Você está na página 1de 5

HISTÓRIA & ARTE

DANÇA DOS PODERES

A história emocionante de um menino que deseja ser bailarino levou para as telas o
drama da classe operária inglesa no período thatcherista

Rafael Augustus Sêga

O filme Billy Elliot, do diretor Stephen Daldry (2000), representou um momento


muito feliz do cinema. Película a mesmo tempo vigorosa e sutil, ela traz a história do
menino de 11 anos que lhe dá nome, interpretado brilhantemente pelo ator Jamie Bell.
O personagem é filho de um mineiro do norte da Inglaterra, na época da greve que
afrontou a então primeira-ministra Margareth Thatcher, chamada de Dama de Ferro
por motivos justos. O ano era 1984, e o movimento foi reprimido com extrema dureza.
A premiê chegou a classificar os grevistas mineiros de inimigos internos.

Sobre isso, recorremos ao analista português Jorge Almeida Fernandes:


“Raros políticos deram o nome a uma era. Margaret Hilda Roberts Thatcher é um
deles”. O thatcherismo designa duas realidades que se confundem: a revolução
conservadora e um estilo de liderança agressivo. A revolução conservadora, ou
“neoliberal”, está associada a Thatcher, que chegou ao poder em 1979, e a Ronald
Reagan, que tornou posse em janeiro de 1981. Durante uma década, estreitamente
aliados no neoliberalismo econômico e no combate ao comunismo, os dois líderes
fizeram ressurgir o capitalismo como ideologia universal.

Caça ao sindicalismo

Thatcher voltou a vencer as legislativas de 1983. Não apenas por


conseqüência da Guerra das Malvinas (da qual o Reino Unido saiu vitorioso no ano
anterior), mas também por causa de urna nova geografia econômica. O norte
industrial, bastião do trabalhismo, sofreu o descalabro do fim da fase conhecida como
segunda industrialização, enquanto o sul — terra dos serviços, das finanças e das
novas indústrias — prosperou e criou urna sólida base eleitoral com os conservadores.
Daquela vez, não era urna vitória do partido, mas pessoal, de Thatcher, o que lhe
permitiu radicalizar a política, submeter o gabinete e concentrar todo o poder.

Assim, a Dama de Ferro lançou-se em outro desafio: abater o sindicalismo, um


dos mais fortes da Europa. Em 1984, aproveitou a oportunidade da greve geral dos
mineiros para provar sua força: aguentou durante um ano e triunfou sem concessões.
De 600 mil, os mineiros passaram a 200 mil. Não mostrou compaixão pelos
desempregados, mas garantiu os subsídios de desemprego. Além disso, retirou dos
sindicatos o que restava do closed shop (controle do emprego pela sindicalização).
Alargou as privatizações, atacando as áreas da educação e saúde, enfatizando a
concorrência e a ideologia da livre-empresa.

Debussy com Sex Pistols

Voltando ao filme, o pai viúvo de Billy (o ator Gary Lewis) é um homem durão,
que quer ver o filho praticando boxe. Mas o rapaz acaba se encantando pelo balé e,
em pouco tempo, passa a se dedicar inteiramente à dança. Seu talento nato chama a
atenção da professora, Ms.Wilkinson (Julie Walters), que perde um pouco de seu
ceticismo e amargor diante do potencial de Billy.
Em pouco tempo, Billy assume ares de seu pupilo, sigilosamente. Nesse ponto,
o filme mostra que mesmo em países desenvolvidos o balé é estigmatizado pelo
sistema machista. Para piorar, tanto pai de Billy como o seu irmão (Jamie Draven) são
ativistas sindicais nas minas de carvão e lutam pela vitória da greve. A partir daí, o
filme consegue mesclar, magistralmente, Karl Marx com Oscar Wilde, luta de classes
com Lago dos Cisnes, cacetetes com spaccatto, Debussy com Sex Pistols, Edward
Thompson com Vaslav Nijinsky, realidade e sonho.

Diante de um quadro tão conturbado, Ms. Wilkinson passa a fazer o possível


para que Billy consiga uma audição na Academia Real de Balé, em Londres. O filme
tem sua reviravolta quando o segredo vem à tona e as esperanças de Billy são
barradas pelo preconceito do pai. O jovem ator Jamie Bell encarna Billy de forma um
pouco autobiográfica, pois ele enfrentou dificuldades similares para tornar-se bailarino
mirim na vida real.

Billy Elliot é uma lição para jovens e adultos, para pais e filhos. Mostra que as
preocupações dos mais velhos são legítimas desde que respeitem os anseios de seus
filhos. Como diria Khalil Gibran, “os pais são o arco onde seus filhos, como flechas
vivas, são impulsionados para adiante; deixem que a mão do Arqueiro (Deus) tra-
balhe, porque assim como Ele ama a flecha que voa, também ama o arco que
permanece estável”.

Nos espectadores mais sensíveis, as lágrimas certamente vertem, pois todos


nós, um dia, atravessamos percalços na vida, como Billy, tentando lutar por ideais e
vencer intolerâncias. A produção concorreu a três Oscar: melhor roteiro original,
melhor atriz coadjuvante e melhor direção. Billy Elliot é um desses filmes que a gente
nunca mais esquece, pois indica que os sonhos são necessários para enfrentar a
realidade. Lembra que a vida é dura, mas deve ter um toque de arte, sempre.

Rafael Augustus Sêga é doutor em História e professor da Universidade Tecnológica


Federal do Paraná.

Você também pode gostar