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RELAÇÕES ENTRE IDENTIDADE/ VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E NATUREZA

EM “PROJETOS E PRESEPADAS DE UM CURUMIM NA AMAZÔNIA”

Objetivo: Indicar que há uma relação entre a constituição/destruição de uma


identidade com a preservação/destruição da natureza no conto analisado.

A literatura literária entendida como uma manifestação estética capaz de


representar e subverter realidades socioculturais, possibilitou em suas
narrativas a representação de sujeitos marginalizados e excluídos na e da
história. A centralização e consequente reflexão de questões ligadas à
natureza na literatura indígena permite um enfoque em diversas formas de
alteridade na constituição da identidade dos sujeitos em relação à biota.

Para tal, propõe-se aqui um estudo sobre a construção e destruição da


identidade indígena no conto Projetos E Presepadas De Um Curumim Na
Amazônia, de Edson Kayapó, pesquisador formado pela Universidade de São
Paulo (USP) com ênfase em estudos sobre a Amazônia e história indígena e
ativista das mesmas causas. Em seu currículo, além de escritas acadêmicas,
encontram-se também prêmios por sua produção ficcional voltada à ecologia e
questões indígenas.

Nesta narrativa fragmentária em primeira pessoa, com misturas do


passado e do presente, Projetos e Presepadas narra a trajetória do
protagonista, sem nome, da saída de sua casa na aldeia até um colégio
católico na cidade de Altamira. Neste percurso, percebe-se no texto uma
relação de construção e destruição da identidade indígena vinculada à
natureza, na medida em que, quanto mais o personagem principal se afasta de
suas raízes, sua identidade vai se desfazendo.

Ainda que o contato com outros possibilite novas formas de ser e


pensar, toma-se aqui a relação identidade-natureza a partir de uma perspectiva
de colonialidade: como as maneiras de ser e pensar indígenas do protagonista
vão sendo destruídas não pelo contato com a diversidade, mas com uma
linguagem que nega tudo aquilo o que faz parte da cultura dos povos nativos.
Todavia, ainda que se apresente na trama textual um sentimento de
subalternização quanto aos conhecimentos locais, que se configure naquela
comunidade vestígios de colonialidade do saber e do ser, como se lê na fala do
pai do protagonista a seguir: “Tu e tua irmã vão estudar no colégio interno com
seu irmão, lá para as bandas de Altamira. Vai ser bom pra vocês ‘virarem
gente’.” (KAYAPÓ, 2020, p. 14, grifo meu), explicitando que uma educação
cristã seria melhor para seus filhos – implicitamente a educação indígena não
lhes seria útil para os tornarem cidadãos –, o conto surge como um exercício
de resistência na atualidade, em função da escrita das formas culturais
indígenas, que permite tornar conhecidas suas origens e tradições.

Em ensaio, escreve Daniel Munduruku: “É preciso interpretar. É preciso


conhecer. É preciso se tornar conhecido. É preciso escrever – mesmo com
tintas do sangue – a história que foi tantas vezes negada.” (MUNDUKURU,
2018, p. 82). Desta forma, concorda-se com Almeida (2008, p. 39), de que:

Este movimento literário, chamado de literatura pós-


colonialista, surge nas ex-colônias em todo o mundo e busca o
reconhecimento da riqueza da cultura nativa, e
consequentemente, da identidade própria do nativo, pelo
colonizador.
Projetos e Presepadas se divide em três capítulos curtos, nos quais o
personagem narrador conta sua trajetória: no primeiro capítulo, as brincadeiras
de infância na mata e nos rios, lembranças de momentos na aldeia; no
segundo, a viagem a barco e a chegada na em Altamira; no último capítulo, sua
estadia no num colégio cristão, onde costumes que fizeram parte da formação
do protagonista, e expostos no início da narrativa, passaram a ser práticas
proibidas.

A natureza ocupa lugar de destaque na perspectiva do narrador


personagem, de maneira saudosista nas lembranças da infância e das
aventuras que se passavam na floresta. Porém, a mesma sensação não
permanece após sua partida. Durante a vigem a barco a devastação da flora é
descrita ainda de maneira ingênua na perspectiva do adolescente: “O que vi foi
um rebocador puxando uma balsa gigante, lotada de troncos de árvores, como
jamais poderia imaginar. Impressionado, pensei: ‘De onde tiraram todas essas
árvores? Por quê? Para quê?’”. (KAYAPÓ, 2020, p. 20)
Ora, considerando que a trajetória da humanidade vincula-se desde
seus primórdios com a natureza, a territorialidade interventiva do homem sobre
ela a partir da ideologia de desenvolvimento socioeconômico vem acarretando
numa desenfreada crise ambiental globalizada. Neste processo que se pensa
civilizatório, o envolvimento da relação homem-natureza elucida o modo de
vida humano com o meio ambiente. Assim, o processo de construção da
identidade com relação ao meio ambiente se evidencia na maneira como tal
relação se constrói: “[...] a identidade homem-natureza foi sendo constituída na
trajetória do desenvolvimento humano na sua interface com a natureza.”
(GUIOMETTI e SILVA, 2019, p. 2)

Daí as literaturas dos povos indígenas, cujas formas de vivências se


encontram integradas à natureza, o que nos permite conhecer como dão
sentido a esta relação, na qual a visão estética orienta-se pelo viés da
integração homem-natureza, opondo-se à relação homem versus natureza.
Conforme Dorrico (2019, p. 262), na ficção ameríndia o sujeito indígena se
coloca como guardião da natureza e não seu dono.

O contraponto a esta cosmovisão, esboçada no conto de Edson Kayapó,


se dá à situação gerada na modernidade globalizada, da crença na
superioridade das epistemes, das culturas, da economia e até mesmo das
línguas do norte global, resultantes da empreitada colonizadora exercida após
os 1500’s. Neste sentido, considera-se aqui a geopolítica do conhecimento,
conceito de Walter Mignolo (2004), alinhada à linguagem exercida sob os
povos e culturas colonizados.

Assim, a colonidalidade do poder pode ser entendida, conforme Quijano


(2002), como o modelo de poder moderno eurocentrado que conecta o mundo
através do controle do trabalho, da formação racial e da produção do
conhecimento. Todavia, a extensão do poder colonial também se faz pelo
conhecimento, na crença da superioridade da ciência e do conhecimento
advindos dos modelos estabelecidos no velho continente, resultando na
colonidade do saber. Assim que muitas informações produzidas fora do eixo
eurocêntrico passam a ser desconsideradas. Maldonato-Torres (2007, p. 130)
argumenta: “[...] a colonialidade do saber refere-se ao rol da epistemologia e as
tarefas gerais da produção de conhecimento na reprodução dos regimes de
pensamento colonial [...]”.

Neste caminho, das formas de colonialidade do poder e do saber, a


tradição e o senso comum são marcados por uma dinâmica de poder
geopolicamente localizado, no qual sujeitos postos como subalternizados não
só são colocados, como também se colocam em posições de discriminação.
Assim: “[...] a colonialidade do Ser refere-se ao processo pelo qual o senso
comum e a tradição são marcados por dinâmicas de poder de carácter
preferencial: discriminam pessoas e tomam por alvo determinadas
comunidades” (MALDONADO-TORRES, 2008, p. 96).

É o que ocorre em Projetos e Presepadas, os saberes localizados na


aldeia não só são repelidos pelos próprios indígenas como também no
internato o quadro se intensifica: a punição por quaisquer atitudes que lembrem
a vida vivida na selva. (TRECHO DO TEXTO).

Para pensar os sentidos da constituição da identidade do protagonista,


recorre-se aos estudos de Hall (2006) e Silva (2000) para analisar como
identidades subalternas face à alteridade podem influenciar seja em sua
construção como em sua descontrução, na medida em que a colonialidade do
ser, através do poder e do saber, se BLA BLA BLA a partir de marcas
discursivas e não discursivas presentes no plano textual. Segundo Walter
(2015, p. 2):

Esta recriação literária representa processos de simbolização


cultural baseados na história e no agir humano por meio da
narrativização de práticas fundamentais que tornam os
aspectos da vida diária (tradição, sistemas de crença, imagens
de identidade/alteridade, etos e cosmovisão, etc.) disponíveis e
compreensíveis. [...] O poder da literatura reside, entre outros,
no entrelaçamento de palavra e memória: é a palavra,
mediante a memória, que recupera um mundo de referências,
tornando o imaginário capaz de idear e compreender a
episteme cultural. Este mundo de referências (re)constitui a
identidade individual e coletiva num processo histórico. Neste
sentido, a literatura recria o etos e a cosmovisão cultural e
revela o que a historiografia oficial via ideologia distorce e/ou
esconde
CITAÇÃO.

Colonialidade do ser através do saber e do poder


Identidade em contato com o outro
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