicas de possui uma distância de
utilização de 5 a 20 metros, sendo que a menos de 5 metros ela pode
ser considerada potencialmente letal e a mais de 20 metros
ineficaz. Diante disso elegemos para o nosso cenário de testes 03

| 156
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

(três) distâncias básicas, 5, 10 e 20 metros, pois em diversas


atuações de equipes de patrulhamento tático, em alguns confrontos
em estabelecimentos prisionais e em operações de equipes de
especiais o confronto policial ocorre a curtas distâncias. Assim
seguem os dados na tabela a seguir:

Munição AM Distância 5m Distância 10m Distância 20m


403PSR
Profundidade 8 12 7
Diâmetro 2,2 1,5 3

Diante dos dados apresentados nos testes, o policial, no


emprego das munições de impacto controlado deverá evitar a
visada na cabeça, face, pescoço, tórax, braços e região genital,
considerando o risco de lesão grave. As munições de impacto
controlado não poderão ser utilizadas como instrumento de
punição, ainda que consideradas tecnologias de menor potencial
ofensivo. Na ação operacional, o policial militar ao pretender
utilizar a munição de impacto controlado deverá, sempre que
possível, notificar os membros da sua equipe sobre o emprego, pois
caso o disparo seja perdido e por se tratar de uma munição tida
como de baixa letalidade é sempre necessário o apoio de cobertura
por arma de fogo tradicional para garantir assim a integridade
física dos operadores.
Depois de analisados os dados coletados nas oficinas,
observamos que as lesões provocadas são capazes de reduzir a
capacidade combativa dos agressores, pois tomando por analogia,
uma lesão nas pernas pode colocar um atleta de ponta fora de uma
disputa esportiva como podemos observar em diversos casos de
lesões musculares oriundas de traumas, principalmente na
modalidade futebol, pois afetam tecidos musculares importantes e

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

comprometem a movimentação efetiva dos atletas. O Mesmo


acontece com pessoas comuns. No momento em que são alvejadas
pelos disparos acontece uma deformação dos tecidos musculares,
rompimento de vasos sanguíneos periféricos, que geram o
endurecimento do tecido muscular comprometendo suas fibras
mais próximas ao tecido ósseo, gera assim intensa dor e
dificultando os movimentos naturais de contração e de extensão
muscular. A gravidade dessa lesão depende do local de impacto, o
estado de ativação dos músculos envolvidos, a idade da pessoa,
bem como do nível de contração muscular no momento do impacto,
da vascularização do músculo atingido e ainda da capacidade de
coagulação do corpo.
Todos esses fatores irão dizer o quão severa foi a lesão
provocada e o quanto aquele agressor ficou debilitado
momentaneamente. Essa debilitação nos dirá o nível em que a sua
capacidade combativa foi afetada e como ele conseguirá reagir a
essa debilidade contundente, pois dependendo da profundidade e
do diâmetro da deformação, os tecidos musculares atingidos serão
os mais próximos do tecido ósseo, condição que agrava a lesão e
aumenta o comprometimento muscular afetando mais ou menos a
capacidade de reação de uma pessoa.
Cabe salientar e deixar claro ao policial que embora as
munições de impacto controlado sejam modernas e façam parte de
um rol de alternativas de menor potencial ofensivo e ainda exista
uma normativa que diz que o emprego da força pelo agente
encarregado de aplicação da lei seja gradual, moderada e
proporcional, o porte de armamento com munições de impacto
controlado não dispensa o porte do armamento de fogo com
recurso letal porque aquele está presente no escalonamento da

| 158
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

força assim como este é o último recurso policial antes que ele seja
agredido de forma letal.
O emprego da arma de fogo, com recurso letal, só deverá
ocorrer nos casos em que o agressor apresentar comportamento
que represente risco de morte ao policial militar ou a terceiros,
considerando as situações de exclusão de ilicitude e as fundadas
razões na ação policial, bem como o uso da força para conter o
agressor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto e considerando que o uso da arma de


fogo pelo policial deve ser precedido dos princípios norteadores
previstos em lei, como no caso da legítima defesa própria ou de
outrem, do estado de necessidade ou em estrito cumprimento do
dever legal, podemos facilmente identificar que este patamar de
força ocupa o quarto nível de força13, como o previsto na Portaria
PMDF 843 de 14 de março de 2013.

13 Nível do uso da força- é a intensidade da força selecionada pelo agente de segurança


pública em resposta a uma ameaça real ou potencial.
1º Nível-Presença policial: consiste tão somente na dissuasão do cometimento de ilícito
pela presença ostensiva do aparato policial militar.
2º Nível-Advertência policial: consiste na dissuasão do cometimento de ato ilícito por
meio de advertência verbal, sinais ou gestos do policial militar.
3º Nível-Intervenção física: consiste no impedimento do ilícito, captura e/ou
desarmamento de perpetrador por meio de força física do policial militar sem utilização
de instrumento.
4º Nível de força-utilização de instrumento de menor potencial ofensivo: consiste no
impedimento do ilícito, captura e/ou desarmamento de perpetrador por meio da
utilização pelo policial militar de instrumento de menor potencial ofensivo, tais como as
munições de impacto controlado.
5º Nível-Uso de Armamento letal: Consiste no uso de armamento letal para neutralizar
a agressão do perpetrador.

159 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Destarte, como está descrito na supramencionada portaria,


o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo está graduado
no quarto nível de força, pois as munições de impacto controlado
são desenvolvidas para conter, debilitar ou incapacitar
temporariamente pessoas e assim minimizar danos a integridade
física dos cidadãos, sendo classificadas desta forma neste patamar
de força.
Por esses motivos e balizados pelos testes apresentados
anteriormente temos nestas munições modernas uma alternativa
tática no momento dos enfrentamentos regulares dos policiais com
agressores diversos, seja nas ações de patrulhamento tático, em
momentos em que agressores oportunistas tentam impedir que o
serviço policial seja realizado com eficiência, sejam em outros em
que manifestações legítimas sejam tomadas por pessoas alheias a
causa e que tentam transformar o movimento em tumultos
generalizados com quebra da ordem pública, ou ainda em eventos
inesperados operados por equipes de operações especiais em que
se exige uma pronta resposta da polícia, aplicação da lei e
salvaguarda da integridade física de inocentes.
Em tais momentos, as munições de impacto controlado
podem surgir como uma alternativa tática ao emprego de armas de
fogo letais ou outros instrumentos mais contundentes, uma vez que
o disparo com estas munições se torna muito intimidatório, pois,
elas são disparadas por armas que podem ser utilizadas com
munições letais ou por lançadores destinados somente ao disparo
de munições de impacto controlado, mas que pela própria
composição da munição, tendo em vista a carga de projeção ser
composta em sua grande maioria por pólvora negra, produz som e
faíscas na boca do cano semelhantes às munições letais,
características essas que levam as pessoas leigas ao assunto

| 160
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

imaginarem que estão sendo disparadas munições que provocam o


evento morte.
E por último, as lesões e o estímulo de dor que é levado pelo
sistema nervoso ao cérebro, aliado à formação de grandes
hematomas, produzidos pelo rompimento de vasos sanguíneos
periféricos e deformação de tecidos musculares importantes para
a locomoção, provoca incapacitação temporária seguida de lesão
igualmente temporária, desestimulando os agressores a
continuarem seus atos delituosos e levando as operações policiais
a efetividade.
Por último, após analisar tecnicamente os testes realizados
na oficina com as munições de impacto controlado acima
apresentadas, podemos chegar a conclusão que o melhor disparo,
aquele que entregará a maior efetividade da munição de impacto
controlado AM 403P a uma velocidade média de 277 metros por
segundo, será o efetuado a distância de 20 metros, pois ele será
capaz de transferir a maior quantidade de energia cinética presente
no projétil, provocando assim uma deformidade no tecido
muscular de proporção considerável como apresentando nos
dados coletados acima acerca de profundidade e diâmetro de
deformação.
No mesmo fulcro, temos a munição de impacto controlado
AM 403PSR a uma velocidade média de 111 metros por segundo,
que diferentemente da munição de longa distância, terá a mesma
efetividade de entrega de energia cinética ao longo de todo o seu
lapso espacial de emprego, pois ora a profundidade da lesão é
maior que o diâmetro, ora o diâmetro é maior que a profundidade.
No entanto, ambas deformações provocam hematomas
contundentes, que comprometem de igual forma os tecidos
musculares de locomoção, fato que nos leva a concluir que o

161 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

disparo com essa munição terá a mesma eficiência nas 03 (três)


distâncias em que foi testada.
Pelo exposto, as munições de impacto controlado entram
em um leque de alternativas táticas que podem ser empregadas em
diversos eventos em que seja necessária uma intervenção do
Estado de maneira mais pontual e que exija um nível de força maior,
pois uma vez retirada a capacidade de locomoção de uma pessoas,
por meio de uma lesão contundente, temos o comprometimento da
capacidade de reação desta no quesito combatividade, uma lesão
como essa desestimula psicologicamente o agressor faz com que ele
mude de atitude e deixe a prática delituosa e saia do cenário
buscando melhorias para sua condição de lesionado, aliado a esse
fator temos o efeito da imitação, pois a pessoa ao lado vê o que
aconteceu, a reação do agressor no momento em que foi atingido,
na sua busca por um lugar seguro longe dos disparos de munição
de impacto controlado e sem pensar ou se posicionar sobre a ação,
considerando que ela seja atraente, adere a ideia de abandonar o
local e buscar por um abrigo. Desta forma temos a quebra de um
liame subjetivo, de algumas pessoas praticarem juntas atos
delituosos mas, que foram desencorajados por um disparo de uma
munição de impacto controlado que chegou ao seu objetivo com
efetividade, tirando de combate uma pessoa alvejada e por efeitos
psicológicos junto a ele outras que estavam acompanhando-o
naqueles atos.

REFERÊNCIAS

HOLMES, Allen – Subsecretário de Defesa EUA, por ocasião da II


Conferência de Defesa Não-Letal, na Virgínia, em 1996.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Portaria Interministerial nº. 4.226, de 31


de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes sobre o uso da força
pelos agentes de segurança pública. Disponível
em https://www.conjur.com.br/dl/integra-portaria-
ministerial.pdf. Acesso em 28.3.2018

OLIVEIRA, João Alexandre Voss de; GOMES, Gerson Dias; FLORES,


Érico Gomes. Tiro de combate policial: uma abordagem técnica.
Erechim: São Cristovão, 2001.

PAIM, Carlos Renato Machado. M2PM – Manual de Operações de


Choque da PMDF. PMDF: Brasília, 2005. Disponível em:
https://intranet.pmdf.df.gov.br/controleLegislacao2/PDF/734.PD
F Acesso restrito ao conteúdo com login e senha.

POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. Portaria nº. 801, de 15


de agosto de 2012. Adota as diretrizes estabelecidas no anexo I
da portaria interministerial nº 4226 de 31 de dezembro de
2010, que trata a respeito do uso da força, no âmbito da Polícia
Militar do Distrito Federal. Disponível em:
https://intranet.pmdf.df.gov.br/controleLegislacao2/PDF/1855.p
df Acesso restrito ao conteúdo com login e senha.

POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. Portaria nº. 843, de 14


de março de 2013. Aprova a diretriz do uso da força da Polícia
Militar do Distrito Federal. Disponível em:
https://intranet.pmdf.df.gov.br/controleLegislacao2/PDF/1918.p
df Acesso restrito ao conteúdo com login e senha.

MINISTÉRIO DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS


HUMANOS. Resolução 06 de 18 de junho de 2013. Dispões sobre
recomendações do conselho de defesa dos direitos da pessoa
humana para garantir os direitos humanos e a aplicação do
princípio da não violência no contexto de manifestações de
eventos públicos, bem como na execução de mandados
judiciais de manutenção e de reintegração de posse.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-


informacao/participacao-
social/old/cndh/resolucoes/2013/resolucao-06-2013/view.

Sítios:
https://bmjopen.bmj.com/content/7/12/e018154.full
HTTPS://www.climatempo.com.br
https://defesa.org/dwp/o-que-significa-gauge/
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S10081275150
01650

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 7
TIPOLOGIA DO CAUSADOR EMOCIONALMENTE
E MENTALMENTE PERTURBADO EM
INCIDENTES CRÍTICOS: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA

Edson Dias Santos

O presente capítulo visa apresentar uma atualização da


tipologia direcionada a indivíduos classificados como
emocionalmente perturbados e mentalmente perturbados
considerados como causadores do incidente crítico, estes de alta
complexidade e intensidade que demostram uma carência e falta
de uma resposta da polícia em detrimento de suas técnicas e táticas
especiais a fim de promover uma solução adequada, aceitável e
legal.
Partiremos levando em consideração a tipologia já
existente, utilizada como ferramenta de classificação e intervenção,
inserida dentro da doutrina de gerenciamento de crise aplicada em
nossa realidade policial.
Esse processo de atualização destaca-se como necessário
devido as alterações psicobiológicas e socioculturais que
acometem os causadores de incidentes críticos na atualidade. Para
tanto, foi realizada uma extensa pesquisa bibliográfica, normativa
e documental.

165 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

INCIDENTES CRÍTICOS E SEUS AGENTES CAUSADORES

Para podermos classificar e entender os fatores que nos


ajudam a desenhar uma tipologia, temos que desenvolver a
disciplina de identificar e conceituar o que vem a ser um incidente
crítico e seus desdobramentos a qual a pessoa está inserida.
Esse conceito não é novidade na atividade policial e já se
encontra bem desenvolvido no Brasil e pelo mundo, vale destacar
o trabalho do então Capitão Paulo Aguilar que em seu artigo propõe
uma atualização na doutrina do gerenciamento de crises:
incidentes policiais e centros de consciência, situação C51 na
quarta revolução industrial, onde deixa claro a importância de uma
doutrina de gerenciamento de incidentes bem estruturada. Em seu
artigo o capitão citou a definição de incidente crítico adotada pela
National Incident Management System (NIMS) dos Estados Unidos,
sendo um Sistema Nacional de Gestão de Incidentes que gerencia
qualquer tipo de incidente nos EUA, a saber temos, a definição de
incidente, como: uma ocorrência provocadas por fenômenos
naturais, falhas tecnológicas e/ou mecânicas ou provocada pelo
homem (incidente de conflito), que requer uma resposta para
proteger a vida ou a propriedade. (FEMA, 2017, p.64).
Utilizando como ponto de partida essa definição podemos
observar que o incidente crítico apresenta dois pilares
embrionários, um sendo produzido por efeitos naturais e o outro
por uma ação do homem, esse segundo pilar será objeto do nosso
estudo, em especial visa responder a seguinte pergunta: como
podemos classificar o comportamento desse agente causador?

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Considerados entre os elementos essenciais


de uma crise como de suma importância os
causadores da crise são os que realizam as
exigências, e deles que dependem a vida dos
reféns em alguns incidentes críticos, exigindo
com isso uma coleta de informação como,
motivações, seus antecedentes e sua
periculosidade (Monteiro, 2001).

Em complemento às coletas de informações destacam-se:


suas habilidades com armas, experiência (quando o causador já
vivenciou esse cenário em outra ocasião), controle emocional
apresentado e nível de conhecimento e controle sobre o ponto
crítico.
Outros fatores que devem ser levados em consideração
para orientar e nortear o gerenciamento de crise, são os traços
comportamentais, elementos de referência que estão diretamente
ligados a característica do causador e seu conflito em questão, bem
como os fatores de proteção e fatores de riscos.
Consoante a monografia de mestrado no Curso de
Aperfeiçoamento de Oficiais do Capitão PM Fernando Sério vitória,
da (Policia Militar do Estado de São Paulo) PMESP, cujo tema foi
Critérios objetivos para análise de negociação policial e decisão em
gerenciamento de crises, não podemos esquecer os fatores de
proteção (vínculos familiares positivos, relacionamentos afetivos,
religiosidade, amizades, sucesso, e tudo mais que possa ser um
freio moral) saudáveis ao ser humano e os fatores de riscos
(inexistência dos fatores de proteção, os transtornos mentais e a
desesperança no encontro de solução a um ou mais problemas
existentes) que podem levar a uma ideação suicida, uma tentativa
suicida e ou uma consumação do suicídio.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Em 1987, o então capitão Bolz Junior do departamento de


polícia de Nova Iorque- EUA, em seu manual “How to be a hostage
and live” (“Como ser um refém e sobreviver”) já apresentava
preocupação em classificar os tipos de causadores do incidente
crítico objetivando colaborar com as ferramentas de intervenção
em um cenário de negociação policial.
A preocupação apresentada na época era proporcionar um
descritivo que colaborasse para as respostas de intervenção,
podendo ainda dentro das suas variáveis auxiliar o processo de
tomadas de decisões a nível gerencial.
Em sua obra apresentada no CSP (Curso Superior de
Polícia) realizado na PMESP (Polícia Militar do Estado de São
Paulo), Souza (2002) destaca as três tipologias definidas pelo
capitão Bolz Junior com sendo: criminoso profissional (ou
criminoso motivado), emocionalmente perturbado e o indivíduo
terrorista.

TIPOLOGIA DO CRIMINOSO COMUM

Pode ser considerado como um indivíduo que se mantém


através de repetidos furtos e roubos apresentando uma vida
dedicada ao crime, (Monteiro, 2001), transparecendo seu
comportamento instrumental para alcançar seus objetivos e metas.
Na maioria dos casos onde sua ação caba por ser frustrada
pela intervenção da polícia utiliza-se do refém como escudo e
garantia de vida, deixando claro sua meta para sair ileso e seguro
da crise. Tratando-se de um processo de atualização, é valido
destacar uma observação acerca da tipologia do criminoso, onde o
termo criminoso profissional está sofrendo algumas adaptações em

| 168
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

estudos propostos por alguns grupos especiais que atuam no


processo de gerenciamento de crise.
Estudos estão sendo desenvolvidos pelo (Grupos de Ações
Táticas Especiais) GATE que atua em um cenário crítico
envolvendo a tipologia do criminoso, esses estudos optam por
defender apenas a terminologia de criminoso, retirando o adjetivo
de profissional com o objetivo de não empoderar a identidade do
criminoso, evitando com isso, uma auto percepção de destaque
devido sua experiência reconhecida através de atos criminosos, ou
seja, o objetivo é de não colaborar para que o criminoso, seja em
sua autopercepção ou em uma percepção social uma pessoa
poderosa com o título de criminoso profissional, ou até mesmo
utilizar-se de uma “muleta psicológica” fortalecendo sua segurança
em relação as suas ações delituosas, para chegar nessa
problemática os grupos responsáveis levaram em consideração a
evolução da criminologia e os desdobramentos socioculturais do
ser humano.
Evidenciando a observação feita acima, é possível observar
o exemplo de uma das escolas que optaram por mudar a
terminologia do criminoso profissional por criminoso comum no
excerto da apostila de Gerenciamento de Crises do SENASP.

O 1º Tipo- Criminoso comum: também


conhecido como contumaz, ou criminalmente
motivado- É o indivíduo que se mantém
através de repetidos furtos e roubos e de uma
vida dedicada ao crime. Essa espécie de
criminoso, geralmente, provoca uma crise por
acidente, devido a um confronto inesperado
com a Polícia, na flagrância de alguma
atividade ilícita. Com a chegada da Polícia, o
indivíduo agarra a primeira pessoa ao seu

169 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

alcance como refém, e passa a utilizá-la como


garantia para a fuga, neutralizando, assim, a
ação dos policiais. O grande perigo desse tipo
de causador de evento crítico certamente está
nos momentos iniciais da crise. Em média, os
primeiros quarenta minutos são os mais
perigosos. Esse tipo de causador de crise
representa a maioria dos casos ocorridos no
Brasil. (SENASP, 2008, p.17)

Em relação a tipologia do criminoso sugere-se maiores


estudos e um texto em especial destacando essa vertente, contudo
destacamos que esse capítulo visa trabalhar e atualizar a tipologia
do emocionalmente perturbado.

TIPOLOGIA DO EMOCIONALMENTE /MENTALMENTE


PERTURBADO

Em relação ao perfil da tipologia do emocionalmente


perturbado, aqui descrito como o coração da proposta do texto,
destacamos a necessidade de uma atualização devido as mudanças
que circundam o ser humano, bem como a sua necessidade de
adaptação ao meio por questão de sobrevivência e evolução, seja
ela no campo físico, mental ou social.
De acordo com definição apresentada na época, segundo
Souza (2002) o causador do incidente crítico (emocionalmente
perturbado) era classificado em três tipos possíveis, sendo: um
indivíduo psicopata, um indivíduo que simplesmente não
conseguiu lidar com seus problemas de trabalho ou de família, e por
fim, um indivíduo que esteja completamente divorciado da
realidade.

| 170
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Esse modelo foi utilizado por anos e mesmo com essa


estrutura, teve sua colaboração positiva em várias intervenções e
resultados em diversos incidentes críticos, vale observar que essa
definição e construção da tipologia não pode ser encarada como o
carro chefe do processo para se atingir o desfecho do incidente
crítico, porém podemos nos debruçar nessa fonte, para assim,
buscarmos uma orientação assertiva que permita um acesso ao
causador objetivando resolver o incidente. O escopo da atualização
utilizou como pilar mestre uma observação teórica, que
possibilitou visualizar uma falta de aprofundamento da ciência da
psicologia em definir e ajustar os parâmetros de classificação e
comportamento dos referidos elementos que compõem essa
tipologia.
A colaboração da ciência psicologia, que estuda o
comportamento do homem e os seus processos mentais, nos
possibilita enxergar que antes de qualquer observação ou análise
diagnóstica temos que levar em consideração os aspectos do
desenvolvimento do clico da vida, aspectos culturais e a diferença
de sexo e de gênero do ser humano observado e estudado (DSM-5,
2014).
Dos fatores do desenvolvimento do ciclo da vida, podemos
entender as fases de desenvolvimento do homem como; no início
da vida (a infância), seguido pela fase de adolescência,
complementada pela fase adulta e continuada em idades
avançadas.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais em sua 5º edição, o indivíduo pode apresentar
transtornos que se manifestam no início da vida (p. ex., espectro da
esquizofrenia entre outros), na adolescência e início da vida adulta
(p. ex., transtornos bipolar, depressivo e de ansiedade), e por fim

171 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

durante a vida adulta e idades mais avançadas (p. ex., transtornos


neurocognitivos).
Ainda em relação ao ciclo da vida apresentado pelo
indivíduo, o estresse emocional de acordo com sua fase instalada
pode interferir no desenvolvimento do ser humano, Shonkoff
(2012), defende que o estresse tóxico precoce na infância pode
acarretar grande prejuízo ao desenvolvimento e à saúde do
indivíduo, constituindo-se um fator de alto risco para a saúde na
fase adulta.
Segundo Justo e Enumo (2015), a adolescência é um
período do desenvolvimento suscetível ao estresse e ao
desenvolvimento de problemas emocionais e de comportamento,
para Pereira et al. (2004, p. 44), durante o envelhecimento, além
dos fatores psicossociais como vilões, temos o estresse do
cotidiano, podendo causar grandes transtornos na vida do
indivíduo.
Importante destacar como orientação que o aspecto do
desenvolvimento humano em especial o ciclo de vida apresentado
pelo causador deverá ser levado em consideração dentro da
tipologia analisada.
Dos fatores culturais segundo o DSM-5 (2014) a cultura
proporciona estruturas de interpretação que moldam a experiência
e a expressão de sintomas, sinais e comportamentos que são os
critérios para o diagnóstico de um indivíduo.
Culturalmente estamos transformando a forma de lidar
com as coisas em nosso cotidiano, segundo o professor Leonardo
Gomes Mello e Silva, professor do Departamento de Sociologia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas FFLCH –
USP/SP, o que chamávamos de dureza no trabalho ou cansaço, e
que era vivenciado somente naquele ambiente, hoje internalizamos

| 172
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

essa relação, ela já não é mais exterior e objetiva, está entrando na


subjetividade da pessoa, de maneira que essa distinção entre o fora
e o dentro do trabalho fica mais difícil de ser estabelecida. Isso
significa dizer que hoje as cobranças são levadas para casa e para o
lazer e as metas do serviço envolvem uma mobilização maior do
indivíduo (Revista Espaço Aberto, 2015).
Dos fatores da diferença de sexo e de gênero, a Associação
Americana de Psiquiatria foi alvo de críticas ao defender que o sexo
e gênero podem interferir no diagnóstico de uma patologia, fica
claro que o objetivo da associação era elaborar uma estrutura sem
viés de preconceito, mas sim, visando uma colaboração para um
diagnóstico assertivo.
Podemos beber dessa fonte em relação à tipologia do
emocionalmente e ou mentalmente perturbado, para melhor assim
defini-lo em um incidente crítico levando em consideração a
diferença de sexo ou gênero, sabendo que existe variações de
comportamento entre eles de acordo com a alteração do
comportamento apresentado.

Em termos de nomenclatura, diferenças


sexuais são variações atribuídas aos órgãos
reprodutores de um indivíduo e ao
complemento cromossômico XX ou XY.
Diferenças de gênero são variações que
resultam tanto do sexo biológico como da
auto representação do indivíduo, que inclui
consequências psicológicas,
comportamentais e sociais do gênero
percebido. O termo diferenças de gênero é
utilizado no DSM-5 porque, com mais
frequência, as diferenças entre homens e

173 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

mulheres são o resultado tanto do sexo


biológico quanto da auto representação
individual. Contudo, algumas diferenças
baseiam-se apenas no sexo biológico. (DSM-5,
2014, p.15).

Após esclarecer os campos de observação e colaboração da


psicologia como ciência (podendo ela ser utilizada como
ferramenta de auxílio na definição da tipologia do causador), agora
podemos organizar e atualizar a tipologia do causador apresentado
por Souza (2002) que versa sobre a tipologia do emocionalmente
perturbado, agora entendida por uma outra ótica.

MENTALMENTE PERTURBADO

Realizando um recorte na tipologia do emocionalmente


perturbado e trabalhando apenas com a classificação do indivíduo
psicopata e psicótico (indivíduo completamente divorciado da
realidade), observamos que esses dois tipos possíveis apresentam
em comum a presença de um transtorno mental, este definido e
classificado como uma patologia, diagnosticado por um manual
estático DSM-5 e um manual de classificação internacional de
doenças CID 11.
Com base nesse recorte e na comparação desses possíveis
tipos, podemos definir o transtorno mental, clinicamente
diagnosticado, como elemento nuclear para a definição da tipologia
do mentalmente perturbado:

| 174
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Um transtorno mental é uma síndrome


caracterizada por perturbação clinicamente
significativa na cognição, na regulação
emocional ou no comportamento de um
indivíduo que reflete uma disfunção nos
processos psicológicos, biológicos ou de
desenvolvimento subjacentes ao
funcionamento mental. Transtornos mentais
estão frequentemente associados a
sofrimento ou incapacidade significativas que
afetam atividades sociais, profissionais ou
outras atividades importantes. Uma resposta
esperada ou aprovada culturalmente a um
estressor ou perda comum, como a morte de
um ente querido, não constitui transtorno
mental. Desvios sociais de comportamento (p.
ex., de natureza política, religiosa ou sexual) e
conflitos que são basicamente referentes ao
indivíduo e à sociedade não são transtornos
mentais a menos que o desvio ou conflito seja
o resultado de uma disfunção no indivíduo,
conforme descrito. (DSM -5, 2014, p.20)

Pode-se definir a tipologia do mentalmente perturbado


como sendo: um indivíduo que apresenta em sua estrutura algum
tipo de transtorno mental caracterizado por uma perturbação
clinicamente significativa, seja ela na cognição, em sua regulação
emocional ou no seu comportamento, alterando com isso seu
processo psicológico, biológico e o desenvolvimento do seu
funcionamento mental implícito.
De acordo com o DSM-5 (2014), a formulação e análise de
caso para qualquer paciente deve incluir uma história clínica
criteriosa, bem como os fatores sociais, psicológicos e biológicos

175 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

que podem ter contribuído para o desenvolvimento de


determinado transtorno mental. Portanto, não basta simplesmente
listar os sintomas nos critérios diagnósticos para estabelecer um
diagnóstico de transtorno mental.
Amparado nessa abordagem clínica e adaptando para a
realidade operacional a qual envolve o atendimento de ocorrência
com causadores mentalmente perturbados, devemos analisar seu
transtorno levando em consideração a história do seu contexto
clínico, o curso de suas relações sociais, suas condições biológicas e
seu nível de preservação psicológica.
Dos transtornos apresentados nessa nova atualização
podemos ter: Transtornos do Neurodesenvolvimento, Espectro da
Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos, Transtorno Bipolar
e transtornos relacionados, Transtornos Depressivos, Transtornos
de Ansiedade, Transtorno Obsessivo-compulsivo e transtornos
relacionados, Transtornos Relacionados a Trauma e a Estressores,
Transtornos Dissociativos, Transtorno de Sintomas Somáticos e
transtornos relacionados, Transtornos Alimentares, Transtornos
da Eliminação, Transtornos do Sono-Vigília, Disfunções Sexuais,
Transtornos Disruptivos do Controle de Impulsos e da Conduta,
Transtornos Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos,
Transtornos Neurocognitivos, Transtornos da Personalidade,
Transtornos Parafílicos, Transtornos do Movimento Induzidos por
Medicamentos e outros efeitos adversos de medicamentos e ou
outros transtornos mentais ou condições que podem ser foco da
atenção e observação.
Com essa amplitude dos tipos de mentalmente perturbado
podemos ser mais assertivos e utilizar uma abordagem direcionada
para lidar com transtorno apresentado, vale ressaltar que o
objetivo não será de promover um tratamento clínico, mas sim uma

| 176
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

identificação de sintomas clinicamente definidos por um


diagnóstico, visando ajustar as ferramentas de intervenção em um
cenário de condução de uma crise gerada por um causador
mentalmente perturbado.
A tipologia do mentalmente perturbado se faz necessário
para ampliar os tipos de comportamentos apresentados pelo ser
humano em incidentes críticos, atualizando os possíveis tipos de
indivíduos identificados com essa tipologia (mentalmente
perturbado), podemos ampliar nossa classificação, deixando de
usar somente o indivíduo psicopata e o psicótico (indivíduo
completamente divorciado da realidade).
Destaco como fundamental e acabo por reforçar, que em
relação ao indivíduo mentalmente perturbado para efeito de
intervenção e acolhimento, precisamos levar em consideração o
tipo de transtorno mental apresentado, levar em consideração o
diagnóstico clínico, as alterações biológicas, psicológicas e as
alterações implícitas do desenvolvimento mental apresentado.

EMOCIONALMENTE PERTURBADO

Com a tipologia do mentalmente perturbado definida,


agora podemos filtrar e atualizar o que venha ser a definição da
tipologia do emocionalmente perturbado.
Utilizando como base a definição de Souza (2002), dos
tipos já citados dentro da classificação do emocionalmente
perturbado, sobrou apenas a classificação do indivíduo que ele
define como uma pessoa que simplesmente não conseguiu lidar
com seus problemas de trabalho ou de família.

177 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Ampliando esse conceito, podemos perceber que a


interação do homem e mundo se apresenta mais ampla do que
parece e não pode ser somente interpretada por dois campos
vivenciais, assim explica a fenomenologia estudada na psicologia.

A fenomenologia possibilitou à psicologia


uma nova postura para inquirir os fenômenos
psicológicos: a de não se ater somente ao
estudo de comportamentos observáveis e
controláveis, mas procurar interrogar as
experiências vividas e os significados que o
sujeito lhes atribui, ou seja, o de não priorizar
o objeto e/ou sujeito, mas centrar-se na
relação sujeito objeto - mundo (Bruns, 2001,
p.63).

Fundamentado nessa teoria, não podemos entender o


mundo fenomenológico do ser humano exclusivamente por sua
relação com a trabalho e/ou a família, mas sim em um contexto
maior, aonde esse sujeito em interação com seu mundo, pode
experimentar suas relações e significados no campo religioso/
espiritual, financeiro, escolar, familiar, trabalho, lazer e entre
outros que assim ele julgar representativo.
Para promover a sobrevivência mental do ser humano nós
necessitamos de um processo de adaptação frente as relações e
significados que experimentamos com o nosso mundo. Conforme a
psicóloga Marilda Novaes Lipp, podemos experimentar uma reação
de estresse a essa adaptação vivenciada, ela define o estresse como
uma reação que as pessoas demostram diante de algum fator, bom
ou mau, que as obriga a desprender um esforço mais intenso que o

| 178
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

usual, visando uma adaptação ao que está ocorrendo, seja


externamente ou dentro da sua mente.
Segundo Lipp (2001), há muita ansiedade quando o
estresse se agrava, o indivíduo experimenta uma gangorra
emocional, podendo ocorrer um desequilíbrio interno muito
grande, aonde as pessoas podem apresentar uma queda de energia,
não conseguindo trabalhar e suas decisões podem ser impensadas,
à medida que ocorre um aumento descontrolado do estresse
aumenta a irritabilidade, a impaciência e a raiva, quando a tensão
excede o limite gerencial, a resistência emocional e física começa a
ruir, isso resulta em um conjunto de indivíduos estressados.
Fatores experimentados nessa mudança emocional podem
colaborar para o desequilíbrio emocional do indivíduo, alterando
seu estado de humor, deixando seu estado afetivo emocional
abalado e favorecendo o desequilíbrio em seu comportamento. A
partir dessas informações e teorias podemos atualizar a definição
do emocionalmente perturbado como sendo: um indivíduo que
apresenta alterações em seu comportamento provocado por uma
gangorra de emoções, abalando sua estrutura afetiva emocional,
alterando com isso seu estado de humor, prejudicando sua relações
e experiências com o seu mundo (religioso/ espiritual, financeiro,
escolar, familiar, trabalho, lazer e outros que assim ele julgar
representativo em sua relação). Vale destacar que essas alterações
não apresentam nenhum tipo de transtorno mental clinicamente
diagnosticado, e não podem ser definidas somente pelo uso de
drogas e/ou substâncias psicoativas que podem potencializar esse
estado de perturbação emocional.
Segundo a definição da Organização Mundial de Saúde
(OMS), droga é “toda a substância que, pela sua natureza química,
afeta a estrutura e funcionamento do organismo”, e dependência

179 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

“um estado de necessidade física e/ou psíquica de uma ou mais


drogas, resultante do seu uso contínuo ou periódico”.
Para Fonte (2006), uma das classificações mais
empregadas na área da saúde, divide as drogas em depressivas,
estimulantes e alucinógenas/modificadoras, essa classificação
serve para identificar e organizar os efeitos físicos e psicológico
experimentados pelo individuo mediante o uso de drogas.

As drogas depressoras são aquelas que


diminuem a atividade do sistema nervoso
central, provocando relaxamento, afastando
as sensações desagradáveis. As drogas
estimulantes ativam o sistema nervoso
central, aumentando o estado de alerta e
atenção, suprimindo o sono, fadiga, apetite,
provocam excitações e as pessoas sentem-se
com mais força e mais inteligentes. Por fim, as
drogas modificadoras, provocam uma
perturbação na atividade cerebral,
produzindo distorções ao nível da percepção
e da cognição (Fonte, 2006).

Com todas essas alterações podemos perceber que o


causador do incidente crítico mediante o uso de drogas pode
apresentar alterações físicas e psicológicas, prejudicando seu
desempenho ou potencializar suas emoções.
Levando em considerações esses apontamentos,
identificamos que droga ou qualquer outra substância psicoativa
ingerida pelo indivíduo, trata-se de um agente externo que acaba
por ser interiorizado em seu estado físico e psicológico,
promovendo alterações, potencializando ou inibindo tudo que ele

| 180
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

já traz em sua estrutura de personalidade, bem como à maneira de


lidar com suas emoções, logo o elemento droga pode alterar algo
que já pertence ao indivíduo, seja uma emoção, um conflito, um
medo ou um desejo.
Segundo Salinac (2006 pag. 111) o efeito das drogas nas
pessoas é um assunto extremamente complexo, sendo importante
destacar que usuários misturam drogas de todo os tipos e formas
que se possa imaginar, por isso, a assessoria de um profissional da
saúde é muito importante para à interpretação e revisão dos
efetivos da substância no organismo e no comportamento do
causador usuário de drogas.
Atualizar essa definição visa ampliar a visão das possíveis
relações de conflito vivencias pelo causador do incidente crítico,
para assim poder oferecer uma ferramenta de intervenção
adequada para a influência e mudança de comportamento.
Em relação ao indivíduo emocionalmente perturbado para
efeito de intervenção e acolhimento, precisamos levar em
consideração seu comportamento, o nível de abalo da sua estrutura
afetivo emocional, seu estado de humor e identificar a relação de
conflito vivenciada em seu mundo fenomenológico, seja na área
religiosa/ espiritual, financeira, escolar, familiar, trabalho, lazer
e/ou outros que assim ele julgar representativo em sua relação.

TIPOLOGIA DO TERRORISTA

Segundo a classificação feita pelo capitão Frank Bolz Junior,


do Departamento de Polícia de Nova Iorque, EUA, citado por Souza
(2002), temos por fim a tipologia do indivíduo terrorista que em

181 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

sua manifestação pode apresentar uma motivação política ou


religiosa. Embora seja considerada uma realidade que apresenta
uma baixa estatística de casos em nosso país, o resultado pode ter
impacto negativo. Witcker (2005) citado por Raposo (2007), A
palavra “terrorismo” deriva do latim terror, que significa medo ou
horror. Trata-se de um termo usado para designar um fenômeno
político, de longa data, cuja finalidade é aniquilar ou aterrorizar
rivais mediante o uso de violência, terror e morte de pessoas
inocentes. Sem modificar sua essência, o terrorismo exibe, na
atualidade, cinco aspectos que o distinguem de épocas anteriores:
o caráter transnacional; o embasamento religioso e nacionalista; o
uso de terroristas suicidas; a alta letalidade dos ataques; e a
orientação antiocidental, sobretudo nos grupos fundamentalistas
islâmicos. Essas características nos remetem a uma nova
modalidade, que poderia ser chamada de neoterrorismo.
As forças de segurança nacionais buscam uma evolução e
amadurecimento em lidar com essa tipologia, vide a preocupação
que procurou estabelecer uma lei que visa disciplinar o terrorismo,
tratando de disposições investigatórias e processuais e
reformulando o conceito de organização terrorista, conforme cita a
lei:

Art. 2º O terrorismo consiste na prática por


um ou mais indivíduos dos atos previstos
neste artigo, por razões de xenofobia,
discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia e religião, quando cometidos com a
finalidade de provocar terror social ou
generalizado, expondo a perigo pessoa,
patrimônio, a paz pública ou a incolumidade
pública, Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016.

| 182
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Atualmente a tipologia do terrorista vem se destacando


pelo mundo em especial em nossa cultura nacional, exigindo assim
maiores estudos e fundamentações teóricas para nortear respostas
gerenciais a esse tipo de causador.
Raposo (2007) 2º Oficial de Inteligência da Abin (Agência
Brasileira de Inteligência), um teórico especialista em terrorismo,
destaca em seu artigo alguns tipos de modalidades que atualmente
devemos levar em consideração: Terrorismo Suicida, Terrorismo
Cibernético (Ciberterrorismo), Terrorismo Nuclear e Radioativo,
Bioterrorismo.
Segundo o Tenente Coronel Eduardo de Oliveira Fernandes
(2012, p. 88-89) citado por Aguilar (2017), as organizações
criminosas têm se utilizado de técnicas terroristas protagonizando
ataques múltiplos, coordenados ou simultâneos, como os que
ocorreram em São Paulo 2006, aonde defende, a tese de um novo
fenômeno, criminal ao abordar as terminologias: terrorismo
criminal e criminoso.
Colaborando para o processo de atualização não podemos
deixar de destacar os incidentes críticos com atiradores ativos em
nossa realidade a nível nacional, onde tivemos: um atirador no
shopping Morumbi (1999), um atirador no colégio em Realengo/
Rio de Janeiro (2011), um atirador na igreja em Campinas/ São
Paulo (2018) e dois atiradores em Suzano/São Paulo (2019).
De acordo com os eventos acima expostos fica evidenciada
a necessidade de consolidação de uma doutrina preparada para
lidar com essa tipologia de causador, como também temos a
presença dos “lobos solitários” em outras culturas também
conhecidos como “ratos solitários, considerado uma pessoa que age
em nome próprio, sem ordens ou conexões com uma organização,
definição do escritório de assistência de antiterrorismo do

183 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

departamento dos Estados Unidos citado por Aguilar (2017) e a


entender temos o atirador ativo como sendo:

Um atirador ativo é um indivíduo ativamente


empenhado em matar ou tentar matar
pessoas em uma área povoada ou confinada.
Na maioria dos casos, atiradores ativos usam
armas de fogo e não há um padrão ou método
para a sua seleção de vítimas. Situações com
atirador ativo são imprevisíveis e podem
evoluir rapidamente. (FEMA, IS-907, 2017).

Vale destacar que mediante o impacto e complexidade da


tipologia do terrorista, maiores estudo são necessários para lidar
com sua manifestação, seja ela fundamentalista, radicalista ou
extremistas, lembrando que a proposta nuclear desse capítulo visa
trabalhar e explorar o emocionalmente mentalmente perturbado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reflexão proposta vislumbra colaborar para uma melhor


identificação do indivíduo causador do incidente crítico
atualizando sua definição tipológica, vale ressaltar que para obter
essa atualização, todos trabalhos já realizados foram de suma
importância para a confecção, reorganização e classificação da
tipologia dos causadores.
Como raiz embrionária desse estudo, abaixo é apresentada
uma divisão do conceito da tipologia do causador relacionando o
que era interpretado como emocionalmente perturbado para

| 184
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

mentalmente perturbado e/ou mentalmente perturbado conforme


esquema abaixo:

EMOCIONALMENTE PERTURBADO MENTALMENTE PERTURBADO

DEFINIÇÃO: Um indivíduo que DEFINIÇÃO: Um indivíduo que


apresenta alteração em seu apresenta em sua estrutura algum tipo
comportamento provocado por uma de transtorno mental caracterizado por
gangorra de emoções abalando sua uma perturbação clinicamente
estrutura afetiva emocional, alterando significativa, seja ela na cognição, em sua
com isso seu estado de humor, regulação emocional e no seu
prejudicando sua relações e comportamento, alterando com isso seu
experiências com o seu mundo processo psicológico, biológico e o
(religioso/ espiritual, financeiro, desenvolvimento do seu funcionamento
escolar, familiar, trabalho, lazer ou mental implícito.
outros que assim ele julgar
representativo em sua relação).
SUB-CLASIFFICAÇÃO: Prejuízos nas SUB-CLASIFFICAÇÃO: Transtornos do
relações sociais de modo geral, Neurodesenvolvimento, Espectro da
Prejuízos nas relações familiares, Esquizofrenia e outros transtornos
Prejuízos nas relações escolares, psicóticos, Transtorno Bipolar e
Prejuízos nas relações espirituais e/ou transtornos relacionados, Transtornos
religiosas, Prejuízos nas relações de Depressivos, Transtornos de Ansiedade,
lazer; Prejuízo nas relações de Transtorno Obsessivo-compulsivo e
autorrealização, Prejuízos nas relações transtornos relacionados, Transtornos
de autoestima, Prejuízos nas relações Relacionados a Trauma e a Estressores,
financeiras e Prejuízo em outas relações Transtornos Dissociativos, Transtorno
aqui não citadas que o indivíduo possa de Sintomas Somáticos e transtornos
apresentar essa gangorra emocional relacionados, Transtornos Alimentares,
como alteração de humor prejudicando Transtornos da Eliminação, Transtornos
sua relação de interação com meio o qual do Sono-Vigília, Disfunções Sexuais,
está inserido. Transtornos Disruptivos do Controle de
CRITÉRIO DE EXCLUSÃO: Vale destacar Impulsos e da Conduta, Transtornos
que essas alterações não apresentam Relacionados a Substâncias e
nenhum tipo de transtorno mental Transtornos Aditivos, Transtornos
clinicamente diagnosticado, e não pode Neurocognitivos, Transtornos da
ser definida somente pelo uso de drogas Personalidade, Transtornos Parafílicos,
e/ou substâncias psicoativas que podem Transtornos do Movimento Induzidos
potencializar esse estado de
por Medicamentos e outros efeitos
perturbação emocional. adversos de medicamentos e ou outros
transtornos mentais ou condições que
podem ser foco da atenção e observação.
Em relação as modalidades de Ocorrências temos que destacar que a manifestação do
comportamento suicida pode estar presente tanto na tipologia do emocionalmente
perturbado ou na tipologia do mentalmente perturbado.
Fonte: Autor

185 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Utilizando a doutrina de gerenciamento de crise como base


teórica para a organização e condução e controle do incidente
crítico, esse estudo possibilitou identificar ferramentas de consulta
e intervenção em relação a expressão e instrumentalidade do
causador da crise.
Na função de negociador entender o causador do incidente
crítico se torna crucial para determinar uma linha de negociação a
ser seguida, e nesse caminho de persuadir e influenciar o
comportamento do causador o processo de identificação da
tipologia do causador tem como finalidade auxiliar os ajustes de
intervenção, promovendo um acesso assertivo em relação a
mudança de comportamento do causador.
Como fruto desse estudo podemos destacar algumas
ferramentas de táticas que visam colaborar para a resolução da
crise envolvendo os perfis do mentalmente e emocionalmente
perturbado:

COLABORAÇÃO PARA O DIRECIONAMENTO E


CAPTAÇÃO DE RECURSO DURANTE O PROCESSO DE
COLETA DE INFORMAÇÕES:

A informação é uma das ferramentas mais importantes


dentro do processo de gerenciamento de crise, com a
implementação desse novo modelo de tipologia, podemos
direcionar o processo de levantamento e investigação de modo
mais assertivo.

| 186
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

O quadro abaixo simplifica alguns elementos de


informações fundamentais para cada tipologia:

ELEMENTOS DE INFORMAÇÕES
EMOCIONALMENTE PERTURBADO MENTALMENTE PERTURBADO
- Dinâmica familiar, religião, - Anamnese Clínica, tipo do
profissão e duração de tempo na medicamento que está em uso, tipo
atividade, situação financeira, grau de tratamento a qual foi submetido,
de escolaridade, instrução, internações, nível de interação com
interesses, entre outras que julgar pessoas e objetos positivo, entre
necessário para se aproximar do outras que julgar necessário para se
conflito apresentado. aproximar do conflito apresentado.
Fonte: Autor.

COLABORAÇÃO PARA DEFINIR UMA LINHA DE


ABORDAGEM E CONDUÇÃO DO PROCESSO DE
NEGOCIAÇÃO:

Levando em consideração que todo processo de negociação


por ser norteado por motivações, conscientes e inconscientes uma
equipe de negociação não pode renunciar a análise da tipologia do
causador.
No caso do emocionalmente perturbado a equipe deve
levar em conta uma certa racionalidade preservada, onde causador
direciona sua motivação e suas exigências na esfera da realidade
que o cerca.
No caso do mentalmente perturbado o processo racional
sofre uma ruptura mesmo que temporal ou definitiva onde curso
da realidade é prejudicado, diante dessa representatividade a
equipe deve reunir elementos para acessar conflito psíquico do
causador promovendo o acolhimento e redução dos impactos
percebidos por ele.

187 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

COLABORAÇÃO FRENTE A COMUNICAÇÃO DO


CAUSADOR COM A EQUIPE DE
INTERVENÇÃO/ASSALTO:

Destaca-se que o procedimento de intervenção sempre


será seguido de uma verbalização ou comado de voz, e nesse
momento, fica claro a importância de identificar e diferenciar a
tipologia do causador entre o emocionalmente e mentalmente
perturbado. O mentalmente perturbado pode apresentar prejuízo
na compreensão da realidade que o certa tendo dificuldade em
identificar a equipe de intervenção como uma força policial
controladora, criando com isso, uma barreira na comunicação
promovendo uma aversão acentuada diante da intervenção. Nestes
casos, devido a interação com a realidade se manter preservada em
um nível de interação básica, acredita -se que a representação da
equipe de intervenção poderá ser interpretada pelo causador.
Toda atualização exige uma contextualização teórica,
seguida de uma implementação prática, coisa que tive a
oportunidade de colocar em prática no grupo a qual pertenço e
percebemos que os desdobramentos foram positivos ao ajudar
uma classificação adequada mediante as respostas de
comportamento apresentadas por parte do causador da crise.
Nesse debate, é importante destacar que não foi feita
referência às abordagens jurídicas e políticas do uso drogas, e que,
para sedimentar tais definições referente ás tipologias dos
causadores, no mundo acadêmico, vislumbra-se a ampliação destes
estudos.

| 188
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

REFERÊNCIAS

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Terrorist Action Capabilities: Capacidade de Resposta
Contraterrorista Frente a Múltiplos Ataques. Revista da PMESP: A
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191 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

| 192
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 8
O “TRIPÉ DA SEGURANÇA PÚBLICA” COMO
GUIA ESTRATÉGICO NA REDUÇÃO DA
CRIMINALIDADE

Fagner de Oliveira Dias

O presente capítulo visa apresentar o tripé da segurança


pública, os três pilares essenciais para uma atuação efetiva,
podendo sua compreensão guiar nas políticas de redução da
criminalidade. A segurança pública, por muito tempo tem sido
analisada principalmente em duas vertentes: prevenção e
repressão. Porém observa-se, em estudos mais recentes, que a
segurança pública deve ser feita baseada em um pilar ex post, e dois
pilares ex ante. O pilar ex post (após o fato) é o pilar da atuação
repressiva, esse tem por objetivo principal reprimir aquele que
infringiu o contrato social que tem como referência a legislação
vigente, lesando, de forma criminosa, outrem. Os pilares ex ante
(antes do fato) são os pilares de prevenção de curto e longo prazo,
que tem por objetivo evitar a ocorrência do fato criminoso, aqui
chamados de prevenção participativa e política de ação social,
respectivamente. A prevenção participativa refere-se à atuação
policial presente, ou seja, junto à sociedade, podendo ser na forma
de policiamento ostensivo e em contato direto com o cidadão, ou de
forma participativa em reuniões comunitárias. A política de ação
social refere-se a ações sociais de efeito à longo prazo, como ações
educativas para crianças e adolescentes que que atuarão de forma

193 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

educativa em relação aos jovens e tendo como foco a prevenção do


delito, no presente e no futuro.
A necessidade de segurança pública advém da necessidade
de uma manutenção da ordem oriunda da insegurança social
causada por homens que buscam a satisfação de seus desejos,
emoções e/ou necessidades, na composição de conflitos de
interesse inerentes a convivência social gerando o delito (COSTA,
2010). Estas ações delituosas, historicamente, vem sendo
combatidas pelo Estado com ações predominantemente
repressivas que são marcadas por uma tradição onde a violência se
torna natural quando usada contra àqueles que habitam às
margens da sociedade moderna (ROLIM, 2007). Porém o tempo e a
experiência têm mostrado à sociedade que é necessário mais que
atuações de curto prazo para uma segurança pública efetiva, ou
seja, mais do que prevenir um crime, é necessária uma ação de
profilaxia consistente e de longo prazo para redução do problema
da criminalidade e sensação de insegurança social.
Assim, este capítulo tem por objetivo uma análise holística
a certa dos pilares que sustentam uma segurança pública efetiva,
que necessita de planejamento estratégico de curto e longo prazo,
antes e depois das ações delituosas. Tal compreensão é essencial
para que profissionais e estudiosos possam analisar se uma
instituição de segurança pública está realmente sendo eficiente e
efetiva em seus objetivos e diante das perspectivas da sociedade.

TRIPÉ DA SEGURANÇA PÚBLICA

Com o intuito de criar um ponto inicial para as análises de


segurança pública, este capítulo tem o objetivo de adotar uma

| 194
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

matriz unificadora das três principais linhas de atuação


operacional para o enfrentamento da criminalidade, esta matriz de
sustentação é aqui denominada de tripé da segurança pública. Esse
consiste basicamente em três momentos temporais: a atuação após
ocorrido o delito; atuação de prevenção imediata do delito e;
mudança comportamental da sociedade por meio de políticas e
ações sociais.

Primeiro Pilar: ATUAÇÃO REPRESSIVA

A atuação repressiva representa aquela feita por


instituição de segurança pública para repreender o infrator e
submetê-lo ao poder judiciário para julgamento de seus atos.
Apesar de algumas pessoas entenderem o termo “repressão” como
algo negativo ou pejorativo, este equivoca-se, pois, a repressão é a
atuação necessária para que se cesse o ato infracional iniciado ou
tentado, previna que o infrator não dê continuidade a outros delitos
e sirva de exemplo para a sociedade. No Brasil, ela é realizada pela
polícia judiciária, quando se investiga um crime cometido para
efetuar a prisão do(s) autor(es) e pela polícia ostensiva quando da
necessidade de uma pronta resposta a crimes recém cometidos ou
na iminência de acontecerem, o chamado flagrante delito.
A repressão policial é a atuação de enfrentamento
necessária para que se interrompa ato delituoso em curso. Porém,
tal atuação encontra-se em um limiar entre o uso proporcional da
força policial e o seu excesso e/ou abuso. Por esse motivo existem
autores que entendem que o uso de violência é prática
institucionalizada pelas polícias como política de contenção da
criminalidade (ALMEIDA, 2007) e outros entendem que que a
repressão é o principal fundamento da política de segurança

195 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

pública (CONCHA-EASTMAN; MALO, 2007). Sendo este pilar, a base


de atuação ex post, e que causa a grande dicotomia entre justiça e
arbitrariedade do poder público.
Como exemplo concreto de uma política de repressão que
se tornaram famosos por sua eficiência na diminuição da taxa de
criminalidade como é o caso da política de “Tolerância Zero” nos
EUA iniciada nos anos 80 e 90. Essa política é baseada na Teoria das
Janelas Quebradas, um texto publicado em 1982 pelo cientista
político James Q. Wilson e o psicólogo criminalista George L.
Kelling, na revista Atlantic Monthly. Os autores consideram como
metáfora um prédio com janelas quebradas, em que a falta de
reparo nas janelas vai influenciar que outros vândalos quebrem
mais janelas e com o tempo o aspecto de depredação e abandono
pode tender a uma invasão do prédio. Assim, eles consideram que
a única forma de quebrar essa linha de acontecimentos é
reparando, de imediato, as primeiras janelas quebradas. Em outras
palavras, eles entendem que pequenas desordens não enfrentadas
geram grandes desordens e, mais tarde, ao crime.
Partindo da ideia na Teoria das Janelas Quebradas, a
política de “Tolerancia Zero” acaba por inspirar um modelo de
segurança pública em que a ação policial é incisiva com delitos de
menor potencial ofensivo como pequenos furtos, depredação do
patrimônio, deixar de pagar o transporte público, entre outros. Sua
meta principal é criar o hábito de respeito à legalidade para
redução de índices de crimes menores e consequente diminuição
de crimes de maior importância como homicídios, latrocínios,
estupros etc. Como efeito colateral dessa política há o aumento de
abuso de poder, arbitrariedades e exclusão de grupos que vivem às
margens da sociedade como os pobres e minorias (ALMEIDA,
2007).

| 196
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Apesar dessa linha tênue que separa a ação repressiva do


excesso de uso da força policial, a atuação repressiva tem sido a
prática que mais tem encontrado apoio de segmentos expressivos
das corporações, da população e do governo (NUNES, 2014). O
principal motivo desse apoio refere-se ao poder de mensuração da
ação repressiva em detrimento das atuações preventivas. A atuação
repressiva pode ser mensurada por quantidade de prisões,
apreensões, armas, ocorrências atendidas dentre outros, dados
estes que podem ser analisados estatisticamente e apresentado
informações concretas, no que tange a objetividade numérica, da
atuação policial. Já o policiamento preventivo não pode ser
mensurado de forma concreta. A redução de crimes em um região
informa que uma ação policial de prevenção foi efetiva mas não
consegue mensurar quantos crimes iriam acontecer e foram
evitados com a presença de policiais em uma região, ou quantos
jovens deixaram de ir para o mundo do crime por uma política de
ação social de segurança pública, ficando a cargo da percepção
social da criminalidade local, ou seja, da sensação de segurança,
responder de forma subjetiva à essa questão. Essa dificuldade de
mensuração acaba priorizando as ações repressivas como resposta
à sociedade, afinal números podem ser apresentados por
autoridades políticas com menos questionamentos que
percepções.
Mesmo com características antagônicas para o bem estar
social, a atuação repressiva é, e sempre será, um pilar essencial da
segurança pública. Para resultados mais eficazes alguns pontos
devem ser levados em consideração como: (i) estratégia
operacional de atuação com diagnóstico, execução do plano de
ações, monitoramento e avaliação; (ii) integração como
desenvolvimento de políticas intersetoriais para a segurança

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

pública e; (iii) educação no investimento em formação e


treinamento (RICARDO; CARUSO, 2007).
Estratégia operacional. Realizar uma estratégia de atuação
com diagnóstico e executar um plano de ações nada mais é do que
utilizar dos dados e informações sobre um acontecimento de
determinado crime e atuar cirurgicamente na repressão do mesmo,
como ter a informação que em determinado bairro existe uma
rivalidade de gangs e que por esse motivo eles andam armados em
locais públicos. Sabendo dessa informação a atuação policial
repressiva será feita de forma orquestrada e pontual para reprimir
o delito recorrente. Após a operação monitorada é necessária uma
avaliação dos pontos positivos e negativos da operação para uma
avaliação geral e melhorias para uma atuação futura. Esse ciclo
retroalimentado na estratégia operacional se aprimora com o
tempo e torna a operação mais eficiente.
Integração. Para uma atuação integrativa é necessário o
desenvolvimento de políticas intersetoriais, que se refere à atuação
conjunta dos diversos setores envolvidos na segurança pública
para uma efetiva atuação policial, a união de todos os atores
interessados na segurança pública amplia o poder de resolução de
problemas e consequente sua efetividade. Como um caso hipotético
de cárcere privado mediante sequestro e ameaça por arma de fogo
em que um grupo de operações especiais se prepara para os
procedimentos de negociação e necessita interromper o
fornecimento de água e luz na casa, sendo necessária uma atuação
conjunta com as empresas públicas que fornecem estes serviços.
Educação. Por fim, o investimento em formação e
treinamento constante é capaz de profissionalizar a atuação
repressiva, reduzindo a incidência dos efeitos colaterais e guiando
o comportamento do agente de segurança pública para uma

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

atuação repressiva sem a excessiva utilização da força e focado no


resultado, utilizando-a somente de forma proporcional e em
quantidade mínima exigida para a execução satisfatória da tarefa.
Casos de enfrentamento policial elevam o estresse e podem
resultar em atitudes instintivas de proteção ou até mesmo de
paralização do agente, sendo importante o treinamento constante
para minimizar tais efeitos.
Como se pode ver, a atuação repressiva é considerada o
“mal necessário” para conter atitudes que vão de encontro a
preservação do bem comum e das liberdades. Porém, os pilares
preventivos são tão, ou mais, importantes que o pilar repressivo. A
profilaxia, em diversos ramos da ciência, tem se mostrado sempre
mais eficiente do que a remediação de um problema. O Estado que
trabalha na prevenção economiza recursos financeiros e humanos
que podem ser alocados em outros setores como educação e
pesquisa para um melhor desenvolvimento humano. Por esse
motivo a compreensão e valorização dos dois pilares preventivos
são tão importantes.

Segundo Pilar: PREVENSÃO PARTICIPATIVA

A prevenção participativa pode ser definida como a atuação


preventiva de curto e médio prazo, que tem por finalidade prevenir
a ocorrência de um delito por meio da presença policial na
comunidade, não somente como uma demonstração visual, mas
como um membro daquela comunidade que tem participação ativa
na resolução de problemas primários e secundários de segurança
pública. A prevenção participativa preconiza que a participação
ativa do policial gera uma maior sensação de segurança, devido à
sua presença no local e tem poder mediador de conflitos sociais.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Sensação de segurança refere-se aqui a forma subjetiva em que


dado momento uma pessoa, um grupo ou uma sociedade o
considera como tal, em algumas pesquisas verifica-se que além de
dados concretos como percentual de crimes e números de
homicídios ou assaltos, questões subjetivas como influência da
mídia, estrutura local, ambiente social e geográfico também tem
grande influência nessa percepção (CARDOSO et al., 2013). A forma
mais comum de melhoria da sensação de segurança nesses casos é
o conhecido policiamento ostensivo, em que o policial se posicional
em pontos estratégicos da cidade para que sua presença possa
coibir a ação delituosa e gerar uma sensação de segurança na
sociedade. Porém uma abordagem mais participativa tem se
mostrado mais efetiva por integrar e ressignificar os laços de
confiança entre poder público e sociedade (MATHIAS, 2010).
Na Europa, em contraponto ao modelo de “Tolerância Zero”
dos EUA, surge o conceito de “Nova Prevenção”. Este modela traz
discussões baseadas na criminologia crítica, um movimento que
surge na segunda metade do século XX contra o romantismo da
criminologia tradicional procurando a ampliação da problemática
do crime entendendo que o combate a conduta antissocial é
pluriagencial, estendendo a várias organizações que agem em
conjunto de forma sinérgica, tendo o ator policial como central na
rede de prevenção ao crime (ALMEIDA, 2007). Tal conceito acaba
sendo um dos precursores da criação do chamado policiamento
comunitário de segurança pública que preconiza a aproximação
policial da população (MATHIAS, 2010).
A Nova Prevenção surge na Inglaterra e nos EUA no início
dos anos 80, como corrente de pensamento idealista, contrário aos
movimentos de “Lei e Ordem”. Seus estudos são centrados na
vítima, autor, a reação social contra o delito e o próprio

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

comportamento delitivo, tudo dentro de uma estratégia para situar


o delito como ressonância de conflitos devido à falta de
solidariedade entre os membros das classes sociais (ALMEIDA,
2007). É importante salientar que com essa perspectiva surge uma
abordagem interdisciplinar, pluriagencial e comunitária do
problema de segurança pública, ou seja, o problema faz parte de um
conjunto maior de fatores, que deve ser combatido em conjunto
com outros órgãos do governo e com a participação de imersão do
policial na comunidade em que trabalha.
No Brasil, observamos uma inserção do pensamento
participativo de segurança pública com a adoção de algumas
atividades tais quais, a instituição do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, em 2006, e a participação da sociedade civil nos
Conselhos de Segurança Pública (CONSEG) nas cidades e bairros,
em 2009, evidenciando o crescimento da importância das ações
participativas para a construção de uma segurança pública cidadã
(CARVALHO; SILVA, 2011). Estas ações reforçam a aplicação da
metodologia de Nova Prevenção ao compreender a segurança
pública, principalmente no seu pilar de prevenção participativa,
que todas as partes interessadas e envolvidas na segurança pública
devem estar em sinergia para conseguir melhores resultados, seja
na verificação de um local sem iluminação, na falta de assistência
social que fomentou um furto, nas vendas ilegais que
impulsionaram o tráfico, todas estas ações paralelas necessitam de
ação pluriagencial para que, em conjunto, o crime possa ser
combatido com maior eficácia.
Baseado na perspectiva na Nova Prevenção, surge uma
filosofia e estratégia organizacional chamada de Polícia
Comunitária, onde polícia e população trabalham juntos para
identificar, priorizar e resolver problemas sociais em conjunto para

201 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

melhorar a qualidade de vida do local. A perspectiva da Polícia


Comunitária é uma forma de Prevenção Participativa em que se
preconiza a atuação em conjunto como de extrema importância
para uma segurança pública alinhada à sociedade (MATHIAS,
2010). Em uma polícia comunitária efetiva, o policial tem contato
direto com a população, sua ligação é de confiança que ultrapassa o
profissional. O cidadão deve conseguir enxergar no policial um
membro da comunidade em que se pode contar para os mais
diversos conflitos sociais. Para responder à essa demanda social o
policial, como ator central de segurança pública da região, deve
poder contar com os outros órgãos do governo para a efetiva
resposta aos conflitos. Não pode ser considerado um policiamento
comunitário efetivo aquele em que o policial se insere na sociedade
mas tem o descaso ou a dificuldade no relacionamento com os mais
diversos órgãos do governo, sejam as prestadoras de serviços
essenciais residencial (água e luz), de políticas públicas e amparo
social, a administração regional ou prefeitura, escolas, hospitais etc.
O policiamento comunitário deve ser sinérgico, não somente com a
sociedade, mas também com todos os órgãos envolvidos na solução
de conflitos sociais.
Por fim, a Prevenção Participativa deve ser feita de forma
organizada e eficiente, seguindo os pontos já considerados no
tópico anterior, ou seja: estratégia operacional, integração e
educação. Qualquer estrutura e planejamento de atuação na
Prevenção Participativa deve sempre se preocupar em qualificar
seus policiais, analisar o cenário, monitorar, avaliar e sempre
procurar melhorar a atuação juntamente com os outros setores
responsáveis. Apesar dos problemas com mensuração
apresentadas anteriormente, cabe avaliar o impacto da ação de

| 202
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

prevenção participativa na sensação de segurança local, devendo


ser este o pilar avaliativo para o resultado esperado.
Apesar da importância da prevenção participativa as
políticas de segurança pública de prevenção não podem ser
pensadas somente no cenário atual. Devemos refletir e projetar
sobre a prevenção de longo prazo, que moldará o cenário para uma
situação mais favorável à atuação policial, assim, pensar em
prevenção de longo prazo é preparar para o futuro e aqui é
chamada de Política de Ação Social.

Terceiro Pilar: POLÍTICA DE AÇÃO SOCIAL

A Política de Ação Social é emergente na segurança pública


e representa a prevenção a longo prazo, utilizando dos projetos
sociais, educação e todo tipo de ação junto à sociedade que tenha
como propósito um ressignificado de valores e comportamentos
sociais. Diferente dos pilares da Atuação Repressiva e da Prevenção
Participativa, a Política de Ação Social procura prevenir um
problema futuro, consolidar uma nova visão social da polícia e
indicar novos caminhos alternativos ao crime. Este é um processo
gradual que exige rupturas, mudanças de paradigmas, programas
institucionais consistentes e duradouros, levando em consideração
os contextos sociais dos cidadãos (CARVALHO; SILVA, 2011).
Uma das principais críticas às políticas de segurança
pública que não investem em ações sociais de longo prazo é de
cunho socioeconômico. Um estudo interessante foi a análise de
Cohen nos EUA, em 1998, que mensurou o custo da criminalidade
de um adolescente que se transforma em um adulto com carreira
criminal, concluindo que, se esse adolescente não se torna-se um
criminoso o Estado economizaria entre 1,7 e 2,3 milhões de dólares

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

(ROLIM, 2007). Ainda falando em números, em 2014 o custo do


crime e da violência no Brasil alcançou aproximadamente R$ 358,3
bilhões, ou 3,78% do PIB daquele ano, segundo estudo do Banco
Interamericano de Desenvolvimento – BID, que teve pela primeira
vez os custos do crime no Brasil mensurados junto a outros 17
países (CAPRIROLO; JAITMAN; MELLO, 2017). Este valor
representa mais da metade de todo o gasto da América Latina e
Caribe no mesmo ano, e esta porcentagem do PIB equivale ao dobro
gasto por países desenvolvidos. A partir daí torna-se ainda mais
importante investir no pilar de Políticas de Ações Sociais para
reduzir estes custos no longo prazo, além dos benefícios de bem
estar social.
A educação também se enquadra nesse pilar. Além da
educação conhecida como básica pelas escolas, os órgãos de
segurança pública também podem fomentar ambientes de convívio
que influenciem negativamente no crime. Os ambientes que
fornecem bons exemplos de conduta a seus frequentadores
influenciam no processo de tomada de decisão que reduz a
probabilidade de cometer uma atividade ilícita (LOCHNER, 2011).
Assim, a educação como medida de habilidade do indivíduo pode
afetar na decisão de ingresso em atividades ilícitas. Becker e
Kassouf (2017) definem quatro canais em que a educação pode
afetar nessa decisão: (i) altera o custo de oportunidade da atividade
criminosa, tornando a punição mais custosa para indivíduos
educados; (ii) altera as taxas individuais de preferência no tempo
ou aversão ao risco, afetando diretamente os custos psíquicos de
desobedecer às leis; (iii) diminui a probabilidade de ingresso
precoce em atividades ilícitas, reduzindo o efeito learning-by-doing
em que ao adquirir experiência cedo a produtividade aumenta e;
(iv) reduz a influência dos seus pares, por estar em um ambiente

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

com outros que também não estão cometendo atividades ilícitas.


Esses canais sugerem que a frequência em atividades escolares e de
aprendizado podem reduzir o ingresso no crime.
Apesar de estudos apontarem que um acréscimo
econômico de 10% em educação reduz 1% em homicídios
(BECKER; KASSOUF, 2017), uma das grandes preocupações da
literatura refere-se ao processo e a forma de se realizar estes
investimentos, mas sabe-se que o investimento em educação nos
períodos iniciais provocam o desenvolvimento de habilidade de
potencializam a acumulação de capital humano, e conforme Cunha
et al. (2006) o acumulo de capital humano representa a educação
de um indivíduo que ocorre ao longo de sua vida e que demanda
investimento e alocação de tempo. Logo, a necessidade do
investimento em práticas educacionais para acúmulo de capital
humano é pujante para a segurança pública.
Existe uma carência de políticas públicas que realmente
sejam transformadoras para jovens na prevenção do crime, em
contrapartida as polícias militares que tem adotado tais políticas,
têm apresentado expressivos resultados na mudança dos jovens e
na proximidade da polícia com a sociedade (COSTA et al., 2018).
Ações como o PROERD, Programa Educacional de Resistência às
Drogas e à Violência, implantado em 2002 no Brasil e que tem como
base o DARE (Drug Abuse Resistance Education) o qual surgiu em
1983 em uma ação em conjunto da psicopedagoga Ruth Rich e do
Departamento de Polícia de Los Angeles na prevenção de uso de
drogas na escola de ensino fundamental, é um exemplo onde o
programa tem como objetivo a informação sobre as drogas e suas
consequências além de melhorar a relação com a polícia, que
muitas vezes é estigmatizada pela sociedade. Outras políticas
importantes como aulas de artes marciais em batalhões da polícia,

205 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

guarda mirim, escolas militarizadas, escolinhas de futebol, peças


teatrais educativas, entre outras atividades tem fomentado uma
formação transformadora para crianças e jovens. A efetiva
valorização destas Políticas de Ações Sociais pode reduzir os custos
com o crime e transformar o bem estar da sociedade.
Contudo, alguns entraves ainda precisam ser superandos
no ambiente policial. Nem todos os policiais conseguem
compreender a importância do pilar de Políticas de Ações Sociais e
acabam desdenhando estas ações para valorização da Atuação
Repressiva. Apesar da resposta rápida que este último pilar nos
proporciona ele é apenas um remédio para o problema instalado e
não uma ação transformadora. Talvez a principal missão das
instituições de segurança pública seja, exatamente, transformar a
sociedade para que a violência seja mitigada e buscando sempre
sua extinção, mesmo que impossível no contexto social. A
valorização de Políticas de Ações Sociais representa o futuro.
Representa o legado que deixamos para nossos filhos e netos, a
transformação social de um mundo melhor para aqueles que nos
sucedem.
Comparando com a atuação em saúde, o primeiro pilar,
Atuação Repressiva, representa o setor de emergência, em que a
doença ou lesão já atingiu o paciente e é necessário ações par tentar
conter o seu avanço e evitar a morte. O segundo pilar, Prevenção
Participativa, representa as consultas médicas, o qual fazemos
todos os anos para prevenir que cheguemos na Emergência
checando todos os indícios que o corpo nos dá para representar a
possível vinda de uma enfermidade. Já o terceiro pilar, a Política de
Ações Sociais, representa as constantes lembranças para que a
pessoa se alimente bem, faça atividades físicas e evite tudo que faz
mal à saúde. Se criarmos hábitos saudáveis desde cedo, reduzimos

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

drasticamente a quantidade de pessoas enfermas no futuro e o


mesmo vale para o terceiro pilar. Se investirmos na mudança de
comportamento e aproximação social com a polícia, poderemos ter
no longo prazo cidadãos que convivem com menos criminalidades,
maior bem estar social e consequentemente teremos diminuição da
necessidade de utilização da força policial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo foi proposto o tripé da segurança pública


como marco inicial das análises estratégicas de segurança pública,
e como estes três pilares têm funções de extrema importância no
combate à criminalidade. O primeiro pilar, da Atuação Repressiva,
refere-se a política ex post de combate ao crime em que a atuação
policial é pautada em cessar o cometimento do crime iniciado ou
concluído e, de forma punitiva, servir de exemplo para outros. O
segundo pilar, da Prevenção Participativa, refere-se a uma política
ex ante de curto prazo de combate ao crime, em que a participação
policial inibe a atuação delituosa, seja em sua fase mais primária
com o policiamento ostensivo ou em uma fase mais avançada como
o policiamento comunitário em que se ressalta a importância do
contato do policial com a sociedade e a colaboração intersetorial
com todos os órgãos do governo e partes interessadas. Por fim, o
terceiro pilar, da Política de Ações Sociais, refere-se a uma política
ex ante de longo prazo de combate ao crime, com foco na
transformação social de crianças e jovens para que se transformem
em adultos com maior acumulo de capital social e menos propensos
ao crime, o que reduziria os gastos do Estado com a criminalidade

207 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

podendo ser aplicados em outros investimentos de âmbito nacional


e social.
Um dos principais problemas verificados atualmente é que
muitas instituições de segurança pública não conseguem equalizar
os esforços para atender aos três pilares de forma satisfatória.
Alguns gestores de segurança ainda insistem na valorização quase
exclusiva do primeiro pilar, outros somente no segundo pilar e
poucos valorizam o terceiro. Este capítulo procurou trazer à tona a
extrema importância do equilíbrio dos três pilares na gestão da
atividade policial. Assim, como em uma construção de um prédio
ou uma casa, os pilares são o fundamento para que aquela
edificação esteja de pé, e na segurança pública não é diferente. A
atuação efetiva de uma instituição só acontecerá quando todos os
três pilares estiverem fortes e atuantes. Qualquer desvio ou
predileção por algum dos pilares fatalmente enfraquecerá outro e
terá efeitos colaterais para a segurança pública. Por isso, enfatiza-
se que uma estratégia consistente deve privilegiar todos os pilares
de forma equânime e continua para que se possa reduzir, de fato, a
criminalidade a curto, médio e longo prazo. Se chamam pilares por
serem sustentações centrais, e suas definições são cruciais para
uma gestão em segurança pública de excelência.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

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| 210
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 9
MANUAL NACIONAL DE ATUAÇÃO POLICIAL
VOLTADA À PROTEÇÃO, PROMOÇÃO E
EDUCAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E DA
CIDADANIA

Frederico Afonso Izidoro

O presente artigo tem o propósito de provocar uma


reflexão geral na difusão do conhecimento acerca da disciplina de
Direitos Humanos e Cidadania nos diversos cursos de formação das
polícias de todas as competências no País, bem como, nas guardas
municipais.
Afirmar que “há Direitos Humanos na formação” pode, na
prática, não significar absolutamente nada!
O primeiro erro é caminhar apenas pela Ciência Jurídica,
quando o correto é tratar o tema de forma transversal, ou seja,
concatenar com a Sociologia, Filosofia, Antropologia, História, mas
principalmente com a Ciência Policial, ramo tão inexplorado nas
formações.
O segundo erro é tratar o tema “Direitos Humanos e
Cidadania” como qualquer outro, pois nossa Constituição trata
como fundamentos Republicanos, lembrando ainda que há a
prevalência dos Direitos Humanos sobre os demais assuntos.
O terceiro erro é afirmar que as forças policiais são apenas
promotoras dos Direitos Humanos, quando na verdade, devem ser
protetoras, promotoras e educadoras não apenas de Direitos

211 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Humanos, mas de Direitos Humanos e Cidadania, mas com os olhos


voltados à atividade policial.
Veremos a seguir que de um modo geral as forças policiais
militares (meu levantamento deu-se por conta apenas e tão
somente às policiais militares, com destaque ao estado de São
Paulo, força policial da qual pertenço) ou não têm estrutura alguma
sobre “Direitos Humanos e Cidadania” e aqui já faço o contraponto,
pois, Cidadania é um dos cinco fundamentos da República
Federativa do Brasil, assim como a Dignidade da Pessoa Humana e
tratar, inclusive nessa ordem, “Polícia Comunitária e Direitos
Humanos” é de um equívoco absurdo, tratamento esse dispensado
por várias forças policiais, ou a tem de forma equivocada, como
acabo de descrever. Quanto à existência de um manual próprio,
nenhuma força policial o tem hoje e, com o perdão do trocadilho,
um dos maiores problemas policiais hoje é justamente o uso da
força (por não uso ou uso indevido) e aqui segue minha proposta:
urge a necessidade de um Manual Nacional de Atuação Policial
voltada à Proteção, Promoção e Educação dos Direitos Humanos e
da Cidadania!

CONTEXTUALIZAÇÃO

A Constituição Federal é o marco jurídico de nosso País. É a


partir da sua formação, por meio do chamado poder constituinte
originário (PCO), que ela se cria, aliás, com a criação de uma nova
constituição se cria um no Estado. Nos dizeres de Michel Temer,
sobre o PCO, este “Visa a criar o Estado. Antes dessa manifestação,
o Estado, tal como veio a ser positivado, não existia. Existe, é, a
partir da Constituição” (TEMER, p. 35).

| 212
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Nossa Constituição Federal (CF) de 05 de outubro de 1988,


Lei Maior do País, e, portanto, referência obrigatória na verificação
da compatibilidade vertical material com qualquer ato normativo
interno, destaca, acerca da Cidadania e Direitos Humanos, com os
nossos devidos destaques e com a pertinência técnica ao nosso
artigo:

Art. 1º A República Federativa do Brasil,


formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: II - a cidadania; III - a dignidade
da pessoa humana;
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-
se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios: II - prevalência dos
direitos humanos;
Art. 5º, § 3º Os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais.
Art. 22. Compete privativamente à União
legislar sobre: XIII - nacionalidade, cidadania
e naturalização;
Art. 34. A União não intervirá nos Estados
nem no Distrito Federal, exceto para: VII -
assegurar a observância dos seguintes
princípios constitucionais: b) direitos da
pessoa humana;
Art. 109, § 5º Nas hipóteses de grave violação
de direitos humanos, o Procurador-Geral da
República, com a finalidade de assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de
tratados internacionais de direitos humanos
dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar,

213 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

perante o Superior Tribunal de Justiça, em


qualquer fase do inquérito ou processo,
incidente de deslocamento de competência
para a Justiça Federal.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.

Sobre a prevalência aos Direitos Humanos mencionada


acima (art. 4º, inciso II, da Constituição Federal), cabe lembrar que
na verdade o artigo elenca dez princípios obrigatórios ao Estado
brasileiro no âmbito internacional e o inciso II determina a
prevalência dos Direitos Humanos nas relações internacionais
(Princípio da Primazia da Norma Mais Favorável ao Ser Humano,
conhecido também por Princípio Pro Homine). Em que pese a
obrigatoriedade internacional, ela começa no âmbito interno. O
Estado brasileiro não pode ser cobrado internacionalmente sem
também que haja uma cobrança interna. Nesse sentido, em nossa
mais recente obra (MORAES, [et al.], p. 107), ao comentar acerca do
princípio citado, Valerio Mazzuoli afirma que “[...] Ademais, a
prevalência dos direitos humanos, para além de princípio
norteador da política externa brasileira, tornou-se baliza
interpretativa de decisões propriamente internas, notadamente
relativas aos conflitos entre leis internas ou entre tratados e
normas domésticas. [...] O princípio da prevalência dos direitos
humanos – inaugurado no direito brasileiro pelo Texto de 1988 e
sem similar nos textos constitucionais anteriores – extrapola,
portanto, o plano da regência das relações internacionais para,
atualmente, e, com o apoio da jurisprudência dos tribunais

| 214
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

superiores, ganhar aplicação cada vez maior no Brasil para auxiliar


na resolução de assuntos estritamente domésticos”. (op. cit., p. 33)
(g.n.). Em suma, a prevalência não é apenas externa. No Direito
Internacional dos Direitos Humanos o Estado não pode assumir
uma obrigação internacional sem antes assumi-la internamente,
não haveria sentido, por exemplo, o Estado Brasileiro ser cobrado
internacionalmente acerca de um tratado, quando o mesmo sequer
tenha sido incorporado no âmbito interno. O estado de São Paulo,
na condição de ente federativo da República Federativa do Brasil,
autônomo (capacidade de auto-organização, autogoverno,
autoadministração e autolegislação), mas jamais soberano, por via
reflexa, deve dar prevalência aos direitos humanos.
É a CF que balizará a aplicabilidade do chamado Direito
Internacional dos Direitos Humanos (designação técnica quando se
menciona simplesmente “Direitos Humanos”), pois trata-se de
questão federativa, ou seja, a República Federativa do Brasil (RFB)
irá incorporar (ou não, de acordo com sua soberania) determinado
‘tratado internacional’ (a doutrina autoriza a expressão para
alcançar todos as espécies normativas internacionais: tratado,
convenção, pacto, acordo etc.), para que o mesmo tenha
aplicabilidade no âmbito doméstico. Se incorporado for, não caberá
a nenhum ente federativo questionar sua aplicabilidade dentro de
sua competência, ou seja, a União, os Estados, os Municípios e o
Distrito Federal possuem autonomia (administrativa, financeira e
política), mas não uma soberania, que autorizaria, em tese, a recusa
em aplicá-los.
Trazendo para o “nosso espaço”, ou seja, Segurança
Pública/Uso da Força, deixo alguns questionamentos: (i) haveria
alguma liberdade de aplicabilidade (aplicar ou não aplicar) os
tratados internacionais vigentes com natureza soft law?; (ii)

215 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

considerando que “a matéria é federativa”, haveria a necessidade,


por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), de
termos um Sistema Nacional de Direitos Humanos e Cidadania de
Segurança Pública (SDHCSP)?

OSCILAÇÃO ORGÂNICA ESTRUTURAL

Em que pese Ricardo Balestreri afirmar que “Direitos


Humanos é coisa de polícia”, sabemos que “de perto”, não é bem
assim.
É sabido que o Estado brasileiro tem uma história recente
acerca dos Direitos Humanos. E talvez tal receptividade, ainda seja
a responsável pela completa falta de identidade técnica que o
assunto (em termos de importância) representa no âmbito global.
O Estado brasileiro possui um “histórico estrutural
oscilante” em termos administrativos, tanto no governo federal, o
qual deveria conduzir “a matriz para os assuntos gerais”, bem
como, nos demais entes federativos (regionais e locais). Esta “falta
de estabilidade”, necessária justamente para traçar uma linha de
trabalho, acaba por atingir os demais entes federativos, e por
consequência, suas forças policiais.
A existência de um Sistema Nacional de Direitos Humanos
e Cidadania de Segurança Pública poderá ser o caminho para “tal
estabilidade”, saindo do comportamento sempre reativo para uma
atitude proativa. Vejamos de forma resumida essa estrutura
orgânica e normativa administrativa:

PODER EXECUTIVO FEDERAL

| 216
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Até a década de 90 do século passado, a temática dos


Direitos Humanos não contava com uma espécie de pasta,
departamento ou ministério autônomo e independente. As
discussões sobre Direitos Humanos no Poder Executivo Federal
estavam no âmbito da pasta de um departamento do Ministério da
Justiça (MJ).
Essa história começa a alterar justamente na década de 90,
quando o Estado brasileiro começou a aderir a mais tratados de
Direitos Humanos, com destaque aos Pactos Internacionais de
1966 (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos [PIDCP] e o
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
[PIDESC]), bem como, à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (mais conhecida entre nós como Pacto de São José da
Costa Rica – PSJCR, 1969), incorporados no ano de 1992. Isso fez
com que a matéria de proteção dos Direitos Humanos, saísse da
dependência do MJ para buscar uma estrutura própria e
independente.
O ano de 1997 é um marco na área dos Direitos Humanos,
pode parecer ironia, mas em virtude da atuação ilegal por parte da
PMESP em um “bloqueio policial” ocorrido em março, no município
de Diadema, especificamente no bairro Favela Naval, inúmeros
programas voltados à área de Direitos Humanos surgiram. Assim,
em 07 de abril, no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), foi
criada a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH), ainda
vinculada ao MJ. Na mesma data (07 de abril) é publicada a Lei nº
9.455/97, a qual definiu os crimes de tortura, embora já tivéssemos
em vigor a Constituição Federal (vide art. 5º, incisos III e XLIII), o
Código Penal (vide art. 61, inc. II; art. 83, inc. V; art. 121, § 2º, inc.
III; ), e dois tratados internacionais incorporados que já
disciplinavam o assunto (Convenção Contra a Tortura e Outros

217 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes [1984]


e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura
[1985]). É uma praxe no Brasil “construir passarelas” depois que
muitas pessoas morreram atropeladas naquele local. Se tal retardo
já não fosse o suficientemente grave, é também outra praxe
dezenas de pessoas morrerem atropeladas debaixo dessas
passarelas... Juan Cruet já nos ensinou há tempos em sua obra “A
Vida do Direito e a Inutilidade das Leis” sobre o “legislar por
legislar” (CRUET, p. 21)14.
No ano de 2003, no governo Lula, foi criada a Secretaria
Especial dos Direitos Humanos (SEDH), saindo do MJ e ficando
vinculada diretamente, pela primeira vez, à Presidência da
República, recebendo também pela primeira vez “status orgânico”
de um ministério e também o seu secretário com o “status” de
ministro, muito embora ainda o nome técnico tenha ficado como
Secretaria Especial de Direitos Humanos e o seu titular com o nome
de secretário.
No final do governo Lula, essa SEDH, perdeu a expressão
“especial”, passando a se chamar apenas Secretaria de Direitos
Humanos (SDH), revelando, portanto, a preocupação do governo
que aquela secretaria não era algo temporário, e por isso não
deveria ser algo “especial”, mas sim uma secretaria que pertenceria
à estrutura orgânica do Poder Executivo Federal e teria assim o
“status” de uma secretaria ou de uma pasta permanente.

14 No dia em que o legislador souber corrigir o dogma hereditário da sua soberania

nominal pela noção experimentalmente adquirida, e, a cada lei nova, duramente


confirmada, da sua inutilidade prática; no dia em que ele tiver a consciência mais nítida
e mais instante de preencher uma função, aliás muito útil, e não de exercer um poder
indefinido, não haverá interesse em procurar na omnipotência dos Parlamentos um
limite artificial, tal como a frágil barreira d'um Supremo Tribunal Constitucional: as
melhores fronteiras não são as fronteiras convencionais... (g.n.)

| 218
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Em outubro de 2015, na reforma ministerial promovida


pela presidente Dilma, a pasta de Direitos Humanos foi unificada
com as Secretarias de Políticas de Promoção de Igualdade Racial e
de Políticas para as Mulheres, formando assim um Ministério de
Direitos Humanos, criado então pela primeira vez, recebendo o
nome de Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da
Juventude e também dos Direitos Humanos.
No governo do Michel Temer, especificamente em maio de
2016, por meio da Medida Provisória 726/16, extinguiu o
Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e
também dos Direitos Humanos, voltando para uma estrutura
orgânica no Poder Executivo Federal que havia no governo FHC, ou
seja, voltando à pasta dos Direitos Humanos para o recém
estruturado Ministério da Justiça e Cidadania (MJC).
Em 2017, ocorre uma nova alteração, por meio da Medida
Provisória 768/17, tendo agora o nome de Ministério dos Direitos
Humanos – MDH (nome mais correto a meu ver).
Em junho de 2019, com a nova reorganização dos
ministérios do governo Bolsonaro (Lei nº 13.844/19), o MDH
passou a se chamar Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos (MMFDH).
Sobre o MMFDH, de forma sucinta (a estrutura é
gigantesca), ao analisar o organograma (procurei seguir a ordem
apresentada no site oficial do ministério – a referência à Cidadania
talvez ocorra em último lugar, pois temos no governo federal um
ministério próprio – Ministério da Cidadania), temos como área de
atuação: Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos; Disque Direitos
Humanos (Disque 100); Sistema Integrado de Atendimento às
Mulheres em Situação de Violência (Disque 180); Assuntos sobre
Refugiados; Conselho Nacional de Direitos Humanos;

219 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Coordenadoria de Desaparecidos – CGD; Diretoria de Proteção e


Defesa dos Direitos Humanos; Coordenadoria de Proteção à
Testemunha e aos Defensores de Direitos Humanos;
Coordenadoria de Combate à Tortura e Violência Institucional;
Coordenadoria de Combate ao Trabalho Escravo; Diretoria de
Promoção e Educação em Direitos Humanos; Coordenadoria de
Promoção do Registro Civil do Nascimento; Coordenadoria da
População em Situação de Risco; Diretoria de Promoção dos
Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais;
Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos
Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(CNCD-LGBT); Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência; Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência – CONADE; Coordenadoria das Pessoas com Doenças
Raras; Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial – SNPIR; Coordenadoria de Promoção de Políticas para
Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Indígenas e
Povos Ciganos; Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos
Direitos da Pessoa Idosa; Secretaria Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente; Secretaria Nacional de Políticas para as
Mulheres; Secretaria Nacional da Família; Coordenadoria de
Enfrentamento à Violência nas Famílias, Abandono, Pedofilia e
Pornografia do Departamento de Desafios Sociais; Coordenadoria
de Enfrentamento a Vícios e Impactos Negativos do Uso Imoderado
de Novas Tecnologias; Secretaria Nacional da Juventude;
Coordenadoria de Cidadania.
Em 21 de dezembro de 2009, por meio do Decreto nº 7.037,
foi aprovado e publicado o 3º Programa Nacional de Direitos
Humanos (PNDH-3) – o PNDH-1 é de 1996 e o PNDH-2 de 2002. No
tocante à Segurança Pública temos:

| 220
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Eixo Orientador IV: Segurança Pública, Acesso


à Justiça e Combate à Violência:
a) Diretriz 11: Democratização e
modernização do sistema de segurança
pública;
b) Diretriz 12: Transparência e participação
popular no sistema de segurança pública e
justiça criminal;
c) Diretriz 13: Prevenção da violência e da
criminalidade e profissionalização da
investigação de atos criminosos;
d) Diretriz 14: Combate à violência
institucional, com ênfase na erradicação da
tortura e na redução da letalidade policial e
carcerária;
e) Diretriz 15: Garantia dos direitos das
vítimas de crimes e de proteção das pessoas
ameaçadas;
f) Diretriz 16: Modernização da política de
execução penal, priorizando a aplicação de
penas e medidas alternativas à privação de
liberdade e melhoria do sistema
penitenciário; e
g) Diretriz 17: Promoção de sistema de justiça
mais acessível, ágil e efetivo, para o
conhecimento, a garantia e a defesa de
direitos;

E no tocante à Polícia Militar, temos:

Diretriz 11: Democratização e modernização


do sistema de segurança pública
Objetivo estratégico I: Modernização do
marco normativo do sistema de segurança
pública.
Ações programáticas:
a) Propor alteração do texto constitucional, de
modo a considerar as polícias militares não

221 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

mais como forças auxiliares do Exército,


mantendo-as apenas como força reserva.
(g.n.)
Responsável: Ministério da Justiça
Objetivo estratégico II:
[...]
c) Redefinir as competências e o
funcionamento da Inspetoria-Geral das
Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares.
Responsáveis: Ministério da Justiça;
Ministério da Defesa;
Objetivo estratégico V: Redução da violência
motivada por diferenças de gênero, raça ou
etnia, idade, orientação sexual e situação de
vulnerabilidade.
Ações programáticas:
[...]
f) Fomentar cursos de qualificação e
capacitação sobre aspectos da cultura
tradicional dos povos indígenas e sobre
legislação indigenista para todas as
corporações policiais, principalmente para as
polícias militares e civis especialmente nos
Estados e Municípios em que as aldeias
indígenas estejam localizadas nas
proximidades dos centros urbanos. (g.n.)
Responsáveis: Ministério da Justiça;
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República;

Por fim, sobre a Cidadania, temos:

III - Eixo Orientador III: Universalizar direitos


em um contexto de desigualdades:
a) Diretriz 7: Garantia dos Direitos Humanos
de forma universal, indivisível e

| 222
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

interdependente, assegurando a cidadania


plena; (g.n.)
VI - Eixo Orientador VI: Direito à Memória e à
Verdade:
a) Diretriz 23: Reconhecimento da memória e
da verdade como Direito Humano da
cidadania e dever do Estado;
Eixo Orientador II: Desenvolvimento e
Direitos Humanos
[...]
Alcançar o desenvolvimento com Direitos
Humanos é capacitar as pessoas e as
comunidades a exercerem a cidadania, com
direitos e responsabilidades. É incorporar,
nos projetos, a própria população brasileira,
por meio de participação ativa nas decisões
que afetam diretamente suas vidas. É
assegurar a transparência dos grandes
projetos de desenvolvimento econômico e
mecanismos de compensação para a garantia
dos Direitos Humanos das populações
diretamente atingidas. (g.n.)
Eixo Orientador III: Universalizar direitos em
um contexto de desigualdades
[...]
Os objetivos estratégicos direcionados à
promoção da cidadania plena preconizam a
universalidade, indivisibilidade e
interdependência dos Direitos Humanos,
condições para sua efetivação integral e
igualitária. O acesso aos direitos de registro
civil, alimentação adequada, terra e moradia,
trabalho decente, educação, participação
política, cultura, lazer, esporte e saúde, deve
considerar a pessoa humana em suas
múltiplas dimensões de ator social e sujeito
de cidadania. (g.n.)

223 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

ESTRUTURA ORGÂNICA DAS POLÍCIAS MILITARES

Visando análise estrutural de como as forças policiais


militares estaduais e distrital lidam com o tema, segue abaixo
levantamento (sobre a estrutura e existência ou não de algum
manual próprio) feita para entendermos um pouco mais sobre
assunto tão controverso no meio policial. Quando da “pesquisa”
(não tem rigor científico), algumas organizações militares
solicitaram ofício a respeito e não havia tempo hábil para isso. É
possível também alguma divergência de informações entre o lapso
temporal do levantamento dos dados e a publicação deste artigo.
Vejamos:
ACRE: PMAC – não possui manual próprio ou estrutura
específica de Direitos Humanos, conforme Lei nº 2001/08 - “Dispõe
sobre a Organização Básica da Polícia Militar do Estado do Acre”
(alterada pela Lei Complementar nº 315/15). Possui um Conselho
Estadual de Polícia Comunitária (“O conselho deliberativo que
deverá construir o planejamento das ações comunitárias a serem
realizadas pelas forças de Segurança Pública”);
ALAGOAS: PMAL – sobre a existência de um manual
própria de Direitos Humanos, não consegui a informação a tempo.
Quanto à estrutura, possui um “Núcleo de Direitos Humanos”
subordinado a uma Diretoria, e esta subordinada ao Centro de
Gerenciamento de Crise, Direitos Humanos e Polícia Comunitária
(CGCDHPC). A Lei nº 6.399/03 assim afirma: “Art. 60. Compõe os
Órgãos de Direção do Comando Geral como órgão de
assessoramento”, e no art. 84 – “Missão: desenvolvimento da
política institucional de direitos humanos, gerenciamento de crises
e na polícia comunitária”; (g.n.)

| 224
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

AMAPÁ: PMAP – possui um estudo atualmente sobre a


adoção de um manual próprio. Quanto à estrutura, há uma
Diretoria de Ação Social e Cidadania subordinada ao Chefe do
Estado-Maior (Subcomandante PM);
AMAZONAS: PMAM – não possui manual próprio, baseia-se
na literatura corrente. Não há nada em sua estrutura orgânica;
BAHIA: PMBA – quanto ao manual, está no processo de
“projeto piloto”, com expectativa de implantação o ano que vem, e
enquanto não fica pronto, utiliza as bibliografias já conhecidas de
Direitos Humanos. Quanto à estrutura, possui uma Coordenadoria
de Direitos Humanos, subordinada a uma Diretoria, a qual está
subordinada a um Departamento de Polícia Comunitária e de
Direitos Humanos, conforme PORTARIA nº 070 - CG/15;
CEARÁ: PMCE – não possui manual próprio (baseia-se na
literatura corrente). Quanto à estrutura, possui uma
Coordenadoria de Polícia Comunitária (CPCom) subordinada ao
Chefe do Estado-Maior (Subcomandante PM), com a função de
“realizar o policiamento ostensivo de caráter prioritariamente
preventivo, constituindo na aplicação da filosofia de polícia
comunitária, de modo a proporcionar a atuação de forma direta de
seus integrantes junto à comunidade onde atua, objetivando a
preservação da ordem pública, e a proteção da incolumidade de
pessoas e do patrimônio” (Art. 18, § 5º da Lei nº 15.217/12 – D.O.E.
20.09.12);
DISTRITO FEDERAL: PMDF – não possui manual próprio.
Quanto à estrutura, passou por reestruturação recente – (Decreto
nº 10.443/20 - Dispõe sobre a organização básica da Polícia Militar
do Distrito Federal), a qual alterou as denominações da Divisão que
passou a ser Centro de Políticas de Segurança Pública e, tanto as
atividades de Polícia Comunitária, quanto de Direitos Humanos,

225 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

foram integradas a esse Centro e estão com suas diretrizes


mantidas (Art. 7º do Decreto nº 37.321/16 - Compete ao Centro de
Políticas Públicas planejar, coordenar, orientar e controlar, as
atividades relativas ao trato de políticas públicas no âmbito da
corporação e assessorar o Comando Geral no desenvolvimento de
programas sociais preventivos de segurança pública e na
implementação e consolidação das políticas relacionadas, dentre
outras, à igualdade racial e de gênero, à Agenda Ambiental e à
filosofia de polícia comunitária e de direitos humanos.); (g.n.)
ESPÍRITO SANTO: PMES – não possui manual próprio,
baseia-se na literatura corrente. Quanto à estrutura, possui uma
Diretoria de Direitos Humanos e Polícia Comunitária diretamente
subordinada ao Comando Geral;
GOIÁS: PMGO – não possui manual próprio, baseia-se na
literatura corrente. Quanto à estrutura possui um Centro de Polícia
Comunitária subordinado ao Chefe do Estado-Maior
(Subcomandante PM);
MARANHÃO: PMMA – não possui manual próprio, baseia-
se na literatura corrente. Quanto à estrutura, possui um Comando
de Segurança Comunitária subordinado ao Chefe do Estado-Maior
(Subcomandante PM), conforme Lei nº 10.131/14, bem como, no
Estatuto da PMMA – Lei nº 6.513/95 (publicada no D.O.E. de
30/11/1995, p. 331);
MATO GROSSO: PMMT – não obtive resposta a tempo
quanto à existência de um manual próprio. Quanto à estrutura,
possui uma Coordenadoria de Polícia Comunitária e de Direitos
Humanos subordinada ao Comando Geral;
MATO GROSSO DO SUL: PMMS – não possui manual
próprio, baseia-se na literatura corrente. Quanto à estrutura,

| 226
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

possui uma Diretoria de Polícia Comunitária subordinada ao


Comando Geral;
MINAS GERAIS: PMMG – não consegui a informação
quanto à existência de manual próprio. Quanto à estrutura, não há
nada no organograma, entretanto, feito contato com Centro de
Jornalismo Policial, soube que “o assunto Direitos Humanos” é
tratado pela Diretoria Operacional 3 (DOP3);
PARÁ: PMPA – não consegui informação a tempo sobre a
existência ou não de um manual próprio. Quanto à estrutura, possui
uma Seção de Direitos Humanos e uma Seção de Polícia
Comunitária, ambas subordinadas à Direito de Polícia Comunitária,
e esta subordinada ao Comando Geral, conforme Lei Complementar
nº 053/06;
PARAÍBA: PMBP não possui manual próprio, baseia-se na
literatura corrente. Quanto à estrutura, possui a Coordenadoria de
Integração Comunitária e Direitos Humanos, subordinada ao
Gabinete do Coordenador Geral Adjunto (status do Chefe do
Estado-Maior);
PARANÁ: PMPR – não possui manual próprio, baseia-se na
literatura corrente. Quanto à estrutura, nada específico, entretanto
“os Direitos Humanos” estão atrelados à Subseção Doutrinária de
Coordenadoria, a qual é regida por diretrizes especificas;
PERNAMBUCO: PMPE – não possui manual próprio, baseia-
se na literatura corrente. Quanto à estrutura, possui uma Diretoria
de Articulação Social e Direitos Humanos, a qual está subordinada
ao Destacamento de Policiamento Ostensivo, e este subordinado ao
Chefe do Estado-Maior, com a função, conforme Portaria SDS nº
3568/18: Art. 32-A. Cabem as ações de Polícia Comunitária e
Direitos Humanos, no âmbito da corporação, sobretudo
incentivando as experiências de polícia comunitária,

227 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

proporcionando ainda o exercício e a defesa dos direitos, da


cidadania e da dignidade da pessoa humana, assim constituída:
(NR) Alterado pela LC n° 093 de 15 de janeiro de 2014; (g.n.)
PIAUÍ: PMPI – não possui manual próprio, baseia-se na
literatura corrente. Quanto à estrutura, possui uma Divisão de
Direitos Humanos, sendo esta subordinada à Coordenadoria de
Gerenciamento de Crises e Direitos Humanos e esta subordinada ao
Comando Geral. A Lei nº Lei nº 5.457/05 criou a Coordenadoria de
Gerenciamento de Crises e Direitos Humanos do Piauí, na estrutura
da Polícia Militar do Piauí na forma e condições que menciona e dá
outras providências. Seu artigo 1º afirma: “Fica criada a
Coordenadoria de Gerenciamento de Crises e Direitos Humanos
(CGCDH) da Polícia Militar na estrutura organizacional da Polícia
Militar do Estado do Piauí, com atuação em todo o Estado, chefiada
por Coordenador nomeado pelo Chefe do Poder Executivo
Estadual, cuja finalidade é gerenciar conflitos de maneira pacífica e
com garantia dos direitos humanos e sociais das pessoas
envolvidas, com o objetivo maior de cumprir a Lei e preservar
vidas, bem como disseminar a política dos direitos humanos no
âmbito interno e externo da Corporação”;
RIO DE JANEIRO: PMRJ – não possui manual próprio,
baseia-se na literatura corrente. Quanto à estrutura, nada de
específico foi encontrado;
RONDÔNIA: PMRN – não possui manual próprio, baseia-se
na literatura corrente. Quanto à estrutura, nada de específico foi
encontrado;
RONDÔNIA: não possui manual próprio, baseia-se na
literatura corrente;

| 228
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

RIO GRANDE DO SUL: BM – não possui manual próprio,


baseia-se na literatura corrente. Quanto à estrutura, nada de
específico foi encontrado, porém, possui um POP específico;
RONDÔNIA: PMRO – não possui manual próprio, baseia-se
na literatura corrente. Quanto à estrutura, possui uma Diretoria de
Polícia Comunitária, a qual subordina-se à Coordenadoria de
Atividades Sociais e esta subordinada ao Chefe do Estado-Maior,
conforme Lei nº 4.302/18, cujo art. 16, § 2º afirma: “A
Coordenadoria de Atividades Sociais é o Órgão de assessoria do
Comando responsável por assessorar na implementação e
consolidação da filosofia de policiamento comunitário e de Direitos
Humanos”; (g.n.)
RORAIMA: PMRR – não consegui contato a tempo para
inserção das informações;
SANTA CATARINA : não possui manual próprio, baseia-se
na literatura corrente. Quanto à estrutura, não há menção
específica;
SÃO PAULO: PMESP – destacarei item em apartado, de toda
forma, adota o Manual dos Direitos Humanos e Direito
Internacional Humanitário para Forças Policiais e de Segurança do
Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), bem como, possui
um Manual de Cidadania (que aborda também as questões de
Direitos Humanos). Quanto à estrutura, possui uma Divisão de
Direitos Humanos, subordinada à Diretoria de Polícia Comunitária
e de Direitos Humanos e está subordinada ao Chefe do Estado-
Maior;
SERGIPE: PMSE – não possui manual próprio, baseia-se na
literatura corrente. Quanto à estrutura, não há menção específica;

229 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

TOCANTINS: PMTO – quanto ao manual, não consegui


contato a tempo para inserção das informações. Quanto à estrutura,
nada específico;

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO (PMESP)

A PMESP inicia sua “atuação em Direitos Humanos” de


forma reativa, não coincidentemente após o evento Favela Naval15
(março de 1997), assim como o Plano Estadual em Direitos
Humanos16 (setembro de 1997). No âmbito da Cidadania, o início
foi anterior, em 1990, por meio da Diretoria de Assuntos
Municipais e Comunitários (DAMCo).
Em 1998 editou o Manual de Cidadania da Polícia Militar
(abordando temas de Direitos Humanos e Direitos Fundamentais),
o qual suportou, em 22 anos, apenas uma atualização ocorrida em
1999 (por meio do Boletim Geral 040) e foi tema do meu estudo
quando do curso de Mestrado Profissional em Ciências Policiais de
Segurança e Ordem Pública (2016).

15 Bloqueio policial ocorrido nos dias 05, 06 e 07 de março de 1997, no município de


Santo André, no chamado “ABC Paulista”. O local da abordagem é conhecido como
“Favela Naval”. Maiores informações por meio do link
https://cbn.globoradio.globo.com/sao-paulo/2017/03/10/VINTE-ANOS-DEPOIS-EX-
PM-RAMBO-DIZ-QUE-VITIMA-EXECUTADA-NA-FAVELA-NAVAL-ASSUMIU-O-
RISCO.htm. Acesso em 18.10.2020.
16 Decreto nº 42.209, de 15 de setembro de 1997 – Institui o Programa Estadual de

Direitos Humanos, cria a Comissão Especial de Acompanhamento da execução desse


programa. Maiores por meio do link
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1997/decreto-42209-
15.09.1997.html. Acesso em 18.10.2020.

| 230
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

PMESP – DIRETORIA DE ASSUNTOS MUNICIPAIS


COMUNITÁRIOS (DAMCO)

A DAMCo, talvez seja o “embrião” da atual Diretoria de


Polícia Comunitária e Direitos Humanos (DPCDH) teve origem no
ano de 1990, por meio do Decreto nº 32.337 de 17setembro de
1990, que, por sua vez, ao alterar o Decreto nº 29.911, de 12MAI89,
trouxe a este a seguinte redação:

Art. 3º São órgãos de Direção Setorial,


sediados na Capital:
[...]
IV – Diretoria de Assuntos Municipais e
Comunitários (DAMCo);
O Decreto nº 44.447, de 24NOV99, retificado
pelo Decreto nº 44.599, de 28DEZ99,
conforme publicação inserta no Diário Oficial
do Estado, de 31DEZ99, assim dispôs sobre as
funções da DAMCo, ressaltando não ter
qualquer menção literal à questão de direitos
humanos. Vejamos:
Art. 3º São Órgãos de Direção Setorial,
subordinados ao SCmt PM, sediados na
Capital:
[...]
IV - Diretoria de Assuntos Municipais e
Comunitários (DAMCo), órgão responsável
pela implementação das políticas do Cmdo G
referentes ao sistema administrativo de
assuntos civis da Polícia Militar;

A criação da DAMCo demonstrou a preocupação em se


estabelecer um melhor relacionamento com a comunidade por
meio da Polícia Comunitária, todavia, ainda não se falou

231 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

abertamente sobre Direitos Humanos na PMESP, vindo isso a


acontecer após o episódio da Favela Naval, que foi marco de
grandes mudança institucionais, como o Plano Estadual de Direitos
Humanos (já mencionado), bem como, a Lei nº 9.455/9717 (lei que
definiu os crimes de tortura).

PMESP – DEPARTAMENTO DE DIREITOS HUMANOS

Em 31 de dezembro de 1999, conforme anexo do Boletim


Geral 249, criou-se o Departamento de Polícia Comunitária e de
Direitos Humanos, no EM/E, coexistindo com a DAMCo, nos
seguintes termos:

[...]
2. Em conseqüência, nos termos dos Artigos
21, 22 e 23 do Decreto Nº 44.447, de
24NOV99, retificado conforme publicação no
Diário Oficial do Estado, de 31DEZ99, e do
Quadro de Organização (QO) estabelecido
pelo Decreto Nº 44.599, de 28DEZ99, altero os
Quadros Particulares de Organização (QPO)
da Corporação, que passam a vigorar
conforme consta do anexo a esta Portaria,
com as seguintes modificações
organizacionais:
[...]
g. criação de um Departamento de Polícia
Comunitária e de Direitos Humanos, no
Estado Maior Especial (EM/E); (g.n.)

17 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9455.htm. Acesso em 18.10.2020.

| 232
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Em 2006, ocorreu a extinção da DAMCo (por meio do


Decreto nº 50.824 de 25 de maio de 2006), e os temas desta
Diretoria passaram a ser de responsabilidade do Departamento de
Polícia Comunitária e Direitos Humanos (DPCDH), que à época se
encontrava subordinado ao Departamento de Suporte
Administrativo do Comando Geral (DSA/CG), perdendo sua posição
no organograma e sendo denominado como “Divisão de Polícia
Comunitária e Direitos Humanos”, cabendo complementarmente
apontar os seguintes trechos de publicações da época (Boletim
Geral 071 de 13ABR06 - art. 5º e do item 1.1.2.):

Art. 5º São Órgãos Especiais de Apoio,


sediados na Capital:
I - Departamento de Suporte Administrativo
do Comando Geral (DSA/CG), órgão
subordinado diretamente ao Subcmt PM,
responsável pelo apoio administrativo aos
órgãos que compõem o Comando Geral da
Polícia Militar e por outros encargos que lhe
forem atribuídos nos Quadros Particulares de
Organização (QPO), bem como pela
manutenção e segurança do Quartel do
Comando Geral;
[...]
1.1.2. extinção da Diretoria de Assuntos
Municipais e Comunitários (DAMCo),
redistribuindo suas atividades e realocando
alguns de seus setores, cujas missões não
podem ser absorvidas por outros órgãos. Em
decorrência, os seguintes órgãos tiveram seus
QPO alterados: EM/PM, DE e DSACG;

233 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

PMESP – DIRETORIA DE POLÍCIA COMUNITÁRIA E DE


DIREITOS HUMANOS (DPCDH)

Por meio do Decreto nº 53.733, de 27 de novembro de


2008, foi criada a Diretoria de Polícia Comunitária e de Direitos
Humanos (DPCDH), lhe sobrevindo a seguinte atribuição: “órgão
responsável pela implementação das políticas do Comando Geral
referentes à Polícia Comunitária e aos Direitos Humanos”. Este
Decreto foi alterado pelo Decreto nº 60.175, de 25 de fevereiro de
2014, que também dispunha sobre a estruturação da Polícia Militar
do Estado de São Paulo (PMESP), tendo mantida a mesma
responsabilidade originária de 2008. Por sua vez Decreto nº
60.175/14 foi alterado pelo Decreto nº 63.784, de 08 de novembro
de 2018, o qual também dispondo sobre a estruturação da PMESP,
desta vez alterou a responsabilidade da DPCDH nos seguintes
termos: “[..] órgão responsável pela implementação das políticas do
Cmdo G referentes ao sistema de Polícia Comunitária e Direitos
Humanos;” (g.n.).
Quando da criação da DPCDH, a área de Direitos Humanos
era estruturada por um Departamento, ou seja, chefiado por um
Ten Cel PM, porém, em 01 de outubro de 2019, por meio do Boletim
Geral PM 186, a vaga foi extinta e o tema passou a ser de uma
Divisão, portanto, chefiada por um Major PM.

DA CONFUSÃO GENERALIZADA ENTRE DIREITOS


HUMANOS E DIREITO HUMANITÁRIO

| 234
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A doutrina aponta três tendências entre tais ramos do


Direito: tese integracionista, tese separatista e tese
complementarista, cujos termos são autoexplicativos. Trago à baila
o magistério de Swinarski (foi Consultor Jurídico do Comitê
Internacional da Cruz Vermelha): “O direito internacional
humanitário é um direito de exceção, de urgência, que intervém em
caso de ruptura da ordem jurídica internacional, enquanto que os
direitos humanos aplicam-se, principalmente, em tempos de paz,
embora alguns deles sejam inderrogáveis em qualquer
circunstância. No direito internacional humanitário (“lex
specialis”), existem regras mais pormenorizadas do que nos
direitos humanos para a proteção das pessoas em situações de
conflito armado, como, por exemplo, as normas pelas quais é regida
a condução da guerra marítima. Ao contrário, nos direitos humanos
existem disposições que, na prática, são difíceis de aplicar durante
um conflito armado, como, por exemplo, a liberdade de reunião e
de associação, assim como certos direitos econômicos, sociais ou
culturais. Os mecanismos de aplicação destes dois ramos do direito
são diferentes, assim como também o são as instituições
encarregadas de desenvolvê-los e promovê-los, como, por exemplo,
o CICV no tocante ao direito internacional humanitário, e às
organizações internacionais universais – como as Nações Unidas –,
ou as regionais – como a Comissão e a Corte Interamericanas ou a
Comissão e o Tribunal Europeus –, no tocante aos direitos
humanos” (SWINARSKI, p. 24). (g.n.)

235 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

DOS MANUAIS DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) E SUAS


NORMAS AOS ENCARREGADOS DE APLICAÇÃO DA LEI –
NORMA SOFT LAW COM “ADERÊNCIA AUTOMÁTICA”?

Uma explicação básica necessária sobre as normas com


natureza hard law e soft law. As primeiras são normas cogentes,
passaram por um crivo de incorporação (me refiro aos Tratados
Internacionais), portanto, em nosso País, basicamente tramitaram
pelo Congresso Nacional com a aprovação (se for o caso) por meio
de Decreto Legislativo e também pelo Poder Executivo por meio de
Decreto Executivo, dando aqui a publicidade e uma “espécie de
promulgação”. Com relação às segundas, não são incorporadas e
possuem a natureza de recomendação.
Sobre o tema Valerio Mazzuoli assim afirma: “A evolução da
sociedade internacional fez emergir, no século XX, três novos
modelos de obrigações jurídicas (para além dos já estudados)
diretamente ligados à reformulação das fontes do Direito
Internacional Público: as obrigações erga omnes, as normas de jus
cogens e a chamada soft law. As obrigações erga omnes compõem o
conjunto de deveres a todos destinados, independentemente de
aceitação e sem a possibilidade de objeção. O jus cogens, por sua
vez, representa uma categoria de normas imperativas de Direito
Internacional geral da qual nenhuma derrogação é possível, a não
ser por outra posterior da mesma natureza (sendo, por isso, mais
amplo – até pelo fato de ser hierarquicamente superior – que as
obrigações erga omnes, como se verá). Por fim, as chamadas
normas de soft law são produto recente no direito das gentes, tendo
como característica principal a flexibilidade de que são dotadas (à
diferença das obrigações erga omnes e das normas de jus cogens,
cujos comandos são em tudo rígidos). O certo é que tanto as

| 236
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

obrigações erga omnes, quanto as normas de jus cogens e a soft law


têm modificado sobremaneira o panorama tradicional das fontes do
Direito Internacional Público, atingindo os Estados (cada qual ao
seu modo) de forma distinta das conhecidas fontes formais
clássicas” (MAZZUOLI, p. 201).
Mais uma vez me socorro das lições do renomado
internacionalista: “Apesar de não se ter ainda, na doutrina
internacionalista, uma conceituação adequada do que seja soft law
– que, em português, pode ser traduzida por direito plástico, direito
flexível ou direito maleável –, pode-se afirmar que na sua moderna
acepção ela compreende todas aquelas regras cujo valor normativo
é menos constringente que o das normas jurídicas tradicionais, seja
porque os instrumentos que as abrigam não detêm o status de
“normas jurídicas”, seja porque os seus dispositivos, ainda que
insertos no quadro de instrumentos vinculantes, não criam
obrigações de direito positivo aos Estados, ou não criam senão
obrigações pouco constringentes. Portanto, um dos maiores
problemas desse tipo de norma se encontra na falta de elementos
que garantam a sua efetiva aplicação” (MAZZUOLI, p. 212). (g.n.)
A questão é mais do que pertinente, pois, após
levantamento dos dados das forças policiais militares estaduais e
distrital, verifica-se que a maioria maciça não adota manual próprio
e sim “as doutrinas de praxe”, ou seja, normas publicadas pela ONU,
pela Cruz Vermelha (polícia de São Paulo) como veremos a seguir.
A ONU dispõe de pelo menos três manuais essenciais, que,
s.m.j., não me lembro de ter visto alguma força mencioná-los. Na
ideia de um “manual nacional”, pode servir “de norte” à nossa
proposta. São eles:
a) Direitos Humanos e Aplicação da Lei – Manual de
Formação em Direitos Humanos para as Forças Policiais;

237 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

b) Direitos Humanos e Aplicação da Lei – Guia do Formador


para a Formação em Direitos Humanos das Forças Policiais; e
c) Regras Internacionais de Direitos Humanos para a
Aplicação da Lei – Um Livro de Bolso sobre Direitos Humanos para
a Polícia.
Há também duas normas em destaque, quase “padrão” nos
diversos cursos de formação das diversas polícias e guardas
municipais:
a) Código de Conduta aos Encarregados de Aplicação da Lei
(1979); e
b) Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo
pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (1990).
Em agosto de 2020 foi publicada a versão final e oficial do
“Guia para Uso de Equipamentos Menos Letais” (Guidance on Less-
Lethal Weapons in Law Enforcement), produzido pelo Alto
Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos
(ACNUDH), em parceria coma Academia de Direitos Humanos e
Direito Internacional Humanitário de Genebra.
Pergunta básica: o Estado brasileiro, como membro da
ONU, teria um “alinhamento” obrigatório a essas normas? Ou seja,
mesmo tendo a natureza de soft law, elas seriam obrigatórias?
Determinado Estado ou Município teria discricionariedade em
adotá-las?
Valerio Mazzuoli em outra obra, ao abordar a questão sobre
os idosos, portanto, utilizo aqui como analogia, afirma: “Todos
esses instrumentos, porém, repita-se, compõem o universo das
normas de soft law, é dizer, não são propriamente cogentes para os
Estados que os concluem, senão apenas de cumprimento
facultativo e destituídos de sanção propriamente jurídica. Não
obstante, não se descarta a importância desses documentos para os

| 238
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Estados, sobretudo os de boa vontade, por representarem


verdadeiro guia a ser seguido em matéria de proteção dos direitos
dos idosos, podendo, inclusive, ser utilizados pelo Poder Judiciário
quando da resolução de casos concretos” (MAZZUOLI, p. 307/308).
No mesmo sentido, agora abordando a questão dos indígenas, o
renomado internacionalista nos ensina “A Declaração sobre os
direitos dos povos indígenas, não obstante catalogada como norma
de soft law, apresenta-se como uma verdadeira plataforma
emancipatória das populações indígenas e comunidades
tradicionais, ao assegurar, sob o enfoque dos direitos humanos
internacionais, ampla gama de direitos civis, econômico-sociais,
políticos e culturais desses povos e comunidades. É dizer, apesar de
não ter força vinculante para os Estados, por não estar revestida da
roupagem de um tratado, certo é que a Declaração pode impactar
nas atividades estatais com certa dose de eficácia quando invocada.
Alguns autores, nesse sentido, chegam até mesmo a cogitar a
hipótese de ser a Declaração a cristalização de um costume
internacional relativo à proteção desses povos, por convergir no
ideário comum de proteção internacional dos direitos dos povos
indígenas” (MAZZUOLI, p. 339). E ainda sobre os direitos indígenas,
“Assim como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos
Povos Indígenas, o texto da OEA é também instrumento de soft law,
destituído, portanto, da natureza jurídica de tratado, o que não lhe
retira a importância de servir como marco regulatório para as
condutas dos Estados e dos órgãos regionais de monitoramento em
matéria de proteção dos direitos dos povos indígenas” (MAZZUOLI,
p. 379/380). No âmbito da educação, no mesmo sentido “Para que
a ONU logre implementar nos Estados uma concreta cultura de
direitos humanos, vem adotando resoluções específicas sobre
educação e formação no que tange a esses direitos. Não obstante

239 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

tratar-se de soft law, certo é que as resoluções das Nações Unidas


determinam o caminho que hão de percorrer os Estados para a
efetivação interna da educação e formação em matéria de direitos
humanos” (MAZZUOLI, p. 567). (g.n.)
Retomo a pergunta feita por mim mesmo: a União (que não
se confunde com a República Federativa do Brasil), os Estados,
Municípios e o Distrito Federal têm obrigatoriedade na aplicação
de tais normas?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A falta de identidade acerca do tema “Direitos Humanos”


ainda é incomensurável em nosso País. Com a redefinição do
sentido da Cidadania (originariamente atrelada aos direitos
políticos, hoje como sinônimo de boa ação e participação coletiva)
já encontra menos resistência no meio.
Certo que o País tem dimensão continental, que os entes
possuem autonomia administrativa, mas depois do
comportamento de determinados governadores e prefeitos
durante a pandemia do COVID-19, como se fossem donos dos
territórios para os quais foram eleitos, frases do tipo “Estou
seguindo o protocolo da Itália” ou “Estamos seguindo que a
Organização Mundial de Saúde determina”, deu margem para cada
prefeito ou governador afirmar: “aplico” ou “não aplico no meu
Estado/Município”.
Quando do estudo das competências legislativas e
administrativas, observamos que no âmbito da legislação
concorrente, caberá à União legislar sobre as normas gerais. O tema
“segurança pública” não está no rol da legislação concorrente de

| 240
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

forma expressa, mas sim “por temas diretos e indiretos”, como:


direito penitenciário; florestas, caça, pesca, fauna, conservação da
natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio
ambiente e controle da poluição; proteção ao patrimônio histórico,
cultural, artístico, turístico e paisagístico; responsabilidade por
dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; proteção à
infância e à juventude; organização, garantias, direitos e deveres
das polícias civis, ou seja, assuntos relacionados direta ou
indiretamente à manutenção da ordem pública.
A simples leitura ao artigo demonstra que a questão está
longe de ser organizada ou padronizada. Alguns hão de defender
que faz parte da autonomia dos entes federativos, mas ouso
discordar: o tema de Direitos Humanos e Cidadania é federativo. É
nacional. Um balizamento, um “norte”, um princípio, tem que partir
do Governo federal, no caso, por meio da SENASP.
Acredito que, com meus quase 29 anos de serviços, com
meus 22 anos de magistério na área de Direitos Humanos, Direito
Constitucional e Direito Administrativo, que a criação de um
Sistema Nacional de Atuação Policial voltada à Proteção, Promoção
e Educação dos Direitos Humanos e da Cidadania, bem como, a
formulação de um Manual Nacional de Atuação Policial voltada à
Proteção, Promoção e Educação dos Direitos Humanos e da
Cidadania venha dar um sentido em tudo isso!

241 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

REFERÊNCIAS

ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA DIREITOS


HUMANOS. Direitos Humanos e aplicação da lei – Manual de
Formação em Direitos Humanos para as Forças Policiais.
Genebra, 1992.

ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA DIREITOS


HUMANOS. Direitos Humanos e aplicação da lei – Guia do
Formador para a Formação em Direitos Humanos das Forças
Policiais. Nova Iorque e Genebra, 2002.

ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA DIREITOS


HUMANOS. Guia para Uso de Equipamentos Menos Letais. Nova
Iorque e Genebra, 2020.

BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de


Polícia. Passo Fundo: Paster Editora, 1998.

IZIDORO, Frederico Afonso. Exposição de motivos para


elaboração do novo Manual de Cidadania da Polícia Militar do
Estado de São Paulo sob a luz dos Direitos Humanos
Contemporâneos (M-18 PM). Mestrado em Ciências Policiais de
Segurança e Ordem Pública – Centro de Altos Estudos de Segurança
(CAES), Polícia Militar do Estado de São Paulo, 2016.

MINITÉRIO DA JUSTIÇA. Portaria Interministerial nº. 4.226, de 31


de dezembro de 2010. Estabelece Diretrizes sobre o Uso da Força
pelos Agentes de Segurança Pública. Disponível
em https://www.conjur.com.br/dl/integra-portaria-
ministerial.pdf.

| 242
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 6. ed.


rev. atual. e ampl. Método: São Paulo, 2019.

________________________. Curso de Direito Internacional Público.


19. ed. rev. atual. e ampl. Método: São Paulo, 2019.

MORAES, Alexandre de. [et al.][organização Equipe Forense].


Constituição Federal Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. GESPOL – Sistema


de Gestão da Polícia Militar do Estado de São Paulo. 2. ed. rev. e
atual. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.

SWINARSKI, Christophe. Introdução ao direito internacional


humanitário. CICV: Brasília, 1993.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 24. ed. São


Paulo: Malheiros, 2014.)

243 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

| 244
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 10
O NÍVEL BALÍSTICO ADEQUADO CONTRIBUI
PARA O USO DA FORÇA CONDIZENTE

Giuvany P. Menegassi Bastos

O presente capítulo tem como objetivo demonstrar por


meio da análise de dados estatísticos, entre outras fontes de
conhecimento, que a escolha do nível de proteção balística utilizado
atualmente por praticamente a totalidade das forças de segurança
pública não é a mais adequada. Este fato impacta diretamente no
conforto dos seus agentes, gerando desconforto térmico, táctil,
desenvoltura, agilidade operacional e aumento da carga a ser
levada cotidianamente. Pode ocorrer diretamente a diminuição do
uso recorrente e diário da vestimenta balística, o que proporciona
o aumento de força letal, quando este profissional ao utilizar o EPI
(Equipamento de Proteção Individual) inadequado, poderá elevar
o nível de força, ou não terá total liberdade de atuar corretamente
dentro das diversas doutrinas de emprego de força e dos princípios
preconizados pelos órgãos de controle e de proteção à vida.
Portanto, as futuras compras devem ser baseadas em estudos
prévios e com base científica, considerando a entrega ao usuário
final, proporcionando economia ao Estado na aquisição, conforto a
este agente e, consequentemente, proporcionando aumento do
tempo de utilização da veste balística e assim, um emprego
adequado da força.

245 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

BREVE HISTÓRICO DA PROTEÇÃO BALÍSTICA

Desde o início da humanidade, diante do primeiro conflito


entre os homens e, também, na luta por sobreviver em lugares
perigosos onde a busca por alimentos se transformava em uma
tarefa difícil, o ser humano observando os próprios animais
percebeu que estes, muitas vezes dispunham de couraças naturais
que lhes proporcionavam uma proteção contra seus oponentes e as
difíceis condições naturais. Por meio dessa observação da natureza,
o homem começou a empregar diversos materiais disponíveis em
seu habitat natural, como, por exemplo, o couro dos animais
abatidos, couraças, escamas, madeira entre outros para construir
os primeiros escudos bem como as primeiras vestes, aumentando
suas vantagens no campo de batalha da época (MACHADO, 2010).

18

Imagem 1 Imagem 2

18Soldado irlandês vestindo sappenpanzer alemão capturado (armaduras) - Pilkem


Ridge 1917. https://www.pinterest.co.uk/pin/376050637608301402/?autologin
=true&nic_v1=1ao%2FC%2BuLqDMtMP7DNkCLBOa83Qq2n31lVE4Spidk2CMpCdYxx3
JUwHTiUGO0HS9mfd, acessado em 28 de março de 2020.

| 246
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

No decorrer da história, inúmeras foram as evoluções que


proporcionaram aumento da capacidade de redução, amortização
da energia cinética existentes nos objetos e projéteis utilizados
para trazer ferimentos aos usuários dos diversos tipos de proteções
existentes. (MACHADO, 2010). A principal evolução em materiais
balísticos empregados em vestimentas se deu por volta de 1965,
pelas mãos da empresa americana Dupont. Essa empresa
desenvolveu uma fibra, originalmente utilizada para reforçar
pneus, que acabou sendo utilizada para proteção humana contra
projéteis de armas de fogo, conhecida como Kevlar 29. Produzido a
partir de uma fibra orgânica, poliamida aromática, que dali se
extraiu um fio, tecido, que poderia ser utilizado na construção das
vestes balísticas, proporcionado proteção e reduzindo muito pouco
a mobilidade de seu usuário (MACHADO, 2010).
Com o passar dos anos, a empresa Dupont, bem como
outras empresas europeias e asiáticas, desenvolveu outros tipos de
fibras balísticas, buscando reduzir o peso por metro quadrado,
aumentando a portabilidade, o conforto e o tempo de uso dos
usuários, além de possibilitar a flexibilidade das novas vestes. Com
esta dinâmica, houve a criação de um órgão responsável em criar
protocolos de testes de qualidade e confiabilidade, independente
das indústrias, e que pudesse de maneira científica emitir
certificações para os diversos tipos e configurações de vestes
balísticas, construídas com diferentes materiais e composições.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

19 20

Imagem 3 Imagem 4

21 22

Imagem 5 Imagem 6

19 https://articulo.mercadolibre.com.co/MCO-480641906-hilo-de-kevlar-en-bobina-de-

500-gramos-_JM?variation=38794508948&quantity=1#reco_item_pos=7&reco_backen
d=machinalis-seller-items&reco_backend_type=low_level&reco_client=vip-seller_items
-above&reco_id=c083c614-87ea-4b84-b496-39d72d9f4211. acessado em 28 Fev. 2020.
20 https://articulo.mercadolibre.com.co/MCO-480641906-hilo-de-kevlar-en-bobina-de-

500-gramos-_JM?variation=38794508948&quantity=1#reco_item_pos=7&reco_backen
d=machinalis-seller-items&reco_backend_type=low_level&reco_client=vip-seller_items
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21 https://articulo.mercadolibre.com.co/MCO-467183736-kevlar-balistico-du-pont- Im
150cm-x-100cm-_JM?quantity. acessado em 28 Fev. 2020.
22 Ibdem.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A partir disso, foi criado o padrão N.I.J, (National Institute


of Justice) Instituto Nacional de Justiça, do Departamento de Justiça
dos Estados Unidos, o órgão que regula, controla, normatiza
proteção balística nos EUA, e para aqueles países que assim os
buscam, por meio do OLES (Office of Law Enforcement Standards)
Departamento de Normas Policiais. Existem também os diversos
Institutos responsáveis em homologar, analisar proteções
balísticas, dois não podem ser esquecidos: a norma britânica
oriunda do Home Office Scientific Development Branch Sandridge
(HOSDBS) e o alemão German Standard Alemán, para países
europeus, sendo que o mais utilizado, referendado, inclusive pelo
Brasil, é o N.I.J.
O N.I.J., há 43 anos, desenvolveu a primeira norma para
resistência balística, NIJ 0101.00, que já passou por sete
atualizações, sendo hoje a norma utilizada pelos EUA e outros
países é a N.I.J. 0101.06, de 2007, (Ballistic Resistance of Body
Armor), portanto, o Brasil por meio da Portaria D.Log nº 18 de 19
de dezembro de 2006, em seu artigo 5º, utiliza, a N.I.J. 0101.04,
conforme tabela 1, que à época da promulgação desta Portaria do
Exército Brasileiro, já tinha cinco anos, e já se encontrava vencida.
Estes órgãos são os responsáveis em controlar, testar e
regulamentar coletes novos e compósitos utilizados pelas diversas
empresas envolvidas no desenvolvimento de novos materiais,
produção e comercialização, garantindo, assim, a confiabilidade
necessária para que o usuário utilize o equipamento de maneira
segura e adequada.

249 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tabela 1: Tabela de penetração balística

Fonte: Instituto Nacional de Justiça - N.I.J 0101.04

A NECESSIDADE DE SE UTILIZAR UMA COURAÇA


BALÍSTICA COM NÍVEL DE PROTEÇÃO MAIS
ADEQUADO

A compra de qualquer tipo de equipamento a ser utilizado


por profissionais de segurança pública deve passar previamente,
por análise profunda, baseada em preceitos legais, técnicos e
utilizando-se de dados estatísticos. Buscando-se aliar nesta futura
escolha o melhor custo e o melhor benefício, lembrando que custo,
não se resume sempre em menor preço, mas em escolher um
produto que alcance um equilíbrio entre o equipamento mais
adequado a realidade, empregabilidade, conforto, uso contínuo por
parte do usuário final e que possa mesmo assim, ser o mais
econômico para a instituição.
Quanto à questão da melhor escolha possível a NIJ, em seu
Guia de Seleção e Aplicação do Colete Balístico para Policiais de

| 250
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

2001 (N.I.J. 0100.01) e 2014 (GSACBP) diz que “antes de comprar


um colete, uma agência deve avaliar primeiramente suas ameaças
potenciais e determinar que nível de proteção seja necessária para
seus policiais” (N.I.J. 0100.01). E ainda salienta:

Um departamento deve resistir à tentação de


adquirir couraças que provêm proteção muito
além das necessidades reais. Tal aquisição
não só aumenta os custos mas também a
probabilidade de que a couraça não seja
usada. O excesso de especificação de níveis de
proteção tem sido alegado ser a razão mais
comum pelo não uso da couraça, (grifo meu)
couraças do tipo IIA e tipo II provêem
proteção contra a maioria dos tipos de
munição de arma de mão geralmente usada
hoje em dia pelas agências policiais. (NIJ
0100.01

O F.B.I (Federal Bureau of Investigation), dos EUA, por


intermédio de seu laboratório de testes alerta que:

Reconhecendo que a couraça não protege


contra todos os tipos de ataques possíveis e
não há proteção disponível para todo corpo,
um departamento deve considerar
cuidadosamente a escolha de couraça
adequada às suas necessidades. Em última
análise, aqueles responsáveis para seleção do
nível de proteção para que a couraça seja
usada rotineiramente devem exercer um
julgamento prudente e decidir, se os
benefícios gerais de proteção limitada
excedem a perda completa de proteção, se a
couraça não for usada. (F.B.I GUIDE, p. 96).

251 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Segundo estudos recentes do F.B.I. 23 , não se tem


conhecimento de um colete homologado, falhar em prevenir a
penetração de um projétil, que esteja dentro das características de
seu nível, ou seja, velocidade, configuração externa e composição
interna, peso, angulação ao atingir o painel, estando este dentro de
padrões de conservação estipulados pela NIJ. Para o GSACBP, é
impossível uma proteção 100% em todas as circunstâncias, porém
o uso apropriado e rotineiro reduz de modo significativo a
probabilidade de ferimento fatal. A escolha do colete é, até certo
ponto, um equilíbrio entre proteção balística e capacidade de uso
(N.IJ.0100.01).
Após a escolha do nível de proteção, a próxima pergunta a
ser respondida é: qual o tipo de fibra balística a ser empregada na
couraça? Qual o melhor produto? Que tipo de fibra é melhor, dentro
do quesito leveza, peso por metro quandrado? Qual a de maior
flexibilidade, garantindo, assim, ao usuário conforto e facilidade de
movimentaçao? E mesmo sendo a mais leve e mais flexível,
devendo garantir uma segurança contra trauma fechado na ordem
máxima de 44mm, ou 4,4 cm, conforme NIJ 0101.04, ainda em vigor
no Brasil, mesmo depois de 15 anos de utilizaçao e tendo a NIJ
0101.06 de 2007, já portanto com dez anos?
O guia de Seleção e Aplicação do Colete Balístico para
Policiais de 2001 (N.I.J. 0100.01) cita que é importante priorizar a
leveza, dentre as inúmeras soluções no mercado no que tange o tipo
de fibra a ser utilizada na couraça, além de flexibilidade,
proporcionando conforto aos policiais que deverão utilizar a
proteção por mais de 12 horas diárias, ou até por 24h, em
temperaturas entre 24º e 35º. Esse quesito quando não observado,

23 Fonte: FBI Uniform Crime Reports: Law Enforcement Officers Killed Assaulted.

| 252
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

apresenta-se como um possível responsável por desencorajar o uso


rotineiro e contínuo das couraças balísticas, que quando não
utilizadas passam para o nível “0”.
Após 50 anos do desenvolvimento da primeira fibra
orgânica pela empresa americana DuPont, conchecida como
Kevlar® 29, oriundo da aramida, o mercado atual disponibiliza às
coorporações inúmeras soluçoes balísticas passando pelo atual
Kevlar® XP da DuPont e pelos compósitos da americana Honeywell
que utiliza polietileno, dentre eles o GoldFlex®, SpectraShield®,
entre outras soluções desta empresa, e por último e não menos
importante e eficiente, a Holandesa DSM High Perfomance Fibers
B.U, com a fibra Dyneema, com suas couraças de polietileno leves e
flexíveis (MACHADO, 2010), imagens 7 e 8.24

25

Imagem 7 Imagem 8

Levando-se em consideração as últimas aquisições da


PMDF, bem como da SENASP, nos anos de 2016, as vestes balísticas
foram todas do nível IIIA, tamanho médio com peso de 3.056 Kg
(tabela de referência de pesos da empresa CBC de setembro 2014,
p. 2 - ver essa referência), capa lisa, concomitante ao cinto de

24 https://www.dsm.com/products/dyneema/pt_BR/home.html
25 https://www.flickr.com/photos/ministeriointeriorecuador/16786732575/lightbox/

253 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

guarnição composto de pistola Cal. .40S&W, 3 carregadores, cada


um com 15 cartuchos, lanterna, bastão ou tonfa, espargidor
lacrimogênio, ALE, algema, alicate multi-uso, entre outros, o que
leva o policial a carregar quase 10 kilos acima de seu peso. Estes
profissionais após 20 anos de trabalho, terão sobrecarregado
membros inferiores e coluna cervical, e muitos destes com preparo
físico aquém adequado a um policial.
A escolha da proteção ideal deve passar ainda pela análise
de dados de confrontos entre policiais e infratores da lei e da
ordem, armas comercializadas e calibre utilizado pela força policial.
Portanto, se o departamento ou agência utiliza uma pistola semi-
auto Cal. .40 S&W, FMJ, no mínimo sua proteção deve ser nível IIA,
ver tabela 2. Relatórios do FBI sobre policiais mortos entre 1980 e
2000, mostra que 163 dos 1.058 agentes mortos o foram com suas
próprias armas de mão, ou seja, 01 em cada 06 policiais morreram
com seus próprios armamentos26.
Abaixo, segue outra tabela, interessante a ser observada no
estudo de calibres utilizados em confrontos entre criminosos e
policiais, nos EUA, entre os anos de 1994 e 1999, visando subsidiar
a escolha da proteção ideal, lembrando que o calibre .40 S&W,
surgiu em 1989, e somente entrou no Brasil em 1999.
Outro dado importante nesta Tabela 2 é que, tanto o calibre
.45ACP e .44 Mag. são calibres muito comuns e largamente utilizado
no mercado americano, diferente do Brasil que
predominantemente tem-se os calibres .380 ACP, .38 SPL e 32 SW,
conforme Tabela 2.

26 Fonte: FBI Uniform Crime Reports: Law Enforcement Officers Killed Assaulted.

| 254
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tabela 2: Penetração balística de 1994 a 1999


Cal. da Nível 1994 Porcentagem Conclusão Classificação total
arma a 1999
Calibre I 41 6º 41
.22 326
Calibre I 30 nível I 46% 7º 30
.25
Calibre I 22 Abrangência 8º 22
.32 Nível II
Calibre I 191 86% 1º 191
.38 SPL
Calibre I 42 5º 42
.380 ACP
Calibre IIA, II 143 160 2º 143
9x19mm nível IIA 39%
Calibre IIA 17 9º 17
.40 S&W
Calibre IIA, II 116 276 3º 116
.357 Mag nível II 45%
Cal.45 II, IIIA 44 64 Nível IIIA 4º 44
ACP nível IIIA 9%
Cal. 44 IIIA 20 10º 20
Mag
Outros ------- 42 5%
Fonte: FBI Uniform Crime Reports: Law Enforcement Officers Killed Assaulted

Conclui-se que coletes nível II protegem os agentes de


segurança em mais de 86% das ocorrências entre os anos de 1985
e 1999, e que somente nos EUA o calibre .45 ACP (44 ocorrências)
estaria à frente do calibre .380 ACP (42 ocorrências), pois no Brasil
este, calibre .380 ACP, está entre os 4 tipos de armas mais usadas
por criminosos27.
Portanto, mesmo nos EUA, o colete nível II é o mais
indicado para emprego policial, e no Brasil este nível de proteção

27 Fonte: http://soudapaz.org/Acessado no dia 28 de fevereiro de 2020.

255 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

balística abrange mais de 90% das armas apreendidas e


empregadas, conforme Tabela 3, ou seja, a proteção de nível II, é
mais do que suficiente para o policiais brasileiros, além de ser mais
leve, mais confortável e por último mais barata no momento da
aquisição.

Tabela 3: Penetração balística de 2011 a 2012


Cal. da arma Nível 2011 à Conclusão Classificação
2012
Calibre .22 I 5,4% 5º
Calibre 7,65mm I 2,5% 6º
Calibre .32 I 13,6% 2º
Calibre 6,35mm I 1,7% Abrangência 9º
Calibre .38 SPL I 41,5% Nível II 1º
Calibre .380 ACP I 10,3% 90,6% 4º
Calibre 9x19mm IIA, II 1,9% 8º
Calibre12 Gauge IIA,II 1,5% 11º
Calibre .40 S&W IIA 12,2% 3º
Calibre .45 ACP II, IIIA 1,6% Nível IIIA 10º
1,6%
Outros 2,3% Outros 7,8% 7º
Fonte: Universo:10.666 armas.
Fonte: Núcleo de Balística, Instituto de Criminalística de São Paulo.
No gráfico 01, com dados atuais, infere-se que no estado de
São Paulo, o Estado com maior número de armas apreendidas, que
a proteção balistica até o nível II consegue alcançar 90,6% das
probabilidades entre as armas envolvidas em crime nos anos de
2012 e 2013. Portanto, comparando as duas tabelas, com doze anos
de diferença, verifica-se que a proteçao nível II teve um aumento de
quase 5% em relação à tabela 02 com dados dos EUA dos anos de

| 256
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

1985 e 1999, em que o calibre e acesso a armas é bem maior do que


no Brasil, e o nível IIIA teve uma diminuiçao de 8% em relação ao
mesmo período (NOTÍCIAS TERRA, 2015), contrariando a idéia de
que existe uma tendência de aumento de emprego de armas curtas
de grosso calíbre. Outro dado importante levantado por este
estudo, realizado pelo Instituto Sou da Paz 28 , com dados do
Ministério da Justiça, SSP/SP e PCSP, ressalta o “mito de que
aqueles que praticam crimes utilizam principalmente armas de alto
poder de fogo como fuzis” (NOTÍCIAS TERRA, 2015).

Gráfico 01- Distribuição das armas de fogo industriais por tipo

Distribuiçao das armas de fogo industriais por


tipo.

2,4 1 0,8 0,4

4 Revolver
Pistola
Espingarda
32,2 Garrucha
59,3 Carabina
Fuzil
Submetralhadora

Fonte: Universo:10.666 armas.


Fonte: Núcleo de Balística, Instituto de Criminalística de São Paulo.
Surperintendência de Polícia Técnico-Científica, elaboração Instituto Sou da
Paz, 2014.

28 Fonte: http://soudapaz.org/. Acessado no dia 28 de fevereiro de 2020.

257 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Portanto, o revólver tanto no calibre .38 SPL, quanto no


calibre .32S&W, continuam de maneira inequívoca, sendo os tipos
e calibres de armas mais utilizadas em cometimento de crimes em
São Paulo, seguido da pistola Cal. .40S&W e a pistola .380ACP,
sendo que o fuzil representa um universo de apenas 0,8 e a
submetralhadora de 0,4%.29
Portanto, diante dos dados apresentados ateriormente,
sabendo-se que um colete balístico nível II, consegue ter
efetividade de proteção para mais de 90% das armas e calibres
mais apreendidos e utilizados em cometimentos de crime no Brasil,
os dirigentes de departamentos de polícia e seus agentes de
logística podem de maneira técnica proporcionar aos policiais um
colete leve e mais flexível, aumentando consideravelmente o uso
diário de maneira ininterrupta da proteção durante todo o dia de
patrulamento e ainda proporciona uma imagem limpa e acaba por
produzir uma sensação de segurança a população, conforme
estudos sitados neste capítulo, pois permite seu uso dissimulado
por baixo do uniforme ou com capas externas que imitam o
fardamento, conforme será relatado à frente.
Nas figuras 11, 12 e 13, pode ser verificado que o uso de
colete mais leve, com menos camadas e com nível de proteção
balística adequada, Nível IIA, fabricado em fibra balística de
Polietileno, proporciona ao seu usuário a possibilidade de se
utilizar o equipamento por baixo do fardamento, por conta de sua
baixa espessura, alta flexibilidade e leveza, vindo a produzir
melhoria na apresentação individual, preservando a identidade
visual e estética do uniforme e por último e não menos importante,

29 Fonte: http://soudapaz.org/Acessado no dia 28 de fevereiro de 2020.

| 258
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

aumenta a segurança do usuário, que ao passar a impressão de que


está “sem colete” vindo a ser alvo de violência contra sua
incolumidade física, aumentará o percentual de chance de disparo
na área do tórax (67%)30 , que no caso está protegido pela veste
balística.
Na figura 14, pode-se observar que o agente de segurança,
utiliza colete de nível balístico mais elevado, com capa externa no
sistema MOOLE - Modular Lightweight Load-carrying Equipment
(equipamento leve de transporte de carga), mais adequado para
grupos especiais, para missões pontuais e alta periculosidade que
envolva emprego da tropa por menor tempo, com utilização de
armas portáteis, geralmente fuzis ou carabinas, que empregam
munições de calibres mais perfurantes e mais potentes, o que eleva
o nível de proteção das vestes balísticas a no mínimo para o nível
III, da NIJ, com vistas a proteção dos fuzis e carabinas que portam.
Consequentemente estes coletes são mais pesados, menos flexíveis,
mais desconfortáveis e podendo ser usado apenas por cima da
farda, por conta de seu elevado volume.
Por se tratar de um equipamento utilizado largamente por
tropas de forças armadas, especialmente em guerras e altamente
ostensivo, conforme imagem 15, acaba passando para a sociedade
uma sensação de insegurança31 e de que a presença daquela equipe
policial se dá por conta de maior periculosidade do local de atuação
do efetivo, produzindo assim um efeito contrário quando utilizado
por tropas ordinárias e cotidianas de policiamento, que ao
contrário das equipes especiais, o policiamento ostensivo e
comunitário, ou chamado de ordinário, são efetivos de emprego

30 Fonte: FBI Uniform Crime Reports: Law Enforcement Officers Killed Assaulted.
31 Ibdem.

259 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

diário, próximo a comunidade, por longos períodos de tempo,


geralmente 12 horas, e por conta de todos estes fatores devem
utilizar equipamentos o mais dissimulados possíveis, capas de
coletes na mesma cor do fardamento, se possível imitando a farda,
(imagem 10) e quando possível por baixo do uniforme, (imagens
09, 11, 12, 13), passando assim uma imagem de normalidade,
leveza, e uma maior sensação de segurança ao cidadão.
O Chefe de polícia do departamento de polícia de Toledo,
em Ohio, George Kral, em reportagem de 08 de fevereiro de 2020,
proibiu o uso de coletes chamados táticos, ou com sistema MOOLE,
alegando que este tipo de equipamento produz na população
sensação de insegurança, e que são equipamentos de guerra e não
de paz, como deve ser os policiais 32.
O fato é que o uso do equipamento inadequado causa um
desnecessário aumento no peso que o agente carrega diariamente,
produzindo na coluna cervical e membros inferiores excesso de
peso, diminuindo a flexibilidade, e ainda aumentando as
ocorrências de doenças ocupacionais e retirando agentes das ruas
por problemas de saúde, pois submetidos a um aumento
substancial na carga a ser transportada diariamente, embarcando
e desembarcando várias vezes para realizar abordagens e atender
ocorrências, em veículos inadequados, são fatores que certamente
contribuem para um emprego inadequado de força.

32 https://www.lawenforcementtoday.com/chief-bans-officers-from-wearing-outer-
vests-because-were-not-soldiers/

| 260
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

33 34

Imagem 9 Imagem 10
a

35 36 37

Imagem 10 Imagem 11 Imagem 12

33 Policial americano utilizando colete por baixo do uniforme.


https://www.policeone.com/police-products/body-armor/articles/7-keys-to-proper-
care-and-cleaning-of-your-ballistic-vest-ltLQlMAgLXEOIbXX/.Acessado em 27 de março
de 2020.
34 Policial americano com colete externo imitando o fardamento.
https://www.lawenforcementtoday.com/chief-bans-officers-from-wearing-outer-
vests-because-were-not-soldiers/.
35 Arquivo pessoal.
36 Ibdem.
37 Arquivo pessoal.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

38

39

Imagem 13 Imagem 14

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tipo de sensação que o colete proporciona aos agentes de


segurança é um fator que poderá causar prejuízo ao seu uso
contínuo, sendo este todo o período de patrulhamento, ou durante
todo o serviço policial. O conforto da couraça está relacionada ao
peso, flexibilidade, fatores diretamente relacionados com o nível de
proteção escolhido, que depende da quantidade de camadas

38Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:U.S._Border_Patrol_Agent_Roberto_

Ramirez,_left,_with_the_Border_Patrol_Tactical_Unit,_supervises_Guatemalan_police_off
icers_with_the_Interagency_Task_Force_Tecun_Uman,_during_9_mm_weapons_training
_in_Guatemala_130612-A-TQ625-075.jpg.
39 Militar americano empregado em recente guerra no oriente médio.
https://www.blueforcegear.com/ten-speed-triple-m4-mag-pouch. Acessado em 28 de
março de 2020.

| 262
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

utilizadas na construção da solução balística, aliado com o material


utilizado no tecido balístico, (Aramida, Polietileno etc), bem como
da disposição da trama, maneira de tecer os fios. Estes fatores
certamente serão os responsáveis, de maneira, simplista da análise
da construção, em aumentar ou diminuir o conforto da solução
balística.
Ao se escolher uma couraça de menor nível balístico, o
administrador proporcionará, pelo aqui exposto, ao Estado,
economia de recursos financeiros, pois o valor do colete balístico é
maior a cada elevação de nível de proteção, além de aumentar o
desconforto, pois uma proteção de menor nível, é mais leve, mais
flexivel e portanto mais confortável, aumentando
consideravelmente o tempo de utilização e consequentemente a
proteção do usuário final, que futuramnete por conta da diminuição
do peso da placa, será menos exposto a problemas decorrentes de
excesso de peso do equipamento sobre articulações e membros
costais, e utilizando-se de uma veste balística adequada, poderá
dispor de seu conhecimento técnico de emprego de força. A escolha
da colete balístico para uso da tropa ordinária das forças de
segurança pública, baseando-se nos dados estatísticos expostos
acima, deve ser de nível II, do NIJ 0101.04, ou 0101.06, não
importando o tipo de material a ser utilizado, desde que atenda aos
requisitos de conforto, leveza e proteção nível II.
Portanto, após analisar os dados expostos e fatores
alcançados por uma escolha coerente, técnica e científica, e não
baseada em opiniões de pessoas não especializadas para taratr do
tema, ou da mídia, fica claro que o nível II é o mais adequado as
centenas de milhares de agentes de segurança, tropas ordinárias,
garantindo segurança e conforto necessários.

263 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

REFERÊNCIAS

Department of Justice, 1996, Annual.

FLORES, Marcelo, Erico, GOMES, Dias Gérson. Tiro Policial:


Técnicas sem fronteiras – Ed. Evangraf. Paraná: 2006.

F.B.I Guide. Federal Bureau of Investigation. Law Enforcement


Officers. Washington, D.C.: U.S.

FBI Uniform Crime Reports: Law Enforcement Officers Killed


Assaulted 1999.

Guide NIJ100-01. Selection and Application Guide to Personal Body


Armor-2001.

LAKATOS, Maria Eva, MARCONI, Marina de A. Fundamentos de


Metodologia Cientifica – São Paulo: Atlas, 1991.

MACHADO. Corrêa Pimentel Maurício. Coleção Armamento –


Armas, munições e Equipamentos. Ed. Evangraf. Paraná: 2010.

NOTÍCIAS TERRA. Disponível em <


http://noticias.terra.com.br/brasil/armas-usadas-pelo-crime.>
acessado em 20 fev 2020.

Portaria D. Log nº 18 de 19 de dezembro de 2006.

| 264
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Sítios eletrônicos:

SOU DA PAZ. Relatório alterado. Disponível em


<www.soudapaz.org/upload/pdf/relatorio_20_01_2020_alterado_
isbn.pdf.> acessado em 20 Jan. 2020.

Tabela de referência de pesos da empresa CBC de fevereiro de


2020, p.2.<http://www.cbc.com.br/.> acessado em 28 Fev. 2020.

https://articulo.mercadolibre.com.co/MCO-480641906-hilo-de-
kevlar-en-bobina-de-500-gramos-
_JM?variation=38794508948&quantity=1#reco_item_pos=7&reco
_backend=machinalis-seller-
items&reco_backend_type=low_level&reco_client=vip-
seller_items-above&reco_id=c083c614-87ea-4b84-b496-
39d72d9f4211. acessado em 28 Fev. 2020

https://articulo.mercadolibre.com.co/MCO-467183736-kevlar-
balistico-du-pont-150cm-x-100cm-_JM?quantity. acessado em 28
Fev. 2020

https://www.dsm.com/products/dyneema/pt_BR/home.html.
acessado em 28 Fev. 2020.

https://www.flickr.com/photos/ministeriointeriorecuador/1678
6732575/lightbox/. acessado em 28 Fev. 2020.

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:U.S._Border_Patrol_Ag
ent_Roberto_Ramirez,_left,_with_the_Border_Patrol_Tactical_Unit,_
supervises_Guatemalan_police_officers_with_the_Interagency_Tas
k_Force_Tecun_Uman,_during_9_mm_weapons_training_in_Guate
mala_130612-A-TQ625-075.jpg. acessado em 28 Fev. 2020.

265 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

https://www.lawenforcementtoday.com/chief-bans-officers-
from-wearing-outer-vests-because-were-not-soldiers/. Acessado
em 28 Fev. 2020.

https://www.blueforcegear.com/ten-speed-triple-m4-mag-pouch.
Acessado em 28 de março de 2020.

| 266
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 11
TAMBÉM MORRE QUEM ATIRA: O USO DA
FORÇA POLICIAL EM CONFRONTOS ARMADOS
E ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

Gleidison Antônio de Carvalho


Henrique de Souza Lima Júnior

O presente capítulo visa apresentar um panorama das


polícias militares brasileiras, no que tange a atendimento pós-
traumático ao policial militar envolvido em confronto armado em
serviço. Como referência doutrinária, foi utilizado o Caderno
Técnico de Tratamento do Transtorno de Estresse Pós-traumático-
TEPT, desenvolvido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública
em 2019. São emergidas preocupações acerca da postura
desempenhada pelos estados, no trato ao policial militar envolvido
em atividade policial cujo uso da força tenha sido necessário, mas
passível de gerar transtornos após os incidentes. É trazido ainda
um episódio de confronto armado que resultou em lesão sofrida
por policial militar, com suas implicações decorrentes, visto não ter
atendimento especializado à época do ocorrido. A partir do quadro
atual apresentado pelos estados, no tocante aos protocolos de
atendimento pós-traumático, percebe-se uma distância entre os
documentos norteadores e a práxis institucional, ensejando
prejuízos imensuráveis à categoria profissional considerada de
risco pela Organização Mundial da Saúde.

267 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A PROFISSÃO POLICIAL MILITAR E O ESTRESSE DIÁRIO

A profissão policial militar, no Brasil, segue suas formações


e aperfeiçoamentos baseados nos documentos-base, como a Matriz
Curricular Nacional para ações formativas dos profissionais da área
de segurança pública 40 , cuja última versão é de 2014 e procura
alinhar as práticas educacionais e pedagógicas nacionais e
internacionais à formação do profissional em segurança pública
nas salas de aulas.
Outro documento importante para referenciar a formação
profissional é o Perfil profissiográfico41, que traz sistematicamente
todo o processo de trabalho referente a cada posto e graduação das
instituições. Não há um documento nacional previsto para esse
mapeamento, mas diversos regionais. Destaque para o
mapeamento de tarefas a executar, bem como as condições de
trabalho que podem facilitar ou prejudicar suas ações.
Neste ínterim, apenas os dois documentos, em tese, seriam
suficientes para trazer o perfil desejado de policial militar, bem
como as matrizes curriculares básicas necessárias para sua
formação e aperfeiçoamento. Ocorre que o ingresso na carreira
policial militar pode ocasionar mudanças de comportamentos. Em
artigo publicado ainda em 2010, o serviço de psicologia da Polícia

40
O documento possui 367 páginas e traz eixos articuladores e áreas temáticas
alinhados aos projetos nacionais em vigor, no campo da segurança pública. Pode ser
acessado através do link: https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/seguranca-
publica/livros/matriz-curricular-nacional_versao-final_2014.pdf.
41 Em 2013 o Ministério da Justiça trouxe o Perfil das Instituições de Segurança Pública

(Ano-base 2012), cujos perfis profissiográficos eram trazidos, de forma completa, por
apenas 03 estados. Os demais possuíam apenas aos cargos de ingresso institucional ou
não possuíam perfis profissiográficos definidos institucionalmente). Pode ser acessado
através do link: https://www.justica.gov.br/central-de-
conteudo/senasp/anexos/pesquisa-perfil-2013_ano-base_2012.pdf

| 268
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Militar do Rio de Janeiro, através de um conhecido profissional da


segurança pública, hoje tenente-coronel Fernando Derenusson,
demonstrou a preocupação com a profissão e seus membros e
familiares:

Não raro atendemos a viúvas de policiais, que


perderam seus companheiros no serviço ou
vitimados por violência fora deste. Afora a
vitimização física, encontramos perdas
subjetivas: é comum o relato de
companheiras de policiais que apontam para
uma mudança indesejável de identidade dos
mesmos após a entrada na Corporação, com
estes tornando-se mais rígidos, indiferentes à
família ou mesmo agressivos. Da mesma
forma, nos deparamos com casos de policiais
que, após passaram por situações
traumáticas, ficaram impossibilitados de
prover à sua família o apoio emocional
outrora disponível. (DERENUSSON, 2010, p.
23)

O controle de acesso, com testes psicológicos e formações


baseadas em currículos nacionais podem não surtir o efeito
desejado, se o acompanhamento do profissional durante sua
carreira, principalmente quando da exposição deste em eventos
traumáticos, não for uma realidade nas instituições.
Conforme os dados publicados no Anuário Brasileiro de
Segurança Pública de 201942, referente ao ano de 2018, a partir do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 57.341 pessoas foram

42 O Anuário traz diversos dados referentes ao ano de 2018. Este e os anteriores podem

ser acessados através do link: http://www.forumseguranca.org.br/atividades/anuario/

269 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

vítimas de homicídios no Brasil, sendo que a grande maioria dos


crimes são atendidos primeira e diretamente pela polícia militar.
Uma taxa de 27,5 de vítimas a cada 100 mil habitantes, acima de
inúmeros países da África. Pega-se o caso homicídio em virtude da
exposição do profissional à situação violenta a atender.
Outro dado importante a ser considerado é o de 343
policiais militares ou civis assassinados ou mesmo 104
profissionais que cometeram suicídio. Pega-se o caso assassinato
de policiais ou suicídio em virtude do impacto decorrente na
carreira dos que permanecem nas fileiras da corporação.
Por fim, os dados de mortes decorrentes de oposição à
intervenção policial, termo atualmente utilizado para padronizar
as ações e seus acompanhamentos, também resultaram em 6.220
vítimas em 2018. Pega-se igualmente os casos de mortes
decorrentes de oposição à intervenção policial, em virtude da
exposição do profissional à situação violenta sofrida e perpetrada,
não adentrando no mérito da legitimidade ou ilegalidade do ato,
mas a exposição propriamente dita.
Acrescentam-se a estes dados o posicionamento de risco
entendido por Minayo (2015):

Desta forma, o sentido de risco, adequado


para descrever a situação intrínseca à
profissão de policial, combina a visão
epidemiológica e a visão sociológica. A
primeira lhe dá parâmetros quanto à
magnitude dos perigos, dos tempos e dos
locais de maior ocorrência das fatalidades. A
segunda compreende a convergência entre
duas dimensões de sua ação: uma objetiva,
representada tanto pelas características de
estrutura e funcionamento das agências

| 270
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

policiais, que incluem condições de trabalho,


regras de orientação da conduta profissional
e definição de metas de ação. Tais
características limitam as opções dos policiais
no desempenho de suas atividades. E uma
dimensão subjetiva em que o risco sob a ótica
dos policiais tem o sentido de ousadia,
bravura e de escolha individual diante de
situações de enfrentamento. É justamente nos
casos em que tais dimensões se
interpenetram que o risco pode ser
potencializado ou minimizado. (MINAYO,
2015, p. 588)

A conclusão no mesmo documento, por Minayo (2015), já


demonstra outras alternativas igualmente producentes, no campo
da formação e capacitação, para que não se resultem em confrontos
policiais:

Um bom exemplo são as recomendações de


treinamento do Comitê Internacional da Cruz
Vermelha, em casos de confrontos armados.
Quanto mais o policial faz apelo ao emprego
de força física, maior a exposição ao risco.
Contra essa tendência, são estimulados os
treinamentos que apontam na direção do
aprendizado de técnicas de negociação e
menor recurso ao uso sistemático da força
física visando, assim, conferir maior proteção
aos policiais. (MINAYO, 2015, p. 589)

Pesquisadores em todo Brasil debruçam sobre a temática


dos confrontos policiais e apontam, em diversas perspectivas
acadêmicas, que os confrontos policiais, sejam em quais números

271 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

se apresentem, geram respostas diretas e indiretas no


comportamento de seus agentes. A exemplo destas pesquisas,
Macedo (2015) traz em sua dissertação de mestrado intitulada
“Confrontos” de ROTA: a intervenção policial com “resultado
morte” no estado de São Paulo” uma análise sociológica instigante
acerca da cultura policial, a saber:

A cultura policial é tomada pelo autor como


uma caixa de ressonância que seria produto e
reprodutora de uma estrutura social de
poder, com as permanências de diferenças,
hierarquias e funções da sociedade que ela
polícia. Dessa forma, o policial seria um
“político de esquina”, um político que atuaria
sobre um microcosmo de relações de poder, e
os valores da cultura policial adquiridos por
esse policial seria parte do processo de
manutenção do poder. (MACEDO, 2015, p. 75)

Há também destaques em Minayo (2015), ao trabalhar o


risco e a insegurança na atividade policial militar, pela perspectiva
do confronto policial:

Do ponto de vista dos Policiais, seu "risco


epidemiológico" se materializa,
principalmente, nos confrontos armados, nos
quais se expõem e podem perder a vida. É
certo que o risco é inerente à natureza das
operações policiais. Não é menos certo,
porém, que orientações institucionais,
emitidas pelas autoridades hierarquicamente
superiores e não raro lastreadas em políticas
governamentais de segurança pública podem
agravar esse quadro de risco. Políticas do tipo

| 272
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

"mão dura", voltadas para o enfrentamento a


qualquer custo do crime urbano não raro
potencializam o risco. (MINAYO, 2015, p.588)

Dentre tantos fatores agravantes para a saúde do policial


militar, nos afazeres diários, surge outros fatores, não trazidos
neste artigo por não se tratar do enfoque metodológico, como
cultura policial, subcultura policial ou mesmo currículo oculto.
Entretanto, são igualmente incidentes e merecem análise especial
para formação de convicção, no que tange ao estresse da profissão
e seus elementos condicionantes/discrepantes.
Seja por qual motivo for, o policial acaba por se constituir
de uma carcaça impermeável a assuntos correlatos à sua saúde e
controle emocional, como sujeito de direitos. Falar que o policial é
sujeito de direitos, inclusive de direitos humanos, como estabelece
a Portaria Interministerial nº 2 43 , de 2010, em muitos estados,
ainda é distante da realidade experimentada.
A respeito de direitos humanos aos policiais, importante
artigo intitulado “Soldados não choram? – Reflexões sobre direitos
humanos e vitimização policial militar, escrito pelo pós-doutor em
direitos humanos Fábio França, capitão da Polícia Militar do estado
da Paraíba, explicita que não há:

impedimentos ao reconhecimento dos


Direitos Humanos para os PMs no campo
normativo e sim identitário. Baseia-se na

43 Estabelece as Diretrizes Nacionais de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos dos

Profissionais de Segurança Pública e foi considerada uma ferramenta ímpar para que os
direitos desta categoria profissional fossem enumeradas e passível de acompanhamento
pormenorizado, pelas forças de segurança.

273 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

premissa de valores culturais que se impõem


a partir da crença coletiva como o preconceito
ao trabalho das mulheres policiais nas ruas e
a estigmatização quanto à presença de
indivíduos homoafetivos nas casernas, por
exemplo. Mas que se estende a outros
indivíduos como o descaso institucional com
os servidores inativos que são esquecidos
depois que vão para a reserva ou reforma, ou
seja, se aposentam. (FRANÇA, 2017, p. 18)
(Grifos nossos)

ATENDIMENTO PÓS-TRAUMÁTICO E PANORAMA DAS


POLÍCIAS MILITARES NO BRASIL

Como mencionado anteriormente, os riscos e virtudes os


quais os profissionais de segurança pública estão expostos no
Brasil colocam esta categoria num patamar de atenção redobrada,
pelos órgãos policiais e instituições superiores, sejam de
coordenação nacional, sejam de controles externos de atividade
policial.
Metodologicamente, entretanto, este artigo pretendeu
trabalhar a perspectiva do estresse pós-traumático, que se difere
do estresse agudo. Urge destacar as diferenças, para fins de
entendimento dos quadros apresentados posteriormente acerca
das realidades nacionais atuais. Conforme é apresentado no
Manual de doenças relacionadas ao trabalho, publicado pelo
Ministério da Saúde em 2001, o Transtorno de Estresse pós-
traumático – TEPT, é caracterizado por uma resposta tardia (não
inferior a um mês após exposição ao fato traumático, de natureza
ameaçadora ou catastrófica que, reconhecidamente, causaria

| 274
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

extrema angústia em qualquer pessoa) e passível de permanência,


se não tratado adequadamente.
Diferentemente, o Transtorno de Estresse Agudo – TEA
possui padrão sintomático notável dentre os primeiros três dias de
exposição ao evento traumático, até um mês depois da exposição.
A preferência, então, por trabalhar metodologicamente
com o TEPT se deu em razão de o atendimento inicial ao policial
envolvido em confronto armado ser, na maioria dos estados,
voltado para a atenção jurídica do caso em questão, e não à atenção
psicológica que o caso requer. Composição de Inquéritos Policiais
Militares, Inquéritos Civis, Oitivas de testemunhas, documentação
burocrática exigida e, por conseguinte, carga de responsabilizações
colocadas no profissional o deixam, assim, atordoados, até o
resultado de que sua ação seja legal ou arbitrária. Mais um motivo
para a angústia e espera dos resultados, cujo reflexo pode
potencializar o estresse pós-traumático.
É evidente, no entanto, que o atendimento preliminar ao
profissional, nos primeiros três dias, será fator preponderante para
que a resposta, por parte do psicológico do policial, possa ser
melhor. Com o devido acompanhamento médico, caso os sintomas
persistirem por mais de um mês e apontar a incidência de um
eventual TEPT, não somente o diagnóstico mudará, como a forma
de condução dos trabalhos da segurança pública.
Como apontado no próprio Caderno Técnico de
Tratamento do TEPT (que mais adiante será explicado):

O reconhecimento do TEPT no contexto do


trabalho do profissional de Segurança Pública
é importante para orientar não somente os
serviços de saúde, mas também os

275 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

administradores, gestores e profissionais de


recursos humanos na prevenção e
acompanhamento do sofrimento psíquico e
físico em questão. (SENASP, 2019, p. 77)

Apesar de reconhecido pela literatura nacional e


internacional, entretanto, o que se percebe é que a maioria das
polícias militares brasileiras não conseguem, ainda, seguir os
parâmetros de saúde necessários.
O Caderno Técnico citado possui pesquisa realizada no
Brasil, junto às polícias militares, civis, corpos de bombeiros
militares e perícias criminais. Infelizmente, à época da construção
do Caderno Técnico, nem todas as polícias militares responderam
ao questionário. Optou-se, assim, por restringir a pesquisa somente
às polícias militares, totalizando os 26 estados e o Distrito Federal.
Foram encaminhadas cinco perguntas aos comandos institucionais,
os quais foram respondidos e, aliados aos resultados de 2018 do
Caderno Técnico, foi possível traçar um panorama nacional breve,
a partir das respostas de 12 estados que responderam, a saber: AC,
BA, DF, MA, MT, PR, PE, RN, RS, RO, SP e TO. As respostas mostram
que estes estados estão imbuídos com a saúde e qualidade de vida
de seus profissionais, mas alguns ainda estão distantes das políticas
federais criadas e, assim, com possibilidades de melhorias nos
atendimentos voltados aos profissionais de segurança pública.
O primeiro questionamento voltou-se à percepção, por
parte das polícias militares, sobre crescimento dos índices de
morbidade e de afastamentos, decorrentes do estresse profissional
cumulativo, Transtorno de Estresse Agudo (TEA) e Transtorno de
Estresse Pós-Traumático nos últimos 05 anos. O resultado apontou
que a grande maioria dos estados (09 em 12 estados) notaram

| 276
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

certo aumento, em que pesem as observações específicas de que os


transtornos de estresse agudo, originários nos três primeiros dias,
seriam os mais percebidos. Em razão da não política de
acompanhamento posterior, em todos os casos, dos profissionais
envolvidos nos confrontos policiais, a observância e incidência dos
TEPT acaba por ficar prejudicada.
Já com relação à capacitação preventiva para todos os
policiais militares, no campo da psicologia/bem-estar/qualidade
de vida, de forma periódica, infelizmente ocorre o inverso. Das
unidades federativas questionadas, 08 mencionaram possuir
capacitação específica e periódica, mostrando preocupação com o
bem-estar e saúde dos profissionais de segurança pública.
Entretanto, 04 estados não caminham na mesma perspectiva, por
diversos fatores elencados, mas que podem gerar impactos
permanentes na vida e saúde de seus profissionais.
No cenário específico de confrontos policiais, um dos
principais fatores de aquisição de transtornos de estresse pós-
traumático, o questionamento feito aos estados foi no campo dos
benefícios e incentivos dados aos profissionais, após estes se
envolverem em tais episódios. A resposta foi positiva para a grande
maioria dos estados, atingindo o patamar de 09 unidades
federativas. Uma preocupação notória neste cenário está na falsa
sensação de que o benefício trará repouso psicológico ao policial
militar, visto que os elogios, benefícios de folgas ou mesmo
enaltecimentos com medalhas ou outros formatos admissíveis no
militarismo não possuem implicação direta na capacidade de
recuperação de um transtorno de estresse agudo ou pós-
traumático. Outrossim, foram aqui considerados benefícios como o
próprio atendimento preliminar ao profissional, a partir dos
serviços de saúde policiais locais.

277 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

É neste cenário que a quarta e quinta indagações adentram


nas políticas nacionais atuais de valorização do profissional de
segurança pública. Foi questionado se os estados têm
conhecimento do Caderno Técnico de Tratamento do Transtorno
de Estresse Pós-traumático - TEPT, lançado pela SENASP em 2019.
A resposta traz entendimento de que não se faltam legislações e
políticas públicas neste cenário, visto que 10 estados garantem
conhecer o documento. Entretanto, ao serem perguntadas se já
implantaram o “Protocolo de Intervenção em Incidentes Críticos
para Prevenção e Tratamento do TEPT na Segurança Pública”,
previsto no Caderno Técnico, 06 estados afirmaram não utilizarem,
ainda, o referencial doutrinário em suas práticas de saúde dos
profissionais. Outros 05 estados apresentam políticas públicas
distintas de atendimento e encaminhamento dos profissionais
envolvidos em confrontos policiais, denotando interesse e
preocupação com a saúde dos militares. Já o estado de São Paulo
utiliza protocolo específico de atuação, baseado no Programa de
Acompanhamento e Apoio ao Policial Militar (PAAPM), que visa
agir de modo preventivo, em favor do desenvolvimento
psicoemocional e das potencialidades do policial militar.
Com a ressalva dos estados que já utilizam protocolos
específicos de atendimento aos policiais militares envolvidos em
eventos críticos, outros ainda buscam melhorar suas práticas de
atenção ao policial. O Protocolo de Intervenção, se adotado
corretamente, reduz consideravelmente as possibilidades de
acometimento, por parte dos policiais militares, em transtornos de
estresse, seja agudo ou pós-traumático.
Quando da construção do Caderno Técnico sobre o tema,
pelo Ministério da Justiça, alguns estados se destacaram no sentido
de apresentarem programas específicos de intervenção em

| 278
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

incidentes críticos na prevenção de TEPT para o profissional de


Segurança Pública, como os Estados de Santa Catarina, São Paulo e
Bahia, e em 2018, destacaram-se os estados do Mato Grosso,
Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Já no ano de 2020,
conforme a pesquisa aqui trazida, os estados citados continuam
com suas práticas, mas avanços também foram notados nos estados
de Maranhão, Rondônia, Pernambuco e Tocantins.

POLÍTICAS PÚBLICAS ATUAIS: O CADERNO TÉCNICO


DE TRATAMENTO DO TRANSTORNO DE ESTRESSE
PÓS-TRAUMÁTICO-TEPT

A Segurança Pública tem avançado nos últimos anos, com


relação ao profissional de segurança pública, seja pelo viés da
formação e capacitação, seja pela vertente dos cuidados com a
saúde e qualidade de vida destes. Reflexo destes avanços foram
notados na Lei n. 13.675, de 2018, que instituiu o Sistema Único de
Segurança Pública (SUSP) e criou a Política Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social (PNSPDS). Lá já são cristalinas as
preocupações com a proteção, a valorização e o reconhecimento
dos profissionais de Segurança Pública, a partir do estímulo à
criação de mecanismos de proteção dos agentes públicos e de seus
familiares, bem como incentivos para a elaboração, a execução e o
monitoramento de ações nas áreas de valorização profissional, de
saúde, de qualidade de vida e de segurança dos servidores que
compõem o Sistema Nacional de Segurança Pública. Ficou, assim,
sedimentado o desejo de focar a saúde e qualidade de vida dos
profissionais da segurança pública brasileiros.

279 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Neste cenário, surgem propostas de sucesso do governo


federal, como o Programa Nacional de Qualidade de Vida para
Profissionais de Segurança Pública (Pró-Vida), no intuito de
elaborar, implementar, apoiar, monitorar e avaliar, entre outros, os
projetos de programas de atenção psicossocial e de saúde no
trabalho dos profissionais de Segurança Pública e Defesa Social.
Ainda traz, em seu corpo legal, a proposta de integração sistêmica
das unidades de saúde dos órgãos que compõem o SUSP,
favorecendo ainda mais as propostas ensejadas no Plano Nacional
de segurança pública e defesa social.
Dentro desta perspectiva criada, surge a proposta de se
trabalhar a saúde do profissional de segurança pública, em especial
depois de se acompanhar o crescimento dos índices de morbidade
e de afastamentos, decorrentes do estresse profissional
cumulativo, Transtorno de Estresse Agudo (TEA) e Transtorno de
Estresse Pós-Traumático (TEPT). Padronizar procedimentos,
propor estratégias de atuação e orientações sobre ações e
procedimentos de intervenção, com embasamento técnico-
científico, surge pela Secretaria Nacional de Segurança Pública –
SENASP o Caderno Técnico de Tratamento do Transtorno de
Estresse Pós-Traumático (TEPT). A proposta, então, foi o de
entregar aos estados da federação subsídios para que estes
pudessem enfrentar as dificuldades e atender as demandas da área
de Segurança Pública, no tocante à ocorrência de incidentes
críticos, principalmente oriundos dos confrontos policiais e outras
situações que possam gerar estresse agudo ou pós-traumático.
Não se adentra na esfera particular de cada estado, no
tocante à condução dos trabalhos em segurança pública, em
especial a atenção à saúde e qualidade de vida dos policiais
militares, objeto deste artigo. Entretanto, instiga-se às múltiplas

| 280
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

possibilidades de atuação, a partir das polícias militares brasileiras,


para que seja atingido o propósito prescrito no PNSPDS, que é o de
proteger e valorizar o maior patrimônio da Segurança Pública –
seus recursos humanos – com o intuito de se reduzir ou minimizar
os impactos negativos oriundos de afastamentos e incapacitações,
temporárias ou permanentes, cujas origens possam ter sido a partir
de momentos críticos vivenciados na atividade policial.

MEMÓRIAS DE UM CONFRONTO: ATOS E REFLEXOS NO


POLICIAL E NA FAMÍLIA

Histórico de confrontos policiais são rotineiros na


segurança pública. De resultados de êxito a sangue e lágrimas
derramadas por profissionais que perderam suas vidas em
confronto, o que marca são as histórias. Estas, dependendo do
desfecho, ocasionam reflexos, traumas e transtornos não somente
no profissional de segurança pública, mas na corporação e em seus
familiares.
O caso trazido neste artigo ocorreu no estado do Tocantins,
com três policiais militares, na cidade de Pindorama do Tocantins,
município distante 190 quilômetros da capital, Palmas. Com cerca
de cinco mil habitantes, à época do fato possuía não mais que três
mil habitantes. O caso citado tem o propósito de trazer reflexões
acerca da atuação profissional de antes, para que se entenda as
possibilidades de desfecho distintas, nos dias atuais. Foi escrito por
um dos componentes envolvidos, hoje, por graça divina, vivo e
coautor deste artigo:

281 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

O Fato: “Na manhã do dia 1º de novembro de 2001, no


município de Pindorama-TO, eu era segundo tenente PM e
comandava uma diligência na captura de dois assaltantes de
ônibus, com uma guarnição de três policiais. O roubo aconteceu
dias antes no município de Natividade-TO, onde eu era comandante
do Pelotão PM. Ao encontrar os assaltantes na fazenda Cajueiro,
zona rural de Pindorama, houve intensa troca de tiros entre nós e
aqueles criminosos, onde este Oficial foi alvejado na cabeça –
chegando a cair ao solo. Fui socorrido pelos policiais militares
Fernando Sebastião da Silva e Valdenil Urcino Ferreira, ambos
soldados àquela época, os quais, sem temerem aqueles marginais,
me prestaram socorro rapidamente, pois após cair, tonto e
debilitado, os bandidos continuaram a atirar em minha direção. Ao
prestarem o devido apoio, os assaltantes fugiram e tomaram rumo
ignorado. Fui socorrido pelos colegas e ao sair para Natividade,
determinei para que continuassem a missão, o que resultou (com
ajuda de mais policiais das Unidades – 4ª CIPM e 5º BPM) na prisão
de um e a morte do outro bandido. Tudo apurado em Sindicância
interna, através da Portaria nº 171/01, de 14/11/2001 e Inquérito
Policial Militar nº 063/01, publicado em Boletim Interno nº
009/02, de 27/02/2002. ”

As ações decorrentes de imediato - “Após o fato, obtive


apoio dos colegas policiais que sugeriram que suspendêssemos a
diligência a fim de que eu pudesse buscar apoio médico. O
fazendeiro prestou o primeiro apoio me levando, em sua pick-up,
de Pindorama para a cidade de Natividade. Os colegas continuaram
as diligências. Ao chegar ao hospital municipal de Natividade,
solicitei do médico plantonista o encaminhamento para a cidade de
Palmas, capital do Tocantins, o que foi prontamente atendido após

| 282
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

um primeiro atendimento básico. Ao chegar em Palmas, fui buscar


atendimento especializado no hospital particular Osvaldo Cruz,
utilizando o meu plano de saúde (Unimed). No dia seguinte, fui
submetido a uma cirurgia delicada, devido a um traumatismo
craniano, sem a retirada do projétil, onde tudo ocorreu com
tranquilidade. Após uma semana, foi constatada uma grande
infecção no couro cabeludo, que resultou numa intervenção médica
emergencial e ambulatorial sem uso de anestesia, devido ao
hospital estar com todos os leitos de UTI e CTI lotados, o que causou
muita dor, contudo, superado e devidamente autorizado pelo
paciente conforme a necessidade do momento e à orientação do
médico. A cirurgia para retirada do projétil, que ficou alojado no
couro cabeludo deste ferido, foi realizada no hospital Neurológico
de Goiânia, ainda com despesas realizadas pelo plano de saúde
particular. Este oficial ficou afastado das atividades laborais por
dois meses e meio.”.

As ações particulares para a retomada da saúde


psicológica – “Apesar do apoio moral e pessoal dos colegas de
farda, dos amigos, dos irmãos da igreja Batista e dos familiares, a
recuperação aconteceu de forma gradativa, com isso, os traumas
foram sumindo com o decorrer das atividades corriqueiras da
operacionalidade na profissão policial militar. Sempre gostei de
praticar a docência, sendo instrutor de tiro policial nessa época de
recuperação, mantendo-me ainda, como comandante de frações
destacadas – o que considero ser uma das ocupações que me
ajudaram na recuperação. A família foi um grande sustentáculo
nesse momento, aliado à minha crença de ter recebido uma ajuda
sobrenatural do Criador do Universo – o SENHOR dos Exércitos.
Após dois meses e meio ao fato de levar o tiro na cabeça, a Junta

283 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Médica me liberou para o trabalho, a meu pedido, após uma


entrevista sobre as minhas condições físicas e mentais. Não
busquei tratamento psicológico após o trágico confronto.”.
Os relatos trazidos pelo policial militar mostraram, como
em diversos casos brasileiros, questões de recuperação baseados
na família, na religião, em grupos de amigos ou mesmo na própria
profissão, retomando atividades laborais e exercendo novamente
as práticas combativas quotidianas.
Ocorre que tais cenários podem ter diferentes implicações
na vida de um profissional. Como é trazido no próprio Caderno
Técnico:

Há pessoas que vão lidar melhor com as


experiências negativas, que vão demonstrar
mais competência, maior autoestima,
sentimentos de autoeficácia, revelando-se
mais positivas em relação à vida, com
capacidade de dar significado às experiências,
ainda que traumáticas. Os fatores protetores e
resilientes amenizam a reação ao estresse,
reduzem a chance de perturbação e podem
até gerar o “crescimento pós-traumático”,
com mudanças de valores e uma nova atitude
de maior valorização da vida. (SENASP, 2019,
p. 13)

Entretanto, o resultado decorrente da exposição do


profissional às situações estressoras pode trazer diferentes
respostas no profissional. Para todos os efeitos é preciso articular
estratégias de prevenção e enfrentamento das sequelas
decorrentes para que não se tenha o fator “sorte” operando na
recuperação destes profissionais. Tais estratégias devem ser

| 284
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

desenvolvidas de forma integrada, preventiva e sistêmica, visando


à promoção de saúde mental do agente Segurança Pública e é neste
cenário que as propostas trazidas no Caderno Técnico citado, em
especial no Protocolo Nacional de Intervenção em Incidentes
Críticos para Prevenção e Tratamento do Transtorno de Estresse
Pós-Traumático nas Instituições de Segurança Pública brasileiras
se faz necessário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A segurança pública tem sido centro das discussões nas


construções de políticas públicas nacionais. Conhecer o panorama
das polícias militares brasileiras, em especial com foco no
atendimento ao policial militar envolvido em confronto armado em
serviço, é fator preponderante para se construir bases mais
duradouras aos profissionais da segurança pública. É necessário
que as instituições sejam sensibilizadas, visto que o TEPT ainda é
subdiagnosticado e, enquanto não se adotarem medidas
preliminares aos policiais militares envolvidos em confrontos
policiais armados, cujo resultado seja morte, não será possível
cuidar das demais morbidades. Em muitos casos os policiais podem
não reconhecer os sintomas e permaneça sem o tratamento
adequado, com agravamento do quadro, incompreensão do
problema perante seus pares e familiares e até mesmo vergonha
diante do desajustamento sentido. Como trazido no Caderno
Técnico citado neste artigo, há notória necessidade de se treinarem
as equipes de saúde para atendimentos especializados voltados ao

285 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

estresse agudo e pós-traumático, bem como suas respectivas


comorbidades.
Por outro lado, tratativas não somente locais como
nacionais dão mostras de que a preocupação com o profissional da
segurança pública caminha a passos largos. Definições outrora
incipientes nas legislações nacionais, garantidora de direitos aos
profissionais de segurança pública dão lugar a políticas públicas
mais claras, diretas, sólidas e com possibilidades duradouras, a
exemplo da Política e do Plano Nacional de Segurança Pública, de
2018 e atualmente vigente. A proposta de se reduzir ou minimizar
os impactos dos afastamentos, incapacitações ou mesmo mortes de
policiais militares, cuja origem tenha sido a atividade policial, não
somente faz o profissional sofrer como evidencia uma ferida ainda
não curada, talvez sequer tratada em outros tempos.
Já está consolidado que a atividade policial é de risco. A
própria Organização Mundial de Saúde - OMS, a caracterizou como
insalubre, perigosa, geradora de imenso estresse pelo período de
constante esforço físico, exigência institucional e social de que o
policial esteja em plena acuidade e higidez mental e física, a fim de
exercer com propriedade o seu mister constitucional. Não são mais
tolerados exemplos de confrontos policiais, como o trazido neste
artigo, cuja recuperação do profissional dependa exclusivamente
de família e religião. A instituição deve ter sua parcela de
contribuição, como parte essencial de uma política pública atuante
e perene, na busca da dignidade humana de seus operadores ativos
e inativos, bem como de seus familiares.

| 286
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

REFERÊNCIAS

BARTHOLO, WALDANNE RIBEIRO. Estresse pós-traumático.


Psψcologia: Saúde Mental & Segurança Pública, v. 2, n. 4, 2007.

BEATO, C.; PEIXOTO, B. T.; ANDRADE, M. V. Crime, oportunidade


e vitimização. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo,
v. 19, n. 55, jun. 2004.

BRASIL. Caderno técnico de tratamento do transtorno de


estresse pós-traumático – TEPT / Ministério da Justiça e
Segurança Pública, Secretaria Nacional de Segurança Pública -
Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, Secretaria
Nacional de Segurança Pública – SENASP, 2019. 194 p.

COSTA, Marcos et al. Estresse: diagnóstico dos policiais


militares em uma cidade brasileira. Revista Panamericana de
Salud Pública, v. 21, p. 217-222, 2007.

DERENUSSON, Fernando C.; JABLONSKI, Bernardo. Sob fogo


cruzado: o impacto do trabalho policial militar sobre a família
do policial. Aletheia, n. 32, 2010.

DURANTE, Marcelo Ottoni; JUNIOR, Almir Oliveira. Vitimização


dos policiais militares e civis no Brasil. Revista Brasileira de
Segurança Pública, v. 7, n. 1, 2013.

FERNANDES, Alan. Vitimização policial: análise das mortes


violentas sofridas por integrantes da Polícia Militar do Estado
de São Paulo (2013- 2014). Revista brasileira de segurança
pública, São Paulo, v. 10, n 2, p. 192- 219, ago/set 2016

FRANÇA, Fábio Gomes de; DUARTE, Anderson. Soldados não


choram? Reflexões sobre direitos humanos e vitimização
policial militar. Revista do Laboratório de Estudos da Violência da
UNESP/Marília. São Paulo–n, p. 1-22, 2017.

287 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

NOGUEIRA, Geralda Eloisa Gonçalves et al. O estresse e suas


implicações no trabalho policial. Psψcologia: Saúde Mental &
Segurança Pública, v. 1, n. 1, 1997.

MACEDO, Henrique de Linica dos Santos et al. “Confrontos” de


ROTA: a intervenção policial com “resultado morte” no estado
de São Paulo. 2015.

MINAYO, Maria Cecília de Souza; SOUZA, Edinilsa Ramos de;


CONSTANTINO, Patrícia. Riscos percebidos e vitimização de
policiais civis e militares na (in) segurança pública. Cadernos
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MINAYO, Maria Cecília de Souza; ADORNO, Sérgio. Risco e (in)


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Policial, risco como profissão: morbimortalidade vinculada ao
trabalho. Ciência & Saúde Coletiva, v. 10, n. 4, p. 917-928, 2005.

SOUZA, Edinilsa Ramos de et al. Fatores associados ao


sofrimento psíquico de policiais militares da cidade do Rio de
Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 28, n. 7, p. 1297-
1311, 2012.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 12
O EMPREGO DAS TECNOLOGIAS NÃO LEITAIS
PARA OS APLICADORES DA LEI

Gustavo Dias de Oliveira Junior

O presente capítulo tem por objetivo levantar


questionamentos sobre o uso da força pelos agentes na aplicação
lei, utilizando para tal finalidade, instrumentos de menor potencial
ofensivo, aqueles caracterizados por evitar danos permanentes ou
um efeito mais gravoso da atuação policial quando do emprego da
força.
A atividade estatal dos aplicadores da lei envolve, quando a
situação assim exigir, o emprego da força, exclusividade do Estado
no uso da violência legal. O art. 3º do Código de Conduta dos
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 17 de dezembro de
1979, através da Resolução nº 34/169 assevera:

Art. 3º Os funcionários responsáveis pela


aplicação da lei só podem empregar a força
quando estritamente necessária e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever.

Ao mesmo momento em que a norma prevê o uso da força


na aplicação da ordem ela também restringe tal uso. O emprego da
força pelos aplicadores da lei é a exceção, devendo haver a opção

289 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

por outros mecanismos antes de utilizá-la. Fica evidente que o


legislador buscou restringir o uso do meio mais danoso para se
evitar consequências muitas vezes irreparáveis. Para o Ministério
da Justiça (BRASIL, 2010), a força é uma intervenção coercitiva
imposta à pessoa ou grupo de pessoas por parte do agente de
segurança pública com a finalidade de preservar a ordem pública e
a lei.
Outro instrumento normativo impõe que quando da
utilização da força para aplicação da lei, ela deve sempre ser feita
observando os princípios da legalidade, necessidade e
proporcionalidade (BRASIL, 2014).
Conforme Sandes (2007), a função ocupacional do policial
exige competências pessoais calcadas nos princípios democráticos,
tais como ética profissional, humanidade, tolerância e
compromisso com a legalidade. Pode-se aqui acrescentar
cientificismo como a busca por métodos e meios baseados na
ciência e na técnica.
Buscando um equilíbrio entre manutenção da ordem,
preservação da vida e incolumidade física de todos e o emprego
técnico de suas atividades, a maioria das polícias brasileiras adota
o modelo do uso seletivo ou diferenciado da força no
controle/manutenção social.
De acordo a portaria interministerial (BRASIL, 2010), o uso
diferenciado da ação é seleção apropriada do nível de uso da força
em resposta a uma ameaça real ou potencial, visando limitar o
recurso a meios que possam causar ferimentos ou mortes.

| 290
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Figura 1: Modelo de Uso da Força

Fonte: SENASP.

Tal diretriz fora positivada no ordenamento jurídico a


partir de 2010, através da Portaria Interministerial Nº 4.226 de 31
de dezembro. A norma editada pelo Ministério da Justiça em
conjunto com a Secretaria de Direitos Humanos foi um marco em
estabelecer diretrizes, padronizar conceitos e inserir em matriz
curricular dos cursos de formação de agentes de segurança o uso
diferenciado da força.
Um pouco depois, o legislador federal implantou no direito
brasileiro uma norma que já era aplicada na maioria das
instituições policiais. A lei 13.060 de 22 de dezembro de 2014
estabeleceu no artigo 3º que “Os cursos de formação e capacitação
dos agentes de segurança pública deverão incluir conteúdo
programático que os habilite ao uso dos instrumentos não letais”
(BRASIL, Lei 13060, de 22 de dezembro de 2014, 2014).
Desta forma, o legislador e o poder executivo vislumbraram
a importância em proporcionar aos agentes aplicadores da lei,

291 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

mesmo que tardia, tendo em vista que a norma legal fora


promulgada somente em 2014, instrumentos legais e técnicos para
fazer frente às inúmeras situações de intervenção policial.
Pesquisa realizada em agências policiais americanas têm
estimado que entre 15 e 20 por cento das prisões envolvem o uso
da força, e que tais prisões provocam uma taxa entre 17 a 64 por
cento (dependendo do departamento) de lesões nos cidadãos
presos e entre 10 a 20 por cento nos oficiais (Bulman, 2020).
Dentro das opções em que os agentes encarregados da
aplicação da lei detêm, o uso de tecnologias é a que apresenta a
maior variedade de opções para seu emprego, possuindo no
mercado, ofertas para diversas situações apresentadas em
intervenções policiais.
O National Institute of Justice - NIJ, órgão americano para
pesquisas, avaliação e desenvolvimento das instituições policiais e
de correção -law and enforcement- (National Institute of Justice,
2020), classifica algumas tecnologias para emprego em situações
de uso da força: equipamentos de condução de energia, químicos,
distração, tecnologias para parar veículos, barreiras e força bruta (
munições de baixa energia cinética). São as principais tecnologias
disponíveis no mercado atualmente, que poderiam estar muito
mais desenvolvidas se houvesse maior engajamento dos órgãos
responsáveis em acordo com as indústrias.
Segundo Alexander (2003), a pesquisa e desenvolvimento
de tecnologias para o uso policial é bem diferente do que a para o
uso militar, vez que, este normalmente, compra em grandes escalas
o que possibilita do ponto de vista comercial, a solicitação de
produtos que atendam suas necessidades e especificidades
operacionais, ao passo que os órgãos policiais não possuem uma
agência central que poderia canalizar as demandas. Desta forma, os

| 292
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

produtos para órgãos policiais ficam limitados aos interesses


comerciais das empresas desenvolvedoras em financiar pesquisas
e projetos.
Assim como qualquer profissional necessita de
instrumentos e ferramentas adequadas para executar suas
atividades laborais, os agentes encarregados de aplicar a lei
precisam ter ferramentas em condições de uso, treinar o emprego
destas e saber utilizar os equipamentos além do armamento letal,
para que possa solucionar a grande maioria das situações com
sujeitos agressivos, não cooperativos, com problemas mentais ou
sob o efeito de substâncias diversas.

A INTRODUÇÃO DOS AGENTES QUÍMICOS

Durante muitos anos o policial da linha de frente, aquele do


cotidiano, que lida com os conflitos sociais dispunha, quando
portava, apenas do bastão como instrumento de menor potencial,
o que na maioria das vezes, quando empregado, provocava lesões
nos cidadãos e, por consequência, reclamações pelo uso excessivo,
resultando complicações jurídicas.
Um grande avanço operacional surgiu quando os agentes
químicos, largamente já utilizados em conflitos armados, foram
desenvolvidos com características seguras e colocados à disposição
para o uso policial, de acesso imediato ao alcance da mão. Os efeitos
práticos para os departamentos policiais, nos Estados Unidos, da
introdução do spray de pimenta, ou tecnicamente oleoresin
capsicum (OC), foram pesquisados amplamente (Bowling, 2020).

293 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Um estudo publicado pela National Institute of Justice


levantou alguns dados após a introdução do equipamento nos
departamentos de polícia: lesões em policiais, lesões em suspeitos
e reclamações contra os policiais pelo uso excessivo da força. De
acordo com estudo na Carolina do Norte, todos os três indicadores
caíram após a introdução do spray de pimenta (Bowling, 2020). O
estudo fora conduzido por uma equipe multidisciplinar do Centro
de Prevenção e Pesquisa de lesões na Universidade da Carolina do
Norte, constatando resultados satisfatórios de declínio no número
de lesões de policiais e suspeitos, bem como diminuição de
reclamações contra os policiais pelo uso excessivo da força
(Bowling, 2020).
Fazendo uma análise técnica da perspectiva operacional, a
introdução do spray de pimenta como ferramenta de trabalho,
permite ao policial realizar uma intervenção, quando necessário,
sem que haja o contato físico com o cidadão, podendo ser mantido
uma distância de segurança, possibilitando a separação de conflito
ou a diminuição da agressividade, resistência para que pessoa, se a
situação assim exigir, possa ser imobilizada com menor emprego
de força. Acarretando menos ou nenhuma lesão.
Quanto a segurança do emprego do spray de pimenta no
que tange aos efeitos fisiológicos causados no corpo humano,
sempre fora tema de discussão. Estudo da Universidade do Texas
(Granfield et al, 1994) em que se analisou mortes sob custódia
policial onde fora utilizado spray de pimenta em 63 casos. Em 23
situações com evento morte, que foram separadas por ter clareza
da causa da morte, em 12 situações a causa foi o uso de drogas
somente, em fora o uso de drogas combinado com doenças do
coração, no restante dos casos, a causa morte fora asfixia, pela

| 294
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

posição de estar algemado associado a obesidade ou algum peso


que impedia os músculos realizar o movimento de respiração.
Outros 23 casos não puderam ser isolados por uma causa,
sendo combinado com uso de drogas e/ou doenças pré-existentes.
Em outros 6 casos, houve o uso de outras armas ou problemas de
saúde foram associados a morte, não se podendo precisar a causa.
Em 2 casos envolvendo asmáticos, a doença respiratória foi a causa
da morte (Granfield et al, 1994).
O estudo, após todas as análises, concluiu que o spray de
pimenta não teve ligação direta ou exclusiva com nenhum dos casos
com evento morte, o que ocorre quando se faz o uso do agente
químico ou qualquer outro instrumento, que normalmente está
associado a confronto, luta corporal, é um aumento do estresse,
batimentos cardíacos, pressão arterial e outros, em conjunto com
doenças pré-existentes poderá provocar a morte do cidadão
(Granfield et al, 1994).

OUTROS EQUIPAMENTOS

Outro marco no processo de mudança de mentalidade e


equipamentos para o desenvolvimento da atividade policial foi o
surgimento dos equipamentos de condução de projéteis
energizados, ou C.E.D conducted energize device (nomenclatura
adotada pela NIJ), para Secretaria Nacional de Segurança Pública
(SENASP) arma de incapacitação neuromuscular (SENASP, 2020)
Segundo Ferreira 2009, o primeiro equipamento do
mercado foi a TASER, empresa norte americana que desenvolveu o
produto na década de sessenta, mas somente em 1996 o

295 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

armamento começou a chegar nos departamentos de polícias


daquele país.
A ação de incapacitação neuromuscular acontece porque a
arma envia estímulos elétricos, semelhantes aos gerados pelo
cérebro, e seu maior resultado é quando provoca a paralisação total
do agressor (SENASP, 2019, p.72).
A tecnologia envolvida no projeto é uma descarga elétrica
de com alta voltagem e com baixíssima amperagem, os choques
produzidos por estes equipamentos não são letais devido à esta
característica. Segundo SENASP(2019) inúmeros estudos foram
realizados no Brasil e em outros países, principalmente nos Estados
Unidos, para testar a segurança do instrumento, sendo
comprovado que o armamento não provoca alteração
cardiovascular, entretanto há registros de 167 mortes ocorridas
após o uso, na sua maioria associado ao uso de drogas ilícitas e
disparos múltiplos.
Existem uma gama de outros equipamentos desenvolvidos
ou em estudo para se atingir a mesma finalidade: conseguir
neutralizar e incapacitar temporariamente o indivíduo buscando se
evitar danos à integridade física. Tais equipamentos não foram
objeto de abordagem tendo em vista que eles ainda não se
encontram em utilização na maior parte das instituições policiais,
sendo muitos deles são ainda protótipos em estudo e testes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado é soberano em suas decisões, mesmo em nações


democráticas, sua vontade buscando o bem da coletividade sempre
irá sobressair à vontade particular, individual. Muitas vezes

| 296
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

quando as normas, leis, decisões não são acatadas, quando o


cidadão decide quebrar as regras de convivência coletiva se faz
necessário a intervenção estatal. Quando isso ocorre os
encarregados de aplicação da lei, representando o Estado, dentro
dos limites da lei necessitam fazer o uso da força impondo a
vontade legal.
Para se valer desta prerrogativa, é mandatório que as
Instituições promovam as condições necessárias buscando o
equilíbrio entre aplicar a lei, manter a ordem, mas protegendo o
cidadão. Para isso os instrumentos de menor potencial ofensivo e o
treinamento para uso são ferramentas primordiais e necessárias à
atividade dos aplicadores da lei.
A grande questão é que muitas instituições não
proporcionam aos seus profissionais acesso aos equipamentos
necessários e obrigatórios para execução das atividades,
descumprindo a lei (BRASIL, 2014) que determina o porte
obrigatório de ao menos duas alternativas de menor potencial
ofensivo (BRASIL, 2010).
Os equipamentos que o mercado oferece na atualidade,
principalmente o spray de pimenta (OC), e a taser possuem eficácia
comprovada e segurança, quando utilizados de maneira técnica, de
modo a se evitar efeitos não desejados.
As tecnologias de menor potencial ofensivo no Brasil são
relativamente recentes, pelos menos no que tange ao acesso para
todos os encarregados de aplicação da lei, antes ficava restrita a
grupos específicos dentro das instituições, de tal sorte que há uma
necessidade de se promover uma cultura de uso seletivo da força e
buscar legitimar os instrumentos tanto dentro quanto fora das
corporações policiais.

297 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

REFERÊNCIAS

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conflitos do século XXI . Rio de Janeiro : Condor .

Bowling, M. ". (26 de Março de 2020). Effectiveness and Safety of


Pepper Spray. Fonte: National Institute of Justice:
https://nij.ojp.gov/library/publications/effectiveness-and-safety-
pepper-spray

BRASIL. (2010). Portaria Interministerial nº 4226, de 31 de


dezembro de 2010. Estabelece Diretrizes sobre o Uso da Força.

BRASIL. (2014). Lei 13060, de 22 de dezembro de 2014. Disciplina


uso de instrumentos de menor potencial ofensivo.

Bulman, P. (26 de junho de 2020). Fonte: National Institute of


Justice: https://nij.ojp.gov/topics/articles/police-use-force-
impact-less-lethal-weapons-and-tactics

FERREIRA, J. R. (2009). 0 USO DA TASER COMO ARMA NAO-LETAL


NA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ. Curitiba.

SANDES, W. F. (2007). O uso não-letal da força na ação policial.


Revista Brasileira de Segurança Pública, 24-38.

SENASP. (2020). INSTRUMENTOS DE MENOR POTENCIAL


OFENSIVO. Brasília, DF, Brasil.

(09 de Julho de 2020). Fonte: National Institute of Justice:


https://nij.ojp.gov/about-nij

| 298
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 13
USO DA FORÇA EM AEROPORTOS:
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E O
PROGRAMA INTERCOPS DA POLÍCIA FEDERAL

Luiz Carlos Magalhães


José Gomes Monteiro Neto

O presente capítulo visa apresentar o Programa de


Cooperação Policial Internacional em Aeroportos - INTERCOPS da
Polícia Federal do Brasil que é responsável pelo treinamento de
policiais nacionais e estrangeiros, para ações fiscalizatórias e uso
da força no ambiente aeroportuário. Os módulos de treinamento
ocorrem periodicamente no Aeroporto Internacional de São Paulo
– GRU, e extraordinariamente, em outros países, com intuito de
criar uma rede de troca de experiências bem sucedidas de controle
aeroportuário e viabilizar um canal disponível aos operadores de
aeroportos internacionais com informações relacionadas a prática
de crimes transnacionais e suas diversas manifestações em
aeroportos.
Para iniciarmos um detalhamento sobre o uso da força em
aeroportos, precisamos delimitar a origem que legitima o Estado, e
seus representantes, a exercer o poder coercitivo de obrigar os
cidadãos a cumprirem as regras estabelecidas para o ambiente
aeroportuário.
O caráter especial dado ao legislador para as áreas de
segurança aeroportuárias – ASA, possuem as mais variadas

299 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

repercussões na vida dos cidadãos que trabalham ou residem


próximos de aeródromos. A exemplo dessas condições especiais, e
de seus reflexos na vida dos cidadãos, podemos citar as limitações
e diferenciações referentes ao manejo da fauna nas ASA dos
aeroportos, onde a Lei Federal nº 12.725, de 16 de outubro de
2012, detalha a forma excepcional de manejo da fauna e da flora
que pode ser aplicada nessas localidades, permitindo inclusive o
abate de espécies da fauna que estejam comprometendo a
segurança da área com sua presença, como é o caso muito comum
de aves próximas as cabeceiras de pistas de pouso de aeronaves. O
referido exemplo serve exclusivamente para ilustrar o quanto são
variadas as influências de um aeroporto na dinâmica de uma
comunidade.
O principal órgão brasileiro responsável pelo controle,
regulação e fiscalização das atividades da aviação civil e a
infraestrutura aeronáutica e aeroportuária é a Agência Nacional de
Aviação Civil – ANAC.
Já no contexto da segurança aeroportuária, o artigo 144 da
Constituição Federal (1988) no seu parágrafo 1º, inciso III, elege a
Polícia Federal – PF, como órgão responsável pelas atividades de
polícia aeroportuária.
Considerando a competência constitucional da PF para a
realização do policiamento aeroportuário, as ações de uso da força
em aeródromos 44 , excluindo-se as áreas militares, deverão ser

44 Aeródromo é um termo bem mais abrangente do que aeroporto. É

simplesmente toda e qualquer área (pista) destinada a pouso, decolagem e


movimentação de aeronaves. Isso em meio terrestre ou mesmo aquático. Basta
haver uma pista de pouso e decolagem com os requisitos técnicos mínimos
exigidos pelas autoridades reguladoras e temos um aeródromo.

| 300
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

coordenadas, supervisionadas e executadas pela PF. Obviamente,


que em situações que exigem uma cooperação institucional com
outras forças de segurança, como as policiais civis e militares, essas
poderão atuar em apoio ao trabalho da PF.
Podemos definir o policiamento aeroportuário como
sendo, as ações policiais práticas pela Polícia Federal em
aeroportos, conforme cita Miranda (2000):

Cumpre ao Departamento de Polícia Federal,


presentes as determinações constitucionais, e
o caráter policial das funções de PMAF
(Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras),
estabelecer e executar medidas preventivas e
repressivas dos atos ilícitos praticados a
bordo de aeronaves, bem como daqueles
contrários à defesa do Estado e que tenham
por alvo a Aviação Civil, ao mesmo tempo em
exercita suas funções gerais referentes a seus
outros setores de atuação, nas áreas relativas
aos aeroportos brasileiros, ou aeroportuárias
(Miranda, 2000).

A natureza de todo aeroporto internacional é realizar a


ligação, pela via do transporte aéreo, dos diversos países, suas
comunidades, e suas diferentes expressões culturais. São espaços
que se apresentam como uma área de transição que liga países e
continentes fortalecendo laços de amizades e atividades comerciais
entre os povos. É um ambiente onde o transporte de cargas e
passageiros tem o condão de atrair a atenção do crime organizado
com atuação transnacional.
A característica ímpar dessas áreas obriga os diversos
Estados soberanos a buscarem um maior controle e a uma melhor

301 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

segurança dos seus respectivos aeroportos internacionais e


espaços aéreos. O instrumento internacional que trata do tema é a
Convenção sobre Aviação Civil Internacional, concluída em
Chicago, a 7 de dezembro de 1944, firmada pelo Brasil no ano de
1945, e internalizado pelo Decreto Nº 21.713, de 27 de agosto de
1946.
Os países devem ser capazes de tranquilizar as autoridades
de destino e origem das rotas aéreas no sentido de garantir que as
aeronaves estão sendo fiscalizadas e controladas de forma eficaz
para a melhor segurança de todos, prevenindo que a malha aérea
se transforme em um vetor de propagação de ações criminosas que
não se limitam as fronteiras dos países.
Nos últimos anos é possível notar uma preocupação mais
latente das autoridades com o crime organizado e sua atuação
internacionalizada. Entretanto, isso não é uma debate novo nas
agendas das agências internacionais que atuam no enfrentamento
ao crime, a inquietude com a transnacionalidade do crime é uma
constante dos países integrantes de organismos internacionais, e a
prova dessa preocupação são as diversas convenções que tratam de
modalidades de crimes específicos com repercussões
transnacionais: Convenção para a Repressão do Tráfico de Pessoas
e do Lenocínio (Decreto nº 46.981 de 08 de outubro de 1959);
Convenção contra o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias
psicotrópicas, (Decreto nº 154 de 26 de junho de 1991), entre
outras.
O Brasil, em razão de suas dimensões e relativa fragilidade
das instituições responsáveis pelo combate ao crime transnacional,
vem buscando adotar ferramentas que aperfeiçoem sua atuação
frente às quadrilhas que utilizam o país para o cometimento de
crimes. Neste contexto, a Polícia Federal, na condição de polícia

| 302
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

judiciária da União, possui papel destacado, uma vez que é a


agência policial com competência legal para representar o país nas
discussões internacionais sobre o tema.
Alguns temas são discutidos em diversos fori
internacionais em que se debatem estratégias de combate ao crime
transnacional. Dentre essas áreas temáticas, destaca-se o ambiente
aeroportuário visto como uma verdadeira fronteira que une todos
os países do globo. Em razão disso, o ambiente aeroportuário vem
atraindo cada vez mais atenção das autoridades competentes no
que diz respeito à prevenção, à repressão e ao estabelecimento de
rotinas e protocolos que fortaleçam a segurança nos aeroportos
que visem ao incremento do controle de entrada e saída do país de
pessoas e mercadorias.
Em 2014, A Coordenação-Geral de Cooperação
Internacional (CGCI) da Polícia Federal brasileira lançou o
Programa INTERCOPS, com a intenção de capacitar policiais
brasileiros e estrangeiros no combate à miríade de crimes que são
cometidos ali permanentemente. Com esse fim, estabeleceu temas
que são discutidos durante os módulos de treinamento de duas
semanas para agentes públicos que atuam em aeroportos
internacionais.
O programa utiliza como formadores/treinadores policiais
brasileiros e estrangeiros que atuam em aeroportos para viabilizar
a implantação de um curso voltado para a prática da atividade de
segurança aeroportuária com base em técnicas pedagógicas que
procuram aproximar a teoria da prática policial executada na
atividade de policiamento em aeroportos.
A utilização da andragogia como base teórica do curso é
supervisionada e certificada pela Academia Nacional de Polícia da
PF. Nesse diapasão, Magalhães (2019) ressalta que, é essencial na

303 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

formação de adultos demonstrar claramente aos formandos a


importância da teoria apresentada no curso para as futuras
atividades práticas que realizará como profissional capacitado. Não
basta apresentar a teoria, é necessário demonstrar sua
aplicabilidade no serviço diário de policiamento.
Normalmente os treinamentos ocorrem na sede do
programa INTERCOPS, no Aeroporto Internacional de São Paulo,
podendo, no entanto, ser executado em outros aeroportos do país,
ou em países parceiros do Brasil, com o apoio do Programa AIRCOP
(Airport Communication Project) da agência internacional: United
Nations Office on Drugs and Crime - UNODC.
O Programa INTERCOPS, portanto, consiste em uma ação
de capacitação e cooperação internacional no combate a diversas
modalidades criminosas cometidas em aeroportos internacionais,
através de atividades teóricas e práticas conduzidas por policiais
federais brasileiros, em especial os que trabalham na Delegacia
Especial do Aeroporto Internacional de São Paulo.
Os registros do programa sob responsabilidade da CGCI
revelam que desde sua primeira versão até o ano de 2018, foram
capacitados 153 policiais brasileiros e estrangeiros de 49 países
pelo Programa INTERCOPS, em suas 18 edições. Além disso, a
partir do primeiro ciclo do Programa foi criado um grupo de
comunicação via aplicativo de celular, que conta com a participação
de cerca de 400 policiais de 127 países dos cinco continentes. Esse
grupo vem sendo utilizado para o intercâmbio de informações
entre policiais que via de regra trabalham em aeroportos
internacionais.
A Portaria de criação do INTERCOPS (2014) apresentou os
seguintes pressupostos para a sua implementação:

| 304
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

• A necessidade de reforçar a Cooperação


Policial Internacional existente entre a Polícia
Federal do Brasil e instituições policiais de
países estrangeiros;
• A necessidade de ampliar os instrumentos de
cooperação policial internacional no âmbito
da Polícia Federal.

O regulamento do Programa INTERCOPS (2014), redigido


pelos autores deste capítulo, apresentaram como objetivos do
programa os seguintes itens:

• Apresentação de práticas operacionais da Polícia


Federal em matéria de investigação criminal em
aeroportos internacionais;
• Discutir os desafios comuns na repressão ao
crime em aeroportos internacionais;
• Intercâmbio de experiências e metodologia de
trabalho entre os participantes.

Desde a criação do Programa, foi clara a aproximação da


Polícia Federal brasileira à Secretaria-Geral da International
Criminal Police Organization – INTERPOL. e o UNODC, que além de
incentivar a realização dos ciclos do programa, eventualmente
financiam o deslocamento de policiais estrangeiros ao Brasil, para
participação no curso. Em 2016, foi assinado um Memorando de
Entendimento entre a PF e a UNODC, cujo artigo 2º estabelece a
finalidade e o objeto:

... proporcionar a cooperação e o


entendimento entre as Partes de modo a
alcançar as metas e objetivos comuns por
meio da cooperação entre o Airport

305 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Communications Project – AIRCOP e o


Programa de Cooperação Policial
Internacional em Aeroportos – INTERCOPS
(Brasil, 2016).

O Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, ao promulgar


a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional, apresenta a definição legal de “Grupo Criminoso
Organizado” como um:

... grupo estruturado de três ou mais pessoas,


existente há algum tempo e atuando
concertadamente com o propósito de cometer
uma ou mais infrações graves ou enunciadas
na presente Convenção, com a intenção de
obter, direta ou indiretamente, um benefício
econômico ou outro benefício material.

O Federal Bureau of Investigations – FBI, por sua vez,


conceitua crime organizado transnacional como aquele efetuado
por

... associações de indivíduos que operam, total


ou parcialmente, por meios ilegais e
independentemente da geografia. Eles
constantemente procuram obter poder,
influência e ganhos monetários. Não há uma
única estrutura sob a qual os grupos de TOC
(Transnational Organized Crime) funcionam:
variam de hierarquias a clãs, redes e células e
podem evoluir para outras estruturas. Esses
grupos são tipicamente insulares e protegem
suas atividades através da corrupção,
violência, comércio internacional,
mecanismos complexos de comunicação e
uma estrutura organizacional que explora as

| 306
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

fronteiras nacionais” (FBI, 2020, tradução


nossa)45.

Segundo tais definições, as organizações que se constituem


para o cometimento de crimes transnacionais são aquelas cuja
atividade busca a obtenção de vantagem ilícita, com atuação em
dois ou mais países, utilizando-se de diversos modos de proceder
com o objetivo de elidir os controles e a legislação nacional dos
países onde as fases da ação criminosa é perpetrada. Segundo
publicação da Organização Global Financial Integrity (2017), a lista
abaixo apresenta as modalidades criminais mais rentáveis no
âmbito dos crimes transnacionais, estimando-se os ingressos
financeiros entre 1,6 e 2,2 trilhões de dólares estadunidenses por
ano:

Fonte: Global Financial Integrity (2017).

45 “Transnational organized crime (TOC) groups are self-perpetuating associations of


individuals who operate, wholly or in part, by illegal means and irrespective of
geography. They constantly seek to obtain power, influence, and monetary gains. There
is no single structure under which TOC groups function—they vary from hierarchies to
clans, networks, and cells, and may evolve into other structures. These groups are
typically insular and protect their activities through corruption, violence, international
commerce, complex communication mechanisms, and an organizational structure
exploiting national boundaries”.

307 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Resta claro, pelos números apresentados na tabela acima,


que as organizações criminosas vêm atuando ativamente em
diversas – e rentáveis – atividades criminosas, apesar dos esforços
realizados pelos países individualmente e pelas organizações
multilaterais que tratam da questão.
No Brasil, o órgão policial competente para a apuração de
tais crimes é a Polícia Federal. Segundo o parágrafo 1º do artigo 144
da Constituição Federal (1988), a Polícia Federal destina-se a:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como


órgão permanente, estruturado em carreira,
destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem


política e social ou em detrimento de bens,
serviços e interesses da União ou de suas
entidades autárquicas e empresas públicas,
assim como outras infrações cuja prática
tenha repercussão interestadual ou
internacional e exija repressão uniforme,
segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de


entorpecentes e drogas afins, o contrabando e
o descaminho, sem prejuízo da ação
fazendária e de outros órgãos públicos nas
respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima,


aérea e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de


polícia judiciária da União.

| 308
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

O inciso I do referido artigo apresenta as competências


interestaduais e internacionais da Polícia Federal, que serviram de
esteio para a publicação da Lei nº 4.483/64, que no inciso “l” de seu
artigo 1º apresenta como uma das atribuições da PF “a cooperação,
no país, com os serviços policiais relacionados com a criminalidade
internacional ou interestadual”.
A Polícia Federal, portanto, como órgão responsável pela
prevenção, repressão e apuração dos crimes transnacionais vem
buscando o aperfeiçoamento de sua política de cooperação policial
internacional, com o objetivo de propor e executar atividades
conjuntas com diversos países e instituições, visando o combate à
extensa lista de modalidades de crimes praticados por quadrilhas
organizadas. Uma das medidas adotadas pela instituição foi a
criação do Programa INTERCOPS, uma vez que grande parte dos
crimes transnacionais, ou pelo menos, algumas etapas de sua
execução, são cometidas em aeroportos internacionais.
Considerando as dimensões, a complexidade e a importância do
Aeroporto Internacional de São Paulo, o local foi escolhido para a
realização da ação educacional do programa de cooperação
internacional e treinamento policial.

O PROGRAMA INTERCOPS

O Programa INTERCOPS consiste em um treinamento de


duas semanas de duração, abrangendo atividades teóricas e
práticas, levado a efeito em especial no Aeroporto de Guarulhos,
embora já tenham sido executadas novas modalidades do
programa, ainda em fase de experimental. Após a realização de 18

309 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

ciclos, já foram capacitados 153 policiais de 49 países (incluindo o


Brasil).

Quantidade Quantidade de
País de País Participantes
Participantes
Angola 1 México 2
Argentina 1 Morrocos 3
Austrália 1 Moçambique 1
Benin 1 Namíbia 1
Bolívia 28 Holanda 2
Brasil 27 Nova Zelândia 1
Camarões 1 Nigéria 6
Cabo Verde 5 Panamá 1
Chile 3 Paraguai 5
Colômbia 2 Peru 2
Cuba 2 Portugal 2
República
1 Catar 2
Dominicana
África do Sul
Equador 1 1
Etiópia 1 Espanha 3
França 3 Sudão 4
Gana 6 Suriname 4
Alemanha 1 Suíça 3
Guatemala 2 Tailândia 1
Guiné Bissau 2 Turquia 1
Guiana 1 Ucrânia 1
Honduras 1 Reino Unido 4
Estados Unidos da
Japão 1 1
América
Quênia 2 Uruguai 2
Líbano 3 Venezuela 2
Malawi 1 Total 153

Fonte: Coordenação do Programa INTERCOPS – CGCI/DIREX/PF (2018)

A matriz curricular do programa foi evoluindo na medida


em que foram sendo observadas novas oportunidades no processo
de ensino/aprendizagem. A primeira fase do programa, isto é, seus

| 310
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

oito primeiros ciclos (realizados entre outubro de 2014 a outubro


de 2016), foram dedicados exclusivamente para a temática do
tráfico internacional de drogas pelo modal aéreo. Os temas tratados
até então eram os seguintes:

• Organização do governo nacional;


• Organização da polícia (organograma, breve
descrição dos serviços, atribuições e
operações da polícia, hierarquia de cargos e
dotação orçamentária para a polícia no
orçamento nacional);
• Situação geral da criminalidade
(apresentação de estatísticas, discriminação
dos números com base no tipo de crime e de
prisões, número de infratores presos,
organizações criminosas com atuação
internacional);
• Atuação de cada instituição na repressão ao
tráfico de drogas, especialmente em
aeroportos internacionais;
• Desafios para investigações de crimes
transnacionais e medidas para solucioná-los;
• Medidas para promover a cooperação
internacional para a investigação criminal.

Portanto, nos primeiros módulos do programa, as


discussões eram centradas nas políticas e técnicas voltadas ao
combate internacional ao tráfico de drogas.
Considerando o fato de que o Aeroporto Internacional de
São Paulo possui historicamente altos índices de apreensões de
drogas (G1SP, 2018), o que faz com que seja um campo fértil para
o aprendizado desse fenômeno criminal. Tendo em conta ainda que
os policiais que ali trabalham adquiriram grande experiência no

311 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

perfilamento e na identificação de traficantes que utilizam o modal


aéreo para o mercado ilícito. A decisão por implantar a sede
operacional do INTERCOPS em Guarulhos/SP pareceu e se fez
provado como a melhor decisão pelos gestores da PF.
A título de exemplificação das quantidades de apreensões
do aeroporto sede, somente no ano de 2018 foram apreendidas
cerca de 1,8 toneladas de drogas ilícitas no Aeroporto Internacional
de São Paulo, em ações nas quais foram presas 290 pessoas de
diversas nacionalidades (G1SP, 2018).
A partir de meados de 2016, o Programa foi alterado a fim
de abranger outras áreas da criminalidade transnacional. Com a
inauguração da nova etapa de orientação do INTERCOPS, além das
discussões sobre o tráfico internacional de drogas (que
continuaram a ter uma importante presença no programa), foram
incluídos outros temas próprios do ambiente aeroportuário, tais
como: imigração, bombas e explosivos, terrorismo, identificação
humana, inteligência, entregas controladas, captura de fugitivos
internacionais, dentre outros. Com as modificações o programa
pôde abranger outras áreas de atuação, o que colaborou com o seu
crescimento e visibilidade.
A metodologia de aprendizagem aplicada ao programa,
entretanto, permaneceu a mesma após a inclusão dos novos temas,
isto é, grande parte das atividades educacionais ocorre fora de sala
de aula, na companhia de policiais brasileiros enquanto
desempenham suas atividades policiais rotineiras. A base da
aprendizagem é focada no desenvolvimento de habilidade práticas
adquiridas com lastro inicial teórico e aplicação prática em ações
policiais de fiscalização aeroportuária orientadas pelos
professores. Um estilo peculiar e temporário de programa de

| 312
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

treinamento policial conhecido como FTO46, onde os instruendos


executam a ação fiscalizatória com supervisão dos policiais
treinadores.
No contexto do ambiente de aprendizagem os participantes
do programa têm a oportunidade de vivenciar o trabalho realizado
pelos policiais federais na prática, o que vem sendo considerado
seu principal diferencial na construção das habilidades dos
participantes submetidos aos módulos do programa.
O objetivo da sessão de aprendizagem é que os instrutores
possam acompanhar as atividades práticas muito de perto,
repassando suas experiencias no combate à criminalidade
transnacional que surgem nos aeroportos. As turmas são pequenas,
contando com a participação de até 14 policiais, exatamente para
propiciar um ambiente de aprendizado que mescle o controle
necessário nos ambientes aeroportuários com a prática de
exercícios no terreno em situações de fiscalizações reais.
A evolução do programa, demonstrou a necessidade de
ampliação do leque de assuntos, fator que influenciou na
modificação da matriz curricular para englobar não só a interdição
de drogas, mas também, aspectos do crime transnacional em suas
diversas modalidades. Ficou claro que a PF precisava ampliar os
treinamentos para além dos ambientes aeroportuários, passando a
inserir no programa módulos específicos com técnicas de
investigação policial e em ambientes de portos. Se em um primeiro
momento os cursos se limitavam ao ambiente aeroportuário,
iniciou-se um processo de ampliação do INTERCOPS, de modo a
abranger outras áreas de atuação da Polícia Federal.

46
Field Training Officer – Treinador policial de campo (tradução nossa).

313 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tal ampliação do programa começou com a solicitação do


Governo da Bolívia para que a PF fosse até aquele país para
ministrar ação de capacitação voltada à análise de impressões
digitais em invólucros nos quais são transportadas as drogas
ilícitas, em especial cocaína. Naquela ocasião, a ampliação do
Programa INTERCOPS foi a saída julgada mais adequada pela
Coordenação-Geral de Cooperação Policial Internacional. Assim,
foram designados dois peritos papiloscopistas do Instituto
Nacional de Identificação que se deslocaram às cidades de La Paz e
Santa Cruz de la Sierra e ministraram as instruções aos policiais que
exerciam suas funções no aeroporto internacional da cidade. O
mesmo ocorreu com Cabo Verde, para onde se deslocaram outros
dois integrantes daquele Instituto, em outubro de 2017. Em
novembro de 2017, ocorreu o 18º ciclo do Programa INTERCOPS,
voltado ao combate ao tráfico de drogas pelo modal marítimo. Tal
edição ocorreu nas instalações do Porto de Santos/SP, principal
estrutura portuária da América Latina e origem de grande parte da
cocaína que sai da América do Sul.
A coordenação do programa optou por diferenciar as
diversas edições do INTERCOPS com uma numeração sequencial
independente do tema específico de cada módulo ministrado.
Assim, o 16º Curso, realizado no Aeroporto de Guarulhos, foi
relacionado a ações de interdição de drogas no modal de transporte
aéreo. O ciclo seguinte, em Cabo Verde, foi assim denominado: 17º
Curso do Programa de Cooperação Policial Internacional – 2º Ciclo
de Identificação Humana no Combate ao Tráfico de Drogas. Deste
modo, a ideia é que a edição do programa fosse organizada
sequencialmente, independente da temática a ser utilizada em cada
ciclo. Sendo o diferencial dos módulos definidos no subtítulo, que
trata dos objetivos específicos de cada edição.

| 314
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Outras frentes de atuação foram planejadas pela Polícia


Federal, no âmbito do Programa INTERCOPS. Uma delas, planejada
pelos autores, foi a implementação do INTERCOPS Environment,
definido como um módulo específico voltado para o enfrentamento
de crimes ambientais, com a participação de cerca de 30 policiais e
uma duração de duas semanas. O 1º Ciclo de Repressão aos Crimes
contra o Meio-Ambiente estava previsto para ocorrer no Centro
Integrado de Aperfeiçoamento em Polícia Ambiental, da Polícia
Federal, localizado no Estado do Amazonas.

DAS PARCERIAS INTERINSTITUCIONAIS

Após o segundo ano de existência do Programa


INTERCOPS, algumas instituições como a UNODC e a INTERPOL
passaram a se interessar por sua metodologia de ensino, em
especial pelo caráter prático que caracteriza o programa. A partir
daí, passaram a atuar como parceiras tanto na sugestão estratégica
dos países participantes quanto no custeio do deslocamento
participantes de cada módulo realizado em parceria com a PF.
Em 2016, a UNODC propôs a assinatura de um Memorando
de Entendimento entre os programas INTERCOPS e AIRCOP, de
modo a facilitar o intercâmbio de experiências e trabalhos
conjuntos entre a Polícia Federal do Brasil e as Nações Unidas. A
assinatura do referido documento ocorreu no final de 2017 e
possibilitou que a partir da formalização do ato fossem
desenvolvidos trabalhos em cooperação, não somente quanto aos
participantes do curso, mas também quanto a solicitação de

315 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

instrutores do Programa INTERCOPS em ações de capacitação


propostas pela UNODC.
Assim, policiais federais do Brasil puderam ministrar aulas
para policiais de Guiné-Bissau, Cabo Verde e Líbano, em seus
países, além de participar de diversos eventos nas Américas do Sul
e Central, África, Ásia e Europa.
Em relação à INTERPOL, tornou-se comum a indicação e o
custeio dos policiais estrangeiros participantes do INTERCOPS. Por
ocasião do 16º Ciclo, no Aeroporto de Guarulhos, a Interpol como
parceira do ciclo, indicou e financiou a participação de seis policiais
de Gana, e seis da Nigéria, que se deslocaram a Guarulhos para
frequentarem o curso que ocorreu em setembro de 2017.

AÇÕES DE USO DA FORÇA INSERIDOS NO


TREINAMENTO INTERCOPS

O programa de treinamento prevê a abordagem teórica e


prática de aspectos que integram, desde técnicas de levantamentos
preliminares para identificação de alvos sensíveis para futuras
abordagens policiais seletivas nas áreas restritas dos aeroportos,
até ações efetivas de separação de passageiros suspeitos para uma
verificação mais aprofundada no ambiente de check-in ou área
restrita de embarque e desembarque.
Os motivos da seleção dos passageiros podem ser
relacionados a questões migratórias, ou mesmo, por suspeita de
prática de crimes como tráfico de drogas, terrorismo ou tráfico de
pessoas.
O espectro onde os agentes policiais atuam com o uso da
força em ambientes de aeroportos vão desde ocorrências de

| 316
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

suspeita de crimes em flagrância com efetivação de prisão, até uma


simples solicitação do comandante de uma aeronave que pede a
retirada compulsória de passageiro de aeronave civil, por entender
que o comportamento do passageiro está atentando contra a
segurança do voo.
Outro exemplo de uso da força muito comum em
desembarques internacionais está baseado na legislação de
controle migratório em aeroportos (Brasil, 2017).
Passageiros que chegam em voos internacionais como
irregularidades documentais, ou enquadrados em hipóteses legais
previstas no artigo 171 do Decreto n 9.199 de 20 de novembro de
2017, serão impedidos de ingressar no país.
Os policiais federais realizam a separação dos identificados
em local apropriado, onde permanecem até serem enviados pela
companhia aérea ao local de origem do voo em que estavam
abordo.
As custas da operação de retorno do passageiro irregular
são pagas pelas empresas aéreas, que podem sofrer ainda sanções
administrativas por transportar passageiros com irregularidades
documentais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há dúvidas de que o Programa INTERCOPS superou


qualquer previsão que pudesse ser feita a respeito de sua
importância e visibilidade. O uso da força fiscalizatório em
aeroportos internacionais necessariamente precisa de uma

317 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

interoperabilidade entre as agências policiais e de alfandegas dos


diversos países que são parte das rotas aéreas.
O potencial do programa de cooperação internacional
somente ficou claro após dois anos de existência, quando foi
possível perceber que se tratava do programa de cooperação
policial internacional brasileiro mais visível no mundo. O desafio a
ser perseguido pelos atuais gestores do programa é o de manter as
condições para que o INTERCOPS ocorra de maneira permanente,
o que é sempre um desafio por depender de recursos públicos, com
toda a complexidade decorrente de sua utilização.
Os objetivos do programa, no período de 2016 a 2017,
foram plenamente alcançados, tanto no que diz respeito à
transmissão de conhecimentos e à apresentação da metodologia de
trabalho da PF nas atividades de policiamento aeroportuário, assim
como na criação de uma simbiose entre os participantes do
programa que operam nos diversos aeroportos internacionais
mundo afora.
É pacífico, não só entre os participantes da ação de
capacitação que os meios de trabalho que dispunham e dispõem
estão sendo catalisados pelas novas técnicas e meios de contato
adquiridos por meio do Programa INTERCOPS.
Mais recentemente, a Coordenação-Geral de Cooperação
Internacional vem sendo demandada no sentido de instituir, em
conjunto com a UNODC e por iniciativa desta, um Centro
Internacional de Formação em Segurança Aeroportuária, nas
dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo. Tratar-se-
á, segundo aquele Organização Internacional, de uma iniciativa
inédita em nível global, que busca reconhecer a importância
estratégica do Brasil e o alto grau de profissionalismo dos nossos
policiais federais.

| 318
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

O Programa INTERCOPS tem se notabilizado também pela


formação de multiplicadores, assim como pela sistematização de
um conhecimento que até então era puramente empírico. Tais
técnicas e modus operandi, que atualmente só existem na memória
dos policiais mais antigos, passou a ser sistematizado em razão da
necessidade da organização do conteúdo para as aulas.
Assim, além de contribuir para a instrução dos policiais que
comparecem na condição de formandos, o programa também
influenciou no modo em que os policiais enxergam sua própria
atividade.
Ações de uso da força foram repensadas com um viés capaz
de aprimorar o controle aeroportuário catalisando a troca de
informações e a inteligência policial. A ação integrada com
inteligência possibilitou que as intervenções pontuais em alvos
pré-selecionados e identificados como ameaça a segurança ou
praticantes de crimes no ambiente aeroportuário fossem a regra e
não a exceção na atividade diária fiscalizatória.
O combate ao crime transnacional, portanto, é e sempre
será tarefa de todos e cada um dos países, e a melhor maneira de
contribuir para esse fim é aprofundando as ferramentas de
cooperação policial internacional, a exemplo da criação e da
evolução de programas como o INTERCOPS.

REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da
República, [2016]. Disponível em:

319 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.h
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2020.

BRASIL, Lei nº 4.483/64, Reorganiza o Departamento Federal de


Segurança Pública, e dá outras providências. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4483.htm. Acesso
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BRASIL, Lei nº 12.725 de 16 de outubro de 2012, Dispõe sobre o


controle da fauna nas imediações de aeródromos. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/L12725.htm. Acesso em: 19 de fev.2020.

BRASIL, Decreto Nº 21.713, de 27 de agosto de 1946, Promulga a


Convenção sobre Aviação Civil Internacional, concluída em Chicago
a 7 de dezembro de 1944 e firmado pelo Brasil, em Washington, a 29
de maio de 1945. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-
1949/D21713.htm. Acesso em: 19 fev.2020.

BRASIL, Decreto nº 46.981 de 08 de outubro de 1959, Promulga,


com o respectivo Protocolo Final, a Convenção para a repressão do
tráfico de pessoas e do lenocínio, concluída em Lake Success, Nova
York, em 21 de março de 1950, e assinada pelo Brasil em 5 de
outubro de 1951. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-
1969/D46981.htm. Acesso em: 19 fev.2020.

BRASIL, Decreto nº 154 de 26 de junho de 1991, Promulga a


Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias
Psicotrópicas, Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-
1994/d0154.htm. Acesso em: 19 fev.2020.

BRASIL, Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, Promulga a


Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado

| 320
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Transnacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/decreto/d5015.htm. Acesso em: 12 de fev.2020.

BRASIL, Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017,


Regulamenta a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, que institui a
Lei de Migração. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2017/Decreto/D9199.htm. Acesso em: 30 de
abr.2020BRASIL, Portaria, Polícia Federal. Cria o programa
INTERCOPS. Portaria - DGP/PF n. 4780 de 15 de setembro de 2014.

BRASIL. Departamento de Polícia Federal. Regulamento do


Programa INTERCOPS. Portaria - DGP/PF n. 4780 de 15 de
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entendimento da Polícia Federal e UNDC referente ao
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MAGALHÃES, L. C., Educação Policial – Escola e Formação
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MIRANDA, Marcelo Baeta. Atuação da Polícia Federal na área


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321 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Teresina, ano 5, n. 38, 1 jan. 2000. Disponível


em: https://jus.com.br/artigos/1603. Acesso em: 23 abr. 2020.

PF apreende volume recorde de drogas em 2018 no aeroporto de


Guarulhos. G1SP, 2018. Disponível em:
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/12/31/pf-
apreende-volume-recorde-de-drogas-em-2018-no-aeroporto-de-
guarulhos.ghtml. Acesso em: 23, abr. 2020.

| 322
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 14
O DISPARO DE ARMA DE FOGO E A ATUAÇÃO
POLICIAL: O REGIME ESTABELECIDO E O
TRATAMENTO JURÍDICO-PENAL.

Luiz Gustavo Danzmann

O presente capítulo visa a conexionar o regime jurídico


brasileiro do recurso a arma de fogo na atividade policial –
estabelecido no parágrafo único, incisos I e II, do Art. 2° da Lei
13.060/2014, que disciplina o uso de instrumentos de menor
potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública no território
nacional – às causas de justificação em direito penal. A abordagem
feita, e sua relevância, se justificam pelo papel da doutrina na
dilucidação dos problemas que advém do disparo de arma de fogo
pela polícia. Mediante revisão bibliográfica, a questão se põe a
partir da abordagem ao princípio de proibição de excessos e da
análise dos pressupostos de admissibilidade do recurso a arma de
fogo na atividade policial para então verificar o tratamento jurídico
dado aos casos de disparos de armas de fogo contra pessoas e
contra veículos.

323 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

PRIMEIRA APROXIMAÇÃO: O MONOPÓLIO ESTATAL


DO USO DA FORÇA NO CONTEXTO DE ESTADOS
DEMOCRÁTICOS DE DIREITO

De forma sintética, o surgimento do Estado Moderno


apoiou-se na ideia geral da autotutela e da resolução de conflitos
socais mediante a lei, a centralização do poder e a reivindicação do
monopólio do uso da força; e que a Polícia foi funcionalizada ao
exercício desta competência 47 . Nos dias atuais o Estado
Democrático de Direito é caracterizado por sua subordinação e de
seus agentes, à Constituição, às leis e à primazia dos direitos
fundamentais48.
Neste contexto, os direitos fundamentais dão a exata noção
da amplitude dos poderes da polícia funcionando, ao mesmo
tempo, como seu limite e fim. Limite porque a vinculam
objetivamente convertendo-se em freios à atuação policial, e fim
porque ao Estado compete a defesa do quadro normativo e dos
valores fundamentais nele refletidos49.
Diante desse cenário, a atuação policial expressada em
formas de coerções é pautada pelo estritamente necessário para o

47 A partir do século XIV a atividade policial passou a ser funcionalizada para a

manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas, sujeitada à lei e ao controle


judicial, convertendo-se em instrumento do exercício do monopólio estatal do uso da
força. Ver FILOCRE, Lincoln D’Aquino. Limites jurídicos para políticas de segurança
pública, Coimbra: Almedina, 2010, p. 73; ainda, BAYLEY, David H. Padrões de
policiamento: uma análise internacional comparativa. Trad. Renê Alexandre Belmonte -
2ª Ed. 1ª Reimp., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, (Série Polícia e
Sociedade; n.º 1), p. 20-22.
48 DIAS, Mario Gomes, “Limites à Actuação das Forças e Serviços de Segurança”, in

Polícia e Justiça. Loures, 2005, p. 21.


49 Para mais ver, FREITAS, Juarez. “O ‘poder de polícia administrativa’ e o primado dos

direitos fundamentais no sistema brasileiro”. In Scientia Iuridica – Tomo LIV, 2005,


número 301, p. 11; e SAMPAIO, Jorge Silva. O dever de proteção policial de direitos,
liberdades e garantias. Lisboa: Coimbra. Ed., 2012, p. 96.

| 324
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

alcance de objetivos legítimos, oportunidade em que o princípio de


proporcionalidade (proibição de excessos) deve ser sempre
verificado.
Quando em causa está o uso da força letal, se verifica em tal
princípio assume uma de suas modulações de maior intensidade50,
exigindo um severo juízo com o fim de apurar a sua perfeita
adequação ao fim subjacente na norma habilitante, a sua absoluta
necessidade ao fim almejado, e um juízo de proporcionalidade
revelado em um “justo equilíbrio entre as vantagens do fim a atingir
e o custo das medidas adotadas”51.

O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE (PROIBIÇÃO


DE EXCESSO) E SEU REGRAMENTO AOS DISPAROS DA
ARMAS DE FOGO NA ATUAÇÃO POLICIAL

Tido como um princípio jurídico fundamental e de “justa


medida” 52 , o princípio da proibição de excesso, muito mais que
proibir o arbítrio, impõe a adequação (ou conformidade), a
necessidade (ou exigibilidade), e a proporcionalidade dos atos dos
poderes públicos em relação aos fins que eles prosseguem.

50 CANAS, Vitalino. “A actividade de polícia e a actividade policial como actividades


limitadoras de comportamentos e de posições jurídicas subjectivas”, in Estudos em
Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, coord. Jorge Miranda, vol. II (FDUL: Coimbra
Editora, 2010) p. 1285-1286. Ver, também, Marcelo. Princípios fundamentais de direito
administrativo, 2ª Reimpressão portuguesa (Reimpressão da edição brasileira de 1977).
Coimbra: Almedida, 2010 p. 267.
51 NOGUEIRA, Maria José R. Leitão. “O uso de armas de fogo pelos agentes policiais”. In,

Polícia e Justiça. Loures. N. 6, (2005): p. 47


52 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª Ed., 14ª

Reimp., Coimbra: Almedina, 2003, p. 269-270.

325 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

O princípio de adequação exige a conformidade da medida


aos seus fins subjacentes e pressupõe a investigação e a prova de
que o ato do poder público é apto para e conforme os fins
justificativos da sua adoção. O princípio da necessidade põe assento
na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem
possível e exige a prova de que a obtenção de determinados fins
não era possível mediante outro meio menos oneroso. Já no
princípio da proporcionalidade em sentido estrito, meios e fim são
colocados em equação com o fim de se avaliar se o meio utilizado é
ou não desproporcionado em relação ao fim53.
Noutras palavras, a verificação da adequação objetiva
apreciar um nexo de causalidade entre o meio e o fim, o ato e o
objetivo a se alcançar; a aferição da necessidade realiza a uma
comparação dos meios e da dimensão da lesão provocada em face
de várias alternativas competitivas; e a proporcionalidade em
sentido estrito põe em confronto os bens ou interesses sacrificados
e os bens ou interesses perseguidos com o ato do poder público54.
Em âmbito internacional, obtendo um “caráter de
universalidade” 55 o princípio da proibição de excessos é traduzido
em um conjunto de regras mínimas para a aplicação da lei e o uso
da força pela polícia, designadamente a partir do Código de
Conduta para os Funcionários Responsáveis pela de Aplicação da
Lei (CCEAL) e, com particular acuidade, dos Princípios Básicos
sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo (PBUFAF).

53 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional... cit., p. 382-383.


54 CANAS, Vitalino. “A actividade de polícia...”. In, Estudos... cit., p. 1293.
55 NOGUEIRA, Maria José R. Leitão. “O uso de armas de fogo pelos agentes policiais:

alguns aspectos”. Polícia e Justiça, (Loures: Escola de Polícia Judiciária) n.º 6 (2005) p.
36. Ver, também, [ACNUDH]. Direitos humanos e aplicação da lei: manual de formação em
direitos humanos para as forças policiais. Lisboa: Gabinete de Documentação e Direito
Comparado, 2001. (Série de Formação Profissional n.º; 5), p. 31.

| 326
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Ao tratar da necessidade e proporcionalidade, o CCEAL


reforça o recurso a armas de fogo vinculado à inexistência ou
insuficiência de medidas menos extremas para a salvaguarda da
vida56. De forma similar, os PBUFAF exigem ao recurso a armas de
fogo a ineficácia de recursos menos violentos e a verificação de
proporcionalidade, tanto quanto a gravidade da infração quanto ao
objetivo a se alcançar 57.

56 Os princípios de necessidade e proporcionalidade são explicitados no artigo 3º, in


verbis: “Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força
quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento
do seu dever”; comentário: [...] c) O emprego de armas de fogo é considerado uma
medida extrema. [...] exceto quando um suspeito ofereça resistência armada, ou [...]
coloque em perigo vidas alheias e não haja medidas suficientes e menos extremas para
o dominar ou deter. [...].”
57 Os princípios de necessidade e proporcionalidade são conceituados nos princípios

básicos 4 e 5, in verbis: “4. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei, no exercício


das suas funções, devem, na medida do possível, recorrer a meios não violentos antes de
utilizarem a força ou armas de fogo. Só poderão recorrer à força e armas de fogo se
outros meios se mostrarem ineficazes ou não permitirem alcançar o resultado desejado;
e, 5. Sempre que o uso legítimo da força ou de armas de fogo seja indispensável, os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem: a) utilizá-las com moderação e a
sua ação deve ser proporcional à gravidade da infração e ao objetivo a alcançar. b) [...]”.
Para além disso, os princípios de necessidade e proporcionalidade quanto ao recurso a
armas de fogo são tratados em detalhes nos princípios básicos n.º 9, 10 e 11. Nestes
dispositivos se reitera o caráter de exceção e a legitimidade restrita a uma situação de
legítima defesa e, num rol taxativo, a casos em que seja estritamente indispensável
proteger vidas humanas (PB9); com este fim, sujeita o policial à necessidade de um
prévio e claro aviso da possibilidade do recurso a arma de fogo, só dispensado se tal
medida restar infrutífera diante do imediatismo das circunstâncias, ou se implicar em
perigo de morte ou lesão grave ao agente ou terceiros (PB10); e, aos Governos, orienta
que sejam especificadas as circunstâncias adequadas em que o recurso de armas de fogo
deve ocorrer, com vistas a reduzir ao mínimo o risco de danos inúteis, desnecessários e
injustificados.

327 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

O REGIME DO RECURSO A ARMA DE FOGO NO BRASIL

A Lei nº. 13.060, de 22 de dezembro de 2014 é o regime


jurídico nacional que, direcionado aos agentes de segurança
pública no exercício de suas atividades, disciplina o emprego de
instrumentos de menor potencial ofensivo e, quando necessário, de
armas.
No parágrafo único do Art. 2° o diploma estabeleceu
pressupostos de admissibilidade do uso de armas de fogo contra
pessoas e veículos, repercutindo tanto na legitimação quanto no
âmbito da justificação da atuação policial.
Nos termos do parágrafo único, incisos I e II, do Art. 2º
daquela lei, “não é legítimo o uso de arma de fogo: I – contra pessoa
em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco
imediato de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a
terceiros; e II – contra veículo que desrespeite bloqueio policial em
via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão
aos agentes de segurança pública ou a terceiros”58.
O regramento todo o tempo refere-se ao uso de armas de
fogo, mas porque para a doutrina policial há diferença entre usar e
disparar armas de fogo, convém destacar tal distinção.

58 Diz o Art. 2º, caput e parágrafo único, ipsis verbis: “Art. 2°. Os órgãos de segurança

pública deverão priorizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo,


desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais,
e deverão obedecer aos seguintes princípios: I - legalidade; II - necessidade; III -
razoabilidade e proporcionalidade. Parágrafo único. Não é legítimo o uso de arma de
fogo: I - contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco
imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; e II -
contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato
represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a
terceiros”.

| 328
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Usar, que tem como sinônimo empregar, é toda a sorte de


utilização da arma de fogo que não seja o recurso de dispará-la.
Disparar, por sua vez, é o efetivo acionamento do gatilho e disparo
do projétil.
Para o regime nacional estabelecido é certo que ambas as
expressões se equivalem, conclusão que se chega por saber que
nunca a lei poderia proibir o agente de segurança pública de
disparar arma de fogo diretamente contra quem ameaça a vida e
integridade física ou, eventualmente contra um veículo quando o
ato daquele que o conduz ameaça vidas humanas.
Na doutrina do uso diferenciado da força 59 o disparo de
arma de fogo enforma o nível de força vulgarmente denominado
força letal, considerado a ultima ratio da intervenção policial em
face de agressão letal/potencialmente letal à vida humana, isto é: o
risco à vida ou integridade física essencial do policial ou de pessoas
envolvidas na ocorrência60.
As ações de localizar a arma no coldre, empunhá-la, sacá-la
mantendo-a em posição de retenção e, até mesmo apontá-la como
medida de segurança e avaliação de riscos, ou para dissuadir o
agressor da prática de violência potencialmente letal, se inserem no
contexto de medidas menos extremas associadas aos níveis de
força presença policial e verbalização/advertência policial (sinais e

59 No Brasil, a Portaria Interministerial n.º 4226/2010 conceitua o uso da força como a


“intervenção coercitiva imposta à pessoa ou grupo de pessoas por parte do agente de
segurança pública com a finalidade de preservar a ordem pública e a lei”; por sua vez o
uso diferenciado da força é conceituado como “[a] seleção apropriada do nível de uso da
força em resposta a uma ameaça real ou potencial visando limitar o recurso a meios que
possam causar ferimentos ou mortes”. E, nível de força é definido como a “intensidade
da força escolhida pelo agente de segurança pública em resposta a uma ameaça real ou
potencial”.
60 Aqui se quer fazer entender a integridade física essencial, ou na maior ponderação,

como aquela que uma vez lesada implica em permanente e grave comprometimento do
bem-estar e saúde do indivíduo.

329 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

gestos). Dessa forma, o uso de armas de fogo, nos termos acima, não
foi objeto de regulação.
Superada essas questões, o normativo nacional estabelece
um regime de admissibilidade do disparo de armas de fogo contra
pessoas (número I) e outro contra veículos (número II) arrolando
situações, não exaustivas, em que não se considera legítimo o uso
de arma de fogo, em face da obrigação de proteção à vida.
No número I, o regime nacional revela que o recurso a arma
de fogo contra pessoas assenta em duas ideias fundamentais: “por
um lado, proporciona uma igualdade de armas relativamente
àqueles que, armados, praticam violência; por outro lado é uma
forma indispensável para eficazmente suster uma pessoa que
representa um perigo sério e grave para bens jurídicos
fundamentais, maxime a vida humana”61.
Quando se diz que não é legítimo o disparo conforme a
regra do número II, não se quer meramente proteger o bem
patrimonial, senão declarar o caráter extremo do disparo de arma
de fogo, ainda que contra veículos, em face do ato de condução que
represente risco à vida e integridade física.
Neste sentido, a lei considera apta a medida policial de
disparar arma contra o veículo (admissibilidade), como medida
extrema de fazê-lo parar quando quem o conduz põe em risco vidas
humanas (necessidade), afinal, revela uma ponderação de
interesses (proporcionalidade), entre a medida adotada e o fim
objetivado, sendo certo que o disparo contra veículo, ainda que nele
se possa verificar o resultado morte ou lesão corporal, se justifica

61SOUZA, António Francisco de. “Uso de arma de fogo pela polícia: a propósito do
acórdão do tribunal da relação do Porto (proc. n.º 1382/06.6GAMAI.P2)”. Revista do
Mestrado em Direito (Pontifícia Universidade Católica: Brasília), vol. 9, n.º 1 (2015): p.
27

| 330
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

numa relação de ponderação quando o ato de condução de veículo


representa risco de morte ou lesão aos agentes de segurança
pública ou a terceiros.
A partir das situações exemplificativas do regime jurídico
do disparo de arma de fogo, decorrem, como já disse, condições de
admissibilidade desse recurso que repercutem no âmbito da
legitimidade e justificação da atuação policial.

NOTAS SOBRE O TRATAMENTO JURÍDICO DADO A


CASOS DE DISPAROS DE ARMAS DE FOGO NA
ATUAÇÃO POLICIAL.

Está plasmado no regime nacional que o disparo de arma


de fogo na atuação policial deflui de uma situação de necessidade
em face da defesa da vida e da integridade física, entretanto o
tratamento jurídico dado a um caso e outro se diferencia quando
em causa está a necessidade de disparo diretamente contra uma
pessoa, que com sua ação representa risco imediato de morte ou
lesão, e a necessidade do disparo direcionado a um veículo, quando
o ato de quem o conduz representa pedido à vida e integridade
física.
Nesse sentido, e para ir direto ao ponto, a questão que se
põe é: pode a causação da morte mediante um disparo intencional
contra pessoas ser admitida desconexa, antes ou depois, da
atualidade de uma agressão ilícita?
No Brasil, não é incomum a defesa de que disparos de arma
de fogo contra pessoas, que ocasionem lesões corporais graves ou
a morte, efetuados por um policial quando no exercício de suas

331 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

funções necessita recorrer ao emprego de armas de fogo, sejam


justificadas pelo cumprimento do dever62.
De fato, no exercício de um dever ou obrigação legal e desde
que nos limites de uma intervenção justificável, absolutamente
necessária e proporcional, há a realização justificada de tipos legais
por policiais.
Entretanto, inexiste o dever legal de utilizar a força letal nos
termos do Art. 23, III, do Código Penal brasileiro. A justificação do
estrito cumprimento do dever legal não assiste aos policiais
quando do disparo diretamente contra pessoas, pois que não há
determinação legal que imponha às autoridades policiais que
atirem contra pessoas com a finalidade de matá-las63.
Como ilustração, caso típico são os de disparos de arma de
fogo para conter a fuga de preso, ou no interesse de deter aquele
que foge de uma ordem de parada diante de situação flagrancial de
delito.

62 Ressaltando que tal discussão desperta “aguda polêmica”, ver. BRODT, Luís Augusto
Sanzo. Do Estrito Cumprimento do Dever Legal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Ed.,
2005, p. 289 s. Similar, GRECO, Rogério. Atividade Policial: Aspectos Penais,
Administrativos e Constitucionais. 6ª ed. Niterói: Editora Impetus, 2014, p. 140, que
destaca que “muito se discute” com relação à atitude de policiais que sob o argumento
de estar cumprindo seu dever, visando evitar a fuga de um preso ou deter àquele que
foge, atira com intenção de matá-los ou mesmo em partes não vitais do corpo humano;
e cita um julgado: “[...] na condição de policial, age amparado pela excludente de ilicitude
do estrito cumprimento do dever legal ao tentar a abordagem de indivíduo que estaria
pulando o muro de uma residência e ao ser advertido de longe, saca sua arma e dispara
contra o policial, vindo o mesmo a revidar os disparos a fim de arrostar o mau, como
meio para atender ao dever declinado no art. 301 do Código de Processo Penal (TJMG,
AC 1.0479.04.074997-6/001, ReI. Des. Judimar Biber, julgado em 15/5/2009)”. Busca
rápida sobre jurisprudências no Brasil revela tal polêmica: “Age no estrito cumprimento
do dever legal, por exemplo, o policial que atira contra detento em fuga, valendo-se dos
meios necessários e sem excesso (TJDFT, RSE n.º 19990810025822, 1ª Turma
Criminal, Rel. Des. Lecir Manoel da Luz, julgado em 08/09/2005, publicado no DJU
25/01/2006, página 63)”.
63 GRECO, Atividade Policial, p. 140

| 332
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

No primeiro caso, o interesse público e o dever que


acomete aos policiais é o de evitar a fuga do preso mediante a
detenção do fugitivo e seu retorno às grades vivo, não morto64. No
segundo exemplo, o interesse público é o plasmado no dispositivo
do Art. 292 do Código de Processo Penal brasileiro65, ou seja: usar
os meios necessários para vencer a resistência imposta à prisão em
flagrante ou à ordem de autoridade competente.
Em definitiva, as atuações policiais que são amparadas pelo
cumprimento do dever são respostas policiais às atitudes de
desobediência ou resistência do cidadão ao cumprimento da lei ou
de ordens superiores da administração pública, que, portanto,
facultam o policial a recorrer ao uso da força mediante o emprego
de meios idôneos e eficazes à realização do fim legítimo a ser
alcançado66.
Distinta, entretanto, é a atitude defensiva do agente policial
diante de uma resistência ou agressão, atual e ilícita, que ultrapassa
a mera vontade do agressor em interromper a execução do ato de

64 GRECO, Atividade Policial, p. 140; DIAS, Jorge de Figueiredo, e Nuno Brandão. «Art.
131», in Comentário Conimbricense do Código Penal, dir. Jorge de Figueiredo Dias. Tomo
I, 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012., p. 41-42).
65 “Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em

flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o


auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a
resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.
Parágrafo único. É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos
médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de
parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato”.
66 Face a um crime de resistência, a resposta policial à oposição será lícita quando in casu

respeitar todos os pressupostos formais e materiais, de fato e de direito, do comando


legal que ampara o cumprimento do dever, seja a lei ou a ordem da autoridade, e por
isso não pode determinar a responsabilização do agente, ver. BRANDÃO, Nuno.
Justificação e Desculpa por Obediência em Direito Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2006,
123.

333 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

ofício e obstaculizar a autonomia intencional do Estado67. Nesses


casos a ação defensiva policial e a justificação do fato típico
praticado convocará à análise a causa de justificação da legítima
defesa.
Entretanto, a partir do regime estabelecido na Lei
13.060/2014, nem toda situação de legítima defesa – injusta
agressão atual ou iminente a direito seu ou alheio – autoriza que o
policial utilize o recurso a arma de fogo diretamente contra
pessoas, senão somente aquelas que ponham em risco os bens
jurídicos vida e integridade física68.
Aqui, em particular, surgem contestações sobre se as
normas do direito de polícia não estão a desconstruir o fundamento
justificante da legítima defesa ao fazer inserir nela uma estrita

67 Toda vez que a resistência traduzir-se numa agressão ilícita e determinar lesão a um
bem jurídico individual do funcionário, configura uma situação de legítima defesa à qual
o funcionário atuará amparado pela excludente da legítima defesa; ver, TOLEDO,
Francisco de Assis, Princípios Básicos de Direito Penal (São Paulo: Saraiva, 1999), 212;
GRECO, Atividade Policial..., 300 s; e, BRODT, Do Estrito Cumprimento..., 292-293. Esse é
o entendimento que, segundo Bitencourt, representa uma interpretação conforme a
Constituição do art. 292 do CPP e nesse sentido diz Bitencourt que se o policial fere ou
mata no exercício de sua função, em resposta a uma resitência ilegítima que se constitua
em violência ou com grave ameaça “ao exercício legal da atividade de autoridades
públicas, configura-se uma situação de legítima defesa, permitindo a reação dessas
autoridades [...]”, ver. BITENCOURT, Teoria Geral do Delito..., 274-275.
68 Em definitiva, Greco (2014, p. 137-138), sintetiza a regulação brasileira: “Os policiais

somente estão autorizados a efetuar disparos com arma de fogo (contra pessoa) quando
estiverem agindo numa situação de legítima defesa, seja ela própria ou mesmo de
terceiros. No entanto, nem toda situação de legítima defesa permitirá o uso de arma de
fogo [...], ressalte-se, [...] a ação de defesa [deve ser] necessária para preservar a vida ou
a integridade física do policial ou de terceira pessoa. Nas demais hipóteses, em que
também seria legítimo o raciocínio correspondente à legítima defesa [como no caso de
crime de furto, em que o policial com a finalidade de evitar a consumação do crime
poderia disparar em direção ao agente, mesmo que com a finalidade de, tão somente,
intimidá-lo], está proibido o uso de arma de fogo.” Vide, também, anterior à lei, a Portaria
Interministerial 4226/2010, de 31 de dezembro, em seu Anexo I, diretriz n.º 3: “Os
agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto
em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou
lesão grave”.

| 334
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

proporcionalidade entre bens jurídicos agredidos e defendidos69, a


saber, os bens jurídicos vida e integridade física.
Por maioria de doutrina a proporcionalidade exigida na
legítima defesa não se circunscreve à ponderação entre os bens
agredidos e defendidos70, mas sim a uma ponderação de interesses
verificada mediante um juízo ex ante que leve em conta a dinâmica
dos acontecimentos e todos os estatutos do agressor e do
defendente.
O fundamento da legítima defesa, no mais recente
entendimento, assume uma concepção intersubjetiva que entrelaça
seus fundamentos justificantes de defesa da ordem jurídica e de
tutela de bens jurídicos, indo à fundo na relação Estado, agressor,
defensor e concedendo a ambos a mesma relevância jurídica71.
Dessa forma dá-se legitimidade aos limites que se impõem
à admissibilidade do recurso a arma de fogo pela polícia,
modulando tanto a dureza da legítima defesa quanto os limites que
se fazem nela inserir – no caso a máxima proteção e defesa da vida
nos atos de autoridade. É por aí, e só aí, que se permite considerar

69 Sobre as discussõ es em face da legı́tima defesa exercida por policiais, em detalhes,

DANZMANN, Luiz Gustavo, Legítima Defesa do Policial: limites do recurso a armas de


fogo na atividade policial. Curitiba: Juruá Editora, 2018.
70 Para Figueiredo Dias (2012, p. 428) a posição de que na legítima defesa se deve

verificar uma proporcionalidade de bens “se revela infiel a pressupostos básicos do


fundamento justificante da legítima defesa e, na verdade, tanto à ideia da prevenção do
Direito sobre o ilícito, como o irrenunciável efeito preventivo dessa causa de
justificação”
71 Segundo Figueiredo Dias (2012, p. 405) à essa concepção, ambos os fundamentos

justificantes da legítima defesa se unem (a preservação do direito e do bem jurídico


ameaçado) para fazer dela “a preservação do direito na pessoa do agredido, [advertindo-
se que] não há fundamento para a legítima defesa quando, no caso, se verifique um
interesse na preservação do Direito, mas inexista a necessidade de proteção de um bem
jurídico”. Ver, ainda, MOURA, Bruno de Oliveira. “O fundamento da legítima defesa”.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.º 98 (2012): 40 s; 90.

335 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

a restrição da legítima defesa policial pela exigência de


proporcionalidade de bens.
Isso significa que a ação de defesa efetivamente praticada
pelo policial – necessária pela condição de repelir a agressão –, para
ser vista como indispensável à reafirmação do direito contra o
ilícito na pessoa do agente, deve surgir respeitada a cláusula de
proporcionalidade dos bens que a restringe.

O TRATAMENTO JURÍDICO-PENAL DE DISPAROS


CONTRA VEÍCULOS E CONTRA PESSOAS:

a. Disparos de arma de fogo contra veículos e estrito


cumprimento do dever legal.

Em dezembro de 2017, durante a madrugada, um


bombeiro militar de folga e embriagado, subtraiu uma ABT 108
(Auto Bomba Tanque) de um quartel e a conduzia, em alta
velocidade, na região central de Brasília, sentido Congresso
Nacional72.
Durante o trajeto o condutor recusava-se a atender as
ordens de parada de policiais militares que acompanharam a ABT
108 e efetuaram vários disparos de armas de fogo contra os pneus,
dos lados esquerdo e direito, fazendo a viatura rodar na pista e
parar na altura do Museu Nacional.
Da análise do regime do disparo de armas de fogo contra
veículo, na regra do inciso II, do parágrafo único do Art. 2º da Lei

72 Ver, “https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2019/abril/
bombeiro-militar-e-condenado-por-furto-de-viatura-e-atentado-contra-o-veiculo”,
acessado em 03 de março.

| 336
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

13.060/2014, se verifica presente o pressuposto de


admissibilidade do recurso a arma de fogo, qual seja: o ato da
condução representativo de risco de morte ou lesão aos agentes de
segurança pública ou a terceiros.
Outra análise necessária é sobre se os policiais adotaram as
medidas de cuidado a que estão obrigados, e com isso se o princípio
da proibição de excessos se verifica no caso concreto, quer pelo
risco, quer pela natureza da operação e o fim a se alcançar.
A adequação da medida se confirma pela existência de um
nexo de causalidade entre os disparos nos pneus e o objetivo de
fazer parar o veículo; a dimensão da necessidade também se
verifica desde logo pelo não acatamento às ordens de parada e
também porque outras medidas competitivas restariam
infrutíferas, considerado o peso (cerca de 21ton.) e alta velocidade
da ABT, quer porque não parariam o veículo (p.e. disparos na
lataria ou o uso munições de impacto controlado), quer porque
colocariam em demasiado risco a vida dos policiais, do condutor e
de terceiros no trânsito (p.e. disparos no vidro frontal ou lateral da
cabine do condutor ou uma interceptação com uso de viaturas
policiais para fazer parar o veículo); por fim, a medida se confirmou
proporcional, porque o interesse perseguido de proteção à vida, e
de forma paralela de proteção do patrimônio e incolumidade
pública, se revelaram superiores numa relação de proporção aos
danos causados à viatura.
Por fim, os danos à viatura ABT 108, causados pelos
policiais, decorreram do estrito cumprimento do dever legal de
deter o condutor da viatura em face de sua conduta não autorizada
e criminosa, e vencer a resistência e desobediência às ordens da
administração pública.

337 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

b. Disparos contra pessoa e legítima defesa de


terceiros.

Na manhã do dia 20 de agosto um homem “sequestrou” um


ônibus fazendo 39 pessoas reféns na ponte Rio-Niterói, no Rio de
Janeiro; conduta lesiva ao direito fundamental de liberdade de
locomoção – positivado no Art. 5°, XV, da Constituição da República
do Brasil –, tipificada e punível na forma do Art. 148 do Código
Penal brasileiro.
Para além da restrição de liberdades, o sequestrador
ameaçava incendiar o veículo – havendo pendurado garrafas
contendo gasolina no teto do ônibus – e, portava faca e arma de fogo
– que só depois se veio a saber tratava-se de um simulacro –
compondo o quadro do evento crítico que ameaçava vidas
humanas.
Ao final de três horas e meia decidiu-se pela realização do
tiro de comprometimento 73 : alternativa tática para neutralizar a
ação do tomador de refém em face da ineficácia de alternativas
menos lesivas e da falência da negociação.
Por mais que num cenário de gerenciamento de crises o
aparato policial atue de forma preparada e metódica (o que em tese
afastaria da ação policial uma situação de súbita de necessidade) a
atualidade da agressão e sua ilicitude – sempre presentes em

73 Para além do tiro de comprometimento, que causa a incapacitação instantânea, pode

o atirador de elite efetuar disparo (tiro de contenção) com a intenção de imobilizar o


agressor, desde que isso proporcione o resgate seguro da vítima; ver, GRECO, Atividade
Policial..., 162. Outro disparo possível ao atirador de elite é o “tiro seletivo”, quando
“seleciona” e dispara contra o instrumento utilizado na ameaça (p.e o disparo na arma
de fogo utilziada pelo tomador de reféns) opção que deve ser levada em conta
considerado que o pressuposto da menor lesividade é relativizado quando sobre a
idoneidade do meio de defesa recaem dúvidas: não se pode considerar meio necessáio
aquele menos gravoso, mas inseguro.

| 338
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

ocorrências com reféns 74 – dão a moldura de uma situação de


legítima defesa, nesse caso de terceiros.
Outra questão que obrigatoriamente deve balizar as
discussões sobre se o atirador de elite encontra a justificação de sua
conduta no estrito cumprimento de um dever legal ou na legítima
defesa é que não há interesse público legítimo que legitime lei ou
ordem da administração, quando determina a ultrapassagem de
limites administrativos que asseguram o núcleo inviolável dos
direitos fundamentais75.
Numa situação de legítima defesa, a ação de defesa para
fazer cessar a agressão em curso, quando verificada nela o
pressuposto da necessidade do meio (meio necessário), é drástica
e forte para obrigar o agressor a suportá-la. Mas, no caso em
análise, seria necessário o tiro de comprometimento a fim de
incapacitar instantaneamente o agressor? Poderia o atirador
efetuar um tiro de contenção, com o fim, tão somente, de debilitá-
lo? Houve excesso de defesa?

74 A Lei n.º 13.964, de 2029 acrescentou um parágrafo único ao tipo do Código Penal da
legítima defesa (art. 25), nestes termos: “Parágrafo único. Observados os requisitos
previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de
segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém
durante a prática de crimes.” Parte da doutrina considera esse acréscimo supérfluo, pois
que só se afirmando a legítima defesa na presença dos “requisitos do caput”, a saber “a
injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, e de uso moderado de
meios necessários para repelir essa agressão”, não há porque reafirmá-la em face da
ação do agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima
mantida refém, situação tal em que a atualidade da agressão injusta se confirma porque
o direito de liberdade de locomoção, no mínimo, já é lesionado desde sempre. Nestes
termos, e para além, GRECO, Luís, “Análise sobre propostas relativas à legítima defesa
no ‘Projeto de Lei Anticrime’”, in Jota, penal em foco, disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/penal-em-foco/analise-sobre-
propostas-relativas-a-legitima-defesa-no-projeto-de-lei-anticrime-07022019, acesso
em 12 de março de 2020.
75 BRODT, Do Estrito Cumprimento..., p. 291.

339 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Para além da verificação da necessidade de defesa, em si


mesmo, o meio necessário considera os pressupostos de menor
lesividade e idoneidade, sendo certo que o direito não impõe o meio
de defesa menos gravoso que se afigure inseguro para a realização
da defesa.
Dessa forma, a análise do juízo da necessidade do meio
considera toda a dinâmica dos acontecimentos, reportando-se a
situação ex ante e tendo em conta todos os estatutos do agressor e
do defendente.
Optando-se pelo disparo contra o agressor e vinculando-se
a ação defensiva ao resultado menos gravoso possível, a opção pelo
tiro de comprometimento, para imediata incapacitação, deve
revelar, ao fim, a prova de que o disparo em zona não vital do
agressor, visando o efeito debilitante (tiro de contenção) para a
detenção do tomador de reféns e a libertação das vítimas no ônibus,
não seria suficientemente seguro para a realização da defesa76.
Nestes termos, revelada a idoneidade do meio de defesa
utilizado – não havendo outro que alcançasse igual resultado de
forma menos gravosa – não há que se falar em excesso; afigurando-
se, assim, a exata condição que é imposta ao policial.
Finalmente, no que diz respeito à verificação do
pressuposto de admissibilidade do recurso a arma de fogo na forma

76 Há de se considerar a possibilidade, no contexto de análise, da elevação de fatores de

risco quando, p.e., a distância do time tático até do tomador de reféns e a demora em
detê-lo após ser alvejado permitisse o incêndio ao ônibus mediante o riscar de um
fósforo ou isqueiro. Neste contexto, inclusive, se não fosse imediatamente incapacitado,
o tomador de reféns poderia, eventualmente, matar refém que tentasse sair do ônibus.
Por fim, há sempre a possibilidade de o tiro de contenção não alcançar seu efeito
desejado em face da condição humana do atirador de elite, que o faz experimentar
aceleração dos batimentos cardíacos e deterioração da coordenação motora complexa e
fina, o que dificulta a destreza do disparo.

| 340
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

do inciso I, do parágrafo único, do Art. 2º da Lei 13.060/2014: o uso


de armas de fogo contra pessoas é admitido em face de um risco
imediato de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a
terceiros. Tal foi o caso.
Sobre a verificação do princípio da proibição de excessos,
da análise dos seus corolários diretos tem-se que o princípio de
adequação é evidenciado no nexo de causalidade entre a medida
adotada e resultado alcançado; o princípio de necessidade se revela
tanto na ineficácia das outras alternativas competitivas –
negociação e outras alternativas táticas menos gravosas – e, até,
diante da duvidosa eficácia da defesa se o meio utilizado fosse o tiro
de contenção; por fim, a proporcionalidade em sentido estrito se
verifica quando se põem lado-a-lado o interesse estatal de salvar
vidas e o perigo de mortes, o perdimento de uma vida e a salvação
de outras trinta e nove.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O regime estabelecido na Lei 13.060/2014 definiu um


“princípio de preferência” (expressão própria) do uso de
instrumentos de menor potencial ofensivo em face do uso de armas
de fogo e, sobre este, condições de admissibilidade quando de
disparos contra pessoas e contra veículos. O regime traduz o
princípio da proibição de excessos na atividade policial e incorpora
normas dos instrumentos internacionais sobre o tema,
nomeadamente o CCEAL e os PBUFAF.
A verificação dos pressupostos do princípio da proibição de
excessos na operacionalização de disparos contra pessoas exige a

341 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

adequação da conduta à norma habilitante e, mesmo em situações


de legítima defesa, determina a estrita proporcionalidade entre os
bens agredidos e defendidos: a vida e a integridade física.
A verificação desses princípios quando dos disparos contra
veículos, se exige a comprovação do caráter extremo da medida
para fazer cessar o risco já remoto (nem atual, nem imediato, talvez
até futuro) à vida ou integridade física, na sequência da tentativa de
atropelamento dos policiais e quando o condutor em fuga oferece
resistência ou desobediência às ordens da administração pública
que determinem a parada do veículo.
Se, entretanto, for possível afigurar a atualidade da
agressão, mediante um atropelamento iminente, a situação de
legítima defesa exigirá disparos contra o condutor de forma ou a
incapacita-lo ou causar-lhe uma debilidade, desde que isso
possibilite a parada do veículo; devendo, de todo modo, a opção por
um ou outro disparo considerar que o pressuposto da menor
lesividade é relativizado na medida em que o direito não exige
utilização de meio menos gravoso, mas inseguro.

REFERÊNCIAS

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e aplicação da lei: manual de formação em direitos humanos para as
forças policiais. Lisboa: Gabinete de Documentação e Direito
Comparado, 2001. (Série de Formação Profissional n.º; 5).

BAYLEY, David H. Padrões de policiamento: uma análise


internacional comparativa. Trad. Renê Alexandre Belmonte - 2ª Ed.
1ª Reimp., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006,
(Série Polícia e Sociedade; n.º 1)

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

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Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.

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dezembro, MJ e SDH/PR. Publicada no Diário Oficial da União, N.º
1, de 03 de janeiro de 2011, Seção 01, página 27.

BRASIL, TJDFT, RSE n.º 19990810025822, 1ª Turma Criminal, Rel.


Des. Lecir Manoel da Luz, julgado em 08/09/2005, publicado no
DJU 25/01/2006.

BRASIL, TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1382228-7 - Foz do Iguaçu - Rel.:


Luís Carlos Xavier - Unânime – Julgado em 04.02.2016, publicado
no DJ: 1746 24/02/2016.

BRODT, Luís Augusto Sanzo. Do Estrito Cumprimento do Dever


Legal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Ed., 2005.

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administrativo, 2ª Reimpressão portuguesa (Reimpressão da edição
brasileira de 1977). Coimbra: Almedida, 2010.

CANAS, Vitalino, “A actividade de polícia e a actividade policial


como actividades limitadoras de comportamentos e de posições
jurídicas subjectivas”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor
Sérvulo Correia, coord. Jorge Miranda, vol. II (FDUL: Coimbra
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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da


constituição. 7ª Ed., 14ª Reimp., Coimbra: Almedina, 2003.
DANZMANN, Luiz Gutavo. Legítima Defesa do Policial: limites do
recurso a armas de fogo na atividade policial. Curitiba: Juruá
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DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Tomo I, 2ª ed., 2ª reimp.


Coimbra: Coimbra Editora, 2012.

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Segurança”, in Polícia e Justiça. Loures, 2005
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SOUZA, António Francisco de. «Uso de arma de fogo pela polícia: a


propósito do acórdão do tribunal da relação do Porto (proc. n.º
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TOLEDO, Francisco de Assis, Princípios Básicos de Direito Penal (São


Paulo: Saraiva, 1999).

Sítio Eletrônico:
https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2019/a
bril/bombeiro-militar-e-condenado-por-furto-de-viatura-e-
atentado-contra-o-veiculo

| 344
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 15
HABILITAÇÃO NA ARMA DE LANÇAMENTO DE
ELETRODOS ENERGIZADOS: OFICINA
PEDAGÓGICA NA CAPACITAÇÃO DOS
DISCENTES DO XI CURSO DE OPERAÇÕES
QUÍMICAS DA PMDF: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA

Mainar Feitosa da Silva Rocha

O presente capítulo tem o propósito de provocar uma


reflexão geral por parte dos docentes de segurança pública que
dedicam suas vidas à formação policial, mesmo diante das
adversidades didáticas e dos desafios em compartilhar o
conhecimento, visando sugerir uma ementa que capacite o
profissional de segurança pública a operar as tecnologias
disponíveis com segurança e eficácia, notadamente aqui, as
chamadas armas de lançamentos de eletrodos energizados – ALEE.
Para isso, foram expostos alguns procedimentos adotados na 11ª
edição do Curso de Operações Químicas da Polícia Militar do
Distrito Federal (2019), com relação às atividades práticas dentro
da oficina pedagógica criada.

345 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CONTEXTUALIZAÇÃO

Atualmente, a habilitação na ALEE 77 faz parte da malha


curricular da maioria dos cursos operacionais e de formação das
instituições de segurança pública do País, tanto no nível operador
quanto no multiplicador. Porém, ainda falta às instituições uma
normativa que oriente essas habilitações, principalmente, nos
aspectos de conteúdo e de atividades, restando o encargo de bem
conduzir esse processo de capacitação aos instrutores, que
utilizam principalmente de suas vivências operacionais com a
tecnologia e de seu nível de conhecimento sobre o assunto, não se
exigindo credenciais específicas para tal mister.
O profissional que conduz o processo de capacitação na
ALEE deve, antes de tudo, está disposto a dirigir o treinamento com
o compromisso de formar adequadamente os profissionais sob a
sua tutela. Pode parecer simples ou mesmo banal, mas o
compromisso com a capacitação nem sempre está presente
naquele que conduz o treinamento. Não raras vezes, esse
profissional está com o encargo da capacitação por ser o de grau
hierárquico mais alto ou por não ter outra pessoa mais capacitada
para atender uma demanda da instituição. No entanto, para
condução desse importante processo de capacitação, os
profissionais de segurança pública devem possuir credenciais de
docência e ser um especialista no tema a ser abordado. Funções
administrativas de supervisão, gerência, graduação, posto, não se
apresentam aqui como garantias de credenciais de docência de um
conhecimento específico, para tal, o docente precisa ser detentor

77ALEE é um acrônimo utilizado pela Portaria PMDF nº 738, de 28 de fevereiro de 2011,


que significa Armas de Lançamento de Eletrodos Energizados.

| 346
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

da capacidade de debate e transmissão da matéria, por meio de


uma formação específica, ou seja, se uma qualificação profissional.
Assim, devem ser observados os requisitos de cada Instituição e a
Diretriz de nº 15 da Portaria Interministerial 4.226/10:

15. A seleção de instrutores para ministrarem


aula em qualquer assunto que englobe o uso
da força deverá levar em conta análise
rigorosa de seu currículo formal e tempo de
serviço, áreas de atuação, experiências
anteriores em atividades fim, registros
funcionais, formação em direitos humanos e
nivelamento em ensino. Os instrutores
deverão ser submetidos à aferição de
conhecimentos teóricos e práticos e sua
atuação deve ser avaliada.

Professores ou instrutores não qualificados causam


descontentamento naqueles que estão participando do processo de
capacitação, interferindo sensivelmente na didática. Diante disso,
surgem algumas indagações: as formas como são realizadas essas
sensibilizações têm ganhos pedagógicos para o discente? Ou
provoca um efeito contrário do objetivo previamente delimitado,
ou seja, provoca traumas e danos ao processo de ensino-
aprendizagem? Qual a finalidade da sensibilização quanto à
qualificação profissional?
A qualificação profissional abordada neste artigo se refere
especificamente á sensibilização com a ALEE, sendo necessária e
tem seus objetivos, principalmente na capacitação de nível
operador, onde há um pressuposto que àqueles instruendos não
tiveram contato com a tecnologia. Esse procedimento se adequa à
Portaria PMDF nº 738, para regulamentá-lo:

347 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Art. 5º. Parágrafo único. O policial militar


deverá estar com a Inspeção Periódica de
Saúde regular e apto para o serviço policial
militar, sem restrição para a prática de tiro,
antes de ser submetido ao contato com a
descarga do ALEE.

Por outro lado, essa mesma Portaria não especifica como


deve ser conduzida a sensibilização em ALEE, nem por quanto
tempo e por quantas vezes o instruendo deve ser submetido a este
processo, tal falta de especificação deixa novamente o perfil da
capacitação atrelado ao que o instrutor pode avaliar
empiricamente como necessário dentro do processo de
treinamento policial.
Na prática, é possível perceber a exposição das pessoas a
uma descarga completa do ciclo da arma e, até por repetidas vezes,
sem justificativa técnica para esse tipo de procedimento. A
descarga durante o treinamento é realizada através de disparos no
próprio aluno, simulando uma situação crítica ou conectando
terminais metálicos aos cartuchos e prendendo-os em um grupo de
pessoas para posterior acionamento da arma. Observando esses
procedimentos realizados em inúmeras capacitações, verifica-se
certa resistência do corpo discente com relação à sensibilização
com a ALEE, tendo em vista que, em experiências anteriores, o
processo de capacitação não tinha padronização com relação a esse
ponto. Os principais comportamentos verificados nos profissionais
submetidos às capacitações evidenciam o nervosismo
acompanhado com perguntas do tipo: Quantos choques levarei?
Para ser habilitado no fuzil eu não preciso levar um tiro e por qual
motivo aqui eu tenho que levar um disparo? Eu já sei que a arma é
eficaz, para que isso?

| 348
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Continuando a reflexão sobre os programas de capacitação


em ALEE, verifica-se a ineficácia dos treinamentos de precisão de
tiros, muitas vezes atribuída à falta de meios e tempo para
realização de um treinamento de memória neural que aprimore a
pontaria e precisão. Basicamente, com raras exceções, são
franqueados no máximo dois cartuchos ativos para cada pessoa
realizar os disparos em alvos. Isso se deve primeiramente pelo
custo, ou seja, para cada turma de 30 profissionais, se cada um
efetuar dois disparos, levando em conta que cada cartucho custa
em média R$ 115,00 (cento e quinze reais), o total com cartucho
para essa capacitação será de R$ 6.900,00 (seis mil e novecentos
reais). Se por exemplo, em dada instituição, o gestor precisa
promover uma capacitação para 50 turmas no ano letivo, o
investimento será de R$ 345.000,00 (trezentos e quarenta e cinco
mil reais).
Alguns profissionais da segurança pública podem não
entender esse montante como um investimento dentro da ótica de
evitar um disparo de arma de fogo, quando, por exemplo, nas
intervenções operacionais do Estado, por falta de ferramentas
variadas para responder proporcionalmente às ocorrências dentro
do espectro da força policial, podendo ainda, como
desdobramentos psicossociais, sobrecarregar o sistema de saúde
com a recuperação de vítimas; o judiciário com processos; a
previdência social com as aposentadorias por invalidez, entre
outros. Mas qual seria a solução para essa questão, tendo em vista
que nem todas as instituições dispõem em seus calendários
orçamentários dotação para custear uma capacitação que
contemplem vários disparos por aluno?
Tem-se que no transcorrer do 11º Curso de Operações
Químicas da PMDF (2019), 22 alunos foram submetidos ao

349 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

processo de habilitação no nível multiplicador da ALEE. Para cada


aluno foram disponibilizados três cartuchos do tipo MSK, próprio
da Arma Spark, modelo Z 2.0, de fabricação nacional. A habilitação
transcorreu conforme o plano de matéria previsto no anexo IV, da
Portaria PMDF nº 738, abordando os aspectos teóricos e práticos
do programa.
A parte teórica do programa de treinamento ficou a cargo
do primeiro instrutor da matéria, onde foram feitas abordagens
introdutórias sobre o uso diferenciado da força e direitos humanos,
como eixos articuladores do conhecimento, acompanhadas pela
imersão nas legislações correlatas e portarias internas da
Corporação. Os aspectos técnicos da ALEE, os procedimentais de
emprego, bem como as especificações dos diversos modelos de
armas do gênero, foram os parâmetros de exposição teórica.
Para a parte prática, especificamente na realização de
disparos, optou-se em aperfeiçoar o método de treinamento e
realizar ensaio de precisão para aferir a abertura angular dos
dardos, isso daria informações mais precisas com relação à
distância de acuracidade dos disparos, em condição de campanha.
Foi utilizado para o ensaio um cartucho por aluno, sendo que os
resultados obtidos orientariam os próximos dois disparos
previstos para a habilitação. Para ilustrar de forma precisa o ensaio,
pontua-se algumas passagens do parecer técnico confeccionado
por um discente do referido curso, com orientação técnica do
instrutor.

| 350
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

DO ENSAIO DE PRECISÃO DOS DISPAROS

O ensaio de precisão, com aferição de abertura angular dos


dardos, foi realizado durante os exercícios práticos da habilitação,
tendo como objetivo utilizar um método simples e prático para
aferir a precisão do cartucho de determinado lote, dando ao
operador dados de distâncias fidedignas com a realidade
operacional, para que no momento da aplicação ele tenha um
referencial de qual distância ele deve adotar do agressor e em qual
ponto do corpo humano ele deve posicionar o laser para realizar um
disparo com a mais alta eficácia. Alerta-se que os dados obtidos não
são exatos do ponto de vista das condições científicas amplamente
discutidas, pois foram obtidos, reproduzindo as condições onde o
policial opera na rua, ou seja, não utilizamos plataforma fixa para
posicionar a arma; os operadores possuem características
antropométricas diferentes; existe a questão de pequena oscilação
na empunhadura, entre outros. Porém, sob o ponto de vista prático-
operacional, julgamos o indicador mais próximo da realidade. O
indicador prático-operacional, tendo como ponto de partida dados
técnicos do fabricante e estudos científicos no tema, é o
complemento tático que o operador precisa para atuar com
confiança, pois é neste plano que a tecnologia evidencia seu real
comportamento.
Para o ensaio, foi utilizado um alvo de superfície lisa onde
foi desenhada uma silhueta humana, inclusive com membros
inferiores, tendo como molde um aluno do 11º COQ, que possui
medidas antropométricas bem próximas ao do referencial do
homem médio. Como atividade complementar, os alunos do curso
foram estimulados a elaborar relatórios sobre o teste.

351 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Para o bom funcionamento do disparo de incapacitação


neuromuscular dos armamentos de eletrodos energizados (ALEE),
o circuito elétrico do armamento deve ser fechado no corpo da
pessoa alvo, com o maior espaçamento possível entre os dardos –
segundo Meyer (2009), a faixa ideal de espaçamento entre os
dardos é de 30 a 60 cm –, de preferência em grandes grupos
musculares. Assim, tendo em vista a maior possibilidade de sucesso
no disparo, optou-se por um disparo na região do tronco,
preferencialmente nas costas. No entanto, quando o agente da lei
necessita utilizar-se da ALEE para incapacitar um agressor, este,
geralmente, encontra-se de frente àquele, não sendo possível
efetuar o disparo nas costas. Logo, quando o alvo está de frente, o
disparo ótimo se dá com o dardo superior atingindo o tronco na
altura do esterno e o dardo inferior na altura da cintura, pois a
região do tronco é ampla, oferecendo maior possibilidade de acerto
do disparo e menor risco de atingir a cabeça, face, pescoço e região
genital (SANTOS, 2019).
Ainda, conforme Santos (2019), levando em conta que a
faixa de estatura média do brasileiro adulto, segundo o IBGE
(2010), é de 168,2 cm a 172,6 cm, para homens, e de 156,6 cm a
161,1 cm, para mulheres; e considerando as proporções
antropométricas descritas por Civardi (2001) – em que apresenta
a distância entre o esterno e a linha da cintura é dada por,
aproximadamente, 4/15 da estatura) –, o disparo frontal ótimo
conforme descrito acima, deve ter a distância entre os dardos
variando de 44,9 cm a 46,0 cm, para homens, e de 41,8 cm a 43,0
cm, para mulheres. Nota-se que as faixas de distâncias variam cerca
de 3 cm, quando comparadas entre homens e mulheres, o que na
prática não é relevante a ponto de serem tratados em casos
separados. Portanto, para um disparo seguro e efetivo em um

| 352
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

brasileiro adulto, considera-se a menor das distâncias entre os


dados acima: 41,8 cm. Destarte, para o operador utilizar de forma
adequada o armamento, resta saber a qual distância do alvo o
armamento deve estar para propiciar esta distância.
Para a realização do primeiro disparo de cada aluno, foram
utilizados os cartuchos não condutivos, modelo MSK-100, do lote
14A19, válidos até 01/2024, cujo alcance é de 4,5m, segundo a ficha
técnica do fabricante. Buscando uma uniformidade relativa, foi
optado em utilizar somente uma arma para todo ensaio, sendo
escolhida de forma aleatória a Spark, modelo Z 2.0, número de série
SC 0006809, pertencente à dotação do 1º Batalhão de Policiamento
de Choque da PMDF.
A partir daí, cada aluno por vez, adotou a posição de frente
ao alvo. Para o balizamento da posição do aluno foi utilizada uma
trave78 de madeira, com dimensões de 0,80 m de largura e 1,80 m
de altura, com uma fita zebrada passando horizontalmente de um
mastro ao outro na altura de 1,5 m. É na linha da fita zebrada que o
aluno deverá manter a ponta da arma, garantindo a distância de 4,5
m do alvo. Cada disparo foi realizado por um policial diferente, de
um grupo heterogêneo, com diferentes estaturas, níveis de
destreza em tiro, tempo de serviço e especializações, obtendo uma
amostra que representasse os policiais militares como um todo.

78 A trave em questão é uma ferramenta de apoio utilizada para o treinamento de


arremesso de granadas manuais, onde o operador químico busca alcançar a distância e
a precisão ideais para um bom arremesso.

353 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Para cada disparo foram coletados três dados, conforme a


tabela abaixo:
Tabela 1 – Referenciais de distâncias.
Distâncias
D1 D2 D3
Ponto focal79 – dardo Ponto focal – dardo Dardo superior e
superior inferior dardo inferior

Os 22 disparos foram registrados na seguinte tabela:

Tabela 2 – dados coletados.


Distância (cm)
Disparo Foco-dardo Foco-dardo Dardo superior-
superior inferior dardo inferior
1 10,0 45,0 37,0
2 7,5 45,0 38,0
3 39,0 63,0 25,0
4 10,0 46,0 36,5
5 8,0 47,0 39,0
6 5,5 51,5 50,0
7 9,5 59,0 50,5
8 3,5 45,5 48,0
9 33,5 83,5 57,0
10 6,5 40,0 34,0
11 8,0 46,0 39,5
12 15,0 44,5 32,0
13 2,0 47,0 48,0
14 4,5 50,5 47,5
15 2,0 51,0 49,5
16 6,5 49,0 43,5
17 6,0 49,0 48,0
18 6,5 42,5 49,0
19 3,4 53,0 52,0
20 0,0 46,0 46,0
21 15,5 53,0 37,5
22 5,0 49,5 46,5

79 O ponto focal é o local onde o laser deve ser posicionado no alvo, ou seja, neste caso, a

cruz do centro do círculo.

| 354
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Nota-se que, devido ao fator humano, existe a possibilidade


de erros (de fundamento de tiro) a execução do disparo,
interferindo na obtenção das distâncias foco-dardo superior e foco-
dardo inferior. No entanto, esse tipo de erro não interfere na
distância entre os eletrodos, uma vez que se pretende obter dados
condizentes com situação de campanha, em que este tipo de erro é
ainda mais frequente devido a condição de estresse e cansaço, e que
cada disparo foi realizado por um policial diferente, não foram
desprezados os valores muito discrepantes, como e.g. os disparos 3
e 9, sendo todo tipo de erro (grosseiro, sistemático e aleatório)
tratado como aleatório. Diante disso, as distâncias médias da
amostra de disparos, juntamente com o seu respectivo erro padrão
da média, são:

Tabela 3 – média das distâncias.


Foco-dardo superior Foco-dardo inferior Dardo superior-
dardo inferior
9,4±2,0 cm 50,3±1,9 cm 43,4±1,6 cm

Com base nesses resultados, verificou-se que no valor


referente à distância “D3” os eletrodos atingiram uma região
segura no alvo, porém, no limite das dimensões do tronco, podendo,
dependendo das circunstâncias, atingir o baixo-ventre ou passar
entre as pernas, colocando em risco o sucesso da intervenção.
Considerando que o objetivo do ensaio é identificar a
distância onde os dardos atinjam somente o tronco do agressor,
mitigando exponencialmente a possibilidade de erros na precisão
dos disparos, foi calculada a distância de acuracidade para condição

355 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

de campanha, utilizando os dados coletados, conforme conclusão


do relatório que transcrevo abaixo:

Considerando uma dispersão linear dos


dardos, a distância ideal de utilização do
cartucho msk-100, de maneira a se alcançar
uma dispersão entre os dardos de 41,8 cm,
deve ser de 4,3 m, ou seja, 20 cm de diferença
da distância máxima de utilização indicada
pelo fabricante. Não obstante, em condições
de utilização real do armamento, essa
diferença pequena entre a distância ideal e a
distância máxima pode resultar na perda do
disparo. Além disso, o fato de o dardo superior
ter um desvio grande do foco do alvo deve ser
levado em consideração e, quando em
utilização real, o disparo deve ser realizado a
uma distância de 3,7 m do alvo, por questões
de segurança, conforme análise anterior.
(SANTOS, 2019)

Em síntese, com a distância de 3,7m da arma para o alvo,


teremos uma dispersão entre os dardos de 35,7 cm, garantindo a
projeção no tronco do agressor, sem margens de erros.
Para o segundo e terceiro disparo efetuados pelos alunos,
utilizando-se o cartucho modelo MSK-106 (6 metros), percebemos
que a distância de 4m da arma para o alvo, se demonstrou eficaz
para o atingimento da região do tronco, corroborada pela
percepção visual dos 44 últimos disparos marcados no alvo.
Destacamos que a escolha em fazer análise de dados com o
cartucho não condutivo, ao invés do cartucho operacional,
primeiramente, foi a disponibilidade do mesmo e,
consequentemente, aplicar o dado orientador do ensaio nos

| 356
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

disparos dos cartuchos ativos nas simulações de ocorrências


realizadas no treinamento. Assim, promoveram-se os pequenos
ajustes pontuais no decorrer dos exercícios, entendendo que o
aproveitamento operacional seria maior, pois orientamos que o
treinamento deve ser feito com o cartucho que o operador irá
empregar na ocorrência real.

DA OFICINA PEDAGÓGICA: ARMA E SEUS ACESSÓRIOS

Foi criado um ambiente para desenvolvimento de aptidões


e habilidades, com a manipulação e operação dos diversos recursos
disponíveis que acompanham a ALEE. A oficina pedagógica foi
subdivida em quatro estações de conhecimentos, dotadas de
equipamentos e software para o exercício dos discentes. São quatro
estações, sendo uma destinada para o conhecimento e operação do
Datakit 80 ; outra destinada à operação do programa GRDatakit 81 ;
uma estação voltada à questão das baterias e suas especificidades
e, uma última estação para o conhecimento da estrutura dos dardos
e exercício de extração, utilizando tecido epitelial suíno.
Na estação do Datakit, explicam-se e exercitam-se as
funcionalidades deste equipamento. O discente é orientado a
realizar várias tarefas, tais como: ligar/desligar o datakit; atualizar
as informações da arma (data e hora); atualizar para o horário de
verão e vice-versa; realizar a transmissão dos relatórios das armas

80 Datakit é um equipamento responsável pela coleta de dados gerados pela arma Spark
e permite o armazenamento e transmissão dos relatórios de utilização da arma através
da tecnologia wi-fi e com criptografia.
81 GRDatakit é um programa que gerência os relatórios de atividades da arma.

357 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

para a unidade externa de armazenamento que está conectada ao


datakit e, cuidados para conservação.
Após as atividades na estação do Datakit, o discente é
direcionado para a estação do software GRDatakit, onde existe uma
mesa e um computador com o referido programa instalado. Cada
discente, assistido por outros do seu grupo, senta-se à mesa e
explora a interface do programa, realiza a transferência dos
relatórios da unidade externa de armazenamento (pen drive) para
o computador. Após a operação do programa, os relatórios são
impressos e distribuídos aos alunos participantes da estação.
A terceira estação, denominada de “estação de
carregamento”, o discente encontra seis ou mais carregadores de
baterias com as respectivas fontes de alimentação conectadas ao
ponto de energia. O trabalho nesta estação é iniciado com a
explanação do instrutor sobre a tecnologia da bateria da ALEE em
estudo, capacidade de cargas, como recarregar, características
físicas e eletrônicas do carregador, comparativos com os
carregadores de celulares. Após a explanação, o discente é
estimulado a manipular os carregadores e baterias e a realizar
pesquisas na internet sobre as tecnologias de baterias (lítio-íon,
níquel-cádmio), para depois retornar com as informações para o
instrutor. Para essa estação, é autorizado o uso de aparelho celular
somente para realização da pesquisa.
Por derradeiro, na última estação de conhecimento, os
discentes explorarão a estrutura do dardo (fisga, corpo, ponta).
Após o conhecimento da estrutura do dardo, o instrutor faz
demonstrações das formas corretas e errôneas de se extrair os
dardos utilizando um pedaço de tecido da barriga de porco. É
destacado que esse procedimento será a última hipótese, caso

| 358
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

outras ações não estejam disponíveis e o dardo não esteja cravado


em pontos sensíveis, como vasos calibrosos82.
O procedimento de extração dos dardos é amparado pela
Portaria PMDF nº 738:

Art. 27. Quando ocorrer o disparo do cartucho


do ALEE, sempre que possível, o policial
militar deverá: I – providenciar que os dardos
deflagrados sejam retirados no local o mais
breve possível, sempre com a utilização de
luvas e a devida cautela no procedimento,
salvo se a retirada dos dardos representar
risco de provocar lesão grave.

DA SENSIBILIZAÇÃO À DESCARGA ELÉTRICA

Como última atividade do treinamento prático, a


sensibilização deve ser conduzida de forma prudente e técnica,
para um coroamento exemplar da jornada prática da capacitação.
Antes de executar a atividade, devemos nos cercar de cuidados
indispensáveis para a sua realização, que são impostas pelas
normativas de cada instituição. Exemplificando, na PMDF, a nota de
instrução não seria aprovada, caso os responsáveis não fizessem a
previsão da presença da equipe de primeiros socorros com
ambulância.
Na atividade realizada no âmbito do 11º COQ, os discentes
foram acomodados na sala de lutas da Unidade, onde tem o chão
revestido com piso amortecido. Primeiramente, o instrutor dedicou

82 São os vasos responsáveis pela microcirculação, artérias e veias.

359 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

alguns minutos para explicar o objetivo da atividade e em que se


fundamenta. Em seguida, os discentes foram separados em grupos,
que serão sensibilizados, sendo um grupo por vez.
O instrutor de posse de uma ALEE, acopla um cartucho
deflagrado com os respectivos fios, prendendo um dardo ou uma
presilha metálica adaptada ao fio em um aluno de cada ponta do
grupo. Aciona a arma por um período de 1 (um) segundo, travando-
a imediatamente. Os discentes que estavam na posição sentados,
involuntariamente projetaram o tronco para trás, mas não batem a
cabeça no chão, pois o tempo de descarga não permitiu. Depois da
descarga, o instrutor orienta aos alunos a ficarem sentados
enquanto retira os dardos/presilhas e em seguida verifica se todos
estão bem. Este procedimento foi realizado com cada grupo
formado para a atividade.
A sensibilização, como dito anteriormente, é necessária
para a complementação da capacitação do profissional, mas
devemos tomar muita cautela na realização desse procedimento.
Muitos estudos já comprovaram a segurança das armas elétricas,
principalmente no que se refere aos seus efeitos no corpo humano,
afastando qualquer resultado deletério para o coração, desde que
obedeçam às orientações técnicas de emprego.
O aspecto psicológico do instruendo ante as descargas
elétricas nas capacitações não é discutido amplamente por
especialistas, mas não precisa de uma metodologia ou investigação
aprimorada para se detectar a não receptividade do procedimento
no âmbito daqueles que se submetem às capacitações. De forma
combinada, ocorreu um levantamento nos últimos cursos onde
promovemos treinamentos na disciplina de instrumentos de
menor potencial ofensivo, como nas edições em 2019 dos cursos de
Operações Químicas e de Operações de Choque da PMDF e; as três

| 360
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

edições (2015, 2016 e 2019) do curso de Operações de Choque da


Força Nacional de Segurança Pública. Foi unânime por parte dos
alunos a rejeição com relação ao exercício de sensibilização,
provocadas por experiências traumáticas em outras capacitações,
principalmente pelo tempo e quantidades de descargas sofridas. No
Brasil, existe uma espécie de “padrão” não formalizado para o
procedimento de sensibilização, que basicamente se resume em
descargas de cinco segundos nos alunos, podendo se repetir
deliberadamente, dependendo do comportamento destes avaliado
pelo instrutor.
O ciclo do choque de uma arma eletroeletrônica provoca
interrupção neuromuscular e principalmente dor. A dor é um
fenômeno que tem repercussão direta no psicológico das pessoas e
não se trata de uma experiência atraente. Segundo a definição da
Comissão Eletrotécnica Internacional, “dor é uma experiência
desagradável, de modo que não seja prontamente aceita pela
segunda vez pelo sujeito a ela submetido” (IEC 60479-2:2019).
Se analisado um pulso da descarga elétrica da ALEE, temos
informações dos aspectos que o compõe, no caso da arma Spark, o
tempo do pulso é de 35 microssegundos; energia de 0,06 J em
contato e carga total de 120 micro Coulomb, isso se repete por
dezoito a vinte vezes a cada segundo, dependendo do tipo da
tecnologia utilizada na bateria. Então, caso queira demonstrar a
eficácia e a “potência” da tecnologia ao aluno, aquele único segundo
nos traz todos os elementos para isso, sendo os quatro segundos
restantes do ciclo uma redundância do primeiro com intuito de
“minar” a resistência do agressor. Só que, o profissional em
capacitação não é um agressor propriamente dito, então não se faz
necessária, do ponto de vista pedagógico, uma exposição ao ciclo
completo da arma eletroeletrônica, sendo que teremos mais perdas

361 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

do que ganhos pedagógicos, tendo em vista, o trauma provocado


pela submissão à dor intensa que o ciclo total provoca. Além do
fator psicológico, nos cursos onde o treinamento físico acompanha
as demais disciplinas, a exposição do aluno a choques prolongados
pode provocar eventuais declínios nos índices de aptidão física ou
até mesmo lesões musculares provocadas pelas fortes contrações
involuntárias. Essas contrações provocam uma sensação de fadiga
muscular inerentes às atividades físicas de alta intensidade e
elevam a produção de ácido lático, podendo chegar a concentrações
elevadas, provocando alguns sintomas como queimação,
endurecimento muscular e danos às fibras dos tecidos.
Segundo Ho (2009), para um cenário da vida real em que
um sujeito se envolve em comportamentos como fugir, brigar ou
resistir à aplicação da lei, ele desenvolverá um grau semelhante de
lactato em seu corpo, independentemente de uma ALEE ser
aplicada a ele ou de permitir-lhe que continue fugindo, lutando ou
resistindo pelo mesmo período de tempo no lugar da aplicação do
choque elétrico. Destacamos a análise de Ho, de forma proposital,
para enfatizar que o estudo se limita ao choque controlado (5s, sem
repetições) e não aborda o aspecto psicológico do sujeito.
A exposição prolongada à descarga elétrica pode
atrapalhar o desenvolvimento do aluno em algum momento do
curso, principalmente naqueles que exigem muito do
cardiopulmonar e da resistência muscular, como ocorre no curso
de Operações Químicas da PMDF, bem como, gerar traumas
psicológicos de difícil reparação que comprometerá o
comportamento desse profissional ante a capacitação na ALEE.

| 362
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos cenários abordados, recomenda-se no âmbito


das corporações na esfera da segurança pública, a edição de
instrumentos normativos para a habilitação na ALEE, destacando
que a sensibilização à descarga elétrica deve: não ultrapassar 1
(um) segundo de exposição; sendo importante não submeter o
mesmo aluno a uma segunda descarga; como é preciso não cravar
os dardos na pele para a sensibilização, optando pela ancoragem
nas vestes do aluno. É de suma importância realizar a atividade com
a presença de uma ambulância e pessoal especializado ou outra
equipe destinada à evacuação de feridos para um pronto-
atendimento; e ainda, é viável não realizar filmagens que
evidenciem a subjugação desnecessária ou vexatória da pessoa
exposta à descarga elétrica; entre outras de interesse de cada
instituição.
As capacitações nas ALEE devem respeitar os programas
previamente desenhados pelos especialistas e explorar no plano
prático todas as capacidades da tecnologia, para isso, o docente
responsável pela atividade deve ser encorajado a uma verdadeira
imersão técnica na temática proposta, tendo como reflexo o
fortalecimento atitudinal e procedimental do aluno. Contudo, esses
resultados não devem vir a qualquer custo colocando em risco
valores pedagógicos básicos do processo de aprendizagem. Aliado
a isso, devemos primar pelo que pode ser considerado como
“respeito ao aluno”, onde, independente de quão desafiador seja o
processo de especialização, o aluno não deve ser submetido a riscos
desnecessários e tem o direito a esclarecimentos técnicos dos
objetivos de cada atividade proposta no processo de capacitação.

363 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Não se fala aqui que o profissional submetido a processos de


capacitações deve estar isento a qualquer tipo de instigação, isso
vai depender do objetivo final de cada treinamento, onde o
instrutor pode levar o aluno do “céu ao inferno” em termos de
dificuldade e estresse, porém, sem esquecer-se do princípio da
dignidade humana. Ao contrário, teremos um fortalecimento da
“pedagogia do sofrimento” (França, 2014b), que segundo
entendimento de França e Gomes (2015), o instrutor faz do corpo
do discente um vetor de exercícios constantes para que se obtenha
o mérito de ser um policial militar nas suas diversas condições e
funções hierárquicas. Na mesma esteira, citando Bertaud (2013),
para a obtenção de um “brevê de virilidade militar”, é necessário
um aprendizado voltado para o sofrimento físico e para as dores
morais.
O objetivo de toda exposição deste artigo está longe de
submeter a arma “X” ou “Y” a um teste de qualidade, tarefa
destinada às comissões específicas, mas sim, apresentar uma
reflexão pessoal e dotada de experiência profissional e qualificada
sobre os modelos de capacitações que temos em nossas instituições
com intuito de provocar discussões técnicas acerca do tema,
podendo produzir futuramente dados estatísticos para análise e
desenvolvimento, afinal, o que não é medido não pode ser
gerenciado.
Destaca-se que esta exposição não teve o objetivo de
estabelecer verdades supremas sobre a capacitação, muito menos
sobrepor determinados procedimentos a outros atualmente
consagrados nas instituições, mas oferecer uma possibilidade
distinta de capacitação quanto ao ALEE.

| 364
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

REFERÊNCIAS

CONDOR. Fichas Técnicas de Produtos. Rio de Janeiro, 2019.

CIVARDI, Giovanni. Drawing the Human Body: An Anatomical


Guide. New York: Sterling, 2001.

FRANÇA, Fábio Gomes; GOMES, Janaína Letícia de Farais. Se não


aguentar corra!: Um estudo sobre a pedagogia do sofrimento
em um curso policial militar. Revista Brasileira de Segurança
Pública. São Paulo, vol. 9, n 2, 142-159, Ago/Set, 2015.

FUNDAÇÃO PRÓ-CORAÇÃO. Relatório de Estudo: Avaliação de


Parâmetros Cardiovasculares com o uso da arma elétrica
incapacitante Spark em voluntários. Rio de Janeiro, 2015.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E


ESTATÍSTICA. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009:
antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes
e adultos no Brasil. Rio de janeiro, 2010.

IEC 60479-2:2019, Effects of Current on Human Beings and


Livestock – Part 2: Special aspects. Geneva, Switzerland, 2019.

HO, Jeffrey D. Serum and Skin Effects of CEW Application.


University of Minnesota Medical School. Minneapolis, USA, 2009.

MEYER, Greg. Conducted Electrical Weapons: A User’s Perspective.


In: KROLL, Mark W.; HO, Jeffrey D. (Ed.). TASER® Conducted
Electrical Weapons: Physiology, Pathology, and Law. New York:
Springer, 2009. Cap. 1, p. 2.

MINITÉRIO DA JUSTIÇA. Portaria Interministerial nº. 4.226, de 31


de dezembro de 2010. Estabelece Diretrizes sobre o Uso da Força
pelos Agentes de Segurança Pública. Disponível

365 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

em https://www.conjur.com.br/dl/integra-portaria-
ministerial.pdf.

POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. Portaria nº. 738, de 28


de fevereiro de 2011. Dispõe sobre o emprego e controle de
armamento de baixa letalidade de lançamento de eletrodos
energizados no âmbito da PMDF e dá outras providências.
Disponível em:
https://intranet.pmdf.df.gov.br/controleLegislacao2/PDF/1764.p
df. Acesso restrito ao conteúdo com login e senha.

SANTOS, Carlos Henrique Moraes. Relatório de Ensaio de


Precisão de disparos de ALEE. XI Curso de Operações
Químicas da PMDF. Brasília, Brasil, 2019.

| 366
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 16
A VITIMIZAÇÃO POLICIAL COM A PRÓPRIA
ARMA DE FOGO

Onivan Elias de Oliveira

“Quando um policial é morto, não é apenas


uma agência que perde um policial, é uma
nação inteira.”

Chris Cosgriff, fundador do Officer Down


Memorial Page.

O presente capítulo tem o escopo de refletir sobre a


vitimização policial no Brasil sendo o policial vítima da própria
arma de fogo. Sendo um trabalho de caráter exploratório,
bibliográfico e documental, utilizou-se com fontes principais
dissertações, trabalhos de conclusão de curso, além de artigos e
pesquisas publicadas por institutos brasileiros e um norte-
americano. O porte/posse de arma de fogo por uma pessoa, seja ela
policial, militar das forças armadas ou cidadão comum, em alguns
cenários trouxe a perda da vida ou lesão ao seu portador. No caso
específico dos policiais militares brasileiros, vários deles tiveram
as armas de fogo que portavam (particular ou institucional),
roubadas ou furtadas além de vitimados pelo próprio instrumento
de defesa. Por fim, constatou-se a necessidade de revisão dos
treinamentos nas academias policiais ou centros de treinamento de
tiro, principalmente no tocante quanto ao portador da arma de fogo

367 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

estiver sendo vítima de um crime violento ou decidir intervir numa


situação criminosa em andamento.

COMPREENDENDO A AMBIÊNCIA

A população em geral pode ter uma sensação que, ao


ingressar mediante concurso público na atividade policial ou ainda
ao adquirir uma arma de fogo, por si, terá o condão de se
transformar em “blindado”, “invencível” ou “imortal”, estando
isento de ser atingido inclusive pela própria arma que porta ou
ainda por armas de lâminas (faca, canivete etc.).
Dois casos recentes ocorridos no Brasil, um no Piauí83 e o
outro no Rio Grande do Norte84 , com o desfecho a morte de um
policial militar e de um suboficial fuzileiro naval que estava na
reserva remunerada (equivalente à aposentadoria para os civis),
respectivamente, instante em que ambos estavam portando arma
de fogo, trouxe a seguinte inquietude para reflexão do fenômeno
de: portar uma arma de fogo é sempre garantia de sobrevivência
(êxito) quando o seu portador é vítima direta de um crime ou
intervém em cenas criminais em andamento?
No caso piauiense a morte ocorreu durante um roubo
contra o policial militar e, no caso potiguar, a vítima fez uma
intervenção numa discussão entre um homem e uma senhora e
acabou sendo morto com a própria arma de fogo (pistola).

83 Disponível em: <https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2020/07/22/policial-


militar-e-morto-durante-assalto-na-zona-norte-de-teresina.ghtml>. Acesso em: 23 jul.
2020.
84 Disponível em: <https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2020/
08/24/video-mostra-morte-de-suboficial-da-marinha-ao-tentar-evitar-briga-na-
grande-natal.ghtml>. Acesso em: 25 ago. 2020.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Descartou-se para o escopo deste artigo os casos em que o portador


de arma de fogo foi vitimado por disparo acidental 85 ou ainda
suicídio86.
Ao contrário do que pode se pensar no imaginário popular
que o Brasil é um país “pacífico” e “tranquilo” de se viver, os dados
estatísticos de quaisquer que sejam as fontes pesquisadas vão
apresentar uma realidade objetiva bastante preocupante. Seguindo
esse caminho, o Atlas da Violência 2020 mostra que os homicídios
praticados com a arma de fogo saltaram de um patamar de 40% nos
idos anos de 1980 para 71,8% em 2018. Ainda mostra o mesmo
documento que, no período compreendido entre 2008 e 2018,
houve uma variação de 15,4% na participação da arma de fogo nos
crimes de homicídio, variando de 35.676 (2008) para 41.179
(2018).
Reforçando os achados do Atlas da Violência 2020,
Waiselfiz (2016) quando publicou o Mapa da Violência, analisando
a participação das armas de fogo nos homicídios, demonstra que,
entre 1980 e 2014, morreram 967.851 pessoas por esta causa no
Brasil, representando 85,8% do total de homicídios.
A lacuna existente, entre outras, nas pesquisas nacionais
realizadas por renomados institutos que cuidam dessa temática e
que se mostra como o escopo geral desta seção, diz respeito ao fato
de as vítimas terem como instrumento da morte (ou lesão corporal)
a sua própria arma. Desse modo, há um vácuo nesse detalhamento
o que, por si, já torna ainda maior o desafio para qualquer
pesquisador interessado pela temática.

85 Disponível em: <http://www.portalcorreio.com.br/noticias/matler.asp?newsId=


146805>. Acesso em: 16 ago. 2010.
86 Disponível em: https://www.clickpb.com.br/Policial/cabo-e-encontrado-morto-
dentro-de-batalhao-da-policia-militar-233815.html. Acesso em: 11 set. 2018.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

O programa Law Enforcement Officers Killed and Assaulted


(LEOKA), do Federal Bureau of Investigation (FBI), dos Estados
Unidos da América (EUA), traz anualmente os dados e perfis dos
policiais municipais, estaduais, tribais, de condados/xerifados
daquele país que foram mortos ou atacados, numa série histórica
iniciada em 1996. Nesse diapasão, entre 2010 e 2019, o LEOKA
mostra que 51187 policiais (exceto das agências federais), tiveram
suas vidas ceifadas. Nesse mesmo período, 20 88 desses policiais
estadunidenses, representando 3,9% do total, foram mortos com a
própria arma, sendo que 19 a arma era uma pistola e em um caso a
arma não foi especificada.
No trabalho de Lima, Sinhoretto e Pietrocolla (2000, p 372),
estudando os crimes de roubo ou latrocínio consumados ou
tentados na cidade de São Paulo ocorridos no ano de 1998, afirmam
que “a parcela da população que possui arma de fogo corre um risco
56% superior de ser vítima fatal numa situação de roubo do que o
restante da população.” Na tabela 1 da pesquisa, Lima, Sinhoretto e
Pietrocolla (2000) mostram a distribuição dos dados por número
de ocorrências e vítimas, dividindo ainda em quantitativos
absolutos e percentuais respectivos, conforme se vê a seguir.

87Disponível em: <https://ucr.fbi.gov/leoka/2019/tables/table-1.xls>. Acesso em: 29


ago. 2020.
88Disponível em: <https://ucr.fbi.gov/leoka/2019/tables/table-20.xls>. Acesso em: 29

ago. 2020.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Tabela 01 – Distribuição das ocorrências de roubos seguidos de morte


(latrocínios) segundo número de crimes e de vítimas envolvidas,
Município de São Paulo, 1998.

Tipo de Crime Crime Vítimas


Nº % Nº %
Absoluto Absoluto
Total 334 10 450 10
0 0
Latrocínios Consumados 138 41, 203 45,
3 1
Consumados com vítimas 26 18, 57 28,
armadas 8 4
Consumados com vítimas 112 81, 144 71,
desarmadas 2 6
Latrocínios Tentados (grupo de 196 58, 247 54,
controle) 7 9
Fonte: Lima, 2000, p. 372.

Reforçando a interpretação dos dados, Lima, Sinhoretto e


Pietrocolla (2000, p 272), dizem que:

Corroborando este risco maior, as vítimas


armadas do grupo de controle (tantativas de
latrocínio) conseguiram evitar apenas 13,8%
de casos, sendo este número 24,2% inferior à
média de armas na população. Isto quer dizer
que as chances de uma pessoa armada evitar
um roubo com sucesso e não sair ferida ou
morta são menores do que ela ser vítima fatal
deste tipo de crime. Notou-se o grande
envolvimento de policiais no grupo de
controle. Do total de vítimas armadas que
conseguiram evitar o roubo e permanecer
ilesas, 57,1% eram policiais. Isto mostra a
importância do treinamento no uso de
arma de fogo (Grifo nosso)

371 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Na pesquisa de vitimização e percepção do risco entre


profissionais do sistema de segurança pública (policiais militares,
civis, federais, rodoviários federais, bombeiros militares e guardas
civis municipais), realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, momento em que 10.323 enviaram as respostas por meio
eletrônico entre 18 de junho e 08 de julho de 2015, destaca-se que
para 38,4% acreditam que correm mais riscos de morrer em
serviço e 29,4% fora de serviço.
Porém, os dados objetivos mostram outra realidade. O 13º
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, também produzido pelo
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, constata que é fora de
serviço o momento em que o policial militar ou civil brasileiro é
mais vitimado.

Gráfico 1 - Policiais Civis e Militares vítimas de CVLI, em serviço e fora


de serviço, Brasil, 2013-2018.

490
415 386 383
369 336 368 343
288 293 301
257
121 93 82 86
79 80

2013 2014 2015 2016 2017 2018

Policiais mortos em serviço


Policiais mortos fora de serviço
Total

Fonte: 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública; Fórum Brasileiro de


Segurança Pública, 2019.

| 372
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Embora o gráfico traga o quantitativo de policiais militares


e civis mortos, deixa uma lacuna no sentido de outras variáveis de
suma importância na busca da melhor compreensão da dinâmica
do fato. Nesse diapasão não se tem, por exemplo, a informação
sobre o porte de arma de fogo por parte do policial vitimado ou se
reagiu ou não contra a investida criminosa. Intencionado em
preencher parte dessa lacuna, recorreu-se a alguns trabalhos
acadêmicos produzidos por policiais militares nessa seara.
Barros (2000) mostra que na Polícia Militar do Estado de
São Paulo (PMESP), no ano de 1999, foram roubadas 530 armas de
fogo dos integrantes da Corporação, sendo elas particulares ou
institucionais. Isso implica dizer que mais de quinhentos policiais
militares, mesmo portando a arma de fogo, não foram capazes de
impedir a investida criminosa, independente de outras
circunstâncias. Continua o citado autor, afirmando que entre 1991
e 1999, o total de 1.503 policiais militares tiveram suas vidas
ceifadas por homicídio/latrocínio, sendo 1.223 (81%) fora de
serviço e 280 (19%) em serviço.
O Instituto Sou da Paz (2016), afirma que 68 policiais
militares ou civis morreram vítimas de homicídio/latrocínio nos
anos de 2013 e 2014 na cidade de São Paulo, em serviço ou fora
dele. De acordo com o estudo:

Um total de 29,8% dos policiais foram mortos


após assaltos, 20,9% morreram em
circunstâncias onde houve indícios de
premeditação, 11,9% foram alvejados
enquanto tentavam impedir crimes contra
terceiros no seu horário de folga, 7,5%
morreram durante o atendimento a
ocorrências, 9% enquanto desempenhavam

373 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

atividades de segurança privada e 3% foram


assassinados pelos próprios familiares. (Grifo
nosso)

Fazendo um detalhamento das circunstâncias que levaram


os policiais paulistas a terem suas vidas ceifadas, o Instituto Sou da
Paz, demonstra no gráfico seguinte essa dinâmica.

Figura 1 – Circunstâncias das mortes de policiais na cidade de São Paulo,


2013-2014.

Fonte: Instituto Sou da Paz, 2016.

A pesquisa mostrou que “A maioria dos policiais mortos foi


alvejada por disparos de armas de fogo, sendo que 47 dos 68
policiais estavam armados no momento da sua morte. Desses,
55,3% tiveram a arma subtraída pelos criminosos.”
(INSTITUTO SOU DA PAZ, 2016, p. 16, grifo nosso)

| 374
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Zachetta (2019), trazendo dados da vitimização na PMESP,


dessa vez, entre 01 de janeiro de 2013 e 27 de janeiro de 2014, ou
seja, um pouco mais de um ano, mostra que ocorreram 89
homicídios ou latrocínios nesse período.
Diniz (2018, p. 37), estudando a vitimização dos policiais
militares de Minas Gerais fora de serviço e em trajes civis,
constatou que no período de 2012 a 2017, morreram em
confrontos armados o total de 37 deles, sendo 22 (60%) quando
estavam fora de serviço e 15 (40%) em serviço. Acrescenta o citado
autor que “Esses números não fazem referência às vítimas por
acidente de trânsito, crimes passionais, ocorrências em razão de
prestação de serviços de segurança privada em horário de folga,
suicídio ou outras causas.”
Continua Diniz (2018), afirmando que, dos que
responderam ao seu questionário, 10% deles disseram que já
foram vítimas de roubo quando estavam fora de serviço e, segundo
o pesquisador

Esse é um número relativamente alto ao se


tratar de um público (policial militar) que em
tese é preparado tecnicamente e
emocionalmente para lidar preventivamente
com esse tipo de crime durante o serviço
operacional. Há, portanto, necessidade de
incentivar o uso de medidas de autoproteção
que sejam suficientes ao policial militar para
evitar ou minimizar a chance de ser vítima de
roubo durante o período de folga e em trajes
civis. (DINIZ, 2018, p. 56).

375 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Prossegue Diniz (2018), dizendo que 52% dos policiais


militares mineiros não portavam arma de fogo quando foram
vítimas de roubo, enquanto 48% estavam devidamente armados.
Nessa amostragem, estar ou não armado, não foi fator
preponderante para evitar o crime.
Fernandes, (2016), pesquisando as mortes dos policiais
militares paulistas em 2013 e 2014, afirma que o quantitativo total
nos dois anos foi de 148, sendo 118 (79,73%) quando estavam fora
de serviço e 30 (20,27%), durante o serviço e todos masculinos.
Nesse contexto, o mencionado autor diz que 82% dos que
morreram fora de serviço estavam armados, 7,63% não estavam e
10,17% essa informação não foi conseguida.
Duarte (2019), por sua vez, investigando os policiais
militares da paraenses mortos fora de serviço, entre 2011 e 2018,
constatou o total de 310, no período mencionado. Desse universo,
233 (75%) foram mortos quando estavam fora de serviço e 77
(25%) em serviço. Prossegue a autora, afirmando que, dos
vitimados na folga, 60,47% (78) foram em virtude de latrocínio
(três desses ocorreram no Estado do Maranhão) e 39,53% (51) por
homicídio. (DUARTE, 2019, p. 42).
Continua a autora afirmando que nesse mesmo período,
721 armas institucionais foram extraviadas e, dessas, 421 foram
roubadas ou furtadas. Insiste Duarte (2019, p. 47), dizendo que

O direito de andar com a arma da corporação


da folga, pode ter produzido efeitos negativos,
pois anteriormente ao recebimento do kit, o
policial militar não recebeu nenhum
preparo para agir de forma diversa ao
período em que se encontra de serviço,
para o qual sempre foi treinado. (Grifo nosso)

| 376
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Destaca Duarte (2019, p. 47), que “A partir do momento em


que a instituição passou a conceder o kit segurança aos policiais
militares, no primeiro momento na Região Metropolitana e em
seguida no interior do estado, verificou-se um aumento no número
de latrocínios.”
Corroborando com a análise das possíveis causas de
latrocínio entre os policiais militares paraenses vitimados fora de
serviço, Rocha (2018 apud DUARTE, 34), afirma que:

Pode ter sido determinado pela distribuição


do “Kit segurança” (PMPA, 2013) a todos os
integrantes da PMPA sem que os policiais
militares fossem devidamente preparados
para ter a posse ininterrupta do armamento.
Tal fato ocasionou uma situação inusitada: o
policial temendo ter seu armamento furtado
do interior de sua residência passou a
carregá-lo consigo para todos os lugares na
sua folga, mesmo não tendo, na maioria das
vezes, o preparo técnico e o equipamento
específico (coldre) para portá-lo em trajes
civis. Em razão disso, sem o treinamento
adequado e com uma arma pouco
“dissimulada”, acabou por tornar-se uma
“vítima preferencial” para os marginais.

Nessa esteira, Ferreira e Cabelho (2019, p.15), de modo


similar ao autores anteriormente citados, quando estudaram a
vitimização dos integrantes da Polícia Militar do Mato Groso
durante o período de folga no período de 2014-2018, afirma que
“55,5% ou 394 policiais militares relataram que têm dúvidas se
estão preparados ou não” para atuarem em situações de crimes
estando fora de serviço e com roupas civis. Prosseguem os autores

377 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

mostrando que 86,6% dos policiais militares mato-grossenses


pesquisados, não receberam treinamentos teóricos e práticos
relacionados aos aspectos da atuação policial à paisana, tais como:
técnicas de portabilidade e de saque velado da arma de fogo, o
desenvolvimento e o aperfeiçoamento do estado de alerta e de uma
mente combativa, dentre outros. (FERREIRA e CABELHO, 2019, p.
37). Ainda reforçando esse sentimento de despreparo para atuar à
paisana, 11,7% (83) desses policiais militares afirmaram que “não
se sentem preparados para atuar à paisana.” (FERREIRA e
CABELHO, 2019, p. 17).
Ferreira e Cabelho (2019, p. 20), são incisivos ao
analisarem o quão é preocupante a percepção dos policiais
militares quanto a utilização da própria arma de fogo para a
sobrevivência, principalmente estando fora de serviço, dizendo que
“a atual metodologia de treinamento de tiro policial não
proporciona ao policial a segurança necessária para que ele tenha
a convicção de agir quando vítima do crime e da violência durante
o período de folga.”
Por sua vez, destacam Oliveira, Filho e Neto (2020) ao
analisarem 829 reportagens sobre policiais brasileiros (militares,
civis, federais, rodoviários federais ou penais) vítimas de crimes
com características iniciais de roubo no período de 2017 a 2019,
estando fora de serviço, que, dos 730 que decidiram reagir usando
a arma de fogo, 435 (59%) saíram ilesos, 158 (22%) saíram feridos
e 137 (19%) findaram mortos. Esses dados mostram que, na
amostragem e anos pesquisados, os policiais tiveram grande
vantagem sobre os criminosos, porém, há de se considerar
impactante o fato de 19% deles terminarem mortos mesmo
estando armados e, em alguns cenários, com a sua própria arma de
fogo.

| 378
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se apresenta necessário destacar que, principalmente no


Brasil, existe um desafio para pesquisadores, gestores e para os
próprios professores policiais de terem dados mais confiáveis e
robustos no sentido de mensurar a performance quanto ao
emprego da arma de fogo (própria ou institucional) por parte dos
seus possuidores, sejam eles policiais, militares ou população em
geral. Esse fato é explicável considerando que, por exemplo, em
vários cenários em que ela foi exibida (não necessariamente
empregada com o disparo de munição) não acontece o devido
registro nos órgãos policiais e, portanto, não gera um dado
mensurável. O fato constatável é que vários possuidores e
portadores de arma de fogo, foram mortos ou lesionados com o
objeto que adquiriram para a autoproteção em casos de serem
vítimas ou presenciarem outrem sendo vítimas de crimes violentos.
Por fim, alinhavando com o que afirma Mello (2015, p. 12)
estudando a vitimização dos policiais militares paraenses, quando
diz que “a maioria das técnicas, procedimentos e comportamentos
aprendidos nos cursos de formação e especialização não se aplicam
a esta situação [o policial estando fora de serviço e vítima de crime
violento],” e que “todo treinamento aprendido tem pouca
aplicabilidade no cenário onde ele será morto ou ferido;” se mostra
necessário urgentemente, as polícias brasileiras, bem como
empresas privadas que ministram curso de tiro, entre outras
medidas, reavaliarem os métodos de treinamento para quando os
seus integrantes estejam em trajes civis, fora de serviço (para os
policiais), empregando a arma de fogo e sendo vítimas de crimes
violentos, com destaque para o roubo, sob pena de continuar-se

379 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

tendo perdas irreparáveis para a família, para a sociedade e para a


corporação.

REFERÊNCIAS

BARROS, Ricardo Fernandes de. Treinamento para uso de arma


de defesa por policial em trajes civis – inserção curricular.
Monografia do CAO-I/00. São Paulo, 2000.

CERQUEIRA, D.; LIMA, R. S. D.; BUENO, S.; et al. Atlas da violência


2020. Rio de Janeiro: Ipea; Iser, 2017.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário


Brasileiro de Segurança Pública. 13. ed. São Paulo: Seepix D’lippi,
2019.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA; FUNDAÇÃO


GETÚLIO VARGAS; MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Pesquisa de
vitimização e percepção de risco entre os profissionais do
sistema de segurança pública. São Paulo, 2015.
DINIZ, Gustavo Henrique Pereira. Medidas de Autoproteção Face
à Vitimização dos Policiais Militares de Minas Gerais, de Folga
e em Trajes Civis. 2018. Monografia (Curso de Especialização em
Segurança Pública), Academia de Polícia Militar de Minas Gerais,
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2018.
DUARTE, Erika Natalie Pereira Miralha. O Risco Não Cessa
Quando o Turno Termina: Um Estudo Sobre a Morte de Policiais
Militares Fora do Serviço. 2019. 109f. Dissertação (Programa de
Pós-Graduação em Segurança Pública), PPGSP, Belém, Pará, Brasil,
2019.

| 380
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

FERNANDES, Alan. Vitimização policial: análise das mortes


violentas sofridas por integrantes da Polícia Militar do Estado de
São Paulo (2013-2014). Rev. Bras. Segur. Pública | São Paulo v. 10,
n. 2, 192-219, Ago/Set 2016.
FERREIRA, Rodrigo Varela; CABELHO, Victor Hugo. Vitimização
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polícia militar do estado de Mato Grosso durante o período de
folga. 2019. 53 f. Monografia (Especialização em Gestão de
Segurança Pública) – Academia de Polícia Militar Costa Verde.
Várzea Grande: 2019.
INSTITUTO SOU DA PAZ. Linha de Frente: Vitimização e
Letalidade Policial na Cidade de São Paulo. São Paulo: Instituto Sou
da Paz, 2016.
LIMA, Renato Sérgio de: SINHORETTO, PIETRCOLLA, Luci Gati.
“Também Morre Quem Atira”. Risco de uma pessoa que possui
arma de fogo ser vítima de um roubo. Revista Brasileira de Ciências
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MELLO, Cesar M. A. “Mesmo com o sacrifício da própria vida”: A
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75 p. Dissertação (Mestrado em Segurança Pública) - Programa de
Pós-Graduação em Segurança Pública - PPGSP, Universidade
Federal do Pará, 2015.

OLIVEIRA, Onivan Elias de; FILHO, Álvaro Cavalcante Filho, NETO,


Valdomiro Bandeira de Sousa. “É um Assalto!” E se Eu Reagir? Um
guia de sobrevivência. João Pessoa: Idéia, 2020.

WAISELFIZ JJ. Mapa da violência 2016: homicídios de armas de


fogo no Brasil. Rio de Janeiro: FLACSO, 2016.

381 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

ZANCHETTA, M. O estudo do erro na vitimização do policial


militar. 2011. 107 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Policiais
de Segurança e Ordem Pública) – Centro de Altos Estudos de
Segurança da Polícia Militar do Estado de São Paulo, 2011.

| 382
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 17
PROCESSO DECISÓRIO EM OPERAÇÕES DE
RECUPERAÇÃO DE REFÉNS: DA NEGOCIAÇÃO
REAL AO USO DAS ALTERNATIVAS TÁTICAS
LETAIS COMO SOLUÇÃO

Paulo Augusto Aguilar

O presente capítulo busca apresentar o processo decisório


de uso das alternativas táticas, desde a escolha pela negociação
real, libertando o refém por meio da persuasão do causador, até o
uso de alternativas letais, fazendo-se uma leitura segundo o direito
penal constitucional, de acordo com a alteração trazida pela lei n.º
13.964, de 24 de dezembro de 2019, a qual acrescentou o parágrafo
único ao artigo 25 do Código Penal, nos seguintes termos: “[...]
considera-se também em legítima defesa o agente de segurança
pública que repele agressão ou risco de agressão à vítima mantida
refém durante a prática de crimes”.
A International Association of Chiefs of Police (IACP) edita
orientações e diretivas para os respondedores sobre diversos
temas de incidentes, e, dentre elas, consta o “Modelo de Política
para Situações com Reféns”. A definição de refém segundo tal
modelo é a seguinte:

Refém: uma pessoa detida contra sua vontade


por um suspeito armado, potencialmente
armado ou de outra forma ameaçadora, que
demonstrou por ação, palavra ou vontade

383 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

expressa de prejudicar uma pessoa para


obrigá-la a agir ou deixar de agir de uma
maneira em particular, ou para gratificação
pessoal (INTERNATIONAL ASSOCIATION OF
CHIEFS OF POLICE, 2007, p. 1, tradução
nossa).

Cumpre observar que a definição acima se contenta com o


cárcere privado com ameaça, e, por consequência, abrange a grave
ameaça, a violência, a progressão criminosa para o homicídio, ou
mesmo o homicídio em curso. Formalmente, para se definir a
competência do órgão especializado responsável pelo
gerenciamento do incidente, notadamente grupos de resgate de
reféns, essa definição minimalista é acertada, sendo recomendada
a sua adoção.
Entretanto, para fins de se gerenciar de forma mais
aprofundada o incidente e traçar os objetivos smart 89 e as
estratégias, necessário se faz expandir a compreensão da ação
criminosa, por meio da obtenção de significativa consciência
situacional, à medida que o primeiro interventor, os negociadores
ou os oficiais de inteligência percebem e identificam relevantes
circunstâncias do incidente.
É fundamental que o comandante do incidente identifique
o mais rápido possível se o evento crítico se trata de uma
ocorrência com reféns, crime contra a liberdade, ou com pseudo-
reféns, homicídio em curso, crime contra a vida. Isso tem um
motivo: o risco de lesão ou morte é maior em incidentes com
pseudo-reféns (homicídio em curso) do que em incidentes com
reféns (cárcere privado), circunstâncias essas que influenciam a

89 Específico, Mensurável, Ação Orientada, Realista e Temporável.

| 384
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

gestão e a tolerância dos riscos percebidos pelo comandante do


incidente, impactando, por conseguinte, em sua tomada de decisão,
podendo repercutir em mudanças dos objetivos e das estratégias,
com possível incapacitação do causador do evento crítico.
O agente especial Gary Noesner (1999, p. 7, tradução nossa,
grifo nosso), chefe da Unidade de Negociação de Crise do Grupo de
Resposta a Incidentes Críticos do Federal Bureau Investigation
(FBI), assim explica, com propriedade, em seu artigo Negotiation
Concepts for Commanders, publicado no FBI Law Enforcement
Bulletin, em 1999, e republicado na revista Crisis Negotiator, em
2003, da National Tactical Officers Association (NTOA):

O FBI caracteriza todos os eventos críticos –


independentemente do motivo, da saúde
mental ou do histórico criminal do sujeito –
como situações de reféns ou não reféns2.
Compreender a diferença entre os dois
permanece primordial para resolver
pacificamente tais incidentes, e isso
representa a maior parte do treinamento do
FBI para comandantes.

Exatamente sobre essa diferenciação, entre refém e


pseudo-refém, os renomados doutores, psicólogos e experientes
negociadores policiais Wayman Mullins e Michael McMains (2003)
esclarecem que não é tão simples como parece, porque, de modo
geral, o que você vê não é sempre o que você compreende em
situações de crise.
Essa dificuldade em diferenciar as duas situações ocorre
pela precariedade de informações existentes nos momentos iniciais
de caos de uma ocorrência, em que um causador se apodera de uma
pessoa, seja com o objetivo de restringir a sua liberdade (cárcere

385 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

privado – refém), seja com o intuito de matar (homicídio em curso


– pseudo-refém). Ambas as situações se apresentam aos olhos dos
primeiros respondedores como cárcere privado, não como um
homicídio em curso.
Além disso, o processo decisório de uso da força e gestão
de risco parte da premissa da menor ingerência possível, ou seja,
do emprego dos meios menos gravosos possíveis, devendo ser
norteado pelo princípio da proporcionalidade.
O uso da força vincula-se ao direito, sendo necessário o
emprego de moderação; já a gestão de risco relaciona-se à ideia de
que, sempre que houver uma intervenção do estado em um
ambiente para salvar um refém, existirá a assunção de certo grau
de risco intrínseco à operação, o qual deverá ser considerado pelo
comandante do incidente, uma vez que estão presentes elementos
que são alheios à vontade dos policiais, do comandante e das
ciências policiais.
À medida que os relatórios do primeiro interventor, do
negociador ou do oficial de inteligência são atualizados, pode-se
concluir que se está diante de situações de maior gravidade do que
um cárcere, uma vez que tais documentos trazem à baila
circunstâncias cujas características são de eventos com pseudo-
refém, ou seja, o causador possui dolo dirigido para matar, animus
necandi, estando-se diante de um homicídio em curso.
Cabe observar que a violência em um incidente com
pseudo-refém (homicídio em curso) pode escalonar muito
rapidamente, chegando-se à consumação em instantes. Portanto, é
vital que os negociadores tenham essa percepção o mais rápido
possível e distribuam essa imagem operacional comum,
obrigatoriamente inventariada em relatórios oficiais, os quais

| 386
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

servirão como provas 90 ao comandante do incidente, pois a


abordagem do incidente será diferente, sobretudo na percepção do
risco causado pelo criminoso, fundamental nas opções de processo
decisório, optando-se pela letalidade ou não, com base nas táticas
de negociação e de letalidade91.
São raros os incidentes em que, prima facie, é possível
afirmar serem homicídios em curso, até porque a timeline desse
tipo de delito é muito curta, geralmente ocorrendo a consumação
antes da chegada do primeiro interventor, quando uma pessoa
possui a intenção de matar a outra, a situação se agrava nos casos
de feminicídio.
Segundo Noesner (1999), nas ocorrências com reféns
(cárcere privado), os criminosos detêm outra pessoa ou pessoas
com o propósito de forçar terceiros ou a polícia ao cumprimento de
suas demandas substantivas (racionais). Em regra, fazem ameaças
como forma de alavancar a barganha, para que os seus pedidos
sejam realizados. Como exemplo, é possível citar o roubo frustrado,
em que o criminoso toma uma pessoa qualquer como refém, sem
conhecê-la, a fim de garantir a sua fuga. Embora exista a grave
ameaça, o principal objetivo do criminoso não é prejudicar o refém,
até porque ele percebe que somente pela manutenção da vida do
refém poderá alcançar os seus objetivos.
As ocorrências com pseudo-reféns (homicídio em curso)
diferenciam-se das ocorrências com reféns, porque os causadores
agem de forma emocional, sem sentido, e, muitas vezes,
apresentam comportamento autodestrutivo. São pessoas que não

90O termo “provas” é utilizado neste texto como sinônimo de elementos de informação.
91Neste capítulo, na expressão “Táticas de Letalidade”, inclui-se o uso das táticas de tiro
de precisão e das táticas de entradas, com o objetivo de se buscar a incapacitação do
causador.

387 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

conseguem lidar com fatores estressores da vida, como raiva, fúria,


frustração, dor, confusão ou depressão. Não demonstram objetivos
claros de suas intenções, apresentam comportamento indeciso e
autodestrutivo, bem como não possuem demandas racionais ou
substantivas, como desejo de fuga, tendo, por vezes, demandas
irreais.
Como exemplo, o sequestro havido na Ponte Rio-Niteroi,
em 20/08/19, quando um homem armado, em surto mental,
apoderou-se de um ônibus fazendo reféns, chegando a exigir 30 mil
reais e a declarar que aquele evento entraria para a história,
segundo relatos de testemunhas.
Em geral, esses causadores são amantes rejeitados,
indivíduos prejudicados, funcionários descontentes ou demitidos,
fanáticos idealistas, perturbados mentais que se sentem
prejudicados. E todo esse desagrado se manifesta em surtos de
estresse agudo, afetando a sua capacidade racional. Eles desejam
descarregar a sua raiva, perturbação e frustração em suas vítimas,
por meio de ações que levem a polícia a intervir92.
Vale notar que as ciências policiais instrumentalizam o
direito, e, logo, a vida em sociedade, de maneira que, tanto nos
crimes de cárcere privado como nos de homicídio em curso, tanto
os reféns como os pseudo-reféns são considerados vítimas segundo
o direito. Ou seja, são sujeitos passivos, titulares dos bens jurídicos
protegidos pela lei penal violada pelo causador, por meio de sua
conduta criminosa. Portanto, descabido se mostra utilizar a palavra
“vítima”, exclusivamente, como sinônimo ou para se referir ao
termo “pseudo-refém”.

92Suicide by cop: homicídio precipitado pela vítima, em que ela realiza uma ação
ameaçadora contra o refém, forçando a polícia a agir.

| 388
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

É importante considerar que a conduta criminosa do


causador no cárcere privado com uso da grave ameaça, geralmente
com emprego de arma de fogo ou arma branca, pode evoluir em
gravidade, caso ele pratique atos de violência física contra o refém,
mas o dolo do causador ainda é direcionado para a privação da
liberdade do refém como forma de barganha.
Contudo, a grave ameaça por meio de arma de fogo ou arma
branca consubstancia-se em injusta agressão atual e idônea a
causar letalidade, desafiando ser repelida por meio de legítima
defesa, em especial a realizada por terceiros, no caso, o atirador
policial de precisão ou o operador do grupo tático93, dependendo
da autorização do comandante do incidente, o qual concentra a
melhor consciência situacional do evento, e, portanto, a possuidor
da melhor razão de decidir. Observa-se que a simples presença de
grave ameaça não é suficiente para iniciar uma operação de
letalidade, uma vez que existem outros riscos presentes e
intrínsecos à operação, devendo-se utilizar o filtro do princípio da
proporcionalidade.
Por esse motivo, o comandante do incidente, na posição de
garantidor, podendo, deverá evitar dois resultados: a exposição
continuada ao risco decorrente da violência ou da grave ameaça, e,
no caso de progressão criminosa para o homicídio em curso, a
morte da vítima.
Por outro lado, a conduta do causador em incidentes com
pseudo-refens é uma situação mais grave, pois, nos momentos
iniciais, oculta as suas reais intenções, já que ele possui dolo
dirigido à prática do homicídio, animus necandi, mas ainda não o

93
A opção pela incapacitação deve ser norteada pelo princípio da
proporcionalidade.

389 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

praticou por algum motivo. Trata-se de circunstâncias e atos


preparatórios que serão revelados durante a ocorrência, na fase de
negociações, sendo, muitas vezes, percebidos sutilmente somente
pelos mais perspicazes negociadores, afinal, justamente por isso,
pode-se asseverar que o negociador erra em suas percepções e
palavras tanto quanto o sniper erra em seu tiro.
Observa-se, porém, que, mesmo enquanto não percebida
pelos negociadores, a vontade inequívoca do causador em praticar
o homicídio, a grave ameaça por meio de arma de fogo ou arma
branca, é atual e injusta. Logo, desafiando ser repelida por meio
letal, inclusive, repisa-se, não ser suficiente para iniciar uma
operação de letalidade, já que existem também outros riscos
presentes e intrínsecos à operação, devendo ser aplicado o
princípio da proporcionalidade.
Os negociadores devem estar atentos às circunstâncias
objetivas que configuram o animus necandi, o dolo de matar. Com
extrema clareza de raciocínio e de detalhes, são válidas as
explicações de César Danilo Ribeiro de Novais (2011), Promotor de
Justiça, citando Nelson Hungria:

Questão tormentosa no processo criminal,


cujo objeto é o crime de homicídio, na sua
forma tentada ou consumada, é a
demonstração da vontade assassina, já que, ao
tempo do crime, era ela albergada pelo
claustro psíquico do agente. Avulta, então,
esta importante indagação: como constatar o
dolo de matar? Responde Nelson Hungria:
“trata-se de um factum internum, e desde que
não é possível pesquisá-lo no ‘foro íntimo’ do
agente, tem-se de inferi-lo dos elementos e
circunstâncias do fato externo. O sentido da
ação (ou omissão) é, na grande maioria dos

| 390
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

casos, inequívoco. Quando o evento morte


está em íntima conexão com os meios
empregados, de modo que ao espírito do
agente não podia deixar de apresentar-se
como resultado necessário, ou ordinário, da
ação criminosa, seria inútil, como diz
Impallomeni, alegar-se que não houve animus
occidendi: o fato atestará sempre,
inflexivelmente, que o acusado, a não ser que
se trate de um louco, agiu sabendo que o
evento letal seria a conseqüência da sua ação
e, portanto, quis matar. É sobre pressuposto
de fato, em qualquer caso, que há de assentar
o processo lógico pelo qual se deduz o dolo
distintivo do homicídio” (HUNGRIA,
Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. V.
Rio de Janeiro: Forense, 1958).

Novais (2011) continua o seu raciocínio, destacando o


pensamento de Olavo Oliveira:

Resposta semelhante é apresentada por Olavo


Oliveira: “a vontade de matar, fenômeno
interno, deve ser evidenciado pelos atos
externos que o corporificam: a maneira da
execução do fato, os motivos do crime, os
instrumentos empregados, o número e a
direção dos golpes vibrados, a distância entre
o ofensor e a vítima, as relações existentes
entre os dois, a importância das lesões
causadas, a vida pregressa do réu, o seu
posterior procedimento e a diagnose da sua
personalidade” (OLIVEIRA, Olavo. O Delito de
Matar. São Paulo: Saraiva, 1962).

391 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

E, então, conclui:

Não é difícil compreender, assim, que a


definição do elemento subjetivo do crime
depende dos fatores objetivos que gravitam
ao redor do evento delituoso, ou seja, torna-se
imperiosa a análise do revolvimento fático-
probatório residente nos autos. Isso significa
dizer que os fatos antecedentes (ex.:
animosidade entre réu e vítima, ameaça etc.),
concomitantes (ex.: arma utilizada, número
de ações, área corpórea visada etc.) e
supervenientes (ex.: fuga do local, omissão de
socorro, ameaça etc.) ao crime devem ser bem
examinados, tendo por parâmetro as provas
pericial, testemunhal, indiciária et al.
(NOVAIS, 2011).

Convém notar que, assim como o promotor de justiça e o


juiz buscam elementos de convicção do dolo de matar no Tribunal
do Júri, a fim de condenar ou absolver o réu; o negociador e o
comandante do incidente buscam os mesmos elementos de
convicção de animus necandi, porém o fazem no calor dos fatos, em
tempo real, a fim de salvar o refém. Por isso andou bem o legislador
ao promover a alteração do parágrafo único do artigo 25 do Código
Penal.
Os negociadores são elementos internos de inteligência
que percebem o animus necandi, internamente na ocorrência, por
meio da análise comportamental do causador, expressada em
gestos, falas, posturas, declarações, expressões etc. Já os oficiais de
inteligência são elementos externos de inteligência, que
enriquecem o processo decisório do comandante do incidente, por
meio de dados pesquisados externos à cena, como vida pregressa,
motivação do crime, comportamentos violentos anteriores

| 392
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

apresentados, existência de medidas de afastamento da Lei Maria


da Penha, relações anteriores com a vítima, manuseio de armas,
treinamento militar etc.
Além das circunstâncias percebidas sobre o evento, é
imperioso que os negociadores e os comandantes de incidente
identifiquem e entendam o momento do surgimento dos atos
preparatórios mais próximos da consumação, a fim de que sejam
estabelecidos alertas quanto à mudança ou à confirmação de
suspeitas a respeito do dolo inequívoco de matar, conforme muito
bem explicado por Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 1.162, grifo
do autor):

A doutrina andou insistentemente em busca


de regras gerais que distinguissem atos
preparatórios e executórios com alguma
precisão. Vários foram os critérios propostos
para a diferenciação. Alguns autores
consideraram os atos remotos ou distantes
como meramente preparatórios, uma vez que
não seriam perigosos em si, enquanto os atos
mais próximos seriam executórios, pois
colocariam em risco o bem jurídico. Os
distantes seriam equívocos e os próximos
(executórios) seriam inequívocos. E, à medida
que os atos distantes se aproximam do
momento executório, vão perdendo o seu
caráter equívoco e tornando-se, cada vez
mais, expressão inequívoca de uma vontade
criminosa dirigida a um fim determinado,
merecedora da atenção da justiça penal.

Para as ciências policiais, parafraseando o grande mestre,


na parte in fine, vontade criminosa dirigida a um fim determinado,
merecedora da atenção da polícia.

393 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Nesse sentido, acertou Rogério Sanches Cunha (2015, p.


335, grifo do autor) em citar a teoria objetivo-individual de
Zaffaroni e, na sequência, a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), merecendo a transcrição:

Teoria objetivo-individual
Preconizada por Eugenio Raúl Zaffaroni,
entende como atos executórios aqueles que,
de acordo com o plano do agente, realizam-se
no período imediatamente anterior ao
começo da execução típica. Trata-se de um
ajuste buscando complementar o critério
objetivo-formal. “De acordo com este critério,
para estabelecer a diferença leva-se em conta
o plano concreto do autor (daí a razão do
‘individual’), não se podendo distinguir entre
ato executório e preparatório sem a
consideração do plano concreto do autor, o
que nos parece mais acertado”. O fato de JOÃO
escalar o muro é ato anterior à subtração,
porém inequívoco na demonstração da sua
intenção criminosa, autorizando, a partir
desse instante, a sua punição. Esta é a teoria
adotada pela doutrina moderna, reconhecida,
inclusive, pelo STJ: “FURTO QUALIFICADO
PELO CONCURSO DE AGENTES.
Uso de barra de ferro para ingresso em
residência de terceiro com ‘animus furandi’.
Não consumação do ingresso por
interferência de terceiros. Atos que se
caracterizam como início de execução.
Recurso conhecido e provido”. Note-se que,
no exemplo decidido pelo tribunal, a adoção
da teoria objetivo-formal conduziria à
atipicidade da conduta, uma vez que, embora
o ingresso no domicílio alheio tivesse por
intenção o furto, o núcleo do tipo penal ainda
não havia sido praticado (restaria a

| 394
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

possibilidade de punir o agente somente pelo


crime de invasão de domicílio - art. 150, CP).

Essa teoria objetivo-individual é importantíssima para a


atividade de recuperação de reféns, pois amplia a timeline para
autorizar uma intervenção de incapacitação, uma vez que leva em
consideração o plano concreto do autor, abarcando circunstâncias
e atos anteriores ao verbo núcleo do tipo, mas que já se
caracterizam como início de execução. Esse tempo anterior para se
agir, antes que o autor se aproxime da consumação, é
extremamente relevante, possibilitando o surgimento da window of
opportunity (janela de oportunidade), o momento de ouro, ou seja,
o melhor momento para se iniciar a intervenção, levando-se em
consideração a autorização do comandante do incidente, a
segurança para o refém e o sucesso da operação.
É conveniente ressaltar que essas teorias que buscam
diferenciar os atos executórios dos preparatórios o fazem porque
somente são punidos os atos executórios, não importando para
efeitos de punição do causador os atos preparatórios.
De outra forma, a teoria objetivo-formal adotada pelo
Código Penal e majoritária na doutrina, considera como ato
executório aquele idôneo a realizar o verbo núcleo do tipo.
Para a maioria dos delitos, no sentido de precisar o início
da conduta do criminoso, essa teoria é muito bem-vinda. Contudo,
ocorre que não se pode assim entender quando utilizada para aferir
o conceito jurídico indeterminado da “iminência” na legítima
defesa, sobretudo quando se trata de um homicídio em curso, que
exige percepções de circunstâncias e de condutas antecedentes, na
cenários caóticos do incidente, as quais se afiguram como peças de
um quebra-cabeça, a fim de se estabelecer o plano concreto do

395 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

autor, interferindo, portanto, diretamente no processo decisório


para que a defesa da vida do refém seja efetiva.
Veja-se, a esse respeito, a lição de Juarez Cirino dos Santos,
bem lembrada por Rogério Greco (2017, p. 361, grifo nosso):

A teoria objetiva formal indica a ação do tipo


como elemento do início da execução. A
tentativa se caracteriza pelo início da
execução da ação do tipo: ações anteriores são
preparatórias; ações posteriores são
executivas. Como a ação do tipo é o objeto do
dolo, o início de execução da ação do tipo é o
início de realização do dolo. Assim, no
homicídio com arma de fogo, a ação de
matar começa no acionamento do gatilho
da arma carregada apontada para a
vítima; no furto com destreza, a ação de
furtar começa da remoção da coisa do bolso
da vítima.

Nesse diapasão, Juan Ferré Olivé et al. (2011, p. 402)


sustentam que:

O caráter atual ou iminente da agressão exige


que se determine o momento no qual dita
agressão começa e termina, para os fins de
legítima defesa. Quanto ao momento do
começo, uma parte da doutrina exige a
realização do delito em grau de tentativa.
Entretanto, esta posição exclui determinadas
condutas, como alguns atos preparatórios que
evidenciam uma tentativa iminente, ou as
hipóteses de não serem consideradas como
parte de uma autêntica agressão, dificultar-
se-ia enormemente as possibilidades de
defesa (conforme Roxin). Por este motivo,
deve-se incorporar a fase final dos atos

| 396
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

preparatórios, mas não os momentos


anteriores, nem a tentativa inidônea.

A teoria objetivo-formal, adotada pelo Código Penal e


majoritária na doutrina, a qual exige a realização do verbo núcleo
do tipo, pode ser utilizada com o viés garantista, a fim de evitar a
punição do agente, sem problemas, mas, de longe pode ser utilizada
para ditar o momento da agressão iminente, com o objetivo de
salvar a vida dos reféns no âmbito das ciências policiais.
Portanto, afigura-se descabido e teratológico o pensamento
doutrinário ou jurisprudencial que exige grau de tentativa, ou que
exige o acionamento do gatilho, para a configuração da iminência
da agressão, porque dificulta o salvamento dos reféns, ou mesmo a
autodefesa.
Para este autor, que vivencia a área de resgate de reféns
como comandante de grupo tático e como oficial de polícia
judiciária militar, a régua para se aferir a iminência do animus
necandi, em ocorrência com reféns ou pseudo-reféns, deve ser, pelo
menos, a teoria objetivo-individual de Zaffaroni. Diagnosticado o
altíssimo risco, com o primeiro ato inequívoco dirigido à prática do
homicídio, segundo essa teoria, o comandante do incidente,
podendo, deve agir, não somente porque tem a capacidade de
sucesso, mas porque a ação é objetivamente necessária para salvar
o refém, sob pena de enveredar-se no risco insuportável.
Para as ciências policiais, os atos preparatórios, distantes
do momento executório, à medida que são impulsionados pelo
causador e aproximam-se de atos executórios, tornam-se
inequívocos quanto ao seu dolo desejado, instante em que ganham
extrema relevância, pois delimitam graus diferentes de riscos de
exposição para os reféns: alto, altíssimo e insuportável.

397 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A lei n.º 13.964/2019, que acrescentou o parágrafo único


ao artigo 25 do Código Penal, contemplou justamente essa
graduação de risco, quando considera em legítima defesa o agente
de segurança pública que “repele agressão ou risco de agressão à
vítima mantida refém durante a prática de crimes”.
Essa gradação de risco deve nortear a tomada de decisão
quanto ao uso de força das alternativas táticas em campo, sendo
imprescindível utilizar como supedâneo e modulação o filtro do
princípio da proporcionalidade: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito.
Na prática, a consequência dessa graduação de risco
determinará a tomada de decisão do comandante do incidente,
escolhendo se manterá a tática de negociação ou se optará pelas
táticas de letalidade, uma vez considerado o escalonamento do
risco.

Figura 1 - Exemplo de matriz de graus de risco.

Fonte: o Autor.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Ocorrências com reféns ou pseudo-reféns, quando


simplesmente presente a grave ameaça ou a violência, são
consideradas de alto risco, e, portanto, pelo menos, uma ação de
incapacitação deve ser considerada 94 no processo decisório do
comandante do incidente.
Nos casos de refém com progressão criminosa para
homicídio, ou de pseudo-refém, constatados os primeiros atos
preparatórios, que se tornam inequívocos da vontade de matar,
ingressa-se no altíssimo risco. Nesse caso, persistindo um processo
de negociação que não progrida, ou que se apresente como
meramente protelatório, no sentido da não libertação dos reféns,
uma operação de recuperação de reféns passa a ser necessária para
salvá-los.
O risco insuportável surge com o início da execução da
conduta núcleo do tipo, no caso, o verbo matar. Aguardar a
realização da conduta de matar, ou de atos imediatamente
anteriores, para então se autorizar uma intervenção, e, após isso,
esperar o surgimento de uma janela de oportunidade, é correr
riscos insuportáveis para salvar o refém e para o sucesso da
operação. Nessas situações, além do perigo atual, o dano é
iminente.
Em situações como essas, de risco insuportável, não há
quase nada a se fazer taticamente com segurança, pois não existe
tempo para surgir uma janela de oportunidade, haja vista a
iminência do dano. Nesse sentido, a alteração trazida pelo
parágrafo único ao artigo 25 do Código Penal vem para positivar
entendimentos doutrinários, como a teoria objetivo-individual de

94 Intenção do comandante.

399 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Zaffaroni, e jurisprudenciais, como o do Superior Tribunal de


Justiça, os quais já eram aplicados.
Alguns juristas dizem que tal inovação já era amparada
pela doutrina e pela jurisprudência, o que é verdade. Ocorre que o
comandante do incidente, autor intelectual da ordem de letalidade,
e o policial sniper, ou o operador de equipe tática, autores materiais
da letalidade, não dependerão apenas dos entendimentos
doutrinários e jurisprudenciais, mas contarão, agora, em seu favor,
com a positivação legal no ordenamento jurídico pátrio de uma
causa de excludente de ilicitude específica para operações com
reféns.
De forma mais minuciosa, a mudança refere-se à diferença
entre atos preparatórios e executórios frente ao risco de agressão,
o que impacta diretamente no reconhecimento do exato momento
em que o agente está autorizado a defender outrem, diante do mero
risco de agressão grave ou letal, porque sabe que está agindo
acobertado pelo instituto da legítima defesa.
Sem dúvida, essa alteração trouxe, para o policial, além de
segurança jurídica, segurança executiva, consubstanciada na
clareza do processo decisório realizado pelo comandante do
incidente, frente a cenários caóticos, quando vidas estão em risco,
ampliando o aspecto temporal da iminência. Em última análise,
privilegia-se o garantismo penal integral, e não o garantismo
hiperbólico monocular, conforme assevera Douglas Fischer (2009).
O risco de agressão é anterior à iminente agressão. Para
Maria Luiza Sampaio Goes e Reginaldo Pedreira Lapa (2011),
define-se risco como a combinação da probabilidade de ocorrência
e das consequências de um evento perigoso ou ameaça.
Ameaças e perigos são diferentes. Nestes últimos, o dano é
real, de modo que, se ocorrer o evento, ocorrerá, necessariamente,

| 400
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

a perda; já nas primeiras, o dano é potencial, ou seja, poderá ou não


ocorrer a perda.
Risco é uma função que depende da probabilidade e da
severidade do perigo. Uma característica intrínseca da
probabilidade é a exposição ao perigo, no caso, o causador com seu
dolo, medida conforme a sua frequência e a intensidade de suas
ações perigosas. Pois bem, uma vez retirada ou repelida a ameaça
ou o perigo ocasionado pelo causador, o risco para o refém acaba.
A expressão “repelir risco” amplia o aspecto temporal,
permitindo-se agir muito antes que ocorra o dano. Andou muito
bem a nova legislação, em defesa da vida do refém, viabilizando o
arcabouço de táticas, técnicas e procedimentos (TTP) dos grupos
de resgate de reféns, regido pelas ciências policiais de segurança e
ordem pública.
De modo que se deve utilizar a matriz de probabilidade e
impacto de riscos como forma de graduar o nível de risco para cada
incidente (AGUILAR, 2017). Valendo, aqui, a diferenciação da
gravidade do crime, se cárcere privado ou homicídio em curso, bem
como o nível de exposição do refém ou pseudo-refém frente a
situações perigosas geradas pelo causador, como perigo de morte
ou grave lesão, aferido pela frequência e intensidade em que
ocorrem.
É necessário aferir se os atos do causador estão próximos
ao momento executório, ou seja, se o causador utiliza meio idôneo
a provocar grave lesão ou morte, e se possui intenção inequívoca
de provocá-la. Justamente nesse momento é que se notam os
diferentes níveis de risco, falados acima e ilustrados na Figura 1.
A diferenciação é importantíssima, uma vez que, em um
incidente de refém (cárcere privado), o sujeito usa o refém como
alavanca para alcançar as suas demandas, existindo barganha; por

401 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

outro lado, em um incidente de pseudo-refém (homicídio em


curso), o sujeito dirige a sua agressão contra a vítima ou,
posteriormente, contra si, por meio de suicídio, após matar um
refém, promovendo suicide by cop, ao forçar a polícia a agir. A
consequência disso é a existência de graus de riscos diferentes,
segundo os dolos identificados e intensidades demonstradas: um
quer restringir a liberdade, o outro dirige a sua vontade para matar.
Toda essa análise faz com que se migre automaticamente
para o uso de letalidade? Obviamente, não! O filtro da letalidade ou
de outras técnicas de uso de força deve passar pelo princípio
constitucional da proporcionalidade, o qual se subdivide em:

- ADEQUAÇÃO: relação entre meio e fim. Para que um ato


seja proporcional, ele deve ser adequado, isto é, o meio utilizado
deve ser apto para atingir a sua finalidade (intenção do
comandante do incidente e estado final desejado).

Deve-se perguntar se, para salvar o refém, é necessário


realizar a incapacitação imediata do causador, ou se basta uma
debilitação de suas funções psicomotoras, ou seja, a “incapacitação
mediata”. Isso tudo estará diretamente relacionado à facilidade e à
rápida utilização do meio idôneo a causar a morte ou a grave lesão
contra o refém. São os casos de uso de arma de fogo ou arma branca,
não se podendo titubear em desafiar uma simples debilitação, uma
vez que esses meios podem ser utilizados de maneira fácil e ágil
contra o refém. Se o único meio adequado for a incapacitação
imediata, o comandante do incidente assume uma ação letal,
figurando como autor intelectual da ação contra o causador (agente
promotor do risco), a fim de salvar o refém.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

- NECESSIDADE, ou exigibilidade, ou princípio da


menor ingerência possível: somente será legítimo o uso de força,
se for utilizado o meio menos gravoso possível.

De acordo com Charles Sid Heal (2012, p. 88), em regra, há


cinco formas de atingir a recuperação de reféns de forma segura:
• Liberação: alcançada pela negociação ou ação voluntária
do causador;
• Resgate: esforço para garantir a segurança do refém,
removendo-o do risco propiciado pelo causador;
• Neutralização: esforço para garantir a segurança do refém
por meio da incapacitação do causador em causar mal
injusto ou grave. Em regra, a neutralização é atingida com
a morte do causador, porém, a tecnologia não letal está em
constante evolução, e, talvez um dia, possa superar o índice
de eficácia de debilitação, uma vez que, por melhor que
seja, apresenta falhas significativas na ordem de 5% a 30%;
• Proteção: resolução por meio da separação entre o refém
e o causador, geralmente por meio de uma
proteção/abrigo;
• Distração: envolve criar um engodo ou uma distração do
causador, permitindo que o refém consiga se salvar,
escapando ou removendo-se do perigo.
Nesse sentido, busca-se a vitória, e não a luta, segundo as
lições de Sun Tzu (2005).

- PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO: deve


ser feita uma ponderação entre o ônus imposto e o benefício
provocado pelo ato do poder público, para verificar se é justificável

403 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

a interferência estatal no campo dos direitos da vítima, da


sociedade e do causador.

Nesse ponto, qualquer intervenção do estado importa em


assumir certo grau de risco, inerente a uma operação de
neutralização. A partir do momento em que o comandante do
incidente autoriza uma neutralização, considerando que uma
incapacitação imediata se faz necessária, deve assim agir porque,
ao planejar, deve levar em conta os riscos decorrentes da própria
operação, como os de explodir uma porta para acessar o local com
surpresa, velocidade e ação de choque, ou de disparar, colocando
um projétil proveniente do sniper ou da equipe tática dentro de um
recinto para atingir causador.
Dessa forma, os riscos inerentes à operação, uma vez
assumidos, devem ser menores do que o risco de permitir a
manutenção de uma negociação real que não progrida ou que não
avance no sentido de libertar o refém, colocando-o em exposição
continuada ao risco de morte ou grave lesão, quando podia e devia
evitar o resultado.

NEUTRALIZAÇÃO, INCAPACITAÇÃO OU DEBILITAÇÃO

O termo “neutralização” utilizado neste estudo deve se


harmonizar conforme o direito pátrio, posto que qualquer uso de
força passará pelo escrutínio do judiciário.
Assim sendo, neutralização afigura-se como gênero do qual
são espécies a incapacitação, busca pela cessação imediata,
fulminante da capacidade psicomotora do agente agressor; e a
debilitação, utilizada quando se busca um enfraquecimento das

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

funções do agressor, sem, contudo, esperar que a sua capacidade de


reação cesse de imediato.

PROCESSO DECISÓRIO

Durante o processo decisório, a negociação real busca a


resolução pelo convencimento do negociador, mas também
envolve um papel tático de extrema relevância. Exemplos disso são
o prolongamento do tempo, a fim de que a equipe se prepare para
uma entrada tática, a coleta de dados de forma precisa, a
identificação de alvo, as avaliações de ameaças e de perigos, além
dos hábitos de exposição do causador, informações essas que, na
maioria das vezes, somente são conseguidas pelo elemento
negociador.
Uma imediata intervenção com uso de letalidade, exceto
em eventos muito excepcionais, torna-se não apenas irracional,
mas indefensável juridicamente. Irracional, porque, sem
informações e dilação de tempo, diminuem as chances de sucesso
da intervenção letal. E indefensável, porque essa diminuição de
eficiência preparatória para a intervenção letal será cobrada
judicialmente.
Heal (2001) recorda que, há muitos anos, surgiu uma escola
de pensamento que sugeria que as negociações deveriam persistir
até que ocorresse o fracasso incontestável, quando existisse risco
insuportável para o refém.
Isso faz lembrar o que este autor, por sua experiência,
denomina de “síndrome do fio elástico”, a qual acomete as

405 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

autoridades com poder de decisão. Certa vez, um antigo


comandante relatou que as ocorrências com reféns são iguais a um
fio elástico – as autoridades não especialistas em incidentes com
reféns querem que você estique, prorrogue as negociações. Estique,
estique mais o fio elástico. Aí, na hora em que a situação está
insuportável, na hora em que o fio está prestes a arrebentar e o
dano se torna iminente, quando não há mais nada taticamente
seguro a ser feito, querem que você intervenha em meio ao caos,
entre e salve o refém.
Como explica Heal (2001, p. 20, tradução nossa), em tom de
crítica: “para os defensores dessa corrente, as palavras nunca
machucaram ou mataram ninguém”. Os defensores dessa escola de
pensamento, de modo pragmático, escoram-se nas porcentagens
de sucesso da negociação, mas essas porcentagens não possuem
base científica que as valide, porque cada evento com reféns é um
conjunto de circunstâncias únicas e temporárias. Únicas, porque
cada circunstância depende dos fatores que estão presentes em um
determinado momento e local. Temporárias, porque um resultado
de qualquer tipo afeta o próximo conjunto de circunstâncias, em
uma sucessão que as torna diferenciadas.

INCIDENTES POLICIAIS OU CONFLITOS

Os incidentes policiais são de origem humana, mas


decorrentes de uma disputa de interesses entre as partes – de um
lado, os transgressores da lei, e, de outro, o estado.
O policial, longa manus do estado, poderá utilizar a força
diante da oposição do transgressor em cumprir uma ordem legal,
de maneira a prevenir e reprimir atos delituosos, e tal

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

procedimento garante o convívio harmonioso das pessoas em


sociedade.
Esses incidentes policiais são também chamados de
“conflitos”, como, por exemplo, no caso de criminosos
embarricados, tomada de reféns, criminosos em fuga etc. Um
conflito é caracterizado pelo choque de interesses, de maneira que
a vontade da polícia deve preponderar sobre a vontade do
transgressor. Ou seja, o criminoso ativamente empenhado em
frustrar a vontade da lei deve ser derrotado pelo policial, longa
manus, e, justamente por isso, os conflitos são incidentes muito
mais perigosos e complexos
É interessante notar que essa disputa ocorre também pelo
uso do tempo disponível. Nesse sentido, frente a uma competição
pela disputa do tempo entre o causador e o comandante, nada a
fazer significa dar ao suspeito a possibilidade de utilizar o tempo a
seu favor. Assim, o tempo que a polícia não utiliza para si é utilizado
pelo causador, o qual terá a iniciativa das ações.
A essa correta utilização do tempo disputado chama-se de
“iniciativa” no ciclo OODA95, saindo-se de uma postura reativa em
direção a uma proativa. Ter a iniciativa garante uma posição de
vantagem no ciclo do processo decisório, consubstanciada no
benefício de aproveitar as oportunidades que surgirem.
O ciclo decisório é retroalimentado a todo o instante, o que
obriga o comandante do incidente a estar atento para não tomar
decisões atrasadas, ou seja, aquelas que empenham valiosos
recursos, mas que não surtem efeito porque inoportunas, já que o
cenário é dinâmico.

95
Observe (Observar), Orient (Orientar-se), Decide (Decidir) e Act (Agir).

407 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Nesse diapasão, “a síndrome do fio elástico” faz todo o


sentido, uma vez que, quando o risco estiver insuportável, ou seja,
quando o causador já praticou vários atos de execução, mas ainda
sem atingir o resultado, chega-se à autorização para a intervenção
letal. Nesse caso, quando as autoridades deixaram o risco se tornar
insuportável, e agora o dano é iminente, deverão ser reativos a uma
ação, pois o tempo foi utilizado pelo criminoso. Prova disso ocorre
quando o causador já praticou atos de execução e já tangencia a
produção do resultado de matar os reféns, e as autoridades, antes
descrentes, resolvem agora autorizar a intervenção a qualquer
custo.
Mas qual é o espaço de tempo entre o período que medeia
a autorização e a produção do resultado homicida? Nenhuma!
Portanto, nenhuma oportunidade será utilizada pela
polícia, porque não lhe foi autorizado o uso do tempo a seu favor, e,
com isso, perdeu-se a iniciativa de salvar o refém, perdeu-se a
oportunidade. É notório, nessa hipótese, que a ordem de
intervenção letal foi inoportuna, atrasada, e qualquer intervenção
do grupo de entrada tenderá ao fracasso.
Nessa situação inoportuna, a única condição favorável que
existirá é o treinamento preventivo proporcionado pelo fomento
do estado, ao eleger o Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE)
como nicho para desenvolver o sistema de desempenho humano.
Mas isso não basta! É imprescindível agir com iniciativa, a fim de se
utilizar as oportunidades. De nada adianta, por exemplo, que,
muitas vezes, os comandantes do incidente sejam escolhidos
porque simplesmente ascenderam a postos elevados na carreira,
pois isso não lhes garante capacidade especializada para decidir
corretamente em incidentes críticos em geral, quando vidas estão
em perigo.

| 408
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

PREMISSAS QUANTO ÀS TÁTICAS DE NEGOCIAÇÃO OU


DE LETALIDADE

Seguem, abaixo, as principais premissas nas quais o


comandante de incidente deve sopesar as suas decisões, segundo
Heal (2001):

Premissas para utilizar a alternativa “TÁTICAS DE


LETALIDADE”:
1. A entrada tática se afigura como última alternativa, ultima
ratio. “alto risco e alto ganho”, por utilizarem maiores
técnicas e procedimentos humanos, aumentando-se a
probabilidades de erros;
2. Dúvidas quanto à necessidade de intervenção letal sempre
ocorrerão, principalmente pelos pseudoespecialistas.
Sempre alguém vai alegar que o incidente poderia ter sido
realizado, utilizando determinada técnica ou mantendo-se
às negociações;
3. Uma falha nas negociações geralmente pode ser corrigida;
entretanto, uma falha na intervenção tática é irreversível;
4. Negociações possuem menor risco e maior probabilidade
de sucesso.

Premissas para utilizar a alternativa “TÁTICAS DE


NEGOCIAÇÃO”:
1. O causador deve possuir capacidade de entendimento e de
autodeterminação; do contrário, afigura-se como
inimputável ou semi-imputável;

409 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

2. Os causadores devem estar dispostos a negociar;


3. Negociar até o fracasso das negociações pressupõe que as
oportunidades táticas que aparecerem para salvar o refém
serão ignoradas;
4. O comandante do incidente, ao negociar in extremis, aceita
certo risco para os reféns, porque, ao ignorar
oportunidades táticas de salvá-los, renega-os à exposição
continuada ao perigo, aumentando-se o grau de risco;
5. Negociar até a exaustão é admitir a falha no processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A opção por negociar ou intervir deve se basear no que é


conhecido sobre a situação e em suas circunstâncias objetivamente
apresentadas. Mesmo assim, essa decisão também exigirá
pressupostos de aceitação de riscos, independentemente de qual
seja a escolha. São decisões difíceis e, na maioria das vezes,
baseadas em informações VUCA96.
A premissa de que a negociação é uma alternativa tática
superior às outras é equivocada. Todas são iguais e possuem hora
e lugar para serem empregadas, com prós e contras, não
competindo entre si. A superioridade apenas deve ser dada ao
entendimento da ordem de prioridade de segurança, em benefício
do refém.

96 Volatility (Volatilidade), Uncertainty (Incerteza), Complexity (Complexidade) e

Ambiguity (Ambiguidade).

| 410
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

REFERÊNCIAS

AGUILAR, Paulo Augusto. Ações e Operações Táticas Especiais:


aplicaçã o do conceito de concepçã o imediata do perigo em entradas
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Dissertaçã o (Mestrado em Ciê ncias Policiais de Segurança e Ordem
Pú blica) – Centro de Altos Estudos de Segurança, Polı́cia Militar do
Estado de Sã o Paulo, Sã o Paulo, 2017.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte


Geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1.

BRASIL. Lei n.º 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa


a legislação penal e processual penal. Brasília, DF: Presidência da
República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2019-2022/2019/ lei/L13964.htm. Acesso em: 10
mar. 2020.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 3.


ed. Bahia: JusPODIVM, 2015.

FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral (e não o garantismo


hiperbólico monocular) e o princípio da proporcionalidade: breves
anotações de compreensão e aproximação dos seus ideais. Revista
de Doutrina do TRF4, Porto Alegre, n. 28, mar. 2009. Disponı́vel
em: https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/dou
glas_ fischer.html. Acesso em: 20 fev. 2020.

GOES, Maria Luiza Sampaio; LAPA, Reginaldo Pedreira.


Investigação e análise de incidentes: conhecendo o incidente
para prevenir. São Paulo: Edicon, 2011.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 19. ed. Rio de Janeiro:


Impetus, 2017. v. 1.

411 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

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HEAL, Charles Sid. Phases of hostage recovery operations. The


Tactical Edge, Clarksville, TN, p. 88-89, Fall 2012.

INTERNATIONAL ASSOCIATIONS OF CHIEFS OF POLICE. Model


polity, hostage situations. Alexandria, VA: IACP, 2007.

MULLINS, Wayman C.; MCMAINS, Michael J. Back to basics hostage


incidents vs. non-hostage incidents. In: MULLINS, Wayman C.;

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Routledge, 2003.

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Bureau Investigation Law Enforcement Bulletin, Washington,
D.C., v. 69, n. 1, Jan. 1999.

NOVAIS, César Danilo Ribeiro de. A vontade de matar. Confraria do


Júri, Cuiabá, 27 abr. 2011. Disponível em: http://www.confraria
dojuri.com.br/artigos/artigos_view2.asp?cod=145. Acesso em: 24
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OLIVÉ, Juan Ferré et al. Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São
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TZU, Sun. A arte da guerra: por uma estratégia perfeita. Tradução


de Heloísa Sarzana Pugliesi e Márcio Pugliesi. São Paulo: Madras,
2005.

| 412
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 18
AS QUESTÕES DE GÊNERO E O USO DA FORÇA
NO PARADIGMA POLICIAL

Rosana Siqueira Galvão Corvoisier

Neste estudo se questiona o entendimento do uso da força


fundamentada no potencial técnico desenvolvido de forma a ser
aplicada na atividade policial, certo de que tanto a mulher quanto o
homem que atue como policial militar deve se pautar.
Com esse enfoque, este capítulo tem como propósito
compreender se o Uso Policial do Paradigma da Força pela Polícia
Militar de Mato Grosso tem sua aplicação afetada pelo gênero
dos(as) policiais 97 e se a ideia de que o serviço policial não tem
similaridade com a mulher, uma vez que, sendo atualmente a
atividade-fim desenvolvida e reconhecida como técnica, baseada
em procedimentos operacionais padrões, nada obsta de ambos os
sexos, excetuando as questões biológicas relacionadas
principalmente a capacidade de força física, sejam pareados,
principalmente tendo tal pauta respaldada no uso diferenciado da
força.

97Vale salientar que o concurso público para ingressar na Polícia Militar de Mato Grosso
oferece opções de gênero: masculino e feminino.

413 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CONTEXTUALIZANDO O GÊNERO

Vários teóricos, em especial teóricas, foram desenvolvendo


perspectivas teóricas sobre o conceito do que vêm a ser gênero.
Conforme os estudos de Fachinetto (2012), essas perspectivas
variam em um ou mais pontos, no entanto o ponto em comum das
propostas se encontra na disposição de que gênero é uma
construção social e cultural do entendimento do que seja feminino
e masculino, partindo da construção sócio-simbólica das relações
humanas, como as teorias pós-estruturalistas, podendo citar os
trabalhos realizados por Judith Butler, em especial o livro
Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, no qual
a autora problematiza o processo contínuo da construção do
gênero a partir do próprio sujeito de gênero e seu espaço social que
o regula, fugindo da interpretação dos dados biológicos e das
normas de “ser homem” ou “ser mulher”.
A definição de gênero tem se tornado cada vez mais
complexa, uma vez que, segundo Butler apud Tiburi (2016, p.13),
gênero não é algo que somos, mas sim tudo o que fazemos, não
sendo natural, deduzido a partir do corpo, sendo performativo,
imbuído de um discurso.
Sendo assim, ao compreender que o sexo se restringe a
tipificar as características biológicas de homens e mulheres, sejam
os aparelhos reprodutores femininos e masculinos, bem como os
hormônios deles decorrentes, desponta-se o gênero como uma
reflexão das relações sociais do homem e da mulher possuindo um
caráter cultural.

| 414
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

USO POLICIAL DO PARADIGMA DA FORÇA

As Polícias Militares formam revestidas do Poder de Polícia


pelo Estado, através do artigo 78 do Código Tributário Brasileiro,
para agir preventiva e repressivamente, limitando o exercício dos
direitos individuais em prol do interesse coletivo, todavia tendo sua
atuação limitada pelos princípios que regem a administração
pública.
Em relação ao uso da força encontramos diversos
documentos que tem a intenção de disciplinar e democratizar as
ações policiais em relação ao uso da força e o emprego de armas de
fogo, dentre os quais podemos citar: a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, o Código de Conduta para Funcionários
Encarregados pela Aplicação da Lei, bem como os Princípios
Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo, todos estes
promulgados pela Organização das Nações Unidas.
É certo que a letra fria do papel não tem poderio para
inserir no profissional incumbido legalmente da preservação da
ordem pública, a viés de promover mediante sua atuação a
proteção e promoção dos direitos humanos e o uso legítimo da
força.
Para tanto, é necessário que o Estado proporcione durante
os cursos de formação e de capacitação, através dos métodos
pedagógicos de ensino-aprendizagem este conhecimento essencial,
que o agente de segurança pública deve possuir, além dos
princípios éticos e profissionais que devem norteá-los.

415 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

USO DIFERENCIADO DA FORÇA

Conforme as mudanças globais do entendimento do que é


violência e o respeito aos direitos humanos, as polícias do mundo,
bem como as polícias militares do Brasil, necessitaram de uma
reavaliação da sua atuação, sendo visível que o ponto de partida se
encontrava no processo de formação, conforme identificado por
Santos (2012, p.15):

Segurança cidadã e democracia tornaram-se o


foco de variadas ações educacionais, com
cursos e programas para atualizar as
concepções e práticas de formação na área de
segurança pública e cidadã. Entre seus
objetivos buscou-se a criação de novos
princípios, métodos e técnicas que pudessem
orientar acompanhar e avaliar as práticas
institucionais e seus impasses sociais.

No Brasil, a Secretaria Nacional de Segurança Pública


adotou o Uso Diferenciado da Força fins de fazer o alinhamento da
utilização do uso da força tratada na Portaria Interministerial de nº
4.226, de 31 de Dezembro de 2010, que estabelece diretrizes sobre
o Uso da Força pelos Agentes de Segurança Pública, bem como,
define o Uso diferenciado da Força, como sendo uma “seleção
apropriada do nível de uso da força em resposta a uma ameaça real
ou potencial visando limitar o recurso a meios que possam causar
ferimentos ou mortes.” 98

98SENASP. Uso diferenciado da Força. Curso de Educação à distância, 2012.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

No decorrer da caminhada profissional o policial militar da


PMMT, se depara com alguns paradigmas que no que diz respeito
ao uso da força, especificamente quando não performam o
esperado para a aprovação de sua ‘competência” para o serviço
policial. Todavia, ao se estudar o uso da força na atividade policial
fica claro que a técnica está acima de qualquer estereótipo imposto
pela cultura institucional e da sociedade ou expectativa atitudinal
do conceito homem e/ou mulher.
Certo que a construção profissional é baseada na tríade
conhecida como “CHA” 99 , ensaiada por Vargas e Cagol (2012),
formada pelo conhecimento adquirido para desenvolver o trabalho
em determinada área, pela habilidade que pode ser desenvolvida
através do treinamento e pela atitude intrínseca ao apelo
motivacional, não podemos fazer nenhum tipo de correlação
quanto à determinação biológica.
Sendo assim, a ação a ser tomada pelo Agente de Segurança
Pública, seja este homem ou mulher, está intimamente vinculada à
percepção da situação, que segue influenciada pela formação e o
treinamento que lhe foi proporcionado, bem como a atmosfera
cultural individual e institucional em que está envolvido.
Faz-se necessário salientar que ao se analisar o modelo de
uso da força proposto pela SENASP sob a ótica das questões de
gênero, pode-se testificar que se configura idôneo, uma vez que não
faz nenhum tipo de diferenciação dos sexos, sendo que o Agente de
Segurança Pública escolhe o nível de força orientado pela atitude
do suspeito.

99 Conhecimento, habilidade e atitude.

417 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

MANUAL DE PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO


DA PMMT

No ano de 2009 fora apresentado pela PMMT o Manual de


Procedimento Operacional Padrão, que como descrito no próprio
documento, representou um marco histórico da evolução
operacional da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso.
O Procedimento Operacional Padrão - POP é apresentado
em 06 (seis) módulos, sendo eles: Módulo I – Níveis do Uso da Força
Policial; Módulo II – Abordagens Policiais; Módulo III –
Procedimentos Diversos; Módulo IV – Ocorrências Policiais;
Módulo V – Eventos Críticos e Módulo VI – Policiamento
Especializado.
O processo 108 que trata sobre o uso progressivo da força
policial, inserido no módulo I, e apresenta doze situações que os
policiais militares podem se deparar durante o serviço operacional.
O Manual apresenta uma sequência de ações a serem adotadas, no
intuito de alcançar os resultados esperados, bem como supõe
algumas atividades críticas, ações corretivas, possibilidades de erro
e esclarecimentos.
Vale salientar que conforme o modelo de uso diferenciado
da força quanto o manual do POP da PMMT não apresentam
qualquer tipo de distinção ou observação quanto à atuação do
policial militar ou da policial militar, exceto quando se trata a
respeito das questões inerentes a busca pessoal em mulheres, que
deve ser realizada por uma policial, salvo se houver necessidade de
rápida diligência, excepcionalmente, poderá ser realizada por
homem, para não acarretar o retardamento ou prejuízo da
diligência, bem como a policial deve realizar a busca pessoal na

| 418
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

mulher transexual e na travesti, e no homem transexual conforme


dita a Cartilha de Atuação Policial na Proteção dos Direitos
Humanos de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade da SENASP
(2013).
Notadamente, a teoria de uso da força se mostra isenta de
preconceitos e pré-julgamentos quanto à atuação do agente de
segurança pública no contexto do gênero.

A POLICIAL MILITAR NA PMMT

Após o período do regime militar e com a redemocratização


do Brasil, bem como a entrada de mais mulher no mercado de
trabalho, as polícias militares estaduais abriram suas portas para a
inserção das mulheres e em Mato Grosso não foi diferente. No ano
de 1983, em Mato Grosso, fora efetivada a inserção das mulheres
da PMMT, através da promulgação do Decreto nº 273 de 20 de
outubro de 1983, sendo formada então a turma de soldadas
pioneiras que constituíram o 1º Pelotão Militar Feminino.
Posteriormente, no ano de 1992, este pelotão se tornou a
Companhia de Polícia Militar Feminina da PMMT, desativada no
ano 2000.
Atualmente, o ingresso das mulheres na PMMT é regulado
pela Lei Complementar nº 529, de 31 de março de 2014, publicada
no Boletim Geral Eletrônico da PMMT nº 983, de 01.04.2014, que
estabelece 20% (vinte por cento) das vagas para as mulheres nos
concursos para ingresso na PMMT.
Melo e Soares (2016, p.20) fazem a seguinte reflexão a
respeito da trajetória da mulher PMMT:

419 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A trajetória da mulher na PMMT, inicialmente,


foi deliberada pela necessidade de humanizar
as atividades policiais militares, sendo a elas
delegadas missões diferenciadas, marcadas
por características próprias da mulher, a qual
limitava o espaço e a atuação policial
feminina. Fato este que ainda reflete na
atualidade, principalmente, quando se
observa os relatos de policiais militares
femininas ao longo da carreira militar, os
quais são permeados de discriminação tanto
nas atividades policiais, como atividade física,
distribuição do serviço, de curso, de
equipamento, como também nas promoções.

Conforme concluído no trabalho de Metelo (2016, p. 58),


intitulado “A Mulher na PMMT: Relações de Gênero e Poder”, as
mulheres, ainda hoje, se sentem insatisfeitas e discriminadas no
ambiente policial militar em que laboram, onde enfrentam
dificuldades, sendo destacadas: a inferiorização do trabalho
prestado, conciliação entre o trabalho e a maternidade, preconceito
e desrespeito à figura feminina, assédio moral e sexual, bem como
a não aceitação do empoderamento da mulher.
Nesse sentido, aprofundaremos, a seguir, na observação do
ambiente policial militar e como se dá a divisão sexual do trabalho.

DIVISÃO SEXUAL NO TRABALHO NO AMBIENTE


POLICIAL MILITAR

As mulheres adentraram no mundo militar após o período


militar fins de que a imagem das Forças Armadas, bem como das
Polícias Militares melhorassem, uma vez que se encontrava

| 420
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

relacionada à violência e abuso de poder, conforme Mainardi


(2007, p.9) descreve:

Diante disso, a inserção das mulheres nas


fileiras das Forças Armadas e nas Polícias
Militares do Brasil, além de aderir a uma
tendência do mercado de trabalho mundial,
teve como objetivo passar uma nova imagem
dos militares à sociedade, qual seja, de
mudança, de modernidade e principalmente
de democracia. Porém essa medida não veio
acompanhada de modificações imediatas na
formação dos policiais militares e nos seus
treinamentos, nas políticas institucionais e
governamentais que redimensionassem a
segurança pública, fazendo com que as
mulheres esbarrassem num sistema que não
estava pronto para recebê-las com suas
particularidades e diferenças.

Conforme elucidado por Mainardi, as instituições não


estavam prontas para receber as mulheres e podemos ver o reflexo
na divisão do trabalho mediante a diferenciação biológica na qual
se define atividades masculinas e atividades femininas. Temos aí a
exemplificação do que Bourdieu (2002, p.14) descreve em seu livro
“A dominação masculina”:

A diferença biológica entre os sexos, isto é,


entre o corpo masculino e o corpo feminino, e,
especificamente, a diferença anatômica entre
os órgãos sexuais, pode assim ser vista como
justificativa natural da diferença socialmente
construída entres os gêneros e,
principalmente, da divisão do trabalho.

421 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Com o ingresso feminino, a identidade masculina


permaneceu inabalável, conforme (Schactae, 2009), e iniciou-se a
construção da identidade feminina da policial militar, que em
alguns pontos fomenta as características masculinas, no intuito da
aceitação da mulher nos grupos.
Retomando o pensamento de Bourdieu, podemos ilustrar
tal fato apresentado no trabalho feito por Jacqueline Muniz (1999,
p. 244) que retrata o trabalho policial:

Idealizado pelos PMs da ponta da linha como


uma espécie de “terra de machos”, o mundo
das ruas é descrito como um tipo de realidade
que não se deixa comover pelas virtudes
culturais atribuídas ao signo feminino. Nesse
território simbólico interpretado como
sórdido, violento, insensível e, por tudo isso,
masculino, parece só haver lugar para a
disputa entre os destemidos “mocinhos” que
integram o “bonde do bem” e os “bandidos” e
desregrados, que compõe o “bonde do mal”.
Esse tipo de gramática dos papéis de gênero,
em boa medida conservadora e estereotipada,
encontra-se disseminada no interior da tropa.
Dela resulta o discurso que pressupõe a
inadequação das mulheres para as tarefas de
policiamento e prescreve para elas outros
tipos de serviços quase sempre burocráticos e
muito distantes das atividades de rua.

Ao fazermos a leitura do ambiente policial militar que a


mulher está inserida, não podemos deixar de nos deparar com as
questões de gênero presentes, conforme Melo e Soares (2016, p.2)
relatam:

| 422
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

As questões de gêneros nas intuições


militares são observadas pelos estudiosos do
assunto, os quais ainda percebem a
predominância do desempenho do sexo
masculino mesmo com a inserção das
mulheres em seu meio. A profissão continua
institucionalmente masculina e as mulheres
em busca da construção de identidade
feminina na corporação. Isso não é diferente
da realidade das Polícias Militares, a exemplo
da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso.

Nesse sentido, na edição Mulheres na Segurança Pública:


Estudo Técnico Nacional de 2013, podemos encontrar a seguinte
afirmação:

Embora afirmem que as mulheres podem


realizar as mesmas tarefas que os homens, e
mesmo quando se trata de força física
algumas mulheres são mais fortes que seus
colegas do sexo masculino, para a maior parte
– principalmente nas instituições
militarizadas – a presença masculina é
indispensável para a realização de algumas
tarefas que exigem força e destreza.

A força é associada ao sexo masculino, todavia


tecnicamente o policial militar faz o uso da força regido por técnicas
que não fazem nenhum tipo de diferenciação dos sexos.
Quanto ao termo destreza, podemos compreendê-lo como
uma competência atitudinal ou até mesmo uma competência
relacionada à habilidade, devendo ser analisadas em separado, e
não de forma genérica.

423 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Mainardi (2000) desenvolveu ainda um trabalho que


estudou a compatibilidade da gravidez e a mulher policial militar,
onde pôde vislumbrar vários casos de discriminação e questões
desencadeadas no período gestacional intrínseco e tão somente
promovido pela mulher, bem como a “segunda jornada”100.
Nesta mesma linha de pensamento, fica evidenciada a
forma que o trabalho policial reconhecido como masculino se
afasta da figura de mulher profissional competente e capacitada,
uma vez que, fica condicionada ao sexismo, sendo manifesto desde
o nascimento e marcos do desenvolvimento do ser humano até as
instituições públicas, conforme exposto e registrado nos estudos
científicos supracitados.
Enfim, após o estudo teórico da temática proposta, vamos
para apresentação dos procedimentos que possibilitaram a
execução da pesquisa de campo do presente trabalho.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE DOS


RESULTADOS

Visando a compreensão ampla das questões de gênero e


sua influência na designação das mulheres para atividades que
envolvam o uso da força na PMMT foram realizados 03 (três)
grupos focais, com policiais militares do 4º Batalhão de Polícia
Militar da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, sendo 01 (um)
composto por 06 (seis) policiais militares do sexo masculino, sendo
que 03 (três) destes trabalhavam na atividade operacional e os
outros 03 (três) na atividade administrativa; o segundo grupo focal

100 Está relacionada aos afazeres domésticos e o cuidado de pessoas como filhos

| 424
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

composto por 06 (seis) policiais militares do sexo feminino, nos


mesmo moldes que o grupo anterior e o terceiro grupo composto
por 10 (dez) policiais militares que participaram dos grupos
anteriores, sendo as 06 (seis) policiais femininas e 04 (quatro)
masculinos.

PERCEPÇÃO DO GRUPO FOCAL MASCULINO

O mediador escolhido para o grupo foi um homem e se deu


no intuito de que os participantes masculinos se sentissem à
vontade para expressar suas opiniões e ideias referentes ao
assunto abordado no roteiro de questões do grupo focal, que tem
como foco a mulher, gênero e serviço policial.
O grupo se dividia pela metade ao se questionar onde
gostariam de atuar: área administrativa ou operacional, tendo
como algumas justificativas o seguinte:

- Eu preferia parte de operação mesmo, é um


trabalho que é gratificante né, você vê que tem
um resultado imediato. (Participante A)

- Administrativo, por questões de saúde.


(Participante C)

Houve um consenso entre os participantes de que não há


nenhum tipo de preconceito ou discriminação contra a policial
militar feminina, sendo descrito que a atividade operacional ou
administrativa para ser bem desempenhada deve-se levar em conta

425 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

a competência da pessoa que irá realizar o trabalho, sendo citados


exemplos positivos e negativos relacionados a ambos os sexos nas
duas funções propostas. Todavia, percebe-se que há, mediante a
fala dos participantes, um grau de insegurança quanto ao fato de se
ter como parceira de serviço operacional uma mulher:

- Trabalha com um olho no peixe e um no gato.


(Participante A)

- Mesmo que as mulheres tenham a voz


enérgica e competente, as pessoas continuam
não respeitando. (Participante B)

-Hoje trabalha um motorista e um parceiro se


fosse dois e um feminino não teria problema.
(Participante C)

-Na sociedade, numa abordagem... Tem esse


choque... Tem essa visão... A probabilidade
quando vê um masculino e uma “fem” ele vê a
possibilidade de se safar. (Participante D)

- Se fosse seguido de maneira legal, um


motorista, um comandante e um patrulheiro...
Fica insegurança, “fem” é sexo frágil, o
bandido fica mais seguro em fugir da
guarnição. (Participante E)

Um apontamento relevante diz respeito ao se sugerir a


capacitação continuada no intuito de desenvolver as habilidades
técnicas dos policiais militares, objetivando uma melhor atuação no
serviço operacional, bem como se sugere uma avaliação do perfil
do policial militar para que sejam encaminhados ao serviço

| 426
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

operacional ou administrativo em consonância com o


diagnosticado.
Na ótica dos participantes, em relação ao uso da força no
que tange a atuação policial não há que se falar em diferença em
relação aos sexos, sendo citado apenas a questão da diferença
fisiológica que proporciona ao homem maior força.
Consideram ainda que, devido a cultura institucional as
mulheres são designadas para atividades administrativas, pois são
vistas como sexo frágil, sendo evitado que atuem em situações de
risco, como reintegrações de posse ou mandados de busca. Além
disso, afirmam que existe a cultura machista, motivo pelo qual a
policial militar que assume um papel masculinizado tem maior
aceitação, do que um policial militar masculino que assume um
papel afeminado. Enquanto aquela policial é vista como
“padrão”101, causando certa admiração entre o grupo em que está
inserida; o homem em funções consideradas afeminadas é
ridicularizado, devendo ser direcionado para o serviço
administrativo fins de que não seja exposto no grupo e na
sociedade, que não vai respeitá-lo como devida autoridade policial.

PERCEPÇÃO DO GRUPO FOCAL FEMININO

A mediadora do grupo foi uma mulher e seguiu o mesmo


intuito do grupo focal masculino e o mesmo roteiro.

101
Policial Militar que é visto como referência, reconhecido como um
policial que se destaca positivamente no serviço operacional.

427 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Sendo assim, ao ser questionado onde gostariam de atuar:


área administrativa ou operacional, obtivemos as seguintes
respostas:

- Sempre trabalhei na rua, por questão de


rotina...Não gosto de administrativo pelo
menos por enquanto. (Participante A)

- Trabalhei pouco na rua desde que formei.


Trabalho no administrativo, porque tenho
uma filha e preciso. (Participante B)

- Por ter uma rotina a escala do expediente é


melhor, porque eu tenho uma filha e não
tenho com quem deixar. (Participante C)

- Gosto de trabalhar no administrativo,


porque não gosto de perder noite. Consigo
programar a minha vida. (Participante D)

- Trabalho na rua, um dia sim, um dia não. Não


tenho horário pra trabalhar. Tá difícil... Tenho
que correr atrás pra cuidar da bebê.... Quero ir
pro administrativo pra ficar mais fácil de
cuidar dela. (Participante E)

- Prefiro o operacional, porque me sinto em


casa. Gosto! Se puder quer aposentar na rua.
Não atrapalha minha rotina, porque todo dia
de manhã e toda noite estou em casa.
(Participante F)

Sob a ótica das policiais militares, a sociedade para a qual


elas prestam o serviço ainda é machista, não obedecendo à voz de
comando feminina, e por este motivo a maior parte das

| 428
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

entrevistadas prefere um policial masculino para trabalhar como


parceiro no serviço operacional
Também entendem que os policiais masculinos não se
sentem à vontade de trabalhar com a policial feminina. Alguns pelo
fato de serem mulheres, o que os impedem de agirem e
expressarem como querem e/ou são; outros por questões de
segurança no que diz respeito à constituição de força física.
Fora salientado que com a evolução das leis e com o uso das
técnicas policiais, as mulheres têm ganhado espaço na Polícia
Militar, pois a concepção do serviço com base na truculência e
violência policial está se extinguindo.
Quanto ao uso da força na atuação policial, nenhuma das
participantes identificou qualquer tipo de diferenciação de sexos
na teoria, entretanto na prática, no dia a dia do serviço, pela falta de
disponibilidade dos instrumentos de menor potencial ofensivo -
IMPO, a mulher fica em desvantagem, pois não cogita o uso de
técnicas de defesa pessoal, uma vez que, as mulheres entrevistadas
relataram não possuírem domínio suficiente e segurança para tal.
Destaca-se que o índice de ocorrências em que tenha ocorrido o
disparo de arma de fogo é mínimo, sendo a utilização da arma de
fogo a alternativa mais agressiva.
Consideram, ainda, que paira o preconceito e o machismo
na instituição, sendo que os homens que assumem um papel
afeminado, mesmo sendo um profissional competente será alvo de
piadas, e as mulheres que assumem o papel masculinizado também
serão alvos de chacotas, todavia, são bem mais aceitas no grupo.

429 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

PERCEPÇÃO DO GRUPO FOCAL MISTO

Ao se questionar sobre a segunda jornada, que consiste nas


obrigações relacionadas à casa e aos filhos, alguns policiais
masculinos relataram que possuem esta jornada e que adaptam o
serviço fins de atender esta demanda, todavia, fora salientado que
esta situação é pontual, sendo descrito por uma das participantes
que tem a função de escalante102 que, em geral, o policial militar
procura a adaptação da escala com justificativas relacionadas a
consultas médicas ou faculdade, o que torna evidente que a mulher
adapta sua escala, quando possível, para exercer as suas atividades
relacionadas à segunda jornada.
Houve conformidade quanto a percepção de proteção do
policial militar em relação à mulher policial militar durante o
serviço policial, sendo que na atuação os homens buscam proteger
e resguardar a mulher, não a expondo a situações críticas:

- Eu sinto que meu parceiro fica tentando me


proteger... Mesmo os mais novatos buscam
tomar a frente! (Participante Fem E)

- Deixa que eu faço! Fica aí! (Participante Fem


F)

- Vou com um olho no peixe e outro no gato!


(Participante Masc. B)

102Policial Militar que trabalha na seção administrativa com a função de gerenciar a


escala de serviço.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A policial militar aceita essa proteção como forma de


cuidado, enquanto o policial militar masculino se sente
sobrecarregado por ter que tomar precaução por sua própria vida
e da sua parceira de serviço, mesmo sendo reconhecida sua
competência.
Todos os participantes entenderam que a deficiência na
disponibilidade dos instrumentos de menor potencial ofensivo –
IMPO desfavorecem todo policial militar, mas em situações em que
se faria uso da força física, a mulher, por questões fisiológicas, fica
em desvantagem, pois, em geral, possui menos força.
No que diz respeito à teoria do uso diferenciado da força,
teoricamente não há que se falar de diferença ao trato sexual, mas
na prática desde a voz de comando feminino a sua atuação em
técnicas de imobilização e defesa pessoal fica em desvantagem ao
policial militar masculino, pelo fato, da sociedade não receber a
autoridade policial, ainda mais a feminina, da forma como deveria,
bem como, o infrator da lei também. Sendo apontada a abordagem
de mulher para mulher como uma balança de equidade.
Diante do exposto, pode-se concluir que o grupo não possui
qualquer tipo de preconceito explícito acerca da mulher e o
trabalho policial, mas vislumbramos sua presença simbolicamente
nas entrelinhas, uma vez que podemos perceber que as questões de
gênero ocasionam uma confusão parcial das respostas, que
sofreram influência das experiências de vida individuais
contribuindo para a formação do ponto de vista de cada um dos
entrevistados.

431 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A percepção dos policiais militares masculinos e femininos,


que atuam no serviço operacional, bem como na atividade
administrativa, quanto à influência das questões de gênero na
designação das mulheres para atividades que envolvam o Uso da
força no paradigma policial na PMMT coopera para a compreensão
das diferenças relacionadas aos papéis que homens e mulheres
desempenham em nossa sociedade e como elas refletem,
determinando consciente ou inconscientemente o trabalho
desempenhado por ambos os sexos, mas, em especial, o sexo
feminino, num ambiente reconhecido como masculino, qual seja a
PM.
Analisando os resultados podemos perceber que para as
mulheres que possuem a "segunda jornada", o serviço
administrativo é apontado como o que melhor colabora para que a
rotina estabelecida com os deveres extra laborais seja desenvolvida
da melhor maneira.
Quanto à atuação da mulher no serviço operacional, a
percepção da sociedade participa como um dos freios para o
aumento do número de inclusão de mulheres.
Ficou evidenciado que tanto a mulher quanto o homem
policial militar necessitam de uma formação mais aprimorada, bem
como treinamentos e capacitação continuada, fins de que a
confiança pessoal e profissional seja fortalecida, e desta maneira,
qualquer tipo de empirismo relacionado à técnica policial seja
extinta, não dando espaço às questões subjetivas de gênero, no que
tange tanto uma formação técnica operacional quanto a execução
do serviço policial quanto na formação teórica referente aos

| 432
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

direitos humanos, visando a igualdade de homem e mulher que


exerça a função de policial militar.
Nesse sentido, cabe ressaltar que para a potencialização
dos objetivos das normas que versam sobre a temática de
preservação e garantia dos direitos humanos no que tange a
atuação do agente de segurança pública, faz-se necessário a
disponibilização de equipamentos e armamentos letais e não letais
para o serviço operacional, objetivando que a teoria possa ser
colocada em prática.
No que diz respeito à apreciação das normas que regem o
uso da força constatamos que não foi reconhecido qualquer tipo de
diferenciação da atuação quanto ao sexo biológico do agente
policial no modelo “Uso Diferenciado da Força” que integra a matriz
curricular vigente, promovido pela Secretaria Nacional de
Segurança Pública pela qual a PMMT pauta seus cursos de
formação, o que nos leva a compreensão que o empirismo técnico
identificado possui uma raiz social construído a partir da percepção
da sociedade que acaba por ditar os trabalhos que homens e
mulheres devem realizar, sugerindo que existem ‘habilidades
masculinas’ e ‘habilidades femininas’.
Como pesquisadora e detentora de opinião edificada pela
própria vivência e moldada pelo conhecimento científico ora
estudado, conjecturo que a mulher policial militar é designada para
as atividades que envolvam o uso policial da força, mas não é
percebida como qualquer outro policial do sexo masculino.
Algumas observações são destacadas, em especial, sua força física
e o fato de ser mãe, que a levam a ser designada para o serviço
administrativo ou mesmo a própria mulher se sente pré-disposta a
ir para o serviço administrativo após sua própria reflexão no que
tange à essas observações. É certo de que as pessoas possuem

433 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

maior afinidade com certas atividades, mas nada obsta


questionarmos até que ponto esta afinidade pode ser inata ou até
que ponto essa pessoa foi influenciada culturalmente para que
possa se perceber esta dita afinidade. As questões de gênero
predominam como norteadoras das designações, ao passo que ao
se cogitar a equivalência de um policial militar com as mesmas
capacidades físicas e de força de uma mulher os questionamentos
acerca de sua atuação policial não é equivalente ao da mulher, bem
como as responsabilidades maternas e paternas não possuem o
mesmo peso, sendo percebida desta forma tanto pela mulher
quanto pelo homem.
Pelas questões ora apresentadas, temos uma necessidade
de incentivos, de políticas que busquem a igualdade, o trabalho de
construção de cidadãos conscientes e corresponsáveis para a
construção de uma sociedade mais justa e igualitária que
consequentemente refletirão positivamente dentro instituições
como a PMMT. As questões culturais como as questões de gênero
que influenciam toda uma sociedade e ocasionam na determinação
ou predeterminação dos indivíduos surgem inicialmente no seio
familiar e são afirmadas no decorrer da caminhada construtiva do
ser humano, sendo a transformação dessas concepções possível a
partir de novas descobertas oriundas da educação que
proporcionam a revolução das ideias e uma nova formação de visão
de si, do outro e do mundo.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 19
A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA COMO APOIO A
ATIVIDADE POLICIAL COM FOCO NO USO DA
FORÇA

Rodolfo de Oliveira Feitoza

O presente capítulo tem como foco principal mostrar como


a inteligência pode contribuir com a atividade policial, auxiliando e
orientando suas ações para que sejam mais eficazes e não cometam
abusos no uso da força. Essa contribuição torna-se primordial pelo
fato de a modernização da criminalidade convertendo o simples
policiamento, que trabalha sem nenhum tipo de informação, algo
ultrapassado. Essa parceria entre inteligência e atividade policial
também contribuiu para melhorar a atuação do policial pautando
sua ação na proporcionalidade e legalidade.
Sabe-se que o poder de polícia exercido pelo Estado tem
dois braços de atuação que são a polícia administrativa, de caráter
preventivo, e a polícia judiciária, de caráter repressivo conforme
leciona Di Pietro (2018). Ela conclui afirmando que “a polícia
judiciária é privativa de corporações especializadas (polícia civil
federal e militar), enquanto a polícia administrativa se reparte
entre diversos órgãos da Administração, incluindo, além da própria
polícia militar, os vários órgãos de fiscalização (...)” (PIETRO, 2018,
p.196). Sendo assim, a polícia militar exerce o poder de polícia
através dos seus agentes e isso demanda uma grande
responsabilidade, pois o policial deve agir assim que identifica algo

439 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

que não esteja de acordo com a lei. Contudo, a proporcionalidade


das ações desses agentes da lei, se não realizadas nos parâmetros
legais, podem ser alvo de punições disciplinares e até mesmo na
esfera penal. Ademais, as Corporações das quais eles pertencem,
também são vitimadas, mancomunando todo um corpo de
servidores e estigmatizando-os.
Nesse sentido, verifica-se que a atividade de inteligência
pode ser fundamental para a segurança pública podendo funcionar
como um orientador e auxiliador nas decisões de todos os níveis e
escalões. É possível observar que em um contexto em que a
violência aumenta gradativamente e os policiais estão a cada dia
mais expostos, há a possibilidade da inteligência assumir também
um papel de proteção aos agentes de segurança, fornecendo mais
informações para mensurar diversos aspectos que permeiam a
segurança pública durante sua atividade fim.
Discutir sobre a inteligência como suporte da atividade
policial, com intuito de mitigar o uso excessivo da força, justifica-se
pelo aumento da violência urbana e pelo preparo da criminalidade,
com armamentos modernos, técnicas de guerrilha urbana e até
mesmo técnicas de inteligência que antes só as forças policiais
possuíam conhecimento.
A inteligência auxiliando à atividade policial pode impactar
direta e indiretamente de maneira positiva as ações das forças
policiais, como também, toda a sociedade. Tal evidência pode ser
confirmada quando analisamos o trabalho de Roldan (2020), ele, o
qual, demostra resultados como redução da quantidade de mortes
violentas e consequentemente a diminuição da violência policial.
Segundo Oliveira (2011), a produção de conhecimentos produzido
pela atividade de inteligência possibilita um competente
policiamento ostensivo. Para tanto, é necessário reconhecermos e

| 440
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

compreendermos que a atividade de inteligência deve atuar com


segurança jurídica, tecnologia e recursos de maneira conjunta com
o policiamento ostensivo.
Sendo assim, é necessário entendermos quais as principais
ações que podem ser utilizadas pela atividade de inteligência para
auxiliar o policial no exercício de suas funções, tanto no
policiamento ostensivo quanto na tomada de decisões.

HISTÓRIA E CONCEITUAÇÃO DAS ATIVIDADES DE


INTELIGÊNCIA

Para a compreensão sobre a inteligência é preciso


entender, pelo menos superficialmente, seu desenvolvimento. De
acordo com o que nos ensina Andrade (2012) é importante
entender as origens da atividade de inteligência para poder
conceituá-la de maneira correta e compreender seus pontos
primordiais.
Mas não é tão simples determinar o início da inteligência
em contexto mundial visto que há diversas teorias existentes. Na
própria Bíblia podemos ler algumas histórias que narram ações
típicas da inteligência, como a dos dozes espias mandados por
Moisés à Canaã ou dos dois enviados por Josué à Jericó103.
Com a evolução das guerras e dos combates, a informação
estratégica passou a ter mais importância para na preparação para
a batalha. Táticas foram sendo formadas e aperfeiçoadas de acordo

103Duas passagens Bíblicas relatam envios de espiões para analisarem o local onde o
povo hebreu iria passar, esses relatos se encontram em qualquer bíblia católica ou
evangélica respectivamente no livro de Números capítulo 13 e Josué capítulo 2.

441 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

com as informações que eram obtidas. Alexandre, o Grande


segundo Rodrigues (2007), posicionava o seu exército de acordo
com informações que recebia de seus espiões e isso era um ponto
diferencial em suas batalhas.
Indo para o século XVI na Europa, reis e governantes
buscavam de alguma maneira se proteger e ao mesmo tempo
expandir seus domínios. A região era imersa em conflitos e a
estruturação de uma rede de informações era necessária em um
ambiente tão turbulento. Sendo assim, Rondon Filho (2012, p.42)
afirma que “os sistemas de inteligência se modificaram na
modernidade com suas bases fundadas no século XVI na Europa em
razão da necessidade de controle estatal por conta dos constantes
conflitos sociais e da competição entre Estados (...)”.
Destarte, o surgimento da inteligência pode ser colocado
nesse período em três pontos principais que são a diplomacia, a
guerra e o policiamento político (CEPIK, 2003). Portanto à
diplomacia está ligada a inteligência externa, o fazer a guerra como
inteligência militar e defesa nacional e o policiamento político
como inteligência interna.
Esses três pontos não surgiram de maneira simultânea, eles
foram se desenvolvendo de acordo com a necessidade do momento.
O foco desse estudo será no policiamento político – inteligência
interna – que é a base do serviço de inteligência policial moderno.
O surgimento dessa categoria de inteligência data do século XIX
(CEPIK, 2003) e foi uma evolução e adaptação do serviço de
inteligência para o âmbito interno.
Nesse momento da história houve o surgimento de grupos
terroristas e insurgentes. Isso fez com que os Estados tivessem que
capacitar seus agentes internos para esse tipo de combate, focando
suas ações em contraespionagem, contrainteligência, repressão a

| 442
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

subversão, interrogatórios, infiltração, recrutamento e repressão


política.
Posteriormente as tensões revolucionarias, os órgãos de
segurança interna continuaram ampliando suas ações) (CEPIK,
2003). O país que se destacou como pioneiro nessa categoria foi a
Rússia com desde 1565 de agências voltadas para a segurança
interna. Com o passar do tempo essas agencias começaram a
monitorar as atividades de órgãos de segurança e inteligência
estrangeiros além de caçar revolucionários.
Após as duas grandes guerras mundiais iniciou um
processo de descolonização. Foi o momento em que surgiram
diversos grupos terroristas com os propósitos e ideais diferentes
dos anteriores. O combate interno foi feito pelos serviços de
inteligência.
Essa ideia de inteligência interna permanece até hoje
quando falamos de inteligência de segurança pública (ISP). Porém
com a redemocratização de alguns países e o afastamento de
grande parte deles de políticas totalitaristas essa inteligência
doméstica passou a ser integrada as forças policiais.
Com isso, foi identificado a necessidade de uma inteligência
voltada para ações policiais e não somente para questões que
envolvessem um Estado contra o outro ou combater opositores
políticos. A necessidade de atuação contra o tráfico de drogas e o
crime organizado, segundo Cepik (2003), aproximou o serviço
secreto da polícia investigativa. Tudo foi colaborando para que essa
parceria entre polícia e inteligência se fortalecesse. Assim teve
início ainda de maneira embrionária a ISP.
Existe várias definições para inteligência, não tendo um
consenso entre as várias agências e governos. Na Política Nacional
de Inteligência (PNI, 2016), o qual é o documento mais importante

443 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

do país sobre o tema é definido atividade de inteligência da


seguinte forma:

Exercício permanente de ações


especializadas, voltadas para a produção e
difusão de conhecimentos, com vistas ao
assessoramento das autoridades
governamentais nos respectivos níveis e
áreas de atribuição, para o planejamento, a
execução, o acompanhamento e a avaliação
das políticas de Estado.

Esse documento estabelece os dois ramos principais da


atividade de inteligência; a contrainteligência e a inteligência.
Basicamente a inteligência irá “produzir e difundir conhecimentos
às autoridades competentes” (PNI, 2016). Já a contrainteligência
irá proteger e dificultar a inteligência adversa ou qualquer outro
órgão ou pessoa que queria acessar quaisquer tipos de informação
relevante para aquela agência. Essa ação é em âmbito nacional ou
internacional e de tudo que possa ter interesse dos decisores,
governos, Estados e sociedade.
Sherman Kent 104 em seu livro “Strategic Intelligence for
American World Policy”, de 1949, sistematizou um conceito trino
que até hoje é usado na inteligência o qual é inteligência como
organização, como atividade e como produto.
A inteligência como Organização é composta simplesmente
pelos serviços secretos que produzem conhecimento e operam
buscando o dado negado como também pela sua salvaguarda.

104Considerado como “pai da análise de inteligência” elaborou muitos métodos


importantes de análise. Seu livro Strategic Intelligence for American World Policy é
considerado um clássico.

| 444
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Inteligência como Atividade ou Processo é como essas agências


adquirem e tratam esses dados utilizando suas metodologias
próprias de produção de conhecimento. E por fim, como Produto
ou Conhecimento, é o resultado do processo descrito acima, ou seja,
produção de conhecimento. Esse produto é dirigido ao tomador de
decisão.
Pacheco (2012, p.80) acrescenta mais um ponto que é a
“inteligência como método”. Este último é definido como “o método
que o serviço de inteligência utiliza, a saber, o ciclo de produção do
conhecimento, no qual são empregadas operações de inteligência,
ações de busca e técnicas operacionais”.
E são dessas bases que surge a inteligência de segurança
pública. No Brasil podemos datar o início a partir dos anos 2000
com a implementação do Decreto Nº 3.695. Isso não quer dizer que
antes desse período os setores de inteligência das polícias não
focassem no crime comum, contudo, essas ações provavelmente
eram realizadas de maneira mais tímida e sem diretrizes tão claras.
Nesse contexto foi criado o SISP que é o Subsistema de
Inteligência de Segurança Pública e que tem como principal
finalidade “coordenar e integrar as atividades de inteligência de
segurança pública em todo o País” (Brasil, 2000). Portanto, a ISP é
importante para ações mais assertivas no âmbito da atividade
policial. Pacheco (2012) nomeia essas inteligências como
Inteligência Executiva e são feitas por órgãos que possuem poder
de polícia e, em suas atividades cotidianas, elas buscam prender,
punir, condenar, multar entre outras coisas. Diferente dos órgãos
de Inteligência de Estado, como a ABIN, que não tem poder de
polícia e sua intenção é o assessoramento do decisor.

445 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Em seu trabalho Pacheco (2012, p.97) explica:

Essas inteligências são uma outra espécie de


inteligência, pois produzem um
conhecimento não apenas para assessorar
outro órgão a tomar decisões estratégicas,
mas também para executar suas próprias
competências constitucionais, na mesma
instituição que integram, como investigar,
prender, condenar, interditar, multar,
sancionar ou, em geral, punir, administrativa,
civil ou penalmente.

Há uma diferença expressiva entre inteligência de Estado,


que é uma inteligência consultiva e a inteligência de segurança
pública, a qual é uma inteligência executiva. Mas é necessário
salientar que as diversas agências de inteligências podem e muitas
das vezes executam esses “dois tipos” de inteligência, visto que elas
não são concorrentes e podem se complementar. Elas também
atuam em níveis operacional, tático e estratégico. Quando falamos
do nível estratégico Oliveira (2011, p.19) explica que “assume o
cunho prospectivo e proativo, analisa tendências de criminalidade
apoiando a gestão da segurança pública na formulação de novas
políticas, programas e planos focados mais nas causas estruturais
do que conjunturais.” Já no nível tático o foco é “produzir
informações operacionais a serem utilizadas pelos comandantes
com a finalidade de enfrentar a criminalidade com maior eficiência
e eficácia, proporcionando à sociedade maior segurança”
(OLIVEIRA.2011, p.14). E o nível operacional pode ser explicado
como “ações especializadas de busca e obtenção de dados e

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

informações, quando são empregados meios especializados e


procedimentos técnicos (...).” (FERRO JUNIOR, 2008, p.38).
Esses conceitos são importantes para entendimento sobre
a diversidade na atuação da inteligência e, com isso, pode-se notar
que ela é capaz atuar para um policiamento eficaz, a estabilidade
interna, uma boa formulação de políticas públicas e a soberania do
país.

O USO DA FORÇA NA ATIVIDADE POLICIAL

Aqui será esclarecido o desenvolvimento da utilização da


força na atividade policial, como também conceitos centrais para o
bom entendimento do o uso excessivo da força e como ocorre uma
ação legítima por parte dos agentes de segurança pública.
O uso da força sempre esteve em debate no Brasil,
principalmente quando ocorre uma ação policial que julgam ter
havido um excesso de força por parte dos agentes, sem avaliar,
algumas vezes, a ação dos suspeitos. Alguns creem que essa visão
está conectada à maneira que houve a redemocratização do país
após o período militar. Muniz descreve que “a percepção do
problema do uso da força pela polícia e a discussão de sua
propriedade no Brasil se deem com base na ingenuidade perigosa
que não distingue (...) o uso da violência (...) do recurso à força
(...).(MUNIZ et al, 1999, p.107).
Essa distinção entre o abuso e a legitimidade é muito
relevante para o entendimento do tema. Contudo, apesar das
polêmicas que geram até hoje, esse processo de passagem do

447 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

regime militar para um governo democrático não mudou muito as


estruturas policiais, principalmente a das polícias militares.
Vários autores colocam o caráter militar como o grande
problema nas ações efetuadas pelas Polícias Militares. Em seu
trabalho Luciano (2007, p.9) discorre da seguinte maneira, “essa
hipótese tem dominado a literatura na área e conduzido a um
diagnóstico de que a ação mais importante para minimizar o efeito
da violência policial e a falta de eficiência seria a eliminação do seu
caráter militar”.
Nada obstante, a Constituição Federal de 1988 imputa para
as polícias militares uma responsabilidade ampla; o policiamento
ostensivo e a preservação da ordem pública. Para que se tenha
ordem pública é necessário o uso da força, dado que,
inevitavelmente, será imposto e cobrado desses agentes o uso da
força de maneira proporcional. Muniz, Proença Jr. e Diniz (1999)
em seu trabalho afirmam que é necessário o uso de força para obter
obediência e, Faria (1999) diz ser difícil e delicada a função de um
policial, pois entende que é legitimo o uso da força, contudo deve
ter se esgotado todas as possibilidades antes, como a negociação,
persuasão e mediação. Por conseguinte, o ponto é, como mensurar
o uso da força sendo preciso avaliar diversas variáveis.
Para que esse problema fosse minimizado foi publicada a
Portaria Interministerial nº 4226, que estabelece Diretrizes Sobre
o Uso da Força pelos Agentes de Segurança Pública. Essa portaria
padroniza vários conceitos que estão espalhados por diversas leis
e dessa forma ajudar na compreensão por parte dos agentes de
segurança.
Temos também o Código de Conduta para Encarregados da
Aplicação da Lei (CCEAL), o qual é um documento que auxilia os
Estados-membros para elaborarem diretrizes em suas leis internas

| 448
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

baseadas nos direitos e nas liberdades humanas. Esse diploma legal


define como deve ser as atitudes de um agente público de
segurança. Dentre os pontos relatados no texto destacamos que os
“funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem
empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e
na medida exigida para o cumprimento do seu dever.” (CCEAL,
1979). O próprio Código explica esse artigo dizendo que “o
emprego da força por parte dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei deve ser excepcional.”
Todavia, o uso da força é necessário em alguns casos, como
na detenção de delinquentes ou de suspeitos e na prevenção de
crimes. Todavia, essa ação deve ser proporcional à ação do infrator.
Outro ponto são os Princípios Básicos sobre o Uso da Força
e Armas de Fogo (PBUFAF). Ele discorre como o agente de
segurança deve agir antes, durante e depois do uso da arma de fogo
e ressalta que é recomendado aplicar meios não-violentos antes da
ação com arma de fogo. Destacamos o ponto 9 desse código pela sua
importância e relevância para o trabalho, nele diz que para o uso de
arma de fogo é necessário ser legitima defesa, uma situação que
possa levar a morte ou um ferimento grave, prender alguém ou
impedir um crime grave contra a vida e evitar fuga. Desde que não
possa ser feita a contenção desse individuo com outros
equipamentos.
Esse ponto deixa claro que a utilização da arma de fogo é
considerada algo excepcional, contudo, será que essa realidade
pode ser aplicada a países com alto índice de violência urbana como
o Brasil? Muniz, Proença Jr e Diniz (1999, p.3) lembram que “os
índices de vitimização policial têm sido extremamente elevados nas
grandes cidades brasileiras.” Em alguns momentos da história
recente os números de homicídios do Brasil chegaram a ser

449 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

comparados com números de países com guerra civil 105 .


Atualmente a Portaria Interministerial nº 4.226 coloca que “todo
agente de segurança pública (...) deverá portar no mínimo 2 (dois)
instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de
proteção necessários à atuação específica, independentemente de
portar ou não arma de fogo.”
É utópico concluir que simplesmente com esses códigos,
que sugerem o caminho a ser seguido pelo Estado, se resolver-se-á
o problema da segurança pública no país. Não obstante, entende-se
que esse pode ser um passo para que as forças policiais consigam
ser mais eficazes e diminua o índice de violência e,
consequentemente, o uso da força seja de maneira adequada.
Diferentes forças policiais no mundo elaboraram modelos
de utilização do uso da força. Segundo o Ministério da Justiça
(2006) o modelo mais adequado para o Brasil é o CANADENSE, haja
vista a facilidade, praticidade e diversidade de uso. O Modelo
CANADENSE que segundo SENASP (Curso de uso diferenciado da
força, SEGEN, 2020) é composto por um “círculo interno central
que corresponde a situação ou ocorrência (SITUATION). As três
setas formando um círculo nos lembram o que o Agente de
Segurança Pública sempre deve fazer quando se depara com
situação de risco: ASSESS (Avaliar) PLAN (Planejar) e ACT (Agir).”

105 Números de homicídio no Brasil são de guerra civil, diz MJ.


https://cd.jusbrasil.com.br/noticias/100656723/numeros-de-homicidio-no-brasil-
sao-de-guerra-civil-diz-mj (CITAÇÃO CORRETA?)

| 450
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Figura 03 Modelo CANADENSE

Figura 3 – Modelo "CANADENSE" de uso diferenciado da força.


Fonte – SENASP (SEGEN). Apostila Uso da Força (2020)

Esse modelo é considerado de fácil compreensão, um dos


motivos de ser o mais recomendado. Ele possui sete níveis de força
e cinco níveis de avaliação do suspeito. Exige-se do agente de
segurança que ele faça a escolha certa na seleção adequada de força.
A partir de 2009 se estabeleceu que a terminologia correta
seria Uso diferenciado da Força (UDF). Vale ressaltar que MORAES
(2019, p. 13) afirma que o “uso diferenciado da força (UDF)
consiste na seleção adequada de opções de força pelo agente de
segurança, em resposta ao nível de ação do indivíduo suspeito ou
infrator da lei a ser controlado.”

451 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Para que isso ocorra com sucesso foram desenvolvidos os


instrumentos de menor potencial ofensivo (IMPO’s), os quais
possibilitam ao agente uma margem maior de alternativas até
chegar à utilização de meios letais. Esses equipamentos têm como
objetivo ajudar o agente de segurança a parar um comportamento
hostil e violento.
Não obstante , é preciso analisarmos outros pontos, como
o número de suspeitos que há para cada policial, ou a compleição
física dos policiais e dos suspeitos, se os policiais e os suspeitos
conhecem de técnicas de defesa pessoal, sexo dos policias e dos
suspeitos, bem como, é necessário saber o estado mental dos
envolvidos. Moreira e Corrêa (2001, p.81) apud MORAES (2019, p.
22) relata esses pontos quando falam do nível de intensidade de
força, explicando que ainda há subníveis que variam de acordo com
outros comportamentos dos policiais e dos suspeitos.

a) Desproporção entre número de policiais e


número de suspeitos envolvidos;
b) Tipo físico, idade e sexo dos policiais em
relação às mesmas variáveis dos indivíduos
suspeitos; c) Habilidade técnica em defesa
pessoal dos policiais envolvidos; d) Estado
mental do policial e do suspeito no momento
do confronto.

E para que esse tipo de situação seja previamente analisado


e planejado, pode-se utilizar a inteligência atuando em apoio ao
policiamento. A seguir, há que se analisar como e quando a
atividade de inteligência pode atuar para que o uso da força seja
feito de maneira eficaz.

| 452
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

A INTELIGÊNCIA E O USO DA FORÇA

A inteligência policial vem crescendo e se tornando cada


dia mais importante na segurança pública. É possível afirmar que
sem ela a atuação da polícia estaria severamente prejudicada. Silva
Patrício (2006), diz que o nível de criminalidade atual não pode ser
combatido sem a inteligência. Com essa mesma importância Ferro
(2006, p.77), afirma que “a ISP tem sido apontada ultimamente no
Brasil como um instrumento essencial para o enfrentamento do
problema da criminalidade crescente que o País atravessa.”
Em seu trabalho Roldan (2020), nos mostra como a
inteligência pode auxiliar na diminuição da criminalidade. Ele faz
um vínculo entre o surgimento do mecanismo de inteligência e a
queda na criminalidade, como podemos ver neste gráfico.

Gráfico 01. Mortes violenta no Estado de São Paulo

Fonte: ROLDAN (2020, p. 27)

453 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Vemos a diminuição das mortes entre1999 até 2019 no


Estado de São Paulo e isso, segundo o autor, está ligado ao
surgimento, fortalecimento e aperfeiçoamento da inteligência.
Demonstrando assim como a parceria bem planejada entre a
inteligência e a atividade policial podem reduzir a violência urbana
A atuação da análise criminal surge como ponto importante
nesse trabalho. O foco é os fenômenos criminais, os quais são
analisados de maneira qualitativos e quantitativos, casos concretos
e dinâmicas criminais. Essas informações repassadas aos policiais
durante o patrulhamento e assim os tornando mais preparados e
possam saber de maneira antecipada o que os aguarda, se torna um
policiamento inteligente e eficiente. Pereira (2003), afirma que
esses dados estatísticos extraídos de ocorrências, pesquisas e
informações são de extrema importância para prever ocorrências e
planejar ações policiais. Assim é possível concluir que a análise
criminal é:

Um processo sistemático de exame da


tendência histórica de incidência da
criminalidade, realizado com base nos
registros de atendimentos de ocorrências
policiais em determinada área geográfica e
série histórica, com vistas a assessorar a
tomada de decisão no sentido de melhor
alocar os recursos humanos e materiais das
instituições policiais. (FERRO, 2006, p.88);

A análise criminal é importante para uma ação planejada,


antecipando possíveis cenários e dessa forma diminuir as situações
que extrapolem o uso da força. Alguns benefícios da atuação

| 454
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

constante e sistêmica da análise criminal é a melhoria da eficiência


do trabalho policial, otimização dos recursos, mapeamento das
mudanças da criminalidade, suas adaptações e evoluções e o
mensurar a performance nas suas atuações (Pereira, 2003).
Acrescentaria nessa lista a melhor adequação do UDF.
Assim sendo, foi possível notar a importância da
inteligência para uma atuação mais eficiente da polícia, otimizando
suas ações e proporcionando segurança para os cidadãos e para os
policiais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme apresentado ao longo desse trabalho, pode-se


reafirmar a importância do assunto abordado, visto que ele pode
impactar consideravelmente na atuação da segurança pública e na
sociedade. Viu-se que durante anos houve uma nítida evolução da
atividade de inteligência até esse momento de reentrância com a
atividade policial. Com o surgimento deu-se início a uma moderna
forma de fazer segurança pública, isso fazendo com que hábitos e
práticas da atuação policial sofresse uma mudança.
Notou-se alguns pontos importantes que deveriam ser
colocados em prática por parte das corporações de segurança
pública para que esses benefícios ocorram.
O primeiro ponto seria o investimento financeiro na
inteligência, principalmente na parte tecnológica. Existe a
necessidade de uma modernização constante, novas tecnologias
surgem diariamente e é preciso utilizá-las em favor da segurança
pública. Atualmente, a inteligência a tecnológica encaixam-se

455 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

perfeitamente, sendo que uma serie de dados circulam na internet


e para analisá-los são necessários, além de software modernos,
pessoas especializadas para fazer a análise desses dados, os
analistas de inteligência. Os analistas são os que sabem o que se
deve analisar e para onde deve-se olhar.
O segundo ponto é a capacitação de seus agentes, a qual
entendemos ser a base principal. O investimento no ser-humano
pode transformar uma instituição por completo, a capacitação se
mostra essencial para os analistas, como também, para os agentes
de campo (elementos de operações).
Esses agentes de campo precisam ser preparados para
lidar e observar a criminalidade de maneira diferente do que um
policial ostensivo. A função deles é colher informações sem intervir
nos acontecimentos, a priori. Algo que pode ser difícil para policiais
acostumados a agir quando observam o crime. Não é sabido os
dados oficiais, porém, acreditamos que poucas polícias tenham em
seu currículo base, nos cursos de formação, a matéria inteligência
de maneira aprofundada. O aprendizado era passado de um policial
antigo para o mais moderno e isso acabava não padronizando a
atividade de inteligência nas corporações. Quando o policial passa
a atuar na inteligência é necessário capacitá-lo de maneira
adequada e contínua para que ele entenda a atividade e conheça as
leis que a regem.
O terceiro ponto é o trabalho conjunto entre a inteligência
e a gestão. Isso faz com que as decisões sejam tomadas de maneira
técnica e não por achismos. Essas duas atividades juntas
promovem a otimização dos resultados e a assertividade nas
decisões aumentem. A inteligência tem que fazer o que foi
designada a executar, ou seja, subsidiar os tomadores de decisão.
No caso da segurança pública os tomadores de decisões são os

| 456
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

comandos que ficam na parte administrativa e também os policiais


que estão na rua. Ambos precisam de informações relevantes e
confiáveis em tempo hábil para tomar as decisões precisas e
corretas. Esse é o ponto chave nesse processo, informações
carecem chegar para todos que precisam delas. Desse modo, se o
policial está na rua patrulhando ou estruturando o policiamento é
necessário que receba informações para se planejar com eficiência.
Destarte, é praticamente impossível atuar com excelência
na segurança pública, ou até mesmo em qualquer outra área, que
tenha alguma competição ou adversário, sem apoio da inteligência.
Ainda é necessário buscar um maior desenvolvimento da
inteligência seja com a legislação ou com equipamentos e
desenvolvimento dos seus agentes, todavia, podemos afirmar que
a inteligência de segurança pública vem evoluindo no Brasil. Esse é
um tema que ainda pode ter diversas abordagens de pesquisas e é
imprescindível que isso aconteça para que se possa continuar
desenvolvendo a ISP no Brasil.

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Nacional de Inteligência, e dá outras providências. Brasília, 2016.

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1988: promulgada em 5 de outubro de 1988, atual. até a Emenda
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Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, no âmbito do
Sistema Brasileiro de Inteligência e dá outras providências. Diário

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

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2000

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| 460
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CAPÍTULO 20
OS POLICIAIS E CIDADÃOS CHILENOS CLAMAM
POR SOCORRO:BREVE ANÁLISE DOS
DISTÚRBIOS SOCIAIS SOB A PERSPECTIVA
POLICIAL.

Sérgio Carrera de Albuquerque Melo Neto

O presente capítulo busca apresentar um estudo de caso


relativo aos distúrbios sociais ocorridos no Chile entre outubro de
2019 e fevereiro de 2020 (início da pandemia do Sars-Cov-2, novo
coronavírus), a partir do ponto de vista dos policiais chilenos, que
por meio de entrevistas repassaram suas visões sobre o processo
decisório das autoridades nacionais no emprego policial ante as
manifestações no país. As entrevistas foram realizadas com alguns
policiais dos Carabineros de Chile e da Policía de Investigaciones, a
fim de comparar informações postadas em redes sociais e na
imprensa, além de ter sido solicitado a alguns especialistas de
inteligência e policiais, opiniões técnicas sobre os eventos, mesmo
que superficiais e sem qualquer intenção de denigrir os órgãos
policiais chilenos. Por fim, algumas observações referentes às ações
táticas aplicáveis em distúrbios civis e o uso da força são
contextualizadas dentro das normas, experiências e legislações
nacionais e internacionais usadas no Brasil.
O Chile, país mais estável e próspero econômica e
socialmente da América do Sul (INFORMONEY, 2019; GAZETA DO
POVO, 2020) tem alguma base técnica para afirmar isso?), viveu

461 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

durante mais de quatro meses o que muitos consideram uma


catástrofe jamais imaginável desde o fim do regime militar e início
da democracia, no início da década de 1990. Os violentos conflitos
que tomaram conta das principais cidades do país entristeceram e
amedrontaram os cidadãos e estrangeiros, visto ser um dos
maiores destinos turísticos do continente.
Apesar de ser bastante sensível realizar uma análise
remota dos acontecimentos no Chile, torna-se fundamental buscar
um mínimo de entendimento sobre o que ocorreu no país, dado os
inúmeros casos de confrontos entre policiais e manifestantes, além
do uso (ou não) de armamento menos letais. O início dos protestos
violentos deu-se com manifestações em oposição ao aumento da
tarifa do metrô, mas logo passaram a contestar as políticas do
governo do presidente Sebastián Piñera. Em duas semanas, cerca
de 15 pessoas morreram e outras 2.500 foram detidas durante os
confrontos entre manifestantes e policiais. Em Santiago, Capital do
Chile, mais de 10 mil soldados do Exército passaram a patrulhar as
ruas por ordem de Piñera, que decretou estado de emergência e
toque de recolher nas principais cidades do país.
No entanto, o aumento da tarifa foi apenas o estopim para
uma série inconformidades com problemas estruturais do Estado e
com as demais políticas econômicas e sociais (desigualdade,
privatizações, escolaridade, previdência, altos salários de
parlamentares, baixa qualidade dos serviços públicos etc.).
Sem lideranças identificadas ou demandas específicas, as
manifestações foram coordenadas e marcadas por redes sociais,
com gritos de ordem de "basta de abusos" e "#ChileAcordou". Os
atos foram extremamente violentos e de enfrentamento direto com
autoridades policiais, com uso de máscaras, coquetel molotov,

| 462
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

destruições de bens e patrimônios públicos, violência física,


depredação, saques etc.
Os partidos de oposição (de esquerda) aproveitaram o caos
instalado e passaram a advogar sob a bandeira dos direitos
humanos, promovendo uma guerra psicológica, levando a uma
gradual derrota moral das instituições de Estado, em particular as
duas polícias nacionais do Chile: a) os Carabineiros (los Carabineros
de Chile), polícia ostensiva e uniformizada, exceto as unidades de
investigação e inteligência, de ciclo completo106, com cerca de 52
mil profissionais e responsável por garantir a soberania, ordem e
segurança pública, consequentemente, o respeito às leis; e, b) a
Polícia de Investigações (Policía de Investigaciones), polícia
judiciária e técnico-científica nacional, de natureza civil, onde os
cerca de 7.500 mil policiais não utilizam uniforme, salvo em
diligências e em alguns tipos de patrulha, acompanhamento e
operações.
Entretanto, verificou-se que mesmo com o engajamento
político-partidário, os movimentos estavam fora do controle dos
atores políticos de esquerda, embora eles também participassem.
Para exemplificar, o prefeito da cidade de Valparaíso, terceira
maior cidade do país, pertence a um partido de esquerda. Antes do
“estopim”, participava de reuniões com os vizinhos, convocando-os
para a desobediência civil. Após o início das manifestações,
impetrou com uma ação no Poder Judiciário contra os Carabineros
para que os policiais não mais usassem armamento anti-distúrbios,

106Polícia de ciclo completo é o termo adotado no Brasil para conceituar uma instituição
policial que realiza todos as etapas da atividade policial, do policiamento ostensivo até
o fim das investigações. No Brasil, existe um modelo considerado arcaico, com a
separação entre polícia administrativa (polícias militares) e polícia judiciária (polícias
civis), chamado de “ciclo incompleto de polícia”, sistema pouco encontrado ao redor do
mundo, dado a sua ineficácia.

463 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

nem gás lacrimogênio. Posteriormente, devido à alta quantidade de


saques e crimes em sua área de circunscrição, clama pela ação
policial para ajudar a deter a crescente onda de violência. A
desordem passou a assombrar todas as ideologias partidárias.
Em entrevista, um analista de inteligência chilena 107
reforça a tese do enfraquecimento do sistema de inteligência de
todo o Chile, em especial da inteligência policial. Nenhuma das
instituições foram capazes de antever as manifestações e após
meses violentos distúrbios, as lideranças não foram identificadas.
Ele esclarece que evitar esse tipo de processo de evolução
de “caos social, com múltiplas variáveis e sem lideranças
identificadas” é extremante complexo e caberia ao sistema nacional
de inteligência a responsabilidade em apresentar as medidas
necessárias para que os órgãos de segurança pública pudessem agir
com eficiência. Os protestos dessa natureza são por essência uma
ameaça à segurança social, e deveria ser utilizado o trinômio
“detectar, antecipar e neutralizar” como forma mais adequada
dentro de uma perspectiva de inteligência. Os países que compõem
a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico -
OCDE108 dispõem de um sistema que permite “antecipar, detectar e
neutralizar as ameaças”, algo que não é realizado no Chile, apesar
de ser o único país sul-americano que integra a Organização.
Para o analista:

107 O agente de inteligência solicitou que não fosse divulgada a sua identidade. Ele sugere

a “Teoria do Conflito Social Molecular” como sendo a mais apropriada para explicar a
evolução do conflito.
108 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma

organização internacional composta por 36 países com elevado PIB per capita e Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH), considerado países desenvolvidos, de democracia
representativa e economia de mercado.

| 464
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

O mais interessante é que os conflitos se


iniciaram sem bandeiras partidárias, visto
que os fatores motivadores não estavam
relacionados diretamente com a política, o
que torna, por muito, um fator ainda mais
grave, porque quando a violência estoura, a
solução não é política.

É um cisne negro, um acontecimento imprevisível e


improvável, gerando grande impacto. Após o ocorrido, há uma
tendência das pessoas falarem como se fosse possível prever com a
devida antecedência. O que ocorreu no Chile não obedeceu a
política, por mais que busquem participar dos atos.109

A atuação dos Carabineros foi muito questionada não


apenas no Chile, mas por policiais mundo afora. As principais
dúvidas eram:1) o porquê que as unidades de controle de
distúrbios civis (mais conhecidas como unidade de choque no
Brasil) não realizavam as formações, técnicas e estratégicas
adequadas para as situações vividas; 2) se os policiais chilenos
possuíam formação adequada para esses tipos de manifestações; 3)
por que os policiais não usavam armamento menos que letal como
uso racional da força; 4) se existem normas chilenas que regulem
instrumentos internacionais ou mesmo normas próprias de uso da
força; 5) porque policiais chilenos realizavam enfrentamento
“corpo a corpo” em contextos de manifestações violentas,

109 Um exemplo seria os atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos.

465 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

colocando em risco a vida deles 6) quais os motivos que levaram a


omissão das polícias chilenas, que passaram também a ser vítimas,
juntamente com os cidadãos de bem do país
A fim de melhor buscar responder a essas perguntas, foram
realizadas transcrições das conversas com policiais dos
Carabineros e PDI durante o período de maior convulsão social:

- “O chile está em convulsão. Nem mesmo os policiais e os


cidadãos de bem que amam o seu país, conseguem acreditar no que
ocorre.”.

- “O presidente não quer ser julgado no futuro como um


ditador genocida. Ninguém tem a coragem de argumentar com o
presidente e o diretor-geral dos Carabineros é novo no cargo, sem
a experiência necessária para gerir a crise. Ameaçado de perder o
cargo, nada faz e somente obedece ao presidente. Ainda mais
complexo é a ameaça constante de exoneração o General Diretor-
Geral dos Carabineros e nomear um civil110 para o cargo, alterando
a legislação.”.

- “Existe um receio é de que este momento seja uma


repetição do Golpe de 1973.”.

- “Os quarteis são atacados quase que diariamente.”.

- “O Human Rights Watch ‘determinou’ ao governo que os


policiais não poderiam usar armamento menos-letais de balas de

110No meio policial, “civil” é todo aquele que não seja membro de uma instituição policial
(independente se ela for de natureza civil ou militar).

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

borracha, por conta de lesões nos manifestantes. Então, os


manifestantes se valem da situação e enfrentam a autoridade. São
subversivos!”.

- “Estamos desarmados! Saímos a ruma (à rua?) para


enfrentar corpo a corpo! As coisas estão muito ruins! Te juro que
não compreendemos o que passa na cabeça do presidente e do
comando dos Carabineros! Não compreendemos o que passa com
os carabineiros! Uma covardia!”.

- “As Forças Armadas não querem atuar nas ruas e alegam


ser problema de segurança pública e não de defesa. Não estão
dispostos a responderem frente ao Poder Judiciário, à sociedade e
ONG’s por violação de direitos humanos. Estiveram nas ruas
somente por uma semana, quando o presidentedecretou ‘estado de
emergência’ e a situação foi bem coordenada com os Carabineros.
Mas por medo das críticas do parlamento e de ONG’s de direitos
humanos, o presidente recuou e nos determinam atuar nas ruas
proibidos de usar equipamentos menos-letais!”.

- “Faz dois anos que o Congresso alterou a lei e retirou a


competência de realizar inteligência policial, restando um mínimo
no que toca ao tema.”.

- “Estamos esgotados e vivendo nos quarteis para proteger


para que não sejam saqueado/roubados.”.

- “Os delinquentes (el lumpen) estão felizes porque tomam


conta das ruas e ninguém faz nada. O governo é passivo, não

467 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

protege nem seus policiais nem a população de bem, que também


tem sido saqueada e seus pequenos comércios destruídos.”.

- “Covardia ainda maior é que recentemente os Carabineros


incorporaram novos policiais e o comando da instituição
determinou que esses profissionais sem experiência devem atuar
na rua, enquanto os mais antigos devem ficar aquartelados”.

- “A postura das autoridades chilenas é completamente


diferente da postura das autoridades colombianas, que também
passam por conflitos. Na Colômbia, a Polícia Nacional tem apoio
irrestrito do alto comando e do governo”.

- “Estamos sob ameaças veladas dos comandantes.


Ameaçam expulsar os Carabineros, mas não nos dão os meios
mínimos para atuar. Querem nos responsabilizar por qualquer
coisa! Muitos carabineros estão feridos! Vivemos com medo tanto
de atuar nas ruas como de ser expulsos. Quase entre vida e morte!
O nível de estresse é enorme”.

POLICÍA DE INVESTIGACIONES (PDI)

Em entrevista a policiais da Policía de Investigaciones, a


situação também foi complexa e vergonhosa para eles. Embora não
tenham as incumbências de controle de manifestações, o caótico
cenário afetou diretamente a atuação da PDI.
Como trabalham em grande parte com informações e
inteligência, mas não receberam apoio em prover observações e
dados para os próprios membros da PDI e dos Carabineros.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Afirmam que o diretor-geral dos Carabineros é novo e com pouca


experiência operacional; seu discurso não é firme e nunca se
posiciona ao lado de seus policiais, o que apenas consolida uma
liderança falha e apenas preocupada em manter o cargo,
obedecendo às absurdas ordens dos ministros e presidente,
deixando os seus policiais à mercê de situações de alto risco. As
reclamações sobre o comportamento omisso, medroso e frágil do
presidente da República é senso comum.
Em entrevista, um policial da PDI afirma que faltaram
recursos humanos, financeiros e de materiais, especializações e
liderança. Somado a todos esses pontos, destaca que a inteligência
policial deixou (e ainda deixa) muito a desejar em vários sentidos,
pois tiveram vários cortes financeiros e limitação em suas ações
pelo governo.
O policial relata que estiveram durante os quatro meses em
caráter de sobreaviso, sem rancho e a maioria come nas mesas de
trabalho, causando o péssimo cheiro no ambiente. As unidades
ficaram em situação de penúria e sem recursos para a aquisição de
comida e demais atividades laborais. Todos precisaram comprar
materiais com dinheiro do próprio bolso para conseguir concluir as
missões.
“Es vergonzoso!” - desabafa.

469 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

ANÁLISE DE POLICIAIS BRASILEIROS

O sargento Mainar Rocha111, da Polícia Militar do Distrito


Federal (PMDF), considerado um dos maiores especialistas em
Controles de Distúrbios Civis do Brasil, descreve ações em
situações semelhantes:

Para dispersar e debilitar multidões, tem de


adotar estratégicas apropriadas, com base no
uso racional da força. Cada caso deve ser
tratado como único, mas em regra geral, o uso
de agente químico lacrimogêneo que afasta
agressores; porém, quando os manifestantes
usam máscara, não tem outra alternativa a
não ser a abordagem com impacto controlado,
ou soluções lacrimogêneas em jatos de água,
que provocará efeitos levemente vesicantes
na pele. No momento da dispersão, teremos
separação e fracionamento dos grupos de
agressores, desta forma tiramos a unificação
psicológica e de desígnios, o que facilita a
capturar as lideranças. Para isso, grupos de
busca e captura devem estar bem preparados
para a retenção de lideranças em momentos
de vulnerabilidade da massa.

Perguntado sobre o que pensa do emprego dos


carabineiros sem treinamento e equipamento no meio das
multidões, Mainar Rocha afirma ser uma “missão suicida”, pois
nenhum comando deveria dar ordens que coloquem em risco a vida

111 O Sargento Mainar Rocha é certificado como Técnico em Operações Químicas e

Técnico em Operações de Choque na PMDF, e possui longa experiência em diversas


operações reais de distúrbios civis e em docência nacional e internacional.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

dos policiais e que para contextos como os chilenos, somente


unidades altamente especializadas e com armamento e
equipamento adequados.
Do ponto de vista de policiais militares que atuam em
controle de distúrbios civis, percebe-se pouca intimidade das
unidades dos Carabineros para operarem com as munições de
menor potencial ofensivo e não possuem treinamento adequado
para esse tipo de operações. Para Mainar Rocha, a doutrina
utilizada pela PMDF 112 estabelece que as munições de impacto
controlado não são feitas para dispersar multidões, mas utilizadas
para cessar a ação dos interlocutores de influência, dos que estão
em agressões atuais ou iminentes. A intervenção com munição de
borracha deve ser pontual (seletiva), motivo pelo qual na Capital
do país somente são utilizadas as munições mono-impacto (projétil
único), mitigando assim sensivelmente os disparos nos olhos ou
alvejar pessoas que não estão diretamente na condição de
agressores. O disparo é feito nas pernas e nunca utilizando o chão
para diminuir energia para depois acertar o agressor, afirma
Mainar Rocha.
Segundo Eliel Teixeira, Deputy-Sheriff do Departamento de
Xerifes do Condado de Los Angeles, segunda maior agência policial
dos Estados Unidos, explica que o uso da força é universal e direito
do Estado, que deve fazê-lo de maneira necessária ou razoável
(termos usados em seu departamento). Em Los Angeles, observado

112 Munições utilizadas pela PMDF: munições mono-impacto no calibre 12 modelos AM-

403/P e AM-403/PSR; As munições Tri-impacto (três projéteis) e multi-impacto (+ de


três projeteis) são os modelos:AM-403/A, AM-403/M, AM-403/C. No calibre 40mm ou
40x46 OTAN, munições mono-impacto AM-470 e NT 901.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

o contexto onde se deve fazer o uso da força em manifestações, os


policiais buscam identificar as lideranças, por meio do serviço de
inteligência, e adotar medidas de resolução de conflitos, como
negociar para que haja dispersão para que só mediante recusa e
insistência, serão utilizados armamentos menos letais, em
conformidade com cada cenário. Teixeira afirma que também
recebem críticas de organizações não-governamentais, como a
“União das Liberdades Civis Americanas” (American Civil Liberties
Union – ACLU), mas mesmo que exista um litígio, se o uso da força
for dentro dos princípios da legalidade, necessidade e
razoabilidade, com equipamentos e munições usados por policiais
devidamente treinados, os processos administrativos ou penais são
todos arquivados.
No Chile, o diretor-geral dos Carabineros suspendeu o uso
da munição de borracha, pois estava com a composição diversa da
que constava na ficha técnica do fabricante. Há modelos de
munições que possuem a alma de chumbo revestida de borracha,
então além da falta de domínio técnico na utilização, tem a pane no
material.

A RESPEITO DA LEGISLAÇÃO DO USO DA FORÇA E


MUNIÇÕES

Praticamente todas as legislações brasileiras sobre uso da


força e o de emprego policial em manifestações foram baseadas no
direito interno por instrumentos internacionais, mais
especificamente, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Embora as normas tratem desses temas, elas não conseguem
exemplificar o uso de tecnologias menos letais (ou de menor

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

potencial ofensivo), mas apresentam princípios e conceitos de uso


e emprego internacionalmente padronizados.
Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo
pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei da ONU,
apresenta uma série de boas práticas operacionais sobre uso
diferenciado da força e das armas de fogo (Princípio 2):

Os governos e entidades responsáveis pela


aplicação da lei deverão preparar uma série
tão ampla quanto possível de meios e equipar
os responsáveis pela aplicação da lei com uma
variedade de tipos de armas e munições que
permitam o uso diferenciado da força e de
armas de fogo. Tais providências deverão
incluir o aperfeiçoamento de armas
incapacitantes não-letais, para uso nas
situações adequadas, com o propósito de
limitar cada vez mais a aplicação de meios
capazes de causar morte ou ferimentos às
pessoas. Com idêntica finalidade, deverão
equipar os encarregados da aplicação da lei
com equipamento de legítima defesa, como
escudos, capacetes, coletes à prova de bala e
veículos à prova de bala, a fim de se reduzir a
necessidade do emprego de armas de
qualquer espécie. (grifo nosso)

Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei


devem assegurar-se de que todos os encarregados da aplicação da
lei (policiais):

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

• sejam selecionados por meio de processos


adequados de seleção;
• tenham as qualidades morais, psicológicas e
físicas adequadas;
• recebam treinamento contínuo, meticuloso e
profissional; e que a aptidão para o
desempenho de suas funções seja verificada
periodicamente. (P.B.18);
• sejam treinados e examinados de acordo
com base em padrões adequados de
competência para o uso da força; e (grifo
nosso).
• só recebam autorização para portar uma
arma de fogo quando forem especialmente
treinados para tal, caso seja exigido que
portem uma arma de fogo. (P.B.19)

Na formação profissional dos encarregados da aplicação da


lei, os governos e organismos encarregados da aplicação da lei
devem dedicar atenção especial:

• às questões de ética policial e direitos


humanos;
• às alternativas ao uso de força e armas de
fogo, incluindo a solução pacífica de conflitos,
o conhecimento do comportamento das
multidões e os métodos de persuasão,
negociação e mediação com vistas a limitar o
uso da força e armas de fogo.

O Decreto nº 2.977/99, que promulga a Convenção de Paris


sobre a não estocagem de armas químicas, no seu corpo ele

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

reconhece o uso de agente lacrimogêneos no âmbito da segurança


pública, nomeando o agente lacrimogêneo de agente de repressão
de distúrbios.
A Lei 13.060/14 – esta lei disciplina o uso dos instrumentos
de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública,
em todo o território nacional), prevê em seu art. 2º:

Os órgãos de segurança pública deverão


priorizar a utilização dos instrumentos de
menor potencial ofensivo, desde que o seu uso
não coloque em risco a integridade física ou
psíquica dos policiais, e deverão obedecer aos
seguintes princípios: I - legalidade; II -
necessidade; III - razoabilidade e
proporcionalidade.

A Portaria Interministerial nº. 4.226/10, que normatiza as


diretrizes sobre o uso da força, estabelece que “2. O uso da força por
agentes de segurança pública deverá obedecer aos princípios da
legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e
conveniência.”.
Várias unidades policiais militares com incumbência de
controle de distúrbios civis possuem doutrinas que não permitem
contato aproximado entre manifestantes e policiais, preservando
uma distância mínima de aproximadamente 30 metros. De acordo
com o Mainar Rocha, essa distância é ideal para se garantir disparos
de elastômeros, uso de granadas explosivas e afastar o contato
físico que tem resultados danosos. “Garantimos essa distância com
pressão sonora das granadas explosivas e pela contaminação do
agente lacrimogêneo”, conclui o sargento.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se claramente que houve um verdadeiro descaso


por parte das autoridades de Estado do Chile, que não forneceram
treinamento e equipamento aos efetivos policiais para o emprego
do uso legítimo da força frente aos distúrbios sociais que assolaram
o país.
Os Carabineros e a PDI, que estiveram nos últimos anos
entre os cinco principais órgãos com maior credibilidade
institucional no Chile, hoje padecem de apoio das próprias
corporações e das autoridades políticas, sendo apenas outras
vítimas, assim como os cidadãos de bem.
O direito à manifestação é consagrado no mundo, mas há
limites. Entretanto, a partir do momento que esse direito ameaça o
direito à vida, ao patrimônio, e ao Estado Democrático de Direito, o
Estado, por intermédio da polícia, deve usar da força necessária
para manter e garantir a ordem e segurança pública.
Sem o devido preparo, treinamento, equipamento e
respaldo jurídico e disciplinar, os policiais vivem com medo ou de
ser vítima da violência ou de serem expulsos por desobediência ou
uso da força.
Sem dúvida que esse momento de crise proporcionará a
devida capacitação dos agentes públicos, garantindo uma atuação
policial em acordo com normas internacionais e desenvolvimento
de protocolos próprios e aquisições de tecnologias de menor
potencial ofensivo eficazes. A capital do Brasil é palco de
manifestações de todos os portes e para cada tipo de manifestação
existe um protocolo próprio, bem estudado e treinado, o que torna,
inclusive as ações interagências, bem-sucedidas.

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

Interessante que mesmo sendo estado-membro ONU e da


OCDE, as autoridades chilenas se omitiram e ignoraram as normas
internacionais e as nacionais que regulam o “uso da força” e
atuação policial em manifestações. Bastaria recorrer às regras em
vigor que ficaria explícito que, pior que os agressores, os maiores
violadores de direitos humanos no Chile são as autoridades do
Estado, incapazes de garantir a segurança e ordem pública aos
cidadãos de bem, pois a polícia não tem treinamentos,
equipamentos e munições adequadas para controles de massas.
O uso da violência com base na defesa dos direitos
humanos é um total desvio dos conceitos universais dos direitos
fundamentais. O equivocado discurso de que “direitos humanos e
polícia” são antagônicos e conflitantes serve apenas para confundir
os cidadãos e colocar tanto instituições policiais quanto defensores
de direitos humanos em situações de “culpados”. Pronunciamento
de atores políticos e formadores de opinião, declarações
equivocadas e precipitadas de organizações de direitos humanos
são um dos maiores motivos para essa “desinformação” que,
somados às violações de direitos por parte das agentes policiais,
geram uma má compreensão pública daquilo que é garantido a
todos os seres humanos, policiais ou não, presos ou não.
Oportuno se faz invocar o texto que tão bem rege a
Declaração Universal dos Direitos Humanos e analisado pelo
Manual de Formação em Direitos Humanos para as Forças Policiais
do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, no qual:

Sem a subsistência do Estado de Direito,


ocorrem violações de direitos humanos; e,
quando ocorrem violações, fomenta-se a
rebelião. A conclusão é inevitável: a violação

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

dos direitos humanos não pode contribuir


para a manutenção da ordem e segurança
públicas, pode apenas exacerbar a sua
deterioração. Esta mensagem deveria já ser
vista como um axioma. Pelo menos para as
Nações Unidas, nada pode ser mais claro.

Com essa mensagem da Declaração Universal dos Direitos


Humanos da ONU, instrumento internacional que norteia o tema, o
que ocorreu no Chile é uma total violação dos direitos humanos por
parte do Estado, por meio do governo vigente, dos ministros e do
diretor-geral dos Carabineros, pois tacitamente deixou de fornecer
os meios e treinamentos necessários para que o Estado possa fazer
o uso legal, necessário, razoável e proporcional da força, para
garantir e conservar o Estado Democrático de Direito. O caos, a
violência e a desordem das rebeliões violam os direitos humanos e
deterioram quase que por completo a manutenção da ordem e
segurança pública. O Estado e o governo chileno têm a obrigação de
fornecer o que é necessário para que os policiais, braço armado e
detentor legítimo do uso da força, atuem e garantam a ordem e a
paz social, e não como vítimas de violações claras dos direitos
humanos e da estabilidade social pelos manifestantes. A culpa é
tacitamente do Estado, assim como do comando da instituição, mas
não dos policiais. Não dos carabineiros nem dos “detetives”.
Sem dúvida, esses meses de pandemia e limites em
movimentações e manifestações, nada mais oportuno que o Estado
chileno comprasse materiais de uso menos que letal e provesse
seus policiais com o treinamento adequado, assim como a
publicação de protocolos, com base em normas internacionais. Em
se constatando a inércia do poder existente, convém que o
Presidente (minúscula) reavalie, caso a situação retorne, decretar

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ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

“estado de exceção constitucional” para que as Forças Armadas


voltem a atuar e o toque de recolher seja imposto, como feito por
uma semana no início das manifestações, pois a anarquia começa a
flertar muito perto do Chile, e caso isso ocorra, somente medidas
drásticas poderão reverter o cenário.
O clamor dos cidadãos e policiais chilenos ecoam por
socorro! Enquanto isso, os omissos se escondem atrás de suas
pomposas mesas e assistem as tragédias pela imprensa, regados a
bons vinhos, numa trama quase tarantiniana.

REFERÊNCIAS

BRASIL. DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Portaria Interministerial nº.


4.226/10, de 31 de dezembro de 2010. Disponível em:
https://www.normas.gov.br/materia//asset_publisher/NebW5rL
VWyej/content/id/34637403. Acesso em: 10 mai.2020.

Entrevistas anônimas ao autor entre os anos de 2019 e 2020.

EL PAÍS. Disponível em:


https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/02/internacional/1572
723876_406423.html Acesso em 02. Dez2019.

GAZETA DO POVO. Disponível em:


https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/como-e-por-que-o-
chile-se-tornou-o-primeiro-pais-desenvolvido-da-america-latina/.
Acesso em 02. Set2020.

INFOMONEY. Disponível em
https://www.infomoney.com.br/colunistas/pedro-

479 |
ATIVIDADES DE POLÍCIA E O USO DA FORÇA

menezes/chile-e-o-maior-sucesso-economico-da-america-latina/
Acesso em: 19. Set2019.

LATERCERA. Disponível em: https://www.latercera.com/la-


tercera-pm/noticia/los-militares-pueden-usar-la-fuerza-ante-
civiles-se-sabe-no/876127/ Acesso em 04. Dez2019.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Código de Conduta


para os Encarregados pela Aplicação da Lei (Policiais). Code of
Conduct for Law Enforcement Officials. Resolução nº 34/169, de
17/12/1979.
_______. Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU. Direitos
Humanos e Aplicação da Lei: Manual de Formação em Direitos
humanos para Forças Policiais. OHCHR. Genebra: Suíça, 2019.

REPÚBLICA DO CHILE. Constituição da República do Chile.


Disponível em: https://www.oas.org/dil/esp/constitucion_chile.
pdf. Acesso em: 10 mai.2020.

UOL. Disponível em:


https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimasnoticias/2019/
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htm Acesso em 04. Dez2019.

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