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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA PARA O

DESENVOLVIMENTO SOCIAL – PPGTDS

Disciplina : Tecnologia e Gênero – T. 2018.1


Professor: Celso
Aluno: José Antônio Casais Casais DRE: 117026377

A Educação Inclusiva na Sala de Recursos: É um caso de


Feminização do Trabalho Docente?
José Antonio Casais Casais

RESUMO: O presente artigo estuda à luz do feminismo perspectivista de


Londa Schienbinger e do feminismo materialista de Helena Hirata e Silvia
Federici, sobre o Trabalho Docente em casos específicos da Educação
Inclusiva. Uma vez que, o Cuidar é principio básico de quem atua na Educação
Especial - ao mesmo tempo que este princípio está intrinsecamente e
extrinsecamente no sistema capitalista - com objetivo de identificar a visão de
trabalho docente dos professore(a)s lotados em salas de recursos de escolas
municipais no Brasil. Também apresentamos os resultados desta investigação
empírica, realizada no primeiro trimestre de 2018, sobre o tema da educação
inclusiva e pedagogia social, a partir de uma análise das novas atribuições do
professor(a) nesta função de trabalho docente em escolas públicas com alunos
inclusos, que visam processos inclusivos muitas das vezes de visão
androcêntrico.

Palavras-chave: Educação inclusiva - gênero - trabalho docente - divisão


sexual do trabalho.

1. INTRODUÇÃO
No presente estudo busca compreender a visão de trabalho docente que
os professores da escola pública, engajados numa perspectiva da educação
inclusiva possuem desse conceito.
Trabalho, em sentido amplo como proposto por Karl Marx em O Capital,
é toda a atividade humana que transforma a natureza a partir de uma matéria
fornecida, em outras palavras, "o trabalho é um processo entre o homem e a
natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e
controla seu metabolismo com a Natureza" (MARX 1996, p.297).
Assim sendo, o homem se transforma à medida que transforma a
natureza, e de acordo com Marx, o homem faz a mediação dessa
transformação da natureza pelo trabalho, porém as conceituações de trabalho
e do trabalho docente são termos para os quais nos parece indispensável
buscar um referencial teórico específico em relação ao processo de formação e
percepção que os professore(a)s da Educação Especial provavelmente terão
desses conceitos.
Hirata (2009) aponta para uma reinterpretação do conceito de trabalho
de Marx, agora não mais como relações de trocas entre o homem e a natureza
que tendem a ser naturalizadas e não historicizadas, modelo de trabalho
assexuado, mas sim como relações sempre específicas entre homens (os
homens e as mulheres) e as naturezas, em que o sujeito do trabalho está
sobre controle do capitalista ao qual pertence o produto do seu trabalho. Isto
nos fornece a possibilidade em pensar no sexo social, e na definição da divisão
sexual do trabalho.
Além disso, o surgimento da noção de trabalho assalariado, gerou a
história da separação entre o trabalho e o trabalhador, este trabalhador é o ser
da subjetivação, preso aquilo que deve se responsabilizar - o trabalho
(operações objetificadas).
De outro modo, a noção de trabalho doméstico é o oposto da
objetificação: o trabalho domestico é associado às relações de família baseada
na "ociosidade" que a maternidade e a vida conjugal das mulheres estão
estabelecidas. Nesse sentido, se inter-relacionam a captação do tempo e a
produção do viver, da reprodução: o trabalho assalariado e o trabalho útil, que
adotamos na presente pesquisa como categoria de analise do trabalho docente
na sala de recursos..
Barbara Castro e Mariana Roncato (2016) ao entrevistarem Helena
Hirata sobre o trabalho de mulheres, reafirmou na resposta dela, que o gênero
ainda não se estabilizou como categoria dentro dos estudos do trabalho,
mesmo passado mais de 40 anos em que o gênero foi introduzido como
categoria dentro da sociologia do trabalho.
Outra referencia muito citada em estudos culturais na Educação, Henry
Giroux (2003) concorda sobre a divisão sexual do trabalho, principalmente no
setor de serviços como a da educação em escola pública, que aponta o fato de
feminizar o ensino,.
Outro ponto de vista, em Londa Schienbinger (2001 p.349) esclarece
questões de sociedade e cultura, que embora a pesquisa dela é no contexto
norte-americano, também se aplica em países ocidentais, sobre a falsa noção
de individualismo que está incorporada numa divisão de trabalho social e
intelectual, que é mais significativa profissionalmente nas mulheres que nos
homens, onde permanecem estruturas básicas intocadas , por exemplo, as
divisões sexuais, as instituições de estrutura física e intelectual, tecnológica e
de objetos do cotidiano, que evidência a esfera privada para as mulheres e a
esfera pública para os homens.
Nesse ponto de vista, o que Londa Schienbinger diz é que diferentes
formas de organizar as vidas privadas e do trabalho produzem resultados
diferentes para as mulheres.
Silvia Federici (2004),. corrobora com Londa Schienbinger enfatizando a
tendência de atribuir a especialização das tarefas laborais, de modo exclusivo,
nas mudanças que o capitalismo introduziu na produtividade do trabalho. As
vantagens que a classe capitalista extraiu da diferenciação entre trabalho
agrícola e industrial e dentro do trabalho industrial, se reduzem quando
comparadas as extraídas da degradação do trabalho e da posição social das
mulheres. Esta autora defende que a diferença de poder entre mulheres e
homens e o disfarce de trabalho não remunerado das mulheres por trás da
farsa sobre a inferioridade feminina, permitiram ao capitalismo ampliar o
serviço não remunerado do dia trabalhado, e usar o salário (masculino) para
acumular trabalho feminino.
Portanto, a conclusão de Federici é que historicamente a acumulação
primitiva do capital, na verdade é uma acumulação de diferenças,
desigualdades hierarquias e divisões que separaram os trabalhadores entre si
e, inclusive, alienaram a eles mesmos.
Retomando a presente pesquisa, do ponto de vista histórico temos um
paralelo na divisão que ocorre dentro do trabalho no sistema educacional
brasileiro como um todo.
Além disso, em Batista (2011) define a sala de recursos (SR) como
salas com materiais diferenciados e profissionais preparados especificamente
para o atendimento às diversas necessidades educativas especiais dos alunos.
Esse autor chama a atenção para a centralidade da sala de recursos como um
dispositivo pedagógico prioritário na política de Educação Especial
contemporânea, tendo em vista sua característica de não substituição do
espaço da sala de aula regular e sim como complementar/suplementar de tal
sala.
Lembremos que a inclusão escolar de pessoas com necessidades
especiais é um fato, porque a educação especial deixou de ser uma
modalidade substitutiva do ensino comum para pessoas com deficiência,
tornando-se uma modalidade transversal e complementar/suplementar da
formação de alunos com necessidades especiais, um sistema educacional
inclusivo como proposto na Meta 4 do PNE de 2014.

2. METODOLOGIA
O tipo de metodologia da pesquisa é qualitativa e o objeto de estudo é o
trabalho do professor(a) da sala de recursos em escolas municipais de Duque
de Caxias - RJ., que de acordo com o censo escolar de 2017,.esse município
possui 174 unidades escolares, dos quais foram selecionados 5 escolas de
diferentes regiões, que tenham sala de recursos para o corpus da pesquisa, e
mantenha a representatividade entre os distritos do município..
Elaborou-se um questionário para entrevistar em uma amostragem não
paramétrica dos professores que trabalham em escolas públicas municipais da
cidade de Duque de Caxias - RJ, lotados em sala de recursos (SR), de modo a
responder perguntas com objetivos específicos a serem analisados que
envolvessem as condições de trabalho e como encaminham o apoio que são
fornecidos aos processos inclusivos dos alunos matriculados na SR para a
comunidade escolar (professores de classe regular, famílias dos alunos, equipe
diretiva, funcionários e corpo discente).
As entrevistas foram enviadas por e-mail aos quatro participantes da
pesquisa. A escolha do envio por e-mail ocorreu devido à distancia, dificuldade
de horários compatíveis e falta de tempo dos entrevistados. Podemos garantir
que esse tipo de procedimento em momento algum empobreceu ou prejudicou
a coleta e análise dos dados, muito pelo contrário as questões foram
desenvolvidas de acordo com os objetivos gerais e específicos propostos por
este trabalho e contribuíram para a coerência do desenrolar desta pesquisa.

3. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


Passemos a apresentação das informações obtidas por entrevistas e a
análise qualitativa dos dados.
Diante da proposta dessa pesquisa, selecionamos quatro indivíduos
que se encaixavam no perfil de professoras itinerantes ou agentes de inclusão.
Segue um quadro do questionário estruturado da relação das perguntas com
seus propósitos:

Perguntas Propósito
a) Dados de identificação: Idade, sexo, formação Conhecer aspectos gerais de sua
acadêmica, tempo de serviço no magistério, e tempo formação inicial e experiência;
de trabalho docente na sala de recursos.
Número de alunos atendidos por deficiências
b) - No contexto escolar quais os anseios, perspectivas e Conhecer o caminho
conquistas já alcançadas?” profissional traçado em sua
- Que dificuldades ocorrem para adaptar atividades formação continuada, vivência e
de alunos de Educação Especial na sala de recursos? formação humana

c) - Em sua opinião o que pode ser feito para melhorar Identificar a visão que o
o atendimento na Sala de Recursos? professor manifesta do próprio
trabalho docente
d) - Que materiais pedagógicos adaptados existem? Cite Perceber se a precarização do
os principais e quem os fornece. trabalho docente está presente
. .Na escola em que atua, há infraestrutura adaptada
para a inclusão de alunos publico alvo da Educação
Especial? Exemplifique

e) - Como são estabelecidos os contatos entre você e o Identificar como se constitui a


prof(a) da Classe Comum para discutirem sobre os rede de contatos e se surge um
alunos que estão sob responsabilidade de ambos? grupo social que segue a
- É realizado algum tipo de orientação por parte da “bandeira” da inclusão na
escola ou da SME nas atividades desenvolvidas com comunidade escolar em que
os alunos? atua.

f) Que ações você considera necessárias para que a Observar se o professor de


inclusão de alunos da Educação Especial ocorra de educação especial possui outras
maneira satisfatória? motivações do trabalho, e a
- Você acredita que incluir alunos público-alvo da tipologia de intelectual que
Educação Especial em classes comuns é uma forma assume..
adequada de inclusão? Por que?
- O que você faz na escola fora o ato de dar aula
(atividade sindical, cursos, etc) ?
Assim, conforme evidenciado no termo de consentimento livre e
esclarecido de forma a preservar a identidade das participantes, substituiremos
os seus nomes, bem como o nome das escolas em que trabalham. Neste
sentido os 4 docentes passaram a ser representadas por algarismos românicos
de I a IV. A entrevista foi dividida em duas partes. A primeira parte com
questões que atendiam o objetivo A citado anteriormente e a segunda parte
para os demais objetivos. Esses dados foram organizados nos quadros de
respostas do questionário a seguir:

Quadro 1 Dados de identificação dos entrevistados


Docente Sexo e Idade Tempo de trabalho docente / trabalho docente na SR: em anos
Feminino e
I 15 / 5
38 anos
Feminino e
II 24 / 24
44 anos
Feminino e
III 24 / 14
46 anos
Feminino e
IV 12 / 9 meses
53 anos

Os indivíduos selecionados apresentavam a seguinte formação


acadêmica:

Quadro 2 Formação Acadêmica do docente entrevistado


Docente Graduação / Pós-graduação
I Pedagogia com Habilitação em Ed. Especial
II Pedagogia com doutorado em psicologia
III Supervisão Escolar com especialização em Ed. Especial com ênfase em surdez
IV Licenciatura em Biologia e Psicologia com Mestrado em Educação

O quadro a seguir mostra o público atual, os alunos atendidos pelos


entrevistados para apoio em processos inclusivos de classes regulares nessa
pesquisa.

Quadro 3 Alunos atendidos por deficiências


Número de
Docente Por tipo de deficiência de Educação Especial
alunos atendidos
9 com D.I. (deficientes intelectuais), desses um com
I 12
microcefalia e outro com Síndrome de Noonan e 3 Autistas

II 12 12 com D.I , sendo um com síndrome de down


9 com D.I por etiologias médicas variadas e um com síndrome
III 9
de Down
IV 8 os 8 com D.I

A análise dos quadros acima indica que os docentes entrevistados


apresentam uma qualificação adequada e diferentes trajetórias acadêmicas,
vindo a culminar em trabalho docente para o apoio na inclusão de alunos com
necessidades especiais em classes regulares.
Se tomarmos um dos significados de trabalho em Hirata e Federeci, o
que configura-se como protoforma da práxis social, no sentido do trabalho
como categoria de mediação, a possibilidade do salto ontológico entre os seres
anteriores e o ser que se torna social, em boa medida podemos dizer o mesmo
entre o trabalho docente comum e o trabalho docente em uma sala de
recursos, esse trabalho mostra-se como sua categoria originária. Elas também
ressaltam que o conhecimento social produzido pela ciência tem seu objetivo
circunscrito pela lógica do capital ao mesmo tempo em que ocorre a
apropriação desigual dos resultados e benefícios da ciência e tecnologia, bem
como do aumento da produtividade do trabalho social (diferença de gêneros).
Essas autoras evidenciam que a teoria do valor (assalariado ou não) reconhece
o papel crescente da ciência, mas afirma que esta se encontra impedida em
seu desenvolvimento pela base material das relações entre capital e trabalho, a
qual se encontra submetida, como mostra o quadro seguinte:
.
Quadro 4: Resumo das respostas dos docentes ao indagar a seguinte questão: “No contexto
escolar quais os anseios, perspectivas e conquistas já alcançadas?”
Docente Resposta
“Em minha trajetória, tenho por certo, ser a minha maior conquista a certeza de que são
comuns os processos de aprendizagens, sejam vivencias direcionadas a pessoas com ou
sem deficiência. Tenho pontuado as diretrizes de pesquisa e adaptações em meu
trabalho, […] De forma comum, a qualquer professor, indiferente aos espaços e níveis
I em que atuam, tenho na ausência de atendimentos, sejam estes sociais ou de saúde,
assim como, na fragilidade das estruturas familiares, entraves a processos de
aprendizagem, de acesso e permanência dos alunos […] Acredito que portadores de
deficiência, encontram, por vezes, ainda mais obstáculos na construção de sua
autonomia e na vivência de processos de interações sociais. […], Este grupo se encontra
em “desequilíbrio” em relação a outros grupos, não se podendo afirmar, ser a deficiência
sua razão de “fracasso”; embora, esta ainda seja utilizada como explicação para o não
acesso aos mesmos espaços e experiências que muito contribuem no processo de
construção de saberes, deste ou de qualquer outro grupo de pessoas. “

“Anseios – que os alunos possam acompanhar as atividades do ensino regular


II Perspectivas – desenvolver um currículo adaptado às necessidades dos alunos
Conquistas – realizar uma integração efetiva dos alunos no ensino regular “
“Os maiores anseios e perspectivas são que os alunos consigam se desenvolver, dentro
de suas limitações e que as famílias sejam participativas e busquem tratamentos
III adequados para as crianças. As conquistas são os próprios avanços dos alunos, a
interação deles com os demais e a autonomia diária que eles vão adquirindo.”

“Os anseios são que os alunos sejam atendidos em suas necessidades. As perspectivas
residem nos avanços significativos dos alunos. As conquistas são progressivas e
IV perpassam desde a situação da família que buscou um atendimento clínico ou cirúrgico
antes negligenciado, da escola que passou adotar uma atitude mais consciente frente aos
alunos especiais até o progresso do desempenho do aluno.”

A fala dos docentes no quadro 4, remete ao olhar de uma perspectiva de


Hirata em relação ao trabalho,

“(...) se você está presente e você insiste na questão do gênero, ela


aparece. Mas se as pessoas que estão preocupadas com a questão
do trabalho e gênero não estão presentes, (...) (Entrevista com
Helena Hirata 2016, p.296)

Em essência, todo humano, fora de sua profissão é um “filósofo”, um


artista que participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente
de conduta moral, que contribui para promover novas maneiras de pensar. Vale
ressaltar uma comparação das respostas, pois convergem no sentido de
desejarem na prática de intervir no desenvolvimento social dos alunos inclusos,
e não apenas em pensamento.
Mas, a polissemia da teoria do Cuidado, ligado a função social que
essas professoras exercem, em que care (do inglês) pode significar cuidado,
solicitude, preocupação com o outro ou ainda atenção às necessidades do
outro (Hirata, 2012, p. 42), dificulta a analise dos anseios das docentes
entrevistadas.
Quadro 5: Resumo das respostas ao indagar os docentes a seguinte questão: Em sua opinião o
que pode ser feito para melhorar o atendimento na Sala de Recursos?
Docente Resposta
Capacitação para os professores e maior participação das famílias. Por ser um
atendimento feito no contra turno, os alunos são faltosos e as famílias não percebem que
I
isto atrapalha o desenvolvimento do educando.

Recursos materiais, porque os recursos humanos, que somos nós, se desenvolvem e


II buscam o melhor, mas sem recursos materiais fica reduzida as possibilidades de ação

Nas escolas, principalmente as públicas, temos vivenciado a falta de clareza quanto às


responsabilidades de cada pessoa envolvida com este público. As relações não se
estabelecem de forma cooperativa, é possível perceber, que os diferentes setores, se
lançam a objetivos e atuam sobre princípios distintos.
Nos falta cooperação e autonomia, comumente, as decisões são do poder público, e seus
representantes. Família, escola e saúde, muitas vezes, se veem, em conflito não havendo
um mediador real, e mesmo que, como acontece em minha rede, haja documentações que
III
atribuem estes papéis ao profissional da educação especial, é sabido, não haver estrutura e
validade social para isto, pois, mesmo em um segmento mais específico, e “valorizado”,
ainda somos, aos olhos da sociedade, apenas professores, mesmo que “especiais”.
No que se refere ao valor social, à saúde se sobrepõe em sua legitimidade imediata as
necessidades destes educandos, e o poder público, determina as condições de trabalho dos
educadores, reforçando, muitas vezes, a subserviência, da escola aos outros envolvidos
nos processos de desenvolvimento deste educando.

Atualização constante dos professores, cursos de capacitação com oficinas que


contemplem o cotidiano do trabalho desenvolvido, aquisição de m
IV
materiais e tecnologias específicas, participação efetiva dos responsáveis no emprego das
atividades desenvolvidas.

Essa pergunta no questionário procurava captar a visão dos professores


nesse trabalho docente, entendido em seu sentido mais genérico e abstrato,
como produtor de valores de uso, o trabalho é expressão de uma relação
metabólica entre o ser social e a natureza.. O que vai aflorar aqui a práxis
social interativa, cujo objetivo é convencer outros seres sociais a realizar
determinado ato teleológico. Isso se dá porque o fundamento das posições
teleológicas intersubjetivas tem como finalidade a ação entre seres sociais
(Antunes, 2005, p.139)
Docente II esclarece melhor essa visão ao focar sua resposta na falta de
recursos materiais, o valor de uso se coloca no recurso humano, no caso o
professor.
Porém, se não considerarmos a intersecção entre raça, sexo e mulheres
como apontado por Ângela Davis

“A dona de casa, num importante sentido, é o seu trabalho: a


separação entre o objetivo e o subjetivo dos elementos nestas
situações é intrinsecamente mais difícil.” (DAVIS, 2016, p.170)

O paralelo na divisão do trabalho docente na organização do trabalho


escolar investigado nesse artigo, com o trabalho doméstico e proletário se
evidencia.
O quadro de respostas a seguir, se relaciona a questão de precarização
do trabalho, um dos motivos é essa falta de recursos materiais.

Quadro 6: Resumo das respostas ao indagar os docentes a seguinte questão: Que materiais
pedagógicos adaptados existem? Cite os principais e quem os fornece.
Docente Resposta
Na SR há um computador, um teclado colmeia, um mouse leitor e livros em braile,
que foram fornecidos pelo Governo Federal. Os jogos de madeira [...] foram
comprados pela escola e a maioria, pela própria professora. Não há softwares
educativos, que facilitariam muito a aprendizagem dos alunos NEE. Porém, a
I
professora, baixa em seu próprio celular [...] jogos que facilitam a aprendizagem,
para trabalhar com os alunos, principalmente os autistas. Os outros materiais
adaptados são feitos com sucata, pela própria professora.

Todos os materiais adaptados que pode imaginar e que necessito, eu tenho, comprado
II com os meus recursos

Utilizamos de forma contínua as relações coletivas em jogos e brincadeiras, e de


forma individualizada ou em agrupamentos, as letras móveis, quadro imantado,
quadro branco, atividades e recursos ampliados [...] Sendo priorizado em alguns
componentes curriculares, o uso de vídeos, favorecendo a participação e a realização
coletiva das propostas de consolidação destas aprendizagens. Jogos pedagógicos
online, utilizando-se os recursos pessoais dos professores (celulares, tablet,
III
computadores), se mostram de grande interesse dos alunos, e facilitam os aspectos de
participação. [...] .
Até o presente momento, os materiais fornecidos pelo poder público não se
diferenciaram em relação a alunos com ou sem deficiência, sendo na verdade, muitas
vezes, ausentes ou insuficientes para todos.

Os materiais pedagógicos são confeccionados constantemente de acordo com as


demandas dos alunos. Os materiais existentes precisam ser renovados ou adquiridos
novos, pois muitos estão incompletos. Estou sempre comprando materiais [...]. Há
dois computadores sem acesso à internet. Normalmente uso o meu notebook para
IV
realizar as atividades com os alunos. Necessário também fazer a maioria das
impressões. Confeccionei recentemente um livro sensorial dentro da proposta do
planejamento anual da escola.
Antunes explica que sob a condição da separação absoluta do
trabalho, a alienação assume a forma de perda de sua própria unidade:
trabalho e lazer, meios e fins, vida pública e vida privada, entre outras formas
de disjunção dos elementos de unidade presentes na sociedade do trabalho.
Os docentes no quadro acima agem nesse sentido, a despeito de seu local de
trabalho (Sala de Recursos) não fornecer condições para desenvolver todo o
potencial de conhecimento técnico que adquiriram, para isso como todos elas
colocaram, retiram do próprio bolso, a fim de que possam sair deste fenômeno
de precarização do trabalho.
De outro modo, Sardenberg (2001) questiona como deveriam as
mulheres, enquanto “sujeitos do conhecimento”, se colocarem em relação ao
seu “objeto”, ou ainda, "Deveriam se manter distanciadas do objeto de
investigação, mesmo que este fosse “mulheres” ou o “feminino”, sustentando
assim os princípios da “objetividade científica” ? Será que abdicando desses
princípios e, assim, da “autoridade na razão” ? São mais suscetíveis a
trabalharem de modo precarizado do que em um ambiente de trabalho
masculinizado.

Quadro 7: Resumo das respostas ao indagar os docentes a seguinte Como são estabelecidos os
contatos entre você e o prof(a) da Classe Comum para discutirem sobre os alunos que estão sob
responsabilidade de ambos?
Docente Resposta
I Em encontros semanais, quando possível, dentro das 4 horas de planejamento ou através
de mensagens por Whatsapp, quando é algum problema mais urgente.

II Nos grupos de estudos e visitas às escolas onde estes estão matriculados no ensino
regular

III Segundo normativa da Secretaria de Educação, dentro do horário estabelecido para


Planejamento, se encontram as atribuições de interações, documentações, e produção de
materiais; desta forma, são estes os espaços oficiais.
Na prática, entretanto, muitos professores do ensino regular ainda não possuem horário de
planejamento oficial, e por muitas razões, quando existem, não coincidem com os da
educação especial. Todas as interações, propostas e ações partilhadas são realizadas a
partir das demandas, e possibilidade do cotidiano, sendo comumente garantidas pelo
compromisso dos profissionais, intensificadas em períodos de avaliação e planejamentos
coletivos, e permanentes por períodos diferenciados, na entrada de novos alunos.
Em minha unidade de ensino, nos processos de planejamento, organização, efetivação e
avaliação, a participação do profissional da educação especial é garantida, tendo,
autonomia para propor intervenções e temáticas. Entretanto, a cada ano, os espaços
coletivos, destinados a esse fim, se mostram diminuídos no calendário oficial.
IV Normalmente por via informal, porém com objetivos definidos. Por exemplo, orientei a
professora da classe regular a adotar letra de forma com o aluno que atendo na sala de
recursos, a partir da sua reclamação de que o aluno era muito lento para copiar do quadro.
Constatei que este aluno não sabia escrever com letra cursiva.

Quadro 8: Resumo das respostas ao indagar os docentes a seguinte questão: Você acredita que
incluir alunos público-alvo da Educação Especial em classes comuns é uma forma adequada de
inclusão? Por que?
Docente Resposta
I Em parte. Para o aluno NEE é importante que ele esteja com os demais alunos, pela troca
e interação. Isso facilita o desenvolvimento deles. Porém, os professores do ensino
regular ainda têm muita resistência para receber esse público em sala de aula, além de não
terem, muitas vezes, formação adequada
II Depende do aluno e do grau de déficit apresentado e suas reais necessidades

III Acredito plenamente na inclusão, no uso comum dos espaços, recurso e profissionais.
Embora tenha plena consciência das dificuldades que enfrenta o professor do ensino
regular, como em tempos anteriores, a negativa de acesso de grupos “diferentes”, não
facilita o processo educacional, mas o mascara. [...] .Saberes e tecnologias foram
desenvolvidos na busca de oferecer as novas gerações sua inclusão nos processos sociais
e superação das dificuldades não vencidas pelas gerações anteriores, neste sentido,
portadores de deficiência não são atemporais, possuem uma identidade, na qual devem
partilhar com sua geração, processos de acesso e superação. [...] A vida se dá em um
contínuo, no qual o encontro e a superação não devem acontecer somente na escola, mas
devido a sua importância histórica como mecanismo de sobrevivência e superação, por
ela deve ser defendido.

IV Depende de como é realizado. ´Há casos que são indispensáveis o agente de apoio à
inclusão. Na nossa escola, uma professora entrou em estresse máximo devido à ausência
deste auxilio numa turma de educação infantil [...]

Nos quadros 7 e 8 podemos enfatizar com as falas destes, que os


professores assumem responsabilidade ativa pelo levantamento de questões
sérias acerca do que ensinam, como devem ensinar, e quais são as metas
mais amplas pelas quais estão lutando. Isto significa que eles são responsáveis
na formação dos propósitos e condições de escolarização, mesmo de alunos
com necessidades especiais. Tal tarefa é impossível com uma divisão de
trabalho na qual os professores têm pouca influência sobre as condições
ideológicas e econômicas de seu trabalho. (GIROUX, 2003).
Quadro 9: Resumo das respostas ao indagar os docentes a seguinte questão: Que ações você
considera necessárias para que a inclusão de alunos da Educação Especial ocorra de maneira
satisfatória?
Docente Resposta
I A SME precisa oferecer capacitação contínua para os professores do Ensino Regular, já
que muitos não possuem nenhum tipo de formação e acabam não fazendo um trabalho
diferenciado com os alunos. A escola precisa receber também, mais mediadores para
auxiliar o aluno em sala de aula.

II Formação, recursos físicos e estruturais e pessoal de apoio

III Considerando-se a inclusão escolar deste público, como um processo que a princípio se
respaldaria em anteriores processos de inclusão social, notadamente a existência de
políticas públicas, que se mostram ausentes ou insuficientes, em diferentes setores,
possibilitando acessos e interações a estes grupos, e a escola, assim como outros espaços,
teriam garantidos recursos necessários as adaptações estruturais e a construção de novos
significados.
Neste processo, a escola se somaria a este movimento, e não seria como hoje nos querem
fazem crer, a principal responsável pela aceitação, participação e significado social destes
alunos.
Com a entrada de portadores de deficiência no ensino regular, ganhasse muito em relação
ao necessário desequilíbrio das certezas, que fundamentam algumas práticas, mas também
se ressaltam as necessidades estruturais, de tempo, organização e aprendizagem que estes
grupos necessitam, e que hoje se mostram insuficientes para qualquer outro grupo já
incluído nos processos escolares.
Sendo, notadamente impossível, para o espaço escolar, oferecer, por seus próprios meios,
o que se mostra necessário a estes grupos; se torna comum, em um processo de
incertezas, esquecer-se daquilo que se pode oferecer, do significado do conviver, e sua
função no aprender, deles e nosso.

IV As ações devem levar em conta as necessidades dos alunos e não de atender um pré-
requisito imposto. Assim, alguns alunos precisam ter o seu tempo na escola abreviado,
pois um tempo maior pode ser gerador de prejuízos para todos.

Quadro 10: Resumo das respostas ao indagar os docentes a seguinte: O que você faz na escola
fora o ato de dar aula (atividade sindical, cursos, etc) ?
Docente Resposta
I : Participo de cursos, mas nenhum deles financiados pela prefeitura. O que faço é por
conta própria, procuro estar sempre lendo artigos acadêmicos e livros, para me atualizar.
Porém, tudo isso eu faço fora da escola, não no meu horário de trabalho. Participo de
atividades sindicais, quando há e dentro do possível.

II ----------------------------------------------------------------------------------------------
III Nas unidades de ensino de Duque de Caxias, temos como pressuposto, a relação do
contínuo aprender, neste sentido, a participação nas capacitações (hoje mais raras),
acessos a espaços culturais e participação nos movimentos sindicais se mostram
permanentes.

IV Na escola só atuo na sala de recursos.


Os quadros 9 e 10 retomam o objetivo de procurar notar a representação
social que os professores lotados em sala de recursos adquirem, quanto a
inclusão de alunos em escola pública.
Uma análise do trabalho docente a luz das questões feministas de
gênero, essa fala das professoras de todas as entrevistas desse artigo
colabora com a hipótese de feminização do trabalho docente na sala de
recursos.
Como não foi possível localizar professores do gênero masculino nesta
função no município, procurei informação com uma gestora e implementadora
da Coordenadoria da Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação
de Duque de Caxias, e ela estimou que os homens são menos de 15 % na
rede municipal na educação especial., e no tempo em que ela esteve â frente
nesses 4 anos de gestão, não lembrou de homens em seus encontros de
formação continuada para as SR, as turmas foram integralmente femininas..

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho docente na educação especial tem características
peculiares, que colocam em evidência a questão dos intelectuais como previsto
por Henry Giroux. e a feminização do trabalho docente, muito estudado por
feministas desde os anos 70.
Podemos observar que os docentes envolvidos no estudo buscaram se
utilizar dos questionários da pesquisa para “serem ouvidos”, ou melhor, usaram
a oportunidade para terem visibilidade e relatar a “preocupação”, com as
crianças e adolescentes que são atendidas por elas em sala de recursos,
visando o desenvolvimento através da inclusão em classes comuns.
Pertile e Rossetto (2015) reforça a pesquisa do presente artigo em
seus estudos por analise documental das atribuições do professor que atua em
sala de recursos. Esses documentos estabelecem como é o trabalho direto
com o aluno em período de contraturno; o trabalho colaborativo para subsidiar
as ações e a formação do professor da sala regular; a elaboração de materiais
específicos para uso dos alunos nas salas de aula; a orientação à família; e a
articulação com setores e profissionais externos à escola que possam
colaborar para o atendimento às necessidades especiais dos alunos. Eles
apontam a responsabilização que é atribuído a esse profissional que não se
direciona apenas ao ensino, mas a várias atividades organizativas e
articuladoras dentro do espaço escolar e, possivelmente, fora dele. Nesse
sentido, por meio do programa da SRM (Sala de Recursos Multifuncionais), o
mesmo professor pode trabalhar com várias áreas. No entanto, cada área tem
um conhecimento específico e aprofundado.
Também em Hypólito (1997) que analisou o processo de feminização do
magistério em sua evolução histórica (considerando-se seus aspectos sociais,
políticos, econômicos e culturais), caracterizando-o como fenômeno que se
generalizou no ensino brasileiro e nos sistemas educacionais de vários países
ocidentais, ainda nos é contemporâneo, talvez ao longo desse novo século;
Finalizamos, citando Federici (2004, p171) diz que o Trabalhador
proletário é a negação do trabalhador individual e a afirmação do trabalhador
coletivo. Na análise desses pesquisadores, o docente é proletário na medida
em que sofre um processo de precarização e assalariamento e se afirma como
um trabalhador coletivo.

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