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DANÇA

Michele Caroline da Silva


Rodrigues
Evolução e história da
dança: do primitivo à
contemporaneidade
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar como se deu a evolução da dança ao longo do tempo.


 Reconhecer os diferentes estilos de dança: do primitivo ao contemporâneo.
 Identificar as características marcantes de cada período e as suas
contribuições para o desenvolvimento da dança.

Introdução
A dança é uma das expressões artísticas mais antigas do mundo. Antes
mesmo de existir uma língua compartilhada, o homem primitivo já pra-
ticava essa atividade com diversos objetivos: agradecer, pedir proteção,
celebrar, etc. Ao longo da história, contudo, a dança passou de ato sagrado
a prática profana com conotações sexuais. Por meio de inúmeras formas
de expressão, gestos e movimentos, ela consistia, sobretudo, em uma
maneira de comunicação entre os indivíduos.
Neste capítulo, apresentaremos o surgimento da dança, de modo a
traçar um panorama histórico desde o seu período mais primitivo até
a contemporaneidade. Em seguida, analisaremos a dança primitiva e as
suas intencionalidades, as danças milenares e o processo de desenvol-
vimento da dança em diferentes civilizações e contextos sociais. Além
disso, discutiremos a construção da dança moderna e, posteriormente,
da dança contemporânea, bem como as perspectivas técnicas, artísticas
e estéticas de cada uma.
2 Evolução e história da dança: do primitivo à contemporaneidade

Construção histórica e manifestações culturais,


religiosas e artísticas
Dotados de certa noção do processo histórico da dança, somos capazes de
compreender como ocorreu o seu desenvolvimento, além de conhecer as se-
quências de fatos que contribuíram para a produção de novos conhecimentos
que resultaram na evolução do pensamento e das técnicas em distintos con-
textos sociais e épocas. A dança consiste em um elemento artístico essencial
para a disseminação e a perpetuação de culturas no mundo todo, sendo que
cada trajetória carrega em si a história de um povo e os seus ideais, as suas
crenças e a arte que permeia a realidade compartilhada pelos seus integrantes.
Nessa perspectiva, as pessoas dançavam para expressar o amor, agradecer,
reverenciar divindades, mostrar força ou arrependimento, rezar, conquistar,
distrair e viver enfim (TAVARES, 2005 apud DINIZ, 2008).
Nestes primeiros passos dos nossos estudos, convidamos ao seguinte ques-
tionamento: afinal, quando a dança surgiu? Pois bem, algumas pesquisas
acerca do tema defendem que o seu surgimento ocorreu já na pré-história, tese
que se baseia em pinturas rupestres — desenhos milenares feitos nas rochas no
interior das cavernas — encontradas na Ásia, Europa, África e Brasil. Trata-se
de representações da prática da dança naquele tempo e foram componentes
muito importantes de modo geral para o descobrimento da existência dos ho-
mens primitivos, uma vez que essas pinturas retratam rituais, práticas de caça e
histórias vividas por eles, âmbito que compreende a dança (PORTINARI, 1989).
Na Figura 1, você pode conferir a reprodução de uma pintura rupestre que
sugere a dança entre seis indivíduos que viveram na pré-história.

Figura 1. Pintura rupestre que representa uma prática primitiva de dança.


Fonte: gerasimov_foto_174/Shutterstock.com.
Evolução e história da dança: do primitivo à contemporaneidade 3

Nos Períodos Paleolítico e Mesolítico, sobrevivia-se em tribos isoladas e a


alimentação provinha das atividades de caça, colheita e pesca. As representa-
ções rupestres da época indicavam cenários de pessoas a dançar em círculos,
o que nos leva a inferir que o homem primitivo dançava em rituais como uma
forma de agradecer pela sobrevivência ou pedir que acontecimentos naturais
não prejudicassem a sua subsistência, que dependia da caça, por exemplo.
Mais tarde, já na Era Neolítica, as tribos passaram a se fixar em um único
local, abdicando dos hábitos nômades para desenvolver o plantio, a colheita
e a criação de animais. Nesse contexto, as danças consistiam em rituais e
oferendas para celebrar a colheita ou o sucesso das caças (PORTINARI, 1989).
Na civilização egípcia, a dança era sagrada, uma vez que se destinava à
adoração e à homenagem aos deuses. Dentre eles, os mais homenageados eram
Hathor, a deusa mãe e símbolo da fertilidade, Bes, o deus protetor também
relacionado ao amor e ao prazer sexual, e Osíris, responsável pela ressurreição
e pela vegetação. Os rituais consistiam em procissões nas quais se adentrava
nos templos ao som de cantos acompanhados por danças. Para registrar as
cerimônias, os egípcios entalhavam hieróglifos que continham detalhes de
danças funerárias e outras destinadas ao bom sucesso da colheita, sendo sempre
bastante marcadas por acrobacias e acompanhadas pelos instrumentos musicais
sistro, flauta e tambor. Eram praticadas predominantemente por mulheres com
seios à mostra ou nuas, com olhos bem delineados e pintados, características
que se destacam nas representações imagéticas que encontramos acerca do
Egito Antigo (PORTINARI, 1989). Além do exercício da religiosidade, as
danças também possuíam o caráter de divertimento da aristocracia e serviram
de exemplo para a disseminação da prática artística em outras civilizações.
Na Grécia Antiga, a origem da dança era atribuída à titânide da fertilidade
Réia, irmã e esposa do também titã Cronos, a personificação do tempo na
Antiguidade Clássica.

Na mitologia grega, Cronos é conhecido pelo hábito de devorar os seus filhos. Para
impedir que o mesmo sucedesse com Zeus recém-nascido, a sua mãe, Réia, ensinou
um tipo de sapateado a alguns guerreiros e sacerdotes. A dança baseava-se em batidas
ritmadas feitas com os pés para abafar o choro de Zeus e, dessa forma, impedir que
fosse devorado pelo pai. De acordo com o mito, Zeus foi salvo graças a esse sapateado
e, assim, pôde destronar o seu pai mais tarde.
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Na Grécia Antiga, o culto ao corpo relacionava-se, obviamente, à estética,


mas também à utilização dos físicos fortes e robustos como soldados do exér-
cito. Nesse contexto, a dança era uma espécie de treinamento que contribuía
para fortalecer e desenvolver os corpos, que em algum momento enfrentariam
batalhas e grandes guerras. Sob o mesmo ponto de vista preocupado com a
força bélica grega, surgiu a pryles, uma dança bélica criada na ilha de Creta e
que objetivava intimidar os inimigos por meio dos fortes ruídos gerados com
os pés e as armas dos seus soldados.
Com a mitologia clássica fortemente enraizada na cultura grega, o nosso
objeto de estudo aparece também nos poemas épicos Ilíada e Odisseia, obras
atribuídas a Homero e que citam danças bélicas, funerárias, matrimoniais e
agrícolas (PORTINARI, 1989). Em meio a essa mitologia, destaca-se o deus
Dionísio como principal referência na dança, pois tal prática era entendida como
uma forma de homenageá-lo, assim como se fazia com o excesso de bebidas
alcoólicas e os atos sexuais próprios dessas festas, que ficaram conhecidas como
bacanais. Portanto, podemos sintetizar que, na Grécia Antiga, dançava-se para
invocar espíritos das trevas, homenagear divindades, agradecer pela colheita e
integrar cerimônias funerárias. Ademais, a dança era vigorosamente aliada ao
teatro, motivo pelo qual era incorporada a peças de tragédia, comédia e sátira.

Nas sátiras, as danças eram chamadas de skinnis e possuíam caráter violento, além de
simular orgias sexuais.

Já em Roma, a dança carregava conotações religiosas, embora também fosse


associada ao exagero de bebidas alcoólicas e atos sexuais, como comentamos
anteriormente no âmbito da cultura grega.
Seguindo em direção ao Oriente, a dança não isolava o sagrado do profano
e serviu como inspiração para o desenvolvimento das danças modernas sé-
culos depois. Na Índia, a dança era atribuída às divindades Shiva e Krishina,
caracterizando-se por expressões corporais que representavam as forças da
natureza e o vínculo entre deuses e seres vivos. Dentre essas expressões
corporais, chamam a nossa atenção os mudrás, entendidos como gestos refle-
xológicos feitos com as mãos, possuem simbologias místicas e espirituais. Já
na China, as danças compunham solenidades imperiais e ritos em memória
aos ancestrais, com movimentos extremamente ensaiados e sincronizados.
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Dançava-se na virada de ano, na época das colheitas, para pedir por chuva,
propiciar a fertilidade das mulheres, durante as colheitas nos rebanhos, para
afastar energias ruins, entre outros inúmeros motivos. No Japão, por outro lado,
dançavam-se para homenagear os imperadores ou comemorar o solstício de
inverno, bem como para retratar lendas com o uso de mímicas e leques. Assim
como na Grécia Antiga, a dança no Japão fazia-se muito presente no teatro, que
contava histórias de lutas entre samurais, casos amorosos, assassinatos, etc.
Na Figura 2, você visualiza uma representação da típica dança indiana.
Atente aos gestos minuciosos executados com as mãos, denominados mudrás,
como comentamos no parágrafo anterior. Também é interessante notar as
cores vibrantes do figurino dos dançarinos e a espécie de chocalho que eles
trazem amarrado aos tornozelos e que auxiliam na marcação do ritmo que
embala os seus movimentos.

Figura 2. Representação da dança indiana.


Fonte: Jack.Q/Shutterstock.com.

Na Idade Média, em função do pensamento hegemônico judaico-cristão,


a dança foi condenada como ato imoral e pecaminoso pela Igreja. Contudo,
danças circulares eram frequentes, assim como danças frenéticas que ansiavam
disfarçar o pavor da morte que se alastrava pela Europa por causa da peste
negra, o que se popularizou como dança macabra, ou dança da morte. Apesar
dos esforços, a Igreja não foi capaz de extinguir as danças entre os camponeses,
que inseriram figuras de santos e anjos nas suas práticas para não afrontar o
clero. Mais tarde, essa dança tornou-se prática nas igrejas, em tom animado
e alegre, de modo que ficou conhecida como haute dance. Entretanto, com o
passar do tempo, a nobreza também desenvolveu a sua arte da dança, porém
com base em ritmos mais lentos — por causa das pesadas roupas usadas por
essa classe social —, passos marcados e pouco contato físico, configurando
a denominada basse dance. Nessa época, a dança também se encontrava em
teatros que representavam histórias de santos e milagres (PORTINARI, 1989).
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Posteriormente, no Renascimento, as danças se fundamentavam em feitos


históricos, triunfos e cortejos em evocação aos deuses do Olimpo. Em geral,
os triunfos eram praticados em casamentos e podem ser considerados os
precursores do balé. Todavia, também integravam os carnavais de Veneza,
em que os participantes usavam máscaras e plumas para dançar. Já em 1581,
ocorreu o primeiro balé da corte, que inseriu timidamente algumas damas da
nobreza por meio de passos geométricos e bastante técnicos.
A partir do século XVII, o balé esteve muito presente nas peças teatrais,
dentre as quais se destacam as produções do dramaturgo, ator e poeta francês
Molière (1622–1673), que aprecia a inclusão de danças nas suas comédias. Eis
que se inicia o processo de construção da dança moderna (PORTINARI, 1989).

Movimentos artísticos e estéticos

Dança moderna
No século XVIII, houve um movimento de reconstrução das danças, sobretudo
do balé. Na época, as vestimentas próprias desse estilo eram mais pesadas
e longas, visto que somente mais tarde as saias foram encurtadas de acordo
com a altura média do joelho dos bailarinos. Em meados do século, houve um
manifesto intitulado Cartas sobre a Dança, assinado por Jean-Jacques Noverre
(1727–1810), que defendia a ideia de roupas mais leves e expressivas, bem como
coreografias baseadas em histórias dramáticas. É importante anotarmos que
até esse momento o balé estava à disposição apenas de nobres.
A partir do século XIX, desenvolveu-se o balé romântico, cujos precursores
defendiam que os bailarinos deveriam dispor de certos conhecimentos relacionados
às artes visuais, tais como escultura e pintura, para contribuir com a construção
da gestualidade na dança. Esse tipo de balé desenvolveu-se na França e contava
histórias de um amor idealizado e de supervalorização da mulher. Tal pensamento
romântico estimulou a adoção de roupas mais leves e o uso de sapatilhas com ponta
nos espetáculos. Além disso, houve um expressivo aumento na mobilidade em
todas as direções do palco, bem como o uso de iluminação cênica para compor a
beleza das apresentações e causar efeitos distintos nos espectadores.
Na Rússia, o balé foi e ainda é uma área fértil que conta com mestres e espetácu-
los famosos, como O Lago do Cisnes (1895) e O Quebra Nozes (1892). Um dos seus
grandes marcos foi o bailarino Mikhail Fokine (1880–1942), que, fundamentado
nas ideias de Noverre, em 1904 produziu A Morte do Cisne, imortalizada pela
bailarina Anna Pavlova (1881–1931) (LANGENDONCK, [2018]).
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Noverre foi um renomado inovador do balé. Segundo ele, o bailarino não deveria
trabalhar somente com o corpo, mas também com a mente. Nesse sentido, anatomia,
música, geometria, pintura e poesia seriam conhecimentos indispensáveis à formação
desses profissionais para uma maior abrangência no processo de expressão corporal
exigido pela dança.

Marcado pela industrialização e modernização social, o século XX foi


palco de inúmeras transformações na ciência e no desenvolvimento de tec-
nologias. Assim, a dança era uma dicotomia de apego e desconstrução do
clássico somada a novas propostas de danças modernas, responsáveis pelo
surgimento de diversos estudos acerca da arte do corpo em relação à dança.
Dentre as principais pesquisas, realçamos as de François Delsarte (1811–1871),
Émile Jaques-Dalcroze (1865–1950) e Rudolf von Laban (1879–1958). Delsarte
apresentou estudos sobre a relação entre gesto e emoção e sobre a utilização de
todo o corpo durante a dança. Ele foi um dos precursores da dança moderna,
que influenciou inúmeros bailarinos, coreógrafos e atores. Nas suas pesquisas,
Dalcroze propôs reflexões a partir do ensino da música, de modo a contribuir
com a integração de movimentos corporais e ritmos. Já nos postulados de
Laban, verificamos a constatação de princípios básicos do movimento e da
linguagem corporal.
O entendimento norteador que motivou a dança moderna fundava-se em
novas formas de dançar, movimentar o corpo e utilizar espaços diferentes
daqueles tidos como típicos. A norte-americana Isadora Duncan (1877–1927)
é mencionada como uma das bailarinas responsáveis pela criação e difusão
dessa nova forma de dançar. Para ela, a dança moderna exigia movimentos e
técnicas mais livres do que os do passado, assim como novas músicas, ves-
timentas e a libertação do uso de sapatilhas, diferentemente do balé clássico
disseminado na Europa.
Na Figura 3, você visualiza uma fotografia bastante representativa do tipo
de dança que vínhamos analisando, isto é, a dança moderna. Notemos a nova
proposta de movimentos e o figurino elaborado com tecidos leves, esvoaçantes
e, até certo ponto, minimalista, tendo em vista a escolha pelo uso da cor preta
e a ausência de estampas ou outros elementos que pudessem se destacar mais
do que a ação realizada. Além disso, é válido mencionarmos a riqueza de
movimentos, tão distintos entre uma bailarina e outra.
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Figura 3. Embora a dança moderna ainda esteja atrelada ao balé, a estética e a constru-
ção geral do espetáculo distinguem-se em termos de composição, figurino e técnicas
diversificadas.
Fonte: Master1305/Shutterstock.com.

Nesse período, surgiram muitas escolas e companhias de dança que compac-


tuavam com o pensamento moderno. Dentre elas, encontrava-se a companhia
da coreógrafa e bailarina Doris Humphrey (1895–1958), que idealizou, nas suas
coreografias, técnicas de quedas e desequilíbrios, defendendo a ideia de luta
contra a gravidade, sem a intencionalidade de enquadrar a dança em drama ou
narrativa, mas tão somente para propor outra perspectiva de dança, algo diferente
do que até então se conhecia no balé. No âmbito geral, o balé se mesclava à
dança expressionista. Entretanto, na Rússia da Primeira Guerra Mundial, o balé
nacional não viajava para outros países para se apresentar, embora continuasse
a elaborar novas coreografias, ainda fundamentadas nas técnicas clássicas.
Pela perspectiva da criação de novos fazeres da dança, surgiu a dança
neoclássica, instituída nos Estados Unidos pelo coreógrafo russo George
Balanchine (1904–1983) em 1933. Visava-se à tentativa de fusão entre as
danças clássica e moderna com a proposta da dança pela dança, sem qualquer
referência dramática ou romântica.

Dança contemporânea
A transição da dança moderna para a contemporânea ocorreu entre as décadas de
1940 e 1950. A dedicação de novos olhares para o estilo de dança vigente levou
a reflexões acerca da possibilidade de novas práticas. O coreógrafo pioneiro da
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dança contemporânea foi Merce Cunningham (1919–2009), que objetivava o


rompimento dos moldes formais de dança, como a dependência de música para
a execução de movimentos, e a exploração de novas experiências no espaço
cênico. Outras propostas consistiam na independência de cenário, coreografias
inspiradas na casualidade, novos delineamentos, danças direcionadas a vídeos
e filmes, além do uso de tecnologias nas elaborações coreográficas. A teoria de
Cunningham resumia-se na total independência de qualquer subordinação às
estruturas lineares, narrativas ou dramatização (LANGENDONCK, [2018]).
Tendo em vista que a dança contemporânea busca romper com a tradição
de técnicas e padrões rígidos impostos tanto à dança quanto aos bailarinos,
podemos dizer que se trata de uma arte democrática e inclusiva, pois convida
todos os tipos físicos – gordo, magro, alto, baixo – a vivenciar a prática.
Outro destaque refere-se à liberdade de optar pela ausência de um enredo e
personagens que componham uma história a ser dançada e aos novos modos
de explorar o figurino, o cenário e a iluminação. Assim, a experimentação
e o improviso incentivam o processo coreográfico criativo. Outro ponto re-
volucionário é a inexistência de movimentos pré-estabelecidos, visto que a
causalidade e o improviso conduzem a dança. Logo, “[...] no limite, qualquer
um podia ser bailarino, e a dança deixava de atrelar-se a uma escola para
pertencer ao corpo de quem estivesse se movimentando” (STUART, 1999
apud SOUZA, 2013, documento on-line).
Na Figura 4, você pode contemplar um registro do espetáculo Context, que
aconteceu em um festival de dança contemporânea em novembro de 2014 na
cidade de Moscou, na Rússia.

Figura 4. Espetáculo Context, por Diana Vishneva, em festival de dança contemporânea


que ocorreu em novembro de 2014 em Moscou.
Fonte: magicinfoto/Shutterstock.com.
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Relacionada à multiplicidade de propostas que podem ocasionar o surgimento


de inúmeras produções, a dança contemporânea está em constante criação. Por
essa lógica, ela não prevê nenhuma técnica rígida, mas, sim, novas e múltiplas
formas de pensar a dança. Trata-se de combinar a diversidade dos corpos a ele-
mentos e processos criativos para inaugurar infindáveis diversidades artísticas e
corporais. Além disso, a rica produção dessa vertente de dança acarreta inúmeros
processos criativos que englobam diferentes culturas, vivências e percepções
estéticas e artísticas, abrangendo uma gama ainda maior de possibilidades.
Anteriormente, sob influência direta do balé clássico, as narrativas valoriza-
vam histórias de amor idealizado, com finais emocionantes, mas sem conexão
com a vida cotidiana, o que muitas vezes se resumia a um conto de fadas. Frente
ao desafio de representar a realidade cotidiana, a dança contemporânea traz
o dia a dia e os problemas sociais para os palcos. As apresentações abarcam
reflexões e leituras de questões políticas, educacionais, sentimentais e acerca de
vários outros aspectos da sociedade. Muito além da arte pela arte ou da dança
pela dança, a contemporaneidade não oferece soluções frente aos problemas
sociais, contudo motiva a reflexão para que, juntos, bailarinos e espectadores
questionem-se e meditem sobre possibilidades para o que é apresentado na dança.

Tendências coreográficas, linguagens


e aplicação da dança
Após o surgimento do balé clássico e a sua permanência hegemônica perante as
produções artísticas por um longo período, os movimentos de dança contrários
e revolucionários preconizavam uma arte mais realista e que correspondesse à
realidade vivida. O distanciamento das técnicas rigorosas e a valorização da expres-
são do movimento humano favoreceram tendências contemporâneas atreladas às
transformações socioculturais e tecnológicas com as quais a sociedade se deparava.
Antes de iniciarmos a discussão acerca das técnicas e linguagens da dança,
devemos explicitar quais são os seus fatores determinantes. O que define as danças
são os processos criativos do movimento do corpo, ou seja, a coreografia. Para
compreendermos melhor as tendências coreográficas, é relevante mencionarmos
alguns conceitos básicos que permeiam a coreografia, definida como estruturação
ou plano do movimento humano. Assim, a bailarina recorre à arte de manipular
os movimentos quando apresenta uma coreografia, reelaborando tempo, espaço
e energia em formas e estruturas afetivas (MORAES, 2015).
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Segundo o dicionário Michaelis, o conceito de coreografia consiste na:

Arte de compor e arranjar os movimentos e as figuras de danças e


bailados, geralmente para acompanhar determinada peça de música
ou para desenvolver um tema ou uma pantomima. Arte de figurar no
papel, com sinais particulares, os passos, os gestos e as figuras de uma
dança. Sequência de movimentos de uma dança (COREOGRAFIA...,
[2018], documento on-line).

Outras definições interessantes sobre coreografia são de autoria do bailarino


e coreógrafo Jonathan Burrows (1960–presente), que a apresenta como uma
série de escolhas entre os movimentos do corpo e do pensamento. É uma
forma de organizar uma performance que assume parte da responsabilidade
pelo que acontece, pelo menos o suficiente para que o artista se sinta livre
para performar (MORAES, 2015). Nesse contexto, o ritmo e o tempo são
elementos primordiais para a construção coreográfica.
Para entendermos como ocorreu o processo de transformação das tendências
e técnicas da dança, o conhecimento do desenvolvimento desses aspectos é de
suma relevância. A temática se iniciou no Renascimento, momento histórico em
que a necessidade de determinações técnicas na esfera de atuação da dança foi
estabelecida. Recordemos que, anteriormente, as danças não seguiam técnicas
de aplicação rígidas, visto que o seu caráter religioso ou de lazer permitia
que fosse mais improvisada e intuitiva, com objetivos distintos da estética de
exibição. Todavia, os professores de dança renascentistas ensinavam as danças
de salão por meio de códigos, palavras, abreviaturas e diagramas. Já no século
XIX, associaram os movimentos corporais ao teatro, com apresentações que
aconteciam nos intervalos das peças via de regra.
Em seguida, já com desvelamento da dança moderna, os delineamentos
coreográficos partiram de pressupostos de desconstrução de técnicas e inú-
meras representações reais e abstratas. A partir do século XX, tendo como
principal referência na dança expressiva Laban, que já mencionamos antes,
cujas teorias propiciaram novas formas de fazer e vivenciar a dança, as técnicas
enrijecidas do balé clássico perderam progressivamente a amplitude. Assim,
improvisações e a livre expressão corporal conquistaram destaque como foco
das danças moderna e contemporânea.
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Na Figura 5, você pode conferir o registro de um espetáculo de dança


contemporânea.

Figura 5. Com a evolução da dança, as intencionalidades do movimento


do corpo tornam-se mais expressivas do que técnicas, além de propor
reflexões acerca da vida e da sociedade como um todo.
Fonte: Igor Bulgarin/Shutterstock.com.

Outra referência da transformação das técnicas e da aplicabilidade das


danças em diferentes linguagens refere-se a Isadora Duncan. Para a bailarina,
os movimentos deveriam ser livres de técnicas, regras ou determinações
de vestimentas, calçados e gestos. Ela preconizava a construção da dança
a partir do instinto e do mistério. O poder de criar, expressar e transformar
constantemente a linguagem e a movimentação privilegiavam a reapropriação
do corpo no direito de agir e expressar a arte subjetiva de cada um, não apenas
aquela fundamentada em técnicas e regras pré-determinadas, sem fundamento
pessoal ou social de destaque.

Isadora Duncan é sinônimo de resistência frente aos moldes inflexíveis da sua época.
A partir de observações da natureza, como o movimento das ondas do mar e do
vento, ela elaborou uma nova dança mais livre e leve. As suas ideias problematizavam
questões acerca da liberdade dos corpos — em especial do feminino —, do exagero
da forma e do aprisionamento físico.
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Atualmente, as técnicas de dança estruturam-se no conhecimento e na


potencialidade do corpo e dos movimentos do próprio dançarino. A autentici-
dade dos movimentos corporais sustenta-se na expressividade de sentimentos
e emoções. Sobretudo, a linguagem da dança possui elementos constituintes
como gesto, ritmo, espaço, forma e motivo. Além disso, a construção das
linguagens da dança também pode ser denotada pela sua composição, seja
individual, em duplas, trios ou grupos maiores, por exemplo.
Embora a dança consistisse em uma maneira de comunicação nos primór-
dios da sua história ou, então, de expressão mística e sagrada do corpo, hoje ela
pode ser designada como uma ponte para o autoconhecimento e a percepção
de si mesmo, da potencialidade da existência de quem dança. Essa linguagem
expressiva de sentimentos e emoções supera as questões relativas a técnicas,
benefícios físicos e motores para adentrar o universo das percepções sensoriais,
cognitivas e subjetivas que estimulam a criatividade e as possibilidades de
criação cujo instrumento é o próprio corpo.

A dança é a arte básica do movimento. O pensar é a parte da corporeidade


humana, assim como o movimentar, sentir e o expressar, pois também é uma
forma de estar no mundo em uma relação dialética de trocas de significados.
A dança como expressão e comunicação estimula as capacidades humanas e
pode ser comparada à linguagem oral. Assim como as palavras são formadas
por letras, os movimentos são formados por elementos, desta maneira, a
expressão corporal estimula e desenvolve as atividades psíquicas de acordo
com seu conteúdo e forma de ser vivida, tal como a palavra (SILVA; SOUZA,
2015, documento on-line).

Em suma, a multiplicidade de criar a dança e movimentar o corpo está


em constante transformação. O corpo, como o seu principal instrumento,
configura-se como um potente e múltiplo meio de expressar diversas in-
tencionalidades. Nos dias atuais, a dança contemporânea intenta impactar,
impressionar e refletir novos olhares perante a arte e os espetáculos. Todavia,
em inúmeras civilizações danças antigas são preservadas e novas danças
são reformuladas de acordo com as mudanças culturais que se apresentam.
Portanto, a história da dança está sempre em metamorfose.
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COREOGRAFIA. Dicionário Michaelis, [2018]. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.


br/busca?id=2oaq>. Acesso em: 4 set. 2018.
DINIZ, T. N.; SANTOS, G. F. L. História da dança: sempre. In: SEPECH, 2008, Londrina.
Anais... Paraná: Universidade Estadual de Londrina, 2008. Disponível em: <http://www.
uel.br/eventos/sepech/sepech08/arqtxt/resumos-anais/ThaysDiniz.pdf>. Acesso em:
4 set. 2018.
LANGENDONCK, R. V. História da dança. In: PARANÁ. Secretaria da Educação. Sugestões
de leitura, [2018]. Disponível em: <http://www.educacaofisica.seed.pr.gov.br/arquivos/
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MORAES J. M. R. Sobre coreografia em roteiro. Revista Moringa: Artes do Espetáculo,
v. 6, n. 2, p. 11-22, 2015.
PORTINARI, M. História da dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
SILVA J. S.; SOUSA C. M. P. Dança corpo e movimento: formas de expressão na educação
infantil. In: Congresso Nacional de Educação, 2015, Curitiba. Anais... Paraná: PUCPR.
Disponível em: <http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/20802_10931.pdf>.
Acesso em: 4 set. 2018.
SOUZA, P. H. A. Dança contemporânea: percepção, contradição e aproximação. Pensar
a Prática, v. 16, n. 4, p. 956-1.270, 2013. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/fef/
article/view/20245/15681>. Acesso em: 4 set. 2018.

Leituras recomendadas
ANDRADE, G. Movimentos em curso. Revista da UFMG, v. 22, n. 1, p. 124-141, 2015.
GREINER, C. O registro da dança como pensamento que dança. Revista D’Art, São Paulo,
v. 04, p. 38-43, 2002.
SZPERLING, S. Videodança na América Latina: um testemunho. In: GREINER, C.; SANTO,
C. W.; SOBRAL, S. (Org.). Cartografia Rumos Itaú Cultural Dança: imagens e movimentos.
São Paulo: Itaú Cultural, 2010.
VICENZA, I. Dança no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura/FUNARTE, 1997.
Conteúdo:

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