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Francisco Longo
EdiçõesFundap
Diretora Executiva
Neide S. Hahn
Coordenação editorial
Carlos H. Knapp
Tradução
Ana Corbisier
Lucia Jahn
Luis Reyes Gil
Paulo Anthero Barbosa
Revisão
Helena Jansen
Revisão técnica
Pedro Anibal Drago
Sandra Souza Pinto
Capa
Cristina Penz
Ilustração da capa baseada na escultura “Le Chariot” (1950), de Alberto Giacometti
Editoração eletrônica
Ricardo Serraino
Fevereiro/2007
Longo, Francisco
Mérito e lexibilidade: a gestão das pessoas no setor público / Francisco Longo; tradução
Ana Corbisier, Lucia Jahn, Luis Reyes Gil, Paulo Anthero Barbosa; revisão Helena Jansen;
revisão técnica Pedro Anibal Drago, Sandra Souza Pinto. – São Paulo: FUNDAP, 2007
246 p.
Tradução de: Mérito y lexibilidad: la gestión de las personas en las organizaciones del
sector público.
ISBN 978-85-7285-102-2
1. Administração de pessoal. 2. Administração de pessoal – Setor público. 3. Gestão de pessoas
– Setor público. I. Fundação do Desenvolvimento Administrativo – Fundap. II. Título.
CDD – 360.1
EDIÇÕES FUNDAP
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Telefone (11) 3066 5584
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livraria@fundap.sp.gov.br
Agradecimentos
Apresentação da edição brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1. A gestão das pessoas nas sociedades contemporâneas. . . . 23
2. O que o emprego público tem de diferente.
A função pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3. Gerir pessoas no setor público:
um sistema integrado de valor estratégico . . . . . . . . . . . . . . . 77
4. Os grandes subsistemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
5. As tendências de reforma da gestão das pessoas nas
democracias avançadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
6. Dirigentes públicos profissionais:
por que, para que e como . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
7. Os desafios do futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
Epílogo: mérito e flexibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
Como autor deste livro, tenho uma dívida de gratidão para com muitas
pessoas. Entre elas está antes de mais nada uma longa lista de gestores públi-
cos que participaram dos programas do IDGP da Esade1 nos quais exerci a
docência. Tenho consciência de ter recebido, deles, estímulos e ensinamen-
tos muito valiosos. Devo mencionar também os governadores e dirigentes que
coniaram na minha capacidade de consultor e assessor ao longo destes anos. E
também os meus alunos de nove promoções de MBA da Esade, que ano após
ano desaiaram minha capacidade para formar gestores de pessoas. As coisas
que aprendi com todos eles contribuíram para iltrar minhas percepções, apro-
ximar à realidade os meus pontos de vista e melhorar minha habilidade para
comunicá-los.
Esade, a instituição em que desenvolvo meu trabalho há mais de dez anos,
deve ser especiicamente destacada neste parágrafo. Sua coniguração aberta e
horizontal, que oxalá seja capaz de conservar durante muito tempo, proporcio-
nou-me o ambiente estimulante e de cooperação, necessário a todo o trabalho
intelectual, e o contato com as pessoas cuja contribuição generosa foi básica
para o meu crescimento proissional. Sua cultura humanista e plural facilitou
o engate de minhas convicções com os valores próprios do ambiente organiza-
cional em que trabalho. Sou consciente do privilégio que isso signiica. Nesse
ponto, dirijo minha gratidão a Lluís Pugès, o diretor que me contratou, e a
Carlos Losada, que um dia me sugeriu a incorporação e depois, com a respon-
sabilidade atual de diretor geral, manteve sua coniança em mim.
Dentro do Esade, recebi dos meus companheiros do Instituto de Direção
e Gestão Pública numerosas contribuições e uma inluência que, sem dúvida,
se traduzem naquilo que este livro terá de mais valioso. Em especial a freqüente
colaboração na docência, na pesquisa e na consultoria de Koldo Echebarría,
hoje licenciado, foi uma importante inluência para conigurar a minha forma
de entender a gestão pública, como também o foi o estreito contato proissional
que mantive esses anos com Xavier Mendoza, Alfred Vernis, Albert Serra e o já
citado Carlos Losada. Também expresso meus agradecimentos a Manolo Férez,
Rafa Jiménez Asensio, Pere Puig, Manel Peiró, Enric Colet, Roberto Quiroga,
1
NT: IDGP é o Instituto de Dirección y Gestión Pública, instituição da Esade (Escuela Su-
perior de Administración de Empresas), uma das dez mais prestigiosas Business Schools da
Europa.
Sam Husenman, Tamyko Ysa, Eduard Gil, Joat Henrich, Cristina Navarro e as
demais pessoas que colaboram com o IDGP.
Alguns colegas do departamento de Direção de Recursos Humanos da
Esade leram trechos do manuscrito e me passaram seus valiosos comentários.
É o caso de Carlos Obeso e de Ricard Serlavós, a quem devo um reconheci-
mento especial por ser o inspirador do modelo de gestão de recursos humanos
que adotei na época, apliquei e desenvolvi nos últimos anos e que, adaptado à
gestão pública, apresento neste livro.
A relação de trabalho com outras pessoas do mundo acadêmico propor-
cionou-me valiosas referências e comentários que beneiciam o livro. Nesse
ponto, devo citar Joan Subirats e toda a equipe do IGOV da Universidade
Autônoma de Barcelona; Manuel Villoria, do Instituto Universitário Ortega
y Gasset; Manuel Zafra e Frederico Castillo, do CEMCI de Granada; Miguel
Sánchez Morón, da Universidade de Alcalá de Henares; Alberto Palomar, da
Universidade Carlos III; Carlos Vignolo, da Universidade do Chile; Regina Pa-
checo, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; e Oscar Oszlak, da Universi-
dade de Buenos Aires. Agradeço também a Michael Barzelay, da London School
of Economics, e a Sonia Ospina, da New York University, pelos comentários
sobre um material prévio em que apoiei uma parte do livro.
Considero a experiência de dirigente público, no meu caso, como uma
fonte decisiva para o crescimento pessoal e proissional. Em particular, os oito
anos de trabalho na municipalidade de Barcelona foram para mim uma au-
têntica escola de gestão pública, sem a qual este livro não teria sido possível. A
coincidência entre o período de desenvolvimento do projeto olímpico de 1992
e uma etapa de transformação urbana sem precedentes, liderada pelo governo
da cidade, fez daqueles anos uma experiência difícil de se repetir. Eram mui-
tos os que comigo faziam parte da equipe do prefeito Pasqual Maragall e me
proporcionavam úteis aprendizados. Na impossibilidade de nomeá-los, recor-
ro a um agradecimento genérico dirigido a todos. Personalizarei esta menção
em Albert Galofré, com quem ainda compartilhei, depois daquela experiência,
muitas horas de consultoria e amizade.
Diversos trabalhos encomendados durante os últimos anos pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento me proporcionaram marcos de estudo
e experiências que contribuíram para enriquecer várias partes do livro. Em
particular, a elaboração de um marco analítico para a avaliação de sistemas de
serviço civil e o acompanhamento de sua aplicação nos diagnósticos institu-
cionais de uma vintena de países da América Latina e do Caribe me brindaram
com excelentes e raras oportunidades para contrastar os modelos conceituais
utilizados.
2
NT: CIDOB: Centro de Investigación de Relaciones Internacionales y Desarrollo. Centro de
Pesquisa de Relações Internacionais e Desenvolvimento.
3
Bresser Pereira, L. C., Democracy and Public Management Reform. Building the Republi-
can State. Oxford University Press, 2004.
4
PPA, Plano Plurianual instituído no governo Fernando Henrique Cardoso.
5
Consad: Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração.
Este é um livro sobre gestão pública, o que quer dizer no mínimo duas
coisas. A primeira, que ele assume a orientação pluridisciplinar que caracteriza
a referida perspectiva e incorpora, sem complexos, contribuições e enfoques
próprios da economia, do direito, da ciência política, da sociologia e de outras
disciplinas cientíicas. A segunda, que ele se fundamenta numa noção ampla
do management, que vai além da mera importação de técnicas nascidas no
mundo empresarial privado. A gestão pública modula seu instrumental analí-
tico partindo da especiicidade do público e incorpora não só modelos teóricos
e ferramentas, mas também um conjunto de valores necessários para o bom
funcionamento e a renovação dos sistemas públicos e suas organizações.
O livro tem uma pluralidade de destinatários: os primeiros são os dirigen-
tes públicos, no sentido mais amplo da expressão. Incluímos aí todas as pes-
soas que assumem, nas organizações do setor público, responsabilidades que
compreendem a direção de equipes humanas; desde aqueles que, no vértice
estratégico das administrações, adotam decisões que afetam milhares de em-
pregados, até aqueles que gerenciam pequenos centros ou serviços dotados de
poucas pessoas. Todos eles – seus objetivos, problemas e preocupações – têm
sido a principal referência inspiradora deste trabalho.
O livro pretende ser também útil para aqueles que se ocupam da admi-
nistração pública a partir da relexão acadêmica ou da consultoria, assim como
– esperamos – para aqueles que o fazem a partir da política ou do sindicalismo.
Pode igualmente ser proveitoso para os empregados públicos e para os jovens
que aspiram fazer da gestão pública sua proissão e desejam melhorar seu conhe-
cimento sobre uma parcela básica dela. Não ica descartado, inclusive, que possa
captar o interesse de outros públicos. Ainal, fala de questões que acabam afetan-
do a vida da maioria. Há tempos estou convencido de que a modernização da
gestão pública geralmente se produz quando seus temas saem do círculo restrito
dos especialistas e passam para a esfera do debate público. Acredito que qualquer
cidadão interessado no funcionamento das organizações públicas encontrará
nestas páginas algumas relexões úteis, quer concorde com elas ou não.
Embora minha experiência tenha sido gestada principalmente no am-
biente institucional espanhol, e este fato se transira inevitavelmente para o que
escrevo, o livro não foi produzido pensando apenas no leitor desse País. Ao
contrário, tenho tentado fazer com que as análises e relexões sejam, no fundo
e na forma, acessíveis e úteis a leitores de outras latitudes. Como poderá com-
provar quem siga adiante, tanto os modelos conceituais como os referenciais
utilizados caracterizam-se por uma vocação de universalidade e uma orien-
tação comparada. Em particular, teve-se presente a todo momento a possível
utilidade do livro para os leitores latino-americanos. A freqüência e intensida-
de dos contatos com governos e organizações públicas da Ibero-América ao
longo dos últimos dez anos tornaram-me particularmente sensível à maneira
de tratar a questão pública que caracteriza essa parte do mundo, tão distante e
tão próxima.
A probabilidade de que este livro seja de interesse será tanto maior quan-
to mais aberto à mudança for o espírito com que se empreenda sua leitura.
No IDGP da Esade adotamos como sinal de identidade um compromisso com
os inovadores do setor público. Este compromisso está presente no livro, que
incorpora nossa crença na questão pública, em seu papel insubstituível para
o bem-estar e o progresso de nossas sociedades, mas também no seu imenso
potencial de melhora, imprescindível para adaptar-se às exigências de uma de-
manda social intensa e mutante.
O livro aborda um assunto de especial complexidade. Há questões para
as quais o desenvolvimento cientíico e tecnológico acabou criando protocolos
de respostas predeterminadas. As incidências relacionadas à gestão das pessoas
costumam pertencer, ao contrário, àquela categoria de problemas que Schuma-
cher chama de divergentes; aqueles que, quanto mais conhecimento especia-
lizado incluem, mais soluções possíveis admitem. Além disso, em matéria de
recursos humanos, essas soluções são quase sempre a médio ou longo prazo,
o que obriga a adotar decisões cujo êxito ou fracasso não pode ser veriicado
imediatamente. Por outro lado, as questões que afetam as pessoas e seu traba-
lho costumam ser objeto de pontos de vista diferentes, que reletem a diver-
sidade de interesses e valores dos grupos humanos afetados. O conlito com
freqüência faz parte da situação. A necessidade de harmonizar na medida do
possível as preferências e expectativas de uns e outros obriga a assumir uma vi-
são não dogmática das coisas ou, o que dá no mesmo, um enfoque contingente
das respostas. O peso do contexto, do situacional, é determinante, o que reduz
o valor prescritivo do precedente e obriga a investir em diagnóstico. A capaci-
dade para ler adequadamente cada realidade concreta, com as singularidades e
matizes que lhe são inerentes, é uma condição do sucesso.
Toda esta complexidade normalmente aumenta nos ambientes públicos
pelo peso que a dimensão política tem neles. A gestão pública das pessoas é um
território intrincado, onde é fácil perder-se. Este livro pretende fornecer ele-
mentos de orientação que tornem mais fácil transitar por esse território, mas
não a qualquer preço. Não quisemos oferecer ao leitor uma viagem organizada,
daquelas que levam a passar de um ponto a outro através de um itinerário pré-
ixado, tornando mais cômoda a vida do viajante à custa de selecionar para ele
umas poucas porções de realidade e apresentá-las supericialmente. Optou-se
de forma deliberada por outro enfoque: aquele que tenta apresentar as coisas
em toda a sua complexidade, procurando ao mesmo tempo oferecer as pistas
e referências possíveis para facilitar uma leitura adequada da realidade nos di-
ferentes contextos. Assim, o livro é mais uma bússola ou, quando muito, um
mapa, uma carta de navegação, que o viajante-leitor deverá usar segundo suas
circunstâncias e conveniência.
O livro inaliza com um breve epílogo para onde convergem dois grandes
eixos, em torno dos quais se dá a relexão de fundo, ou seja, os dois atributos
essenciais que, a nosso ver, devem ser incorporados por qualquer sistema pú-
blico de gestão das pessoas: mérito e lexibilidade. A idéia que articula esta
relexão inal é que ambos os componentes devem ser tratados como dois prin-
cípios condutores complementares que, longe de competir entre si, se reforcem
reciprocamente.
Como ler este livro? Para quem disponha de tempo e interesse, a reco-
mendação é que o faça pela ordem em que acabamos de apresentar o conteúdo.
Ainal, é a forma pela qual organizamos nossas idéias e construímos o discurso
subjacente aos diferentes temas. No entanto, não é a única maneira possível de
fazê-lo e, portanto, sugerimos outras opções.
O leitor interessado em conhecer imediatamente o marco conceitual em
que se assenta nossa visão do assunto pode começar a leitura diretamente pelo
capítulo 3 e completá-la com a do 4. A partir daí, ica a seu critério, se desejar,
selecionar, nos demais capítulos que integram o sumário, aquelas matérias que
despertem especialmente seu interesse, sem que a ordem em que o faça acarre-
te, a nosso ver, maiores problemas de compreensão.
Por sua vez, os leitores cujo interesse principal prescinda dos aspectos
mais teóricos e se concentre nas tendências de mudança no emprego público,
podem começar pelo capítulo 5, continuar com a primeira parte do 6 – a que
apresenta a eclosão da administração pública – e terminar com o 7. Se dispu-
serem de um pouco de tempo, provavelmente lhes será útil ler antes o primeiro
capítulo, destinado, como dissemos, a situar as mudanças num contexto mais
amplo que o do setor público em sentido estrito.
Em todo caso, se um leitor, qualquer que seja a seqüência escolhida, de-
seja aprofundar a noção de mérito, que é, como temos dito, um dos elementos
básicos de qualquer sistema de gestão pública das pessoas nos estados demo-
cráticos de direito, encontrará no capítulo 2 os modelos conceituais e os argu-
mentos correspondentes.
1998b; Navarro, 1999; Sennett, 2000; Beynon e outros, 2002). São transforma-
ções que não advêm, no entanto, de uma causa única. O vertiginoso desen-
volvimento tecnológico, especialmente o produzido no campo da informação
e das comunicações, mas também aquele que afetou a biogenética e as fontes
energéticas, tem sido sem dúvida um dos fatores decisivos. A mundialização
dos intercâmbios de toda ordem, a maciça incorporação das mulheres ao tra-
balho, assim como a crise dos valores da modernidade, que desde a revolução
industrial e durante muitas décadas formaram o substrato cultural das empre-
sas e das sociedades, são também fatores poderosos de mudança, amplamente
destacados pela literatura sociológica contemporânea.
As transformações às quais nos referimos afetaram tanto a estrutura das
relações no ambiente de trabalho (entendendo como tal o conjunto de elemen-
tos formais ou formalizáveis dessas relações), como a cultura subjacente, isto é,
os aspectos intangíveis: modelos mentais, valores dominantes, normas de con-
duta etc. São mudanças de amplo espectro, que afetam as formas pelas quais as
pessoas têm acesso ao mercado de trabalho, a sua experiência sobre o processo
de trabalho e suas expectativas sobre segurança no emprego (Beynon e outros,
2002, p. 297). Enunciamos a seguir alguns dos aspectos que nos parecem mais
destacáveis.
exige formas e métodos muito diferentes dos que têm caracterizado as buro-
cracias empresariais da era industrial. A capacidade de atrair, reter e motivar o
talento impõe-se como um fator diferenciador da gestão contemporânea dos
recursos humanos. A construção de uma boa “marca de empregador” con-
centra já os esforços daquelas empresas que perceberam que é necessário ser
competitiva no mercado do trabalho qualiicado para sê-lo também naquele
mercado para o qual produzem seus bens ou serviços.
O que acabamos de dizer não pode nos levar a ignorar, se não quere-
mos incorrer numa evidente simpliicação da realidade, a existência de nu-
tridos mercados periféricos de trabalho, nos quais se realizam as transações
que afetam a mão-de-obra de inferior qualiicação. A necessidade de gerenciar
adequadamente tanto a relação com esses mercados como as pessoas que nu-
trem esse segmento dos recursos humanos não pode ser ignorada. Esquecer
dos “normais” – lembra Serlavós (1996, p. 10) –, sobre os quais descansa a res-
ponsabilidade de assegurar e dar continuidade aos “primeiros da classe”, é um
erro pelo qual os gestores de pessoas costumam pagar muito caro.
Por isso, a idéia, amplamente difundida e divulgada, de que as empresas
começaram a travar uma “guerra pelo talento”, não está isenta de contestações.
Pfefer (2001, p. 249 e seguintes) chama atenção para elas, destacando os se-
guintes possíveis efeitos negativos dessa orientação: a) a ênfase no rendimento
individual (gloriicar as “estrelas”) pode criar concorrência interna destrutiva
e enfraquecer o trabalho de equipe; b) exaltar os talentos dos de fora pode su-
bestimar os de dentro; c) pode produzir um efeito de profecia auto-cumprida,
conseguindo fazer com que certas pessoas cheguem a ser menos capazes de-
pois de terem recebido sistematicamente menos atenção e recursos; d) tende a
minimizar a importância das questões de ordem sistêmica e cultural e dos pro-
cessos empresariais freqüentemente mais importantes para o sucesso do que
o fato de encontrar o melhor, e e) pode desenvolver uma atitude arrogante e
auto-satisfeita (já ganhamos a guerra, o melhor pessoal é o nosso) que deteriore
signiicativamente a capacidade de percepção objetiva da própria organização.
De qualquer modo, é indiscutível a airmação de que em nossa época
o talento das pessoas conta. Especialmente se não limitarmos nossa visão do
talento à mera posse de conhecimento. O verdadeiro homo sapiens de nossos
dias é aquele que, além de possuir conhecimento, dispõe da capacidade para
contextualizá-lo, recriá-lo, aplicá-lo, codiicá-lo, difundi-lo e compartilhá-lo.
O que nos leva a um paradoxo, mais um, num universo como o do trabalho
contemporâneo, repleto deles: nunca o conhecimento foi tão importante como
hoje, e nunca como hoje, por contraditório que possa parecer, os componentes
propriamente cognitivos do talento humano precisam ser, no entanto, mati-
O lema da flexibilidade
Se uma única palavra pudesse servir como lema das orientações contem-
porâneas do emprego e dos recursos humanos, e isso tanto na literatura sobre
gestão como nos ambientes acadêmicos e empresariais, essa palavra seria sem
dúvida “lexibilidade”. Flexibilidade é um termo carregado de signiicados pos-
síveis que, como costuma ocorrer, entram às vezes em conlito. Vale a pena, por
isso, fazer um esforço para esclarecer de que coisa, ou melhor, de que coisas
estamos falando quando o utilizamos neste campo.
O debate contemporâneo sobre a lexibilidade no trabalho inicia-se na
Europa no inal da década de 1970 e no início da de 1980 (Farnham e Horton,
2000, p. 7), ligado a um conjunto de fatos sociais entre os quais se encon-
tram: 1) a mudança nos mercados mundiais e o incremento da concorrência
global; 2) a mudança tecnológica, especialmente a registrada no campo da
informação e das comunicações; 3) a volatilidade dos mercados de produto;
4) o desemprego crescente, e 5) o trânsito da economia industrial para a cha-
mada era pós-industrial. São cenários que afetam diversos atores sociais, em
torno de um conjunto de questões como a educação e a formação continuada,
veis e rígidos. Richards (1995, p. 16) nos lembra por sua vez que a lexibilidade
não equivale à pura reatividade diante de estímulos externos, nem pressupõe
a carência de uma estratégia de recursos humanos. Ao contrário, devem ser
levadas em consideração as necessidades da política de pessoal a longo prazo
e integrar as diferentes partes da gestão de recursos humanos num sistema
mais lexível. Por isso, “[...] lexibilidade e estratégia não se contrapõem: se
dão a mão”.
Embora a gestão por competência centre sua atenção, como vimos, nas
pessoas e em suas qualidades e características individuais, a noção de compe-
tência serviu de base para orientações de gestão baseadas na dimensão coletiva
daquelas, e em sua difusão e interiorização por parte da organização. Os con-
ceitos de “competência distintiva” ou “competências-chave” (core competences),
extensamente difundidos, entre outros, por Pralahad e Hamel (1990, 1995),
transferem do ambiente exterior para o interior da empresa, e fundamental-
mente para as pessoas, a relexão sobre a vantagem competitiva. Aquilo que a
organização sabe fazer melhor que seus concorrentes é a chave do sucesso. Em
comparação com os produtos que a empresa é capaz de obter e lançar no mer-
cado, suas competências-chave são mais estáveis e não diminuem com o uso.
Pelo contrário, nas palavras dos autores citados, as competências aumentam
quando são aplicadas e compartilhadas. A concorrência real entre as empresas,
chega a dizer Hamel (1991, p. 83), numa frase que em espanhol parece um
jogo de palavras, é a concorrência entre competências (NT)6. Ou, o que vem
a dar na mesma: diferentemente do que ocorre quando a concorrência é entre
produtos, a concorrência entre as empresas está diretamente relacionada com a
aquisição, posse, difusão e aplicação de conhecimentos e habilidades.
A criação e manutenção de uma vantagem competitiva concebida desta
forma depende não só da qualidade da soma dos recursos humanos individuais
reunidos pela empresa, mas da própria capacidade desta última para aprender
coletivamente. Os mesmos Pralahad e Hamel (1990, p. 82) identiicam a core
competence com “a aprendizagem coletiva, em especial sobre como coordenar
diversas habilidades na produção e integrar luxos múltiplos de tecnologias”.
Por isso é importante que as empresas consigam converter-se em organi-
zações que aprendem (learning organisations), em empresas capazes de criar
conhecimento. Durante a década de 1990, obras como as de Senge (1992)
e Nonaka e Takeuchi (1995) desenvolveram esse enfoque de gestão tendo a
6
NT: em espanhol, competencia entre competencias.
O enfoque do empowerment
Transferir para as pessoas uma esfera tão ampla quanto possível de poder
de decisão, e responsabilizá-las por isso, surge como conseqüência tanto da
adoção de determinadas teorias sobre o comportamento humano, como de
relexões derivadas da própria evolução do trabalho e das tecnologias, especial-
mente nos ambientes apropriados dos serviços.
A gestão do desempenho
pativas, cujo surgimento não pode ocorrer de uma hora para outra. Neste mes-
mo capítulo faremos referência a esses novos modelos de cultura empresarial.
A ênfase na formação
los como adultos implica às vezes compartilhar com eles informação sensível,
de um modo que se choca com percepções convencionais da gestão do pessoal.
Algumas vezes, essa abertura informativa afeta questões relacionadas com o
andamento do negócio, questões tradicionalmente reservadas a círculos muito
próximos da direção. Alguns dirigentes de empresa começaram a se dar conta
de que exagerar no âmbito do conidencial equivale a passar para os emprega-
dos a mensagem de que o projeto empresarial é, no fundo, de alguns poucos. O
contrário tem, é claro, seus riscos, mas muitas vezes é inevitável quando se dá
prioridade ao fortalecimento e extensão do compromisso dos proissionais.
Por razões similares, algumas empresas começaram a colocar à disposi-
ção de seus empregados, ou de alguns deles, informações relacionadas com a
possibilidade de desempenhar outros trabalhos disponíveis no interior da pró-
pria empresa, e a facilitar processos de formação cruzada (crosstraining) que
permitam o acesso a eles. Tais práticas complicam a gestão interna do emprego
e a mobilidade, ao incrementar a parte desta que gravita em torno de decisões
autônomas dos empregados, mas ao mesmo tempo facilita para eles a gestão de
suas próprias carreiras, e contribui para aumentar a satisfação no trabalho.
Mais contra-cultural ainda se mostra a política, adotada incipientemente
por certas companhias, de facilitar aos seus empregados informação disponível
sobre oportunidades de emprego no exterior e apoiar até as iniciativas que per-
seguem uma melhora proissional fora da empresa. Deve a empresa favorecer
o progresso proissional de seus trabalhadores à custa de perder, talvez, os me-
lhores? Algumas contribuições recentes respondem airmativamente, indican-
do que as organizações podem sentir em certos casos a necessidade de com-
pensar os empregados pela carência de oportunidades de promoção interna,
oferecendo-lhes oportunidades de desenvolver sua empregabilidade, mesmo
quando essa política ajuda os indivíduos a deixar a organização e encontrar
outro emprego, e considera esse enfoque como uma estratégia de recrutamento
que favorece a posição da empresa no mercado de trabalho (Beynon e outros,
2002, p. 121). Pode-se dizer que as empresas que agem assim – elas são, é claro,
uma exígua minoria – admitem que as perdas concretas assim produzidas são
compensadas por uma queda das cifras agregadas de rotação, por uma parte,
e por um aumento na capacidade de atração de novos empregados, por outra,
como conseqüência da melhora na imagem da empresa como empregadora.
A construção dessa imagem de marca (employer branding) é, como dis-
semos, uma das tendências do momento. A construção de uma boa reputação
no mercado de trabalho, capaz de atrair e reter o talento (Echeverría, 2002,
p. 195), é construída combinando políticas de gestão das pessoas que satisfa-
çam preferências dos empregados. O sucesso recente dos chamados planos de
Essa aproximação parece ter pouca utilidade para nossos propósitos, já que é
meramente formal. Ao não precisar os conteúdos, ela omite a dimensão, a intensi-
dade e a extensão com que tais regulamentações singulares se distanciam das civis
ou trabalhistas, razão pela qual o conceito carece de eicácia delimitadora. De fato, a
noção nos levaria a incluir na suposição tanto os modelos de emprego público que,
como no caso espanhol, se baseiam em um extenso código de regulamentações
especíicas, elaboradas sobre pautas muito distintas daquelas que regem o emprego
comum, quanto por exemplo o holandês (Van der Krogt e outros, 2000), onde a
proximidade material entre as regulamentações dos dois regimes é considerável.
De outro lado, o emprego público de natureza trabalhista, nos casos em que existe a
distinção, não deixa de estar normalmente submetido a regulamentações as quais,
como garantia de princípios constitucionais aplicáveis a todo o emprego público,
tornam sua gestão semelhante à daquele que teria caráter propriamente funciona-
rial, o que contribui para tornar ainda mais confuso o critério delimitador.
7
NT: Beamte = servidor público.
8
Em alguns países, como é o caso da Espanha, funções que incorporam evidentes cono-
tações de imperium (por exemplo, a inspeção técnica de veículos, ou a de elevadores, ou
determinados serviços de segurança de equipamentos públicos) são desempenhadas não
por empregados públicos em regime trabalhista e sim por trabalhadores de empresas pri-
vadas contratadas ou habilitadas para tanto. Paralelamente, serviços públicos de natureza
nitidamente proissionais, como saúde e educação, são prestados por empregados deten-
tores da condição, estatutariamente atribuída, de funcionários públicos.
A noção adotada
diferencia do emprego comum. Dado que este propósito não se impõe espon-
taneamente, é necessário um conjunto de regras do jogo, formais e informais,
para garanti-lo. Será a eicácia prática dessas regras que determinará a existên-
cia efetiva de um regime de função pública. Só nos contextos institucionais,
nacionais ou sub-nacionais, naqueles em que essa efetividade seja veriicável,
estaremos diante de modelos de gestão do emprego público a que possamos
atribuir a natureza de função pública.
Propomos, portanto, uma noção de função pública que a deine como o
sistema de articulação do emprego público mediante o qual determinados países
asseguram, com enfoques, sistemas e instrumentos diversos, certos elementos bá-
sicos para a existência de administrações públicas proissionais.
9
Esta noção de função pública foi adotada pela Carta Ibero-Americana da Função Pública,
aprovada pela V Conferência Ibero-Americana de Ministros de Administração Pública
e Reforma do Estado, celebrada em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), em junho de 2003.
O anteprojeto da Carta foi elaborado pelo autor deste livro, a pedido das Nações Unidas,
e do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD). O
texto da Carta Ibero-Americana da Função Pública está acessível ao público no site do
CLAD: www.clad.org.ve
missionados por Gladstone para realizar uma pesquisa sobre a função pública
inglesa, manifestaram-se a favor da implantação de um sistema de concurso,
aberto a todos, para o recrutamento dos servidores públicos, transferindo para
a metrópole o sistema que já era aplicado naquele mesmo ano ao recrutamen-
to para o serviço na Índia. Uma Order in Council, de 21 de maio de 1855,
é a verdadeira certidão de nascimento do serviço civil. Criava a Civil Service
Commission e nomeava três comissionados, encarregados de examinar todos
os candidatos, a im de avaliar sua idoneidade para o cargo.
A origem da função pública moderna foi relacionada (Becke e outros,
1996) ao acontecimento histórico de cinco fenômenos: 1) a separação entre
o público e o privado; 2) a separação entre o político e o administrativo; 3) o
desenvolvimento da responsabilidade individual; 4) a segurança no emprego,
e 5) a seleção por mérito e igualdade. A concretização destes princípios na
legislação de cada país (Sánchez Morón, 1996) foi um processo longo e desi-
gual, intimamente ligado à evolução social e às concepções políticas e culturais
dominantes.
A Espanha foi o primeiro país a adotar um estatuto geral da função públi-
ca, em 1852. A Itália, depois do precedente de uma lei de 1853, que estabelecia
uma carreira administrativa, elaborou seu primeiro Texto Único, em 1908. A
Holanda fez o mesmo em 1929 e a Bélgica em 1937, bastante inluenciada pelo
modelo britânico. Na França, embora parte de seu modelo – em particular o
sistema de corpos – tenha se delineado na era napoleônica, o primeiro estatuto
não foi promulgado antes de 1941, sob o regime de Vichy. Nos Estados Unidos,
o Pendleton Act, de 1883, supôs a abolição do sistema de despojos ou de saque
político e deu origem ao serviço civil. Embora alguns presidentes, e especial-
mente Roosevelt, que izera parte da Comissão do Serviço Civil, tenham po-
tenciado o sistema de mérito, o marco normativo permaneceu imutável até o
Civil Service Reform Act, de 1978, no mandato do presidente Carter, que deine
o modelo atual.
dois modelos culturais genéricos, que podem lançar alguma luz sobre a ques-
tão que estamos nos propondo.
Chamam o primeiro desses modelos de “perspectiva do Rechtstaat”10,
onde a principal força integradora da sociedade é o Estado, cujas preocupações
básicas são a elaboração das leis e o uso da coerção necessária para aplicá-las.
Os valores típicos deste modelo cultural são a segurança jurídica, o respeito ao
precedente e a preocupação com a eqüidade, pelo menos no sentido de igual-
dade diante da lei. O segundo modelo, denominado de “interesse público”, atri-
bui ao Estado – ou melhor, ao governo – um papel muito menos signiicativo:
seus poderes em nenhum caso devem ir além do necessário. Aqui a lei está
mais subjacente do que em primeiro plano. O processo de governar baseia-se
na busca do consenso – ou, pelo menos, do assentimento – para a adoção de
iniciativas de interesse geral. Aceita-se que existam diferentes grupos sociais
cujos interesses competem entre si e se preconiza para o governo um papel de
árbitro, mais do que de tomada de partido. A imparcialidade, a transparência,
a lexibilidade, o pragmatismo e a harmonização de interesses são valores que
precedem a capacidade técnica e mesmo a legalidade estrita.
No primeiro destes modelos, os funcionários tendem a ser vistos como
investidos de poderes, razão pela qual o direito é o eixo central de seus pro-
cessos de capacitação. Alemanha, França e Espanha seriam, entre outros, os
países em que essa cultura predomina nitidamente. Na segunda perspectiva, os
servidores públicos são vistos como simples cidadãos que trabalham para or-
ganizações governamentais, e não como uma classe ou casta especial, investida
da elevada missão de representar o Estado. Sua formação técnica tende a ser
multidisciplinar. Os países anglo-saxões estariam neste âmbito cultural. Ou-
tros, como a Holanda ou a Suécia, teriam evoluído de um modelo basicamente
legalista para marcos culturais mais próximos aos do segundo tipo, razão pela
qual dispõem de uma consistente dimensão consensual no que diz respeito aos
processos de elaboração das políticas públicas, mantendo ao mesmo tempo um
forte senso de centralidade do Estado.
Um outro estudo comparado, recente, limitado à análise das tradições
administrativas do Reino Unido e da Alemanha, Knill (2001, p. 59 e seguintes)
chega também a conclusões sensivelmente parecidas com as que foram descri-
tas para cada um dos modelos citados.
Embora tais modelos culturais genéricos sejam de indubitável utilidade
quando se trata de explicar e demarcar as estruturas e políticas dos sistemas
10
NT: Rechstaat (alemão): estado de direito.
nacionais de função pública ou de serviço civil, acreditamos que seu peso não
deve ser exagerado. Com freqüência, características próprias de cada um dos
contextos internos dispõem de maior força explicativa para analisar as distin-
tas peculiaridades nacionais. Vamos nos referir, neste sentido, aos casos da Ho-
landa, do Japão e da Suécia.
Na Holanda, constitui uma peculiaridade marcante (Van der Krogt e ou-
tros, 2000, p. 190) o fato de que, há muitos anos, os principais serviços sociais,
como educação, saúde e assistência social, vêm sendo prestados aos cidadãos
por organizações sem ins lucrativos, regulamentadas e inanciadas pelo gover-
no central ou pelos governos locais. De fato, a relação entre estas organizações
não lucrativas e os poderes públicos era tão intensa que as regulamentações de
pessoal, incluindo salários e pensões, chegavam a ser praticamente as mesmas
que as dos funcionários públicos. Como é lógico, dada essa situação inicial,
as privatizações da década de 1980 afetaram o sistema público holandês em
menor escala que em outros países. Por outro lado, a descentralização da ges-
tão de recursos humanos que, como veremos, caracteriza a maior parte das
reformas da função pública, teve na Holanda um sentido peculiar. Mais do que
criar novas organizações às quais transferir autonomia e recursos, ela consistiu
em modiicar as regras da relação entre o Estado e o setor não lucrativo, que
deixou de se reger por subvenções para fazê-lo por contratos de serviço. Neste
contexto, uma das conseqüências foi o relaxamento das regulamentações de
pessoal e a tendência à diferenciação entre as diversas organizações prestado-
ras de serviços.
Quanto ao Japão, seria difícil (Ikari, 1995, p. 81) entender seu modelo
de emprego público sem considerar as práticas de gestão de recursos huma-
nos no setor privado, peculiares e diferentes das que caracterizam a maior
parte dos países do resto do mundo. A interpenetração dos dois setores evi-
dencia-se na existência das mesmas características dominantes: contratação
vitalícia, ausência de recrutamento exterior no meio da carreira, promoção
interna, mobilidade freqüente, antiguidade, formação no posto de trabalho,
uniformidade das condições de trabalho e inexistência de sistemas de nego-
ciação coletiva.
A Suécia é um caso especial. Os funcionários públicos suecos estão su-
jeitos à legislação trabalhista comum. Uma lei especial (Murray, 2000, p. 171
e seguintes) limita-se a acrescentar algumas regulamentações especíicas em
matéria de excedentes, regime disciplinar e poucas outras. Cada empregado é
contratado por uma organização especíica (ministério, agência, governo lo-
cal), e só estabelece relação de trabalho com ela. Não existe nenhum tipo de
concurso ou exame estabelecido para esse processo de recrutamento. Se uma
O modelo francês
O modelo alemão
O modelo britânico
Os sistemas de emprego
Os sistemas de carreira
Os direitos e os deveres
A administração do sistema
Como se verá mais adiante, uma das mais poderosas orientações de re-
forma dos sistemas de função pública no âmbito da OCDE é precisamente a
descentralização das decisões sobre pessoal. Nos últimos anos, a idéia de que
a melhora das estruturas políticas de recursos humanos exige um projeto des-
centralizado dos sistemas de tomada de decisões obteve, além mesmo das ini-
ciativas concretas de mudança em cada país, um amplo consenso.
Chegados a este ponto, parece icar claro que a função pública ica mais
inteligível como um propósito do que como uma forma determinada de torná-
lo realidade. A inalidade está clara, e é compartilhada enquanto tal em dife-
rentes contextos institucionais: organizar o emprego do setor público de modo
a tornar possível a existência de administrações proissionais. Tanto a seguran-
ça jurídica como a eicaz prestação dos serviços públicos exige organizações
públicas não apropriadas pela política nem capturadas por interesses particula-
res. É necessário para isso que existam mecanismos, incentivos, regras do jogo,
formais e informais, que permitam alcançar esse objetivo. Tais composições
institucionais implicam, em maior ou menor medida, um certo grau de singu-
laridade da gestão do emprego público, diferente do que se desenvolve e pratica
nas empresas do setor privado da economia.
Ora, quando penetramos na natureza desses acertos nos diferentes paí-
ses, como pretendemos fazer neste capítulo, a unidade do propósito traduz-se,
como vimos, em diversidade dos meios utilizados para materializá-lo. A fun-
ção pública transforma-se em realidades muito distintas, nas quais a inluên-
cia das culturas e tradições nacionais ica evidente. Voltando à pergunta com
que começamos o capítulo, um panorama tão heterogêneo permite deinir de
algum modo as diferenças que a função pública apresenta com relação à ges-
tão contemporânea do emprego e das pessoas, tal como dissemos no capítulo
anterior?
Algumas dessas diferenças são comuns à imensa maioria dos sistemas
de função pública, em que pese a diversidade assinalada. Em trabalho recente,
referindo-se ao contexto espanhol, Castillo Blanco (2003, p. 32) deine essas
peculiaridades em quatro extremos:
a) maior estabilidade da relação, como conseqüência da rigidez para a demissão;
b) maior impacto das normas, dada a vigência do princípio de vinculação ju-
rídica positiva que impera no direito público, assim como a necessidade de
acatar exemplarmente as decisões judiciais;
11
O modelo apresentado neste capítulo e desenvolvido no seguinte serviu de base para um
Marco Analítico para a Avaliação de Sistemas de Serviço Civil, elaborado pelo autor deste
livro a pedido do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o diagnóstico
institucional de realidades nacionais da América Latina e do Caribe. Para uma apresenta-
ção da metodologia e uma síntese das conclusões dos primeiros diagnósticos, vide Longo,
2003c. O Marco Analítico pode ser acessado no portal do BID www.iadb.org
ESTRATÉGIA
CONTEXTO AMBIENTE
INTERNO Gestão de marco legal
estrutura recursos mercado de
cultura humanos trabalho
outros outros
PESSOAS
RESULTADOS
12
Doravante, para maior simplicidade expositiva, as referências ao termo “organização” de-
verão ser entendidas como estendidas – a menos que não se indique o contrário – tanto a
organizações individuais como aos sistemas ou complexos institucionais multiorganiza-
cionais de que façam parte.
Pessoas e resultados
13
Assim, o modelo europeu da EFQM (Fundação Européia para a Gestão da Qualidade,
1999) concentra-se, em seu critério 7, nos êxitos alcançados pela organização em relação
às pessoas que a integram, para o que deine medidas de percepção e indicadores de
desempenho relacionados a certos critérios de boa prática, como “igualdade de opor-
tunidades”, “reconhecimento”, “envolvimento com equipes de melhora” ou “eicácia da
comunicação”.
14
Para esclarecer melhor essas dimensões do sistema técnico e do contexto da organização,
ver Mintzberg, 1984, p. 289-329.
Inluir sobre as condutas das pessoas para adequá-las, tanto quanto pos-
sível, à estratégia da organização é, como vimos anteriormente, uma das duas
inalidades principais da gestão de recursos humanos. Esta airmação baseia-se
nos dois pressupostos básicos seguintes.
■ O comportamento humano é uma variável essencial dos resultados da or-
ganização. Será assim em qualquer circunstância e contexto organizacional?
Certamente, como víamos há pouco, o grau de vinculação causal entre as
condutas dos empregados e os resultados pode variar em função da ocor-
rência de certos fatores, como o tipo de produto ou serviço, a tecnologia
utilizada, o grau de qualiicação do trabalho, a autonomia de sua execução
ou a proximidade entre produtor e destinatário. No entanto, a inluência re-
levante do comportamento das pessoas sobre os resultados da organização
diicilmente pode ser negada.
■ O comportamento humano pode ser gerido, isto é, a organização pode pro-
duzir deliberadamente um conjunto de políticas e de práticas de GRH desti-
nadas a estimular determinados comportamentos (aplicação, aprendizado,
colaboração etc.) e evitar outros (absenteísmo, rotatividade, conlito etc.).
Se partirmos, com o modelo proposto, destas duas convicções, o passo
seguinte será encontrar aqueles fatores em que coincidam as duas característi-
cas seguintes:
a) que constituam variáveis relevantes de que dependam as condutas seguidas
pelas pessoas no trabalho, e
b) que sejam sensíveis à deinição e ativação de políticas e práticas de recursos
humanos.
A aplicação destes dois critérios leva-nos a identiicar dois grandes fatores
que constituem, ao mesmo tempo, como indica a igura 2, variáveis fundamen-
tais do comportamento humano no trabalho e, por isso, nas áreas principais de
intervenção para a gestão de recursos humanos: falamos das competências e da
vontade das pessoas.
As competências
Figura 2
GRH
competências vontade
DIMENSIONAMENTO
DE RH CONDUTA DAS PESSOAS
RESULTADOS
■ as habilidades interpessoais,
■ as capacidades cognitivas e de conduta,
■ o conceito ou percepção de si próprio, traduzido em atitudes e valores,
■ os motivos ou estímulos que selecionam e orientam a conduta, e
■ os traços de personalidade ou caráter.
Na vertical
Em profundidade
Em amplitude
A vontade
está basicamente situada em outra esfera: a das políticas e práticas de gestão das
pessoas, isto é, justamente, a do management. Desta perspectiva, não existem,
a nosso ver, diferenças substanciais entre os funcionários e os demais traba-
lhadores. Não se motiva uns de uma forma e outros, de outra. Os elementos
de contexto (o grau de estabilidade da organização, do contexto e do empre-
go, as características do trabalho, os modelos culturais, a disponibilidade de
incentivos de um tipo ou de outro etc.) suscitarão diferenças, como é lógico,
no momento de escolher os instrumentos mais adequados para buscar esti-
mular a motivação, mas não mudam a natureza dos mecanismos – complexos
e freqüentemente ambíguos –, que ativam ou desativam a vontade de esforço
das pessoas. As organizações do setor público compartilham com as empresas,
neste campo, desaios que não diferem no essencial.
Fatores internos
Fatores externos
ESTRATÉGIA
Planejamento
Gestão da
compensação
Organização do Gestão do Gestão do Retribuição monetária e
trabalho emprego desempenho não monetária
que são deinidas e aplicadas. Nosso objetivo é mais no sentido de facilitar uma
visão da extensão de cada um dos subsistemas, que permita compreender:
■ o papel de cada um deles num sistema integrado de GRH;
■ a contribuição de cada um para obter uma GRH adequada;
■ o conjunto de elementos básicos que tornariam possível uma avaliação das
políticas e práticas de GRH em cada campo.
a) Objetivo
Mediante o planejamento de recursos humanos (PRH), uma organização
realiza a análise de suas necessidades quantitativas e qualitativas de recursos
humanos a curto, médio e longo prazo, compara as necessidades detectadas
com suas capacidades internas e identiica as ações que devem ser empreendi-
das para cobrir as diferenças entre umas e outras.
O objetivo da PRH é facilitar a disponibilidade das pessoas que a organi-
zação necessita, no momento adequado e ao menor custo. Trata-se do subsiste-
c) Processos
Em um subsistema de PRH podemos distinguir, como mostra a igura 5,
os processos enumerados a seguir.
1. A análise das necessidades brutas de recursos humanos, consistente na previ-
são das necessidades quantitativas (quantas pessoas, quanto tempo) e quali-
tativas (quais competências) fornecerá dados especíicos, para fazer o quê e
em que momento.
2. A análise das disponibilidades, atuais e futuras, destinada a identiicar a situa-
ção que se produziria de forma previsível no campo objeto de análise, caso
não se agisse de forma a corrigir a evolução vegetativa dos recursos existen-
tes. Para a eicácia desta análise, será preciso dispor de um grau adequado de
desenvolvimento dos sistemas de informação de pessoal.
3. A análise das necessidades líquidas de recursos humanos, resultado da compara-
ção entre os dois tópicos anteriores, irá fornecer, em geral, nos diversos âmbitos
em que se dá o planejamento, diferenças por deiciência (déicit de caráter quan-
titativo ou qualitativo) ou por excesso (empregos ou aptidões desnecessárias).
4. A programação de medidas de cobertura, mediante a qual buscamos identii-
car e prever as ações que devem ser realizadas para satisfazer as necessidades
líquidas detectadas e que podem afetar a qualquer dos subsistemas da GRH,
já que podem ser medidas de organização do trabalho, de gestão do emprego,
da compensação etc.
PREVISÕES DE QUADRO
PROJETOS EMPRESARIAIS ANÁLISES DE CONTEXTO
DE PESSOAL
Necessidades Disponibilidades
de pessoal de pessoal
ANÁLISE DA DIFERENÇA
Necessidades
líquidas
MEDIDAS DE COBERTURA
d) Pontos críticos
Existência e integridade do sistema
■ Pode ser veriicado um desenvolvimento adequado de todos os processos que
fazem parte de um sistema de planejamento de recursos humanos (PRH).
Coerência estratégica
■ As previsões do planejamento de pessoal originam-se, de modo geral, em
prioridades e orientações estratégicas da organização. O grau de adequação
entre umas e outras normalmente é alto.
■ Os mecanismos de PRH tornam possível uma adaptação lexível das práti-
cas de pessoal às mudanças estratégicas da organização.
Informação de base
■ Os sistemas de informação sobre o pessoal permitem um conhecimento ra-
zoável das disponibilidades quantitativas e qualitativas de recursos huma-
nos existentes e previsíveis no futuro, nos diversos âmbitos organizacionais
e unidades.
Eicácia
■ As políticas e instrumentos de PRH utilizados permitem, em geral, a oti-
mização dos efetivos, a correta distribuição dos recursos e uma repartição
adequada da carga de trabalho entre as unidades.
Administração
■ As previsões do PRH são objeto de acompanhamento e atualização para
que, caso necessário, possam ser ajustadas às mudanças de estratégia do
ambiente.
■ As direções de linha conhecem as previsões do PRH e participam em sua
elaboração e acompanhamento.
a) Objetivo
O subsistema de organização do trabalho integra o conjunto de políticas
e práticas de GRH destinadas a deinir as características e condições de exercí-
cio das tarefas, bem como os requisitos de idoneidade das pessoas chamadas a
desempenhá-las.
c) Processos
Em um subsistema de organização do trabalho, são dois os processos di-
ferenciados que devem ser contemplados:
1. O projeto dos postos de trabalho, que implica na descrição das atividades,
funções, responsabilidades e objetivos que a direção atribui ao posto e que,
conjuntamente, representam o padrão em que o ocupante deste posto deve-
rá desenvolver sua contribuição e obter os resultados esperados.
Uma boa descrição do posto deveria conter a menção precisa de: a)
a missão ou razão de ser do posto; b) sua situação especíica na cadeia de
autoridade formal da organização; c) suas dimensões ou magnitude bási-
ca dos recursos que administra; d) suas funções e tarefas principais; e) o
alcance da responsabilidade que corresponde às decisões do titular, e f)
as inalidades do posto ou área nas quais devem ser obtidos os principais
resultados.
O projeto dos postos supõe realizar opções importantes sobre:
■ o grau de especialização.15
■ o grau de formalização do comportamento (padronização da conduta do
ocupante) que se estabelece.
15
Especialização: os postos podem especializar-se (Mintzberg, 1984, p. 99 e seguintes) em
duas dimensões. Em primeiro lugar, a de seu âmbito ou amplitude (quantas tarefas diver-
sas contém cada posto e que amplitude ou limitação têm tais tarefas). Em um extremo,
o empregado é um curinga polivalente; no outro, repete sempre uma mesma tarefa. A
segunda dimensão se relaciona à profundidade ou controle exercido sobre o próprio tra-
balho. Em um extremo, o empregado limita-se a obedecer instruções ou normas precisas;
no oposto, controla cada aspecto de sua atividade, além de realizá-la. A primeira dimen-
são aponta para a especialização horizontal do posto. A segunda, para a especialização
vertical. Seus contrários seriam a ampliação horizontal e vertical deste.
A favor da especialização (a horizontal, do trabalhador especializado em um âmbito redu-
zido, ou a vertical, de quem realiza um trabalho muito controlado externamente) operam
razões de melhoria da produtividade e a coordenação empiricamente demonstradas em
muitos casos; contra, razões de desmotivação devido à rotina, rigidez diante das exigências
de mudança e perda de qualidade do trabalho, sobretudo em ambientes de alta qualiica-
ção. As técnicas de enriquecimento de tarefas (job enrichment) nasceram precisamente
para fazer frente a estes excessos de especialização e se baseiam na ampliação horizontal e/
ou vertical do posto. Na mesma linha fala-se, mais recentemente, de empowerment, aludin-
do basicamente a processos de ampliação do posto, em sua dimensão vertical. O estudioso
de postos deve conjugar em cada caso o binômio especialização/ampliação, produzindo
um equilíbrio adequado aos fatores de contingência que se apresentem, entre os quais, a
tecnologia utilizada e as características do contexto do posto, são determinantes.
d) Pontos críticos
Existência e integridade do subsistema
■ Pode ser constatado um desenvolvimento adequado dos processos que
fazem parte de um sistema de organização do trabalho, tal como foram
descritos.
16
Peris de capacidades: um peril de capacidades é uma seleção das aptidões básicas para
garantir a idoneidade do titular de um posto de trabalho. Poderíamos dizer que é um
“retrato modelo” do ocupante ideal.
Dispor de um bom peril do ocupante do cargo é imprescindível para assegurar uma
gestão correta dos processos de incorporação das pessoas, mas também para o funciona-
mento de outras áreas da GRH, como as políticas de avaliação e desenvolvimento, na me-
dida em que as orientam para a melhoria das capacidades mais relevantes das pessoas.
Um bom peril, especialmente em seu papel orientador do recrutamento e da seleção,
deve estar formado por poucas qualidades, e todas elas consideradas chave para um de-
sempenho bem-sucedido. A conjunção dos dois requisitos permite aceder ao mercado de
trabalho com garantias razoáveis de êxito, planejar processos de incorporações eicazes a
custos razoáveis e dispor de um conjunto de requisitos com alta probabilidade de aproxi-
mar-se da idoneidade desejada.
Administração
■ O projeto dos postos e a deinição dos peris são periodicamente revistos
para adaptação à evolução das tarefas e suas novas exigências.
■ Os diretores de linha têm participação destacada no projeto dos cargos e
peris, na parte que lhes afeta.
a) Objetivo
Este subsistema da GRH incorpora o conjunto de políticas e práticas de
pessoal destinadas a gerir os luxos através dos quais as pessoas entram, se mo-
vimentam e saem da organização. É um subsistema complexo, dentro do qual
há espaço para algumas das áreas mais relevantes da GRH.
c) Processos
Neste subsistema é preciso distinguir três áreas principais de gestão:
1. A gestão da incorporação, que compreende as políticas e práticas referen-
tes ao acesso das pessoas ao posto de trabalho (o que pode também impli-
car seu acesso à organização). Nesse campo, cabe distinguir três tipos de
processos:
■ O recrutamento, que compreende as políticas e práticas de GRH visan-
do procurar e atrair candidatos aos postos de trabalho que devem ser
preenchidos.
■ A seleção, que compreende a escolha e aplicação de instrumentos preci-
sos para escolher corretamente, e as decisões para atribuição das pessoas
aos cargos.
■ A recepção, socialização ou indução, que compreende as políticas e práti-
cas destinadas a receber as pessoas adequadamente e acompanhá-las em
seus primeiros passos no posto e em seu contexto.
d) Pontos críticos
Preparação
■ Antes de decidir o preenchimento de uma vaga, analisa-se o cargo e se con-
sideram as possibilidades alternativas existentes: amortizá-lo, fundi-lo com
outro, redistribuir tarefas, contratar temporariamente, terceirizar a ativida-
de etc.
■ Uma vez tomada a decisão, avalia-se se o recrutamento deve ser realizado
interna ou externamente. No primeiro caso, são levadas em consideração
razões de ampliação do universo de escolha ou a conveniência de incorpo-
rar peris diversos; o segundo tipo de decisão é adotado quando prevalecem
considerações de custo, segurança na escolha, integração cultural da pessoa
ou de estímulo à promoção interna.
Qualidade do recrutamento
■ Os meios utilizados para a procura, comunicação e atração de candidatos
produzem em geral um número adequado de candidaturas válidas aos car-
gos que devem ser preenchidos.
Qualidade da seleção
■ A seleção baseia-se na deinição prévia de peris de capacidades (vide nota
16, p. 106) dos ocupantes dos cargos que devem ser preenchidos.
■ Os instrumentos de seleção utilizados são, em geral, adequados aos peris
previamente deinidos e seu planejamento responde a critérios, tecnicamen-
te comprovados, de eicácia na identiicação da idoneidade proissional.
■ Os órgãos de seleção estão projetados com critérios de proissionalismo e
experiência técnica, e são formados por pessoas dotadas das capacidades
necessárias, que atuam com independência no exercício de suas funções.
■ As decisões de incorporação são adotadas obedecendo a critérios de mere-
cimento e capacidade proissional tecnicamente comprovados.
Qualidade da recepção
■ Existem, e são aplicados, procedimentos adequados para receber os emprega-
dos, facilitar-lhes a entrada na organização, se for o caso, e seus primeiros pas-
sos no cargo e seu contexto, bem como para transmitir-lhes princípios e nor-
mas básicas de conduta que devem conhecer no momento de se integrarem.
■ Existem, e são aplicados, procedimentos adequados (períodos probatórios
ou similares) para assegurar o acerto na incorporação e permitir a adoção
de medidas corretivas, caso necessário.
Mobilidade
■ Os mecanismos de mobilidade, funcional e geográica, permitem responder
com lexibilidade às necessidades de redistribuição de pessoal.
Absenteísmo
■ Os índices de absenteísmo são, em geral, satisfatórios, comparados com os
de uso geral no setor de atividade em questão.
Disciplina
■ Os procedimentos disciplinares efetivamente aplicados permitem corrigir com
eicácia, agilidade e exemplarmente as condutas inadequadas dos empregados.
Desvinculação
■ Não existem dispensas ou rescisões de emprego que, afetando postos de tra-
balho de caráter proissional, se devam a meras razões de mudança da cor
política dos governos.
■ Existe a possibilidade de dispensa por incapacidade manifesta ou baixo de-
sempenho, objetivamente comprovados.
a) Objetivo
A gestão do desempenho é o subsistema da GRH que tem por propósito
inluenciar no desempenho das pessoas no trabalho, para alinhá-lo às priori-
dades da organização e mantê-lo no nível mais elevado possível, propiciando
uma melhora sustentada da contribuição dos empregados para alcançar os
objetivos organizacionais, bem como para obter informações valiosas para a
tomada de decisões de GRH em diversos campos.
c) Processos
A gestão do desempenho pode ser vista como um ciclo que inclui:
1. O planejamento do desempenho, que se traduz na deinição de pautas ou
padrões de desempenho em sintonia com a estratégia e objetivos da orga-
nização (vide igura 6), a comunicação eicaz de tais expectativas aos em-
pregados e a obtenção de aceitação e compromisso por parte destes para
adaptar seus desempenhos às expectativas.
2. O acompanhamento ativo do desempenho, ao longo do ciclo de gestão, ob-
servando e apoiando o desempenho das pessoas.
3. A avaliação do desempenho, comparando os modelos e objetivos do desem-
penho com os resultados. Pode estar vinculada, como indicado antes, a ou-
tras políticas ou práticas de GRH.
4. A retroalimentação ou feedback ao empregado, e a elaboração de planos de
melhora do desempenho, que se ligariam ao ciclo seguinte, em sua etapa de
planejamento.
Estratégia
Objetivos da organização
Objetivos da unidade/direção
Gestão do desempenho
Resultados da unidade
Resultados da organização
d) Pontos críticos
Planejamento e acompanhamento
■ Normalmente, a direção deine as pautas ou padrões do desempenho espe-
rado das pessoas, de acordo com as prioridades e estratégias da organização.
Em conseqüência, os empregados conhecem os aspectos de sua contribui-
ção pelos quais serão especiicamente avaliados em um determinado perío-
do de tempo.
■ Os objetivos do desempenho são ixados no quadro dos planos de melhora
resultante da avaliação do desempenho do ciclo de gestão anterior.
Avaliação
■ O desempenho das pessoas é avaliado pela organização mediante compara-
ção com os padrões de desempenho esperado.
■ Os critérios de avaliação e as práticas de aplicação destes permitem distin-
guir eicazmente as diferenças de desempenho entre as pessoas.
■ Os critérios de avaliação do desempenho são percebidos como coniáveis e
objetivos pelas pessoas que participam de sua aplicação.
■ A retroalimentação (ou feedback) do desempenho dá-se de forma constru-
tiva, orientada à melhora, num contexto de relação aberta e franca entre
avaliador e avaliado.
Administração
■ Os diretores de linha, responsáveis pelas unidades de trabalho nos diversos
níveis hierárquicos, assumem papel protagonista na gestão do desempenho
dos empregados a seu cargo.
■ Os diretores recebem treinamento adequado nas habilidades proissionais
e sociais necessárias para gestionar adequadamente o desempenho de seus
colaboradores.
medição.
a) Objetivo
Este subsistema da GRH inclui a gestão do conjunto de compensações
retribuitivas (salariais e extra-salariais) e não retribuitivas que a organização
presta a seus empregados, como contrapartida à contribuição destes aos obje-
tivos da organização, expressa através de seu trabalho.
c) Processos
1. Projeto de estruturas salariais: o projeto da estrutura de retribuição ixa ou
básica (vide igura 7, p. 117) parte, na maioria das organizações, do projeto
de postos de trabalho. Alcançar a eqüidade salarial17, interna e externa, leva
a desenvolver os seguintes processos:
■ A valorização dos cargos, atribuindo a cada um uma compensação de
acordo com sua contribuição relativa aos resultados organizacionais e co-
erente com os referenciais salariais de mercado que lhe forem aplicáveis.
■ A classiicação dos cargos, por níveis ou grupos salariais, coerentes com a
citada valorização e capazes de permitir uma progressão salarial adequa-
da e uma gestão racional das retribuições.
O projeto de retribuições variáveis, quando estas são estabelecidas, im-
plica escolher o conceito a ser retribuído (vinculado ao desempenho, par-
ticipação em lucros ou conexão com resultados globais etc.), o destinatário
(indivíduo ou grupo) e a dimensão da faixa de retribuição.
17
Eqüidade salarial: entendemos por tal a qualidade de uma estrutura de retribuição, con-
sistente na existência de um duplo ajuste ou equilíbrio.
a) Por um lado, equilíbrio entre o que cada empregado aporta e recebe da organização,
levando em consideração, ao mesmo tempo, como operar tal balanço contribuição/
compensação para os diversos empregados e grupos de empregados.
b) Por outro lado, entre as retribuições satisfeitas pela organização e as de seus merca-
dos de referência.
No primeiro caso indicado, falaremos da eqüidade interna da estrutura salarial. O objeti-
vo de uma GRH adequada é traduzir-se numa percepção de eqüidade interiorizada pelos
empregados.
No segundo caso, falaremos da eqüidade externa. A eqüidade externa de um sistema re-
tribuitivo inclui as notas de competitividade e eiciência retribuitiva.
Um sistema salarial é competitivo quando permite à organização atrair e manter os em-
pregados de que necessita. Os índices de atração e rotatividade são a medida da competi-
tividade salarial. Um sistema salarial é eiciente quando a competitividade é alcançada a
um custo não superior ao dos mercados de referência.
A tensão entre a eqüidade interna e externa é um problema clássico da GRH. Acontece,
sobretudo, quando a elevação no valor de mercado de certas especializações, proissões ou
peris de competências, quaisquer que sejam suas causas, obriga a organização – para não
perder competitividade salarial – a elevar a remuneração de alguns empregados acima das
que são fruto da valorização de cargos, aplicando critérios meramente internos. Em geral,
essa tensão produz tendências à opacidade dos sistemas de administração de salários.
Classificação
EQÜIDADE EXTERNA
EQÜIDADE INTERNA
dos postos
Contraste com
o mercado
Valorização
dos postos
Estrutura de
Retribuição Retribuição
retribuições
variável monetária total
Projeto dos básicas
postos de
trabalho
Benefícios
extra-salariais
d) Pontos críticos
Existência de uma estratégia de compensação
■ A estrutura salarial e as políticas de retribuição respondem a um conjunto
de prioridades e objetivos vinculados à estratégia organizacional e não a
simples práticas inerciais ou de resposta reativa a reivindicações e conlitos
trabalhistas.
Eqüidade interna
■ As pessoas, em geral, têm a percepção de receberem da organização com-
pensações de todo o tipo, de acordo com sua contribuição.
■ As pessoas percebem que as compensações que recebem os demais empre-
gados são eqüitativas, comparadas com as que eles próprios recebem.
■ A classiicação dos cargos por níveis de retribuição facilita uma progressão
lexível e vinculada ao desempenho e ao aprendizado.
■ O leque salarial tem uma amplitude razoável. As diferenças verticais de re-
tribuição são adequadas à natureza dos cargos.
■ Há um equilíbrio adequado entre as retribuições aplicadas a níveis similares
de cargos nos diversos setores e âmbitos do serviço.
Eqüidade externa
■ A estrutura de retribuições é adequada para atrair, motivar e manter pessoas
dotadas das capacidades necessárias, nos diversos tipos de cargos que a or-
ganização necessita.
■ Os custos salariais não são excessivos, em relação aos de mercado, em ne-
nhum setor ou nível de cargos.
Administração
■ As decisões relacionadas à administração de salários são adotadas de acordo
com critérios preestabelecidos e de forma coerente com os parâmetros de
projeção estrutural da organização.
■ Não são detectáveis, nas decisões salariais, práticas de arbitrariedade, busca
de desempenhos ou clientelismo político.
■ Os sistemas de informação sobre o pessoal contêm toda informação atualizada
acerca das retribuições necessárias para a correta gestão do sistema salarial.
Outras compensações
■ Os benefícios extra-salariais aplicados são eicazes, avaliados em termos de
custo/benefício.
■ O regime de pensões dos empregados é adequado para seus ins de previ-
são social, goza de solidez inanceira, não cria privilégios exorbitantes em
relação a outros grupos sociais e não supõe uma carga excessiva sobre a
economia da organização.
■ Na organização existem políticas e instrumentos úteis de reconhecimento
não monetário das conquistas das pessoas.
a) Objetivo
O objetivo das políticas e práticas de gestão do desenvolvimento é esti-
mular o crescimento proissional das pessoas, de acordo com seu potencial,
fomentando o aprendizado necessário e deinindo itinerários de carreira que
conjuguem as necessidades organizacionais com os diversos peris, expectati-
vas e preferências individuais.
c) Processos
A gestão do desenvolvimento engloba duas áreas básicas de políticas de
GRH:
1. As políticas de promoção e de carreira, que articulam os processos por meio
dos quais as pessoas progridem, tanto em sua contribuição (isto é, o tama-
nho de sua contribuição em prol das inalidades da organização), como no
reconhecimento dessa contribuição pela organização (constituído por tudo
aquilo que a organização oferece em troca).
2. As políticas de formação, destinadas a garantir o aprendizado individual e
coletivo necessário às inalidades da organização, desenvolvendo a capaci-
dade dos empregados e estimulando sua progressão proissional.
d) Pontos críticos
Eicácia das políticas de promoção
■ As pessoas, em geral, são satisfeitas em suas expectativas razoáveis de pro-
moção na organização.
■ Existem planos de carreira e sucessão que harmonizam as expectativas indi-
viduais com as necessidades previsíveis da organização.
Qualidade da formação
■ As pessoas recebem da organização a capacitação adequada para com-
plementar sua formação inicial ou de acesso, adaptar-se à evolução das
tarefas, enfrentar o déicit de desempenho e apoiar o próprio crescimento
proissional.
■ A formação apóia o desenvolvimento do aprendizado coletivo, que consoli-
da avanços na capacidade organizacional para enfrentar problemas e ofere-
cer respostas eicazes.
■ A formação apóia de maneira efetiva os processos de inovação e mudança
cultural.
Gestão da formação
■ A formação baseia-se em diagnósticos coniáveis de necessidades.
■ O investimento em formação se dá mediante planejamento baseado no
diagnóstico de necessidades e é concebido para apoiar prioridades claras
da organização.
■ A formação é objeto de avaliação, que se estende à satisfação proporcionada
aos participantes, à relação entre resultados e custos e ao impacto produzido
sobre o desempenho das pessoas no posto de trabalho.
a) Objetivo
Este subsistema da GRH se dedica à gestão das relações estabelecidas en-
tre a organização e seus empregados em torno das políticas e práticas de pes-
soal quando, por razões várias, estas adquirem, em um determinado contexto,
dimensão coletiva.
Essa dimensão é alcançada quando o interlocutor da direção não é o em-
pregado individual, nem uma unidade organizacional ou grupo de trabalho
especíico, como acontece nas relações comuns de trabalho, e sim a totalidade
ATORES
Direção Empregador
DRH Mediador Sindicatos
Supervisores Órgãos de representação
Negociação coletiva
Objetivos Acordos Retribuição direta
Comitês e comissões Retribuição indireta
Valores Reclamações e queixas Condições de trabalho
Participação Condições de emprego
Poder Relações de trabalho Políticas de GRH
Mediação-arbitragem Normas
Relações informais Clima de trabalho
Conflito trabalhista
CONTEXTO
c) Processos
Dentre as diversas opções de sistematização possíveis num campo par-
ticularmente amplo, adotamos uma classiicação em três blocos ou áreas de
gestão:
1. A gestão do clima organizacional18, na qual cabe localizar, em destaque, as
políticas e práticas de comunicação, em sentido tanto ascendente quanto
descendente, bem como um amplo elenco de políticas de pessoal destinadas
a manter e melhorar a percepção da satisfação coletiva dos empregados.
2. A gestão das relações trabalhistas (vide igura 8), que inclui a negociação co-
letiva dos salários e as condições de trabalho, no espaço em que ela integra
as práticas de pessoal estabelecidas, bem como todo o conjunto de relações
entre a direção da organização e os interlocutores sociais (sindicatos, grê-
mios, associações etc.) que representam os empregados ou grupos destes. As
relações trabalhistas se estenderão aos órgãos representativos da base eleti-
va, nos contextos institucionais em que estes existam. As relações trabalhis-
tas reproduzem os objetivos, os valores e as aspirações de poder das partes,
desenvolvem-se mediante processos de acordo, negociação ou conlito de
diversas naturezas e provocam impacto sobre diversas áreas da GRH.
18
Clima organizacional: em uma obra clássica, Litwin e Stringer (1968, p. 66) deinem o
clima como a soma das percepções dos indivíduos que trabalham em uma organização.
Esse estado de ânimo coletivo ou percepção global compartilhada tem repercussões na
conduta dos empregados e, portanto, interessa à GRH.
O clima organizacional normalmente é medido através de questionários que avaliam as
percepções dos empregados, tomando por base um conjunto de dimensões. A medição
do clima serve para melhorar as políticas e práticas de GRH relacionadas às áreas que
estejam deicitárias.
Weinert (1985, p. 176) reconhece no clima organizacional cinco componentes ou dimen-
sões principais, que constituem o denominador comum dos diversos instrumentos de
medição propostos:
a) a autonomia individual, ou liberdade dos indivíduos para decidir por si mesmos
sobre o trabalho;
b) o grau em que foram elaborados e ixados com clareza os métodos e objetivos e no
qual o superior os dá a conhecer;
c) o sistema de recompensa e retribuição e o grau em que apresenta uma relação clara
com o desempenho produzido e recebido;
d) a atenção, o apoio, o interesse e o “calor” que mostram os superiores em relação aos
subordinadose, e
e) a cooperação e capacidade para resolver conlitos.
Como pode ser observado, trata-se de elementos que, em boa medida, afetam as relações
verticais (superiores/subordinados) e por isso são especialmente suscetíveis de serem con-
templados e incorporados pelas políticas e práticas organizacionais de gestão das pessoas.
d) Pontos críticos
Gestão do clima
■ A organização trata de conhecer o clima laboral, avaliando-o periodicamen-
te através do uso de instrumentos coniáveis.
■ As avaliações do clima são levadas em consideração para a revisão e melho-
ra das políticas e práticas de GRH.
Eicácia da comunicação
■ A organização dispõe de mecanismos, e veriica-se que os usa com freqüên-
cia, para conhecer as iniciativas, reivindicações, sugestões, informações e
opiniões procedentes dos empregados.
■ Em geral, as decisões da direção, em seus diversos níveis, bem como as infor-
mações relevantes de todos os tipos, geradas em instâncias superiores, circu-
lam pela organização com luidez e chegam com precisão a todos os afetados.
■ A organização dispõe de instrumentos especíicos de comunicação desti-
nados a reforçar a percepção de pertencimento e o comprometimento dos
empregados no projeto organizacional global.
Esta panorâmica dos subsistemas que integram a GRH deve ser comple-
tada com a descrição dos mecanismos de administração do sistema e, con-
cretamente, com o da distribuição das decisões sobre o pessoal por parte dos
diversos atores responsáveis.
AS NECESSIDADES DE MUDANÇA
19
Foram utilizados, fundamentalmente, dados e análises relacionados ao seguinte grupo de
países: Alemanha, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Itália, Ja-
pão, Reino Unido e Suécia. Haverá menções a outras experiências nacionais, sobre as quais
encontramos referência na bibliograia utilizada, e que nos pareceram relevantes. Nesse
sentido, devem ser destacados os casos da Austrália e Nova Zelândia, países que, como se
sabe, experimentaram reformas profundas em seus sistemas político-administrativos.
20
Segundo a conhecida terminologia de Albert Hirschmann, 1970.
son e Cachares, 2000, p. 239), a qual constitui uma das orientações globais
mais intensas e compartilhadas das reformas. Por sua vez, fez do fortaleci-
mento da função gerencial e do desenvolvimento diretivo uma prioridade
que se traduziu com freqüência (Butler, 1993; Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 74)
na deinição de estruturas e políticas de pessoal especíicas para o segmento
diretivo da função pública, como descreveremos mais detidamente no pró-
ximo capítulo.
Nos países que analisamos, a função pública evoluiu, em geral, de um sis-
tema uniforme para outro mais pluralista (Ridley, 2000, p. 32), no qual, frente
ao tradicional engessamento e padronização da relação entre empregadores
e empregados, foram surgindo diversas formas de emprego e padrões diver-
siicados de trabalho (Horton, 2000, p. 213) que se traduziram em diversas
modalidades contratuais e de organização do tempo de trabalho. A inluência
exercida pelas mudanças sociais apontadas no capítulo 1 é inquestionável.
Em geral, a permeabilidade às inluências do setor privado constitui outro
traço comum nos processos de mudança. Bach (1999, p. 177), ironicamente,
salientou que no Reino Unido (mas, com certeza, poderíamos estender este
dado a muitos outros lugares) “nenhum relatório anual ou plano de negócio de
qualquer órgão ou agência estará completo se não incluir o mantra: as pessoas
são nosso principal ativo. Como no setor privado, houve ênfase semelhante no
desenvolvimento de um enfoque estratégico da gestão das pessoas, transferin-
do a responsabilidade às direções de linha e demonstrando que os especialistas
em pessoal agregam valor a suas organizações”.
A utilização do emprego privado como referência trouxe consigo a ten-
dência de questionar o excesso de estabilidade e proteção do emprego público
(Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 73; hompson e Cachares, 2000, p. 240). Na Itália,
a orientação “privatizante” protagonizou, em 1993, uma reforma global que
pretendeu enfrentar as disfunções da função pública por meio de mudança
de seu regime jurídico (Martínez Bargueño, 1995, p. 32; Ruini, 2000, p. 138).
Essa reforma reconduziu o emprego público ao direito civil e trabalhista co-
mum, estabelecendo que as relações e condições de trabalho passassem a ser
regulamentadas através de contratos individuais e acordos coletivos, tuteladas
pelos tribunais trabalhistas comuns.
A transcendência desse tipo de reformas foi questionada pelos que viam
a mudança numa dimensão meramente formal. Entre eles, Ridley (2000, p. 28)
advertiu que o emprego contratual pode ou não oferecer maior lexibilidade
que o estatutário, já que ambos podem vir a gozar da mesma estabilidade e pro-
teção e das mesmas condições salariais e de trabalho. A experiência da Espa-
nha, em cujas administrações existe um amplo uso contratual sujeito ao direito
da gestão pública (Bach, 1999, p. 182). A aceitação desse novo papel por parte
das tecno-estruturas especializadas em recursos humanos ou, pelo contrário, sua
resistência em assumi-lo, constituíram variáveis relevantes de inluência sobre a
rapidez das reformas e, especialmente, sobre a consolidação destas.
das do ocupante do cargo. Com freqüência, esta segunda ampliação traz consi-
go mudanças na previsão das estruturas salariais, às quais aludiremos adiante.
Geralmente implica também um nivelamento das estruturas organizacionais
que leva à redução de níveis hierárquicos.
O objetivo dessas transformações parece claro: aumentar a versatilidade
dos postos e, conseqüentemente, a lexibilidade com que a organização pode
dispor de seus recursos humanos em contextos de mudança, permitindo um
melhor aproveitamento dos mesmos. Exemplo dessas orientações são as es-
tratégias de mixed skilling, no Serviço Nacional de Saúde britânico, que se
propõem cruzar transversalmente, em alguns casos, as fronteiras entre os
campos médico, paramédico e de enfermaria, em matérias como a pequena
cirurgia, o emprego de certas tecnologias de diagnóstico etc. (Horton, 2000,
p. 221). Na Holanda, um número cada vez maior de governos locais vem
utilizando a designação de pessoal “em serviço geral”, caracterizada por uma
lexibilidade funcional mais ampla que a ordinária (Van der Krogt e outros,
2000, p. 205).
A ampliação de faixas permitiu a redução e simpliicação dos sistemas de
classiicação de postos, característicos de muitas burocracias públicas, e basea-
dos na deinição exaustiva das funções, freqüentemente usados (Longo, 2001,
p. 202) para preservar redutos funcionais baseados na rotina e protegidos de
qualquer demanda mínima de versatilidade. Só o serviço civil da Califórnia
inclui 4.500 classiicações de postos, das quais 1.600 se referem a cinco empre-
gados ou menos (hompson e Cachares, 2000, p. 247). No Estado de Washing-
ton, um novo sistema de classiicação consolidou 750 classiicações em apenas
quatro faixas amplas. No serviço civil britânico, o âmbito dos novos sistemas
de classiicação oscila entre as quatro bandas largas de alguns departamentos e
agências até os quarenta níveis da Casa Real (Institute of Professionals, Mana-
gers and Specialists, 1997).
Todas essas orientações em direção à multifuncionalidade são portado-
ras de novas necessidades em outros campos da GRH. Por um lado, incorpo-
ram uma grande necessidade de investimento em formação, conigurando-a
como uma atividade planejada e essencial para as organizações (Cabinet Oi-
ce, 1996). Por outro, tendem a aplicar sistemas de avaliação do desempenho
menos formais, mais personalizados e cada vez mais dirigidos ao apoio do
desenvolvimento de recursos humanos e à identiicação das necessidades de
capacitação.
Em matéria de promoção e carreira, a ênfase das reformas (OCDE, 1999a)
foi colocada na redução do peso da antiguidade e na vinculação das promoções
ao desenvolvimento de capacidades e ao alto desempenho no cargo (World
Uma parte dos esforços dos governos nesse campo foi dirigida à criação
de mecanismos capazes de impor a mobilidade forçada por razões organiza-
cionais. Na Alemanha (Röber e Löler, 2000, p. 127) foram deinidas transfe-
rências obrigatórias por estas causas, com um limite de cinco anos caso não
contassem com o consentimento do interessado. Com alcance semelhante ope-
ram os détachements, na França (MAP, 1997). Na Espanha (Palomar, 1997), os
“planos de emprego” de 1993, já mencionados, foram criados para possibilitar,
entre outras coisas, a mobilidade forçada, tanto funcional como geográica,
dos funcionários. Um mecanismo similar (Martínez Bargueño, 1995, p. 37) foi
criado na Itália na mesma época. Outros instrumentos acionados para permi-
tir a mobilidade forçada são, no setor local holandês, os bureaux de mobilidade
(Van der Krogt e outros, 2000). Eles assumem a re-designação de empregados
que, no caso de organizações pequenas, agem coletivamente facilitando trans-
ferências entre diversos governos locais, no que contam às vezes com o apoio
de agências privadas de emprego.
As experiências analisadas permitem airmar que nem sempre dispor do
mecanismo signiica articular na prática processos verdadeiros de mobilidade
obrigatória. Na realidade, o peso das tradições pode se impor e a aplicação do
mecanismo se torna mais exceção do que prática habitual. O caso espanhol
pode ser usado como exemplo dessa inércia.
Uma segunda linha de trabalho foi a utilização de instrumentos desti-
nados a estimular a mobilidade voluntária, entendendo que também por esta
via se facilita a lexibilidade e, ao mesmo tempo, se incentivam outros avanços
em capacitação, polivalência, visão global etc. Neste sentido, foi implantada na
Suécia (Murray, 2000, p. 179) uma política cujo objetivo é aumentar a mobili-
dade no governo central e também entre o governo central, os governos locais
e as empresas privadas. Até agora, as iniciativas obtiveram pouco sucesso. Na
Alemanha (Röber e Löler, 2000), alguns Länder estabeleceram a rotativida-
de entre os postos como requisito para as ascensões hierárquicas. O governo
central holandês criou (Van der Krogt e outros, 2000, p. 296) um “banco de
mobilidade” que concentra todas as vagas, acessíveis a todos os empregados
e não apenas aos que possam ter sido declarados excedentes. Os processos de
formação necessários para facilitar a reciclagem dos empregados que desejam
mudar, ou que são obrigados a isso, são inanciados por um “Fundo de Edu-
cação e Emprego”. Também existe um programa de intercâmbio entre os Mi-
nistérios de Agricultura, Território e Água, que facilita atribuições temporárias
a postos de mesmo nível em outro ministério, com a inalidade de melhorar
relações, intercâmbio de informação, aprendizado e melhoria da empregabili-
dade do pessoal.
OS PROCESSOS DE REFORMA
cional vigor da liderança política que se deu nas experiências britânica, aus-
traliana e neozelandesa, e, depois de constatar os inúmeros fracassos colhidos
por orientações semelhantes em outros países, defende justamente um enfoque
contrário, baseado na redução da escala das reformas, sua implantação gradual
e uma ilosoia centralizada que procura converter os dirigentes de linha em
“proprietários” das inovações (Polidano, 2001). Esta foi também a orientação,
batizada como “incrementalismo estratégico”, adotada pelo Banco Mundial
para as reformas nas situações em que as capacidades iniciais são baixas, como
é o caso de muitos países do terceiro mundo (World Bank, 2003, p. 180).
Nos Estados Unidos, o planejamento aparente do processo de reforma no
período examinado não se afastaria em muitos pontos daquilo que caracteriza
os três países citados. No âmbito federal (U. S. National Performance Review,
1993), como também no estatal e local (National Commission on the State and
Local Public Service, 1993), desenvolveram-se visões sistêmicas das reformas
e, no âmbito federal, a visualização de uma liderança política presidencial ma-
nifestou-se de forma clara, com o vice-presidente Al Gore assumindo nesse
sentido um papel especíico. Em 1995 (hompson e Cachares, 2000, p. 240),
um projeto legislativo estava pronto para implantar as principais recomenda-
ções da NPR quanto à reforma do serviço civil, incorporando faixas amplas
para substituir as velhas graduações, eliminando requisitos de antiguidade e
facilitando a remoção de empregados de baixo desempenho, junto com ou-
tras medidas de mudança. A oposição do Congresso impediu sua aprovação,
fazendo que o enfoque global e “de alto a baixo” tivesse que dar lugar a outros
procedimentos (Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 82), menos contundentes.
Como dissemos, a reforma nos Estados Unidos adotou uma trajetória
desagregada (Kamarck e outros, 2003). As agências que puderam ou soube-
ram fazer uso de seu poder negociador com o respectivo comitê do Congresso
foram autorizadas a realizar reformas signiicativas, às quais já nos referimos.
Da mesma forma, ainda que com mais lógica, por causa de sua autonomia, os
Estados e os governos locais protagonizaram mudanças de alcance bastante
desigual e fragmentado.
A Suécia – país onde, como vimos, também se desenvolveram mudanças
signiicativas – fugiu, em geral, dos estilos ruidosos de implementação das re-
formas (Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 265), sendo esta uma das características
genericamente atribuídas aos países nórdicos europeus. Nesses países, pelo
contrário, se impuseram procedimentos, habituais nesses contextos culturais,
nos quais se incentiva o diálogo com os setores e corporações interessadas nas
diversas matérias, e se usam intensivamente as estratégias de acerto/erro e dos
planos-piloto para testar as mudanças antes de implantá-las em caráter geral.
Fez parte desta orientação para o consenso um grande esforço para minimizar
as demissões obrigatórias de funcionários públicos. O mesmo tipo de processo,
predominantemente gradual e seletivo, caracterizou (Pollitt e Bouckaert, 2000,
p. 248) as reformas na Holanda.
Uma característica das reformas na Alemanha, que foram mais difíceis do
que em outros países devido às restrições do seu marco constitucional e legal
(Siedentopf, 1990), foi uma orientação de baixo para cima (bottom-up), no que
se referia ao papel desempenhado pelas diversas instâncias da administração.
Para Klages e Löler (1996, p. 134), faltaram virtualmente ao governo federal
as iniciativas reformadoras, tanto que alguns Länder se mostraram incentiva-
dores de reformas, mas seus verdadeiros empreendedores foram os governos
locais. Algumas experiências na Espanha apontariam na mesma direção.
O problema dos enfoques fragmentados, de baixo para cima, é que eles
prejudicam as soluções das diiculdades de macro-reformas, imprescindíveis
quando existem regras de jogo globais que devem ser revistas ou substituídas.
Isto não deve ser entendido como sobrevalorização da dimensão jurídica das
reformas. Talvez o caso mais adequado para se reletir sobre esse extremo seja a
Itália. Como indicamos antes, a Ordem 29/93 incorporou uma reforma global,
profunda, da função pública italiana, sob as premissas da “privatização” ou la-
boralização, que se situa no campo daquilo que Sánchez Morón (1994) chamou
de uma “revolução constitucional”. Até que ponto a nova legislação modiicou
as coisas, transformando, de fato e produndamente, o statu quo? Para Ruini
(2000, p. 139), “os novos regulamentos não foram plenamente aceitos e postos
em prática. Para desenvolver uma nova e mais efetiva gestão das pessoas é pre-
ciso, primeiro, desenvolver as competências dos dirigentes e mudar o ethos da
gestão, no interior da administração pública”. Esta relexão nos parece valiosa
e plenamente aplicável, em especial as culturas político-administrativas que,
como as européias do sul, tendem a pensar nas leis sobretudo na hora de mu-
dar as coisas, de forma que convivem com graus de não-cumprimento muitas
vezes notáveis.
BALANÇO E PERSPECTIVAS
Embora a avaliação, como tal, dos resultados das mudanças não seja aqui
o nosso propósito principal, parece necessário introduzir algum elemento de
valorização das reformas a que nos referimos. Pollitt e Bouckaert (2000, p. 97
e seguintes) destacaram as diiculdades de empenho e os escassos dados con-
iáveis em boa parte dos casos. Com referência aos países em que as inovações
foram mais signiicativas, é comum que as análises ressaltem a aparição de ga-
nhos de produtividade, resultantes da melhora na relação resultados/despesa
com pessoal. Da mesma forma, foi salientada a incorporação signiicativa de
pautas culturais relacionadas com a orientação aos resultados, o cuidado com
a satisfação do cliente e, em alguns casos, a concorrência entre provedores de
serviços públicos. A melhora dos resultados dos processos de recrutamento e
seleção, como conseqüência da introdução da gestão por competência, bem
como o aumento da capacidade gerencial resultante dos novos modelos de
função diretiva, fazem parte, também, das mudanças que recebem, em geral,
valorizações de cunho positivo.
Do ponto de vista dos problemas ou das incertezas, devemos nos referir
a pelo menos duas ordens de diiculdades que começam a aparecer na gestão
satisfação era a chave para competir com êxito no mercado eleitoral. Os segun-
dos, impulsionados pelas mesmas necessidades, vividas em suas relações com
os usuários reais ou potenciais dos serviços, assim como por seu interesse em
consolidar seu peso e seu protagonismo no sistema. No meio, uma burocracia
débil, administrando e dando forma às intervenções e transações dos dois
atores principais.
A autora britânica acredita que o modelo pode subsistir, embora seja
possível alimentar suas tendências expansivas intrínsecas através do cresci-
mento incremental sustentado dos orçamentos públicos. Quando a magnitude
alcançada pelo gasto público e a necessidade de políticas orçamentárias res-
tritivas questionam a viabilidade econômica daquele, os políticos começam a
perceber a necessidade de introduzir disciplina no sistema. A incorporação
dos managers, portadores dos valores e dos saberes próprios da racionalidade
econômica, lhes permitirá orientar a administração na produção de melhoras
de eiciência.
Cabe reter, desta análise, duas notas signiicativas. A primeira é que a
gerencialização aparece vinculada a uma reação das classes políticas dirigentes,
destinada a tomar o controle do sistema, impondo seu poder sobre o que Clar-
ke e Newman (1997, p. 13) chamam de coalizão buro-proissional e utilizando
para isso um novo ator, os dirigentes, que assumirão um protagonismo desta-
cado. A segunda, é que a função diretiva, embora necessária muito antes, em
nossa análise, como conseqüência da lógica evolutiva do Estado moderno, não
se generaliza a não ser sob o impulso da crise de recursos e da restrição dos
gastos públicos. Esta segunda nota explicará o contundente viés eicientista,
fortemente orientado para a redução de gastos, que a irrupção dos managers
adotou em muitos casos, e que deu lugar a algumas das conseqüências mais
discutíveis desses processos.
No contexto público espanhol, o fenômeno da gerencialização é, sem dú-
vida, muito mais incipiente que no Reino Unido ou em outros países, como
Austrália, Nova Zelândia, Suécia e Dinamarca (Schwartz, 1994; Boston e ou-
tros, 1997), que passaram por processos de ampla transformação de seus siste-
mas públicos, além de muitos outros (Estados Unidos, Canadá, Holanda), em
cujas tradições administrativas a função diretiva alcançou um notável grau de
desenvolvimento. Países mais próximos da nossa cultura administrativa, como
a Itália, têm estimulado reformas destinadas a consolidar a dirigenza pubblica
como um estrato dotado de lógica e características próprias e diferenciado da
função pública ordinária.
No entanto, se sustentarmos – e creio que devemos fazê-lo – que a aná-
lise anterior decorre basicamente de aplicação à nossa administração pública
GESTÃO
DO ESPAÇO
POLÍTICO
GESTÃO
ESTRATÉGICA
GESTÃO
OPERACIONAL
trando para isso as relações com um grupo de atores, internos e externos, que
constituem seu contexto autorizador. Esse contexto inclui, antes de tudo, seus
superiores políticos, mas também todos aqueles atores sobre os quais o dirigen-
te não goza de autoridade formal: outros dirigentes, de sua própria ou de outras
organizações, grupos de interesse, cidadãos, meios de comunicação etc.
Por último, trabalhando na terceira esfera, a gestão operacional, o diri-
gente deve conseguir que a organização a seu cargo, composta pelo conjunto
de meios e recursos situados sob sua autoridade formal, atue eicaz e eicien-
temente para alcançar os objetivos perseguidos, assumindo, além disso, a res-
ponsabilidade pelos resultados alcançados.
Este último seria o terreno mais conhecido e convencionalmente aceito
do exercício da direção, mas, se nos limitarmos a ele, a função de dirigir ica
empobrecida, como sublinha Moore, ignorando as esferas do management es-
tratégico e político. Seria como pedir a um dirigente público menos do que
nossas sociedades estão acostumadas a exigir de um dirigente privado ou de
um executivo de empresa. Mais do que isso, provavelmente a complexidade
dos problemas enfrentados pelo setor público e a complexidade de seu contex-
to autorizador fazem essas esferas da gestão mais exigentes no âmbito público
do que no privado. Bourgault e Savoie (2000, p. 376), em um trabalho recente
sobre o serviço civil superior canadense, ressaltam essa dimensão da função
gerencial pública de forma coincidente com o modelo descrito.
A adoção do modelo da KSG como indicativo é compatível com uma
visão contingente do trabalho diretivo. O êxito ou fracasso deste implica
solicitações que operam de maneira diversa em contextos diferentes, como
bem demonstra a tipologia de peris diretivos de Strand (1987), útil como
referência analítica para reconhecer diversos graus e formas de manifesta-
ções da liderança na gerência pública. Apresentando-se com duas dimensões
– o grau de estabilidade/mudança, por um lado, e a orientação que prefere
estabilidade/resultados, por outro – surge uma tipologia de dirigentes pú-
blicos formada por quatro arquétipos: o administrador, o produtor, o em-
preendedor e o integrador, cada um dos quais poderia ser visto como uma
concretização diferente do dirigente genérico de Moore, em circunstâncias
especíicas e diversas.
Essa aproximação básica à função diretiva pública, sem dúvida exigente,
mostra-se coerente com a que resulta dos trabalhos mais recentes do Comitê
de Gestão do Serviço Civil do Reino Unido (Civil Service Management Board,
CSMB), que tem por objetivo a produção de um modelo de competências de
direção para o serviço civil superior. Os “valores” e “temas” que coniguram
o modelo básico de direção pública para o CSMB incluem elementos como
Um conjunto
Um espaço de
de valores de
discricionariedade
referência
Um sistema
Um regime
de controle e
de prêmios e
prestação
sanções
de contas
21
Para a redação dessa parte, o autor se baseia em lições e conversas de trabalho com seu
colega do IDGP da Esade, atualmente no Banco Interamericano de Desenvolvimento,
professor Koldo Echebarria, cujas idéias adapta e desenvolve, sendo porém o texto de
exclusiva responsabilidade do autor.
Um espaço de discricionariedade
O que se disse não signiica que tais garantias devam dar lugar a um uni-
verso comum de normas que integre a direção pública proissional na função
pública ordinária. Pelo contrário, a implementação de um regime de incenti-
vos capaz de estimular adequadamente o aparecimento e a atração de voca-
ções diretivas e o próprio exercício da direção pública exige pautas especíicas
de lexibilidade, semelhantes às que existem nas empresas para a coniguração
das condições de trabalho de seus dirigentes. Não se pode normatizar a fun-
ção diretiva com a rigidez que encontramos normalmente nos regulamentos
gerais do emprego público. A vinculação clara da continuidade no cargo, a
carreira e a retribuição conforme os resultados, fariam parte de regras do jogo
capazes de tornar possível esse marco, rigoroso porém mais lexível, de prê-
mios e sanções.
Essa convicção parece ter aberto passagem entre os reformadores que,
como antes mencionamos, estimularam mudanças nesse campo, no âmbito
das democracias avançadas. A criação de estatutos especíicos para o pessoal
diretivo, que destacamos como orientação freqüente, atende a essa necessidade
de combinar os mecanismos de garantia do proissionalismo gerencial com a
possibilidade de aplicar regras de gestão de recursos humanos adaptadas aos
postos de direção.
Chegados a este ponto, uma questão – nada fácil, por certo – pede passa-
gem abertamente: como delimitar, nas instituições, os postos e as funções de
natureza diretiva e com que critérios daqueles cuja legitimidade de exercício
é de caráter político. Dizendo de outro modo: que critérios situam uma res-
ponsabilidade ou cargo público no que chamamos de espaço diretivo e exigem
portanto que ele seja tratado com critérios de responsabilidade gerencial, e
não com critérios próprios da política. A questão obriga a abordar a diferen-
ça, especialmente elusiva e resistente à aproximação doutrinal, entre política e
administração (Ammons e Newell, 1989, p. 41), cujas fronteiras se perilam,
nos termos de alguns estudos recentes (Svara, 1999), com contornos cada vez
menos nítidos. Não é nossa pretensão, nem de longe, deixar aqui resolvida a
Um enfoque contingente
igura 11, quatro variáveis que, a nosso ver, poderiam operar como fatores de
contingência da dita coniguração.
a) A matéria: entendemos por tal o conteúdo ou universo temático em que se
desdobra a função atribuída ao cargo. A dimensão relevante nessa variável é
sua politização, isto é, o grau de proximidade do conteúdo temático em torno
do qual gravita a função de direção, assim como das decisões que se devem
adotar no exercício da mesma, dos elementos nucleares de diferenciação en-
tre forças ou empreendimentos políticos. Em outras palavras, falaríamos de
uma matéria politicamente neutra, quando se depreendesse de seu conteúdo
um baixo grau de exigibilidade de lealdades especíicas, na direção de um
projeto ou de um fato político claramente diferenciado. Pelo contrário, a ma-
téria seria politicamente diferenciadora quando a dita exigibilidade fosse de
alto grau. Mais do que matérias genericamente qualiicáveis como de um tipo
ou de outro, existirão contextos, histórias e circunstâncias em que a dimen-
são de politização concorrerá em grau diferente.
b) O papel: o segundo fator de contingência se relaciona com as característi-
cas do papel que o titular do cargo se vê obrigado a desempenhar. Também
aqui, a politização é a dimensão que deve ser considerada. Entenderemos
por politização do papel o grau de sua proximidade com as relações e tran-
sações características do mercado político (solicitações de tarefas, atividades
predominantes, estilo de comportamento) exigido pela função de direção
que o cargo leva consigo. Esse fator se manifestará freqüentemente de modo
ostensivo na magnitude ordinária do componente externo (parlamentar-in-
A estrutura organizacional
As competências gerenciais
O primeiro dos grandes objetivos nesse campo não é outro senão a me-
lhora do aproveitamento dos recursos humanos. Aqui, a primeira das grandes
área de melhoria é a dos próprios sistemas de planejamento, muitos pratica-
mente inexistentes. Nem a limitação imposta pelos ciclos políticos, nem a dii-
culdade que a produção ou a explicitação de estratégias encontra no contexto
público deveriam impedir o desenvolvimento de alguns instrumentos básicos
de planiicação provisional de recursos humanos. Ser puramente reativo nesse
campo tem altíssimos custos de todos os tipos.
A debilidade do instrumental de planejamento alimenta as carências do
sistema quando se trata de dimensionar impostos e dotações, alocar efetivos
ou redistribuí-los. Com freqüência, há simplesmente carência de informação
A gestão do emprego
A gestão do desempenho
cia, para a qual o desempenho anterior deveria ser uma das principais fontes
de informação.
d) Reconhecer o desempenho: a utilização de todas as formas de reconhecimen-
to não monetário disponíveis é uma recomendação generalizável. Contra
o que às vezes se cita com menosprezo, a “palmadinha nas costas” - em
qualquer de suas formas possíveis –, nem é uma fórmula gasta (de fato, nas
organizações públicas, a julgar por nossa experiência, é bastante infreqüen-
te) nem se mostra, sem dúvida, irrelevante. As possibilidades nesse campo
são amplas e, em geral, pouco exploradas. O reconhecimento monetário na
forma de incentivos variáveis (quintessência da lexibilidade das políticas
de recompensa, para alguns) oferece sem dúvida importantes possibilidades
de estímulo ao desempenho, sempre que não seja considerado como uma
receita de validade universal e se ponderem adequadamente seus custos e
benefícios. Sem querer aprofundar agora o tema, esquematizamos a seguir
algumas considerações.
■ Deve-se superar a noção pavloviana de uma relação direta e automática
entre o incentivo econômico e o esforço. A bem conhecida teoria das
expectativas de Vroom (1964) continua oferecendo um adequado marco
analítico para entender os requisitos necessários para que a dita vincula-
ção se produza.
■ De nada serve um incentivo variável sem um sistema formal de avalia-
ção da contribuição que satisfaça todos os requisitos antes menciona-
dos. Construir tal sistema exige que se alcance um alto grau de capaci-
dade e maturidade organizacional, cuja existência deve ser previamente
analisada.
■ Os incentivos variáveis podem funcionar bem em certos ambientes orga-
nizacionais e não em outros. Em algumas ocasiões serão recomendáveis
incentivos individuais e, em outras, grupais. A “incentivação” dos diri-
gentes pode requerer instrumentos de recompensa diferentes dos utiliza-
dos com proissionais ou outros grupos do pessoal. As soluções-padrão
não resolvem grande coisa nesse campo e podem, além disso, ocasionar
custos e prejuízos importantes.
A gestão do desenvolvimento
As relações trabalhistas
lhe dar entrada, voz e até voto em decisões que são responsabilidade da direção
(como um processo de seleção de pessoal). Nesse sentido, deve-se ter em conta
que a divisa entre a participação e o patrocínio sindical de cargos é às vezes
tênue, e que isso obriga a uma clara delimitação de papéis.
Orientar assim as relações trabalhistas no setor público exige, no caso da
Espanha e também em outros países, o esclarecimento de um debate não de
todo resolvido. Deve-se organizar o serviço público fundamentalmente me-
diante normas jurídicas, como é próprio de um modelo estatutário de direito
público, ou devem prevalecer os pactos e acordos entre atores sociais que ca-
racterizam o direito trabalhista? A questão não delineia apenas um debate aca-
dêmico para juristas. Certamente, a aproximação entre as instituições do direi-
to administrativo e do direito trabalhista tem sido constatada e analisada, com
alcance geral, como vimos no capítulo 2, pelos especialistas, que têm falado da
paulatina extensão ao âmbito público de um “modelo de relações que tem sua
origem na empresa privada” (Sánchez Morón, 1996, p. 225). Entretanto, no ce-
nário espanhol, a dita aproximação chegou a se traduzir em uma considerável
confusão. Sobre um marco regulador do primeiro tipo, orientado, como disse-
mos em outro lugar (Longo, 1995, p. 6), para a formalização de garantias sem
alterar suas bases e sem vontade aparente de trazer à luz um modelo coerente
e integrado, foram superpostos direitos e mecanismos de origem convencional
(a greve, a negociação coletiva etc.) nascidos em outro universo jurídico. O re-
sultado tem sido um variado conjunto de práticas contraditórias, de vacilações
jurisdicionais e de obscuridade dos critérios seguidos pelos diferentes atores
que tornam imprescindível, a nosso ver, uma clariicação do modelo. Se a tudo
o que já foi dito acrescentamos a injustiicada persistência de um modelo dual
ou misto de emprego público, a que nos referiremos em seguida, a urgência
dessa clariicação se torna ainda maior.
O marco jurídico
Por tudo isso, o campo das batalhas decisivas, a nosso ver, é o da mudança
cultural. Por deinição, como apontamos antes, não são batalhas curtas. Pelo
contrário, exigem continuidade e tenacidade. Mas é imprescindível, se quere-
mos que as mudanças se enraízem e se consolidem, que a atuação nas demais
frentes vá acompanhada de um empenho na promoção de novos valores nas
organizações públicas: os da inovação, da eiciência e da lexibilidade, que ca-
racterizam as reformas do setor público ali onde tenham alcançado um impac-
to signiicativo. No campo que nos ocupa, esse propósito exigirá uma maior
abertura da administração pública para a sociedade, que vá enfraquecendo a
tendência do emprego público de se conigurar como um universo cultural
impenetrável e opaco, regido por valores próprios e diferentes dos que são pe-
culiares das relações de trabalho nas sociedades de nossos dias.
OS DESAFIOS DO FUTURO
ir crescendo ainda mais. Isso faz com que os setores burocráticos tradicionais
da administração já representem, falando quantitativamente, uma parte muito
minoritária dos serviços públicos.
Uma das disfunções globais do nosso modelo de gestão pública das pes-
soas é, precisamente, a desproporção entre esse peso minoritário da burocracia
tradicional no conjunto geral e sua inluência ainda enorme na coniguração
das práticas de pessoal. Um dos desaios do futuro será precisamente a corre-
ção desses desequilíbrios. Tudo que temos dito neste capítulo acerca da substi-
tuição das carreiras hierárquicas por carreiras horizontais baseadas no cresci-
mento de competências vale como exemplo de mudança nessa direção.
b) O peso proporcional do trabalho altamente qualiicado nos quadros de
funcionários públicos tenderá a crescer nos próximos anos: os serviços públicos
da sociedade do conhecimento acentuam as necessidades de qualiicação de
seus prestadores. Uma porção cada vez maior do trabalho que é preciso reali-
zar requer a posse de conhecimentos e habilidades que se situam no segmen-
to superior da escala de “acreditação” acadêmica. Um estudo da Universidade
Autônoma de Barcelona sobre a convergência da Espanha com a União Euro-
péia em questões de trabalho deixa claro que, entre 1986 e 2000, o mercado de
trabalho de licenciados e doutores quase triplicou na Espanha, passando de
514.259 para 1.487.012 empregados. Áreas de atividade para as quais era sui-
ciente uma capacitação genérica de nível médio ou secundário requerem hoje
o domínio de especializações técnicas de nível mais alto. Por sua vez, a evolu-
ção tecnológica soisticou os saberes técnicos necessários para o exercício de
certos trabalhos e elevou, conseqüentemente, o grau de preparação requerido
(García Montalvo e Mora, 2000).
Por outro lado, o peso do trabalho de baixa qualiicação tende a se reduzir
por diferentes vias. Uma delas, provavelmente a mais citada, é a do desenvol-
vimento tecnológico, que produziu a mecanização de uma parte do trabalho
que antes as pessoas realizavam. Em âmbitos de trabalho tipicamente adminis-
trativos, como a edição e reprodução de documentos, o arquivo, a manutenção
de estatísticas, padrões e outras bases de dados etc., esse efeito já não é nenhu-
ma novidade. Uma segunda via é a das mudanças organizacionais e culturais.
Assim, por exemplo, uma parte do trabalho tradicionalmente realizado por
pessoal subalterno é progressivamente assumido, sem custos adicionais, por
empregados de nível superior ou, simplesmente, desaparece por desnecessário.
Uma terceira via é a retirada de uma parte desses trabalhos dos quadros públi-
cos mediante processos de terceirização da gestão.
c) Fortes exigências de especialização técnica coexistirão com exigências
signiicativas de versatilidade e multidisciplinaridade: vivemos fortes tendências
22
Ver www.cabinet-oice.gov.uk/civilservice/scs/competences.htm
Tal parece ser a opção adotada pelo Banco Mundial, quando distingue por
um lado as reformas de primeira fase, destinadas a alcançar ou a fortalecer a dis-
ciplina, a formalidade e o cumprimento das normas, e por outro lado as refor-
mas de segunda fase, destinadas a promover a lexibilidade, a discricionariedade
e a orientação para resultados, que deveriam ser acionadas somente quando
fossem alcançados os objetivos da primeira fase (World Bank, 2003, p. 195).
Acreditamos que a questão se mostra menos simples, pelo menos pelas
razões que expomos esquematicamente a seguir.
1. Os esquemas de butim político não excluem a existência de elementos de
rigidez. Assim, a livre subordinação a lealdades políticas e as demais práti-
cas próprias de uma concepção clientelista do emprego público coexistem
freqüentemente, em alguns países latino-americanos, com a vigência de me-
canismos escleróticos no perilamento de postos, na alocação de tarefas, no
progresso proissional ou na exigência de responsabilidades disciplinares.
Diversos tipos de conjunção de interesses são capazes de conjugar incentivos
de apadrinhamento e aspirações corporativas para tornar possível esse apa-
rente paradoxo.
2. Também nos modelos dotados dos elementos próprios de um sistema de
mérito, como no caso espanhol, é necessário desenvolver e aperfeiçoar os
sistemas de garantias para assim evitar riscos de politização ou arbitrarie-
dade. Em particular, como se disse antes, é conveniente construir garantias
materiais ou substantivas em áreas da gestão das pessoas onde a proteção do
mérito se ia exclusivamente em requisitos e mecanismos de caráter formal.
3. É pouco provável, do ponto de vista da economia política das reformas, que
se possam introduzir e consolidar mudanças que visem dotar de rigor e pro-
issionalização os sistemas públicos acostumados à politização e clientelismo,
sem abordar, em paralelo, inovações que visem estimular a receptividade da
administração para as prioridades políticas das equipes governantes e a res-
ponsabilização dos empregados públicos pelos resultados, garantindo assim
o controle, pelos governos, dos aparelhos administrativos.
4. A migração dos modelos do primeiro tipo para os do segundo não tem por-
que ser feita ao preço de copiar elementos disfuncionais existentes nestes
últimos. Pelo contrário, há uma série de patologias devidas à rigidez buro-
crática que, no processo de construção dos sistemas de mérito com suas cor-
respondentes garantias, podem e devem ser evitadas, escarmentando assim,
se nos é permitida a expressão, cabeça alheia.
Por tudo isso, cremos que a orientação para a lexibilidade das reformas
da GRH no setor público pode ser freqüentemente extrapolada para contextos
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