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AMIGUES DA PEREIRA

3ª proposta de roteiro

Indicações gerais:

 A PEREIRA É A PROTAGONISTA DESTA HISTÓRIA. A Pereira é um microcosmo do que


pretendemos apresentar sobre o subúrbio, uma célula que traz símbolos desse universo enorme que estamos
recortando. As pequenas histórias que trazemos falam desse microcosmo. Por isso precisamos ser cuidadosos
com o individualizar: mesmo o “eu” representa o “nós/eles”. As histórias pessoais interessam quando
mostram um universo maior que nós.

 CONSCIÊNCIA SOBRE O TERRITÓRIO PEREIRA: Todxs precisam estar engajadxs na relação


com esse território comum, desde visualizar juntxs como é o espaço, onde estão os elementos presentes nele,
até o desenvolvimento de algum afeto sobre ele. O que une todxs é a relação com o espaço e as memórias
sobre ele. O público precisa, ao final de peça, ter estabelecido também alguma relação com a Pereira e
conseguir vizualizar esse território que descrevemos.

Roteiro:

1 – Recepção do público: cheguem mais, aqui todo mundo é da Pereira


Franco recebe as pessoas na plataforma enquanto elas vão entrando. Cria um clima de intimidade,
saudosismo, lembranças inventadas, interesse pela vida das pessoas.
Os nomes usados abaixo são fictícios e devem ser substituídos pelos nomes do público. Da mesma forma, as
interações são apenas exemplos de possíveis diálogos que podem ser traçados.

FRANCO – Nossa, quanta gente chegando. Fala, Cleide. Fala, José. Fala, Gabi, Bia, Fabrício. Que bom
vocês por aqui. Boa noite pra todo mundo. E aí, Flávia, há quanto tempo. Só assim mesmo pra gente se
encontrar. Guilherme, dona Júlia, seu Alfredo, até a dona Fátima tá aí. Meu coração chega aperta. Eu tava
muito receoso de marcar esse encontro, porque assim no online não é a mesma coisa, né. Fiquei com medo de
geral furar. Mas acho que o horário foi bom também, deu tempo de geral chegar do trampo, já deu até pra
tomar aquele banho e abrir uma cerveja. Né não? Trouxeram cerveja? Fala, João. Pô, que bom receber você
aqui, eu achei que tu não vinha, sabia? Tu sempre arruma uma desculpa pra não ir nas coisas. Pedro também,
cara, que bom te ver. Tu tá morando onde? Em qual bairro? Nossa, tá bem de vida, heim. Ó, quem trouxe
cerveja fica à vontade. Abre essa câmera aí pra gente fazer um brinde. Fala, Gustavo, pode ir chegando. Não
vem dar de tímido agora não. Abre essa câmera. Deixa eu fazer um acordo com vocês: todo mundo que está
aqui agora conhece a Pereira, a rua Pereira, pô. A gente cresceu junto e pra quem cresceu na Pereira não tem
esse lance de vergonha não, a gente gosta é de mostrar a cara. A Pereira tá se modernizando, rua Pereira da
Nóbrega online agora. Tem gente que diz que encontro online não tá com nada, mas pra gente o que importa
é celebrar. Então pega qualquer coisa aí de beber, quem quiser comer também, fica à vontade. Aí é só abrir a
câmera pra gente trocar uma ideia, matar a saudade. Aliás, eu vi que o Andrezinho chegou ali, tava
lembrando, Andrezinho, de quando o time da Pereira foi bater uma pelada com os moleques lá do Portão
Vermelho. Pereira futebol clube não só ganhou como agente celebrou tanto que os moleques ficaram putos e
vieram dá porrada na gente. Nunca que a gente correu tanto na vida. Pulamos o muro da Dona Cátia pra se
esconder. Dona Cátia sempre de bom coração. Ainda deu um guaraná pra gente. Pô quem aí nunca teve que
fugir de uma confusão na rua? Pô… ainda mais por conta de pelada… quem aí jogava pelada na rua? Fala aí
pra eu ver que aqui é da Pereira mesmo.

Rodrigo entra e estimula a memória sensorial do público.


RODRIGO - Vocês lembram o cheiro da infância de vocês? Fecha o olho e tentar lembrar. Nossa, que
gatilho, Franco. Sabe o que eu lembrei? O cheiro de terra do campinho de futebol, ficava um lamaçal ali
quando chovia, mas a gente jogava bola assim mesmo. Aí geral com cheiro de cachorro molhado. A gente
voltava pra casa e a Márcia tava fazendo as empadinhas pra vender, aí a gente ficava aguando o cheiro das
empadas. Um bando de moleque no portão dela com cara de pidão tentando filar empada, ô cheiro bom.

FRANCO - Já sei… vamos fazer um jogo. Eu pergunto, vocês respondem. Quem tiver com bebida aí, vamos
fazer um brinde pra quem der cada resposta “sim”. Por exemplo: quem aí brincou na rua quando criança?
Não tô falando de play não, heim, gente. É rua mesmo. Quem brincou brinda aqui comigo. Quem estiver
tímido, pode escrever “eu” no chat e quem for sem vergonha fala na cara e a gente brinda. Quem é que soltou
pipa na rua? Na laje também serve. Brinda comigo. Ó… essa é boa: quem é que correu atrás de doce de
Cosme e Damião? Com mochila nas costas e tudo, pra caber mais doce?

Franco vai fazendo várias perguntas, sentindo o clima do público, sempre estimulando as pessoas à
intimidade. Com o tempo Rodrigo entra nas perguntas também e vai complementando o Franco ou se
revezando com ele. As perguntas giram em torno da temática da infância nas ruas do subúrbio, para
aproximar o público, até chegar em perguntas sobre Marechal, e depois a Pereira. As perguntas iniciais são
mais amplas até chegarem a perguntas específicas sobre a Pereira.
Sugestões de perguntas:
• Quem já brincou de carniça na rua? E queimada?
• Quem já foi na festa de rua do bairro? E festa de igreja?
• Quem já curtiu carnaval de rua? Não vale do centro e da zona Sul não. Quero saber carnaval no
subúrbio, em Madureira, Ramos, Bangu.
• Quem já assistiu desfile de bate-bola? Quem já desfilou de bate-bola? E quem já fugiu com medo do
bate-bola?
• Quem aí já foi em Marechal Hermes, bairro com a estação de trem mais bonita do subúrbio do Rio?
• Quem já comeu a batata da estação de Marechal?
• Quem já fez promessa pra São Jorge? E foi em festa de São Jorge? Mas quem já foi na festa de São
Jorge na Pereira? Lá onde tem a estátua gente, na esquina com a rua Marina… não?
• Quem aqui conhece a Pereira, a melhor rua de Marechal?
• Agora é que eu quero ver… quem aqui é da Pereira?

Interage com as respostas do público, brinca que chamou as pessoas nesse encontro porque aqui geral é da
Pereira, quem não é passa a ser.

2 – Prólogo: oração pra quem é do corre, pra quem é da rua, pra quem leva a vida e se deixa levar.
Rodrigo pede licença, está muito feliz com a presença de todos ali e com as memórias de infância…

RODRIGO – Vocês lembram dos cheiros da infância de vocês? Pode fechar o olho e lembrar mesmo. Quem
quiser fechar a câmera também… pra ficar mais à vontade nas memórias… tem dois cheiros que desde a
infância me aceleram o coração: cheiro de rua e cheiro de comida. Quando eu era criança eu já queria ser
cozinheiro. E na Pereira sempre teve muito empresário e empresária do ramo alimentício: Marcia da empada,
o podrão do Oliveira, as quentinhas da Rita. Hoje, toda vez que eu vou pro corre pela cidade parece que cada
caminho tem um cheiro que me guia.

Pausa. Rodrigo se concentra pra começar a oração.


RODRIGO - Laroyê exu, mojubá papai
quando exu caminha, alguma coisa ele vai fazer…
Exu tiriri, Dona Rosa Caveira das sete catacumbas, isso aqui não é uma cena, é um encontro, um desejo que
compartilho com meus amigos e uma oração que faço por mim e por eles.
Exu rei, senhor de todos os caminhos, peço que saia do seu reino e venha me ver
Me traga força para aguentar esses dias duros. Que eu consiga convencer meu corpo a continuar nos dias de
fadiga profunda. Exu, senhor, rei da encruzilhada peço força e saúde para mim e pros meus porque a justeza
do mundo a gente já não tem. Que todos os dias, ao chegar em casa, eu possa descansar com calma, mesmo
sabendo que não tô vivendo o justo, mas que eu esteja vivendo com saúde. Peço que todos continuem firmes
e que o mal não nos veja porque a gente quer viver. Seja por deboche ou teimosia, a gente quer viver e
caminhar, caminhar e caminhar, porque a vida talvez seja sobre ir. E assim a gente vai, com pouca intenção,
mas com muita intensidade. Senhor, te digo, do fundo do meu espírito. Se eles são espada de são Jorge nós
somos comigo ninguém pode. Minha força é água de cachoeira, ninguém amarra. Laroye.

Para cada fala abaixo, Mari, Andréa e Franco respondem salve:

Salve cabocla jurema


Salve caboclo rompe mato
Salve ogum sete espadas
Salve nanã burukê
Salve iemanjá
Orá Aieiê mamãe oxum
Caô cabecile meu pai xangô
Salve as ibeijada
Eparrey mamãe
salve dona sete saia
salve maria padilha das 7 encruzilhadas
salve dona rosa caveira
salve exu mangueira
exu arranca toco
seu caveira
salve meu exu tranca rua das almas
exuuueeeeeee

Rodrigo canta uma música, volta a imagem para a janela e mostra a paisagem.

3 – Dois amigos, afeto e memória: o corpo encantado da Pereira


A partir da imagem da janela e da música que Rodrigo estiver cantando, Franco relembra a Pereira. Esse é
o primeiro momento de descrição concreta da Pereira, então é importante que seja uma descrição mais
objetiva, pois é a primeira visualização para o público.

FRANCO - Nossa, como as kinets da Juliana cresceram. Olhando daqui a gente tem mais noção. Olha a
altura daquele prédio.

RODRIGO - As kitnets são o centro da rua.

FRANCO - A Pereira tem duas quadras. (Começa a descrever objetivamente o que tem em cada quadra, o
que tem do lado direito e do lado esquerdo das kitnets).
MARI (interrompendo) - Franco, a Pereira tem três quadra, não duas.

FRANCO - Ah, mas a terceira é onde tem aquelas casas de bacana, que parecem que nem são da Pereira. O
fulano (cita alguém do público) morava lá. Tu vê, é outra postura, pinta de bacana mesmo.

Mari, Franco e Rodrigo descrevem a geografia da Pereira, lembrando sempre da objetividade. O mais
importante neste momento é o público visualizar essa rua.

A partir de alguma imagem que surgir, chegam ao jogo do samba. Algo na descrição faz lembrar uma
música da época, um samba.

FRANCO – Vou lançar um desafio pra vocês. Eu puxo um samba das antigas, daqueles lá do bar do Josil. Aí
quero ver quem sabe continuar. Quem perder paga a rodada de cerveja quando a gente se encontrar
pessoalmente.

RODRIGO - Pô, já é.

MARI - Ih, tô na desvantagem, mas vamos lá.

Franco puxa uma música e o jogo se desenvolve. Todos podem participar. Franco estimula o público a
participar também. Não precisa pedir às pessoas pra abrir a câmera, apenas o microfone pra cantar. Andréa
pode participar também, apenas com o microfone aberto.

4 – Sonho e infância nas ruas do subúrbio


A proposta de sonho abaixo pode ser modificada pela Andréa. Vamos partir desta proposta como exercício
hoje, mas podem ser incluídos outros elementos. Lembrando que o sonho precisa: ser curto, descritivo, ter
como foco a Pereira, mostrar elementos da rua já citados e descrever a riqueza do Rodrigo.

ANDRÉA (interrompendo, mas ainda sem abrir a câmera) - Gente, eu tive um sonho. (Todos fecham a
câmera). Sonhei que estávamos brincando na Pereira. A rua era de terra ainda, tinha muita casa de muro
baixo que a gente pulava, tipo a rua da cidade onde eu morei antes de ir pra Marechal. A gente corria e subia
aquela poeirada. Estávamos brincando de pique-esconde e tava com a Gisele (alguém do público). Gisele,
você pode contar até cinco e no final você diz “lá vou eu”. (Quando Gisele diz lá vou eu, Andréa abre a
câmera). Quando eu ia bater um, dois, três, salve todos, eu via que o prédio das kitnets da Juliana tinha
virado um shopping, enorme, todo iluminado, com letreiro e tudo. Aí o Rodriguinho passava na porta, no mó
carrão vermelho e luxuoso, e falava: “entra aí, minha patroa. Hoje vou te levar pra dar um rolê.” O Rodrigo
tinha ganhado na loteria, ficado rico, igual ele dizia quando era criança.

MARI - Quando ele era criança ele não contava com a loteria não, dizia que ia ficar rico de trabalhar, que ia
ser cozinheiro e depois do dono de restaurante e do barracão da Unidos da Pereira.

Mari compartilha a foto de carnaval. É como se a foto se misturasse ao sonho da Andréa.

MARI - E ainda prometeu que quando fosse rico ia bancar fantasia de carnaval pra todo mundo.

FRANCO - Ele falava isso pra ninguém ter coragem de zoar a fantasia dele. Olha ali, coitado.
Todos descrevem a foto, falando dos acontecimentos de um dia específico de carnaval. Foco descritivo sobre
os participantes da foto, depois falam do carnaval na Pereira, a criançada pela rua. Andréa intercala a
descrição da foto com elementos do seu sonho, como se desse continuidade ao seu sonho, mas sem
identificar o que faz parte do sonho e o que realmente aconteceu. (Vamos tentar isso como exercício hoje).

Em algum momento alguém puxa uma música de bate-bola.

5 – Revivendo o carnaval da rua

FRANCO – Meu sonho sempre foi ter uma fantasia de bate-bola.

Descreve a saída dos bate-bolas na Pereira, os fogos, o portão se abrindo e os bate-bolas correndo. A
criançada encantada.
Imagens e sons que remetem às lembranças de bate-bola. Pesquisar e organizar as imagens dos ensaios
anteriores (bate-bola na TV, Mari vestindo a roupa, máscara de bate-bola) e as trazidas pela Mari no último
ensaio.

MARI - Franco, olha que curioso, eu já me vesti de bate-bola. Você lembra?” (mostra foto real da fantasia).

FRANCO (rindo) - Pô, sua fantasia é feia pra caralho. (Volta a balançar sua bandeira mais empolgado).

RODRIGO (interrompendo) - Vocês sabem que ônibus eu pego pro centro?

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