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VENCEDORAS por Antes de experimentarmos o que você levantou

OPÇÃO
na atividade anterior na prática, nós o
convidamos à leitura de um trecho do livro
de Jim Collins e Morten T. Hansen, chamado
Vencedoras por opção, que apresenta o relato
da viagem de Amundsen e Scott ao último
lugar da terra. Temos certeza de que você vai
embarcar nessa história junto a esses dois
exploradores. Acompanhe!
Em outubro de 1911, duas equipes de aventureiros finalizavam os
preparativos para duas expedições que tinham o mesmo objetivo:
ser o primeiro grupo humano da história moderna a chegar ao polo
Sul. Para uma das equipes, seria uma corrida para a vitória e um re-
torno seguro ao país natal. Para os membros da segunda, a derrota
seria devastadora. Eles chegaram ao polo Sul apenas para deparar
com as bandeiras fustigadas pelo vento da equipe rival, fincadas
34 dias antes. Logo em seguida, tiveram de lutar pela própria vida
– luta, aliás, que acabaram perdendo, com o avanço do inverno
sobre eles. Todos os cinco integrantes da segunda expedição ao
polo Sul pereceram por absoluta exaustão, com dores terríveis por
causa das gangrenas nos membros congelados e, finalmente, por
congelamento, como escreveram alguns em seu derradeiro diário,
ao lado de mensagens para os entes queridos.

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Temos aí uma dupla quase perfeita. Falemos dos líderes das expe-
dições: de um lado, Roald Amundsen, o vencedor; do outro, Robert
Falcon Scott, o perdedor. Os dois estavam na mesma faixa etária
(39 e 43 anos) e suas experiências eram comparáveis. Amundsen
tinha liderado a primeira travessia bem-sucedida da Passagem
Noroeste e juntou-se à primeira expedição para passar o inverno
na Antártida; Scott tinha liderado uma expedição ao polo Sul em
1902, atingindo os 82 graus de latitude sul. Amundsen e Scott
iniciaram as respectivas expedições ao polo Sul com poucos dias
de diferença. Ambos teriam de enfrentar uma viagem de mais
de 2,2 mil quilômetros, ida e volta (mais ou menos equivalente a
uma viagem ida e volta entre Chicago e Nova York), em condições
incertas e implacáveis. A temperatura poderia chegar facilmente
aos -30°C e piorar muito em função dos ventos catabáticos. Vale
lembrar que era o ano de 1911, portanto os viajantes não dispu-
nham de meios de comunicação modernos para se conectar com o
acampamento-base: não havia rádio, telefone celular, conexão via
satélite etc. Qualquer tipo de resgate no polo Sul seria altamente
improvável se algo desse errado. Um líder levou sua equipe à vitória
e à segurança. O outro conduziu seus homens à derrota e à morte.

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O que separava esses dois exploradores? Por que um deles alcançou um sucesso espetacular em
condições tão extremas, enquanto o outro não conseguiu nem sobreviver? São perguntas fascinantes,
que servem como analogia para nosso assunto como um todo. Aqui temos dois líderes, ambos em
busca de uma realização extrema em um ambiente extremo. Os líderes das organizações de nossa
pesquisa agiram de modo muito parecido com o de Amundsen, enquanto os líderes das organiza-
ções do grupo comparativo se comportaram de maneira muito semelhante à de Scott (Se quiser
saber mais sobre Amundesen e Scott, recomendamos começar com o excelente livro O último lugar
da terra, de Roland Huntford, um estudo bastante consistente e muito bem escrito, que traça um
paralelo entre esses dois homens).

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Quando tinha pouco menos de 30 anos, Amundsen precisava
ir da Noruega à Espanha para participar de uma viagem de
veleiro de dois meses e conquistar um diploma de mestrado.
O ano era 1899. Ele tinha 3 mil quilômetros a sua frente. E
qual o meio de transporte que escolheu para fazer esse
percurso? Foi de carruagem? A cavalo? De navio? De trem?
Nada disso: ele foi de bicicleta.
Depois, Amundsen decidiu passar pela experiência de comer
carne crua de golfinho, para avaliar sua utilidade como fonte
de energia. Afinal de contas, pensou, algum dia poderia
naufragar e se ver rodeado de golfinhos; não custava nada
saber se poderia comer a carne deles.

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Tudo isso fazia parte de uma preparação a que Amundsen se
submeteu durante anos para firmar as bases da sua expedição,
treinar seu organismo e aprender o máximo possível, por meio
da experiência prática, sobre o que realmente funcionava. Fez
até uma peregrinação para se tornar aprendiz de esquimó.
Quer melhor maneira de saber o que daria certo em condi-
ções polares do que passar algum tempo com as pessoas que
tinham centenas de anos de experiência acumulada no gelo,
no frio, na neve, no vento? Ele aprendeu como os esquimós
usavam cães para puxar os trenós. Observou que os esquimós
jamais tinham pressa; moviam-se devagar e de modo regular,
evitando o excesso de suor, que pode se converter em gelo em
temperaturas abaixo de zero. Adotou as roupas dos esquimós,
soltas no corpo (para ajudar o suor a evaporar) e protetoras.
Praticou sistematicamente os métodos dos esquimós e treinou
para todo tipo de situação concebível que pudesse encontrar
em sua rota rumo ao polo.

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A filosofia de Amundsen era a seguinte: não se espera até estar no meio
de uma tempestade imprevista para descobrir que é preciso ter mais
força e resistência. Ninguém espera até acontecer um naufrágio para
ver se consegue comer carne crua de golfinho. Não se espera até estar
numa expedição rumo à Antártida para se tornar um excelente esquiador
e adestrador de cães. A pessoa se prepara com intensidade o tempo in-
teiro para que, quando as circunstâncias estiverem contra ela, consiga se
abastecer em um reservatório de energia bem fundo. Da mesma forma,
nós nos preparamos de modo que, quando as circunstâncias estiverem
a nosso favor, possamos realizar grandes feitos.

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Robert Falcon Scott representa um grande contraste (Amundsen planejou matar alguns dos cães mais fra-
com Amundsen. Nos anos que levaram à corrida para cos pelo caminho, para alimentar os mais fortes). Scott
conquistar primeiro o polo Sul, ele poderia ter trei- escolheu pôneis e apostou em trenós motorizados,
nado como um maníaco com esquis cross-country e que ainda não haviam sido suficientemente testados
percorrido mil quilômetros de bicicleta, mas não o fez. nas condições extremas do polo Sul. De fato, os trenós
Poderia ter ido viver com os esquimós, mas não foi. motorizados quebraram logo nos primeiros dias, os
Poderia ter praticado com cães, para se sentir seguro pôneis se debilitaram muito cedo e a equipe se arrastou
no uso dos trenós, em vez de pôneis. Como os pôneis, na maior parte da jornada atrelada aos trenós, usando
ao contrário dos cães, suam no couro, acabam presos o método de “tração humana”: avançavam com difi-
em chapas de gelo quando amarrados, empacam e culdade em meio à neve, puxando os pesados trenós.
lutam na neve e, de modo geral, não comem carne

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Diferentemente de Scott, Amundsen dedicou-se cinco homens, e Scott, uma tonelada para 17.
a construir enormes depósitos para eventos im- Em sua reta final para o polo Sul a partir dos 82
previstos. Na hora de armazenar os suprimentos, graus, Amundsen carregou suprimentos ex-
não apenas marcou com uma bandeira o depósi- tras em quantidade suficiente para alimentar
to principal: cravou 20 flâmulas pretas (fáceis de a equipe, caso não encontrassem nenhum dos
enxergar em contraste com a brancura da neve) depósitos marcados, e ainda ter sobras para ga-
em pontos precisos nos dois lados, ao longo de rantir mais uns 150 quilômetros de caminhada.
vários quilômetros; ou seja, montou um alvo de Scott organizou tudo praticamente no limite do
mais de 10 quilômetros de largura, para o caso que tinha calculado; com isso, perder um único
de a equipe se desviar ligeiramente do curso na depósito de suprimentos seria um desastre. Um
hora de retornar, no meio de uma tempestade. detalhe, em especial, assinala bem a diferença
Para acelerar trechos de sua viagem de volta, entre as duas abordagens: Scott levou apenas
sinalizou o caminho com restos de caixa a cada um termômetro para um importante aparelho
meio quilômetro e com bandeiras negras presas de medição de altitude e explodiu em um “ata-
em bambus a cada 12. Scott, por sua vez, colocou que de cólera e afetação” quando ele quebrou;
uma única bandeira em seu depósito principal Amundsen levou quatro desses termômetros,
de suprimentos e não fixou marcos no caminho, de modo a prevenir acidentes.
o que deixava exposto a uma catástrofe se saísse
do curso um pouquinho que fosse. Amundsen
armazenou três toneladas de suprimentos para

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Amundsen não sabia com exatidão o que haveria pela frente. Em 5 de dezembro de 1911, sob o sol claro que brilhava
Não conhecia o tipo de solo, nem a altitude das passagens sobre a vasta planície branca, com um ligeiro vento cruzado
nas montanhas, nem todas as barreiras que encontraria. e uma temperatura de aproximadamente -10ºC, Amundsen
Poderia ter sido atingido, com seus colegas, por uma série chegou ao polo Sul. Com sua equipe, fincou ali a bandeira
de eventos desastrosos. No entanto, planejou toda a jornada da Noruega, que se “desfraldou com um forte assobio”, e
visando reduzir de modo sistemático o papel das forças dedicou o platô ao rei do seu país. Em seguida, todos reco-
gigantescas e das circunstâncias fortuitas, justamente por meçaram o trabalho. Ergueram uma tenda e nela amarraram
encarar a possibilidade de defrontar com elas. Partiu do uma carta ao rei norueguês, na qual relatavam o sucesso da
princípio de que eventos ruins poderiam se abater sobre missão. Amundsen endereçou o envelope ao Capitão Scott
sua equipe em algum ponto da jornada e se preparou para (presumindo que ele seria o próximo a chegar ao polo) como
eles, desenvolvendo planos de contingência para que seus medida de segurança, caso sua equipe sofresse alguma
companheiros pudessem avançar em segurança se algum adversidade e perecesse na viagem de volta. Ele não tinha
infortúnio o atingisse no caminho. Scott se viu despreparado como saber que Scott e sua equipe estavam puxando seus
e reclamou, em seu diário, de má sorte. “Nossa sorte em trenós no braço, a mais de 500 quilômetros atrás deles.
relação ao tempo é ridícula”, escreveu. Em outro registro,
disse: “Isso é muito mais que nossa cota de azar... Quão
imenso pode ser o elemento sorte!”.

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Mais de um mês depois, às 18h30 de 17 de janeiro de 1911, Scott se viu diante
da bandeira norueguesa fincada por Amundsen no polo sul. “Tivemos um dia
horrível”, escreveu em seu diário. “Acrescente-se a nossa decepção um vento
de 4 para 5, com uma temperatura de 35ºC negativos […] Meu Deus! Este lugar
é medonho e terrível demais para todo o trabalho que tivemos até alcançá-lo,
sem sermos premiados com a honra de chegar primeiro”. Naquele mesmo dia,
Amundsen já havia percorrido 800 quilômetros na direção norte; quando atingiu
seu depósito de suprimentos aos 82 graus, faltavam apenas 8 dias mais fáceis
de caminhada até o final da viagem. Scott deu meia volta e também seguiu para
o norte. Percorreu mais de mil quilômetros com a equipe puxando trenós a pé,
justamente na mudança de estação. O tempo piorou, com ventos cada vez mais
fortes e temperaturas cada vez mais baixas, enquanto os suprimentos minguavam
e os homens lutavam em meio à neve.
Amundsen e sua equipe chegaram à base em boas condições de saúde em 25
de janeiro – a data exata que ele havia anotado em seu plano. Sem suprimentos,
Scott desistiu em meados de março, exausto e deprimido. Oito meses mais tarde,
um grupo de reconhecimento britânico encontrou os corpos congelados de Scott
e dois de seus companheiros em uma barraca pequena e frágil, coberta de neve,
a apenas 15 quilômetros de seu depósito de suprimentos.

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E aí? Gostou? Temos certeza de que você “sen- Sim, essa foi e é a visão de futuro que ajudou
tiu” um pouquinho dessa experiência. empresas, como a Shell na crise do petróleo,
A experiência de Amundsen e Scott ao último em 1970, a se restabelecer rapidamente.
lugar da terra nos mostra uma grande dife- Quando seus gestores tinham plano e não
rença entre as estratégias adotadas por eles. plano. É essa memória de futuro que hoje é
Podemos chamá-las de plano e não plano. traduzida por meio de possibilidades e estraté-
gias que auxiliam as empresas a organizarem
Os dois tinham um plano.
seus planejamentos estratégicos. Não mais
Qual a diferença entre o não plano dos no- a longo prazo, mas, revistos e renovados em
ruegueses para o plano dos ingleses? curtos espaços de tempo, visto que em nosso
O que seria um “não plano”? As possibilidades. cenário atual, longos planejamentos já não
Uma memória de futuro. Ex.: “e se não der exercem mais um efeito assertivo, afinal es-
certo? E se isso não funcionar? E se a gente tamos em um mundo VUCA.
precisar disso?” E você? Tem pensado em plano e não plano?
Eles experimentaram as possibilidades da Tem exercitado memória de futuro em sua
incerteza antes de conhecer ou experienciar atuação?
a realidade.

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