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UFJF - ICE - Departamento de Matemática

Mestrado Acadêmico em Matemática


Álgebra Comutativa (2031002)
Profo . Frederico Sercio
2019.3

EMENTA/CONTEÚDO:

1. Anéis e Ideais.
Ideais, ideais primos e maximais, operações, extensões e contração.
2. Módulos.
Módulos, submódulos e módulos quocientes, módulos finitamente gerados e seqüências exatas, produto
tensorial.

3. Anéis e Módulos de Frações.


Localização: anéis e módulos de frações.
4. Variedades Algébricas.
Variedades algébricas, teorema da base de Hilbert, decomposição de uma variedade em componentes
irredutı́veis, o teorema dos zeros de Hilbert, o espectro de um anel, variedades projetivas e o espectro
homogêneo. Topologia de Zariski, o feixe de funções regulares de uma variedade algébrica.
5. Decomposição Primária.
Decomposição Primária para anéis Noetherianos.
6. Teoria de Dimensão.
Dimensão de Krull para espaços topológicos e anéis, cadeias de ideais primos, dimensão de álgebras afins
e variedades afins, teorema de normalização de Noether.

BIBLIOGRAFIA:

• M. F. ATIYAH and I. G. MACDONALD. Introduction to commutative algebra, Addison-Wesley, 1969.


• E. KUNZ. Introduction to commutative algebra and algebraic geometry, Boston, Birkhäuser, 1985.
• H. BORGES and E. TENGAN. Álgebra comutativa em quatro movimentos, Projeto Euclides, Rio de
Janeiro: IMPA, 2019.

• D. EISENBUD. Commutative Algebra with a view towards Algebraic Geometry, Graduate texts in mathe-
matics, volume 150, Springer-Verlag, 1995.
• H. MATSUMURA. Commutative Algebra. Reading, Mass., Benjamin- Commings, 1980.
• J. P. SERRE. Algèbre Locale - Multiplicités. Berlin. Springer-Verlag, 1965.

• O. ZARISKI and P. SAMUEL. Commutative Algebra. Vols. 1 e 2, New York, Van- Nostrand, 1960.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 1


Capı́tulo 1

Anéis e ideais

1.1 Anéis e homomorfismos de anéis

Definição 1. Um anel A é um conjunto não vazio munido de duas operações binárias + e · (adição e multi-
plicação) tais que para quaisquer x, y, z ∈ A:

A1) (x + y) + z = x + (y + z) (associatividade da soma)


A2) Existe 0 ∈ A tal que x + 0 = 0 + x = x (elemento neutro da soma)
A3) Para cada x ∈ A, existe único (−x) ∈ A tal que x + (−x) = (−x) + x = 0 (inverso aditivo ou simétrico)
A4) x + y = y + x (comutatividade da soma)
A5) (x · y) · z = x · (y · z) (associatividade do produto)
A6) x · (y + z) = x · y + x · z e (x + y) · z = x · z + y · z (distributividade à esquerda e à direita)

Observação 2. As propriedades A1), A2), A3) e A4) implicam que (A, +) é um grupo abeliano.
Definição 3. Se um anel (A, +, ·) (isto é, um conjunto com duas operações satisfazendo A1 até A6) satisfaz
ainda

A7) Existe 1 ∈ A tal que 1 · x = x · 1 = x para qualquer x ∈ A (unidade)

Então, (A, +, ·) é dito anel com unidade.


Definição 4. Se um anel (A, +, ·) (isto é, um conjunto com duas operações satisfazendo A1 até A6) satisfaz
ainda

A8) x · y = y · x (comutatividade do produto)

Então, (A, +, ·) é dito anel comutativo.


Definição 5. Sejam (A, +, ·) um anel e x ∈ A, onde x 6= 0. Dizemos que x é um divisor de zero se existe y ∈ A,
y 6= 0 tal que x · y = 0.
Definição 6. Se um anel comutativo com unidade (A, +, ·) (isto é, um anel que satisfaz A1 até A8) tal que
1 6= 0 satisfaz ainda

A9) se x · y = 0, então x = 0 ou y = 0

2
Então, (A, +, ·) é um anel sem divisores de zero e é dito domı́nio de integridade.
Definição 7. Se (A, +, ·) é um anel com unidade 1, dizemos que x ∈ A é invertı́vel se x 6= 1 e existe y ∈ A tal
que x · y = y · x = 1.
Definição 8. Se um anel comutativo com unidade (A, +, ·) (isto é, um anel que satisfaz A1 até A8) satisfaz
ainda

A10) para todo x ∈ A, x 6= 0, existe y ∈ A tal que x · y = y · x = 1 (todo elemento é invertı́vel)

Então, (A, +, ·) é dito corpo.


Observação 9.

1. Em geral, os anéis tratados nessa disciplina serão comutativos com unidade, isto é, serão anéis (A, +, ·)
satisfazendo as propriedades A1 até A8.
2. Se 1 = 0, então A terá somente o elemento 0 (Prove!). Tal anel será chamado anel nulo.
Definição 10. Um homomorfismo de anéis é uma função f : A → B onde A e B são anéis e tal que para
quaisquer x, y ∈ A:

1. f (x + y) = f (x) + f (y),
2. f (xy) = f (x)f (y),
3. f (1) = 1.

Vamos denotar por Hom(A, B) o conjunto de todos os homomorfismos de anéis φ : A → B.

Um homomorfismo injetor e sobrejetor é chamado de isomorfismo.


Definição 11. Um subconjunto S de um anel A é um subanel de A se S é fechado para as operações de adição
e multiplicação de A e contém o elemento identidade de A.

1.2 Ideais e anéis quocientes

Definição 12. Um ideal I de um anel A é um subconjunto de A que é um subgrupo aditivo e tal que AI ⊂ I.

Um ideal I de um anel A é dito próprio se I 6= A ou equivalentemente se 1 6= I. Os múltiplos x · a de um


elemento a ∈ A formam um ideal principal, denotado por hai. De modo mais geral, podemos definir o ideal de
A gerado pelo subconjunto S ⊂ A, denotado por hSi, como sendo o conjunto gerado por todas as combinações
A-lineares finitas:
hSi = {a1 · s1 + ... + an · sn onde n ∈ N, ai ∈ A e si ∈ S}.
Exercı́cio 1. Prove que hSi é o ”menor” ideal de A que contém S.

O conjunto A/I := {a = a + I : a ∈ A} é o (conjunto) quociente de A pela relação de equivalência ”módulo


I” a saber:
a ≡ b (mod I) ⇔ a − b ∈ I.
Este conjunto herda ”naturalmente” as operações de adição e multiplicação do anel A da seguinte maneira:

a ⊕ b := a + b e a b := ab.

É fácil verificar que se (A, +, ·) é um anel comutativo e com unidade então, (A/I, ⊕, ) é um anel comutativo
e com unidade, chamado de anel quociente.

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A aplicação π : A → A/I que leva cada a ∈ A na sua classe a módulo I é um homomorfismo de anéis
sobrejetivo que chamamos de projeção canônica. Através deste homomorfismo podemos dar a mais importante
caracterização do anel quociente:
Teorema 13 (Propriedade Universal do quociente). Sejam A um anel e I ⊂ A um ideal com projeção canônica
π : A  A/I. Para um anel qualquer B, seja

HomI (A, B) := {φ : A → B | φ ∈ Hom(A, B) e φ(I) = 0}.

Então temos uma bijeção natural



Hom(A/I, B) −→ HomI (A, B)
λ
ψ 7−→ ψ◦π
θ
φ ←−[ φ
com φ definido por
φ : A/I → B
a 7→ φ(a)

Demonstração. i) φ está bem definida.


De fato,
a = b ⇔ a − b ∈ I ⇒ φ(a − b) = 0 ⇔ φ(a) = φ(b).

ii) φ é um homomorfismo de anéis


De fato,
φ(a + b) = φ(a + b) = φ(a) + φ(b) = φ(a) + φ(b)
e
φ(a · b) = φ(a · b) = φ(a) · φ(b) = φ(a) · φ(b).

iii) As funções entre Hom(A/I, B) e HomI (A, B) são inversas uma da outra.
De fato,
(λ ◦ θ)(φ) = λ(θ(φ)) = λ(φ) = φ ◦ π
juntamente com
(φ ◦ π)(a) = φ(π(a)) = φ(a + I) = φ(a)
implica que λ ◦ θ é a identidade de HomI (A, B).

Por outro lado,


(θ ◦ λ)(ψ) = θ(λ(ψ)) = θ(ψ ◦ π) = ψ ◦ π
e como ψ ◦ π = ψ = ψ segue diretamente que θ ◦ λ é a identidade de Hom(A/I, B).

O teorema anterior diz que para qualquer homomorfismo de anéis φ : A → B satisfazendo φ(I) = 0 existe
um único homomorfismo φ : A/I → B tal que o seguinte diagrama comuta:

φ
A B
π
∃! φ
A/I

Corolário 13.1 (Teorema do Isomorfismo). Seja φ : A  B um homomorfismo sobrejetor de anéis. Então φ


induz um isomorfismo

φ : A/ ker(φ) −→ B
a 7−→ φ(a)

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Demonstração. Basta observar que ker(φ) é um ideal de A.

Usaremos frequentemente o resultado do Teorema a seguir:


Lema 14. Seja f : A → B um homomorfismo de anéis. Se J ⊂ B é um ideal, então f −1 (J) é um ideal de A.
Por outro lado, se f é sobrejetor e I ⊂ A é um ideal, então f (I) é um ideal de B.

Demonstração. Prove!

Teorema 15 (Teorema de Correspondência entre Ideais). Existe uma correspondência (que preserva ordem)
biunı́voca entre os ideais J de A que contém I, e os ideais J de A/I, dada por J = π −1 (J).
Exercı́cio 2. Prove o Teorema 15

Exemplo 16. Se f : A → B é um homomorfismo e I é um ideal de A, então f (I) não é necessariamente um


ideal de B. Seja f a inclusão de Z em Q e seja I = h3i o ideal principal não nulo de Z gerado por 3, então
f (I) ⊂ Q é o próprio I. Se I for um ideal de Q então QI ⊂ I mas 12 · 3 = 32 6∈ h3i = {0, ±3, ±6, ±9, ±12, ...}.
Logo f (I) não é um ideal de Q.

1.3 Divisores de zero, nilpotentes e unidades

Definição 17. Seja A um anel.

• x ∈ A é um divisor de zero se existe 0 6= y ∈ A tal que xy = 0.

• x ∈ A é nilpotente se xn = 0 para algum inteiro n > 0.


• x ∈ A é uma unidade se xy = 1 para algum y ∈ A

Observação 18.

• x ∈ A é uma unidade se, e somente se, hxi = A = h1i. (Prove!)


• Um anel não nulo que não possui divisores de zero diferentes de zero é um domı́nio de integridade. Z e
k[x1 , ..., xn ] onde k é corpo são exemplos clássicos de domı́nios de integridade.

• Se A 6= 0 então todo nilpotente é um divisor de zero. A recı́proca não é verdadeira, em geral. (Prove!)
• As unidades de um anel A formam um grupo abeliano multiplicativo. (Prove!)
• Um corpo é um anel A 6= 0 tal que todo elemento não nulo é uma unidade.
• Todo corpo é um domı́nio de integridade, mas a recı́proca não é verdadeira.

Proposição 19. Seja A um anel não nulo. As seguintes afirmações são equivalentes:

1. A é um corpo.
2. os únicos ideais de A são 0 e A.
3. todo homomorfismo de A em um anel não nulo B é injetor.
Exercı́cio 3. Prove a Proposição 19.

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1.4 Ideais primos e maximais

Definição 20. Seja A um anel. Um ideal P de A é primo se P 6= A e se x · y ∈ P implicar que x ∈ P ou


y ∈ P.
Um ideal M de A é maximal se M 6= A e se não existe ideal I de A tal que M I A. (equivalentemente se
I é um ideal de A tal que M ⊂ I ⊂ A então I = M ou I = A)

Proposição 21.

1. P é um ideal primo se, e somente se, A/P é um domı́nio de integridade.

2. M é um ideal maximal se, e somente se, A/M é um corpo.

Demonstração.

1. Prove!

2. (⇒) Suponha que M é um ideal maximal de A e seja J um ideal de A/M . Pelo Teorema 15 J = π −1 (J)
é um ideal de A que contém M , ou seja, M ⊂ J ⊂ A. Da maximalidade de M segue que J = M ou J = A,
logo, J = 0 ou J = A/M . Segue da Proposição 19 que A/M é um corpo.
(⇐) Suponha agora que A/M é um corpo. Desta maneira A/M possui pelo menos dois elementos, logo M 6= A.
Seja J um ideal de A tal que M ⊂ J ⊂ A. Assim, J = J/M é um ideal de A/M que é um corpo. Da Proposição
19 segue que J = 0 ou J = A/M , logo J = M ou J = A como querı́amos demonstrar.
Observação 22.

• h0i é primo se, e somente se, A é um domı́nio de integridade. (Prove!)

• h0i é maximal se, e somente se, A é um corpo. (Prove!)


• Todo ideal maximal é primo, mas a recı́proca não é verdadeira. (Prove!)
Proposição 23. Se f : A → B é um homomorfismo de anéis e P é um ideal primo de B, então f −1 (P ) é um
ideal primo de A.

Exercı́cio 4. Prove a Proposição 23.


Exemplo 24. A proposição anterior se torna falsa se trocarmos primo por maximal. Para ver isto tome
f : Z ,→ Q o homomorfismo inclusão e o ideal maximal h0i de Q. Temos que f −1 (h0i) = h0i ⊂ Z não é maximal,
pois Z não é corpo.

Ideais primos são fundamentais na álgebra comutativa. Na sequência provaremos um resultado que garante
a existência destes ideais.

Definição 25. Um conjunto não vazio Ω é dito parcialmente ordenado se for dada uma relação ≤ em Ω a
qual é reflexiva, transitiva e tal que se x ≤ y e y ≤ x então x = y. Um subconjunto S ⊂ Ω é uma cadeia se
para todo par de elementos x, y ∈ S temos x ≤ y ou y ≤ x.

O Lema de Zorn pode ser enunciado como segue:


Lema 26 (Zorn). Se toda cadeia S ⊂ Ω de um conjunto parcialmente ordenado Ω 6= ∅ tem uma cota superior
em Ω (i.e., existe x ∈ Ω tal que y ≤ x para todo y ∈ S), então Ω possui pelo menos um elemento maximal.

Teorema 27. Todo anel não nulo A possui pelo menos um ideal maximal.

Demonstração. Seja Ω o conjunto de todos os ideais próprios de A parcialmente ordenados por inclusão (⊂).
Como A 6= 0, Ω é não vazio pois h0i ∈ Ω. Devemos mostrar que Ω possui um elemento maximal e faremos isso
aplicando o Lema de Zorn. Para isso, devemos mostrar que toda cadeia S ⊂ Ω tem uma cota superior em Ω.

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Seja S = {Iα } uma cadeia de ideais em Ω, então para cada par de ı́ndices α, β temos uma das possibilidades:
ou Iα ⊂ Iβ ou Iβ ⊂ Iα . Denotemos por M = ∪α Iα , este será o nosso candidato a cota superior de S em Ω.

Vejamos primeiramente que M ∈ Ω, i.e., que M é um ideal próprio de A. Sejam x, y ∈ M , então existem
ı́ndices α, β tais que x ∈ Iα e y ∈ Iβ , sem perda de generalidade podemos supor que Iα ⊂ Iβ , logo x+y ∈ Iβ ⊂ M .
Por outro lado, seja a ∈ A então a · x ∈ Iα ⊂ M . Isto mostra que M é um ideal de A. Para ver que ele é próprio
basta observar que 1 6∈ M pois 1 6∈ Iα para todo α.

Por último, resta observar que Iα ⊂ M para todo α, logo M é uma cota superior de S.

Corolário 27.1. Todo ideal próprio I de A está contido num ideal maximal.

Demonstração. Basta aplicar o Teorema 27 para o anel A/I no lugar de A e usar o TCI.
Corolário 27.2. Todo elemento de A que não é uma unidade pertence a um ideal maximal.
Observação 28.

• Se A é um anel Noetheriano (?) não é necessário usar o Lema de Zorn para provar o Teorema 27.
• Existem anéis que possuem somente um ideal maximal, por exemplo corpos. Um anel A que possui
somente um ideal maximal M é chamado de anel local. Neste caso o corpo k = A/M é chamado de
corpo de resı́duos de A.
Proposição 29.

1. Seja A um anel e M 6= A um ideal de A tal que todo x ∈ A − M é uma unidade em A. Então A é um


anel local e M é seu ideal maximal.
2. Seja A um anel e M um ideal maximal de A tal que todo elemento de 1 + M é uma unidade em A. Então
A é um anel local.

Demonstração.

1. Todo ideal próprio consiste de não unidades, e, por hipótese, está contido em M . Portanto, M é o único
ideal maximal de A.

2. Seja x ∈ A − M . Temos que M hx, M i ⊂ A e como M é maximal segue que hx, M i = A. Logo, existe
y ∈ A e t ∈ M tais que xy + t = 1, implicando que xy = 1 − t ∈ 1 + M , e, por hipótese, é uma unidade.
Portanto, x é uma unidade. Pelo item 1. segue que A é um anel local.
Observação 30. Um anel que possui somente um número finito de ideais maximais é chamado de anel semi-
local.
Exemplo 31. 1. A = k[x1 , ..., xn ] onde k é um corpo. Seja f ∈ A um polinômio irredutı́vel. Pela fatoração
única, o ideal hf i é primo.
2. Todo ideal em Z é principal, ou seja é da forma hxi para algum x 6= 0. O ideal hxi é primo se, e somente
se, x = 0 ou x é um número primo. Todos os ideais hpi, onde p é um número primo, são maximais pois
Z/ hpi = Zp é o corpo com p elementos.
3. Um domı́nio de ideais principais (DIP) é um domı́nio de integridade tal que todo ideal é principal.
Nestes domı́nios todo ideal primo não nulo é maximal (Prove!)

1.5 Nilradical e radical de Jacobson

Definição 32. O conjunto N de todos os elementos nilpotentes do anel A é chamado de nilradical de A.

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Proposição 33. N é um ideal de A e A/N não possui elementos nilpotentes não nulos.
Exercı́cio 5. Prove a Proposição 33.

A seguinte Proposição caracteriza o nilradical.

Proposição 34. O nilradical de A é a interseção de todos os ideais primos de A.

Demonstração. Denotemos por N ∗ a interseção de todos os ideais primos de A. Seja x ∈ N e P qualquer ideal
primo de A. Então existe n > 0 tal que xn = 0, mas como 0 ∈ P temos que xn ∈ P , segue do fato de P ser
primo que ou x ∈ P ou xn−1 ∈ P (se continuarmos com o mesmo raciocı́nio neste último caso chegaremos que
x2 ∈ P ) e logo x ∈ P para todo P ideal primo de A, o que implica que x ∈ N ∗ . Provamos que N ⊂ N ∗ .

Por outro lado, suponha que x 6∈ N (ou seja para todo n > 0, xn 6= 0). Seja Ω o conjunto dos ideais I com
a propriedade ”Se n > 0 então xn 6∈ I”. Observe que Ω 6= ∅ pois h0i ∈ Ω. Queremos aplicar o Lema de Zorn
ao conjunto não vazio Ω parcialmente ordenado por inclusão, seguindo o raciocı́nio da prova do Teorema 27.
Então seja S = {Iα } uma cadeia de ideais em Ω e denotemos por I = ∪Iα . Como provamos anteriormente I é
um ideal de A e como para cada n > 0, xn 6∈ Iα para todo α então xn 6∈ I e logo I ∈ Ω e claramente é uma
cota superior da cadeia S. O Lema de Zorn nos garante que Ω tem um elemento maximal P . Queremos provar
que P é um ideal primo. Sejam a, b 6∈ P , então P está estritamente contido nos ideais P + hai e P + hbi, logo
ambos ideais não pertencem a Ω (pois isto seria uma contradição ao fato de P ser um elemento maximal de Ω),
isto significa que existem m, n > 0 tais que xm ∈ P + hai e xn ∈ P + hbi, ou seja podemos escrever xm = p0 + a0
e xn = p00 + b0 , onde p0 , p00 ∈ P , a0 ∈ hai e b0 ∈ hbi. Assim

xm · xn = p0 · p00 + p0 · b0 + p00 · a0 + a0 · b0 = p000 + a0 · b0 ,

onde p000 ∈ P . Daı́ segue que xm+n ∈ P + ha · bi o que implica que o ideal P + ha · bi não pertence a Ω, logo
a · b 6∈ P (caso contrário, se a · b ∈ P então ha · bi ⊂ P , logo P + ha · bi = P ∈ Ω) e P é primo. Portanto, existe
um ideal primo P tal que x 6∈ P logo x 6∈ N ∗ . Com isto provamos que N ∗ ⊂ N .

Definição 35. O radical de Jacobson R de um anel A é definido como sendo a interseção de todos os ideais
maximais de A.
Proposição 36. x ∈ R ⇔ 1 − xy é uma unidade em A para todo y ∈ A.

Demonstração.

(⇒) Suponha que 1 − xy não é uma unidade. Assim 1 − xy ∈ M para algum ideal maximal M . Mas
x ∈ R ⊂ M , logo xy ∈ M , implicando que 1 ∈ M que é uma contradição.

(⇐) Suponha que x 6∈ R, isto é, x 6∈ M para algum ideal maximal M . Logo, M hx, M i ⊂ A o que
implica que hx, M i = A. Então existem m ∈ M e y ∈ A tais que 1 = xy + m, ou seja, 1 − xy = m ∈ M e,
consequentemente, não é uma unidade.

1.6 Operações com ideais

Definição 37. Sejam I e J ideais de um anel A.

1. A soma de I com J, denotada por I + J é o conjunto {x + y : x ∈ I e y ∈ J}.


2. A interseção de I com J, denotada por I ∩ J é o conjunto {x ∈ A : x ∈ I e x ∈ J}.

3. O produto de I com J, denotado por I · J ou IJ é o conjunto

{x1 y1 + ... + xn yn : n ∈ N, xi ∈ I e yi ∈ J}.


Definição 38. Analogamente define-se:

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P
1. A soma k Ik de qualquer famı́lia (possivelmente infinita) de ideais {Ik }k∈Λ de A.
2. A interseção de qualquer famı́lia {Ik }k∈Λ de ideais de A.

3. O produto de qualquer famı́lia finita de ideais. Em particular, as potências I n , onde n > 0, estão definidas
para qualquer ideal I de A. Convencionamos que I 0 = A
Proposição 39. Sejam I e J ideais de um anel A. Então

1. I + J é o menor ideal de A que contém I e J.


2. IJ é o ideal gerado pelos produtos xy, onde x ∈ I e y ∈ J.

Exercı́cio 6. Prove a Proposição 39.


Observação 40.

• Em geral a união de dois ideais I ∪ J não é um ideal.


• As três operações são comutativas e associativas. Também existe uma lei distributiva I·(J+K) = I·J+I·K.
(Prove!)

• Lei Modular: Se J ⊂ I ou K ⊂ I então I ∩ (J + K) = I ∩ J + I ∩ K. (Prove!)


• Pela lei distributiva (I + J) · (I ∩ J) = I · (I ∩ J) + J · (I ∩ J) ⊂ IJ, esta última inclusão devido a que
I ∩ J ⊂ J e I ∩ J ⊂ I.
• Sempre temos a inclusão IJ ⊂ I ∩ J, a igualdade acontece se I + J = A.

Definição 41. Dois ideais I e J de um anel A são coprimos (ou comaximais) se I + J = A.

Logo para ideais coprimos temos a igualdade I ∩ J = I · J. Claramente dois ideais I e J são coprimos se, e
somente se, existem x ∈ I e y ∈ J tais que x + y = 1.
Definição 42. Sejam A1 , ..., An anéis. O produto direto
n
Y
A= Ai
i=1

é o conjunto de todas as sequências x = (x1 , ..., xn ) com xi ∈ Ai (1 ≤ i ≤ n) que juntamente com as operações
de adição e multiplicação componente a componente é um anel comutativo e com unidade (1, ..., 1).

Definimos ainda as projeções pi : A → Ai dadas por pi (x) = xi que são homomorfismos de anéis.

Seja A um anel e I1 , ..., In ideais de A. Definimos um homomorfismo


n
Y
φ:A→ (A/Ir )
r=1

pela regra φ(x) = (x + I1 , ..., x + In ).


Proposição 43.

T
1. Se Ir e Is são coprimos sempre que r 6= s, então I1 ...In = Ir .
2. φ é sobrejetiva se, e somente se, Ir e Is são coprimos sempre que r 6= s.
\
3. φ é injetiva se, e somente se, Ir = h0i.

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Demonstração.
T
1. Claramente para quaisquer ideais I1 , ..., In de A, sempre temos I1 ...In ⊂ Ir . Para mostrar a inclusão
oposta, procedemos por indução sobre n sendo o caso n = 1 trivial. Para n = 2, como I1 e I2 são coprimos
existem ar ∈ Ir tais que 1 = a1 + a2 . Assim, seja c ∈ I1 ∩ I2 então c = c · a1 + c · a2 ∈ I1 · I2 como desejado.
Vamos supor que é verdade para n − 1, queremos provar que vale para n. Para isso basta mostrar que os ideais
I1 ...In−1 e In são coprimos pois com isso e a hipótese de indução teremos
HI n=2
(I1 ∩ ... ∩ In−1 ) ∩ In = (I1 ...In−1 ) ∩ In = (I1 ...In−1 ) · In .

Como Ir e In são coprimos para r < n, existem ar ∈ Ir e br ∈ In tais que ar + br = 1 para r = 1, ..., n − 1.
Assim,

1 = (a1 + b1 )...(an−1 + bn−1 )


X
= a1 · a2 ...an−1 + bj (∗) ∈ I1 ...In−1 + In

o que mostra que I1 ...In−1 + In = A e logo I1 ...In−1 e In são coprimos.

2. Prove!

3. Prove!
Observação 44. Segue diretamente da Proposição 43 que se I1 , ..., In são ideais dois a dois coprimos de um
anel A então o mapa ”diagonal”
A ' A A
∆: −→ × ··· ×
I1 · · · In I1 In
definido por (a mod I1 · · · In ) 7→ (a mod I1 , · · · , a mod In ) é um isomorfismo de anéis (Esta é a generalização
do Teorema Chinês dos Restos para inteiros).
Exercı́cio 7. Prove os ı́tens 2. e 3. da Proposição 43.
Proposição 45.

n
[
1. (Prime Avoidance) Sejam P1 , ..., Pn ideais primos e seja I um ideal contido em Pi . Então I ⊂ Pi para
i=1
algum i.
n
\ n
\
2. Sejam I1 , ..., In ideais e seja P um ideal primo contendo Ir . Então P ⊃ Ir para algum r. Se P = Ir ,
r=1 r=1
então P = Ir para algum r.

Demonstração.

1. Vamos provar esta afirmação por contradição e indução sobre n, i. e. provaremos que
n
[
I 6⊂ Pi (1 ≤ i ≤ n) → I 6⊂ Pi .
i=1

Claramente é verdadeiro para n = 1. Se n > 1 e o resultado verdadeiro para n − 1 (ou seja é verdadeiro se
considerarmos quaisquer n − 1 Pi ’s), então para cada i existe ai ∈ I tal que ai 6∈ Pj sempre que j 6= i. Agora
temos duas possibilidades,
Pse para algum i temos ai 6∈ Pi então acabou. Mas se ai ∈ Pi para todo i, então
n
considere o elemento b = i=1 a1 · a2 · · · abi · · · an ∈ I e suponha que existe i0 tal que b ∈ Pi0 . Então
n
X
a1 · · · abi · · · an = b − a1 · · · abi · · · an ∈ Pi0 ,
i=1
i6=i0

0
como Pi0 é primo então pelo menos um dosSnai s com i 6= i0 deve pertencer a Pi0 o que é uma contradição. Logo
b 6∈ Pi para todo 1 ≤ i ≤ n, portanto I 6⊂ i=1 Pi .

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 10


2. Suponha que P 6⊃ Ir para todo r. Então para cadaTr existe ar ∈ Ir tal que ar 6∈ P , mas P é primo,
n
logo a1 aT2 · · · an 6∈ P . Por outro lado a1 a2 · · · an ∈ I1 ...In ⊂ r=1 Ir ⊂ P o que é uma contradição. Além disso
n
se P = r=1 Ir , então P ⊂ Ir para todo r. Se supomos que essa inclusão é estrita para todo r, seguindo o
raciocı́nio do caso anterior chegaremos a uma contradição, logo P = Ir para algum r.
Exercı́cio 8. Seja P um ideal primo e sejam I1 , I2 , ..., In ideais quaisquer do anel A. Mostre que

P ⊃ I1 I2 · · · In ⇔ P ⊃ Ii

para algum i.
Definição 46. Sejam I e J são ideais de um anel A. O ideal quociente de I e J é o ideal

(I : J) := {x ∈ A : xJ ⊂ I}.

Em particular, (0 : J) é chamado o aniquilador de J, também denotado por Ann(J), [ consiste dos elementos
x ∈ A tais que xJ = 0. Com esta notação o conjunto dos divisores de zero de A é D := Ann(x).
x6=0

Se J = hxi, escreveremos (I : x) ao invés de (I : hxi).


Exercı́cio 9. Prove que:

1. I ⊂ (I : J)
2. (I : J)J ⊂ I
3. ((I : J) : K) = (I : JK) = ((I : K) : J)
T T
4. ( r Ir : J) = r (Ir : J)
P T
5. (I : r Jr ) = r (I : Jr )
Definição 47. Seja I um ideal de um anel A. O radical de I é o conjunto

I := {x ∈ A : xn ∈ I para algum n > 0}.

Proposição 48. Sejam I um ideal de um anel A e π : A → A/I a projeção canônica. Então I = π −1 (NA/I ).

Em particular, I é um ideal.

Demonstração. Observe que:

π −1 (NA/I ) = {x ∈ A : π(x) ∈ NA/I }


= {x ∈ A : xn = 0 em A/I para algum n > 0}
= {x ∈ A : xn ∈ I para algum n > 0}

= I

Exercı́cio 10. Prove que:

p
1. NA = h0i

2. I ⊃ I
p√ √
3. I= I
√ √ √ √
4. IJ = I ∩ J = I ∩ J

5. I = A ⇔ I = A

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 11


√ p√ √
6. I +J = I+ J

7. se P é primo, então P n = P para todo n > 0.

Proposição 49. Seja I um ideal de um anel A. Então I é a interseção dos ideais primos de A que contém I.

Demonstração. Pelas Proposições 48 e 34 temos que:



I = π −1 (NA/I )
\
= π −1 (P )
P ideal primo de A/I
\
= P
P ideal primo de A contendo I

Exercı́cio 11. Sejam m e n inteiros positivos e seja m = pe11 ...perr a fatoração de m em potências de primos
distintos pi . Prove que no anel Z valem:

1. hmi + hni = hmdc(m, n)i


2. hmi · hni = hmni
3. hmi ∩ hni = hmmc(m, n)i
p
4. hmi = hp1 ...pr i

1.7 Extensão e contração

Definição 50. Seja f : A → B um homomorfismo de anéis. Sejam I ⊂ A e J ⊂ B ideais. A extensão I e de I


é o ideal de B gerado por f (I), explicitamente
nX o
I e := yi f (xi ) : xi ∈ I e yi ∈ B .

A contração J c de J é o ideal f −1 (J).

Observação 51.

• Lembre que f (I) não necessariamente é um ideal!.


• Se P ⊂ B é um ideal primo, então P c também é um ideal primo.
• Se P ⊂ A é um ideal primo, nada podemos afirmar sobre P e .

Exercı́cio 12. Sejam f : A → B um homomorfismo de anéis, I, I1 , I2 ideais de A e J, J1 , J2 ideais de B. Prove


que:

1. I ⊂ I ec e J ⊃ J ce
2. J c = J cec e I e = I ece
3. Se C é o conjunto dos ideais contraı́dos de A e se E é o conjunto dos ideais extendidos de B, então
C = {I : I ec = I} e E = {J : J ce = J}. Além disso I 7→ I e define uma aplicação bijetiva entre C e E com
inversa dada por J 7→ J c .
4. (I1 + I2 )e = I1e + I2e e (J 1 + J2 )c ⊃ J1c + J2c

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 12


5. (I1 ∩ I2 )e ⊂ I1e ∩ I2e e (J1 ∩ J2 )c = J1c ∩ J2c
6. (I1 I2 )e = I1e I2e e (J1 J2 )c ⊃ J1c J2c
7. (I1 : I2 )e ⊂ (I1e : I2e ) e (J1 : J2 )c ⊂ (J1c : J2c )
√ √ √ √
8. ( I)e ⊂ I e e ( J)c = J c
(E é fechado para soma e produto e C é fechado para interseção e radical.)

1.8 Álgebras

Definição 52. Uma A-álgebra é um homomorfismo de anéis φ : A → B. Se φ (chamado homomorfismo base)


é claro pelo contexto, referimo-nos o próprio anel B como sendo uma A-álgebra
Observação 53.

• Seja A um anel. O anel de polinômios em n variáveis com coeficientes em A, denotado por A[x1 , ..., xn ],
é uma A-álgebra via inclusão A ,→ A[x1 , ..., xn ].
• Todo anel A é uma Z-álgebra via homomorfismo natural Z ,→ A dado por 1Z 7→ 1A .
• Embora φ não seja sempre injetor, por abuso de linguagem denotaremos φ(a) · b simplesmente por a · b
onde a ∈ A e b ∈ B (Isto induz uma estrutura de A-módulo (?) no anel B).

1.9 Exercı́cios
A
1. Mostre que todo homomorfismo de anéis f : A → B induz um isomorfismo de anéis f : → Im(f )
ker(f )
dado por f (a) = f (a).
2. Sejam A um anel, a1 , ..., an ∈ A e I um ideal de A[x1 , ..., xn ].
A[x1 , ..., xn ]
(a) Mostre que ' A.
hx1 − a1 , ..., xn − an i
(b) Se A = k é um corpo, então mostre que hx1 − a1 , ..., xn − an i é um ideal maximal de k[x1 , ..., xn ].
(c) Mostre que hx1 − a1 , ..., xn − an i ⊃ I ⇔ f (a1 , ..., an ) = 0 para todo f ∈ I.

3. Um ideal I de um anel A é dito radical se I = I. Mostre que:
(a) Todo ideal primo é radical.
(b) h0i é ideal radical de Zn se, e somente se, n é livre de quadrados. Deduza que hni é ideal radical de
Z se, e somente se, n é livre de quadrados.
4. Dado A um anel e N o seu nilradical. Mostre que são equivalentes:
(a) A possui apenas um ideal primo;
(b) Todo elemento de A ou é uma unidade ou nilpotente;
(c) A/N é um corpo.
5. Seja A um anel não nulo. Mostre que o conjunto de ideais primos de A tem um elemento minimal com
respeito a inclusão.
6. Seja A um anel e a ∈ A um elemento nilpotente. Mostre que 1 + a é uma unidade de A. Deduza que a
soma de um elemento nilpotente e uma unidade é uma unidade.
7. Seja A um anel e seja A[x] o anel de polinômios na variável x com coeficientes em A. Seja f = a0 + a1 x +
· · · + an xn ∈ A[x]. Prove que:

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 13


(a) f é uma unidade em A[x] se, e só se, a0 é uma unidade em A e a1 , ..., an são nilpotentes.
(b) f é nilpotente se, e só se, a0 , a1 , ..., an são nilpotentes.
(c) f é um divisor de zero se, e só se, existe a 6= 0 em A tal que af = 0.
(d) f é dito primitivo se ha0 , a1 , ..., an i = A. Prove que se f, g ∈ A[x], então f g é primitivo se, e só se, f
e g são primitivos.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 14


Capı́tulo 2

Espectro de anéis

Definição 54. Seja A um anel.

1. O conjunto de todos os ideais primos de A é chamado de espectro primo (ou simplesmente espectro)
de A e será denotado por Spec(A).
2. O conjunto de todos os ideais maximais de A é chamado de espectro maximal de A e será denotado
por Specm(A).
3. Se φ : A → B é um homomorfismo de anéis, denotaremos por
Spec(φ) : Spec(B) → Spec(A)
P 7→ φ−1 (P )
o mapa entre espectros induzido por φ.
Lema 55. Seja A um anel.

1. A = 0 ⇔ Specm(A) = ∅.
2. Specm(A) ⊂ Spec(A).
3. Spec(A) = ∅ ⇔ A = 0.
4. Seja I um ideal de A e π : A → A/I sua projeção. Então Spec(π) : Spec(A/I) → Spec(A) é injetor e sua
imagem é dada por
V (I) := {P ∈ Spec(A) : P ⊃ I}
de modo que temos uma identificação natural Spec(A/I) = V (I).

Demonstração.

1. Segue do Teorema 27.

2. Basta lembrar que se M é um ideal maximal de A, então M é um ideal primo.

3. Como o anel nulo não possui ideais próprios, Spec(0) = ∅. Reciprocamente,


1.
Spec(A) = ∅ ⇒ Specm(A) = ∅ ⇒ A = 0.

4. Segue do Teorema 15 (TCI).

Mostraremos a seguir que os conjuntos da forma V (I), para I um ideal qualquer de um anel A, são os
fechados de uma topologia em Spec(A), chamada Topologia de Zariski.

15
Lema 56. Sejam A um anel.

1. V (h0i) = Spec(A) e V (A) = ∅;


2. V (I) ∪ V (J) = V (IJ) para quaisquer ideais I e J de A;
!
\ X
3. V (Ir ) = V Ir para qualquer famı́lia {Ir }r∈Λ de ideais de A.
r∈Λ r∈Λ

Demonstração.

1. Trivial

2. (⊂) Seja P ∈ V (I) ∪ V (J), logo ou p ∈ V (I) ou P ∈ V (J), ou seja, ou I ⊂ P ou J ⊂ P . Logo IJ ⊂ P o


que implica que P ∈ V (IJ).
(⊃) Seja P ∈ V (IJ) isto significa que IJ ⊂ P . Suponha que I 6⊂ P , logo existe a ∈ I tal que a 6∈ P . Seja
b ∈ J um elemento qualquer, então ab ∈ IJ ⊂ P , como P é primo e a 6∈ P então necessariamente b ∈ P e,
consequentemente J ⊂ P , logo P ∈ V (J) e, portanto, P ∈ V (I) ∪ V (J).

3. Prove!
Definição 57. Sejam A um anel e h ∈ A. definimos o conjunto

D(h) := {P ∈ Spec(A) : h 6∈ P }.

Exercı́cio 13. Prove que D(h) é um aberto de Spec(A).

Teorema 58 (Topologia de Zariski). Seja A um anel.

1. A famı́lia de subconjuntos {D(h)}h∈A de Spec(A) é uma base de abertos da topologia de Zariski.


2. D(gh) = D(g) ∩ D(h).
3. Se φ : A → B é um homomorfismo de anéis e h ∈ A, temos
−1
(Spec(φ)) (D(h)) = D(φ(h)).

Em particular, Spec(φ) : Spec(B) → Spec(A) é contı́nuo.


4. Se P ∈ Spec(A), temos {P } = V (P ) (fecho topológico). Em particular,
(a) M ∈ Spec(A) é um ponto fechado se, e só se, M é um ideal maximal;
(b) se A é um domı́nio de integridade, então h0i é um ponto denso (chamado ponto genérico de
Spec(A)).
5. Spec(A) é compacto.

Demonstração.

1. Uma famı́lia de subconjuntos é uma base de abertos para uma topologia se todo aberto pode ser escrito
como união de alguns subconjuntos da famı́lia. Todo aberto da topologia de Zariski de Spec(A) é da forma
Spec(A) \ V (I) para algum ideal I de A, ou seja é o conjunto dos ideais primos de A que não contem S I. Seja
P ∈ Spec(A) \ V (I), entãoSexiste h ∈ I tal que h 6∈ P , logo P ∈ D(h) o que implica que P ∈ h∈I D(h).
Reciprocamente, seja P ∈ h∈I D(h), então existe h ∈ I tal que P ∈ D(h), logo P ∈ Spec(A) e h 6∈ P , logo
I 6⊂ P e, portanto, P 6∈ V (I), ou seja, P ∈ Spec(A) \ V (I). Logo todo aberto da topologia de Zariski de Spec(A)
se escreve como uma união de alguns D(h).

2. Prove!

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 16


3. Uma aplicação é contı́nua se, e somente se, pré-imagem de aberto é aberto. Segue do item (1.) que
{D(h)}h∈A é uma base de abertos da topologia de Spec(A), logo basta provar que (Spec(φ))−1 (D(h)) é aberto.
Assim,

P ∈ (Spec(φ))−1 (D(h)) ⇔ Spec(φ)(P ) ∈ D(h)


⇔ φ−1 (P ) ∈ D(h)
⇔ h 6∈ φ−1 (P )
⇔ φ(h) 6∈ P
⇔ P ∈ D(φ(h))

Logo (Spec(φ))−1 (D(h)) = D(φ(h)) é aberto e portanto Spec(φ) é contı́nuo.

4. O fecho topológico de um conjunto é a interseção de todos os fechados que o contem, assim


!
\ \ (3.) X
{P } = V (I) = V (I) = V I .
P ∈V (I) I⊂P I⊂P

P P
Como P ⊂ I⊂P I e também P contém todos os I?s, e, além disso, I⊂P I é o menor ideal com essa
P
propriedade, segue imediatamente que I⊂P I = P e, portanto, {P } = V (P ).

(a) Seja M ∈ Spec(A) um ideal maximal. Então V (M ) = {P ∈ Spec(A) : P ⊃ M } = {M } = {M }, logo M


é um ponto fechado. Reciprocamente, se M ∈ Spec(A) é um ideal próprio, então está contido em algum ideal
maximal M 0 , logo M 0 ∈ V (M ) = {M } = {M }, portanto M é maximal.

(b) Se A é um domı́nio de integridade então h0i é um ideal primo, logo {h0i} = V (h0i) = Spec(A).

5. Pelo item (1.), é suficiente provar que toda cobertura de Spec(A) por uma famı́lia de abertos básicos
{D(hα )}α∈Λ , admite subcobertura finita. Assim, se P ∈ Spec(A) então existe α ∈ Λ tal que P ∈ D(hα ), ou
seja hα 6∈ P . Considere então o ideal I = hhα , α ∈ Λi, logo I 6⊂ P para todo P ∈ Spec(A). Em particular I
não vai estar contido em nenhumPideal maximal, logo (?) segue que I não é próprio, assim A = hhα , α ∈ Λi e,
n
portanto, podemos escrever 1 = i=1 bi hαi como P combinação A-linear finita de elementos hαi , o que implica
n
que A = hhαi , 1 ≤ i ≤ ni. Mas então cada hα = i=1 ci hαi , logo se hα 6∈ P então existe 1 ≤ i ≤ n tal que
ci hαi 6∈ P o que implica que P ∈ D(ci hαi ) =S D(ci ) ∩ D(hαi ). Resumindo, para cada P ∈ Spec(A) existe
n
1 ≤ i ≤ n tal que P ∈ D(hαi ), logo Spec(A) = i=1 D(hαi ).

Vejamos alguns exemplos:


Exemplo 59.

1. Se k é um corpo, então Spec(k) = {h0i}.


2. Seja A um DIP (logo um DFU), um ideal hai não nulo é primo se, e só se, a é irredutı́vel. Logo Spec(A) =
{h0i} ∪ {hai : a é irredutı́vel }.

3. Se A é um DFU, então um ideal principal hf i não nulo é primo se, e só se, f é irredutı́vel (Prove!). Pelo
exemplo anterior segue que os ideais principais hai onde a é irredutı́vel são ideais primos de A. Entretanto
um DFU em geral possui diversos ideais primos que não são principais: se A = k for um corpo, então

hx1 i , hx1 , x2 i , ..., hx1 , x2 , ..., xn i ∈ Spec(k[x1 , ..., xn ])

k[x1 , x2 , ..., xn ]
já que os anéis quocientes são domı́nios, pois:
hx1 , ..., xi i

k[x1 , x2 , ..., xn ] k[x1 , ..., xi ]


' [xi+1 , ..., xn ] ' k[xi+1 , ..., xn ].
hx1 , ..., xi i hx1 , ..., xi i

4. Spec(Z) = {h0i} ∪ {hpi : p é um número primo}.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 17


5. Spec(C[t]) = {h0i} ∪ {ht − ai : a ∈ C}.
6. Seja A = k × k onde k é um corpo. Os ideais de A são: h0i × h0i , h0i × k, k × h0i , k × k. Observe que
A não é um domı́nio pois (0, 0) = (1, 0) · (0, 1), logo h0i × h0i 6∈ Spec(A), também k × k 6∈ Spec(A) pois
não é próprio. Vejamos que h0i × k é primo, seja a · b ∈ h0i × k, logo existem a1 , a2 , b1 , b2 , c ∈ k tais que
a · b = (a1 , a2 ) · (b1 , b2 ) = (0, c), ou seja a1 · b1 = 0 e como k é corpo segue que ou a1 = 0 ou b1 = 0
implicando que ou a ∈ h0i × k ou b ∈ h0i × k. Analogamente vemos que k × h0i é primo. Portanto
Spec(k × k) = {h0i × k, k × h0i}. Observe que ambos os ideais são maximais e portanto fechados e abertos.
C[x, y]

7. Seja A = . Mostraremos que Spec(A) = { 0 } ∪ hx − a, y − bi : b2 = a3 − a . Para isso
hy 23
− x + xi
seja B = C[x], então existe um homomorfismo φ : B → A, dado por x 7→ x. Note que φ é injetor pois
nenhum polinômio na variável x pode ser múltiplo de y 2 − x3 + x. Utilizando a relação y 2 = x3 − x,
obtemos um conjunto de representantes de classe

C[x, y]
= C[x] + C[x] · y
hy 2 − x3 + xi
2 3
formado pelos polinômios p(x)+q(x)y
2 de grau
3
máximo 1 em y. Observe que y −x +x é um polinômio
no
irredutı́vel no DFU C[x, y] e assim y − x + x ⊂ C[x, y] é um ideal primo e, consequentemente A é um
domı́nio de integridade. Logo h0i ∈ Spec(A).
Seja Spec(φ) : Spec(A) → Spec(B) o homomorfismo entre espectros induzido por φ e seja Q ∈ Spec(A).
Como B é um DIP, segue do Exemplo (2.) que Spec(B) = {h0i} ∪ {hx − ai : a ∈ C}, já que os elementos
irredutı́veis de B são da forma x − a, para a ∈ C. Assim, temos dois casos a analisar:
Caso 1: Spec(φ)(Q) = h0i ⇔ φ−1 (Q) = h0i ⇔ Q ∩ C[x] = h0i
Vamos mostrar que Q = h0i. Seja a(x) + b(x)y ∈ Q. Multiplicando pelo seu ”conjugado”, obtemos

Q 3 ((a(x) + b(x)y) · (a(x) − b(x)y)


= a(x)2 − b(x)2 y 2
= a(x)2 − b(x)2 (x3 − x) ∈ C[x],

como Q ∩ C[x] = h0i e A é um domı́nio então a(x) = 0 e b(x) = 0 logo Q = h0i.


Caso 2: Spec(φ)(Q) = hx −ai ⇔ φ−1(Q) = hx − ai ⇔ Q ∩ C[x] = hx − ai ⊂ Q com a ∈ C
A
Vamos calcular o Spec , pois estamos interessados em ideais primos Q de A que contém
hx − ai
2 3
hx − ai. Seja b ∈ C tal que b = a − a, de modo que temos um isomorfismo

A C[x, y] x7→a C[y] C[y]


' 2 3
' 2 3
= 2 .
hx − ai hy − x + x, x − ai hy − a + ai hy − b2 i

Temos alguns sub-casos de acordo com a fatoração de y 2 − b2 . Primeiro, se b 6= 0, temos

C[y] C[y] C[y]


= × 'C×C
hy 2 −b i2 hy − bi hy + bi


que possui somente dois ideais primos: h0i×C e C×h0i que identificamos com os ideais primos 0 de
C[y]
C[y] A
e 0 de . Mas esses ideais correspondem aos ideais primos hy + bi e hy − bi de
hy + bi hy − bi hx − ai
que por sua vez correspondem aos ideais primos hy − b, x − ai e hy + b, x − ai de A. Logo neste caso Q
é da forma hy − b, x − ai com b2 = a3 − a 6= 0. Segundo se b = 0 (i.e., a3 − a = 0 ⇔ a = 0 ou a = ±1)
então
A C[y]
= 2 ,
hx − ai hy i
A

logo os ideais primos de correspondem aos ideais primos de C[y] que contém y 2 e neste
hx − ai
caso só há um primo hyi que corresponde ao ideal primo hy, x − ai de A.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 18


 
C[x, y]

Resumindo: Spec 2 3
consiste do ideal 0 e dos ideais hy − b, x − ai que estão em bijeção
hy − x + xi
com os pontos (a, b) da ”curva” y 2 = x3 − x.
Exercı́cio 14. Sejam A e B anéis. Mostre que:

1. Os ideais de A × B são da forma I × J onde I e J são ideais de A e B respectivamente.


2. Conclua que os ideais primos de A × B são da forma P × B e A × Q onde P ∈ Spec(A) e Q ∈ Spec(B).
Assim temos,
Spec(A × B) = Spec(A) t Spec(B)
em que identificamos P × B com P e A × Q com Q.

2.1 Exercı́cios
1. Seja A um anel e I ⊂ A um ideal qualquer. Mostre que

Spec(π) : Spec(A/I) → V (I) ⊂ Spec(A)

é um homeomorfismo (bijeção contı́nua com inversa contı́nua) induzido pelo mapa quociente π : A  A/I.
2. Mostre que Spec(A) é irredutı́vel se, e somente se, o nilradical N de A é um ideal primo.
C[x, y]
3. Determine os primos minimais de .
hy 2 − x2 i
C[x, y, z]
4. Determine os primos minimais de .
hx2 − yz, xz − xi

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 19


Capı́tulo 3

Introdução à Geometria Algébrica

Considere k um corpo algebricamente fechado (por exemplo, C).

3.1 Conjuntos algébricos afins

Definição 60.

1. O espaço afim Ank de dimensão n sobre o corpo k é o conjunto

Ank := k n = k × · · · × k .
| {z }
n vezes

2. Seja S ⊂ k[x1 , ..., xn ] um conjunto de polinômios. O conjunto algébrico afim definido por S é o
subconjunto Z(S) ⊂ An dos zeros comuns de todos os polinômios em S:

Z(S) := {(a1 , ..., an ) ∈ Ank : f (a1 , ..., an ) = 0 para todo f ∈ S}.


Proposição 61. Prove que:

1. Se S ⊂ T ⊂ k[x1 , ..., xn ], então Z(S) ⊃ Z(T ).


2. Se S ⊂ k[x1 , ..., xn ], então Z(S) = Z(hSi).

Demonstração. Prove!
Observação 62. Pela Proposição anterior não existe perda de generalidade em definir um conjunto algébrico
afim como conjunto dos zeros de um ideal, o que faremos a partir de agora.
Exemplo 63. Listamos abaixo alguns exemplos familiares de conjuntos algébricos afins:

1. Ank = Z(h0i).
2. (a1 , ..., an ) ∈ Ank , pois Z(hx1 − a1 , ..., xn − an i) = {(a1 , ..., an )}.
3. ”retas” e ”cı́rculos” no plano afim A2k como por exemplo, Z(y − x) e Z(x2 + y 2 − 1).
4. a ”curva” {(a, a2 , a3 , ..., an ) ∈ Ank : a ∈ k} que pode ser escrita como Z(x2 − x21 , x3 − x31 , ..., xn − xn1 ).
5. o produto cartesiano X × Y ⊂ Am+nk de dois conjuntos algébricos afins X = Z(S) ⊂ Am n
k e Y = Z(T ) ⊂ Ak
com S ⊂ k[x1 , ..., xm ] e T ⊂ k[y1 , ..., yn ], que pode ser escrito como X × Y = Z(S ∪ T ) com S ∪ T ⊂
k[x1 , ..., xm , y1 , ..., yn ].

20
Podemos definir também uma topologia em Ank (e, por conseguinte, também nos conjuntos algébricos) de
acordo com o seguinte Lema:

Lema 64. Temos as seguintes propriedades:

1. Z(h0i) = Ank e Z(k[x1 , ..., xn ]) = ∅.


2. Z(I) ∪ Z(J) = Z(IJ) para quaisquer ideais I e J de k[x1 , ..., xn ].
!
\ X
3. Z(Ir ) = Z Ir para qualquer famı́lia {Ir }r∈Λ de ideais de k[x1 , ..., xn ].
r∈Λ r∈Λ

Demonstração. Prove!
Observação 65. Os conjuntos algébricos afins são os fechados de uma topologia de Ank , chamada também de
Topologia de Zariski.
Exemplo 66.

1. Os subconjuntos fechados de A1k são o espaço todo e seus subconjuntos finitos.


De fato, como um ponto {a} = Z(hx − ai) é fechado e união finita de fechados é fechado, qualquer
subconjunto finito de A1k é fechado. Por outro lado, como todo ideal de k[x] é principal e Z(hf i) é finito
para todo f ∈ k[x] − {0}, temos que todo subconjunto fechado próprio de A1k é finito.
2. Considere a topologia de Zariski da parábola X = Z(y − x2 ), que é a topologia de subsespaço herdada de
A2k , ou seja, os fechados de X são da forma X ∩ Z(I), onde I é um ideal de k[x, y]. Temos:
\
Z(I) ∩ X = Z(hf i) ∩ X
f ∈I
\
Z( f, y − x2 )


=
f ∈I
\
= {(a, a2 ) ∈ A2k : f (a, a2 ) = 0}.
f ∈I

Como ou f (x, x2 ) é identicamente nulo ou possui um número finito de raı́zes, temos novamente que os
fechado próprios de X são exatamente os seus subconjuntos finitos.

3. O subconjunto T = {(z, cos z) ∈ A2C : z ∈ C} de A2C não é algébrico. Caso contrário, T ∩ Z(y) seria um
fechado próprio de Z(y), portanto finito (como no exemplo anterior), o que é um absurdo pois cos z = 0
possui infinitas raı́zes.
Observação 67. Na topologia de Zariski os fechados próprios tendem a ter ”medida nula” e, portanto, os
abertos tendem a ser ”muito grandes”, o que torna difı́cil ”separar pontos” em conjuntos algébricos. De fato a
topologia de Zariski não é Hausdorff!!

3.2 Teorema da base de Hilbert

Definição 68. Um anel A é dito Noetheriano se todo ideal de A é finitamente gerado.


Proposição 69. Seja A um anel. São equivalentes:

1. A é Noetheriano;
2. toda cadeia ascendente de ideais I1 ⊂ I2 ⊂ I3 ⊂ · · · é estacionária, isto é, existe n tal que In = In+` para
todo ` ≥ 0;

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 21


3. todo conjunto não vazio de ideais de A tem um elemento maximal (com relação a inclusão).

Demonstração.
S∞
(1.) ⇒ (2.) Seja I1 ⊂ I2 ⊂ I3 ⊂ · · · uma cadeia ascendente de ideais de A. Sabemos que I := j=1 Ij também
é um ideal de A. Por hipótese, existem a1 , a2 , ..., ar ∈ A tais que I = ha1 , ..., ar i. Logo, para n suficientemente
grande temos que ri ∈ In para todo i = 1, ..., r e, consequentemente, I ⊂ In ⊂ In+1 ⊂ · · · .

(2.) ⇒ (3.) Suponha que existe um conjunto não vazio Σ de ideais de A sem elemento maximal. Logo,
para cada ideal I1 ∈ Σ, existe ideal I2 ∈ Σ tal que I1 I2 . Desta maneira conseguimos construir uma cadeia
ascendente de ideais não estacionária.

(3.) ⇒ (2.) Basta aplicar a condição maximal ao conjunto de ideais de uma cadeia ascendente.

(2.) ⇒ (1.) Seja I um ideal de A que não é finitamente gerado. Assim existem a1 , ..., ar , ... ∈ I tais que
ha1 , ..., aj i =
6 I para todo j = 1, ..., r, ... e ainda aj+1 6∈ ha1 , ..., aj i. Logo, conseguimos construir uma cadeia

ha1 i ha1 , a2 i ha1 , a2 , a3 i · · ·

ascendente e não estacionária.


Teorema 70 (da base de Hilbert). Se A é um anel Noetheriano, então A[x] é um anel Noetheriano.

Demonstração. (devido a Heidrun Sarges)

Vamos mostra que se A[x] não é Noetheriano, então A não é Noetheriano. Seja I um ideal de A[x] que não é
finitamente gerado. Seja f1 ∈ I um polinômio de menor grau. Se fk (k ≥ 1) já foi escolhido, então tome fk+1 um
polinômio de menor grau em I \ hf1 , ..., fk i. Sejam nk o grau e ak o coeficiente lı́der de fk para todo k = 1, 2, ....
Pela escolha dos nk temos que n1 ≤ n2 ≤ · · · . Além disso, ha1 i ⊂ ha1 , a2 i ⊂ · · · é uma cadeia de ideais que não
Pk
é estacionária, pois, do contrário, se ha1 , ..., ak i = ha1 , ..., ak+1 i, então terı́amos uma equação ak+1 = i=1 bi ai
Pk
com bi ∈ A e, consequentemente, g := fk+1 − i=1 bi xnk+1 −ni fi ∈ I \ hf1 , ..., fk i tem grau menor do que fk+1
(Prove!) contradizendo a escolha de fk+1 .
Corolário 70.1. Se A é um anel Noetheriano, então A[x1 , ..., xn ] é Noetheriano.
Corolário 70.2. Todo conjunto algébrico afim é o conjunto dos zeros de um número finito de polinômios.

3.3 Morfismos e anel de funções regulares

Definição 71. Sejam X ⊂ Am n


k e Y ⊂ Ak dois conjuntos algébricos afins. Um morfismo de conjuntos algébricos
f : X → Y é uma função para a qual existem polinômios p1 , ..., pn ∈ k[x1 , ..., xm ] tais que

f (a1 , ..., am ) = (p1 (a1 , ..., am ), ..., pn (a1 , ..., am )) ∈ Y

para todo (a1 , ..., am ) ∈ X.

Observamos que composição de morfismos de conjuntos algébricos é também um morfismo de conjuntos


algébricos (Prove!). Os polinômios pi não são unicamente determinados por f pois se X = Z(I), então somando
a cada pi um elemento de I ainda obtemos a mesma função f . Em outras palavras, os polinômios pi só
estão determinados ”módulo polinômios que se anulam sobre todo o X”. Isto nos leva a introduzir a seguinte
definição:
Definição 72. Seja X ⊂ Ank um conjunto algébrico. O anel (com a soma e o produto de funções induzidos
pelas respetivas operações em k)

k[X] := {f : X → A1k = k : f é um morfismo de conjuntos algébricos}

é chamado de anel de funções regulares em X.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 22


Existe um morfismo sobrejetor k[x1 , ..., xn ] → k[X] que leva um polinômio no morfismo correspondente. O
kernel I(X) deste morfismo, i.e.,

I(X) := {f ∈ k[x1 , ..., xn ] : f (a1 , ..., an ) = 0 para todo (a1 , ..., an ) ∈ X}

é chamado de ideal do conjunto algébrico X. Pelo Teorema do Isomorfismo temos

k[x1 , ..., xn ]
k[X] ' .
I(X)

Proposição 73. Sejam X, Y ⊂ Ank conjuntos algébricos temos:

1. se X ⊂ Y então I(X) ⊃ I(Y );


2. Para um ideal J de k[x1 , ..., xn ] temos J ⊂ I(Z(J));
3. X = Z(I(X)).

4. k[X] é um anel reduzido (i. é. não possui nilpotentes além do zero).

Demonstração.

1. Trivial

2. Trivial

3. A inclusão X ⊂ Z(I(X)) é óbvia. Pelo item (2.) segue que Z(I(Z(J))) ⊂ Z(J), logo se X é um conjunto
algébrico, então Z(I(X)) ⊂ X.

4. Se f ∈ k[X] é nilpotente, digamos f r = 0, então para todo P ∈ X, (f (P ))r = 0 ⇒ f (P ) = 0. Logo, f = 0


em k[X].


Exemplo 74. Em geral a inclusão no item (2.) é estrita. Considere por exemplo o ideal J = x2 ⊂ k[x], então
Z(x2 ) = {a ∈ A1k = k : a2 = 0} = 0, logo I(Z(J)) = I(Z(x2 )) = I(0) = {f ∈ k[x] :
f (0) = 0}, ou seja, são os
polinômios em uma variável com termo constante nulo. Logo x ∈ I(Z(J)), mas x 6∈ x2 = J.
Definição 75. Seja f : X → Y um morfismo entre dois conjuntos algébricos afins X ⊂ Am n
k e Y ⊂ Ak . O
morfismo de k-álgebras
f ∗ : k[Y ] → k[X]
φ 7→ φ ◦ f
induzido por composição com f é chamado de pullback de f .

Observação 76.

1. Como a k-álgebra k[Y ] é gerada pelas ”funções coordenadas”

k[y1 , ..., yn ]
yi ∈ k[Y ] =
I(Y )

(que leva P = (b1 , ..., bn ) ∈ Y em yi (P ) = bi ), temos que f ∗ é completamente determinado pelos valores
ti := f ∗ (yi ) ∈ k[X], que, pela propriedade universal do quociente devem satisfazer φ(t1 , ..., tn ) = 0 em
k[X] para todo φ ∈ I(Y ).
2. As associações X 7→ k[X] e f 7→ f ∗ definem um funtor contravariante da categoria de conjuntos algébricos
afins para a categoria de k-álgebras finitamente geradas reduzidas. Mais ainda, este funtor é uma equi-
valência de categorias!
Exemplo 77. Considere a parábola X = Z(y − x2 ) ⊂ A2k .
Os morfismos de conjuntos algébricos

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 23


f : A1k → X g : X → A1k
a 7 → (a, a2 ) (a, b) 7→ a

são claramente inversos um do outro, logo estabelecem um isomorfismo entre X e A1k .

Observe que I(A1k ) = 0 e k[A1k ] = k[x] pois um polinômio que se anula sobre k = A1k é identicamente nulo (k
é infinito!). Os isomorfismos de k-álgebras correspondentes a f e g são:

k[x, y]
f∗ : → k[x] k[x, y]
I(X) g∗ : k[x] →
x 7→ x I(X)
x 7→ x
y 7 → x2

Por exemplo, para calcular a imagem f ∗ (y) = y ◦ f da função ”segunda coordenada” y ∈ k[X], observe que para
todo ponto a ∈ A1k temos y ◦ f (a) = y(a, a2 ) = a2 , ou seja, f ∗ (y) é a função regular de A1k dada por a 7→ a2 que,
em termos da ”função coordenada” x, f ∗ (y) = x2 .
Definição 78. Um espaço topológico é dito irredutı́vel se não pode ser escrito como união de dois fechados
próprios.

Tomando complementares, isto implica que quaisquer dois abertos não vazios se interceptam, logo todo
aberto não vazio em um espaço irredutı́vel X é denso.
Definição 79. Uma variedade algébrica é um conjunto algébrico irredutı́vel.
Exemplo 80.

1. Ank para n ≥ 1 é uma variedade.


De fato, nenhum polinômio não nulo se anula identicamente em todo Ank . Assim Z(I) 6⊂ Ank é um fechado
próprio se, e somente se, I 6= h0i. Logo se Ank = Z(I) ∪ Z(J) = Z(IJ), então IJ = 0 e como k[x1 , ..., xn ]
é um domı́nio então ou I = 0 ou J = 0, o que mostra que Ank não é união de dois fechados próprios.
2. A união dos eixos Z(xy) = Z(x) ∪ Z(y) no plano afim A2k é redutı́vel.
Teorema 81. Todo subconjunto X ⊂ Ank se escreve de forma única como união finita X = W1 ∪ ... ∪ Wr onde
Wi é um fechado irredutı́vel de X para cada i e Wi 6⊂ Wj se i 6= j.

Demonstração. Suponha que o resultado não vale para X. Em particular, X não é irredutı́vel e X = X1 ∪ X10
com X1 e X10 fechados próprios de X. Pelo menos um destes conjuntos não satisfaz a proposição, pois caso
contrário X também satisfaria. Suponha que X1 não satisfaz o resultado. Então X1 não é irredutı́vel e se
escreve X1 = X2 ∪ X20 com X2 , X20 fechados próprios de X1 . Novamente um destes conjuntos, digamos X2 , não
satisfaz a proposição. Procedendo deste modo, obtemos uma cadeia infinita

X ! X1 ! X2 ! ...

de subconjuntos de Ank . Note que os conjuntos Xi , i = 1, ... são fechados em X. Seja Jn = I(Xn ) para n ≥ 1.
Então temos uma cadeia ascendente de ideais

J1 ⊂ J2 ⊂ ... ⊂ k[x1 , ..., xn ].

Como k[x1 , ..., xn ] é Noetheriano, temos Jm = Jm+1 para algum m ≥ 1. Assim I(Xm ) = I(Xm+1 ), logo
X m = X m+1 . Ora, cada Xi é fechado em X e logo se escreve Xi = X ∩ Yi com Yi fechado em An . Assim temos

X ∩ Ym = X ∩ Ym = X ∩ Ym+1 = X ∩ Ym+1

e, portanto,
Xm = X ∩ (X ∩ Ym ) = X ∩ (X ∩ Ym+1 ) = Xm+1
que é uma contradição. Isso mostra a primeira parte da proposição.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 24


Vamos agora mostrar a unicidade da decomposição em componentes irredutı́veis. Suponha que

X = W1 ∪ ... ∪ Wr = W10 ∪ ... ∪ Ws0

com Wi e Wj0 como no enunciado, para i = 1...r e j = 1...s. Então para cada i temos

Wi = Wi ∩ X = Wi ∩ (∪j Wj0 ) = ∪j (Wj0 ∩ Wi ).

Como Wi é irredutı́vel e as interseções Wj0 ∩ Wi são fechados em Wi , temos que ter Wi = Wi ∩ Wj0 para algum
j. Assim Wi ⊂ Wj0 . Do mesmo modo, temos

Wj0 = Wj0 ∩ X = ∪` (Wj0 ∩ W` )

e, como Wj0 é irredutı́vel e Wi ∩ Wj0 6= ∅, então temos Wj0 = Wj0 ∩ Wi , ou seja, Wj0 ⊂ Wi . Assim Wi = Wj0 .
Procedendo deste modo para cada i, j obtemos a unicidade.
Definição 82. Dizemos que os fechados W1 , ..., Wr são as componentes irredutı́veis de X.
Exemplo 83. As componentes irredutı́veis de X = Z(y(y 2 − x)) ⊂ A2k são W1 = Z(y) e W2 = Z(y 2 − x).

Diversas propriedades geométricas de um conjunto algébrico X se traduzem em propriedades algébricas de


seu anel de funções regulares k[X] e vice-versa. Como um primeiro exemplo temos a seguinte proposição:
Proposição 84. Seja X um conjunto algébrico afim, então são equivalentes:

1. X é uma variedade;

2. k[X] é um domı́nio;
3. I(X) é um ideal primo.

Demonstração. A equivalência entre (2.) e (3.) é óbvia. Suponha que X ⊂ Ank não seja uma variedade,
isto é, X é união de dois fechados próprios:

X = (X ∩ Z(I)) ∪ (X ∩ Z(J)) ⇔ X ⊂ Z(I) ∪ Z(J) = Z(IJ)

onde I e J são ideais de k[x1 , ..., xn ]. Como estes fechados são próprios, existem polinômios F ∈ I e G ∈ J
que não se anulam sobre todo X. Por outro lado, F G ∈ IJ se anula identicamente sobre X. Assim, as
k[x1 , ..., xn ]
imagens f, g ∈ k[X] = de F e G são tais que f g = 0 mas f 6= 0 e g 6= 0, mostrando que k[X]
I(X)
não é domı́nio.
Reciprocamente, suponha que k[X] não seja domı́nio e sejam f, g ∈ k[X] tais que f g = 0 com f 6= 0 e
g 6= 0. Se F, G ∈ k[x1 , ..., xn ] são dois representantes das classes f, g (isto é F = f e G = g em k[X]),
então F G se anula sobre todo X mas o mesmo não ocorre nem com F e nem com G. Assim,

X ⊂ Z(F ) ∪ Z(G) = Z(F G) ⇔ X = (X ∩ Z(F )) ∪ (X ∩ Z(G))

mostra que X é união de dois fechados próprios, ou seja, não é variedade.


Corolário 84.1. X ⊂ Ank é irredutı́vel se, e somente se, X é irredutı́vel.

Seja X ⊂ Ank um conjunto algébrico afim e seja P = (a1 , ..., an ) ∈ X um ponto deste conjunto. Defina

mP := I(P ) = {f ∈ k[x1 , ..., xn ] : f (P ) = f (a1 , ..., an ) = 0}.

Claramente, xi − ai ∈ mP para i = 1, ..., n, assim hx1 − a1 , ..., xn − an i ⊂ mP . Mas hx1 − a1 , ..., xn − an i é


um ideal maximal já que
k[x1 , ..., xn ] f 7→f (P )
' k
hx1 − a1 , ..., xn − an i

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 25


é um corpo, logo mP = hx1 − a1 , ..., xn − an i é um ideal maximal de k[x1 , ..., xn ] que contém I(X) (pois
k[x1 , ..., xn ]
{P } ⊂ X implica I(X) ⊂ I(P )). Isto implica que mP corresponde a um ideal maximal de k[X] =
I(X)
que denotaremos por mP . Temos então uma bijeção natural
 
' k[x1 , ..., xn ]
X → Specm(k[X]) = Specm
I(X)

dada por
I(P )
P = (a1 , ..., an ) 7→ mP = = hx1 − a1 , ..., xn − an i .
I(X)
Esta associação é claramente injetora pois se dois pontos P 6= Q diferem
 nas i-ésimas  coordenadas ai 6= bi , então
k[x1 , ..., xn ]
xi − ai ∈ mP \ mQ . Para ver que é sobrejetora, ou seja, que Specm = {hx1 − a1 , ..., xn − an i :
I(X)
(a1 , ..., an ) ∈ X}, basta mostrar que

Specm(k[x1 , ..., xn ]) = {hx1 − a1 , ..., xn − an i : ai ∈ k}.

Mas esse resultado é conhecido como Teorema dos Zeros de Hilbert.

Primeiramente vamos enunciar um resultado, que provaremos mais adiante, que será usado na demonstração
do Teorema dos Zeros.
Lema 85 (Zariski). Seja k um corpo e A = k[a1 , ..., an ] um anel finitamente gerado (f.g.) sobre k. Se A é um
corpo então A é uma extensão algébrica de k.
Teorema 86 (dos Zeros de Hilbert - Nullstellensatz Hilberts). Seja k um corpo algebricamente fechado.

1. Todo ideal maximal do anel k[x1 , ..., xn ] é da forma mP = hx1 − a1 , ..., xn − an i para algum ponto P =
(a1 , ..., an ) ∈ Ank ;
2. Seja J ( k[x1 , ..., xn ] um ideal próprio então Z(J) 6= ∅;

3. Para qualquer ideal J ⊂ k[x1 , ..., xn ] temos I(Z(J)) = J.

Demonstração.
k[x1 , ..., xn ]
1. Seja M ⊂ k[x1 , ..., xn ] um ideal maximal. Como k[x1 , ..., xn ] é um anel f. g. sobre k então K =
M
é um corpo (pois M é maximal) f. g. sobre k (pois é gerado pelos xi ’s). Logo segue do Lema 85 que K é uma
extensão algébrica de k, e, como k é algebricamente fechado, segue que k = K. Assim, existem ai ∈ k tais que
xi ≡ ai mod (M ), implicando que xi −ai ∈ M para todo i = 1, ..., n. Portanto, hx1 − a1 , ..., xn − an i ⊂ M , mas
como já vimos que hx1 − a1 , ..., xn − an i é um ideal maximal, segue imediatamente que hx1 − a1 , ..., xn − an i =
M.

2. Se J ⊂ k[x1 , ..., xn ] é um ideal próprio, então existe um ideal maximal M de k[x1 , ..., xn ] tal que J ⊂ M .
Pelo item (1.) M é da forma mP = hx1 − a1 , ..., xn − an i para certos ai ∈ k. Logo J ⊂ M implica que
f (a1 , ..., an ) = 0 para todo f ∈ J. Logo (a1 , ..., an ) ∈ Z(J).

3. É claro que J ⊂ I(Z(J)): Prove!

Para ver que I(Z(J)) ⊂ J vamos usar o ”truque de Rabinowitz”. Tome f ∈ I(Z(J)). Introduza uma
outra variável y e considere o novo ideal J1 = hJ, f · y − 1i ⊂ k[x1 , ..., xn , y] gerado por J e f · y − 1. Um
ponto Q ∈ Z(J1 ) ⊂ An+1 k é uma (n + 1)-tupla Q = (a1 , ..., an , b) tal que g(a1 , ..., an ) = 0 para todo g ∈ J, i.e.,
(a1 , ..., an ) ∈ Z(J) e f (a1 , ..., an ) · b = 1, ou seja f (a1 , ..., an ) 6= 0 e b = f (a1 , ..., an )−1 .

Mas, como f ∈ I(Z(J)), a primeira condição acima implica que f (a1 , ..., an ) = 0 o que contradiz a segunda,
então Z(J1 ) = ∅. Segue do item (2.) que 1 ∈ J1 , i.e., existe uma expressão
X
1= gi fi + g0 (f · y − 1) ∈ k[x1 , ..., xn , y]

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 26


com fi ∈ J e g0 , gi ∈ k[x1 , ..., xn , y]. Agora suponha que y N é a maior potência de y aparecendo em qualquer
um dos g0 , gi então multiplicando ambos lados por f N temos
X
fN = Gi (x1 , ..., xn , f · y)fi + G0 (x1 , ..., xn , f · y)(f · y − 1)

onde Gi é f N gi escrito como um polinômio em x1 , ..., xn e (f · y), da seguinte forma:


Gi (x1 , ..., xn , f · y) = f N gi (x1 , ..., xn , y)
X
= fN pia1 ...an xα αn
1 · · · xn · yj
1
j
(a1 ,...,an ,j)
X
N −j
= pia1 ...an xα αn
1 · · · xn · f
1
· (f · y)j .
j
(a1 ,...,an ,j)

Podemos reduzir esta igualdade de polinômios em k[x1 , ..., xn , y] módulo hf · y − 1i, logo f · y = 1, assim
Gi (x1 , ..., xn , f · y) = hi (x1 , ..., xn ) e obtemos
N X k[x1 , ..., xn , y]
f = hi (x1 , ..., xn )f i ∈ ;
hf · y − 1i
e ambos os lados da igualdade são imagens de elementos de k[x1 , ..., xn ]. Como o homomorfismo canônico
k[x1 , ..., xn , y]
k[x1 , ..., xn ] → é injetivo segue que
hf · y − 1i
X
fN = hi (x1 , ..., xn )fi ∈ k[x1 , ..., xn ],

ou seja f N ∈ J pois fi ∈ J, logo f ∈ J.

Como consequência do Teorema dos Zeros de Hilbert temos:


Corolário 86.1. As correspondências Z e I dadas por:
Z
{ideais J ⊂ k[x1 , ..., xn ]} −→ {subconjuntos X ⊂ Ank }
J 7→ Z(J)

I
{ideais J ⊂ k[x1 , ..., xn ]} ←− {subconjuntos X ⊂ Ank }
I(X) ←[ X
induzem as seguintes bijeções:
Z,I
{ideais radicais J ⊂ k[x1 , ..., xn ]} ←→ {conjuntos algébricos X ⊂ Ank }

Z,I
{ideais primos J ⊂ k[x1 , ..., xn ]} ←→ {variedades X ⊂ Ank }

Demonstração. A primeira bijeção segue dos fatos de Z(I(X)) = X para qualquer conjunto algébrico X e
I(Z(J)) = J para qualquer ideal radical J. A segunda bijeção segue do fato de variedades serem conjuntos
algébricos e ideais primos serem radicais.

A próxima proposição mostra que a topologia de Zariski do espaço afim Ank é na verdade a topologia induzida
do subespaço Specm(k[X]) de Spec(k[X]) via identificação X = Specm(k[X]) de um conjunto algébrico com o
espectro maximal de seu anel de funções regulares.
Proposição 87. Seja k um corpo algebricamente fechado, seja X ⊂ Ank um conjunto algébrico e seja k[X] =
k[x1 , ..., xn ]
seu anel de funções regulares. Se J ⊂ k[X] é um ideal qualquer de k[X] com ideal correspondente
I(X)
J ⊂ k[x1 , ..., xn ] no anel de polinômios, temos
Z(J) ∩ X = V (J) ∩ Specm(k[X])
via identificação X = Specm(k[X]) dada por P 7→ mP . Assim, a topologia de subespaço de Specm(k[X]) ⊂
Spec(k[X]) coincide com a topologia de Zariski de X como conjunto algébrico.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 27


Demonstração. Se P = (a1 , ..., an ) ∈ X, então o ideal maximal correspondente é mP = hx1 − a1, ..., xn − an i ⊂
k[X] e, portanto,

k[x1 , ..., xn ]
mP ∈ V (J) ⇔ mP ⊃ J em k[X] =
I(X)
⇔ hx1 − a1 , ..., xn − an i ⊃ J em k[x1 , ..., xn ]
⇔ P = (a1 , ..., an ) ∈ Z(J).

3.4 Conjuntos algébricos projetivos

A ideia básica da geometria projetiva é acrescentar pontos no infinito, de modo que, por exemplo, quaisquer
duas retas se intersectem.

Para construir o plano projetivo, identificamos o plano afim A2 com o plano

{(x0 , x1 , x2 ) ∈ k 3 : x0 = 1}

do espaço afim k 3 . Cada ponto (1, x1 , x2 ) determina uma reta passando pela origem {(λ, λx1 , λx2 ) : λ ∈ k}.
As retas em k 3 passando pela origem que não intersectam o plano ”x0 = 1” são as retas do plano ”x0 = 0”.
Intuitivamente uma tal reta encontra o plano ”x0 = 1” no infinito.

O plano projetivo P2 é tal que existe bijeção

{pontos de P2 } ↔ {retas em k 3 passando pela origem}.

Uma tal reta é da forma {(λ, λx1 , λx2 ) : λ ∈ k}, onde (x0 , x1 , x2 ) não é a origem. Note que dois vetores
(x0 , x1 , x2 ) e (y0 , y1 , y2 ) definem a mesma reta pela origem se, e somente se,

(y0 , y1 , y2 ) = (λx0 , λx1 , λx2 )

para algum λ ∈ k. Denotaremos o ponto correspondente em P2 por (x0 : x1 : x2 ) (ou [x0 : x1 : x2 ]).

Analogamente, o espaço projetivo de dimensão n, denotado por Pn corresponde às retas em k n+1 passando
pela origem.

Definição 88. O espaço projetivo de deminsão n é dado por

k n+1
Pn := Pnk :=

onde
(x0 : ... : xn ) ∼ (y0 : ... : yn ) ⇔ xi = λyi , ∀i = 1, ..., n para algum λ ∈ k ∗ .

Além disso chamamos x0 , ..., xn de coordenadas homogêneas do ponto (x0 : ... : xn ).

No espaço projetivo Pn também podemos definir uma topologia de Zariski dada por polinômios. Seja
F ∈ k[x0 , ..., xn ]. Não faz sentido falar do valor de F em um ponto (x0 : ... : xn ) pois este valor em geral
depende da escolha das coordenadas projetivas, isto é, F (λx0 , ..., λxn ), em geral, depende de λ. Mas, dizemos
que F se anula em (x0 : ... : xn ) se F (λx0 , ..., λxn ) = 0 para todo λ ∈ k ∗ .

Definição 89. Um polinômio F ∈ k[x0 , ..., xn ] é homogêneo de grau r se

F (λx0 , ..., λxn ) = λr F (x0 , ..., xn )

para todo λ ∈ k.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 28


Todo polinômio F ∈ k[x0 , ..., xn ] se escreve como uma soma F = F0 + F1 + ... + Fd onde Fi ∈ k[x0 , ..., xn ] é
homogêneo de grau i. Dizemos que F0 , ..., Fd são as componentes homogêneas de F .

Se F se anula em (x0 : ... : xn ) ∈ Pn , então para todo λ ∈ k temos

0 = F (λx0 , ..., λxn )


= F0 (λx0 , ..., λxn ) + F1 (λx0 , ..., λxn ) + ... + Fd (λx0 , ..., λxn )
= F0 (x0 , ..., xn ) + λF1 (x0 , ..., xn ) + ... + λd Fd (x0 , ..., xn ).

Fazendo ai := Fi (x0 , ..., xn ) vemos que todo λ ∈ k é raiz do polinômio a0 + a1 T... + ad T d . Como k é infinito o
polinômio deve ser identicamente nulo, ou seja, Fi (x0 , ..., xn ) = 0 para todo i = 1, ..., d. Isto permite definir os
conjuntos algébricos projetivos como a seguir:
Definição 90. Seja S ⊂ k[x0 , ..., xn ]. O conjunto algébrico projetivo gerado por S é

Zp (S) := {x ∈ Pn : F (x) = 0 para todo F ∈ S}.

Dizemos que X ⊂ Pn é fechado de X = Zp (S) para algum S.

Para X ⊂ Pn , definimos o ideal projetivo de X por

Ip (X) := {F ∈ k[x0 , ..., xn ] : F (x) = 0 para todo x ∈ X}.

Observação 91. 1. O ideal Ip (X) é um ideal homogêneo, isto é, F ∈ Ip (X) se, e somente se, todas as
componentes homogêneas de F estão em Ip (X).
2. Os abertos em Pn formam uma topologia chamada de topologia de Zariski de Pn .

3. Pode-se provar que para todo X ⊂ Pn , temos que Ip (X) = hF1 , ..., Fk i com F1 , ..., Fk polinômios ho-
mogêneos.
4. Os conjuntos algébricos projetivos irredutı́veis são chamados de variedades projetivas.
5. No caso projetivo se I = hx0 , ..., xn i, então Zp (I) = ∅ pois se os polinômios de I se anulassem em um
ponto (a0 : ... : an ) ∈ Pn , deverı́amos ter a0 = ... = an = 0.
Teorema 92 (projetivo dos zeros). Existe bijeção revertendo inclusões entre os fechados de Pn e os ideais
radicais homogêneos de k[x0 , ..., xn ] diferentes de hx0 , ..., xn i.

3.5 Exercı́cios

Seja k um corpo algebricamente fechado.

1. (a) Mostre que os fechados de A2k são as conjuntos da forma X = Z(g) ∪ F onde g ∈ k[x, y] e F ⊂ A2k é
um conjunto finito (Z(g) é uma curva plana afim).
(b) Escreva o fechado Z(y(y 2 − x), y(x − 1)) ⊂ A2k da forma do item anterior.
2. Seja X ⊂ Ank . O fecho de X é o menor fechado X de Ank contendo X, ou seja, se W é um fechado de Ank
contendo X, então W contém X. Mostre que X = Z(I(X)).

3. Sejam V ⊂ Am n
k e W ⊂ Ak dua variedades.

(a) Seja f ∈ k[x1 , ..., xm , y1 , ..., yn ]. Considere o subconjunto de Ank dado por

Zf = {(b1 , ..., bn ) ∈ Ank : f (x1 , ..., xm , b1 , ..., bn ) ∈ I(V )}

onde I(V ) ⊂ k[x1 , ..., xm ] é o ideal de V . Mostre que Zf é um fechado de Ank na topologia de Zariski.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 29


(b) Sejam f, g ∈ k[x1 , ..., xm , y1 , ..., yn ] tais que f g ∈ I(V × W ). Mostre que

W = (Zf ∩ W ) ∪ (Zg ∩ W ).

(c) Conclua que o ideal I(V × W ) ⊂ k[x1 , ..., xm , y1 , ..., yn ] é primo e, portanto, V × W é uma variedade.

4. Determine as componentes irredutı́veis de Z(y(y 2 − 1)) ⊂ A2k .


5. Mostre que W1 = Z(y) e W2 = Z(y 2 − x) são conjuntos algébricos irredutı́veis de A2k .
6. Seja X um conjunto algébrico afim. Mostre que existe bijeção revertendo inclusões

{fechados de X} ←→ {ideais radicais em k[X]}


Y 7−→ IX (Y ) := {h ∈ k[X] : h(y) = 0 para todo y ∈ X}
Z(J) := {y ∈ X : h(y) = 0 para todo h ∈ J ←−[ J.

Além disso, para Y fechado em X temos


k[X]
k[Y ] '
IX (Y )
e Y é irredutı́vel se, e somente se, IX (Y ) é ideal primo.
7. Mostre que X = {(x, y, z) ∈ A3k : x + y = z} é isomorfo a A2k .
8. Mostre que X = Z(xy − 1) ⊂ A2k não é isomorfa a A1k .

9. Sejam X = Z(x + y − z) e Y = Z(x2 − y 2 + z) variedades em A3k e seja a função f : A2k → A3k dada por
f (x, y, z) = (x, y, z(y − x)). Mostre que f |X é isomorfismo.
10. Sejam f, g ∈ k[x, y] polinômios irredutı́veis distintos. Mostre que existe uma relação

af + bg = c(x),

em que a, b ∈ k[x, y] e c(x) é um polinômio não nulo. Em particular, conclua que se f, g ∈ k[x, y] não
possuem fatores em comum, então as curvas C1 = Z(f ) e C2 = Z(g) se interceptam numa quantidade
finita de pontos.
(Dica: use o lema de Gauss e o fato de que
 
pi (x)
k(x)[y] := a0 (x) + ... + ar (x)y r : ai (x) = com pi (x), qi (x) ∈ k[x] e qi (x) 6= 0
qi (x)

é um DIP)

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 30


Capı́tulo 4

Módulos

4.1 Módulos e homomorfismo de módulos

Definição 93. Seja A um anel. Um A-módulo é um par (M, µ) onde M é um grupo abeliano e µ : A × M → M
é uma aplicação que leva (a, m) em am := µ(a, m) e satisfaz:

a(m + n) = am + an
(a + b)m = am + bm
(ab)m = a(bm)
1m = m

para todo a, b ∈ A e m, n ∈ M .
Exemplo 94.

1. Um ideal I de A é um A-módulo. Em particular, A é um A-módulo.


2. Se A = k é um corpo, então um A-módulo é um k-espaço vetorial.
3. Se A = Z, então um A-módulo é um grupo abeliano, onde definimos nm = m + m + ... + m.
| {z }
n vezes

4. Se A = k[x] onde k é um corpo, então um A-módulo é um k-espaço vetorial com uma transformação
linear.
Definição 95. Sejam M e N dois A-módulos. Uma aplicação f : M → N é um homomorfismo de A-módulos
(ou um A-homomorfismo) se

f (m1 + m2 ) = f (m1 ) + f (m2 )


f (am1 ) = af (m1 )

para todo a ∈ A e m1 , m2 ∈ M , ou seja, f é um homomorfismo de grupos abelianos que comuta com a ação de
cada a ∈ A.

O conjunto de todos os homomorfismos de A-módulos de M em N , denotado por HomA (M, N ) (ou Hom(M, N )),
pode ser visto como um A-módulo se definimos soma e produto pelas regras:

(f + g)(m) = f (m) + g(m)


(af )(m) = af (m)

para todo m ∈ M .

31
Se u : M 0 → M e v : N → N 00 dois homomorfismos de A-módulos, então eles induzem aplicações

u : HomA (M, N ) → HomA (M 0 , N )


v : HomA (M, N ) → HomA (M, N 00 )

definidas como u(f ) = f ◦ u e v(f ) = v ◦ f . Estas aplicações são também homomorfismos de A-módulos.

Para todo A-módulo M existe um homomorfismo natural Hom(A, M ) ' M , pois todo A-homomorfismo
f : A → M é unicamente determinado por f (1).

4.2 Submódulos e módulos quocientes

Definição 96. Um submódulo M 0 de M é um subgrupo de M que é fechado em relação à multiplicação por


elementos de A.

O grupo abeliano M/M 0 herda uma estrutura de A-módulo de M , definida por a(m + M 0 ) = am + M 0 . Logo
M/M 0 é o A-módulo quociente de M por M 0 .

O Teorema 15 (TCI) é um caso particular do seguinte fato: a projeção canônica M → M/M 0 é um homo-
morfismo de A-módulos que induz uma correspondência um-a-um (que preserva ordem) entre submódulos de
M que contém M 0 e submódulos de M/M 0 .

Se f : M → N é um homomorfismo de A-módulos, então o núcleo de f é o submódulo de M definido por

Ker(f ) := {m ∈ M : f (m) = 0}

e a imagem de f é o submódulo de N definido por

Im(f ) := f (M ).

Denotamos o cokernel (conúcleo) de f como sendo

Coker(f ) = N/Im(f )

que é um módulo quociente de N .

Se M 0 é um submódulo de M tal que M 0 ⊂ Ker(f ), então f induz um homomorfismo f : M/M 0 → N definido


como segue: se m ∈ M/M 0 é imagem de m ∈ M , então f (m) = f (m). Além disso Ker(f ) = Ker(f )/M 0 . Em
particular tomando M 0 = Ker(f ) temos um isomorfismo de A-módulos

M/Ker(f ) ' Im(f ).

4.3 Operações sobre submódulos

Definição 97. Seja M um A-módulo e seja {Mi }i∈I uma famı́lia de submódulos de M . Definimos

P P
1. a soma Mi como sendo o conjunto de todas as somas (finitas) P mi ∈ Mi para todo i ∈ I e
mi , onde
quase todos (i.e., todos exceto um número finito) os mi são zero. A soma Mi é o menor submódulo de
M que contém todos os Mi .
2. a interseção ∩Mi é um submódulo de M .
P
3. o produto IM onde I é um ideal de A e M é um A-módulo é o conjunto de todas as somas finitas ai mi
com ai ∈ I e mi ∈ M é um submódulo de M .
Observação 98. Não está definido, em geral, o produto de dois submódulos.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 32


Proposição 99.

1. Se L ⊃ M ⊃ N são A-módulos, então


L/N L
' .
M/N M
2. Se M1 , M2 são submódulos de M , então
M1 + M2 M2
' .
M1 M1 ∩ M2
Exercı́cio 15. Prove a Proposição 99
Definição 100. Sejam N, P submódulos de M . Defina (N : P ) o ideal de A como sendo
(N : P ) := {a ∈ A : aP ⊂ P }.
Em particular, chamamos o ideal (0 : M ) := {a ∈ A : aM = 0} de aniquilador de M e é também denotado
por Ann(M ).

Se um ideal I de A é tal que I ⊂ Ann(M ), podemos considerar M como um A/I-módulo como segue: se
a ∈ A/I é representado por a ∈ A, defina am como sendo am para todo m ∈ M . Esta definição independe da
escolha do representante a de a, pois IM = 0.
Definição 101. Um A-módulo M é fiel se Ann(M ) = 0.
A
Observação 102. Segue diretamente da definição que todo A-módulo M é fiel como um -módulo
Ann(M )
Exercı́cio 16. Prove que:

1. Ann(M + N ) = Ann(M ) ∩ Ann(N ).


 
N +P
2. (N : P ) = Ann .
N

Se m é um elemento de M , o conjunto
P de todos os múltiplos am, com a ∈ A, é um submódulo de M ,
denotado por Am ou hmi. Se M = i∈I Ami dizemos que os mi ’s formam um conjunto de geradores de M ,
isto significa que todo elemento de M pode ser expresso (não necessariamente de maneira única) como uma
combinação linear finita dos mi ’s com coeficientes em A. Um A-módulo é dito finitamente gerado (f.g.) se
ele tem um conjunto finito de geradores.
Definição 103. Seja {Mi }i∈I uma famı́lia de A-módulos. Podemos construir
Q
1. o produto direto i∈I Mi que, como conjunto, é igual ao produto cartesiano dos Mi ’s, sendo a soma e
o produto de escalares realizada componente a componente;
L
2. a soma direta i∈I Mi que é o submódulo do produto direto cujos elementos são as uplas (mi )i∈I ”quase
nulas”, isto é, com mi 6= 0 apenas para um número finito de ı́ndices i.
Q L
Em particular, se o conjunto de ı́ndices I é finito, então i∈I Mi = i∈I Mi .
Proposição 104 (Propriedades Universais dos Produtos). Dada uma famı́lia de A-módulos {Mi }i∈I , para todo
A-módulo T de ”teste”, temos isomorfismos canônicos
!
Y Y
HomA (T, Mi ) = HomA T, Mi
i∈I i∈I
(φi )i∈I 7→ (t 7→ (φi (t))i∈I )
e
!
Y M
HomA (Mi , T ) = HomA Mi , T
i∈I i∈I
!
X
(ψi )i∈I 7→ (mi )i∈I 7→ ψi (mi )
i∈I

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 33


4.4 Módulos finitamente gerados

A (também denotado por A(I) ).


L
Definição 105. Um A-módulo livre é um A-módulo isomorfo a i∈I

Um A-módulo livre f.g. é isomorfo a An := A ⊕ A ⊕ ... ⊕ A, para algum n > 0. Neste caso chamamos o
| {z }
n vezes
número n de posto do módulo.

Proposição 106. M é um A-módulo finitamente gerado ⇔ M é isomorfo a um quociente de An para algum


n > 0.

Demonstração.
Pn
(⇒) Sejam m1 , ..., mn os geradores de M . Defina f : An → M = Ami por f (a1 , ..., an ) = a1 m1 + ... +
i=1
An
an mn . Então f é um homomorfismo de A-módulos sobrejetor e logo M ' .
Ker(f )
An φ
(⇐) Temos que ' M para algum A-módulo N , logo existe um homomorfismo de A-módulos sobrejetor
N
An
f : An → M onde f = π ◦ φ com π : An → a projeção canônica. Se ei = (0, ..., 0, 1, 0, ..., 0) (com 1 na
N
i-ésima posição) então ei (1 ≤ i ≤ n) geram A , ou seja An = Ae1 + ... + Aen . Como f é sobrejetora então
n

f (An ) = M = Af (e1 ) + ... + Af (en ) e logo f (ei ) geram M .

Proposição 107. Sejam M um A-módulo f.g., I um ideal de A e f um endomorfismo do A-módulo M tal que
f (M ) ⊂ IM . Então f satisfaz uma equação da forma

f n + a1 f n−1 + ... + an id = 0

onde ai ∈ I.

Demonstração.
Pn Sejam m1 , ..., mn o conjunto de geradores de M . Então cada f (mi ) ∈ IM , logo f (mi ) =
j=1 aij mj com 1 ≤ i ≤ n e aij ∈ I, i.e.,

n
X n
X n
X
δij f (mi ) − aij mj = (δij f − aij id)(mj ) = 0 (4.1)
j=1 j=1 j=1

onde δij é o delta de Kronecker. Se B é a matriz (δij f − aij id)ij , então


 
f − a11 id −a12 id ... −a1n id
 −a21 id f − a 22 id ... −a2n id 
B= .
 
.. .. .. ..
 . . . . 
−an1 id −an2 id ... f − ann id

Multiplicando o lado esquerdo de (4.1) pela adjunta de B segue que


 
m1
 m2 
B · Adj(B) ·  .  = 0,
 
 .. 
mn

mas B · Adj(B) = det(B) · In isto implica que det(B) anula cada mi , logo é o endomorfismo nulo de M .
Expandindo o determinante, obtemos uma equação da forma requerida.
Corolário 107.1. Seja M um A-módulo f.g. e seja I um ideal de A tal que IM = M . Então existe a ≡
1 (mod I), a ∈ A, tal que aM = 0.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 34


Demonstração. Considere f = id, então id(M ) ⊂ IM por hipótese. Pela proposição anterior existem a1 , ..., an ∈
I tais que id + a1 id + ... + an id = 0. Seja a = 1 + a1 + ... + an ∈ A, claramente a ≡ 1 (mod I) e se m ∈ M temos

am = (1 + a1 + ... + an )m
= m + a1 m + ... + an m
= (id + a1 id + ... + an id)(m)
= 0.

Proposição 108 (Lema de Nakayama). Seja M um A-módulo f.g. e I um ideal de A contido no radical de
Jacobson R de A. Se IM = M então M = 0.

Demonstração. Pelo Corolário 107.1 existe um elemento a ∈ A tal que a ≡ 1 (mod I), ou seja, a = 1 + r para
algum r ∈ I ⊂ R e a é tal que aM = 0. Pela Proposição 36 a é uma unidade de A, logo

M = (a−1 a)M = a−1 (aM ) = 0.

Corolário 108.1. Seja M um A-módulo f.g., N um submódulo de M , I ⊂ R um ideal de A. Se M = IM + N


então M = N .

Demonstração. Como M é f.g. então M/N também é f.g com conjunto de geradores as imagens dos geradores
de M (pelaprojeção canônica π : M → M/N ). Observe que usando a hipótese M = IM +N , segue diretamente
M M M M
que I = (Prove!). Logo, pela Proposição 108 (Nakayama) aplicado a temos que = 0 ou seja
N N N N
M = N.

Seja A um anel local (i.e., um anel com um único ideal maximal), m seu ideal maximal e k = A/m seu corpo
de resı́duos. Seja M um A-módulo f.g., então M/mM é aniquilado por m, logo é um A/m-módulo, ou seja um
k-espaço vetorial e como tal tem dimensão finita.
Corolário 108.2. Sejam x1 , ..., xn os elementos de M cujas imagens em M/mM formam uma base deste
espaço vetorial. Então {x1 , ..., xn } gera M .

Demonstração. Seja N o submódulo de M gerado pelos xi ’s. A composição


M
g : N ,→ M →
mM
é sobrejetiva, e, como Ker(g) = N ∩ mM segue que
N + mM (99) N M
' '
mM N ∩ mM mM
portanto temos que N + mM = M , e, pelo corolário anterior N = M .

4.5 Sequências exatas

Definição 109. Uma sequência de A-módulos e A-homomorfismos


fi fi+1
· · · −→ Mi−1 −→ Mi −→ Mi+1 −→ · · · (4.2)

é exata em Mi se Im(fi ) = Ker(fi+1 ).

A sequência é exata se é exata em cada Mi .

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 35


Observação 110. Segue da definição que:

f
(i) 0 −→ M 0 −→ M é exata ⇔ f é injetiva
g
(ii) M −→ M 00 −→ 0 é exata ⇔ g é sobrejetiva
f g
(iii) 0 −→ M 0 −→ M −→ M 00 −→ 0 ⇔ f é injetiva, g é sobrejetiva e g induz um isomorfismo de Coker(f ) =
M/Im(f ) em M 00

Uma sequência do tipo (iii) é chamada sequência exata curta.

Qualquer sequência exata longa do tipo (4.2) pode ser dividida em sequências exatas curtas do tipo

0 −→ Im(fi ) −→ Mi −→ Ker(fi+1 ) −→ 0

para cada i.
Proposição 111.

1. Uma sequência de A-módulos e A-homomorfismos


u v
M 0 −→ M −→ M 00 −→ 0

é exata se, e somente se, para todo A-módulo N a sequência


v u
0 −→ HomA (M 00 , N ) −→ HomA (M, N ) −→ HomA (M 0 , N )

é exata.
2. Uma sequência de A-módulos e A-homomorfismos
u v
0 −→ N 0 −→ N −→ N 00

é exata se, e somente se, para todo A-módulo M a sequência


u v
0 −→ HomA (M, N 0 ) −→ HomA (M, N ) −→ HomA (M, N 00 )

é exata.

Demonstração.

1. (⇒) Vamos provar que v é injetiva e Im(v) = Ker(u).

(i) v é injetiva: Se f ∈ Ker(v), então 0 = v(f ) = f ◦ v é um homomorfismo M → N . Assim f (v(M )) = 0


e, como v é sobrejetora segue que f (M 00 ) = 0, ou seja, f = 0.

(ii) Im(v) ⊂ Ker(u): Se f ∈ Im(v), então f = v(g) = g ◦ v para algum g : M 00 → N . Mas, u(f ) = f ◦ u =
g ◦ v ◦ u, e, como Im(u) = Ker(v) segue que v ◦ u = 0, logo u(f ) = 0 ⇒ f ∈ Ker(u).

(iii) Ker(u) ⊂ Im(v): Se g ∈ Ker(u), então 0 = u(g) = g ◦ u. Queremos mostrar que existe f : M 00 → N
tal que v(f ) = f ◦ v = g. Dado m00 ∈ M 00 , como v é sobrejetora, existe m ∈ M tal que m00 = v(m). Defina
f (m00 ) := g(m). É fácil ver que f está bem definido e é um homomorfismo de M 00 em N como procurado
(Prove!)

(⇐) Vamos provar que v é sobrejetora e Im(u) = Ker(v).


M 00
(i) v é sobrejetora: Sejam o A-módulo quociente N := e sua projeção canônica (sobrejetora) f :
Im(v)
00 00
M → N . Temos que f ∈ HomA (M , N ) e também que v(f ) = f ◦ v = 0. Como v é injetora segue que f = 0,
M 00
e, consequentemente, N = = 0, ou seja, v é sobrejetora.
Im(v)

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 36


(ii) Im(u) ⊂ Ker(v): Como Im(v) = Ker(u), temos que u◦v = 0, isto é, f ◦v◦u = 0 para todo f : M 00 → N .
Tomando N = M 00 e f = id segue que v ◦ u = 0, logo Im(u) ⊂ Ker(v).
M
(iii) Ker(v) ⊂ Im(u): Seja N := e f : M → N a sua projeção canônica. Então u(f )(m0 ) =
Im(u)
(f ◦ u)(m0 ) = u(m0 ) + Im(u) = 0 para todo m0 ∈ M 0 , logo f ∈ Ker(u) = Im(v), ou seja, existe g : M 00 → N tal
que f = v(g) = g ◦ v. Portanto Ker(v) ⊂ Ker(f ) = Im(u).

2. Prove!
Proposição 112. Seja

u v
0 M0 M M 00 0
0 00
f f f
0
0 N N N 00 0
u0 v0

um diagrama comutativo de A-módulos e A-homomorfismos, com linhas exatas. Então existe uma sequência
exata
u v d u0 v0
0 → Ker(f 0 ) → Ker(f ) → Ker(f 00 ) → Coker(f 0 ) → Coker(f ) → Coker(f 00 ) → 0 (4.3)
onde u e v são restrições de u e v, e u0 e v 0 são induzidos por u0 e v 0 .

Demonstração. Prove!

4.6 Produto tensorial de módulos

Definição 113. Sejam M, N, P três A-módulos. Uma aplicação f : M × N → P é A-bilinear se ela satisfaz:

1. f (m + m0 , n) = f (m, n) + f (m0 , n)
2. f (m, n + n0 ) = f (m, n) + f (m, n0 )

3. f (am, n) = f (m, an) = af (m, n)

para todo m, m0 ∈ M , n, n0 ∈ N e a ∈ A.
Proposição 114. Sejam M e N dois A-módulos. Então existem um A-módulo T e uma aplicação A-bilinear
g : M × N → T com a seguinte propriedade: dados um A-módulo P e uma aplicação A-bilinear f : M × N → P ,
existe uma única aplicação A-linear f 0 : T → P tal que f = f 0 ◦ g.

g
M ×N T
f
∃! f 0
P

Além disso, se (T, g) e (T 0 , g 0 ) são dois pares que satisfazem essa propriedade, então existe um único isomorfismo
j : T → T 0 tal que j ◦ g = g 0 .

Demonstração. (Unicidade) Substituindo (P, f ) por (T 0 , g 0 ) temos que existe uma única j : T → T 0 tal que
g 0 = j ◦ g.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 37


g
M ×N T
0
g
∃! j
T0

Trocando os papéis de T e T 0 temos que existe um único j 0 : T 0 → T tal que g = j 0 ◦ g 0 .

g0
M ×N T0
g
∃! j 0
T

Logo g 0 = j ◦ j 0 ◦ g 0 e g = j 0 ◦ j ◦ g, assim as composições j ◦ j 0 : T 0 → T 0 e j 0 ◦ j : T → T devem ser a identidade,


portanto j é um isomorfismo.

(Existência) Denote por C o A-módulo livre A(M ×N ) cujos elementos são combinações
Pn lineares formais
de elementos de M × N com coeficientes em A, isto é, são expressões da forma i=1 ai (mi , ni ) com ai ∈ A,
mi ∈ M e ni ∈ N . Seja D o submódulo de C gerado por todos os elementos de C do seguinte tipo:

(m + m0 , n) − (m, n) − (m0 , n)
(m, n + n0 ) − (m, n) − (m, n0 )
(am, n) − a(m, n)
(m, an) − a(m, n).

Seja T = C/D. Para cada elemento base (m, n) de C, denote por m ⊗ n sua imagem em T . Então T é
gerado pelos elementos da forma m ⊗ n. Estes elementos satisfazem:

(m + m0 ) ⊗ n = m ⊗ n + m0 ⊗ n
m ⊗ (n + n0 ) = m ⊗ n + m ⊗ n0
(am) ⊗ n = m ⊗ (an) = a(m ⊗ n).

Equivalentemente a aplicação g : M × N → T definida por g(m, n) = m ⊗ n é A-bilinear. Vamos verificar


que (T, g) satisfaz as condições da proposição. Observe que qualquer aplicação f de M × N em um A-módulo
P estende-se por linearidade a um homomorfismo de A-módulos f : C → P . Suponha em particular que f é
A-bilinear então, segue das definições, que f anula-se em todos os geradores de D logo, em todo D ou seja
D ⊂ Ker(f ). Portanto, f induz um A-homomorfismo bem definido f 0 : T = C/D → P tal que f 0 (m ⊗ n) =
f (m, n) = f (m, n). A aplicação f 0 é definida de maneira única por esta condição, consequentemente o par (T, g)
satisfaz as condições da proposição.
Definição 115. O módulo T construı́do na proposição anterior é chamado de produto tensorial de M e N , e
será denotado por M ⊗A N . Ele é gerado pelos elementos m ⊗ n com m ∈ M e n ∈ N , chamaremos um elemento
deste tipo de tensor elementar. Se {mi }i∈I e {nj }j∈J são famı́lias de geradores de M e N , respetivamente,
então os elementos mi ⊗ nj geram M ⊗A N . Em particular, se M e N são f.g. então M ⊗A N também é f.g.
Observação 116. Podemos generalizar a noção de produto tensorial a qualquer número finito de módulos,
definindo aplicações multilineares f : M1 × ... × Mr → P como sendo aplicações lineares em cada variável e
seguindo a prova da Proposição anterior chegaremos a um ”produto multi-tensorial” T = M1 ⊗A ... ⊗A Mr
gerado por todos os produtos m1 ⊗ ... ⊗ mr , com mi ∈ Mi para todo i = 1, ..., r.
Proposição 117. Sejam M , N e P A-módulos, então:

1. Comutatividade: M ⊗A N ' N ⊗A M ;
2. Associatividade: (M ⊗A N ) ⊗A P ' M ⊗A (N ⊗A P );

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 38


3. Distributividade: (M ⊕ N ) ⊗A P ' (M ⊗A P ) ⊕ (N ⊗A P );
4. Elemento neutro: A ⊗A M ' M ;
5. Quocientes: Seja I ⊂ A um ideal então M ⊗A A/I ' M/IM .

Demonstração.

1. Prove!

2. Prove!

3. Prove!

4. Defina a aplicação A-bilinear ϕ : A × M → M dada por (a, m) 7→ am. Pela Proposição 114 existe um
A-homomorfismo ϕ0 : A⊗A M → M dado por ϕ0 (a⊗m) = am. Seja agora o A-homomorfismo ψ : M → A⊗A M
dado por m 7→ 1 ⊗ m, então ϕ0 ◦ ψ : M → M satisfaz (ϕ0 ◦ ψ)(m) = ϕ0 (1 ⊗ m) = 1m = m para todo m ∈ M , logo
ϕ0 ◦ ψ = idM . Por outro lado ψ ◦ ϕ0 : A ⊗A M → A ⊗A M satisfaz (ψ ◦ ϕ0 )(a ⊗ m) = ψ(am) = 1 ⊗ am = a ⊗ m
para todo tensor elementar a ⊗ m com a ∈ A e m ∈ M , como estes tensores elementares geram A ⊗A M temos
que ψ ◦ ϕ0 = idA⊗A M . Portanto A ⊗A M ' M .

5. Defina a aplicação A-bilinear ϕ : M × A/I → M/IM dada por (m, a) 7→ am. Observe que esta aplicação
está bem definida, i.e., o elemento am não depende da escolha do representante de classe de a: De fato, suponha
que a = b, então a − b ∈ I, logo (a − b)m ∈ IM ou seja am − bm ∈ IM logo am = bm. Agora, pela Proposição
114 existe um A-homomorfismo ϕ0 : M ⊗A A/I → M/IM dado por ϕ0 (m ⊗ a) = am. Seja o A-homomorfismo P
ψ : M → M ⊗A A/I dado porm 7→ m ⊗ 1, vejamos que IM ⊂ Ker(ψ). Seja m ∈ IM , então m = ai mi com
ai ∈ I e mi ∈ M , logo temos
X  X  X  X  X
ψ(m) = ψ ai mi = ai mi ⊗ 1 = ai mi ⊗ 1 = mi ⊗ ai 1 = (mi ⊗ ai ) = 0

pois ai ∈ I, logo m ∈ Ker(ψ). Assim ψ induz um A-homomorfismo ψ : M/IM → M ⊗A A/I dado por
m 7→ m ⊗ 1. Vejamos que ϕ0 e ψ são inversos um do outro. Temos que ϕ0 ◦ ψ : M/IM → M/IM satisfaz
(ϕ0 ◦ ψ)(m) = ϕ0 (m ⊗ 1) = 1m = m para todo m ∈ M/IM , logo ϕ0 ◦ ψ = idM/IM . Por outro lado ψ ◦ ϕ0 :
M ⊗A A/I → M ⊗A A/I satisfaz ψ ◦ ϕ0 (m ⊗ a) = ψ(am) = am ⊗ 1 = m ⊗ a para todo tensor elementar m ⊗ a
com a ∈ A/I e m ∈ M , como estes tensores elementares geram M ⊗A A/I temos que ψ ◦ ϕ0 = idM ⊗A A/I .
Portanto M ⊗A A/I ' M/IM .
Exemplo 118. Se m, n são inteiros coprimos, então (Z/mZ) ⊗Z (Z/nZ) = 0. Como mdc(m, n) = 1, então
existem x, y ∈ Z tais que 1 = mx + ny. Seja agora a ⊗ b um gerador de (Z/mZ) ⊗Z (Z/nZ), então
a⊗b = 1(a ⊗ b)
= (mx + ny)(a ⊗ b)
= ((mx + ny)a) ⊗ b
= ((mx)a + (ny)a) ⊗ b
= (ny)a ⊗ b
= a ⊗ (ny)b
= a⊗0
= 0.
Logo (Z/mZ) ⊗Z (Z/nZ) = 0.

4.6.1 Restrição e extensão de escalares

Seja f : A → B um homomorfismo de anéis e seja N um B-módulo. Então N tem uma estrutura de


A-módulo definida como segue: se a ∈ A e n ∈ N então definimos an como sendo f (a)n. Neste caso dizemos
que o A-módulo N é obtido de N por restrição de escalares. Em particular, f define desta maneira uma
estrutura de A-módulo em B.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 39


Proposição 119. Seja f : A → B um homomorfismo de anéis e seja N um B-módulo f.g. Suponha que B é
f.g. como um A-módulo. Então N é f.g. como um A-módulo.

Demonstração. Sejam n1 , ..., nr os geradores de N como B-módulo e sejam b1 , ..., bk os


Pgeradores de B como
n
A-módulo. Então os rk produtos ni bj são os geradores de N como A-módulo: N 3 n = i=1 xi ni onde xi ∈ B,
Pk Pr Pk
ou seja, xi = j=1 aij bj com aij ∈ A. Portanto n = i=1 j=1 aij (bj ni ).

Seja M um A-módulo, podemos formar o A-módulo MB = B ⊗A M pois, como observamos antes, B tem
estrutura de A-módulo. De fato MB carrega também uma estrutura de B-módulo dada por b(b0 ⊗ m) = bb0 ⊗ m
para todo b, b0 ∈ B e m ∈ M . Dizemos que o B-módulo MB é obtido de M por extensão de escalares.
Proposição 120. Seja f : A → B um homomorfismo de anéis. Se M é um A-módulo f.g., então MB é f.g.
como um B-módulo.

Demonstração. Sejam m1 , ..., mr os geradores de M sobre A e seja b ⊗ m um tensor elementar de MB . Então


r
X r
X
b ⊗ m = b(1 ⊗ m) = b(1 ⊗ ai mi ) = ai b(1 ⊗ mi ),
i=1 i=1

onde a ação de A em B foi definida por ai b = f (ai )b ∈ B. Logo os 1 ⊗ mi ’s geram MB sobre B.

4.6.2 Exatidão do produto tensorial

Proposição 121 (Adjunção ou ”Hom” sweet ”Hom”). Sejam M, N, P três A-módulos. Então

HomA (M ⊗A N, P ) ' HomA (M, HomA (N, P )).

Demonstração. Seja f : M × N → P uma aplicação A-bilinear. Para cada m ∈ M a aplicação n 7→ f (m, n) de


N em P é A-linear (logo A-homomorfismo), logo f dá origem a uma aplicação ϕ : M → HomA (N, P ) a qual é
A-linear (logo A-homomorfismo) pois f é linear na variável m. Reciprocamente, qualquer A-homomorfismo ϕ :
M → HomA (N, P ) define uma aplicação bilinear f : M ×N → P dada por (m, n) 7→ ϕ(m)(n). Logo o conjunto S
de todas as aplicações A-bilineares M ×N → P está em correspondência um-a-um com HomA (M, HomA (N, P )).
Por outro lado, S está em correspondência um-a-um com HomA (M ⊗A N, P ) pela Proposição 114. Logo temos
um isomorfismo canônico HomA (M ⊗A N, P ) ' HomA (M, HomA (N, P )).

Sejam f : M → M 0 e g : N → N 0 homomorfismos de A-módulos. Defina h : M × N → M 0 ⊗A N 0


por h(m, n) = f (m) ⊗ g(n). É fácil ver que h é A-bilinear, logo induz um homomorfismo de A-módulos
h0 : M ⊗A N → M 0 ⊗A N 0 tal que h0 (m ⊗ n) = f (m) ⊗ g(n) para todo m ∈ M e n ∈ N . Vamos denotar h0 por
f ⊗ g.

Uma das propriedades mais importantes do produto tensorial é que ele é exato à direita:

Proposição 122 ( ⊗A N é exato à direita). Seja


f g
M 0 → M → M 00 → 0

uma sequência exata de A-módulos e A-homomorfismos, e seja N um A-módulo qualquer. Então a sequência
f ⊗idN g⊗idN
M 0 ⊗A N −→ M ⊗A N −→ M 00 ⊗A N −→ 0

é exata.

Demonstração. Segue das Proposições 121 e 111.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 40


f g
Em geral não é verdade que se M 0 → M → M 00 é uma sequência exata então
f ⊗id g⊗id
M 0 ⊗A N −→ M ⊗A N −→ M 00 ⊗A N

é exata, pois produtos tensoriais podem, por exemplo, destruir injetividade, vejamos:
f
Exemplo 123. Considere o anel A = Z e a sequência exata 0 → Z → Z onde f (x) = 2x para todo x ∈ Z. Seja
N = Z/2Z então a sequência
f ⊗id
0 → Z ⊗Z (Z/2Z) −→ Z ⊗Z (Z/2Z)
não é exata, pois para qualquer x ⊗ y ∈ Z ⊗Z (Z/2Z) temos

(f ⊗ id)(x ⊗ y) = 2x ⊗ y = x ⊗ 2y = x ⊗ 0 = 0,

logo f ⊗ id é a aplicação nula enquanto que Z ⊗Z (Z/2Z) ' Z/2Z 6= 0.

Definição 124. Um A-módulo M é dito plano se ⊗A M é exato.


Proposição 125. As seguintes afirmações são equivalentes para um A-módulo N :

1. N é plano;
2. Se 0 → M 0 → M → M 00 → 0 é qualquer sequência exata de A-módulos, então

0 → M 0 ⊗ N → M ⊗ N → M 00 ⊗ N → 0

é exata.
3. Se f : M 0 → M é injetiva, então f ⊗ id : M 0 ⊗ N → M ⊗ N é injetiva.

Demonstração. Prove!
L
Exemplo 126. Módulos livres são sempre planos: se M = i∈I A, para qualquer A-homorfismo de A-módulos
f : N → N 0 temos a aplicação ! !
M f ⊗id M
N ⊗A A −→ N 0 ⊗A A ,
i∈I i∈I

mas pela propriedade distributiva e elemento neutro do produto tensorial temos que
!
M M M
N ⊗A A ' (N ⊗A A) ' N,
i∈I i∈I i∈I

assim o seguinte diagrama comuta

 f ⊗ id
N 0 ⊗A
L L 
N ⊗A i∈I A i∈I A
' L '
i∈I f
N0
L L
i∈I N i∈I

L
Logo se f é injetor então f também é injetor o que implica que f ⊗ id é injetor, mostrando que M é um
A-módulo plano

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 41


4.7 Álgebras - II

Lembre que definimos uma A-álgebra como sendo um anel B juntamente com um homomorfismo de anéis
f : A → B e que ab := f (a)b para todo a ∈ A e b ∈ B.

Um homomorfismo de anéis f : A → B é finito e B é uma A-álgebra finita se B é finitamente gerado


como um A-módulo.
O homomorfismo f é de tipo finito e B é uma A-álgebra finitamente gerada se existe um número finito
de elementos b1 , ..., bn ∈ B tais que todo elemento de B pode ser escrito como um polinômio em b1 , ..., bn com
coeficientes em f (A).

4.8 Exercı́cios
1. Seja 0 → M 0 → M → M 00 uma sequência exata de A-módulos. Mostre que se M 0 e M 00 são f.g. então M
é f.g.
2. Seja A um anel não nulo. Mostre que se Am ' An , então m = n.

3. (Lema de Nakayama II) Sejam A um anel local, k seu corpo de resı́duos, M e N dois A-módulos f.g. Prove
que:
(a) Se M ⊗A k = 0 então M = 0.
(b) Se M ⊗A N = 0 então M = 0 ou N = 0.

4. Sejam M um A-módulo f. g. e ϕ : M → An um A-homomorfismo sobrejetor. Mostre que Ker(ϕ) é


finitamente gerado.
5. (Lema dos 5) Seja A um anel e considere o seguinte diagrama comutativo de A-módulos com linhas exatas:

M1 M2 M3 M4 M5
f g h i j
N1 N2 N3 N4 N5

Mostre que se g e i são isomorfismos e se f é sobrejetor e j injetor, então h é um isomorfismo.


6. Seja M um A-módulo e seja

M [x] := {m0 + m1 x + ... + mr xr : r ∈ N, mi ∈ M }.

Definindo o produto de um elemento de A[x] por um elemento de M [x] da maneira óbvia, mostre que
M [x] é um A[x]-módulo. Além disso, mostre que M [x] ' A[x] ⊗A M .
7. Sejam M e N dois A-módulos planos. Mostre que M ⊗A N também é um A-módulo plano.

8. Seja
0→M →N →P →0
uma sequência exata de A-módulos. Mostre que se M e P são planos então N é plano.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 42


Capı́tulo 5

Localização

Definição 127. Seja A um anel. Um conjunto multiplicativo S ⊂ A é um subconjunto que é fechado para
o produto, ou seja se s, t ∈ S então st ∈ S, e tal que 1 ∈ S.

Defina uma relação ≡ em A × S como segue:

(a, s) ≡ (a0 , s0 ) ⇔ (as0 − a0 s)u = 0 para algum u ∈ S.

Claramente, esta relação é reflexiva e simétrica. Para ver que é transitiva, suponha que (a, s) ≡ (b, t) e (b, t) ≡
(c, v). Então existem u, w ∈ S tais que (at − bs)u = 0 e (bv − ct)w = 0. Eliminando b destas duas equações
temos (av − cs)tuw = 0. Como S é fechado sob multiplicação temos que tuw ∈ S, logo (a, s) ≡ (c, v). Portanto,
≡ é uma relação de equivalência.
a A×S
Denotemos por a classe de equivalência de (a, s) e seja S −1 A := o conjunto das classes de equi-
s ≡
−1
valências. Vamos colocar uma estrutura de anel em S A definindo adição e multiplicação da maneira usual:
a1 a2 a1 s2 + a2 s1
+ :=
s1 s2 s1 s2
a1 a2 a1 a2
. := .
s1 s2 s1 s2
0 1
Com estas operações, S −1 A é um anel comutativo com elemento nulo e elemento identidade que chamaremos
1 1
de localização de A com respeito a S.

Associado a S −1 A temos um homomorfismo de anéis ρ : A → S −1 A dado por a 7→ a


1 chamado de mapa de
localização.
Observação 128. Quando A é um domı́nio de integridade e S = A − {0} então S −1 A é o corpo de frações
de A e neste caso o mapa de localização é a inclusão A ⊂ S −1 A . Entretanto, para anéis gerais, o mapa de
localização nem sempre é injetivo.
Teorema 129 (Propriedade universal da localização - I). Seja g : A → B um homomorfismo de anéis tal que
g(s) é uma unidade em B para todo s ∈ S. Então existe um único homomorfismo de anéis h : S −1 A → B tal
que g = h ◦ ρ (onde ρ é o mapa de localização).

a
Demonstração. (Unicidade) Se h satisfaz as condições, então h = h(ρ(a)) = g(a) para todo a ∈ A, logo,
1
se s ∈ S, então     
1 s −1  s −1
h =h =h = g(s)−1
s 1 1
a a 1
e, portanto, h =h h = g(a).g(s)−1 , implicando que h é unicamente determinado.
s 1 s

43
a
(Existência) Seja h := g(a).g(s)−1 . Então h é um homomorfismo de anéis (Prove!) que está bem
s0
a a
definido. De fato, se = 0 , então existe t ∈ S tal que (as0 − a0 s)t = 0, logo
s s
(g(a)g(s0 ) − g(a0 )g(s)) g(t) = 0.

Como g(t) é unidade em B, segue que g(a)g(s)−1 = g(a0 )g(s0 )−1 .


Exercı́cio 17. (Propriedade Universal da Localização - II)

Sejam A um anel, S ⊂ A um conjunto multiplicativo e ρ : A → S −1 A o mapa de localização. Para um anel


B, denote por
HomS (A, B) := {ϕ ∈ Hom(A, B) : ϕ(S) são unidades de B}.
Temos uma bijeção natural
Hom(S −1 A, B) → HomS (A, B)
ψ 7→ ψ◦ρ
cujo inverso leva ϕ ∈ HomS (A, B) em ψ ∈ Hom(S −1 A, B) definido por
a
ψ = ϕ(s)−1 ϕ(a)
s
onde a ∈ A e s ∈ S. Logo, para todo ϕ ∈ HomS (A, B), existe um único ψ ∈ Hom(S −1 A, B) fazendo o seguinte
diagrama comutar:

ϕ
A B
ρ
∃! ψ
S −1 A

Exercı́cio 18. Prove que a primeira versão da Propriedade Universal é um corolário da segunda versão.

O anel S −1 A e o mapa de localização ρ : A → S −1 A têm as seguintes propriedades:

1. Se s ∈ S, então ρ(s) é uma unidade em S −1 A;


2. Se ρ(a) = 0, então as = 0 para algum s ∈ S;
3. Todo elemento de S −1 A é da forma ρ(a)ρ(s)−1 para certos a ∈ A e s ∈ S.

Reciprocamente, esta três condições determinam o anel S −1 A a menos de isomorfismo. Mais precisamente:
Corolário 129.1. Se g : A → B é um homomorfismo de anéis tal que:

1. Se s ∈ S, então g(s) é uma unidade em B;


2. Se g(a) = 0 então as = 0 para algum s ∈ S;
3. Todo elemento de B é da forma g(a)g(s)−1 para certos a ∈ A e s ∈ S.

Então existe um único isomorfismo h : S −1 A → B tal que g = h ◦ ρ.

Demonstração. Prove!
Exercı́cio 19. Seja A um anel e seja S ⊂ A um conjunto multiplicativo. Então S −1 A = 0 se, e somente se,
0 ∈ S.
Exemplo 130.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 44


1. Seja P um ideal primo de A. Então S = A−P é um conjunto multiplicativo (Prove!). Neste caso usaremos
o sı́mbolo AP para indicar a localização S −1 A. O conjunto M := {a/s : a ∈ P } é um ideal de AP . Se
b/t 6∈ M , então b 6∈ P , logo b ∈ S implicando que b/t é uma unidade em AP . Portanto AP é um anel local
com M seu único ideal maximal. O processo de passar de A para AP é chamado localização em P .
2. Seja f ∈ A e seja S = {f n : n ≥ 0}. Neste caso, usaremos o sı́mbolo Af para indicar a localizaçãoS −1 A.

Podemos também localizar módulos (em particular, ideais) e álgebras: dado um A-módulo (ou A-álgebra)
M , a localização S −1 M de M com relação a um subconjunto multiplicativo S de A é o S −1 A-módulo (ou
m
S −1 A-álgebra) cujos elementos são as frações com m ∈ M e s ∈ S com identificação:
s
m1 m2
= em S −1 M ⇔ ∃t ∈ S tal que t(s2 m1 − s1 m2 ) = 0 em M
s1 s2
e operações de soma e multiplicação por escalar dadas por
m1 m2 s2 m1 + s1 m2
+ :=
s1 s2 s1 s2
a m am
· := ,
t s ts
para todo a ∈ A, s, t ∈ S e m1 , m2 ∈ M . Dado um homomorfismo de A-módulos f : M → N temos um
m f (m)
homomorfismo de S −1 A-módulos induzido S −1 f : S −1 M → S −1 N dado por 7→ para todo m ∈ M e
s s
−1 −1 −1
s ∈ S. Este homomorfismo satisfaz S (f ◦ g) = (S f ) ◦ (S g).
f g
Proposição 131. A operação S −1 é exata, isto é, se M 0 → M → M 00 é exata em M , então

S −1 f S −1 g
S −1 M 0 −→ S −1 M −→ S −1 M 00

é exata em S −1 M .

Demonstração. Como g◦f = 0 então (S −1 g)◦(S −1 f ) = S −1 (g◦f ) = S −1 (0) = 0, logo Im(S −1 f ) ⊂ Ker(S −1 g).
m g(m)
Para mostrar a inclusão oposta, seja ∈ Ker(S −1 g), então = 0 em S −1 M 00 , logo existe t ∈ S tal que
s s
tg(m) = 0 em M 00 . Mas tg(m) = g(tm) pois g é um homomorfismo de A-módulos, logo tm ∈ Ker(g) =  Im(f) e,
0 0 0 −1 m f (m0 ) −1 m0
consequentemente tm = f (m ) para algum m ∈ M . Portanto em S M temos = = (S f ) ∈
s st st
Im(S −1 f ). Logo Ker(S −1 g) ⊂ Im(S −1 f ).
Corolário 131.1. Seja A um anel, S um conjunto multiplicativo e f : M → N um A-homomorfismo. Então:

1. Se f é injetor (respetivamente sobrejetor, bijetor) então S −1 f é injetor (respetivamente sobrejetor, bijetor).


2. Localização comuta com kernels, cokernels e imagens, i.e., temos isomorfismos:

(a) Ker(S −1 f ) ' S −1 (Ker(f ))


(b) Coker(S −1 f ) ' S −1 (Coker(f ))
(c) Im(S −1 f ) ' S −1 (Im(f ))
3. Localização comuta com quocientes: Se N é um submódulo de M , então

S −1 (M )
 
−1 M
S ' −1 .
N S (N )

Segue do primeiro item que se N é um submódulo de M a aplicação S −1 N → S −1 M é injetiva e logo S −1 N


pode ser considerado como um submódulo de S −1 M , i.e. localização preserva inclusões. Com esta convenção
temos:

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 45


Corolário 131.2. Se N e P são submódulos de um A-módulo M , então:

1. S −1 (N + P ) = S −1 (N ) + S −1 (P );
2. S −1 (N ∩ P ) = S −1 (N ) ∩ S −1 (P ).

Exercı́cio 20. Prove os Corolários 131.1 e 131.2.


Proposição 132. Se M um A-módulo, então existe um isomorfismo de S −1 A-módulos S −1 A ⊗A M ' S −1 M .

Demonstração. Basta usar a aplicação A-bilinear S −1 A × M → S −1 M definida por (a/s, m) 7→ am/s e aplicar
a propriedade universal do produto tensorial.
Exercı́cio 21. Faça a prova da Proposição 132.

Corolário 132.1. S −1 A é um A-módulo plano.

Demonstração. Seja f : N → N 0 um A-homomorfismo injetor. Pela Proposição 131 temos que S −1 f : S −1 N →


S −1 N 0 também é injetor. Pela Proposição 132 temos que N ⊗A S −1 A ' S −1 N e N 0 ⊗A S −1 A ' S −1 N 0 , logo
o seguinte diagrama

f ⊗ S −1 id
N ⊗A S −1 A N 0 ⊗A S −1 A
' '
S −1 f
S −1 N S −1 N 0

comuta. Logo f ⊗ S −1 id é um homomorfismo de S −1 A-módulos injetor, implicando que também é um homo-


morfismo de A-módulos injetor e, portanto, S −1 A é um A-módulo plano.

Proposição 133. Se M e N são A-módulos então existe um isomorfismo de S −1 A-módulos S −1 (M ⊗A N ) '


(S −1 M ) ⊗S −1 A (S −1 N ). Em particular, se P ∈ Spec(A), então (M ⊗A N )P ' MP ⊗AP NP como AP -módulos.

Demonstração. Prove!

5.1 Propriedades locais

Uma propriedade P de um anel A (ou de um A-módulo M ) é dita uma propriedade local se:

”A (ou M ) tem P se, e somente se, AP (ou MP ) tem P para todo ideal P ∈ Spec(A)”

As seguintes proposições são exemplos de propriedades locais:


Proposição 134. Seja M um A-módulo, então são equivalentes:

1. M = 0;
2. MP = 0 para todo P ∈ Spec(A);
3. Mm = 0 para todo m ∈ Specm(A).

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 46


Demonstração. Claramente (1.) ⇒ (2.) ⇒ (3.). Suponha que acontece (3.) e que M 6= 0. Seja x um elemento
não nulo de M e seja I = Ann(x) (i.e., o conjunto de todos os a ∈ A tais que ax = 0), então I é um ideal
x
próprio de A e logo está contido em um ideal maximal m. Considere o elemento ∈ Mm . Como Mm = 0
1
x
temos que = 0, logo tx = 0 para algum t ∈ S = A − m, mas então t aniquila m e logo t ∈ I ⊂ m o que é uma
1
contradição.
Proposição 135. Seja f : M → N um A-homomorfismo. Então são equivalentes:

1. f é injetiva (sobrejetiva, bijetiva);


2. fP : MP → NP é injetiva (sobrejetiva, bijetiva) para todo P ∈ Spec(A);
3. fm : Mm → Nm é injetiva (sobrejetiva, bijetiva) para todo m ∈ Specm(A).

Demonstração. Prove!

A propriedade de um A-módulo ser plano é local:


Proposição 136. Para qualquer A-módulo M , as seguintes afirmações são equivalentes:

1. M é um A-módulo plano;

2. MP é um AP -módulo plano para todo P ∈ Spec(A);


3. Mm é um Am -módulo plano para todo m ∈ Specm(A).

Demonstração. Prove!

5.2 Localização e ideais primos

Uma das ventagens da localização é que os elementos de S passam a ser unidades de S −1 A, e como con-
sequência deste aumento de unidades temos uma redução na quantidade de ideais primos.
Proposição 137. Sejam A um anel, S ⊂ A um conjunto multiplicativo e ρ : A → S −1 A o mapa de localização.

1. Se I é um ideal de A, então S −1 I é um ideal de S −1 A. Reciprocamente, todo ideal J de S −1 A é da forma


S −1 I para algum ideal I de A.
2. O mapa de espectros induzido por ρ,

Spec(ρ) : Spec(S −1 A) ,→ Spec(A)

é injetor e tem como imagem o conjunto

DS := {P ∈ Spec(A) : P ∩ S = ∅}

dos primos P que não interceptam S. A pré-imagem de P ∈ DS é dada por S −1 P . (i.e., os ideais primos
de S −1 A estão em correspondência um-a-um com os ideais primos de A que não interceptam S).

Demonstração. (1.) Como localização é exata, preserva injetividade, assim se I é um ideal de A então S −1 I é
um ideal de S −1 A. Reciprocamente, dado um ideal J de S −1 A, temos que I = ρ−1 (J) é um ideal de A. Vamos
provar que S −1 I = J:

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 47


a a
(⊂) se ∈ S −1 I com a ∈ A e s ∈ S então existem i ∈ I e s0 ∈ S tais que = si0 . Então existe t ∈ S tal que
s s
0 0 −1 ats0
tas = tsi ∈ I, logo ρ(ats ) ∈ J ⊂ S A i.e., ∈ J. Mas ts ∈ S é unidade em S −1 A então posso multiplicar
0
1
1 ats0 a 1
pelo inverso, ou seja, 0 ∈ J (J é ideal) assim a1 = ρ(a) ∈ J. Portanto segue que = ρ(a) ∈ J.
ts 1 s s
b sb b
(⊃) se ∈ J com b ∈ A e s ∈ S então ρ(b) = ∈ J, ou seja, b ∈ I e, portanto ∈ S −1 I.
s 1s s
(2.) Inicialmente, observe que: para P ∈ DS , a ∈ A e s ∈ S temos
a
∈ S −1 P ⇔ a ∈ P.
s
a
A implicação (⇐) é obvia. Por outro lado, se ∈ S −1 P então existem p ∈ P e t ∈ S tais que
s
a p
= em S −1 A ⇔ ∃r ∈ S tal que r(at − ps) = 0 em A
s t
⇒ rta = rsp ∈ P com rt ∈ S.
Como P é primo ou r ∈ P ou t ∈ P ou a ∈ P , mas P ∈ DS logo P ∩ S = ∅ assim r, t 6∈ P então necessariamente
a ∈ P o que prova (⇒).

Im(Spec(ρ)) ⊂ DS : seja P ∈ Im(Spec(ρ)), então existe Q ∈ Spec(S −1 A) tal que P = Spec(ρ)(Q) então
P = ρ−1 (Q). Suponha que existe s ∈ S ∩ P então ρ(s) ∈ Q, o que é absurdo pois ρ(s) ∈ (S −1 A).

Se P ∈ DS , então S −1 P ∈ Spec(S −1 A): note que S −1 P é um ideal próprio de S −1 A pois caso contrário
1
∈ S −1 P e isto implica pela observação inicial que 1 ∈ P , um absurdo. Agora, dados a, a0 ∈ A e s, s0 ∈ S
1
temos
a a0 aa0
∈ S −1 P ⇔ ∈ S −1 P
s s0 ss0
⇔ aa0 ∈ P
⇔ a ∈ P ou a0 ∈ P
a a0
⇔ ∈ S −1 P ou 0 ∈ S −1 P
s s
o que mostra que S −1 P é um ideal primo de S −1 A.

O mapa Spec(ρ) : Spec(S −1 A) → DS é uma bijeção com inversa P 7→ S −1 P : a composição


DS −→ Spec(S −1 A) −→ DS
P 7→ S −1 P 7→ Spec(ρ)(S −1 P )
é a identidade em DS , já que
Spec(ρ)(S −1 P ) = ρ−1 (S −1 P )
= {a ∈ A : ρ(a) ∈ S −1 P }
a
= {a ∈ A : ∈ S −1 P }
1
= P
pela observação inicial. Da mesma forma, a composição
Spec(S −1 A) −→ DS −→ Spec(S −1 A)
Q 7→ ρ−1 Q 7→ S −1 (ρ−1 (Q))

é a identidade em Spec(S −1 A), pois Q = S −1 (ρ−1 (Q)) pelo item (1.)


Corolário 137.1. Seja A um anel. Se P ∈ Spec(A), temos uma bijeção
{Q ∈ Spec(A) : Q ⊂ P } −→ Spec(AP )
Q 7→ QAP .

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 48


Demonstração. Tome S = A − P no teorema anterior.

Como consequência a passagem de A para AP elimina todos os ideais primos exceto aqueles contidos em
P . Por outro lado, a passagem de A para A/P elimina todos os ideais primos exceto aqueles que contêm P .
Logo se P e Q são ideais primos tais que Q ⊂ P , então localizando em relação a P e tomando o quociente mod
Q (ou ao contrário, pois essas operações comutam), restringimos nossa atenção a aqueles ideais primos que se
encontram entre P e Q. Em particular, se P = Q chegaremos ao corpo de resı́duos do anel local AP o qual
também pode ser obtido como o corpo de frações do domı́nio A/P .

5.3 Exercı́cios
√ √
1. Seja I um ideal de A, mostre que S −1 I = S −1 I. Em particular, se NA é o nilradical de A então
NS −1 A = S −1 NA .
2. Seja A um anel. Suponha que, para cada P ∈ Spec(A), o anel local AP não tenha elementos nilpotentes
não nulos. Mostre que A não tem elementos nilpotentes não nulos. Se cada AP for um domı́nio de
integridade, então necessariamente A é um domı́nio de integridade?
3. M um A-módulo e I um ideal de A. Suponha que Mm = 0 para todo m ∈ Specm(A) tal que m ⊃ I.
Prove que M = IM .
4. Sejam f (x, y) ∈ C[x, y] irredutı́vel e (a, b) ∈ C2 tais que f (a, b) = 0. Considere o anel
 
h(x, y)
R := ∈ C[x, y] : g(a, b) 6= 0 / ∼
g(x, y)

h h1 C[x, y]
em que ∼ ⇔ hg1 − gh1 ∈ hf i. Mostre que R = Am para A = e m = hx − a, y − bi. Qual é
g g1 f (x, y)
o único ideal maximal de R?
5. Considere o anel
C[x, y]hx,yi
A= .
hxyi
Determine Spec(A), seus abertos e fechados e calcule explicitamente a localização Ax . Dê uma inter-
pretação geométrica.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 49


Capı́tulo 6

Condições de cadeia

Lembre que um conjunto Ω é parcialmente ordenado por uma relação ≤ se ≤ é reflexiva, transitiva e x ≤ y
juntamente com y ≤ x implicar em x = y.
Proposição 138. As seguintes condições sobre Ω são equivalentes:

1. Toda sequência crescente x1 ≤ x2 ≤ ... em Ω é estacionária, i.e., existe n tal que xn = xn+1 = ...

2. Todo subconjunto não vazio de Ω tem um elemento maximal.

Demonstração. (1.) ⇒ (2.): Seja T um subconjunto não vazio de Ω e seja x1 ∈ T . Se x1 é maximal em T


acabou. Caso contrário existe x2 ∈ T tal que x1 x2 . Se x2 é maximal em T acabou, caso contrário repita
o processo. Eventualmente, este processo termina, já que caso contrário obterı́amos uma cadeia ascendente
x1 x2 x3 ... estrita, o que contradiz a hipótese. Portanto T tem um elemento maximal.

(2.) ⇒ (1.): Seja x1 ≤ x2 ≤ ... uma sequência ascendente em Ω, então o conjunto {xm : m ≥ 1} tem um
elemento maximal xn e logo a sequência é estacionária.
Definição 139. Seja Ω o conjunto de submódulos de um módulo M .

1. Se Ω é ordenado pela relação ⊆, então (1.) é chamada de condição de cadeia ascendente (cca) e
(2.) de condição maximal. Um módulo M que satisfaz qualquer uma destas condições equivalentes é
chamado de Noetheriano (após Emmy Noether).

2. Se Ω é ordenado por ⊇, então (1.) é chamada de condição de cadeia descendente (ccd) e (2.) de
condição minimal. Um módulo M que satisfaz qualquer uma destas condições equivalentes é chamado
de Artiniano (após Emil Artin).
Exemplo 140.

1. Um grupo abeliano finito (como Z-módulo) satisfaz cca e ccd.

2. O anel
Z (como Z-módulo) satisfaz cca mas não satisfaz ccd. Se a ∈ Z, a 6= 0 então temos que
hai ) a2 ) ... ) han i ) ....
3. Seja G um subgrupo de Q/Z formado pelos elementos cuja ordem é uma potência de um primo fixado p.
Então G possui exatamente um subgrupo Gn de ordem pn para cada n ≥ 0, e G0 ( G1 ( ...Gn ( ... é
uma cadeia ascendente que não é estacionária, logo G não satisfaz cca. Por outro lado os únicos subgrupos
próprios de G são os Gn , logo G satisfaz ccd.
4. O anel k[x] onde k é um corpo satisfaz cca mas não satisfaz ccd.

50
5. O anel de polinômios k[x1 , x2 , ...] com infinitas variáveis não satisfaz denhuma das condições

de
cadeia

para ideais pois a sequência hx1 i ( hx1 , x2 i ( ... não é estacionária e a sequência hx1 i ) x21 ) x31 ) ...
também não é.
Proposição 141. M é um A-módulo Noetheriano se, e somente se, todo submódulo de M é f.g.

Demonstração. (⇒) Seja N um submódulo de M , e seja Ω o conjunto de todos os submódulos f.g. de N . Então
Ω é um conjunto não vazio (pois 0 ∈ Ω) de submódulos de M e logo tem um elemento maximal N0 . Se N0 6= N ,
considere o submódulo N0 + An onde n ∈ N e n 6∈ N0 . Este submódulo é f.g. e contém estritamente N0 o que
é uma contradição. Logo N = N0 e, portanto, N é f.g.
S∞
(⇐) Seja M1 ⊂ M2 ⊂ ... uma cadeia ascendente de submódulos de M . É fácil ver que N = n=1 Mn é
um submódulo de M (usando a condição de cadeia) e logo é f.g. Sejam x1 , ..., xr os geradores de N tais que
xi ∈ Mni e seja n = max1≤i≤r ni . Então cada xi ∈ Mn , logo N = Mn e portanto a cadeia é estacionária.

É esta última proposição que torna os módulos Noetherianos mais úteis do que os módulos Artinianos.
Porém, muitas propriedades formais elementares aplicam-se igualmente a módulos Artinianos e Noetherianos.
f g
Proposição 142. Seja 0 → M 0 −→ M −→ M 00 → 0 uma sequência exata de A-módulos. Então

1. M é Noetheriano se, e somente se, M 0 e M 00 são Noetherianos;


2. M é Artiniano se, e somente se, M 0 e M 00 são Artinianos;

Demonstração. Faremos a prova para módulos Noetherianos, o caso Artiniano é similar.

(⇒) Sejam M10 ⊂ M20 ⊂ ... e M100 ⊂ M200 ⊂ ... cadeias ascendentes de submódulos de M 0 e M 00 respetivamente.
Logo f (M10 ) ⊂ f (M20 ) ⊂ ... e g −1 (M100 ) ⊂ g −1 (M200 ) ⊂ ... são cadeias ascendentes de submódulos de M . Como
M é Noetheriano estas cadeias são estacionárias, logo f (Mk0 ) = f (Mk+1 0
) = ... para algum k e g −1 (Mn00 ) =
−1 00
g (Mn+1 ) = ... para algum n. Agora segue do fato de f ser injetiva que f −1 f (Mi0 ) = Mi0 para todo i, ou
seja, Mk0 = Mk+10
= ... o que implica que M 0 é Noetheriano. Analogamente, como g é sobrejetiva temos
g(g (Mi )) = Mi para todo i, assim Mn00 = Mn+1
−1 00 00 00
= ... o que implica que M 00 é Noetheriano.

(⇐) Suponha que M 0 e M 00 são Noetherianos. Seja M1 ⊂ M2 ⊂ ... uma cadeia ascendente de submódulos de
M ; então (f −1 (Mi )) é uma cadeia em M 0 e (g(Mi )) é uma cadeia em M 00 . Para um n suficientemente grande
ambas cadeias são estacionárias, logo f −1 (Mn ) = f −1 (Mn+1 ) = ... e g(Mn ) = g(Mn+1 ) = .... Queremos provar
que sob estas condições Mn = Mn+1 , mas como Mn ⊂ Mn+1 basta mostrar a inclusão oposta. Seja x ∈ Mn+1
então existe y ∈ Mn tal que g(y) = g(x) logo g(x − y) = 0, ou seja, x − y ∈ Ker(g) = Im(f ). Isto implica que
existe z ∈ M 0 tal que f (z) = x − y ∈ Mn+1 , logo z ∈ f −1 (Mn+1 ) = f −1 (Mn ) e consequentemente f (z) ∈ Mn ,
i.e. x − y ∈ Mn mas como y ∈ Mn segue que x ∈ Mn . Logo Mn+1 ⊂ Mn e a cadeia ascendente é estacionária.
Portanto M é Noetheriano.
Corolário 142.1. Quocientes e submódulos de módulos Noetherianos (resp. Artinianos) são Noetherianos
(resp. Artinianos).

Demonstração. Prove!
Ln
Corolário 142.2. Se Mi para 1 ≤ i ≤ n são A-módulos Noetherianos (resp. Artinianos) então i=1 Mi é um
A-módulo Noetheriano (resp. Artiniano).

Demonstração. Faremos a prova por indução sobre n. O casoL n = 1 é trivial. Suponha que o resultado vale para
k
n = k, i.e. se M1 , ..., Mk são A-módulos Noetherianos, então i=1 Mi é um A-módulo Noetheriano. Considere,
agora, a sequência
k+1 k
f M g M
0 → Mk+1 −→ Mi −→ Mi → 0,
i=1 i=1

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 51


onde f , dada por mk+1 7→ (0, ..., 0, mk+1 ), é claramente injetiva e g, dada por (m1 , ..., mk , mk+1 ) 7→ (m1 , ..., mk ),
é sobrejetiva. Agora, temos que (g ◦ f )(mk+1 ) = g(0, ..., 0, mk+1 ) = (0, ..., 0), logo Im(f ) ⊂ Ker(g). Seja
(m1 , ..., mk+1 ) ∈ Ker(g) então mi = 0 para i = 1, ..., k, logo (m1 , ..., mk+1 ) = (0, ..., 0, mk+1 ) = f (mk+1 ) ∈
Lk
Im(f ). Portanto a sequência é exata. Como Mk+1 e i=1 Mi são Noetherianos, segue da Proposição que
Lk+1
i=1 Mi é um A-módulo Noetheriano.

Definição 143. Um anel A é dito Noetheriano (resp. Artiniano) se é Noetheriano (resp. Artiniano) como
A-módulo, i.e., se satisfaz a cca (resp. ccd) para ideais.
Exemplo 144.

1. Todo corpo k é Noetheriano e Artiniano, pois tem somente dois ideais h0i e k. O mesmo acontece com os
anéis Zn onde n 6= 0.
2. O anel Z é Noetheriano mas não é Artiniano.
3. Todo DIP é Noetheriano, pois todo ideal é f.g.
Proposição 145. Seja A um anel Noetheriano (resp. Artiniano) e M um A-módulo f.g. Então M é Noetheriano
(resp. Artiniano).

Demonstração. Sejam m1 , ..., mn os geradores de M e defina f : An → M por f (a1 , ..., an ) = a1 m1 + ... + an mn .


Então f é um homomorfismo de A-módulos sobrejetor. Segue do Corolário 142.2 que An é Noetheriano (resp.
Artiniano) e, pela Proposição 142, M é um A-módulo Noetheriano (resp. Artiniano).
Proposição 146. Sejam A um anel Noetheriano (resp. Artiniano) e I um ideal de A. Então A/I é um anel
Noetheriano (resp. Artiniano).

Demonstração. Como a projeção canônica p : A → A/I é um homomorfismo de A-módulos sobrejetor e A é um


A-módulo Noetheriano (resp. Artiniano), segue da Proposição 142 que A/I é Noetheriano (resp. Artiniano)
como um A-módulo e logo também como um A/I-módulo pois, segue do TCI que os A-submódulos de A/I
correspondem aos A-submódulos de A (i.e., ideias de A) que contém I, que correspondem aos ideais de A/I.

6.1 Séries de composição e comprimento de módulos

Uma cadeia de submódulos de um módulo M é uma sequência {Mi }ni=0 de submódulos de M tais que

M = Mn ) Mn−1 ) ... ) M0 = 0.

O comprimento da cadeia é n. Uma série de composição de M é uma cadeia maximal, ou seja uma cadeia
na qual não podem ser inseridos submódulos extras, isto é equivalente a dizer que cada quociente Mi+1 /Mi com
0 ≤ i ≤ n é simples (i.e., seus únicos submódulos são 0 e ele mesmo).

Definimos o comprimento de M sobre A, denotado por `A (M ), como sendo o mı́nimo entre todos os
comprimentos das séries de composição de M ou ∞ se M não admite série de composição.
Exemplo 147. Seja k um corpo. Um k-espaço vetorial (ou k-módulo) é simples se, e somente se, tem dimensão
1 . Assim, uma série de composição para um espaço vetorial V é uma sequência

V = Vn ) Vn−1 ) ... ) V1 ) V0 = 0

onde dimk Vi = i. Logo `k (V ) = n = dimk V .


Exercı́cio 22. Um A-módulo M é simples se, e somente se, M ' A/m (como A-módulos) para algum ideal
maximal m ⊂ A.
Proposição 148. Suponha que M tem uma série de composição de comprimento n. Então toda série de
composição de M tem comprimento n e toda cadeia em M pode ser estendida a uma série de composição.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 52


Demonstração. Dividiremos a prova em quatro partes:

1) N ( M ⇒ `A (N ) < `A (M ):
Seja {Mi } uma série de composição de M de comprimento minimal, e considere os submódulos Ni := N ∩ Mi de
N . Como Ni+1 /Ni ⊂ Mi+1 /Mi e o último é um módulo simples, temos duas possibilidades Ni+1 /Ni = Mi+1 /M i
ou Ni+1 = Ni . Logo removendo os termos repetidos temos uma série de composição de N e consequentemente
`A (N ) ≤ `A (M ). Se `A (N ) = `A (M ) = n, então Ni+1 /Ni = Mi+1 /Mi para cada i = 0, ..., n − 1. Isto implica
que M1 = N1 , M2 = N2 , ..., e finalmente M = N .

2) Toda cadeia em M tem comprimento ≤ `A (M ):


Seja M = Mk ) Mk−1 ) ... ) M0 = 0 uma cadeia de comprimento k. Então pelo item (1) temos `A (M ) >
`A (Mk−1 ) > `A (Mk−2 ) > ... > `A (M0 ) = 0, logo `A (M ) ≥ k.

3) Considere qualquer série de composição de M . Se tem comprimento k então k ≤ `A (M ) pelo item (2),
mas por definição `A (M ) ≤ k, logo `A (M ) = k. Segue que toda série de composição tem o mesmo comprimento.

4) Finalmente, considere qualquer cadeia. Se seu comprimento é `A (M ) então é uma série de composição por
(2) (suponha que não é então posso inserir pelo menos um submódulo, logo essa cadeia tem comprimento maior
que uma série de composição que é uma cadeia maximal, Contradição!). Se seu comprimento é < `A (M ), então
não é uma série de composição ou seja não é maximal, logo novos termos podem ser inseridos até o comprimento
ser `A (M ) e, portanto, até chegarmos a uma série de composição.
Proposição 149. M tem uma série de composição se, e somente se, M satisfaz ambas condições de cadeia.

Demonstração. (⇒) Todas as cadeias de M tem comprimento finito, logo ambas condições cca e ccd são satis-
feitas.

(⇐) Construiremos uma série de composição para M . Como M0 := M satisfaz a condição maximal, existe
um elemento maximal M1 ⊂ M0 . Analogamente M1 possui um submódulo maximal M2 ⊂ M1 . Observe que
segue do fato dos submódulos serem maximais que não podem ser inseridos submódulos extras, logo os quocientes
de módulos consecutivos são simples. Dando continuidade a esse processo obtemos uma cadeia estritamente
descendente M = M0 ) M1 ) ... que, pela ccd, deve ser finita. Então essa cadeia é uma série de composição.

Observe que a proposição anterior é equivalente a dizer que `A (M ) < ∞ se, e somente se, M é Artiniano e
Noetheriano.
Definição 150. Um módulo que satisfaz ambas condições, cca e ccd, é chamado de módulo de comprimento
finito.
Teorema 151 (Jordan-Hölder). Seja M um módulo de comprimento finito. Se {Mi }ni=0 e {Mi0 }ni=0 são duas
0 0
séries de composição de M então existe uma permutação σ dos ı́ndices 1, ..., n tal que Mi+1 /Mi ' Mσ(i)+1 /Mσ(i)
para todo i = 1, ..., n.

Demonstração. Prove!
f g
Proposição 152. Seja 0 → M 0 −→ M −→ M 00 → 0 uma sequência exata de A-módulos. Então `A (M ) < ∞
se, e somente se, `A (M 0 ) < ∞ e `A (M 00 ) < ∞. Neste caso `A (M ) = `A (M 0 ) + `A (M 00 ).

Demonstração. Pela Proposição 142 temos que M é Noetheriano (resp. Artiniano) se, e somente se, M 0 e
M 00 são Noetherianos (resp. Artinianos). Assim pela Proposição 149, M possui comprimento finito se, e
somente se, M 0 e M 00 possuem comprimento finito. Sejam agora, M 0 = Mn0 ) Mn−1 0
) ... ) M00 = 0 e
00 00 00 00 0 00
M = Mk ) Mk−1 ) ... ) M0 = 0 séries de composição de M e M respetivamente. Tome a imagem por
f da primeira, {f (Mi0 )}ni=0 e a imagem inversa por g da segunda, {g −1 (Mi00 )}ki=0 . Basta combiná-las em uma
cadeia de M de tamanho n + k da seguinte maneira:
M = g −1 (M 00 ) = g −1 (Mk00 ) ) g −1 (Mk−1
00
) ) ... ) g −1 (M000 ) = g −1 (0) = Ker(g) = Im(f ) = f (M 0 ) = f (Mn0 ) )
0
) f (Mn−1 ) ) ... ) f (M00 ) = f (0) = 0,
que é uma série de composição de M .

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 53


Exercı́cio 23. Termine a prova da Proposição anterior.

6.2 Anéis Noetherianos

Recordamos que um anel A é dito Noetheriano se satisfaz as seguintes três condições equivalentes:

1. Todo conjunto não vazio de ideais de A tem um elemento maximal (condição maximal);
2. Toda cadeia ascendente de ideais de A é estacionária (cca);
3. Todo ideal de A é f.g.

Proposição 153. Se A é um anel Noetheriano e f : A → B é um homomorfismo de anéis sobrejetor, então B


é Noetheriano.

Demonstração. Como B ' A/Ker(f ) segue da Proposição 146 que B é um anel Noetheriano.
Proposição 154. Seja A um subanel de B. Suponha que A é Noetheriano e que B é f.g. como um A-módulo.
Então B é Noetheriano (como anel).

Demonstração. Como A é um subanel de B, podemos considerar B junto com o homomorfismo inclusão como
um A-módulo. Segue da Proposição 145 que B é Noetheriano como um A-módulo. Mas os ideais de B são B-
submódulos de B portanto também são A-submódulos de B e portanto toda cadeia de ideais de B estabiliza-se,
logo B é Noetheriano como anel.
Exemplo 155. B = Z[i], o anel de inteiros de Gauss é Noetheriano usando a Proposição anterior e usando o
fato de que Z é Noetheriano.

Proposição 156. Se A é um anel Noetheriano e S um conjunto multiplicativo de A, então S −1 A é Noetheriano.

Demonstração. Um ideal de S −1 A é da forma S −1 I para algum ideal I de A. Se I é f.g., digamos I = ha1 , ..., an i
então S −1 I também é f.g. por a11 , ..., a1n . Assim A Noetheriano implica S −1 A Noetheriano.
Corolário 156.1. Se A é Noetheriano e P é um ideal primo de A, então AP é Noetheriano.

Lembre que um resultado muito importante sobre anéis Noeterianos já foi provado:
Teorema 157 (base de Hilbert). Se A é Noetheriano, então o anel de polinômios A[x1 , ..., xn ] é Noetheriano.

Corolário 157.1. Seja B uma A-álgebra f.g. Se A é Noetheriano, então B também é. Em particular, todo
anel e toda álgebra f.g. sobre um corpo são Noetherianos.

Demonstração. Lembramos a definição de A-álgebra f.g.: f : A → B é uma A-álgebra f.g. se existe um conjunto
finito de elementos b1 , ..., bn ∈ B tal que todo elemento de B pode ser escrito como um polinômio em b1 , ..., bn
com coeficientes em f (A), ou equivalentemente, se existe um homomorfismo de A-álgebras sobrejetor do anel
dos polinômios A[x1 , ..., xn ] em B. Esse homomorfismo A[x1 , ..., xn ] → B é dado por xi 7→ bi . Como o anel de
polinômios A[x1 , ..., xn ] é Noetheriano pelo Teorema da Base de Hilbert, segue da Proposição 153 que B é um
anel Noetheriano.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 54


6.3 Exercı́cios
1. Mostre que para o caso particular de módulos sobre um corpo k, i.e., k-espaços vetoriais V as seguintes
condições são equivalentes:

(a) V tem dimensão finita;


(b) V tem comprimento finito;
(c) V é Noetheriano;
(d) V é Artiniano.

2. Um espaço topológico X é dito Noetheriano se os subconjuntos abertos de X satisfazem a cca ou, equiva-
lentemente, se os subconjuntos fechados de X satisfazem a ccd. Mostre que:
(a) Se A é um anel Noetheriano então Spec(A) é um espaço topológico Noetheriano.
(b) Se A é um anel qualquer, então Spec(A) é um espaço Noetheriano se, e somente se, o conjunto de
ideias primos de A satisfaz a cca.

3. Seja A um anel Noetheriano. Mostre que:


(a) Todo ideal I ⊂ A contém um produto finito de ideais primos.
(b) A possui apenas um número finito de ideais primos minimais.
4. Sejam M um A-módulo Noetheriano e f : M → M um homomorfismo de A-módulos sobrejetor. Mostre
que f é um isomorfismo.
5. A[x] ser Noetheriano implica em A ser Noetheriano?

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 55


Capı́tulo 7

Decomposição Primária

A decomposição primária de um ideal é nada mais que a generalização da fatoração de um inteiro como
produto de potências de números primos. Um ideal primo de um anel A é, em algum sentido, a generalização de
um número primo. A correspondente generalização de uma potência de um número primo é um ideal ”primário”.
Definição 158. Um ideal Q de um anel A é primário se Q 6= A e se ab ∈ Q, então ou a ∈ Q ou bn ∈ Q para
algum n > 0.

Em outras palavras, Q é primário se, e somente se, A/Q 6= 0 e todo divisor de zero em A/Q é nilpotente.

Segue que todo ideal primo (ou maximal) é primário.



Proposição 159. Seja Q um ideal primário de um anel A. Então Q é o menor ideal primo de A contendo Q.


Demonstração.
√ Como Q é√a interseção de todos os ideais primos de A que contêm Q, é suficiente provar que
Q é primo. Sejam ab ∈ Q, então existe
√ m >√ 0 tal que (ab)m ∈ Q. Como Q é primário ou am ∈ Q ou
mn
b ∈ Q para algum n > 0, i.e. ou a ∈ Q ou b ∈ Q.

Definição 160. Se Q é primário e P = Q, então dizemos que Q é P -primário.
Exemplo 161.

1. Os ideais primários de Z são h0i e hpn i, onde p é um número primo.



A k[y]
2. Sejam A = k[x, y] e Q = x, y 2 . Então ' 2 e neste anel os divisores de zero são os múltiplos
Q hy i
de y (Prove!), logo são nilpotentes. Segue que Q é primário e seu radical P é hx, yi. Temos então que
P 2 ( Q ( P , logo um ideal primário não é necessariamente uma potência de um primo.
3. Uma potência P n de um ideal primo não é necessariamente primário, embora seu radical seja o ideal primo
k[x, y, z]
P . Sejam A = e x, y, z as classes de x, y, z em A. Então P = hx, zi é primo (A/P ' k[y]).
hxy − z 2 i √
Temos ainda que x.y = z 2 ∈ P 2 mas x 6∈ P 2 e y 6∈ P 2 = P . Portanto P 2 não é primário.

Proposição 162. Se I é maximal, então I é primário. Em particular, as potências de um ideal maximal m
são m-primárias.
√ √
Demonstração. Seja m = I. Se π : A → A/I é o homomorfismo projeção, então segue que I = π −1 (NA/I ),
ou seja a imagem de m em A/I é o nilradical de A/I e logo NA/I é maximal. Assim dado um ideal primo P
de A/I segue que NA/I ⊂ P o que implica NA/I = P , logo o anel A/I tem somente um ideal primo. Então
todo elemento de A/I ou é uma unidade ou é nilpotente, e, consequentemente todo divisor√ de zero de A/I é
nilpotente. Isto implica que I é primário. Além disso se m é maximal (logo primo) m = mn para todo n > 0,
logo mn é m-primário para todo n > 0.

56
Necessitamos de dois lemas técnicos antes de definir a decomposição em ideais primários.
Tn
Lema 163. Se Qi com 1 ≤ i ≤ n são P -primários, então Q = i=1 Qi é P -primário.

√ p √
Demonstração. Temos que Q = ∩ni=1 Qi = √ ∩ Qi√= P . Seja xy ∈ Q e suponha que y 6∈ Q, então para algum
i temos que xy ∈ Qi e y 6∈ Qi , logo x ∈ P = Qi = Q (pois Qi é P -primário) e logo Q é P -primário.
Lema 164. Seja Q um ideal P -primário e a um elemento de A. Então:

1. Se a ∈ Q, então (Q : a) = A.
2. Se a 6∈ Q, então (Q : a) é P -primário.
3. Se a 6∈ P , então (Q : a) = Q.

Demonstração. (1.) Como (Q : a) := {b ∈ A : ab ∈ Q}, o primeiro item segue da definição.

(2.) Se b ∈ (Q : a), então ab p


∈ Q, e, como a 6∈ Q, temos que b ∈ P . Logo Q ⊂ (Q : a) ⊂ P , e, tomando
√ √ p
radicais ( . preserva inclusões e I = I) temos (Q : a) = P . Seja agora bc ∈ (Q : a) e suponha que b 6∈ P ,
então abc ∈ Q logo ac ∈ Q o que implica que c ∈ (Q : a). Logo (Q : a) é P -primário.

(3.) Como a 6∈ P , então se b ∈ (Q : a) então ab ∈ Q logo b ∈ Q.


Definição 165. Uma decomposição primária de um ideal I de um anel A é uma expressão de I como uma
interseção finita de ideais primários,
n
\
I= Qi . (7.1)
i=1

Diremos que um ideal I é decomponı́vel se I admite uma decomposição primária.


Observação 166. Em geral, uma tal decomposição primária não precisa existir.

Definição 167. Se um ideal I for decomponı́vel e ainda:


1. todos os Qi são distintos, e
2. ∩j6=i Qj * Qi para 1 ≤ i ≤ n.

a decomposição primária é dita minimal.


Observação 168. Em vista do Lema 163, podemos interceptar todos os ideais P -primários e obter um novo
ideal P -primário tendo assim a condição (1.) satisfeita sem mudar a decomposição de I, feito isso podemos
omitir qualquer termo supérfluo para obter a condição (2.) da seguinte forma: suponha que ∩j6=i Qj ⊂ Qi então
∩j6=i Qj = ∩j Qj = I, então podemos tirar Qi . Logo toda decomposição primária pode ser reduzida a uma
minimal.
Teorema 169 (1o Teorema de Unicidade).
√ Seja I um ideal decomponı́vel e seja I = ∩ni=1 Qi uma decomposição
primária minimal de I. Seja Pp
i = Qi para 1 ≤ i ≤ n. Então os Pi ’s são precisamente os ideais primos que
ocorrem no conjunto de ideais (I : a) com a ∈ A, e portanto não dependem da decomposição de I.

n n
p n
p
Demonstração. Para cada a ∈ A temos
p (I : a) = (∩i=1 Qi : a) = ∩i=1 (Qi : a), logo (I : a) = ∩i=1 (Qi : a) =
n
∩a6∈Qj Pj (Lema 164). Suponha que (I : a) seja primo então, segue (Lembrando: Se P = ∩i=1 Ii então P = Ii
p p
para algum i), que (I : a) = Pj para algum j. Logo todo ideal primo da forma (I : a) é um dos Pj .
Reciprocamente, para cada i existe ai 6∈ Qi e ai ∈ ∩j6=i Qj pois a decomposição é minimal, logo temos que
p
(I : ai ) = Pi .

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 57


Observação 170. Note que não é verdade que todas as componentes primárias são independentes da decom-
posição. Por exemplo, (x2 , xy) = (x) ∩ (x2 , y) = (x) ∩ (x, y)2 são duas decomposições primárias minimais
distintas (Prove!).

Da prova anterior, temos que para cada i existe ai ∈ A tal que ai 6∈ Qi e ai ∈ ∩j6=i Qj assim (I : ai ) =
∩nj=1 (Qj : ai ) = (Qi : ai ) pois pelo lema anterior (Qj : ai ) = A para todo j 6= i e logo (também pelo lema
anterior) (I : ai ) é Pi -primário.
Definição 171. Dizemos que os ideais primos Pi do 1o Teorema de Unicidade são associados a I, e denotaremos
por Assoc(I) = {P1 , ..., Pn }.

Um ideal I é primário se, e somente se, ele tem um único ideal primo associado.

Os elementos minimais do conjunto Assoc(I) são chamados de ideais primos isolados de I, i.e., um ideal
primo P ∈ Assoc(I) é isolado se sempre que existir P 0 ∈ Assoc(I) tal que P 0 ⊂ P então P 0 = P .

Ideais primos de Assoc(I) que não são isolados são chamados de mergulhados. Ou seja, um ideal primo
P ∈ Assoc(I) é mergulhado se existe um ideal primo P 0 ∈ Assoc(I) tal que P 0 ⊂ P . Segue do fato de Assoc(I)
ser finito que todo ideal mergulhado contém um ideal isolado.
Proposição 172. Seja I um ideal decomponı́vel. Então todo ideal primo P ⊃ I contém um ideal primo isolado
associado a I. Logo os ideais primos isolados de I são precisamente os elementos minimais do conjunto V (I).

Demonstração. Prove!
C[x, y]
Exemplo 173. Queremos achar os ideais primos minimais de A = . Pelo TCI os ideais primos minimais
hx2
, xyi
2
de A correspondem aos ideais primos minimais de C[x, y] que contém x , xy , i.e., correspondem aos elementos
2
minimais do conjunto V (x , xy). Segue da proposição anterior que estes elementos são os

ideais isolados de

2
2 2
x , xy . Seja x , xy = hxi ∩ hx, yi uma decomposição primária minimal qualquer de x2 , xy (Verifique),
então os ideais primos associados são:
p
1. hxi = hxi pois hxi é primo por ser x irredutı́vel no DFU C[x, y].
q
2
2. hx, yi = hx, yi pois hx, yi é um ideal maximal de C[x, y] (Nullstellensatz Hilbert) e toda potência de
um maximal m é m-primário.



Logo Assoc( x2 , xy ) = {hxi , hx, yi} e, como hxi ⊂ hx, yi temos que o único ideal isolado de x2 , xy é hxi.
Portanto hxi é o único ideal primo minimal de A.
Observação 174.

1. Os nomes isolado e mergulhado vêm da Geometria. Os ideais I de A = k[x1 , ..., xn ] correspondem a


variedades X = Z(I) ⊂ Ank . Os primos minimais Pi correspondem às componentes irredutı́veis de X, e os
primos mergulhados correspondem a subvariedades destas componentes, isto é, variedades mergulhadas
nas componentes irredutı́veis. No exemplo acima a variedade definida por I é a reta ”x = 0” e o ideal
mergulhado P2 = hx, yi corresponde à origem ”(0, 0)”.
2.
Não é verdade que todas as componentes primárias são independentes da decomposição. Por exemplo,
2

x2 , xy = hxi ∩ hx, yi = hxi ∩ x2 , y são duas decomposições primárias minimais distintas.
Proposição
√ 175. Seja I um ideal decomponı́vel e I = ∩ni=1 Qi uma decomposição primária minimal com
Qi = Pi . Então
[n
Pi = {a ∈ A : (I : a) 6= I}.
i=1
Em particular, se o ideal nulo é decomponı́vel, então o conjunto D de divisores de zero de A é a união dos ideais
primos associados a h0i.

Demonstração. Prove!

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 58


7.1 Decomposição Primária em Anéis Noetherianos

Mostraremos a seguir que todo ideal próprio em um anel Noetheriano admite decomposição primária.
Definição 176. Dizemos que um ideal I é irredutı́vel se sempre que I = J ∩ K então ou I = J ou I = K.
Lema 177. Em um anel Noetheriano A todo ideal é uma interseção finita de ideais irredutı́veis.

Demonstração. Suponha que não, então o conjunto de ideais de A para os quais o lema é falso é não vazio, logo
tem um elemento maximal I. Como I é redutı́vel, temos que I = J ∩ K onde J ⊃ I e K ⊃ I. Da maximalidade
de I segue que J e K são interseções finitas de ideais irredutı́veis e, portanto, I também é. Contradição.
Lema 178. Em um anel Noetheriano todo ideal irredutı́vel é primário.

Demonstração. Passando ao anel quociente, é suficiente mostrar que se o ideal nulo é irredutı́vel então ele é
primário. Seja então xy ∈ h0i com y 6= 0, e considere a cadeia de ideais Ann(x) ⊂ Ann(x2 ) ⊂ ... Pela cca,
esta cadeia é estacionária, i.e., existe n > 0 tal que Ann(xn ) = Ann(xn+1 ) = ... Segue que hxn i ∩ hyi = h0i
pois se a ∈ hyi, então ax = a0 yx = 0 e se a ∈ hxn i então a = bxn logo ax = bxn+1 = 0 o que implica que
b ∈ Ann(xn+1 ) = Ann(xn ) assim bxn = 0, i.e., a = 0. Como h0i é irredutı́vel e hyi = 6 0 então devemos ter
xn = 0, e isto mostra que h0i é primário.

Segue diretamente destes dois lemas que


Teorema 179. Em um anel Noetheriano A todo ideal admite uma decomposição primária.
Proposição 180. Seja A um anel Noetheriano. Mostre que:

1. Todo ideal I de A contém uma potência de seu radical.


2. O nilradical de A é nilpotente.

Demonstração. Prove!

7.2 Exercı́cios
1. Se um ideal I possui uma decomposição primária, então Spec(A/I) possui um número finito de compo-
nentes irredutı́veis.

2. Se I = I, então I é decomponı́vel e não possui ideais primos mergulhados.
3. No anel de polinômios Z[t], o ideal m = h2, ti é maximal e o ideal Q = h4, ti é m-primário, mas não é uma
potência de m.
4. No anel de polinômios k[x, y, z] onde k é um corpo, sejam P1 = hx, yi, P2 = hx, zi e m = hx, y, zi. Mostre
que P1 e P2 são primos e que m é maximal. Seja I = P1 P2 . Mostre que I = P1 ∩ P2 ∩ m2 é uma
decomposição primária reduzida de I. Quais são as componentes isoladas e quais são mergulhadas?


5. Seja I = xy, x3 − x2 , x2 y − xy um ideal do anel de polinômios k[x, y], onde k é um corpo.


(a) Mostre que I = hxi ∩ hx − 1, yi ∩ x2 , y é uma decomposição primária minimal de I.
k[x, y]
(b) Encontre os ideais primos minimais do anel .
hxy, x3 − x2 , x2 y − xyi

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 59


Capı́tulo 8

Extensões Integrais (ou Inteiras)

Extensões finitas e integrais de anéis generalizam os conceitos de extensões finitas e algébricas de corpos.
Definição 181. Seja B ⊃ A uma extensão de anéis (i.e., B é um anel, A um subanel de B, de modo que 1 ∈ A).
Um elemento b ∈ B é dito integral sobre A se b é uma raiz de um polinômio mônico com coeficientes em A,
i.e., b satisfaz uma equação da forma
bn + a1 bn−1 + ... + an = 0
onde ai ∈ A. Dizemos que a extensão B ⊃ A é integral se todo elemento b ∈ B é integral sobre A.
Observação 182. No caso geral em que f : A → B é uma A-álgebra, dizemos que f é integral e B é uma
A-álgebra integral se B ⊃ f (A) é uma extensão integral.
Definição 183. Uma extensão de anéis B ⊃ A é dita finita se B, visto como A-módulo, é f.g. Analogamente,
uma A-álgebra f : A → B é dita finita se B é um A-módulo f.g.
Observação 184. Uma extensão integral de corpos é o mesmo que uma extensão algébrica e uma extensão de
corpos L ⊃ k é finita se, e somente se, [L : k] = dimk L < ∞. Desta forma, as definições anteriores generalizam
para anéis os conceitos familiares de elemento algébrico e extensões finitas e algébricas de corpos.

Lema 185. 1. (Quocientes são finitos) Seja I um ideal de A. O quociente A/I é uma A-álgebra finita.
2. (Finito sobre finito é finito) Se ϕ : A → B e ψ : B → C são álgebras finitas, então ψ ◦ ϕ : A → C é finita.
3. (Finito é estável por mudança de base) Se ϕ : A → B é uma álgebra finita e A → A0 é uma álgebra qualquer,
então a álgebra obtida por mudança de base ϕ0 = ϕ ⊗ id : A ⊗A A0 = A0 → B ⊗A A0 dada por ϕ0 (a0 ) = 1 ⊗ a0
é finita. Em particular, se S ⊂ A é um conjunto multiplicativo, a localização S −1 ϕ : S −1 A → S −1 B é
uma álgebra finita.

Demonstração. Prove!

Proposição 186. Seja A ⊂ B uma extensão de anéis e seja b ∈ B. As seguintes afirmações são equivalentes:

1. b é integral sobre A;
2. A[b] ⊃ A é uma extensão finita;
3. A[b] ⊂ C para algum subanel C ⊂ B que é f.g. como A-módulo (ou seja, C é uma A-subálgebra finita).

Demonstração. (1.) ⇒ (2.) Como b é integral sobre A, segue que existe n ∈ N tal que

bn + a1 bn−1 + ... + an = 0 (ai ∈ A).

60
Multiplicando a relação acima por br , temos

bn+r = −(a1 bn+r−1 + ... + an br )

para todo r ≥ 0. Logo, por indução, todas as potências positivas de b pertencem ao A-módulo gerado por
1, b, ..., bn−1 . Logo A[b] é gerado como A-módulo por 1, b, ..., bn−1 , i.e., A[b] ⊃ A é uma extensão finita.

(2.) ⇒ (3.) Basta tomar C = A[b].

(3.) ⇒ (1.) Sejam c1 , ..., cn ∈ C os geradores


Pnde C como A-módulo. Como b.ci ∈ C para todo i (pois
b ∈ A[b] ⊂ C por hipótese), temos que b.ci = j=1 aij cj assim temos um ”sistema linear” nas ”variáveis”
c0i s e ”coeficientes” aij ∈ A. Logo b é raiz do polinômio caracterı́stico da matriz (aij ) que é mônico e possui
coeficientes em A. Segue que b é integral sobre A.
Corolário 186.1. Sejam b1 , ..., bn ∈ B integrais sobre A. Então A[b1 , ..., bn ] ⊃ A é uma extensão finita.

Demonstração. Por indução sobre n. O caso n = 1 é a proposição anterior. Assuma n > 1 e seja Ar =
A[b1 , ..., br ], então pela hipótese de indução An−1 ⊃ A é uma extensão finita. Por outro lado, como bn é integral
sobre A então é integral sobre An−1 , assim pelo caso n = 1, An = An−1 [bn ] ⊃ An−1 é uma extensão finita.
Segue da transitividade que An ⊃ A é uma extensão finita.
Corolário 186.2. Se B ⊃ A é uma extensão finita então é integral. Reciprocamente, se B ⊃ A é integral e B
é f.g. como A-álgebra, então B ⊃ A é uma extensão finita.

Demonstração. Seja b ∈ B, então A[b] ⊂ B e como A ⊂ B é finita B é f.g. como A-módulo, segue da Proposição
anterior que b é integral sobre A. Logo a extensão A ⊂ B é integral. Reciprocamente como B é uma A-álgebra
f.g. existem b1 , ..., bn ∈ B, cada um deles integrais sobre A por hipótese, tais que B = A[b1 , ..., bn ]. Logo segue
do corolário anterior que B ⊃ A é uma extensão finita.
Corolário 186.3. Sejam A ⊂ B ⊂ C extensões de anéis. Se B é integral sobre A e C é integral sobre B, então
C é integral sobre A.

Demonstração. Prove!
Proposição 187. Sejam A ⊂ B domı́nios de integridade, B integral sobre A. Então B é um corpo se, e somente
se, A é um corpo.

Demonstração. Suponha que A seja um corpo e seja b ∈ B, b 6= 0. Como B é integral sobre A, seja bn +
a1 bn−1 + ... + an = 0 com ai ∈ A uma equação para a dependência integral de b do menor grau possı́vel.
Suponha que an = 0 então b(bn−1 + a1 bn−2 + ... + an−1 ) = 0, como B é um domı́nio de integridade e b 6= 0
então devemos ter bn−1 + a1 bn−2 + ... + an−1 = 0 o que contradiz o fato de n ser o grau mı́nimo de uma
equação para a dependência integral de b, logo an 6= 0 e como A é corpo, an é uma unidade. Agora como
an = −bn − a1 bn−1 − ... − an−1 b = b(−bn−1 − a1 bn−2 − ... − an−1 ) temos que

1 = b(−an−1 bn−1 − a1 a−1


n b
n−2
− ... − an−1 a−1
n ),

logo b é uma unidade de B o que implica que B é um corpo.

Reciprocamente, suponha que B seja um corpo e seja a ∈ A, a 6= 0. Então a−1 ∈ B e portanto é integral
sobre A, assim temos uma equação a−m + a01 a−m+1 + ... + a0m = 0 com a0i ∈ A. Multiplicando essa expressão
por am−1 temos a−1 + a01 + a02 a + ... + a0m−1 am−2 + a0m am−1 = 0, logo

a−1 = −a01 − a02 a − ... − a0m−1 am−2 − a0m am−1 ∈ A

e portanto A é um corpo.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 61


8.1 Normalização de Noether

Lema 188. Sejam k um corpo infinito e f ∈ k[x1 , ..., xn ] qualquer polinômio homogêneo não nulo, então existem
elementos λ1 , ..., λn−1 ∈ k tais que f (λ1 , ..., λn−1 , 1) 6= 0.

Demonstração. Vamos fazer indução sobre n. O caso n = 1 é trivial, pois polinômios homogêneosPem uma
d
variável são constantes multiplicadas por um monômio. Assuma agora que n > 1 e escreva f = i=1 fi xi1
onde fi ∈ k[x2 , ..., xn ] são polinômios homogêneos de grau d − i. Como f é não nulo, ao menos um fi é não
nulo. Pela hipótese de indução podemos escolher a2 , ..., an−1 tais que fi (a2 , ..., an−1 , 1) 6= 0 para cada i. Então
f (x1 , a2 , ..., an−1 , 1) ∈ k[x1 ] é um polinômio não nulo, logo possui um número finito de zeros. Como k é infinito,
podemos escolher a1 ∈ k tal que f (a1 , ..., an−1 , 1) 6= 0.

Lembramos que uma k-álgebra A é f.g. sobre o corpo k se A = k[a1 , ..., an ] para algum conjunto finito de
elementos a1 , ..., an ∈ A.
Definição 189. Dizemos que os elementos a1 , ..., ad de uma álgebra sobre um corpo k são algebricamente
independentes sobre k se p(a1 , ..., ad ) 6= 0 para qualquer polinômio não nulo p ∈ k[x1 , ..., xd ]. No caso d = 1
dizemos que a1 é transcendente sobre k.

Teorema 190 (Normalização de Noether). Seja k um corpo infinito e seja A 6= 0 uma k-álgebra f.g. Então
existem elementos a1 , ..., ad ∈ A que são algebricamente independentes sobre k e tal que A é integral sobre
k[a1 , ..., ad ].

Demonstração. Sejam b1 , ..., bn os geradores de A como uma k-álgebra. Então podemos re-enumerar os b0i s de
modo que b1 , ..., br são algebricamente independentes sobre k mas b1 , ..., br , bi (para todo r + 1 ≤ i ≤ n) não o
são, ou seja existe um polinômio pi ∈ k[x1 , ..., xr , xr+1 ] tal que pi (b1 , b2 , ..., br , bi ) = 0 (para todo r + 1 ≤ i ≤ n),
logo br+1 , ..., bn são algébricos sobre k[b1 , ..., br ]. Agora procedendo por indução sobre n, temos: Se n = r
não tem nada a fazer. Suponha então que n > r e o resultado é verdadeiro para n − 1 geradores. O gerador
bn é algébrico sobre k[b1 , ..., bn−1 ] logo existe um polinômio f 6= 0 com coeficientes em k em n variáveis tal
que f (b1 , ..., bn−1 , bn ) = 0. Seja F a parte homogênea de maior grau d de f , como k é infinito, segue do
lema anterior que existem λ1 , ..., λn−1 ∈ k tais que F (λ1 , ..., λn−1 , 1) 6= 0. Sejam agora b0i = bi − λi bn para
i = 1, ..., n − 1. Defina G(x1 , ..., xn−1 , xn ) = f (x1 + λ1 xn , ..., xn−1 + λn−1 xn , xn ). Então G tem a forma
G(x1 , ..., xn−1 , xn ) = F (λ1 , ..., λn−1 , 1)xdn + p1 (x1 , ..., xn−1 )xnd−1 + ... + pd (x1 , ..., xn−1 ) para certos p1 , ..., pd ∈
k[x1 , ..., xn−1 ]. Como F (λ1 , ..., λn−1 , 1) 6= 0 então podemos supor G mônico pois podemos multiplicar por seu
inverso. Logo G(b01 , ..., b0n−1 , bn ) = f (b01 + λ1 bn , ..., b0n−1 + λn−1 bn , bn) = 0 é uma equação para a dependência
integral de bn sobre A0 = k[b01 , ..., b0n−1 ], logo bn é integral sobre o anel A0 ⊂ A = k[b1 , ..., bn ]. Temos também
que a k-álgebra A = A0 [bn ] é gerada sobre A0 pelo elemento bn que é integral sobre A0 e logo A é integral sobre
A0 . Por outro lado, a hipótese indutiva fornece a1 , ..., ad ∈ A0 ⊂ A algebricamente independentes sobre k tais
que A0 é integral sobre a k-álgebra que eles geram k[a1 , ..., ad ]. Assim cada extensão k[a1 , ..., ad ] ⊂ A0 ⊂ A é
integral e logo pela propriedade transitiva k[a1 , ..., ak ] ⊂ A é uma extensão integral.

Observe que o Teorema de Normalização de Noether é verdadeiro para qualquer corpo k (não necessariamente
infinito). Neste caso usamos o mesmo argumento exceto que definimos os x0i = xi − xrni para inteiros ri
suficientemente grandes e adequadamente escolhidos.

Vale o resultado mais geral:


Teorema 191 (Normalização de Noether - II). Seja k um corpo e seja A 6= 0 uma k-álgebra f.g. Então existem
elementos a1 , ..., ad ∈ A que são algebricamente independentes sobre k e tal que k[a1 , ..., ad ] ⊃ A é uma extensão
finita.

Demonstração. Prove o resultado para o caso k infinito.

Na Seção ”Introdução à Geometria Algébrica” do Capı́tulo 2 provamos o Teorema dos Zeros de Hilbert e na
prova de tal teorema assumimos como verdadeiro um fato que dizemos provarı́amos mais tarde. Tendo em vista

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 62


o Teorema de Normalização de Noether estamos em condições de finalizar a prova do Nullstellensatz e provar a
Proposição 85 o qual é chamado de ”Lema de Zariski” ou ”Weak Nullstellensatz”.

Proposição 192 (Lema de Zariski - Weak Nullstellensatz). Seja k um corpo e A uma álgebra f.g. sobre k. Se
A é um corpo então A é uma extensão algébrica de k. (mais ainda provaremos que k ⊂ A é uma extensão de
corpos finita).

Demonstração. Pelo Teorema de Normalização de Noether versão II existem elementos a1 , ..., ad ∈ A que são
algebricamente independentes sobre k e tal que A é finita (e logo integral) sobre k[a1 , ..., ad ], logo k[a1 , ..., ad ]
é um corpo. Segue do fato dos a1 , ..., ad ∈ A serem algebricamente independentes sobre k que p(a1 , ..., ad ) 6= 0
para qualquer polinômio não nulo p ∈ k[x1 , ..., xd ]. Logo a aplicação α : k[x1 , ..., xd ] → k[a1 , ..., ad ] dada por
p(x1 , ..., xd ) 7→ p(a1 , ..., ad ) é claramente sobrejetora e Ker(α) = 0. Logo k[a1 , ..., ad ] é o anel dos polinômios
em d indeterminadas. Agora k[x1 , ..., xd ] é um corpo, logo todo 0 6= f (x1 , ..., xd ) ∈ k[x1 , ..., xd ] é uma unidade.
Generalizando por indução em d, temos que f é uma unidade se, e somente se, o termo constante b0 ∈ k é
uma unidade e o resto dos coeficientes bi ∈ k são nilpotentes, ou seja se, e somente se, b0 6= 0 e o resto dos
coeficientes bi = 0 (pois 0 é o único elemento nilpotente de um corpo). Logo se f (x1 , ..., xd ) ∈ k[x1 , ..., xd ] então
f (x1 , ..., xd ) ∈ k, o que implica que k[x1 , ..., xd ] = k e logo A é finito sobre o próprio k e, portanto k ⊂ A é uma
extensão algébrica.

8.2 Exercı́cios
1. Seja B ⊇ A uma extensão integral de anéis. Mostre que:
(a) Se I é um ideal de B então B/I é integral sobre A/A ∩ I.
(b) Se S é um subconjunto multiplicativo de A, então S −1 B é integral sobre S −1 A.
(c) Se P ∈ Spec(B) é tal que p = P ∩ A ∈ Spec(A) (dizemos que P é um primo que está ”sobre” o
primo p), então
p é maximal ⇔ P é maximal.
2. Mostre que se A ⊆ B é uma extensão integral de domı́nios então F rac(A) ⊆ F rac(B) é uma extensão
algébrica, onde F rac(A) denota o corpo de frações de A.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 63


Capı́tulo 9

Dimensão

Definição 193. Seja A um anel não nulo.

1. Uma cadeia de ideais primos de A de comprimento n é uma sequência estritamente crescente e finita

P0 P1 ... Pn

onde cada Pi é um ideal primo de A.


2. A dimensão (ou dimensão de Krull) de A, denotada por dim A, é o supremo dos comprimentos de
todas as cadeias de ideais primos de A. Se existirem cadeias arbitrariamente longas de ideais primos de
A, então dizemos que dim A = ∞.

Exemplo 194. 1. Todo corpo tem dimensão 0.

2. Todo DIP tem dimensão 1. Em particular Z e k[x], com k corpo, têm dimensão 1.
3. Anéis Artinianos tem dimensão 0 (informativo).
Definição 195. Seja P um ideal primo de A, então a altura de P , denotada por ht(P ), é supremo dos
comprimentos das cadeias de ideais primos de A contidos em P :

P0 P1 ... Pn = P.

.
Observação 196. Segue diretamente da definição anterior que ht(P ) = dim AP e que ht(P ) = 0 se, e somente
se, P é um ideal primo minimal de A.

Proposição 197. Seja A = k[x1 , ..., xn ]/P onde P é um ideal primo de k[x1 , ..., xn ], então dim A = n − ht(P ).

Demonstração. Como os ideais primos de A correspondem aos ideais primos de B := k[x1 , ..., xn ] que contém
P e dim B = n < ∞ então dim A < ∞. Suponhamos que dim A = d e seja

0 = Q0 Q1 ... Qd (∗)

uma cadeia maximal de ideais primos de A. Observamos que como P é primo então A é um domı́nio e logo 0
é um ideal primo de A e ele pertence a toda cadeia maximal. Segue do TCI que cada Qi corresponde a ideais
primos Qi de B que contém P :
P = Q0 Q1 ... Qd
e esse trecho de cadeia é maximal (se não fosse existiria P Qi Q Qi+1 então Qi ⊆ Q ⊆ Qi+1 e, pela
maximalidade de (*) segue que ou Qi = Q ou Qi+1 = Q mas então existiria um ideal primo de A que corresponde

64
a dois ideais primos de B que contêm P , contradição). Seja t = ht(P ) (dim B < ∞ ⇒ ht(P ) < ∞) logo existe
uma cadeia maximal de ideais primos de B contidos em P de comprimento t:

P0 P1 ... Pt = P.

Isto implica que existe uma cadeia maximal de ideais primos de B dada por:

P0 P1 ... Pt = P = Q0 Q1 ... Qd ,

logo ela tem comprimento n e, portanto, n = t + d, ou seja, d = n − t, i.e., dim A = n − ht(P ).

9.1 Dimensão de variedades

Definição 198. A dimensão, dim X de uma variedade afim X é a dimensão (de Krull) do seu anel de
coordenadas k[X]. Uma variedade unidimensional é chamada de curva. A codimensão de uma subvariedade
irredutı́vel Y ⊂ X, denotada por codimX Y , é a altura do ideal primo I(Y ) em k[X].
Exemplo 199. dim A1k = 1.

Observação 200. (Interpretação geométrica da dimensão)

Seja X uma variedade afim. Sabemos que os ideais primos de k[X] correspondem bijetivamente às subvarie-
dades irredutı́veis não vazias de X. Como esta correspondência reverte inclusões podemos dizer que a dimensão
de X (ou a dimensão do seu anel de coordenadas) é igual ao supremo dos comprimentos n de cadeias

X0 ! X1 ! ... ! Xn 6= ∅

de subvariedades irredutı́veis de X. A ideia por trás desta definição é que construir subvariedades menores
somente é possı́vel reduzindo a dimensão, logo em uma cadeia maximal como acima a dimensão de Xi deve ser
dim X − i, com Xn sendo um ponto e X0 uma componente irredutı́vel de X. Analogamente, a codimensão de
uma subvariedade irredutı́vel Y ⊂ X é o maior comprimento n de uma cadeia

X0 ! X1 ! ... ! Xn ⊃ Y,

ou seja, para uma cadeia maximal X0 deve ser uma componente irredutı́vel de X, e a dimensão deve diminuir
uma unidade em cada inclusão. Além disso, devemos ter Xn = Y em uma cadeia maximal, logo podemos pensar
n como sendo dim X − dim Y , e, implicando que, geometricamente, seria a codimensão de Y em X.
Exemplo 201. (Cadeias maximais de ideais primos podem ter diferentes comprimentos em conjuntos algébricos)

Geometricamente isto vai acontecer quando o espaço é a união de componentes de dimensão diferente.
Considere, por exemplo, a união X = Z(x1 x3 , x2 x3 ) = Z(x1 , x2 ) ∪ Z(x3 ) ⊂ A3C de uma reta com um plano.
Consdere as seguintes cadeias de subvariedades irredutı́veis em X de comprimento 1 e 2, respectivamente:

X0 = Z(x1 , x2 ) ! X1 = Z(x1 , x2 , x3 ),

Y0 = Z(x3 ) ! Y1 = Z(x2 , x3 ) ! Y2 = Z(x1 , x2 , x3 ).


Portanto, devido às duas componentes de X possuı́rem dimensões distintas as cadeias maximais de X têm
comprimentos diferentes. As cadeias acima mostram que a codimensão de X1 é 1 e a codimensão de Y2 é 2.
Observação 202. (Dimensão é um conceito ”local”)

Afirmamos que dim A = sup{dim AP : P é ideal maximal de A} = sup{ht(P ) : P é ideal maximal de A}

De fato, as cadeias P0 ... Pn de ideais primos de A estão em correspondência com cadeias de ideais
primos de AP onde P é um ideal maximal de A de mesmo comprimento.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 65


9.2 Exercı́cios
1. Mostre que variedades (conjuntos algébricos irredutı́veis) afins têm dimensão 0 (zero) se, e somente se,
consiste de um único ponto.

2. Seja f (x1 , x2 ) ∈ k[x1 , x2 ] um polinômio não constante. Mostre que dim Z(f ) = 1.
3. (a) Defina elemento transcendente de uma extensão de corps.
(b) Defina extensão de corpos transcendente.
(c) Defina grau de transcendência de uma extensão de corpos.
(d) Relacione o grau de transcendência com a dimensão.
(e) Use esta relação para determinar dim An .
4. Seja A um anel e P ∈ Spec(A). Mostre que dim A ≥ ht(P ) + dim A/P .
5. Mostre que dim k[x1 , ..., xn ] = n.

6. Seja X = Z(x1 x2 , x2 x3 , x1 x3 ) ⊂ A3k . Determine dim X.


7. Mostre que o número d no Teorema 190 (Normalização de Noether) é a dimensão de A.

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 66


Sumário

1 Anéis e ideais 2

1.1 Anéis e homomorfismos de anéis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

1.2 Ideais e anéis quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

1.3 Divisores de zero, nilpotentes e unidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.4 Ideais primos e maximais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

1.5 Nilradical e radical de Jacobson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1.6 Operações com ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

1.7 Extensão e contração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

1.8 Álgebras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

1.9 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2 Espectro de anéis 15

2.1 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

3 Introdução à Geometria Algébrica 20

3.1 Conjuntos algébricos afins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.2 Teorema da base de Hilbert . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

3.3 Morfismos e anel de funções regulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3.4 Conjuntos algébricos projetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

3.5 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

4 Módulos 31

4.1 Módulos e homomorfismo de módulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

4.2 Submódulos e módulos quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

4.3 Operações sobre submódulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

4.4 Módulos finitamente gerados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

4.5 Sequências exatas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

67
4.6 Produto tensorial de módulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

4.6.1 Restrição e extensão de escalares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

4.6.2 Exatidão do produto tensorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

4.7 Álgebras - II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

4.8 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

5 Localização 43

5.1 Propriedades locais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

5.2 Localização e ideais primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

5.3 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

6 Condições de cadeia 50

6.1 Séries de composição e comprimento de módulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

6.2 Anéis Noetherianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

6.3 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

7 Decomposição Primária 56

7.1 Decomposição Primária em Anéis Noetherianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

7.2 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

8 Extensões Integrais (ou Inteiras) 60

8.1 Normalização de Noether . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

8.2 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

9 Dimensão 64

9.1 Dimensão de variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

9.2 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

Álgebra Comutativa - 2019.3 - Profo Frederico Sercio 68

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