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Cena vazia. Os personagens é que, por vezes, segundo a necessidade de cada situação,
trazem e levam cadeiras, mesinhas, colchões, que são indicações sintéticas de múltiplos
ambientes. Cenários simples, muitas vezes levando a plateia a imaginação. Peça com
um casal. No texto está retratado com duas mulheres, mas a peça já foi feita também
com dois homens e a versão de esquete é com um casal hetero, portanto ficando a
critério da produção. Escolhidos os nomes Dani e Rafa por servirem para os dois
gêneros. Palco vazio. Rafa entra)
RAFA (Olhando para baixo) – Coragem Rafa, coragem, nem é tão alto assim.
RAFA – Pensando bem é alto pra cacete, será que vai doer?
RAFA – Pior, do jeito que eu sou azarada pulo, não morro e fico tetraplégica. Merda,
nem pra suicídio eu sirvo.
RAFA – Oi?
DANI – A senhora veio se matar não foi? Então, eu queria saber se vai demorar.
DANI – Olhe minha senhora, dessa altura aqui garanto que não vai sobreviver.
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RAFA – Tem certeza?
RAFA – Sei lá, eu nunca fui boa com esses cálculos, sofria com matemática no colégio.
RAFA (estendendo a mão) – Rafaela, mas tem gente que me chama de Rafa, então tanto
faz se chamarem Rafaela ou Rafa eu atendo.
DANI – Chamar “Tanto faz” fica meio complicado. Imagina, eu estou andando na rua,
te vejo e faço o que? Grito “Tanto faz”??
DANI – Se sou maluco ou não eu não sei, mas para esse momento que estamos tanto
faz.
(Dani ri)
(Apertam as mãos e as luzes se apagam. Luz acende com Rafa sentada em um canto,
sonoplastia toca “Clair de lune”)
RAFA (Para o público) – O meu nome é Rafaela Caldeira, mas todo mundo sempre me
chamou de Rafa, Rafinha, Rafucha, ok, Rafucha eu nunca gostei. Uma pessoa livre que
sempre buscou o amor, em bocas, mãos, sorrisos e gozos que nem sempre mereceram
meu afeto. Procurei em várias pessoas, relações e encontrei. Eu tinha uma relação
perfeita (Levanta e começa a andar), aquelas de comercial de margarina. A gente se
ouvia muito, mesmos objetivos de vida, como eu disse, comercial de margarina, receita
de bolo, não tem como dar errado. Só que depois de algum tempo de algum tempo
vieram problemas, perguntas “Rafaela, por que você ri tão alto? Rafaela, você precisa
mesmo tomar seu chopp toda sexta-feira?”, “Por que você emite tanto opiniões sobre as
pessoas?”, e eu ficava me perguntando se estava errada por ser eu mesma. Eu sempre
fui muito carente e a carência me fez tomar as piores decisões na vida. Eu ficava igual a
uma criança tentando agradar ao pai tirando 10 na escola, mas não adiantava..Eu nunca
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era alvo de reconhecimento, elogio. Eu me olhava no espelho todas as manhãs e não me
reconhecia. Aquela pessoa não era eu, não podia ser eu, eu tentava juntar os pedaços do
meu rosto e a verdade, a mais pura verdade nisso tudo é que devido a essa minha crise
de autoestima eu morria de medo que ela me deixasse e por causa disso fui me
afastando de mim mesma me sentindo sufocada, sufocada..me anulando, organizando
todos os compromissos dela vivendo para ela porque eu mesma não tinha compromisso
com nada, me sentindo cada vez mais sufocada e ela se afastando a cada dia de mim.
Era como uma arma na cabeça, tipo roleta russa prestes a disparar. Até que..até que hoje
acordei, passei o dia pensativa, arrumando uma forma de acabar com essa dor e decidi
que acabaria com o que está acabando comigo e vim parar aqui..Na Ponte.
(Luz apaga e acende com Rafa e Dani nas posições que estavam anteriormente)
DANI – Ok, mas enquanto decide como irá pular poderia me dar a vez então?
RAFA – Como?
DANI – É que eu também quero me matar, você não foi a única pessoa a ter essa ideia
hoje.
RAFA – Mas o que é isso? Liquidação da morte na ponte? Ta com desconto aqui? Todo
mundo da cidade teve a mesma ideia e virá pra cá? Ainda bem que isso não foi na época
do coronavírus porque em vez de suicidas seríamos presos por fazer aglomeração.
DANI – Ah, não soube? Terá aglomeração não, existe um grupo no zap chamado
“Suicidas da Ponte”, é tipo um consórcio e hoje é meu dia, amanhã é de uma mulher
que foi largada pelo marido que fugiu com um caminhoneiro, você está furando fila na
verdade.
RAFA – Na hora de morrer não sei se estão falando sério comigo ou me zoando.
RAFA – E a do grupo do zap não foi né? Me desculpe, mas não entendo sua pressa, se
vai morrer tem pressa pra que? Só se marcou com alguém do outro lado da vida.
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DANI – Não acredito em outro lado da vida, sou ateu..
RAFA – Sério?
DANI – Seríssimo.
DANI – Não parei pra pensar nisso, mas acho que sim.
RAFA – Castigo?
DANI – O suicida sofre segundo as religiões, vão para o umbral e recebem castigos
terríveis.
RAFA – É?
DANI – Sim, li em um livro que uma pessoa assim como você pulou do alto de um
prédio e passou toda a existência com a sensação que ainda estava caindo.
DANI – Dá no mesmo. Gente que estava doente continua doente, nada muda e ficam
nas trevas, na escuridão, no umbral.
RAFA – Nossa.
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DANI – Eu tinha dez anos e sabia exatamente o que queria da minha vida. Eu peguei
todos os meus sonhos, enfiei em uma caixa no terreno e prometi a mim mesmo que eu
só iria desenterrar no dia da minha formatura do colégio, só que o tempo passou e eu
deixei pra lá porque nem mesmo sabia quais eram os meus sonhos. Talvez eu tenha
descoberto que a vida real é um pouco diferente dos sonhos quando ouvi a porta de casa
bater, vi da janela de meu quarto minha mãe saindo e ao descer encontrei meu pai
olhando para aquela porta e olhando fixamente aquela porta disse “Ela nunca nos quis”.
Ele respirou fundo, se virou e perguntou se eu queria macarronada no jantar. Depois
daquele dia nunca mais quis comer macarrão, e olha que era minha comida favorita.
Alguém sabe o que é crescer sem a mãe do lado? Um menino preto crescer sem a mãe
do lado? Na hora do primeiro ataque racista? Das primeiras risadas por causa do meu
nariz ou cabelo? Do primeiro amor? Não é pai que dá colo nessa hora, é mãe. Me tornei
algo completamente diferente daquele menino cheio de sonhos. O racismo e o
preconceito abriram em mim uma ferida profunda, inesgotável que não me fazia
sangrar, mas sabia doer. A dor de atravessarem a rua ao te ver por medo, a dor de ser a
única pessoa revistada em um ponto de ônibus, a dor de viver em um país hipócrita que
diz não existir racismo, mas quando pede pelo fim da maioridade penal faz isso
pensando no moleque preto batendo carteira na Central do Brasil, não no playboyzinho
branco que bate em travestis depois que sai de boate com os amigos. Mas mesmo com
tantos traumas e dores tive momentos felizes, me lembro muito bem de um desses,
lembro daquele dia, me lembro muito bem daquela menina, eu estava em uma cafeteria
tomando café e ela entrou por aquela porta e foi inevitável não olhar para ela. Calça
jeans justinha, top preto mostrando bem as suas formas, linda e o sorriso dela iluminou
a minha vida e me fez pela primeira vez querer que aquele vídeo cassete fosse para
frente em vez de para trás porque eu tinha certeza que meu futuro seria com ela. Sim, eu
sou um homem intenso, apaixonado. Quando ela parou do meu lado eu fiquei tão
nervoso que eu perguntei se ela gostava de pão com vinagrete. Pois é, quem não faz
uma pergunta idiota quando está nervoso, mas acho que ajudou porque ela gostou do
meu jeito, minha forma estranha de falar. Ela puxou assunto comigo e ficamos
conversando por horas, horas e naquela tarde tudo fez sentido. Uma vida sem graça,
uma vida sem cor ganhou o seu dia mais feliz. Os dias seguintes com ela, todos os
seguintes foram. A gente lutou contra tudo e contra todos, contra o racismo da família
dela, nada me importava, ela me importava, apenas ela, mas acabou. A gente tinha
quatro anos de relacionamento quando as coisas começaram a ficar estranhas. Uma
sexta de manhã eu acordei e decidi tirar o dia para mim, mas tirando o dia pra mim e
pensando nela porque toda minha vida era em torno dela, para ela até que..(se
emociona)..até que..até que aconteceu aquilo que me fez parar de respirar e que me fez
querer parar aqui. Em cima dessa ponte!!
(Luz acende novamente com Dani e Rafa nas posições que estavam anteriormente)
DANI – Baggesteiro.
RAFA – Sim senhor Daniel Baggesteiro. Já que está com tanta pressa pode se adiantar
em seu suicídio que eu vou ali ao canto pensar rapidinho.
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(Rafa se afasta e Dani se aproxima da frente do palco)
RAFA (Falando sozinha em um canto enquanto a Dani se alonga para pular) – Cacete,
será que é verdade? Que suicida se fode?
RAFA – Que merda, além de ter risco de ficar paraplégica ou bater com a cabeça em
estado vegetativo ainda posso ser punida por ser suicida.
RAFA – Oi?
DANI – Será que a senhora podia divagar um pouco mais baixo? Está atrapalhando
minha concentração.
RAFA (se aproxima) – Perdão, mas precisa de concentração? Não basta pular?
RAFA – Ritual?
RAFA – Desculpe, vai ver por isso não consegui, não pratiquei o ritual.
DANI – Acredito que a gente se concentre pra fazer um flashback da vida saca?
DANI – Dizem que na hora da morte nossa vida toda passa pelos olhos. Então, eu farei
uma retrospectiva antes de pular.
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RAFA – Porque fará uma retrospectiva de sua vida se é ela que vai te fazer pular?
DANI – Correto.
RAFA – Se quer pular pra se livrar de algo que é ruim porque vai lembrar?
RAFA – Eu não quero lembrar, quero esquecer, por isso vou pular.
(Os dois ficam um pouco em silêncio. Dani volta ao seu alongamento meio louco, Rafa
lhe imita atrás, ele para, olha para trás e Rafa para quando ela olha. Faz novamente o
alongamento e Rafa lhe imita, olha para trás e Rafa para. Faz pela terceira vez com Rafa
imitando até que ele vira para trás irritada)
RAFA – Sim?
DANI – Decidi que não vou mais me concentrar, mas queria ter um pouco de
privacidade nesse momento que vou me matar, poderia?
RAFA (andando de um lado para o outro e falando sozinha enquanto novamente Dani
se alonga) – Não quero me concentrar, lembrar da minha vida, pra quê isso? Se ela que
me faz sofrer?
RAFA – Será que do outro lado vou lembrar-me de tudo que me fez sofrer? Não, não
pode, pra quê vou me matar então?
RAFA – Sim?
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RAFA – Perdão, ficarei em silêncio.
DANI – Será que Deus não existe mesmo? Que quando eu pular daqui acaba tudo?
Entro em off como uma televisão que sai do ar?
DANI – Mas como terei perdão sobre algo que nem fiz ainda?
RAFA – Oi?
DANI (levantando e empurrando Rafa até a beira do palco) – Pula você primeiro, perdi
a pressa.
RAFA – Obrigada.
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RAFA – Mas isso é alto mesmo.
RAFA – E se eu sobreviver?
RAFA – Obrigada.
DANI (Em um canto) – Que Deus me perdoe, por nunca ter acreditado nele e me matar.
RAFA – Oi?
RAFA – Sério?
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DANI – Sim, tipo, é uma hora da manhã, são duas horas da manhã.
RAFA – Obrigada.
RAFA – Como?
DANI – Vai dar maior trabalhão, capaz de ser enterrada como indigente.
RAFA – É verdade.
RAFA – Espera! Não! Não vou em casa pegar RG pra me matar, isso é ridículo.
RAFA – Por que tentou me afastar daqui? Quer morrer sozinho? Egoísta.
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RAFA – Como?
DANI – Eu quero me matar, mas to com medo, ia esperar você ir, voltar e até lá
arrumaria coragem.
DANI – É?
RAFA – Nunca entendi o nome dessa ponte ser “Ponte da felicidade” e ter índice de
suicídio tão alto nela.
DANI – Sabe que essa ponte deu trabalho pra ser feita né? Dois anos de construção,
dizem que alguns operários morreram na feitura e nem deu para resgatar seus corpos,
estão aí enterrados no concreto.
RAFA – Ah sim, pelo menos não seremos concretados. Você sabe bastante da ponte
hein? Devia ser boa de história na escola.
DANI – Wikipédia.
RAFA – Como?
DANI – Minha psiquiatra disse que ler Wikipédia fazia bem, ocupava nossa mente.
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RAFA – Se fosse boa não estaria aqui se matando.
RAFA – Não acha estranho ter tantos suicídios e a imprensa nunca divulgar pra não
estimular que outros façam o mesmo?
DANI – Mas estimula sim, igual quando invadem escolas e matam professores e alunos,
ações assim acabam desencadeando outras.
RAFA – Sei lá, acho que no caso do suicídio não é a verdade que mata, é a falsidade.
RAFA – A falsidade da vida perfeita. Você entra em redes sociais e só encontra pessoas
felizes e perfeitas, aí se olha no espelho e vê que você não é assim, você nunca será
como aquelas pessoas dos stories, as baladeiras, apaixonadas e que comem, se vestem e
viajam graças a parcerias.
DANI – Mas você sabe que aquilo tudo é falsidade né? Rede social é a vida editada. É a
realidade com filtro. Ninguém posta em rede social que tá com diarreia. Eu mesmo já
postei várias vezes selfies com roupas novas, mas nunca postei que no shopping que
comprei essas roupas o segurança me seguiu um tempo achando que eu tivesse roubado
a roupa e me pediu nota fiscal dela.
RAFA – Então a mídia estimula o suicídio e depois não quer que saibam que ele
aconteceu?
DANI – É como foi na pandemia, primeiro minimiza, só depois que pega a covid que
bota a máscara.
RAFA – Ainda teve pandemia..Motivos para se matar não faltam nunca, seja na internet
iu na vida real.
RAFA – Espera.
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RAFA – Sim, são meu tesouro.
DANI – Não, era meu sonho, mas não tivemos, é uma longa história.
RAFA – Quem sabe se nos encontramos do outro lado você não me conta?
DANI – Pois é, quem sabe? Mas vai se matar mesmo tendo filhos?
RAFA – Estão com meu ex, o pai, estão bem melhores com ele que comigo.
DANI – Espera.
RAFA – Coração despedaçado, mas não por ele, por outra pessoa.
RAFA – Me separei dele e me apaixonei de novo, dessa vez por uma mulher. Eu amava
essa minha ex, achava que tínhamos uma relação perfeita, até que um dia desabou um
motel no centro da cidade e todos morreram. Qual não foi minha surpresa que ela estava
no motel, foi uma das vítimas, estava com uma funcionária.
RAFA – Sim, perdi a mulher, a pessoa da minha vida e pior, essa desgraçada me traiu,
ela era tudo pra mim e eu vivia por ela, me traiu de uma forma vil, rasteira e eu nem
pude xingá-la, nem pude me despedir.
DANI – Minha mulher era a funcionária dela, que estava com ele no motel.
DANI – Sim.
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RAFA – Filhas da puta!
DANI – Você ia se matar por causa dela? Desce dessa ponte que esse babaca nunca te
mereceu!!
DANI – Devíamos montar um circo, faríamos mais sucesso que o Orlando Orfei!!
DANI – Meu Deus, eu não consigo acreditar, como é que pode? Nós fomos enganados!!
Tem Procon pra chifre??
RAFA – Fazendo tudo por ela e ela dando uns pegas na sua mulher, com todo respeito.
RAFA – Nada!! Sou trouxa!! Palhaça!! Palhaça!! Palhaça e palhaça!! Quatro vezes
palhaça. Se o Galvão Bueno me visse gritaria “É tetra!! É tetra!!”.
DANI – Incrível.
RAFA – Se eu pudesse abria o túmulo e arrancava os dentes dela, um por um porque ela
adorava aqueles dentes, eram bonitos mesmo, ela era toda bonita, gostosa, tinha uma
bundinha e..
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RAFA – Por que acha tão difícil? Quer que eu grite aqui pra todo mundo ouvir?
Trouxa!! Trouxa!! Fui chifrada!!
RAFA (Rindo tímida) – Fiquei tímida agora (mexe no cabelo) quando fico tímida me dá
um tique nervoso, fico mexendo no cabelo.
RAFA – Quando fico nervosa fico me movimentando igual uma gazela nervosa.
DANI – Ia ficar engraçado você como uma gazela nervosa tentando nadar sem saber.
RAFA – Ta dizendo que seria engraçado eu morrer afogada? Acho que eu iria achar
engraçado não.
DANI – Não, não é isso..tá frio né? A gente ainda iria cair nessa água gelada, ai que
nervoso.
RAFA – É, é isso..
DANI – É isso..
DANI – Sabe que eu reparei numa coisa? Você primeiro falou em ex pai dos seus filhos
e agora falou em ex como mulher, você é hétero ou gay?
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MÁRCIA – Eu sou livre..
DANI – Livre de verdade ou a liberdade que a Princesa Isabel nos prometeu e até agora
não chegou?
MÁRCIA – Eu sou bissexual, o tipo de pessoa que costumam dizer que tem o dobro de
chance de encontrar alguém legal na Lapa sábado a noite. Que os héteros e os gays
falam que são covardes por não se assumirem, mas eu me assumo sim, eu gosto de
gente, pessoas me atraem com suas virtudes, fraquezas, cheiros, sorrisos e sexo.
DANI – Gosto do seu humor, também sou assim. Esse lance de preconceito acabou
aguçando meu humor, senso de ironia, às vezes funciona bem como autodefesa.
DANI – Bota curiosa nisso. Encontrar a mulher que foi traída pela mulher com a minha
mulher sendo que eu nem sabia que a minha mulher gostava de mulher até o prédio cair.
RAFA – Poderíamos ganhar dinheiro com isso em vez de gastar com terapia.
RAFA – Se dependesse da sua terapeuta você estaria no fundo da água agora perto dos
operários concretados.
RAFA – Não me conformo com esse nome, Felicidade, estava mais pra Ponte Bolsona..
DANI – Por isso estava pensando. Ta frio aqui, daqui a pouco esta ponte estará cheia de
curiosos e tem uma cafeteria perto daqui com café ótimo.
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RAFA (Falando sem falar) – Sempre vou lá, pelo menos todas as terças feiras,
geralmente terça por que de tarde eu faço pilates ali no prédio do sex shop e eu adoro o
mocha branco de lá.
RAFA (Desembestando a falar) – É, com chocolate branco. Todo mundo fala que é
doce, eu nunca achei, falam também que chocolate branco não é chocolate, eu não
concordo, se chamam de chocolate é chocolate, não é? E eu adoro com pão quente,
quentinho e com manteiga derretendo, dizem que faz mais mal que margarina, mas o
gosto da manteiga é maravilhoso. Suave, escorrega pela boca e juntando com a sensação
do café..
DANI – É, beijei.
RAFA – E como você faria gritar? Ih, eu acho que entendi, deu até um calor..Mas gostei
viu? Do beijo, sua boca é grande.
RAFA – Se rolar beijo de novo é uma possibilidade, mas a verdade é que falo muito
mesmo, sou tagarela.
DANI – No que?
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RAFA – Com um cachorro.
DANI – Como?
DANI – Um poodle?
DANI – Já me chamaram de muitas coisas, até de outros animais, mas de poodle nunca
e acho que isso pode ser um elogio.
DANI – Sim, letra do meu nome em japonês atrás da orelha. Observadora você.
(Se aproxima da orelha de Dani que finge tentar dar uma mordida nela)
DANI – De possível suicida virei um poodle, a vida muda mesmo de minuto a minuto.
RAFA – Acho que isso que dá graça a ela. A gente nunca sabe o que nos espera no fim
da ponte.
(Apertam as mãos)
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(Música toca e elas dão um longo beijo. Luz acende com Rafa e Dani, um olhando para
a outro e conversando como se falassem de outras pessoas, mas falando do encontro
delas)
RAFA – Quando eu olhei para aquela cara achei um pouco estranho, mas me interessei
por ele .
DANI – Em um lugar meio estranho, insólito, mas foi gostoso de falar, uma forma
diferente.
RAFA – Ele tinha um jeito diferente de falar e eu tenho certeza que de cara ele se
apaixonou por mim.
RAFA – Ela sempre se gabou do sorriso dele, mas os meus olhos que encantaram..
DANI – Eu acho que ela tem os olhos claros, não lembro bem..
RAFA – Ficamos horas e horas conversando e descobrimos que meu marido e a mulher
dele eram dois filhas da puta.
RAFA – Não sei o que passou pela minha cabeça e o chamei para tomar um café.
RAFA – Como se não bastasse tudo aquilo eu descobri que o meu café preferido era o
dele também.
DANI – Ela pediu mocha branco que por incrível que pareça é o meu café favorito
também.
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DANI – Todo mundo fala que mocha branco é doce, mas a gente não achava.
RAFA – Foi aí que a gente viu que tinha mais coisas em comum que imaginava, coisas
além de sermos vítimas de preconceitos ou nossos pares terem cruzado nossos destinos
DANI – Foi aí que percebi que a porta de saída é muitas vezes a porta de entrada para
uma nova vida.
RAFA – A gente falou sobre tudo, tudo mesmo. Cinema, teatro, arte..
DANI – Horas e horas e sempre batiam os assuntos. Ela tinha até uma tabelinha com as
cinco cantoras preferidas dela e eu gostava de todas.
AS DUAS JUNTAS – Marisa Monte, Ana Carolina, Elis Regina, Whitney Houston e
Madonna!!
RAFA – Ta pesada essa caixa, porque sempre tenho que carregar as coisas mais
pesadas? Cadê o cavalheirismo?
DANI – Direitos iguais, fora que o peso é igual, você que está fora de forma.
DANI – Se tem uma coisa que você não é é gorda, você é fraquinha mesmo.
DANI – São tiros pro alto, a síndica falou que ela sempre faz isso quando o marido
chega bêbado em casa.
DANI – Ela disse que a gente não consegue ouvir sempre, geralmente o barulho é
abafado pelas obras do metrô.
RAFA – Copacabana..
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(Dão um selinho)
RAFA – Não importa, o que importa é que é nossa casa nova, nosso cantinho.
DANI – Só nosso.
RAFA – Imagino quando as crianças vierem nesse cubículo..Mas não importa, o que
importa é que estou aqui com você.
(Se abraçam)
RAFA – Claro, por que não? Tem vergonha de mim? Não quer me assumir? Que safado
(Ri)
DANI – Não é isso. Minha ex adorava postar tudo que fazíamos nas redes e assim
viramos o casal perfeito para nossos amigos e seguidores. Muitos likes, mais seguidores
ainda, até que veio a pandemia e paramos de sair e assim postar fotos. Tivemos que
conviver apenas um com o outro, tivemos que nos conhecer melhor e percebemos que
não nos conhecíamos direito e ela viu que talvez não quisesse me conhecer mesmo.
RAFA – Mas eu quero, quero te conhecer cada vez mais. Não sou sua ex, sou sua
mulher e essa foto não será postada, será só nossa, desse momento feliz. Vem, vamos
arrumar tudo que tá uma bagunça.
DANI – Olha esse móvel que coisa horrorosa, tão ruim que o antigo dono deixou.
RAFA – Esse móvel é meu, eu que trouxe ontem, era da minha avó.
RAFA – Mas tem razão, é meio feio mesmo (Ajeita o móvel imaginário) Mas se a gente
mexer um pouco pra lá, botar isso aqui em cima talvez melhore.
DANI – É, talvez..
(Olham um pouco)
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DANI (Mexendo na caixa) – Olha, tem livros aqui.
RAFA – Esse livro é muito profundo tá? E tem coisas que mostram bem o nosso
momento. Como ta escrito nele “Não há lugar melhor que o nosso lar”.
RAFA – É?
DANI – É.
DANI (Ainda mexendo) – Olha, o meu Chico Buarque, estava nas suas coisas.
DANI – Nojo por quê? Não passa mais por isso? Tá na menopausa?
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DANI – Sei lá, fiquei um pouco com ciúme desse negócio de seu Chico Buarque.
DANI – Minha paixão pelo Chico é artística tá? E sim, dele também.
RAFA – Nossa, por que o peso dessa caixa? Tem um corpo aqui dentro?
DANI – Sim, de uma ex namorada, faço isso com minhas exs que não desabam em
prédios.
DANI – Sim, tenho um livro com todos os lugares que sonho em ir.
RAFA (Pegando o livro e folheando) – Olha, Nova York, sonho conhecer Nova York,
mas máximo que conheci foi Nova Iguaçu.
DANI – É o risco que temos que correr né? Para realizarmos nossos sonhos.
RAFA – Verdade, ainda bem que aqui não tem essas coisas.
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RAFA – Como você é velho, depois eu que estou na menopausa (Pega uma
fita)...Casablanca?
RAFA – Eu amo Casablanca, só não entendo o Humprey Bogart abrir mão da Ingrid
Bergman no fim.
DANI – Às vezes abrir mão de um amor é a maior prova que você ama alguém. Sabe
que tenho aquela parte final toda decorada? Já falei várias vezes no espelho imitando o
Bogart.
(Volta a mexer)
DANI – Qual o problema? John Travolta no auge!! Meu sonho era ser o Tony Manero.
DANI – Qual problema? Só porque sou preto deveria querer ser o James Brown? (Ele ri
e imita o Brown)
RAFA – Para de graça, mas me diz, dança aquelas músicas? Faz aqueles passos? (Tenta
imitar a dança)
DANI (Fazendo voz braba imitando o personagem do Pacino) – Diga olá para o meu
amiguinho (Finge metralhar)
RAFA – Ai meu amo!! O que é o Samuel Jackson nesse filme falando na Bíblia antes
de matar? E a dança da Uma Thruman com o Travolta?
DANI – Podíamos um dia sair dançar e fazer essa dança, o que acha?
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DANI – Travolta é o cara (Imita a dança dele no filme)
RAFA – Essa sua obsessão com o John Travolta começa a me preocupar (Mexendo na
caixa e gritando) Meu Deus!! O que é isso?
RAFA – Pensei que estivesse brincando quando disse que ouvia LPs, Simone cantando
músicas de Natal? Ainda quer zoar meu Pequeno Príncipe?
DANI – Recordação da minha mãe e pelo menos eu sei as músicas que tem, não cito “O
mágico de Oz”.
DANI – Vai, zoa, você tem cara que via todos os anos especial de Natal do Roberto
Carlos na tv.
RAFA (Voltando a mexer) – Meu Deus, Ângela Maria?? Só falta ter Cauby Peixoto!!
RAFA – O que?
RAFA – Álbum de fotografias, realmente você é velho, mas eu quero, quero preencher
todo esse álbum com nossos momentos felizes.
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RAFA – Já vi gente morar embaixo da ponte, mas casar em cima?
DANI – Não tem nada mais importante para nós, pra nossa relação que aquela ponte.
RAFA – A ponte que seria o fim e foi o começo do momento mais feliz da minha vida.
RAFA – Um brinde.
DANI – A vida.
RAFA – E a ponte.
DANI – Não vamos deixar nunca que nada atrapalhe a nossa dança, a nossa vida.
(Se beijam e dançam. Luz apaga e acende com cada uma deles em um canto falando
com a plateia)
RAFA – A música nos envolveu e foi nos levando naquela fase maravilhosa que é o
conhecimento, a euforia do novo.
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RAFA – Pois é, um conjugado, vocês sabem como é conjugado no Rio de Janeiro? A
gente se esbarrava o tempo todo. No começo é uma coisa maravilhosa, mas o começo
não dura pra sempre. Depois do começo vem o meio, o meio da rotina e com a rotina
pequenos defeitos começam a virar médios defeitos.
DANI – Depois de tudo que a gente passou, de tudo que a gente viveu a gente se
perdeu.
RAFA – Depois que a eu conheci o Dani eu pensei que ele seria corajoso o suficiente
para realmente viver tudo que dizia sentir por mim, mas eu não sei onde errei.
DANI – Eu só queria ..
DANI – Ela sabia dos meus medos, dores, traumas, tudo que sofri por abandonos,
preconceito, ela me encontrou no lixo.
RAFA – Ele me encontrou no lixo, na merda e tinha coragem de olhar na minha cara e
dizer que eu não tinha inteligência emocional.
RAFA – Inteligência emocional eu tenho sim, se trata de botar pra fora tudo o que você
sente eu tenho de sobra, já o Dani..
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DANI – Mas eu amo a Rafa.
DANI – Não sei o que aconteceu, mas eu não consigo mais dizer isso a ela.
RAFA – Eu amo o Dani e tenho certeza que ele morre de tesão em mim.
DANI – Tudo na minha vida gira em torno desse relacionamento. O que eu penso, o que
falo, o que sou.
RAFA – Ele parece às vezes que tá nem aí para essa relação, é egoísta, só pensa nele,
tem horas que tudo faz soar como fake. A família do comercial de margarina depois que
o diretor fala corta.
DANI (Pegando Rafa e encostando na parede) – Eu tenho que aprender que a vida não
gira em forma dessa relação e você que a vida não gira e torno de você. O mundo não
gira ao seu redor, nem todos os meus pensamentos são sobre você!! O planeta tem sete
bilhões de pessoas e apenas meia dúzia delas sabe que você existe!! Se você morresse
hoje eu, sua mãe, seus filhos, uma tia varizenta e algum mendigo bêbado perdido com
um vira latas provavelmente seríamos as únicas pessoas a aparecer em seu funeral e
teríamos que pedir ajuda para carregar o caixão porque o mundo não pararia!! Ninguém
ligaria!!
(Se afasta)
RAFA – Eu tenho certeza que não acabou. Eu sei que ele terá coragem de dizer que
nosso amor vai vencer.
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RAFA – Aceito.
DANI – Uma vez eu li em um livro que se você degustar apenas um pouco do vinho,
deixar descer devagarzinho pelas amígdalas irá sentir uma nova forma de prazer.
DANI (Batendo com o chicote no chão) – Vou ser seu Christian Grey!!
DANI – Vira.
DANI – Ainda não. Quero que você veja nada, que você sinta apenas, que todos os seus
sentidos fiquem aflorados, viva na plenitude esse momento e tenha exata noção do que é
esse momento.
DANI (Passando as mãos pelo corpo de Rafa) – Sinta meu toque, ta sentindo?
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RAFA – Sim, seu toque me dá tesão.
DANI – Sim, sinta meu toque em toda sua plenitude, absorva esse toque no seu corpo,
sua mente como algo bom, único, como a última vez. Como algo inesquecível.
DANI (Passando a mão no rosto de Rafa) – Quero que você faça uma viagem longa,
para o início do século XX.
DANI – Você vai parar em algum lugar do passado (Sonoplastia coloca “Somewere in
the time”, música do filme), melhor, no filme “Em algum lugar do passado”
RAFA – Eu amo..
DANI – O ano é de 1912. Quero que você se imagine naquele hotel, naquele ambiente
com aquelas pessoas chiques e com aquelas roupas de época. Você é a senhorita
Mckenna, uma jovem atriz bem sucedida que sabe que um grande amor está por vir a
qualquer momento, eu sou Richard Collier, um homem que se apaixonou por sua foto
em 1980 e voltou ao passado só para lhe conhecer. Estamos próximos desse encontro
que mudará nossas vidas.
DANI – Eu quero que você se imagine nesse encontro, nessa primeira vez de uma
grande e impactante relação de amor que sabemos que está fadada ao fracasso, a
tragédia, mas é amor e o amor é maior que qualquer dessas coisas, é maior que uma
separação inevitável. Vale a pena amar mesmo sabendo que o fim será trágico, sim e
você saber disso.
RAFA – Vamos..
DANI (Pegando papéis em uma caixinha) – Se imagine em 1912, você está em 1912,
não se esqueça.
(Música para)
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RAFA (Interrompendo) – Peraí? Não tem isso no filme!!
DANI (Ainda lendo) – Marcelo: To de pau duro, vontade de passar minha língua nessa
boceta de novo, vontade desse rabo.
(Dani tira)
DANI – Eu posso refrescar a sua memória. Sabe onde eu encontrei isso aqui? No seu
celular. O meu descarregou e meu pai queria falar comigo, ligou para o seu, vi que era
ele e atendi e assim que desliguei seu zap pipocou. Animado seu zap, hein?
DANI – Não olhei, ele pipocou. Traidora amadora você, hein? Não bota senha no
celular, não bota zap silenciado, não leva seu celular contigo para onde for, até
banheiro, para não correr riscos. Você foi juvenil Rafaela.
DANI (Gritando) – Não tente inverter o jogo como você sempre faz!! A filha da puta
dessa história é você!! Assuma as merdas que você comete!!
DANI – Você tem alguma explicação para isso? Alguma decente capaz de me enganar?
Te dou cinco segundos para bolar algo mirabolante em que eu na minha ingenuidade
caia e acredite que você realmente seja uma mulher que preste.
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RAFA – Quer saber? Quer saber a verdade sobre isso tudo?
DANI – Não, quero saber qual a cotação do dólar hoje!! Quero porra!!
RAFA – Cala a boca que quem vai falar sou eu agora. Sabe o que é você chegar em
casa, querer um mínimo de atenção, um mínimo de carinho, querer que a porra do
homem que você ama se importe com você?? Sabe o que é querer tudo isso e estar no
segundo, terceiro, quarto plano?? Porque você está sempre triste, distante!! Piora cada
vez que vai à porcaria da sua analista!! Você sempre me bota de lado!! Nunca me dá
atenção!! Você nunca me procura!! Daqui a pouco vai me abandonar como fez sua
mãe!!
DANI (Gritando) – Não fala dela!! Não fala do que você não sabe!! Não se compare ao
meu pai!! A filha da puta dessa história é você!!
RAFA (Gritando) – Não vem gritar comigo que homem nenhum grita comigo!!
DANI – Pare de fazer o que você sempre faz, para de se fazer de vítima e tentar colocar
a culpa de tudo em cima de mim!! Você sempre faz isso!! Sempre quer virar o jogo!!
Assuma sua culpa!!
RAFA – Eu sempre fiz tudo pra você!! Eu vim morar nesse conjugado de merda por
você!! Estou longe de meus filhos por você!!
DANI – Mentira!! Por mim nada!! E seus filhos já moravam com sua ex sogra!!
RAFA – Por você sim!! Eu tinha condições de pagar um lugar melhor, mas você no seu
orgulho não aceitou que eu pagasse mais que você e só queria local que pudéssemos
pagar igual. Aí eu parei nessa merda que tem tiroteios, briga de vizinhos e descargas!!
DANI – Não iria aceitar porque você iria jogar na minha cara!!
DANI – Está fazendo isso agora! Se está jogando na minha cara com a gente gastando
igual imagine se gastasse mais!!
RAFA – Eu organizei a sua vida!! Eu te fiz ter um lar e isso não é jogar na cara!! É
mostrar que eu tenho valor nessa relação!!!
DANI – Eu nunca neguei que você tivesse valor!! Você que negou o meu me traindo!!
RAFA – Tudo o que eu faço é pra não me sentir uma bosta de mulher como você
sempre me faz sentir!!
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DANI – Não ama não!!
RAFA – Amo e você não têm poder de saber dos meus sentimentos!!
RAFA – Não, não tenho mesmo porque eu te amo mesmo com a forma que você me
trata!!
DANI – Não ama!! Você não faz o menor sentido do que significa a palavra amor!!
Amor exige fidelidade!! É lealdade!! Sinceridade!! Como pode dizer que ama alguém
que deliberadamente você magoa?? Assuma seus atos caralho!! Assumir seus erros é o
mínimo que alguém que diz que ama pode fazer!!
RAFA – Amar igual sua ex te amava? A ex que inventou pra você que não podia ter
filhos porque a família racista não aceitava que ela tivesse filhos com um homem
preto??
DANI – Foi pra isso que me abri pra você? Pra você jogar na minha cara uma história
que me dói tanto??
RAFA (Gritando) – Um lixo, uma merda que muitos homens e mulheres quiseram!!
Quer saber?? Fodi!! Fodi mesmo!! Transei com todos!! Ricardo!! Max!! Luiz!!
Marcos!! Lucas!! Alexandre!! Haline!! Juci!! Nay!! Vanessa!! E todos gozaram
gostoso!! Porque sou muito boa com a língua e as mãos baby!! Sou totalflez, sei agradar
a todos!! E sabe por que eu fiz isso?? Porque em todos eles eu estava procurando
você!! Porque eu te amo!! Você não consegue entender que eu te amo e faria tudo por
você? Que eu voltaria ao passado?? Que eu iria ao inferno por você Daniel?
DANI – Ruim de namorar uma bissexual é isso, a cabeça fica mais enfeitada ainda, é
chifre de homem, de mulher, se der mole até de ET já que o negócio é trepar e gozar
não importa com quem.
RAFA – Você está usando minha orientação sexual pra me ofender, justo você que
sempre foi vítima de preconceito está sendo preconceituoso comigo, o que só mostra
que todo mundo tem um pouco de preconceito dentro de si não importando o quanto ele
te faça sofrer.
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DANI (Chorando) – Eu sempre te falei isso. Sempre te falei sobre a base de uma
relação, o cuidado. Cuidado com os seus pensamentos porque eles viram palavras,
cuidado com suas palavras que elas viram hábitos, cuidado com seus hábitos porque
eles vão falar sobre seu caráter e cuidado com seu caráter porque ele fala o seu destino.
RAFA – Teoria linda vinda de alguém que não teve cuidado comigo. Você é muito bom
em teoria, em decorar filosofia de porta de banheiro de rodoviária, mas a prática é bem
diferente.
DANI – Não tive cuidado com você? Ninguém gozou gostoso comigo como fizeram
com você!!
DANI (Gritando e agarrando Rafa pelo rosto) – Como você tem coragem de dizer isso?
Você é maluca!! Você é louca!! Se ouve!! Ouça o que você está dizendo!!
RAFA (Gritando) – Com você que eu queria gozar!! Com você que eu sempre quis
gozar!!
DANI (Solta Rafa) – Agressor, estuprador, é isso que eu sou agora? Me desculpa, mas
isso tudo que você ta falando pra mim tem nome e começa com Erre.
RAFA (Chorando) – Agora eu sou racista também? Pra você tudo é racismo, todo
mundo é racista!!
DANI (Gritando) – Quem é você? Uma menina branca de classe média que nunca teve
problemas na vida, no máximo escolher se queria gozar com um pau ou uma boceta pra
querer dizer pra mim o que é racismo ou não é?
RAFA – Para seu idiota!! Olha o que estamos falando um pro outro!! Eu te amo!! Eu te
amo!!
DANI – Eu tenho nojo de você!! Asco de você!! Não aguento mais ouvir sua voz!! Sai
daqui!! Sai dessa casa agora!!
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RAFA – Essa casa também é minha!! Eu não vou embora!!
RAFA (Gritando) – Eu não vou sair, eu vou ficar, se quiser sair que saia você.
(Sai, pega uma mala, começa a tocar “Lua branca”, Rafa chora)
DANI – Chama teus amigos, eles com certeza vão correr pra ta fazer companhia e te
fazer gozar.
RAFA (Chorando e abraçando) – Me perdoa, me perdoa meu amor..Eu vou com você
na sua psicóloga, nós vamos atravessar essa crise juntas. A gente vai começar tudo de
novo, um novo começo de vida como foi na ponte!! A gente sempre se amou! Sempre
teve uma conexão forte!! Sempre nos falaram que éramos o casal perfeito!! O casal
modelo!!
DANI – Não quero mais ser casal modelo com ninguém, só quero ser feliz.
(Começa a ir embora)
RAFA (Gritando e se ajoelhando aos pés dela) – Não!! Não vai embora!!
DANI (Entrega uma carta para Dani) – Antes tome isso, guardei para esse momento.
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RAFA – Você planejou até isso?
DANI – Não, isso quem planejou foi você. Adeus “tanto faz”.
RAFA – Vai embora não..Vai embora não meu amor, não me deixe sozinha (Gritando)
Daniel!!! Daniel!!! A gente tem muita coisa pra viver ainda!! Muita coisa!!
(Se joga de joelhos no chão, chora um tempo, pega a carta e lê. Em gravação entra a voz
de Dani e junto “As time goes by” versão instrumental)
DANI (Voz em off) - Você vai pegar aquele avião. Ontem a noite dissemos muitas
coisas. Você disse que deveríamos pensar por nós dois, pensei muito desde então e a
solução é uma só. Você vai pegar aquele avião que é o que deve ser. Você tem que me
ouvir. Tem ideia do que seria a sua vida daqui pra frente? Nós dois poderíamos acabar
em um campo de concentração, Lá no fundo nós dois sabemos que deve ficar com
Victor, se o avião dele partir e não estiver com ele irá se arrepender. Talvez não hoje,
talvez não amanhã, mas logo e para o resto de sua vida E quanto a nós? Nós sempre
teremos Paris!!
(Rafa chora abraçando a carta e lhe apertando em seu peito. Luz apaga e acende com ela
em um canto e Dani em outro)
RAFA – O amor é assim né? Deixamos de ser um e viramos dois, o que mais queremos
é ver o outro feliz.
DANI – O amor nos torna egoísta. Achamos que sabemos tudo da outra pessoa, que
temos o domínio da situação e deixamos de enxergar o que realmente o outro quer.
RAFA – Existe o amor eterno? O conto de fadas? E foram felizes para sempre?
DANI – Não existe o amor conto de fadas, que foram felizes para sempre, tipo, mesmo
aquele casal que ficou 50 anos juntos. Se eles não morrerem juntos em um desastre, por
exemplo, um vai morrer e o outro ficará sofrendo sozinho até morrer também. O amor
pode ser cruel em seu final.
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DANI (Olhando Rafa) – Que seja eterno enquanto dure...
RAFA – Eterno..O eterno é uma questão de tempo e não adianta lutar contra o tempo
ou tentar enganá-lo, o tempo sempre sabe onde você está e se apresenta.
DANI – Ele pode ser uma metralhadora cheia de mágoas, mas também pode amenizar
essas mágoas e fazer com que só fiquem as boas lembranças.
DANI – Numa alma cheia de sentimentos o tempo pode se tornar um aliado capaz de
curar feridas e no lugar delas brotar saudades.
RAFA – Muito tempo se passou (vira para Dani) – Tem notícias dela?
RAFA – Também não, mas sei qual foi o dia em que conheci a felicidade.
(Luz apaga e acende. Rafa entra e vai para a beira, Dani entra depois, é a ponte como na
cena inicial da peça)
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DANI – Não, agora acredito em Deus, esqueceu? E não quero fazer parte da estatística
da Ponte da Felicidade..
RAFA – Obrigada.
DANI – E quem disse que não deu certo? Não precisa ser eterno pra dar certo, basta
trazer boas lembranças. Mas me fala, ta com alguém? Ta feliz?
RAFA – Não to com ninguém e to feliz, percebi finalmente que tenho que gostar de
mim pra ser feliz de verdade, e você?
DANI – Mesma situação, to comprometido comigo e posso dizer que poucas vezes me
senti tão bem.
RAFA– Finalmente percebemos isso, que bom, mas e se a gente fosse conversar sobre
isso tomando um mocha branco? Dessa vez eu pago, prometo.
(Começam a andar)
RAFA – E a ponte?
(Se abraçam e andam até sair. Sonoplastia toca “As time goes by” dessa vez com voz)
FIM
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