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Ensaios e Ciência: GANGRENA GASOSA POR CLOSTRIDIUM

C. Biológicas, Agrárias e PERFINGENS TIPO A EM BOVINO VACINADO:


da Saúde
Vol. XII, Nº. 1, Ano 2008
RELATO DE CASO
GASEOUS GANGRENE BY CLOSTRIDIUM PERFRINGENS
TYPE A IN VACCINATED BULL – CASE REPORT

José Carlos Guilhardi Pacheco


jcgpacheco@hotmail.com
RESUMO

Gisele Greghi O objetivo deste trabalho é relatar um caso de gangrena gasosa


Centro Universitário Anhanguera causada por Clostridium perfringens tipo A em um touro da raça
unidade Leme Simental regularmente vacinado. Houve reprodução do quadro
gi_greghi@hotmail.com por inoculação em camundongos que através de provas bioquími-
cas revelou-se tratar de Clostridium perfringens, posteriormente i-
dentificado através de PCR como do tipo A. A partir dos resulta-
Edivaldo Aparecido Nunes Martins dos obtidos, nota-se a ocorrência do Clostridium perfringens tipo A
causando gangrena gasosa em bovinos e sugere-se que a doença
Centro Universitário Anhanguera
ocorreu devido às vacinas comercializadas não apresentarem em
unidade Leme
sua fórmula a bacterina para este tipo de agente.
eanunes@terra.com.br
Palavras-Chave: Bovinos, gangrena gasosa, Clostridium perfringens
tipo A.

ABSTRACT

The objective of this paper is to report a case of gaseous gangrene


caused by Clostridium perfingens type A in a bull of the breed
Simental regularly vaccinated. There was reproduction of the case
by inoculation in mice, that through biochemical tests showed up
to be of Clostridium perfingens, lately identified through PCR as
being type A. From the obtained results, we realized the occur-
rence of Clostridium perfringens type A causing gaseous gangrene
in bovine and we suggest that the fact occurred due to commer-
ciallized vaccinations not showing the bacterin of this agent in
their formulas.

Keywords: Bovine, gaseous gangrene, Clostridium perfringens type A.

Anhanguera Educacional S.A.


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Desenvolvimento Educacional - IPADE
Artigo Original
Recebido em: 2/7/2008
Avaliado em: 11/8/2008
Publicação: 24 de novembro de 2008
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182 Gangrena gasosa por Clostridium perfingens tipo A em bovino vacinado - relato de caso

1. INTRODUÇÃO

O Clostridium perfringens compreende um grupo de microorganismos anaeróbios for-


madores de toxinas muito semelhantes quanto aos aspectos bioquímicos e de cultura
que são distinguidos pela estrutura antigênica de suas toxinas e pela sua patogenici-
dade. São causadores de infecções e intoxicações de espectro mundial que podem oca-
sionar grandes prejuízos econômicos (LOBATO & ASSIS, 2005). O C. perfringens foi
classificado em 5 grupos (A, B, C, D e E) mediante a produção de quatro toxinas prin-
cipais: alfa, beta, épsilon e iota (COSTA et al., 2004).

Segundo QUINN et al. (2004), trata-se de uma bactéria gram-positiva produ-


tora de toxinas e enzimas com atividade hemolítica letal e necrosante que ocorre no
trato intestinal de seres humanos, animais e na maioria dos solos. O C. perfringens do
Tipo A é relatado como agente de diferentes enfermidades, como a enterite necrótica
em frangos, enterocolite necrosante em suínos, gangrena gasosa (BEER, 1998), “blac-
kleg” atípica (SHOME et al., 2006), mastite necrótica bovina (GONÇALVES et al., 2006)
e enterotoxemia (SARAIVA, 1978; COLODEL et al., 2003; COSTA et al., 2004).

As alterações clínicas observadas nos casos que envolvem o C. perfringens Tipo


A estão relacionadas com a ação de duas toxinas principais denominadas alfa e entero-
toxina (GYLES & THOEN, 1993). A toxina alfa é uma fosfolipase que tem como resul-
tado biológico hemólise e necrose tecidual, pois hidrolisa lecitina presente no comple-
xo lipoprotéico da membrana plasmática da maioria das células. A enterotoxina tem
sua ação relacionada com a formação de poros nos enterócitos, inibição do citoesquele-
to e lise celular. Em conjunto essas toxinas causam alteração da permeabilidade intes-
tinal, geram acúmulo de líquidos, diarréia, desidratação e frequentemente, mortes sú-
bitas (SONGER, 1996).

A gangrena gasosa é uma mionecrose caracterizada por ampla invasão bacte-


riana do tecido muscular lesado (QUINN et al., 2004). Trata-se de uma infecção exóge-
na, na qual os microrganismos entram no corpo através de feridas na pele e nas mem-
branas venosas, entre outros (LOBATO et al., 2005).

O principal causador da gangrena gasosa, que está presente em 80 a 90% dos


casos, é o Clostridium perfringens. Os outros cinco agentes são o C. novyi, o C. septicum, o
C. hystoliticum, o C. bifermentans e o C. fallax 3 (LIMA et al., 2003).

Em geral, a musculatura esquelética e o tecido subcutâneo apresentam edema


crepitante, hemorragia e necrose. Os principais sintomas são a febre que leva a uma

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depressão, apatia, perda do apetite, taquicardia, manqueira e um quadro toxêmico que


pode evoluir para a morte do animal num intervalo de poucas horas ou dias, normal-
mente 24-48 horas após o aparecimento dos primeiros sinais (LIMA et al., 2003).

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de gangrena gasosa causada por C.


perfringens do Tipo A em um bovino regularmente vacinado.

2. RELATO DE CASO

Foi solicitado o exame necroscópico de um touro da raça Simental, utilizado para co-
lheita de sêmen, com 5 anos de idade, encontrado recentemente morto. Proprietário
não relatou histórico de alterações perceptíveis nos últimos dias, e o mesmo apresen-
tou-se como caso isolado em um rebanho com 100 bovinos. Constava do esquema sani-
tário vacinação polivalente para clostridioses com reforço anual e as vacinações obriga-
tórias.

Foram coletados fragmentos de fígado, rim, músculo, coração, pulmão, e di-


vididos em duas frações para conservação em formaldeído a 10% e em gelo sob refri-
geração. O material foi encaminhado ao Laboratório de Enfermidades Infecciosas da
Unesp - Araçatuba/SP para análise das amostras.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o exame de necropsia foi observado mionecrose em região de musculatura


glútea superficial e profunda, masseteres, e na musculatura da região costal. O intesti-
no delgado apresentava-se fortemente congesto com conteúdo hemorrágico, o fígado
com alteração de cor e consistência exibindo produção de bolhas gasosas na superfície
de corte. Segundo HELLER (1920) & OTUKI et al. (2004), os achados são condizentes
com o encontrado em outros trabalhos que relatam casos de gangrena gasosa em bovi-
nos. O exame microscópico, a partir de esfregaços corados pelo método de Gram, reve-
lou a presença de bastonetes Gram-positivos curtos, não esporulados, grossos, alguns
em cadeia, sugerindo tratar-se de C. perfringens, os quais foram posteriormente identi-
ficados por meio de testes bioquímicos.

Houve reprodução do quadro por inoculação em camundongos. No fígado e


no músculo foram isoladas culturas puras de germes anaeróbicos, que através de pro-
vas bioquímicas revelou-se tratar de Clostridium perfringens, posteriormente identifica-
do como do Tipo A através de PCR. A utilização deste teste permite reduzir o uso de
outros que, em geral, são laboriosos e apresentam resultados incertos. Outra vantagem

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do PCR em relação aos métodos convencionais é a sua sensibilidade e o fato de dispen-


sar o uso de animais para detecção de toxinas, evitando problemas éticos
(BARTTHOLOMEW et al., 1995; UZAL et al., 1997 citados por COSTA et al., 2004).

Considerando tratar-se de um animal vacinado, esperava-se que a imunidade


estivesse ativa contra as clostridioses. Contudo, este caso vai ao encontro com os acha-
dos de vários trabalhos que foram publicados entre 1984 a 2004 comprovando o baixo
poder imunogênico dos produtos nacionais disponíveis no mercado (AZEVEDO et
al.,1998; LOBATO et al., 2000; NASCIMENTO et al., 2004; DIAS, 2003).

Nos animais vacinados os casos de mionecroses são atribuídos às falhas no


processo de vacinação, a falta de assepsia no local da vacina, o excesso de matéria or-
gânica nos criatórios, a ausência de assepsia com o material de vacinação, entre outros
(LOBATO et al., 2005). Todos estes fatores somados às modificações dos sistemas cria-
tórios (que nos últimos anos aumentou o número de propriedades que adotaram sis-
temas semi-intensivos ou intensivos), contribuem para uma maior difusão de patóge-
nos. Ao mesmo tempo, vem ocorrendo no Brasil um incremento na produção de vaci-
nas indicadas para clostridioses, para qual não há, até o momento, um controle oficial
para testar a qualidade, esterilidade e potência de cada um dos antígenos destes pro-
dutos com exceção das vacinas contra C. chauvoei e toxóide botulínico, que são avalia-
dos sistematicamente pelo ministério da agricultura (LOBATO et al., 2005).

De acordo com ROUSSEL & HJERPE (1990), as vacinas para clostridiuns de-
vem ser administradas em intervalos de 4 a 6 semanas com reforço anual, sendo que
para o C. haemolyticum o reforço deve ser semestral. Segundo os mesmos autores, em
rebanhos sistematicamente vacinados os anticorpos colostrais protegem os bezerros
por até 3 – 4 meses após o nascimento, portanto, a primovacinação deve ser realizada
após este período.

4. CONCLUSÃO

A partir dos resultados obtidos, nota-se a ocorrência do Clostridium perfringens tipo A


causando gangrena gasosa em bovinos e sugere-se que a doença ocorreu devido às va-
cinas comercializadas não apresentarem em sua fórmula a bacterina para este tipo de
agente.

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José Carlos Guilhardi Pacheco


Médico Veterinário. FMVZ - USP

Gisele Greghi
Discente do curso de Medicina Veterinária.
Centro Universitário Anhanguera - Unifian –
unidade Leme.

Edivaldo Aparecido Nunes Martins


Mestre em Clínica Veterinária, FMVZ, USP.
Professor do Curso de Medicina Veterinária,
Centro Universitário Anhanguera - Unifian –
unidade Leme. Professor do Curso de Medicina
Veterinária, Inst. Moura Lacerda, Ribeirão Pre-
to, SP.

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