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PENTECOSTÉS (At., I-V.) PADRE BERTHE?

Depois da Ascensão do Salvador, entraram no cenáculo Pedro e os seus


companheiros a meditar nas últimas palavras de Jesus. Eles, uns pobres iletrados,
desprovidos de ciência, de dinheiro e de consideração, pregarem o Evangelho a toda a
criatura e apresentarem à adoração dos Judeus e pagãos aquela cruz sobre a qual o seu
Mestre acabava de expirar: não era isso (poderiam eles pensar) tentar o impossível e não
valia mais voltar para as redes? A sabedoria humana aconselhava-os, é claro, a tomarem
o caminho da Galiléia; mas eles tinham confiança em Jesus e no Espírito que, segundo a
sua promessa, havia de ensinar-lhes todas as coisas. Encerraram-se pois no cenáculo e
puseram-se a orar com Maria, Mãe de Jesus, e com os discípulos e santas mulheres, à
espera da visita do Espírito-Santo.

Pedro começou logo por cumprir com um dos seus primeiros deveres. Meus
irmãos, disse ele, Judas, que era um dos nossos, atraiçoou o seu Mestre e enforcou-se.
Ora está escrito no livro dos salmos: Que outro receba o seu episcopado. Escolhei pois,
entre os que viveram conosco, desde o batismo de Jesus até a sua Ascensão aos Céus,
um discípulo que seja conosco testemunha da sua ressurreição. A sorte, dirigida pela
mão de Deus, caiu em Matias que foi para logo incluído no colégio apostólico.

Estando assim as doze tribos representadas pelos doze apóstolos, chegou o grande
dia de Pentecostes, no qual os Israelitas celebravam a promulgação da Lei no Monte
Sinai. Multidão de Judeus e prosélitos, que afluíam de todas as regiões da terra, pejavam
a cidade santa. E Jesus escolheu aquele dia para revelar a sua Igreja às nações e
inaugurar a Lei nova.

Pelas oito horas da manhã, enquanto as cento e vinte pessoas reunidas no


cenáculo estavam orando com a Virgem Maria, de súbito caiu um grande pé como de
vento violento que com grande ruído encheu toda a sala onde estavam sentados;
apareceram depois línguas de fogo, semelhantes a chamas ardentes, que se dividiram em
breve para ir pousar sobre cada um dos membros da assembléia. Sob aquele emblema
do fogo, vinha o Espírito-Santo comunicar-lhes todos os dons do Céu, a inteligência
para interpretarem as Escrituras, a força para arrostarem com os seus inimigos e o dom
das línguas para ensinarem a todos os povos. Transformados num momento, com aquela
efusão miraculosa da graça, começaram para logo os apóstolos a formular em diversas
línguas os pensamentos que o Espírito-Santo lhes ditava no coração.

Em breve se viram rodeados por imensa multidão que os escutava muda de


pasmo. Pois quê! dizia a gente, não são estes homens Galileus? Como sucede pois que
nós os ouvimos todos a falar a língua da nossa terra? Há entre nós Partos, Medos,
Elamitas, Judeus, Capadócios, habitantes da Mesopotâmia, da Ásia, do Ponto, da
Frígia, da Panfília, do Egito, da Cirenaica, Romanos, Cretenses e Árabes; e todos nós os
ouvimos celebrar em nossas línguas as maravilhas de Deus! Ninguém podia explicar
este mistério, quando alguns Judeus mal intencionados disseram: ANada de prodigioso
há em tudo isto; são uns homens em estado de embriaguez que se agitam fora de si com
o vinho. Deste grosseiro e estúpido insulto tomou Pedro ocasião para instruir a turba.

Homens da Judéia, bradou ele, e vós todos, forasteiros vindos a Jerusalém, sabei
da minha boca a verdade. Não, não estão ébrios estes homens, como alguns fingem crer:
às nove horas da manha não se embriaga um homem. O que estais vendo é o que o que
o profeta Joel anunciou nestes termos: Na última idade do mundo, diz o Senhor, eu
derramarei o meu Espírito sobre toda a casta de homens. Os vossos filhos e as vossas
filhas profetizarão; os vossos mancebos terão visões e os vossos anciões, sonhos. Sobre
os vossos escravos e escravas descerá o espírito de profecia. Aparecerão então no céu
prodígios e na terra sinais temerosos. Quem invocar o nome do Senhor, salvar-se-há.

AHomens de Israel, continuou o apóstolo, eu venho revelar-vos este nome


salvador. Jesus de Nazaré apareceu no meio de vós e Deus deu testemunho em seu favor
(vós sabei-o tão bem como nós) com os milagres mais evidentes. Não obstante, esse
Jesus, que em vossas mãos foi entregue por um muito particular desígnio do Senhor, vós,
depois de o terdes atormentado pelas mãos de homens malvados, mataste-o. Ora, Deus
ressuscitou-o rompendo as ataduras da morte, como tinha predito David por estas
palavras: Não deixareis o vosso Santo na corrupção do túmulo. Irmãos, permita-se-me
fazer notar que David morreu e que entre nós está o seu jazigo. Não falava pois de si,
mas sabia por profética inspiração que uma vergôntea da sua raça se havia de sentar no
seu trono. Rasgando os véus do futuro, falava da ressurreição de Cristo, cujo corpo não
havia de conhecer a corrupção. O Cristo, meus irmãos, é Jesus a quem Deus
ressuscitou; e aqui estamos nós todos para dar testemunho disto perante vós. Elevado
ao mais alto dos Céus pelo poder de seu Pai, recebeu dele o Espírito de verdade que
acaba de derramar sobre nós e este Espírito de verdade é quem vos fala por minha boca.
David não subiu ao Céu: ao Cristo pois e não a ele é que se dirigiam aquelas palavras:
O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita e eu reduzirei os teus inimigos a
servirem de escabelo a teus pés. Povo de Israel, ficai sabendo pois que aquele Jesus a
quem vós crucificastes é verdadeiramente o Senhor, é o Messias que Deus vos enviou.

O imenso auditório estava profundamente comovido. E sobre os rostos lia-se a


dor que penetrava as almas. Partiram de todos os lados exclamações como esta: Irmãos,
que devemos então fazer? - Fazei penitência, respondeu Pedro, e receba cada um de vós
o batismo. Obtereis assim o perdão dos vossos pecados e os dons do Espírito-Santo,
conforme foi prometido a vós, e aos vossos filhos e aos estrangeiros e a todos os que
Deus se dignar chamar a si. E Pedro prosseguiu ainda largamente a desenvolver as
provas que tornavam certa a missão de Jesus, exortando os seus ouvintes a saírem dentre
a turba dos perversos. Três mil homens escutaram o apóstolo e receberam o batismo.
Estava com isto fundada a Igreja de Jerusalém e milhares de vozes iam anunciar a todas
as nações o nome de Jesus.

Alguns dias depois, pelas três horas da tarde, Pedro e João subiam ao templo para
tomar parte na oração pública. À porta, chamada Especiosa, esmolava um pobre coxo,
enfermo de nascença. Extendeu a mão aos dois apóstolos, como fazia a todos os que
passavam. Não tenho ouro nem prata, disse-lhe Pedro, mas o que tenho, isso te dou. Em
nome de Jesus de Nazaré, levanta-te e anda. E ao mesmo tempo tomou-o pela mão e
levantou-o. E no mesmo instante sentiu o tolhido que os pés se lhe fortaleciam; pôs-se
em pé, começou a andar e entrou no templo com os apóstolos. E todo o povo viu como
aquele tolhido andava, saltava de alegria e louvava a Deus.

2
Este prodígio impressionou vivamente a multidão; e por isso, quando Pedro e
João, acompanhados do coxo, se dirigiam para o pórtico de Salomão, saíram-lhes ao
encontro milhares de homens. Pedro aproveitou-se deste grande concurso para pregar o
nome de Jesus.

Homens de Israel, disse, estais olhando para nós com admiração, como se por
nosso próprio poder houvéssemos curado este enfermo: mas enganais-vos de todo. O
Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, o Deus dos nossos pais fez este milagre para
glorificar Jesus, aquele Jesus que vós entregastes a Pilatos e fizestes condenar, ao passo
que ele o queria pôr em liberdade. E vós ao Santo de Deus preferistes um vil assassino;
vós destes a morte ao Autor da vida, mas Deus ressuscitou-o; disto somos nós
testemunhas. A fé no seu nome é que fortaleceu os pés deste homem que tendes diante de
vós.

O auditório, atônito, parecia pedir misericórdia. Meus irmãos, prosseguiu o


apóstolo, bem sei que procedestes por ignorância, como os vossos príncipes. Era
preciso que o Cristo sofresse, e Deus serviu-se da vossa cegueira para realizar os seus
desígnios. Fazei pois penitência, e ser-vos-hão perdoados os pecados. Mostrou-lhes em
seguida que Jesus era o grande Profeta anunciado por Moisés, Aquele em quem deviam
ser abençoadas todas as nações da terra; primeiro que todas Israel, acrescentou ele, pois
Deus enviou o seu Filho para vos abençoar, como primícias, e vos purificar das vossas
iniqüidades.

Estava ainda falando quando viram chegar um bom grupo de sacerdotes,


magistrados e saduceus, furiosos por saberem que havia quem ousasse profanar o templo,
pregando o nome do Crucificado. Por sua ordem, os guardas lançaram as mãos aos dois
apóstolos e levaram-nos para o cárcere. Apesar daquela brusca intervenção do supremo
Conselho, converteram-se ao Senhor Jesus cinco mil homens, movidos pelas palavras de
Pedro.

Ao dia seguinte, as três classes do sinédrio, escribas, anciãos do povo e príncipes


dos sacerdotes, reuniram-se no pretório, sob a presidência do sumo sacerdote Caifás.
Estavam todos com pressa de exalar o seu ódio contra o nome de Cristo. Os acusados,
Pedro e João, foram introduzidos à presença dos juízes. E um povo numeroso não
cessava de lhes testemunhar a sua ardente simpatia. O enfermo curado estava na primeira
linha da assistência e atraía todos os olhares. Procedeu-se ao interrogatório.

Em nome de quem, perguntou Caifás, e por que poder curastes este homem? -
Príncipes do povo, respondeu Pedro, visto que nos trazem ao vosso tribunal por ter
curado este homem e visto que desejais saber em nome de quem o curamos, devo dizer-
vos a verdade. Sabei pois que este homem, nós o curamos em nome de Jesus de Nazaré,
daquele Jesus a quem vós crucificastes e a quem Deus ressuscitou dos mortos; daquele
Jesus a quem vós rejeitastes, mas que se tornou a pedra angular do edifício. Ninguém
mais vos poderá salvar, pois nenhum outro nome foi dado aos homens para nos
podermos salvar.

3
A firmeza do apostolo abalou os juízes. Aquela linguagem dum homem simples,
iletrado, dum daqueles pobres Galileus que eles tinham visto no séquito do Mestre,
lançou-os num como espasmo. Por outra parte, o enfermo ali estava diante deles, como
prova irrefragável da intervenção divina. Para dissimular o seu embaraço, ordenaram
aos guardas que levassem para fora os acusados e puseram-se a deliberar sobre o
melhor partido a tomar. E sendo-lhes impossível negar um milagre feito diante de todo
o povo, resolveram, quando menos impedir que se divulgasse e proibir aos apóstolos,
sob as penas mais severas, que pregassem o nome de Jesus. Fazendo-os pois
comparecer de novo, intimaram-lhes a proibição absoluta de falarem e ensinarem em
nome do seu Mestre, tanto em público como em particular. Mas Pedro e João já não
eram homens que se intimidassem com ameaças. AJulgai lá vós mesmos diante de Deus,
responderam eles, se é justo que vos obedeçamos a vós antes que a Deus. Não podemos
calar-nos sobre o que vimos e ouvimos.

Ao ouvirem estas palavras que consagravam os direitos imprescritíveis dos


ministros de Jesus, os juízes romperam em objurgações ameaçadoras, mas contudo
despediram os apóstolos sem mais castigo, pois receavam uma revolta popular. Pedro e
João apressaram-se a voltar para os seus irmãos, que estavam inquietos com a prisão.
Depois de terem ouvido as proibições e ameaças do Conselho, a assembléia pediu ao
Senhor a força de que precisasse cada um. ASenhor, exclamaram todos, vós dissestes por
boca de David: >Porque rugiram as nações e por que motivo os príncipes e os povos
conspiraram contra o Senhor e contra o seu Cristo?= Conspiraram contra Jesus, e agora
ameaçam-nos também a nós com as suas cóleras. Dai-nos a força de ensinar a vossa
palavra sem nenhum temor, e multiplicai os prodígios em nome do vosso Filho Jesus.@
Mal tinham feito esta oração, sentiu-se tremer a casa e o Espírito-Santo inundou-os de
graça, e todo o temor lhes desapareceu do coração.

Continuaram pois os apóstolos, e com mais força do que nunca, a pregar a


ressurreição do Salvador. Por seu lado, Deus multiplicava por meio deles os sinais e
milagres. Por isso cada dia mais densa se apinhava em torno deles, sob os pórticos ditos
de Salomão, a multidão dos ouvintes. E o número dos crentes crescia em proporções
notáveis, e a fé no poder dos apóstolos tornava-se tão geral que traziam em grabatos, para
o meio das praças públicas, os doentes e enfermos da cidade e vilas vizinhas, a fim de
que, ao passar Pedro, ao menos a sua sombra percorresse alguns deles e os livrasse das
suas moléstias.

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