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REVISÃO DA LITERATURA

Relações entre Condições


Miofuncionais Orais e Adaptação de
Próteses Totais
Relation Between Oral Myofunctional Conditions and
Adaptation of Complete Dentures
Cláudia Maria de Felício*
Cristina Campos Cunha**

Felício CM de, Cunha CC. Relações entre condições miofuncionais orais e adaptação de próteses totais. PCL 2005; 7(36):195-202.

Comprometimentos nas funções de mastigação, deglutição e fala são freqüentes quando os


dentes naturais são perdidos, podendo provocar conseqüências negativas em outras funções
orgânicas, bem como na interação social dos indivíduos. Visando a qualidade de vida da população
idosa, no presente artigo, os autores descrevem as possíveis desordens miofuncionais orais em
indivíduos desdentados totais e as implicações destas para a adaptação de próteses totais. A
terapia miofuncional oral é indicada para favorecer o equilíbrio das estruturas que compõem o
sistema estomatognático.

PALAVRAS-CHAVE: Miofuncional; Deglutição; Mastigação; Fala; Prótese total.

INTRODUÇÃO
Perder todos os dentes pode ter diversos significados para as pessoas, dentre eles, de mutilação do
corpo e de envelhecimento. Ao receberem a indicação de próteses totais, essas representações poderão
interferir negativamente na adaptação, porque as pessoas sentem-se envergonhadas ou esperam que
as próteses funcionem como os dentes naturais e mediante qualquer sensação incômoda, queixam-se,
podendo inclusive deixar de usá-las.
Contudo, outras pessoas aceitam as próteses plenamente, porque elas repõem os elementos den-
tários perdidos, favorecendo uma melhora em relação à condição prévia, principalmente na aparência,
e mesmo que ocorra alguma dificuldade de adaptação, não se queixam.
Pensando-se que as próteses totais devem favorecer as funções estomatognáticas, sem causar
alterações ou lesões orais, devemos considerar que outros fatores, além dos socioafetivos, podem ser
prejudiciais. Como já exposto por vários autores, as condições musculares estão estreitamente relacio-
nadas à adaptação das próteses (Aldrovandi, 1956; Mehta, Joglekar, 1969) e à capacidade do indivíduo
para mastigar, deglutir e falar. Por isso, os Cirurgiões dentistas cuidam para que as próteses adaptem-se
à musculatura.
Porém, poucos autores (Plainfield, 1977; Silverman, 1984; Cunha et at., 1999; Cunha, Zuccolotto,
1999) têm apontado a possibilidade de melhorar a condição miofuncional oral por meio da terapia mio-
funcional e, com isso, favorecer a adaptação funcional das próteses.
O objetivo desse artigo é descrever e discutir as desordens miofuncionais orais de indivíduos des-
dentados totais, com base na literatura e na nossa experiência profissional, bem como indicar a possibi-
lidade de um trabalho em equipe que reúne o Cirurgião dentista e o Fonoaudiólogo, visando a adaptação

* Doutora em Ciências pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo – USP; Fonoaudióloga da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP
** Fonoaudióloga; Mestranda em Ciências pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo – USP; Rua Dr. Paulo Barra, 307, Jd. São Luís – CEP: 14020-320, Ribeirão Preto,
SP; e-mail: jczanetti@netsite.com.br
Relações entre Condições Miofuncionais Orais e Adaptação de Próteses Totais

das próteses totais e a recuperação da mastigação, Aspecto Facial


deglutição e produção da fala e, consequentemente, Devido a perda de suporte dentário, ocorre a
a qualidade de vida desse indivíduos. redução do terço inferior da face, a mandíbula esta-
rá protruída e o sulco nasolabial acentuado (Mehta,
DIAGNÓSTICO Joglekar, 1969). O indivíduo desdentado total apre-
MIOFUNCIONAL ORAL senta as bochechas arqueadas e comissuras labiais
Ao avaliarmos uma pessoa desdentada total, deprimidas, isto é abaixo da rima bucal. Os lábios
devemos nos lembrar que esta não mudou repen- apresentam-se finos, estirados ou parecem protru-
tinamente de uma ótima condição do sistema esto- ídos. Essas características podem se tornar mais
matognático para uma condição desequilibrada. Ao evidentes devido ao comprometimento das funções
contrário, a pessoa foi sofrendo alterações progres- estomatognáticas e, quando for uma pessoa em idade
sivas, as quais provocaram diversas compensações avançada, da própria flacidez presente em idosos.
funcionais que poderão dificultar a adaptação de
próteses dentárias. Repouso e Deglutição
O prejuízo das funções orais dos desdentados Um componente do sistema estomatognático
totais pode estar associado à perda dos dentes na- que modifica a sua postura normal para compensar a
turais, ao envelhecimento, às condições de saúde DVO perdida é a língua. Esta interpõe-se aos rebordos
geral, como patologias que afetam o controle neu- alveolares para estabilizar a mandíbula (Silverman,
romuscular (Turano, Turano, 1988), à sensibilidade 1984) e favorecer a deglutição, isto é, para que os
oral, a diminuição do fluxo salivar, potencializada músculos supra-hióideos elevem e anteriorizem o
pelo uso de medicamentos (Brunetti et at., 1998; osso hióide e, por sua vez, ocorra a movimentação
Parajara, Guzzo, 2000). da laringe (Felício, 1999). A língua, após um período
Considerando tais aspectos, o diagnóstico mio- de tempo nesta condição, torna-se alargada, podendo
funcional oral deverá ser realizado antes e após a dificultar a adaptação das próteses.
colocação das próteses, analisando também, quando Durante a deglutição, os lábios tornam-se
existem alterações, se estas são desordens com- estirados, porque lhes falta estrutura de suporte,
pensatórias às perdas dentárias ou decorrentes das isto é, os dentes e o osso alveolar e a musculatura
novas próteses. Também, desordens miofuncionais crânio-cervical também passa a atuar compensando
orais pregressas, isto é, aquelas que o indivíduo a DVO perdida.
apresentava em fases anteriores de sua vida, podem Além disso, as inserções musculares podem
se perpetuar após a perda dos dentes e até mesmo se mostrar modificadas em virtude do processo de
se agravarem (Felício, 1994). reabsorção alveolar. Deste modo, a inserção supe-
rior do músculo mentalis parece aproximar a face
a) Características dos indivíduos superior da parte basal da mandíbula, já que existe
desdentados totais sem próteses pouco osso alveolar. A contração permanente em
Ao perder todos os dentes, a pessoa perde a di- que estão os músculos do mento e lábio inferior para
mensão vertical de oclusão (DVO), que corresponde manter a boca cerrada, determina a maior saliência
a distância entre a base do nariz e a base do mento do mento (Aldrovandi, 1986).
quando os dentes estão ocluídos (Tamaki, 1983),
comprometendo a estética facial. Além disso, embo- Ingestão de alimentos
ra o desdentado total não perca a dimensão vertical Na ingestão de alimentos, o sujeito desdenta-
de repouso (DVR), esta estará comprometida, pois do total é obrigado a amassá-los com a língua e os
depende da coordenação dos músculos elevadores movimentos mandibulares tornam-se irregulares.
e abaixadores da mandíbula, costais e cervicais Não havendo condições de trituração, ele opta por
(Mehta, Joglekar, 1969), que sofrem modificações alimentos macios, muitas vezes engolindo pedaços
quando os dentes estão ausentes. maiores que o natural.

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A inabilidade para mastigar poderá provocar adaptação da prótese superior são: o palato ogival,
problemas digestivos e déficit nutricionais, além da que não oferece estabilidade como uma estrutura
diminuição na atividade dos músculos mastigató- em forma de abóboda; a mucosa flácida sobre o
rios, que favorecerá a flacidez. Mojon et at. (1999) rebordo alveolar e o reflexo de vômito que se de-
verificaram que, em pessoas idosas, as alterações sencadeia em regiões orais mais anteriores que o
das condições orais como, ausência dos dentes e normal (Turano, Turano, 1988).
próteses com bases defeituosas, foram associadas Contudo, geralmente a adaptação da prótese
com deficiência nutricional. inferior é mais complicada, porque esta se desloca
Ao estudar a alimentação de idosos, Matsuda com muita facilidade, o que pode ser decorrente
(2001), além das condições dentárias desfavoráveis, da tensão do músculo mentalis (Tallgren, 1961);
constatou que houve correlação positiva entre a do volume, tensão e mobilidade da língua (Turano,
mobilidade insatisfatória da língua e os movimentos Turano, 1988); do tamanho do rebordo alveolar e
compensatórios na deglutição, acúmulo de resíduos do frênulo da língua.
na cavidade oral e tosse durante as refeições. A língua, com o envelhecimento, sofre uma
Isso nos indica que é de fundamental importân- redução da massa muscular, aumento do tecido
cia considerar as condições musculares, bem como conectivo e depósitos de gordura (Campbell-Taylor,
as condições das próteses, quando instaladas. 1997; Groher, 1999).
Além disso, quando um sujeito fica por um
b) Relações entre as próteses totais, período sem dentes naturais ou artificiais, a língua
condições orais e desordens interpõe-se aos rebordos alveolares, para estabilizar
miofuncionais a mandíbula na deglutição e controlar o fluxo de ar
Ao submeter-se a um tratamento protético, o na fala (Felício, 1996). Após a instalação das pró-
sujeito pode estar repondo pela primeira vez os den- teses, ela tende a retrair-se (Cunha et at., 1999) e
tes perdidos ou estar substituindo prótese antigas se o seu volume for compatível com o espaço oral
por novas. Em ambas as situações, poderão surgir disponível, ocorrerá a adaptação. Mas, se a língua
problemas de adaptação, ocasionando ferimentos, estiver volumosa e alargada, devido a um longo
fala alterada e dificuldade para mastigar. período sem próteses, ou se o sujeito apresentava
Para a maioria dos pacientes esse quadro de uma desordem miofuncional pregressa, ao retrair-
desconforto acontecerá nos primeiros dias, seguin- se, ela invadirá a orofaringe. Como esta posição é
do-se uma acomodação. Porém, há casos em que os incompatível com a respiração, a língua realizará
sujeitos deixam de usar as próteses pelas dificulda- esforços para deslocar as próteses, a fim de recu-
des e dores que estas lhes causam, enquanto outros perar o espaço que possuía na cavidade oral.
dizem que se acostumaram, o que não significa que Se a língua deslocar a prótese na deglutição ou
tenha ocorrido uma adaptação fisiológica. De acordo na fala, poderá ocorrer uma oposição da musculatura
com Molina (1989), algumas adaptações podem ser peribucal para contê-la, levando a lesões e à maior
de natureza patológica, porque envolvem um padrão reabsorção óssea (Sheppard, Sheppard, 1977).
muscular adaptado não-funcional. A língua volumosa e alargada representará
A dificuldade de adaptação fisiológica pode um problema para a adaptação das próteses no
ser provocada por fatores morfológicos, funcionais repouso e nas diversas funções. Isto porque a for-
ou relacionados às características das próteses. ma e curvatura da língua são pré-requisitos para o
Apresentaremos estes fatores a seguir. Devemos conhecimento de sua posição nas várias atividades
nos lembrar que podem ocorrer interações destes, motoras (Grover, Craske, 1992) e a reabilitação
agravando o problema. protética não leva à mudança morfológica e motora
imediata. Sendo assim, exercícios específicos serão
Condições orais necessários para adequar a sua forma e função
Os principais aspectos orais que afetam a (Cunha et at., 1999; Cunha, Zuccolotto, 1999).

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Características das próteses e a força muscular para a trituração reduzida.


A adaptação da prótese superior poderá ser Temos observado, que após a instalação das
prejudicada por condições impróprias, como incli- próteses, há uma prevalência da mastigação unila-
nação e tamanho dos dentes e espessura da base teral, supostamente porque se mantém um modo
palatina (Turano, Turano, 1988). adquirido anteriormente (Cunha et at., 1999). Isto
No que se refere à influência da própria próte- provocará movimentos de báscula, deslocamento
se inferior, a espessura da base pode desencadear da prótese inferior, entrada de alimentos por baixo
a tensão na musculatura perioral (Strain, 1969), da prótese e lesões na mucosa.
dificultando a adaptação. Segundo Simões (1985), a estabilidade e a
Assim, a tensão na musculatura perioral, após eficiência da dentadura artificial será controlada
a instalação das próteses, pode ser decorrente pelo mecanismo sensorial do indivíduo, cujo padrão
de alteração na própria atividade da musculatura mastigatório será então, diferente daqueles que
orofacial, mas também do estiramento dos tecidos possuem dentes naturais, principalmente no que se
causado pelas próteses, que gera uma reação de refere a força mastigatória , que será menor.
contração (Cunha et at., 1999). Além disso, morder alimentos torna-se muito
A DVO insuficiente ou perda desta é prejudicial difícil para o usuário de prótese, devido a redução
para o desempenho das funções estomatognáticas, da atividade muscular, a tendência de deslocamento
mas é preciso destacar que se as próteses estiverem das próteses e porque as faces incisais dos dentes
com DVO excessiva, ocorrerá uma distorção da face, artificiais não possuem a mesma performance de
alterações na musculatura e nas funções (Turano, corte que os dentes naturais.
Turano, 1988), devido à invasão do espaço funcional A baixa eficiência mastigatória tem sido veri-
livre, dificultando a deglutição, a retenção de saliva, ficada em usuários de prótese total (Kurita et at.,
o selamento labial e a mastigação. Poderão ocorrer 2001). Além das diferenças entre dentes naturais e
engasgos, fadiga, dor e desordem temporomandi- prótese total, a menor eficiência mastigatória pode
bular (Mehta, Joglekar, 1969). ser conseqüência da baixa atividade muscular após
um longo período consumindo alimentos moles, de-
Deglutição vido à ausência de dentes ou às condições oclusais
A necessidade de estabilizar as próteses faz desfavoráveis.
com que a deglutição, seja mais lenta. Se as próte- Mateos (1999) relatou que os idosos aban-
ses estiverem com DVO insuficiente ou houver uma donam progressivamente o consumo de alimentos
desordem miofuncional, a língua ficará interposta como, carne, legumes, verduras e frutas. Esses
aos arcos artificiais (Laird, 1978; Mehta, Joglekar, vão sendo substituídos por uma dieta pobre em
1969; Turano, Turano, 1988; Cunha et at., 1999; vitaminas, ferro e sais minerais, composta, em
Cunha, Zuccolotto, 1999) e ocorrerão movimentos geral, por leite, minguau e sopa que não exigem a
associados de lábios para a contenção das próteses mastigação. Contribuindo assim, para atrofia dos
e das bochechas, para aumentar a eficiência na músculos da mandíbula, que cada vez se exercitam
função. menos, criando um círculo vicioso que dificulta a
boa mastigação.
Mastigação A formação do bolo alimentar relaciona-se com
A perda natural dos dentes leva à perda sen- o fluxo salivar, o qual é induzido pelos alimentos
sorial do periodonto e mucosa, e com a colocação ingeridos e por sua textura, ao mesmo tempo que
dos dentes artificiais, a mastigação será diferente, todo sistema digestivo prepara-se para receber o
ou seja, haverá contatos oclusais iguais, tanto no alimento. A xerostomia pode ser outro fator com-
lado de trabalho como no lado de balanceio, a fim prometendo a habilidade mastigatória.
de que a prótese se mantenha no lugar (Turano, Os pacientes com prótese total perdem em
Turano, 1988). Os movimentos serão incoordenados parte as sensações orais e a eficiência mastigatória

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é comprometida (Brunetti et at., 1998). ção dos pacientes é o fato da prótese não dificultar
O tônus alterado das bochechas também a fala. Esses pacientes têm demonstrado preferência
pode afetar a mastigação e a adaptação, porque a por próteses que possibilitam maior estabilidade e
musculatura não se opõe adequadamente às forças conforto durante a fala do que melhor eficiência
laterais, permitindo deslocamento das próteses e mastigatória (Fahmy, Kharat, 1990).
ferimentos. Os problemas na fala podem ocorrer tanto
em pacientes que colocam próteses pela primeira
Fala vez, como naqueles que substituem as antigas por
A perda dos dentes pode produzir um efeito novas. Constatamos, em uma pesquisa, que sujei-
marcante no padrão de fala, pois os dentes são tos habituados ao uso de próteses sentiram maior
necessários para a obstrução da passagem do ar dificuldade para falar quando as retiraram, do que
na produção de certos sons. Além disso, perde-se a ao colocarem novas próteses. Enquanto, os sujeitos
propriocepção dos dentes (Ghi, McGivney, 1979), o habituados a falar sem pelo menos uma das pró-
ligamento periodontal e um rico suprimento de ter- teses, ao colocarem as próteses superior e inferior,
minações nervosas (Sutcher et at., 1973) e mesmo referiram muita dificuldade, não apenas na primeira
após a reconstrução protética muitos problemas semana (Felício, 1998).
poderão surgir. Apesar da importância da comunica- Assim, a adaptação se dá mais rapidamente
ção oral, a fala de pacientes com próteses dentárias quando já houve um treino prévio de uso de protéses
têm recebido pouca atenção de pesquisadores nos (Chierici, Lawson, 1973). Contudo, os problemas
anos mais recentes. poderão ocorrer em ambos os casos. Certamente,
Tanaka (1973) escreveu que a fonética não uma prótese nova que na sua confecção não foram
é considerada na construção das próteses até que levadas em consideração as regras para estabilidade
o paciente se queixe de inabilidade para produzir e conforto ocasionará muitos problemas aos usuá-
certos sons com a prótese. A falta de informações rios (Felício, 1998), porque a perda dos receptores
aplicáveis clinicamente sobre a influência de pró- sensórios relacionados aos dentes e a distorção de
teses dentárias em outras funções orais, além da outros (ligamentos, tendões, articulações temporo-
mastigação, tem sido apontada (Chierici et at., mandibulares e músculos) por uma reposição não
1974). fisiológica, isto é, próteses mal-adaptadas, combi-
Chierici, Lawson (1973) explicaram que o pa- nam-se para enviar uma informação proprioceptiva
ciente usualmente mantém uma fala aceitável se sua confusa ao sistema nervoso central, que para produ-
prótese satisfaz os requisitos funcionais e estéticos, zir ótimos comandos motores deve receber também
mas que é comum esses pacientes se queixarem de ótima informação sensória (Sutcher et at., 1973).
sua fala, e isso exige um diagnóstico correto antes Além disso, as alterações musculares da língua,
de qualquer intervenção. lábios, bochechas, já mencionadas anteriormente,
Torna-se importante destacar que a adaptação podem contribuir para a dificuldade na articulação
do paciente às próteses inclui melhoria da mastiga- da fala.
ção, deglutição, repouso e clareza da fala. Embora, A adaptação em relação à fala sofre influên-
vários estudos mostrem que a adaptação da fala cia também de fatores tais como, a necessidade
pode ocorrer em um mês, vários pacientes sentem de falar no trabalho e a aceitação psicológica das
dificuldade por mais de seis meses (Chierici, Law- próteses.
son, 1973). As reações ao problema são variadas, As possíveis medidas para se resolver as alte-
alguns não notam sua própria dificuldade que para rações na fala em usuários de prótese devem levar
os ouvintes são evidentes. Outros, queixam-se mui- em conta avaliações prévias e posteriores à sua
to, embora os ouvintes percebam como alterações colocação, analisando se há realmente uma relação
mínimas da fala (Palmer, 1979). de causa e efeito, isto é, se as próteses prejudicam
Um dos aspectos que contribui para a satisfa- a qualidade da comunicação oral, ou se existe algum

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outro problema associado. Contudo, como a fala de oral para favorecer a adaptação à prótese.
uma pessoa desdentada (sem próteses) estará fre- Os nossos objetivos na terapia miofuncional
qüentemente comprometida em termos de clareza, com usuários de prótese total são: desenvolver
além de já ter ocorrido uma adaptação à condição. padrões funcionais compatíveis com o uso de próte-
Assim, alguns cuidados devem ser tomados nessas ses, acelerar a adaptação funcional e evitar que os
avaliações, considerando-se também a possibilidade sujeitos deixem de usar as próteses por dificuldade
de patologias neurológicas. de adaptação ou que desenvolvam mecanismos
A adaptação também pode ser dificultada, compensatórios.
porque algumas pessoas por vergonha ou por Assim, após a avaliação e a compreensão dos
medo de que as próteses caiam, passam a limitar fatores que estão dificultando a adaptação, nos
os movimentos labiais (Silverman, 1984) e man- casos em que as desordens não forem apenas de-
dibulares, mesmo que já tenham usado próteses correntes de próteses incompatíveis com as funções,
anteriormente. o Fonoaudiólogo atuará para equilibrá-las.
São empregadas manobras como compressas
Postura Corporal e massagens, para estimular a musculatura facial e
Outro aspecto que merece atenção é a postura elevadora da mandíbula, bem como para eliminar
corporal, pois o paciente mantendo o pescoço numa pontos de tensão.
posição flexionada causará protrusão da mandíbu- Visando preparar a musculatura para as fun-
la, criando contatos anteriores prematuros, que ções, são empregados exercícios mioterápicos,
se revelam durante a fala pelos choques entre as específicos para reduzir o volume da língua, dis-
próteses (clicks), ocorrendo, além disso, irritação tender a musculatura labial e aumentar a atividade
da mucosa oral, alterações respiratórias e tensões dos músculos elevadores da mandíbula, bem como
na região cervical, que por sua vez prejudicam a para melhorar a mobilidade e a coordenação entre
qualidade da voz. os vários componentes. Posteriormente, são reali-
Farah, Tanaka (1997) estudaram a postura zados treinos para cada uma das funções, de modo
e a mobilidade da coluna cervical e do tronco em compatível com a condição de protetizado.
pacientes portadores de alterações miofuncionais, Nesse processo, é essencial que o paciente te-
mostrando a interdependência das estruturas en- nha consciência de suas necessidades e se empenhe
volvidas. para alcançar as mudanças e atingir o equilíbrio do
Resumindo, podemos dizer que os problemas sistema estomatognático.
de adaptação podem estar relacionados às próprias
características das próteses totais ou às desordens CONSIDERAÇÕES FINAIS
miofuncionais, que atuam como forças que desequi- A saúde oral tem conseqüências para a saúde
libram as próteses, acelerando a reabsorção alve- geral e qualidade de vida. Pessoas desdentadas que
olar, provocando lesões na mucosa e até mesmo o não fazem uso de próteses totais, ou cujas próteses
abandono das próteses. Contribuem ainda, fatores não estão adaptadas, apresentam prejuízos nas
emocionais e posturais. funções orais, dentre elas, a mastigação, a fala e a
deglutição, bem como na estética facial. Para recu-
TERAPIA MIOFUNCIONAL ORAL perá-las a reabilitação protética é fundamental.
A terapia miofuncional tem sido sugerida para Além disso, o exame clínico desses sujeitos
solucionar os problemas de adaptação de próteses deve compreender a avaliação miofuncional oral,
decorrentes das desordens funcionais. Plainfield para que se possa identificar as alterações muscu-
(1977), Silverman (1984) e Cunha, Zuccolotto lares que comprometem a adaptação funcional. Em
(1999) indicaram a avaliação miofuncional dos muitos casos, a terapia miofuncional pode facilitar
pacientes com queixas de dor e deslocamento da a adaptação das próteses, restaurando a possibi-
prótese ao falar, bem como a terapia miofuncional lidade de realizar as funções estomatognáticas de

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modo equilibrado e compatível com a presença das porque o tratamento do idoso difere em muitos
próteses na cavidade oral. pontos daquele utilizado para os mais jovens. Pa-
Também, o que significa para cada pessoa ciência, diálogo e compreensão são o que muitos
perder todos os dentes e colocar próteses totais desses pacientes esperam ao serem atendidos
deve ser considerado pelos profissionais que atuam por profissionais da saúde e como resultado final
na reabilitação oral. do tratamento desejam poder realizar as funções
É importante salientar, que devemos tratar orais sem dor ou maiores danos, recuperando com
o paciente procurando considerar os aspectos isso, o prazer de se alimentar, de se comunicar e
biológicos, psicológicos, sociais e econômicos, de conviver socialmente.

Felício CM de, Cunha CC. Relation between oral myofunctional conditions and adaptation of complete dentures. PCL 2005; 7(36):195-202.

When natural teeth are lost, functions such as mastication, swallow and speech are frequently
compromised, thereby possibly demanding negative consequences not only to other organic functions,
but also to individuals’ social interaction. Aiming to improve the life quality of elderly population,
the authors describe, in the reported study, the possible oral myofunctional disorders observed in
completely edentulous subjects, as well as the implications of such disorders to the adaptation of
complete dentures. The oral myofunctional therapy is indicated to favour the balance of the structures
that constitute stomatognathic system.

KEYWORDS: Myofunctional; Swallow; Mastication; Speech; Complete denture.

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