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1. Situando o fenômeno
A busca dos traços que identificam prosodicamente um falar suscitam, de imediato, três
questões: O que eleger como características observáveis? Como descrevê-las? Onde buscá-las?
A 1ª questão, ainda que requeira a definição de procedimentos secundários, parte de uma
premissa geral: deve-se selecionar para análise o que, de outiva, é, consensualmente,
característico do(s) falar(es) em foco.
A 2ª questão, em princípio, parece oferecer uma só resposta como opção: observar o
comportamento dos parâmetros acústicos Duração, Intensidade e Freqüência Fundamental no
limite da sílaba. A convivência com os dados – como toda e qualquer convivência – acaba
revelando algumas complexidades. A F0 de uma vogal, por exemplo, apresenta, mais raramente,
um comportamento invariável (ou de variação irrelevante), resultando num tom monocórdio.
Porém, via de regra, a F0 descreve ao longo da sílaba variações tonais que podem ir de
configurações simples, resultantes de acréscimos e/ ou decréscimos de valores constantes até
configurações complexas, onde a variação de Hertz descreve parábolas de formatos variados
resultando em tons de contorno (conforme acontece – e a informação que adiantamos aqui é
breve para que os resultados seguintes preservem seu quê de surpresa – com as vogais tônicas
gaúchas). Diante de tamanha variedade, outras decisões acabam se impondo: em que ponto da
sílaba a medida da F0 deve ser tomada? Num único ponto? Em quantos mais?
A 3ª questão se relaciona intimamente com a anterior: bastaria observar/descrever o
comportamento acústico daquelas sílabas que soaram pernambucanas ou gaúchas aos ouvidos
dos juízes (estes amigos lingüistas sempre a postos quando convocados para auxiliar na
constituição e testagem dos nossos corpora)? Se o júri e as próprias pesquisadoras ora se atêm a
uma sílaba, ora destacam um vocábulo e ora apontam como marcadamente regional toda uma
frase, em que unidade centrar a pesquisa? Onde, para garantia de pertinência metodológica e
comparabilidade dos resultados, realizar as medições?
Este artigo visa aprofundar alguns aspectos da descrição presente em Cunha 2000
(Entoação Regional no Português do Brasil) por meio da testagem experimental dos resultados
obtidos para 3 das cinco capitais analisadas (excluíram-se deste trabalho São Paulo e Salvador) e
da formulação de hipóteses e procedimentos metodológicos complementares.
2. O que já sabemos
segundos
Pretônica 2
0,25
Pretônica 1
0,20 Tônica
0,15 Postônica 1
0,10
0,05
Recife Salvador Rio de Janeiro São Paulo Porto Alegre
Figura (1): Gráfico da Duração média na fala espontânea das cinco cidades
do Projeto NURC.
• As sílabas pretônicas de Recife serem em média 44,4% mais breves que a tônica;
• As sílabas pretônicas do Rio serem em média 50,3% mais breves que a tônica;
• As sílabas pretônicas de Porto Alegre serem em média 54% mais breves que a tônica;
• As sílabas postônicas de Recife corresponderem em média a 71,1% da duração da tônica;
• As sílabas postônicas do Rio corresponderem em média a 44,5% da duração da tônica;
• As sílabas postônicas de Porto Alegre corresponderem em média a 50% da duração da tônica.
Embora o parâmetro não tenha papel muito representativo para o fenômeno, chama a atenção
o fato de as tônicas gaúchas serem as mais longas.
300
250
Pretônica 3
200 Pretônica 2
Hertz
Pretônica 1
150 Tônica
Postônica 1
100
50
Recife Salvador Rio de Janeiro São Paulo Porto Alegre
In t e n s id a d e M é d ia n a F a la E s p o n tâ n e a
6
P r e tô n ic a 3
5
P r e tô n ic a 2
P r e tô n ic a 1
4
T ô n ic a
3 P o s tô n ic a 1
0
R e c ife S a lv a d o r R io d e S ã o P o r to
J a n e ir o P a u lo A le g r e
Concluiu-se, no estudo realizado em 2000, que os padrões melódicos dos falares observados
se definem pelas relações que se estabelecem entre a sílaba tônica e as sílabas átonas
adjacentes. A relação entre a tônica e as pretônicas (considerando a sua relevância fônica no
português do Brasil) mostrou-se primordial para a caracterização dos cinco falares. Seguramente,
pode-se afirmar que: 1) as falas de Recife e Salvador se opõem às outras por darem mais
destaque às sílabas pretônicas, marcadas por: maior intensidade, maior freqüência e duração
pouco inferior a da sílaba tônica (principalmente na fala de Salvador); 2) a fala de Porto Alegre se
caracteriza pela elevação da F0 na sílaba tônica, a qual recebe também a maior intensidade e a
maior duração (bastante expressiva, chegando a quase o dobro das demais sílabas); 3) as falas
do Rio de Janeiro e de São Paulo apresentam características das outras cidades, ora se
assemelhando às cidades do nordeste, ora se assemelhando a Porto Alegre.
Tais oscilações podem-se resumir no quadro:
3. O Experimento
Uma vez que se haviam descrito as relações entre os parâmetros e mensurado a variação
em Hertz, decibéis e segundos, era possível tentar fazer “o caminho de volta”, isto é, transformar,
por meio da síntese, um dialeto em outro, usando o programa CSL. Para tanto, percebemos, logo
de saída, que as variações numéricas médias, quando aplicadas aos dados, produziam pouca ou
nenhuma diferença perceptiva. Decidimos então “recriar” não o sotaque revelado pela média dos
1200 dados descritos anteriormente, mas sim escolher dados prototípicos, que representassem de
forma cabal os falares em questão.
Assim, elegeram-se dois dados do corpus NURC (um de Recife e um de Porto Alegre) e
manteve-se na análise a fala carioca como um parâmetro de contraste para a descrição, com a
seguinte proposição: os dados escolhidos no corpus NURC constituem o ponto de chegada, a
meta, o resultado que se quer alcançar por meio da síntese, e a fala carioca, acrescida de
manipulação acústica, constitui a forma de viabilizar a reconstrução dos dois falares. Para isso
uma das pesquisadoras gravou, com seu falar carioca, a frase dita pela informante de Recife e a
frase dita pela informante de Porto Alegre e estas duas gravações foram manipuladas de modo a
que sua realização se aproximasse dos enunciados do NURC.
Outra providência, de cunho metodológico, foi ampliar o leque de medições da freqüência
fundamental, pois percebeu-se que seu valor, quando tomado no pico da intensidade ou no meio
da vogal, não era o suficiente para descrever variações intrassilábicas, como ponderamos logo no
início deste trabalho. Desta forma os 4 dados que serviram de referência para a primeira tentativa
de síntese (os dois dados retirados do corpus NURC e os dois gravados em laboratório) foram
analisados no programa WINCECIL de modo a se obter:
3.1. Recife
Gráfico (4): Traçado do dado NURC – Recife/ 22: Figura (5): Traçado do dado NURC – Recife/ 22:
Comportamento da Intensidade Comportamento da Freqüência Fundamental
Figura (6):traçado do dado experimental Rio – Recife: Figura (7):traçado do dado experimental Rio – Recife
Comportamento da Intensidade Figura: Comportamento da F0
Com base nas medições, estimamos que, para a síntese, seria necessário manipular o
último vocábulo do grupo entoacional da frase lida em laboratório alterando-lhe:
• A freqüência fundamental, acentuando a queda tonal da pretônica 1 para a tônica em
250Hz;
• A Intensidade, de forma que a pretônica se tornasse 2 vezes mais intensa que a tônica;
• A Duração, de forma a tornar a pretônica imediatamente anterior à tônica 3 vezes mais
longa que ela.
Inicialmente manipulamos cada parâmetro por vez, ouvindo e avaliando o resultado da
síntese. Em seguida, juntamos os 3 parâmetros alterados. O resultado excessivamente metálico
da pretônica 1 fez com que tentássemos melhorá-la, aumentando sua F0 em apenas 100Hz.
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Como o resultado ainda não foi satisfatório, aventamos a hipótese de os segmentos estarem
interferindo e gravamos uma frase trocando o vocábulo “interessante”, por “extravagante”, que tem
como pretônica 1 uma vogal de freqüência intrínseca mais baixa. Além disso, fizeram-se algumas
correções nos valores estimados anteriormente. Os traçados seguintes enfocam o vocábulo que
encerra o grupo prosódico na frase gravada em laboratório após a síntese:
Figura (9): Traçado da Síntese de Recife: Figura (10): Traçado da Síntese de Recife:
Comportamento da Intensidade Comportamento da Freqüência Fundamental
No dado NURC – Porto Alegre/ 04, a informante realiza a frase: “Eu acho assim tão
deselegante”. Como na escolha do dado de Recife, a seleção deste enunciado como prototípico
se deve ao fato de, especialmente sobre o último vocábulo, incidir uma forte marca de
regionalidade, observável no traçado:
150
Rio de Janeiro
50
0
a ssim tão gan
A duração foi mantida com os mesmos valores no dado gravado e na síntese, uma vez que
ao manipular os dois primeiros parâmetros alcançamos de imediato, resultado satisfatório. Os
traçados seguintes enfocam o vocábulo que encerra o grupo prosódico no dado tomado ao
corpus:
4. Conclusão
Para que os dados sintetizados se assemelhem mais aos dados de fala espontânea,
muitos experimentos ainda há por fazer. Uma das questões que se levantam é: será que só a
manipulação do vocábulo que encerra o grupo prosódico é suficiente para a caracterização da fala
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gaúcha e da fala pernambucana? Observando o corpus analisado em 2000 – sem recorrer à
estatística – percebe-se que tais marcas, apesar de poderem estar no início, no meio ou no fim de
uma unidade entoacional, tendem a se localizar na posição final, ou seja, na fronteira da unidade,
às vezes marcada, dentre outros fatores, por pausa e/ou por mudança de direção da linha
melódica. Uma distribuição semelhante, confirmada estatisticamente, foi encontrada por Léon
(1983).
No entanto, os traçados da F0 que abarcam a unidade prosódica como um todo, mostram,
claramente, que não raro a linha melódica ou a feição prosódica própria de um falar se delineia
antes mesmo do vocábulo final, configurando-se como um fenômeno global. Um refinamento da
análise, em termos qualitativos engloba necessariamente reflexões e novas testagens sobre os
aspectos enfocados nas duas últimas questões que iniciam este texto.
Para a análise da fala pernambucana, por exemplo, julgamos importante refletir sobre a
localização do fenômeno, para aprimorar a síntese.
Poder-se-iam propor 3 hipóteses sobre a localização do fenômeno:
Variação intrafrasal
450
400
350
300
250
Hz
200
150
100
50
0
pois é o vi a do-é mui to in te re ssan te
Referências Bibliográficas
CHAFE, Wallace (1992). “Intonation units and proeminences in English natural discourse.” In:
Proceedings of the IRCS workshop on prosody in natural speech, 41-52. IRCS report no 92-
37. Philadelphia: Institute for Researche in Cognitive Science, University of Pennsylvania.
COUPER-KUHLEN, Elizabete (1986). “Funtions of intonation”. In: An Introduction to English
Prosody. Tübing, Max Niemeyer Verlag.
CUNHA, Cláudia de Souza (2000). "Entoação regional no português do Brasil". Tese de
Doutoramento em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, UFRJ.
FÓNAGY, I (1993). “As funções modais da entoação”. In: Cadernos de Estudos Lingüísticos 25.
Campinas, UNICAMP. pp 25-65.
LÉON, Pierre, CARTON, Fernand; ROSSI, Mario; AUTESSERRE, Denis (1983). Les accents des
Français (collection dirigée par Pierre Léon). Paris, Hachette.
SOSA, Juan Manuel (1999). La entonación del español. Tese de Doutoramento. Madrid, Catedra.
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Notas:
STACK:
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()
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(D:20060513021656)
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(PDFCreator Version 0.8.0)
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/CreationDate
((ClÆudia Cunha))
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