Você está na página 1de 248

MÉRITO E FLEXIBILIDADE

A gestão das pessoas no setor público

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 1 1 22/2/2007 09:40:15


Fundap (Mérito e Flexibilidade) 2 2 22/2/2007 09:40:28
MÉRITO E FLEXIBILIDADE
A gestão das pessoas no setor público

Francisco Longo

EdiçõesFundap

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 3 3 22/2/2007 09:40:28


Governador do Estado
José Serra

Secretário de Gestão Pública


Sidney Beraldo

FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO–FUNDAP

Diretora Executiva
Neide S. Hahn

Coordenação editorial
Carlos H. Knapp

Tradução
Ana Corbisier
Lucia Jahn
Luis Reyes Gil
Paulo Anthero Barbosa

Revisão
Helena Jansen

Revisão técnica
Pedro Anibal Drago
Sandra Souza Pinto

Capa
Cristina Penz
Ilustração da capa baseada na escultura “Le Chariot” (1950), de Alberto Giacometti

Editoração eletrônica
Ricardo Serraino

Fevereiro/2007

© 2004 by Ediciones Paidós Ibérica, S.A.


Reprodução proibida sem a expressa autorização da Fundap.

Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP)


(Centro de Documentação da Fundap, SP, Brasil)

Longo, Francisco
Mérito e lexibilidade: a gestão das pessoas no setor público / Francisco Longo; tradução
Ana Corbisier, Lucia Jahn, Luis Reyes Gil, Paulo Anthero Barbosa; revisão Helena Jansen;
revisão técnica Pedro Anibal Drago, Sandra Souza Pinto. – São Paulo: FUNDAP, 2007
246 p.
Tradução de: Mérito y lexibilidad: la gestión de las personas en las organizaciones del
sector público.
ISBN 978-85-7285-102-2
1. Administração de pessoal. 2. Administração de pessoal – Setor público. 3. Gestão de pessoas
– Setor público. I. Fundação do Desenvolvimento Administrativo – Fundap. II. Título.
CDD – 360.1

EDIÇÕES FUNDAP
Rua Cristiano Viana, 428
05411-902, São Paulo, SP
Telefone (11) 3066 5584
Fax (11) 3081 9082
livraria@fundap.sp.gov.br

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 4 4 22/2/2007 09:40:28


Para Alejandro e Alberto Longo

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 5 5 22/2/2007 09:40:28


Fundap (Mérito e Flexibilidade) 6 6 22/2/2007 09:40:28
SUMÁRIO

Agradecimentos
Apresentação da edição brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1. A gestão das pessoas nas sociedades contemporâneas. . . . 23
2. O que o emprego público tem de diferente.
A função pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3. Gerir pessoas no setor público:
um sistema integrado de valor estratégico . . . . . . . . . . . . . . . 77
4. Os grandes subsistemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
5. As tendências de reforma da gestão das pessoas nas
democracias avançadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
6. Dirigentes públicos profissionais:
por que, para que e como . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
7. Os desafios do futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
Epílogo: mérito e flexibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 7 7 22/2/2007 09:40:28


Fundap (Mérito e Flexibilidade) 8 8 22/2/2007 09:40:28
AGRADECIMENTOS

Como autor deste livro, tenho uma dívida de gratidão para com muitas
pessoas. Entre elas está antes de mais nada uma longa lista de gestores públi-
cos que participaram dos programas do IDGP da Esade1 nos quais exerci a
docência. Tenho consciência de ter recebido, deles, estímulos e ensinamen-
tos muito valiosos. Devo mencionar também os governadores e dirigentes que
coniaram na minha capacidade de consultor e assessor ao longo destes anos. E
também os meus alunos de nove promoções de MBA da Esade, que ano após
ano desaiaram minha capacidade para formar gestores de pessoas. As coisas
que aprendi com todos eles contribuíram para iltrar minhas percepções, apro-
ximar à realidade os meus pontos de vista e melhorar minha habilidade para
comunicá-los.
Esade, a instituição em que desenvolvo meu trabalho há mais de dez anos,
deve ser especiicamente destacada neste parágrafo. Sua coniguração aberta e
horizontal, que oxalá seja capaz de conservar durante muito tempo, proporcio-
nou-me o ambiente estimulante e de cooperação, necessário a todo o trabalho
intelectual, e o contato com as pessoas cuja contribuição generosa foi básica
para o meu crescimento proissional. Sua cultura humanista e plural facilitou
o engate de minhas convicções com os valores próprios do ambiente organiza-
cional em que trabalho. Sou consciente do privilégio que isso signiica. Nesse
ponto, dirijo minha gratidão a Lluís Pugès, o diretor que me contratou, e a
Carlos Losada, que um dia me sugeriu a incorporação e depois, com a respon-
sabilidade atual de diretor geral, manteve sua coniança em mim.
Dentro do Esade, recebi dos meus companheiros do Instituto de Direção
e Gestão Pública numerosas contribuições e uma inluência que, sem dúvida,
se traduzem naquilo que este livro terá de mais valioso. Em especial a freqüente
colaboração na docência, na pesquisa e na consultoria de Koldo Echebarría,
hoje licenciado, foi uma importante inluência para conigurar a minha forma
de entender a gestão pública, como também o foi o estreito contato proissional
que mantive esses anos com Xavier Mendoza, Alfred Vernis, Albert Serra e o já
citado Carlos Losada. Também expresso meus agradecimentos a Manolo Férez,
Rafa Jiménez Asensio, Pere Puig, Manel Peiró, Enric Colet, Roberto Quiroga,

1
NT: IDGP é o Instituto de Dirección y Gestión Pública, instituição da Esade (Escuela Su-
perior de Administración de Empresas), uma das dez mais prestigiosas Business Schools da
Europa.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 9 9 22/2/2007 09:40:28


10 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Sam Husenman, Tamyko Ysa, Eduard Gil, Joat Henrich, Cristina Navarro e as
demais pessoas que colaboram com o IDGP.
Alguns colegas do departamento de Direção de Recursos Humanos da
Esade leram trechos do manuscrito e me passaram seus valiosos comentários.
É o caso de Carlos Obeso e de Ricard Serlavós, a quem devo um reconheci-
mento especial por ser o inspirador do modelo de gestão de recursos humanos
que adotei na época, apliquei e desenvolvi nos últimos anos e que, adaptado à
gestão pública, apresento neste livro.
A relação de trabalho com outras pessoas do mundo acadêmico propor-
cionou-me valiosas referências e comentários que beneiciam o livro. Nesse
ponto, devo citar Joan Subirats e toda a equipe do IGOV da Universidade
Autônoma de Barcelona; Manuel Villoria, do Instituto Universitário Ortega
y Gasset; Manuel Zafra e Frederico Castillo, do CEMCI de Granada; Miguel
Sánchez Morón, da Universidade de Alcalá de Henares; Alberto Palomar, da
Universidade Carlos III; Carlos Vignolo, da Universidade do Chile; Regina Pa-
checo, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; e Oscar Oszlak, da Universi-
dade de Buenos Aires. Agradeço também a Michael Barzelay, da London School
of Economics, e a Sonia Ospina, da New York University, pelos comentários
sobre um material prévio em que apoiei uma parte do livro.
Considero a experiência de dirigente público, no meu caso, como uma
fonte decisiva para o crescimento pessoal e proissional. Em particular, os oito
anos de trabalho na municipalidade de Barcelona foram para mim uma au-
têntica escola de gestão pública, sem a qual este livro não teria sido possível. A
coincidência entre o período de desenvolvimento do projeto olímpico de 1992
e uma etapa de transformação urbana sem precedentes, liderada pelo governo
da cidade, fez daqueles anos uma experiência difícil de se repetir. Eram mui-
tos os que comigo faziam parte da equipe do prefeito Pasqual Maragall e me
proporcionavam úteis aprendizados. Na impossibilidade de nomeá-los, recor-
ro a um agradecimento genérico dirigido a todos. Personalizarei esta menção
em Albert Galofré, com quem ainda compartilhei, depois daquela experiência,
muitas horas de consultoria e amizade.
Diversos trabalhos encomendados durante os últimos anos pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento me proporcionaram marcos de estudo
e experiências que contribuíram para enriquecer várias partes do livro. Em
particular, a elaboração de um marco analítico para a avaliação de sistemas de
serviço civil e o acompanhamento de sua aplicação nos diagnósticos institu-
cionais de uma vintena de países da América Latina e do Caribe me brindaram
com excelentes e raras oportunidades para contrastar os modelos conceituais
utilizados.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 10 10 22/2/2007 09:40:28


AGRADECIMENTOS „ 11

Recebi do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações


Unidas e do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvol-
vimento o pedido de elaborar um anteprojeto da Carta Ibero-Americana da
Função Pública e de defendê-lo, como relator, perante a Conferência de Mi-
nistros de Administração Pública e Reforma do Estado, em junho de 2003,
em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia). Essa tarefa me obrigava a sintetizar e
enquadrar em formato peculiar as minhas concepções básicas sobre a gestão
pública do emprego e das pessoas, a im de torná-las acessíveis a diferentes
ambientes institucionais e susceptíveis de serem compartidas por diferentes
governos. A aprovação da Carta pela cúpula dos chefes de estado e de governo
e sua conversão em documento oicial da ONU pela Assembléia Geral são os
primeiros resultados, que espero sejam seguidos por iniciativas de aplicação
de seus princípios nos países da comunidade ibero-americana. Em todo caso,
é justo que eu faça constar aqui minha gratidão às instituições que coniaram
em mim para esse trabalho.
Carmen, minha mulher, revisou o manuscrito, como faz habitualmente,
tratando de polir minha linguagem. Sou grato a ela por isso e, principalmente,
por tantas outras coisas.

APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO BRASILEIRA

Escrevo estas linhas de apresentação quando acaba de se celebrar, em Bar-


celona, um seminário internacional, auspiciado pelo CIDOB2, sobre a prois-
sionalização do emprego público na América Latina. Com Carles Ramió, meu
colega da Universidade Pompeu Fabra, tive o prazer de co-dirigir o seminário,
que contou com a participação de reputados especialistas de ambos os lados do
Atlântico. Durante as sessões, como não poderia deixar de ser, os dois grandes
temas que dão título a este livro, mérito e lexibilidade, assim como a relação
entre ambos, foram profundamente abordados e discutidos de ângulos diversos,
dando lugar a pontos de vista às vezes antagônicos. Retive especialmente dois
dos temas de debate e me permito comentá-los resumidamente aqui.
O primeiro centra-se na idéia de mérito; mais especiicamente, em suas
dimensões formal e substantiva, e na conveniência de distingui-las entre si.

2
NT: CIDOB: Centro de Investigación de Relaciones Internacionales y Desarrollo. Centro de
Pesquisa de Relações Internacionais e Desenvolvimento.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 11 11 22/2/2007 09:40:28


12 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Freqüentemente, o mérito, enquanto atributo do emprego público, é pensado


fundamentalmente na primeira dessas dimensões. Assim concebido, um sis-
tema de mérito converte-se num conjunto de garantias formais cujos efeitos
benéicos se produziriam – diríamos com fraseologia jurídica – erga omnes,
ou seja, projetando-se para o exterior dos governos e organizações públicas
e pensando nas necessidades da sociedade em seu conjunto. Uma vez que a
sociedade necessita de administrações compostas por proissionais capazes de
emitir decisões conformes com a legalidade e protegidas contra a captura e a
corrupção, a criação dessas garantias é imprescindível.
Entretanto, para dentro das organizações, isto é, para o governante ou o
dirigente público, essas garantias operam basicamente como limitações, como
condicionamentos de suas decisões de manejo do emprego público que res-
tringem sua margem de decisão discricional. A partir disso é fácil concluir
que essas limitações podem comprometer a eicácia das decisões e processos
de gestão das pessoas e que precisam, por isso, ser compensadas por políticas
lexíveis que restabeleçam um equilíbrio adequado. Nesta perspectiva, mérito e
lexibilidade se situariam no marco de um trade of, de um dilema fundamental
que confronta os requisitos de proissionalidade da ação pública, de um lado,
com sua pretensão de eicácia, de outro, de tal modo que os avanços em um
campo signiicassem retrocessos no outro e vice-versa.
No meu entender, a questão muda de modo fundamental se abordarmos a
noção de mérito por sua dimensão material e substantiva. Nessa aproximação,
as garantias do mérito protegem a proissionalidade da administração porque
conseguem que as decisões de manejo do emprego público persigam e assegu-
rem a idoneidade das pessoas, isto é, o mais alto grau de adequação de todas
suas capacidades (de suas competências, diríamos no jargão atual dos recursos
humanos) para o desempenho das tarefas que devem cumprir.
Para conseguir essa idoneidade, os instrumentos de gestão devem garan-
tir adequadamente a busca, a escolha, o estímulo e a recompensa dos melhores
em cada caso. Deste ponto de vista, as decisões sobre o emprego devem ser
meritocráticas nos governos e organizações do setor público para proteger os
cidadãos e os mercados da arbitrariedade e da corrupção. Razões semelhantes
recomendam os ajustes meritocráticos também em outros tipos de organiza-
ção, inclusive nas empresas do setor privado, para produzir os resultados alme-
jados pelas estratégias e objetivos de cada uma.
Quando contemplamos o mérito dessa forma, a proissionalidade dos
servidores públicos deixa de ser vista como uma limitação à eicácia dos gover-
nos e se converte, pelo contrário, em seu pré-requisito. A superação do saque,
do clientelismo e da apropriação de setores e sua substituição por modelos me-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 12 12 22/2/2007 09:40:29


AGRADECIMENTOS „ 13

ritocráticos de emprego público não produzem unicamente maior segurança


jurídica nas sociedades que realizam essas mudanças, mas também mais eicá-
cia, eiciência e efetividade em bancos centrais, na iscalização de arrecadação
de tributos, nas polícias, nos hospitais e nos serviços sociais. A relação entre
mérito e lexibilidade deixa de ser de confronto. Na realidade, se desejarmos al-
cançar a idoneidade das pessoas nos contextos contemporâneos, precisaremos
de fórmulas cada vez mais lexíveis no acesso, na carreira, na capacitação e na
recompensa; e essa lexibilidade reforçará, em lugar de debilitar, a dimensão
meritocrática do emprego público.
O segundo dos temas mencionados, não muito distante deste, nos introduz
mais uma vez no que Bresser Pereira3 denominou “a questão da seqüência”.
Em muitos foros continua viva a idéia, a meu ver falaciosa e ademais
desmentida pelos fatos, de que na América Latina os esforços reformadores
devem se concentrar na construção de burocracias weberianas para, depois,
num futuro indeterminado, incorporar as reformas lexibilizadoras da gestão
de recursos humanos que hoje constituem moeda comum no primeiro mun-
do. É fácil notar que essa visão se apóia na aproximação formalista da idéia de
mérito que acabamos de discutir. Na obra citada, o ilustre político e acadêmi-
co brasileiro argumenta vigorosamente contra esse discurso. De minha parte,
depois de concordar com ele, remeto-me modestamente ao epílogo deste livro
em que se acha uma argumentação sobre esse ponto. Na minha opinião, ela é
substancialmente válida.
Como se deduz dos parágrafos anteriores, as convicções que me levaram a
escrever “Mérito e Flexibilidade” continuam vivas, no substancial, no momen-
to de sua publicação em língua portuguesa no Brasil. Não é preciso mencionar
que esse fato é para mim motivo de profunda satisfação, que agradeço muito
sinceramente à Fundap e, em especial, ao estímulo da minha admirada amiga
Evelyn Levy. Ao longo dos últimos anos, desde meus primeiros seminários na
ENAP de Brasília, têm sido freqüentes os encontros com acadêmicos e gestores
públicos brasileiros com os quais sempre encontrei um alto grau de sintonia,
tanto nas preocupações como também, quase sempre, nos enfoques.
Também no Brasil a modernização da gestão dos recursos humanos se
encontra sistematicamente entre os grandes temas de qualquer agenda de re-
forma da gestão pública. Nós a encontramos quando revisamos o modelo de

3
Bresser Pereira, L. C., Democracy and Public Management Reform. Building the Republi-
can State. Oxford University Press, 2004.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 13 13 22/2/2007 09:40:29


14 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

gestão do PPA4 na esfera federal, quando acompanhamos a experiência de ges-


tão dos serviços assistenciais e culturais por meio das organizações sociais do
Estado de São Paulo ou quando analisamos as carreiras e a avaliação do de-
sempenho nessa apaixonante experiência de reforma conhecida como “Cho-
que de Gestão”, em Minas Gerais. Ela está igualmente presente nas principais
preocupações dos secretários de gestão reunidos nessa importante plataforma
de inovação e reforma institucional que é o Consad5.
Também no Brasil, os temas relativos aos recursos humanos são, com
freqüência, os mais resistentes a reformas; aqueles em que são mais habituais
as percepções de insatisfação com o logrado. Nada que revele características
idiossincráticas dos contextos institucionais brasileiros, mas sim, como este
livro pretende evidenciar, traços comuns das tentativas de melhorar a gestão
pública das pessoas em qualquer lugar e circunstância. Para o bem ou para o
mal, o comportamento humano nas organizações é uma variável sobre a qual é
difícil inluir. Ao mesmo tempo, exercer essa inluência constitui uma questão
central para a eicácia, eiciência e efetividade das organizações, que se acentua
nos serviços públicos e que, portanto, se torna irrenunciável para os inovado-
res e reformadores da gestão pública. A todos eles, felizmente numerosos no
Brasil, é dedicada em primeiro lugar a edição deste livro em português. Oxalá
lhes seja útil.

Barcelona, janeiro de 2007


Francisco Longo

4
PPA, Plano Plurianual instituído no governo Fernando Henrique Cardoso.
5
Consad: Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 14 14 22/2/2007 09:40:29


INTRODUÇÃO

“É mais importante conhecer os temperamentos e características


das pessoas que os das ervas e das pedras. Esta é uma das coisas
mais sutis da vida: os metais se conhecem pelo som e as pessoas
pelo que dizem. As palavras demonstram a retidão, mas os fatos
muito mais ainda. São necessários, em grau máximo, relexão, ob-
servação e capacidade crítica.”
Baltasar Gracián, Oráculo Manual y Arte de Prudencia, 1647

Mais de vinte e cinco anos de dedicação à gestão pública, na administra-


ção e no mundo acadêmico, foram fortalecendo minha convicção da impor-
tância crucial do fator humano como chave para explicar os êxitos e fracassos
dos governos e das organizações do setor público.
Na condição de dirigente, experimentei na primeira pessoa o caráter críti-
co do comportamento humano nas organizações, seu extraordinário peso nos
resultados de qualquer iniciativa ou projeto, e também a complexidade de suas
motivações, a luidez e pluralidade dos fatores que o inluenciam, o quanto é
árdua a tarefa de decifrar as origens e procurar as respostas aos problemas que
afetam as pessoas no trabalho. Tenho experimentado a diiculdade adicional
que o ofício de gerir pessoas traz implícito nos ambientes públicos; a ambigüi-
dade das prioridades, seu caráter mutável, a brevidade dos ciclos políticos, a
reticência para medir e avaliar, o peso imenso da inércia, as numerosas limita-
ções legais e, principalmente, as restrições intangíveis de natureza cultural.
Como docente, o prolongado contato com dirigentes públicos nos pro-
gramas do Instituto de Direção e Gestão Pública (IDGP) do Esade tornou-me
consciente tanto do interesse com que são abordadas as questões relaciona-
das ao fator humano, como do déicit de preparação especíica que pode ser
constatado na maioria dos casos. Os conhecimentos e habilidades relacionados
com a gestão das pessoas não são normalmente levados em conta entre os re-
quisitos de capacitação exigidos para exercer responsabilidades de direção no
setor público. Este fato não impede que, às vezes, nos intercâmbios que caracte-
rizam a formação para dirigentes, alorem as boas práticas, os casos de sucesso
e as experiência inovadoras. Em geral, não obstante, a percepção dominante
entre os gestores públicos combina a crítica dos modelos de gestão existentes
com uma aguda sensação, próxima do desalento ou do ceticismo, a respeito de
como é difícil mudá-los.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 15 15 22/2/2007 09:40:29


16 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

A experiência como consultor de governos e organizações públicas ra-


tiicou para mim muitas destas percepções e as tornou extensivas a diferen-
tes países e ambientes institucionais. Hoje a gestão do emprego público e das
pessoas que fazem parte dele preocupa cada vez mais aqueles que dirigem as
organizações e os sistemas multiorganizacionais do setor público. A demanda
de idéias, estratégias, metodologias e instrumentos que permitam melhorá-la
cresceu de modo signiicativo. Foi icando evidente que as mudanças legais, as
reestruturações organizacionais e a modernização tecnológica, embora sejam
importantes, não são suicientes para mudar em profundidade o funcionamen-
to das organizações públicas. A verdadeira mudança é aquela que consegue
penetrar nas mentes dos indivíduos e transferir-se para suas condutas. O olhar
se volta conscientemente para as pessoas e é, na maioria das vezes, um olhar de
interrogação, dúvida e perplexidade.
Em suma, melhorar a gestão das pessoas é visto em nossos dias como
um dos desaios principais da gestão pública e, ao mesmo tempo, como o que
enfrenta maiores obstáculos e resistências. Dessa dupla convicção sobre a im-
portância e a diiculdade desse empenho nasce este livro.

A QUEM SE DIRIGE ESTE LIVRO E COMO PRETENDE FAZÊ-LO

Este é um livro sobre gestão pública, o que quer dizer no mínimo duas
coisas. A primeira, que ele assume a orientação pluridisciplinar que caracteriza
a referida perspectiva e incorpora, sem complexos, contribuições e enfoques
próprios da economia, do direito, da ciência política, da sociologia e de outras
disciplinas cientíicas. A segunda, que ele se fundamenta numa noção ampla
do management, que vai além da mera importação de técnicas nascidas no
mundo empresarial privado. A gestão pública modula seu instrumental analí-
tico partindo da especiicidade do público e incorpora não só modelos teóricos
e ferramentas, mas também um conjunto de valores necessários para o bom
funcionamento e a renovação dos sistemas públicos e suas organizações.
O livro tem uma pluralidade de destinatários: os primeiros são os dirigen-
tes públicos, no sentido mais amplo da expressão. Incluímos aí todas as pes-
soas que assumem, nas organizações do setor público, responsabilidades que
compreendem a direção de equipes humanas; desde aqueles que, no vértice
estratégico das administrações, adotam decisões que afetam milhares de em-
pregados, até aqueles que gerenciam pequenos centros ou serviços dotados de
poucas pessoas. Todos eles – seus objetivos, problemas e preocupações – têm
sido a principal referência inspiradora deste trabalho.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 16 16 22/2/2007 09:40:29


INTRODUÇÃO „ 17

O livro pretende ser também útil para aqueles que se ocupam da admi-
nistração pública a partir da relexão acadêmica ou da consultoria, assim como
– esperamos – para aqueles que o fazem a partir da política ou do sindicalismo.
Pode igualmente ser proveitoso para os empregados públicos e para os jovens
que aspiram fazer da gestão pública sua proissão e desejam melhorar seu conhe-
cimento sobre uma parcela básica dela. Não ica descartado, inclusive, que possa
captar o interesse de outros públicos. Ainal, fala de questões que acabam afetan-
do a vida da maioria. Há tempos estou convencido de que a modernização da
gestão pública geralmente se produz quando seus temas saem do círculo restrito
dos especialistas e passam para a esfera do debate público. Acredito que qualquer
cidadão interessado no funcionamento das organizações públicas encontrará
nestas páginas algumas relexões úteis, quer concorde com elas ou não.
Embora minha experiência tenha sido gestada principalmente no am-
biente institucional espanhol, e este fato se transira inevitavelmente para o que
escrevo, o livro não foi produzido pensando apenas no leitor desse País. Ao
contrário, tenho tentado fazer com que as análises e relexões sejam, no fundo
e na forma, acessíveis e úteis a leitores de outras latitudes. Como poderá com-
provar quem siga adiante, tanto os modelos conceituais como os referenciais
utilizados caracterizam-se por uma vocação de universalidade e uma orien-
tação comparada. Em particular, teve-se presente a todo momento a possível
utilidade do livro para os leitores latino-americanos. A freqüência e intensida-
de dos contatos com governos e organizações públicas da Ibero-América ao
longo dos últimos dez anos tornaram-me particularmente sensível à maneira
de tratar a questão pública que caracteriza essa parte do mundo, tão distante e
tão próxima.
A probabilidade de que este livro seja de interesse será tanto maior quan-
to mais aberto à mudança for o espírito com que se empreenda sua leitura.
No IDGP da Esade adotamos como sinal de identidade um compromisso com
os inovadores do setor público. Este compromisso está presente no livro, que
incorpora nossa crença na questão pública, em seu papel insubstituível para
o bem-estar e o progresso de nossas sociedades, mas também no seu imenso
potencial de melhora, imprescindível para adaptar-se às exigências de uma de-
manda social intensa e mutante.
O livro aborda um assunto de especial complexidade. Há questões para
as quais o desenvolvimento cientíico e tecnológico acabou criando protocolos
de respostas predeterminadas. As incidências relacionadas à gestão das pessoas
costumam pertencer, ao contrário, àquela categoria de problemas que Schuma-
cher chama de divergentes; aqueles que, quanto mais conhecimento especia-
lizado incluem, mais soluções possíveis admitem. Além disso, em matéria de

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 17 17 22/2/2007 09:40:29


18 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

recursos humanos, essas soluções são quase sempre a médio ou longo prazo,
o que obriga a adotar decisões cujo êxito ou fracasso não pode ser veriicado
imediatamente. Por outro lado, as questões que afetam as pessoas e seu traba-
lho costumam ser objeto de pontos de vista diferentes, que reletem a diver-
sidade de interesses e valores dos grupos humanos afetados. O conlito com
freqüência faz parte da situação. A necessidade de harmonizar na medida do
possível as preferências e expectativas de uns e outros obriga a assumir uma vi-
são não dogmática das coisas ou, o que dá no mesmo, um enfoque contingente
das respostas. O peso do contexto, do situacional, é determinante, o que reduz
o valor prescritivo do precedente e obriga a investir em diagnóstico. A capaci-
dade para ler adequadamente cada realidade concreta, com as singularidades e
matizes que lhe são inerentes, é uma condição do sucesso.
Toda esta complexidade normalmente aumenta nos ambientes públicos
pelo peso que a dimensão política tem neles. A gestão pública das pessoas é um
território intrincado, onde é fácil perder-se. Este livro pretende fornecer ele-
mentos de orientação que tornem mais fácil transitar por esse território, mas
não a qualquer preço. Não quisemos oferecer ao leitor uma viagem organizada,
daquelas que levam a passar de um ponto a outro através de um itinerário pré-
ixado, tornando mais cômoda a vida do viajante à custa de selecionar para ele
umas poucas porções de realidade e apresentá-las supericialmente. Optou-se
de forma deliberada por outro enfoque: aquele que tenta apresentar as coisas
em toda a sua complexidade, procurando ao mesmo tempo oferecer as pistas
e referências possíveis para facilitar uma leitura adequada da realidade nos di-
ferentes contextos. Assim, o livro é mais uma bússola ou, quando muito, um
mapa, uma carta de navegação, que o viajante-leitor deverá usar segundo suas
circunstâncias e conveniência.

O QUE O LIVRO CONTÉM E COMO FOI ORDENADO

Meu objetivo principal ao empreender a tarefa de escrever este livro era


apresentar o modelo global de gestão pública das pessoas que venho utilizando
e aplicando há anos na docência, na pesquisa e na consultoria, para projetar
depois sobre ele uma análise das principais tendências de mudança que as or-
ganizações do setor público enfrentam em nossos dias. Na hora de fazer isso,
deparei-me com a necessidade de contextualizar este propósito num quadro
mais amplo: o da gestão das pessoas no setor público, qualquer que seja a natu-
reza destas, isto é, incluindo entre elas, de modo bem destacado, as empresas e
organizações do setor privado.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 18 18 22/2/2007 09:40:29


INTRODUÇÃO „ 19

A essa inalidade foi dedicado o capítulo 1, cujo objetivo é oferecer uma


panorama geral, obrigatoriamente sintético, dos aspectos e tendências apre-
sentados pela gestão dos recursos humanos nas sociedades atuais. Para chegar
a esse ponto, foi necessário abordar primeiro uma série de mudanças cuja na-
tureza, de algum modo, faz com que precedam a gestão como tal; nos últimos
anos elas transformaram substancialmente o universo do trabalho humano,
tanto em sua dimensão formal como nos elementos intangíveis que fazem par-
te da relação de emprego. Portanto, em linhas gerais, descrevemos esse cenário
cheio de paradoxos e claros-escuros, para, a partir dele, explorar as principais
orientações que podem ser reconhecidas como tendências de fundo de nossa
época, tanto na literatura da gestão como na prática empresarial. A noção de
lexibilidade, característica das abordagens contemporâneas à gestão das pes-
soas, aparece aqui pela primeira vez e nos acompanhará ao longo de todo nos-
so percurso posterior.
A introdução a esses conteúdos nos obrigava, por sua vez, a entrar na
exploração do que o emprego público tem de especíico. A pergunta é: em que
se apóiam, na realidade, os aspectos singulares, as diferenças que fazem com
que as mudanças e as orientações de gestão mencionadas no primeiro capítu-
lo cheguem de forma distinta ou matizada às organizações do setor público?
Desta questão vamos nos ocupar no capítulo 2, que apresenta e desenvolve a
noção de função pública (tratada expressamente como sinônimo de “serviço
civil”, termo mais usado em certas latitudes). Elucidar o que é e o que não é
função pública nos parecia imprescindível para precisar até que ponto a gestão
do emprego público e das pessoas que o integram deve ser entendida como um
território singular.
É aqui que aparece e é desenvolvida a idéia do mérito e da necessida-
de de garanti-lo para tornar possível a existência de administrações proissio-
nais. O proissionalismo da administração pública é um atributo exigido tanto
pela segurança jurídica como pela eicácia dos serviços públicos, e requer um
conjunto de arranjos institucionais que a preservem e a protejam. Determinar
onde termina neles a proteção dos bens de interesse geral e onde começa a dos
privilégios corporativos dos funcionários será uma questão que teremos que
elucidar em cada caso. Nesse capítulo é examinada a natureza distinta desses
arranjos em diferentes países e ambientes, e são apresentados assim os traços
básicos dos diferentes modelos de função pública.
Este parecia o ponto adequado para expor o modelo de gestão que esta-
mos propondo. A isso dedicamos o capítulo 3. Nele, deinimos a gestão dos
recursos humanos como um sistema integrado, colocado a serviço da estraté-
gia organizacional, cujo objetivo é produzir resultados que estejam de acordo

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 19 19 22/2/2007 09:40:29


20 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

com ela. Conseguir essa sintonia estratégica é particularmente complicado nos


ambientes públicos, cujas características de ambigüidade e instabilidade con-
duzem ao “dilema da estratégia”, que abordamos neste ponto – e que constitui
sem dúvida o principal obstáculo que o gestor público encontra em sua tarefa.
Por outro lado, falar de resultados obriga-nos a precisar primeiro o alcan-
ce da noção e a explorar depois os elementos que relacionam as pessoas com os
resultados. As políticas e práticas de gestão das pessoas produzem resultados
graças a seu impacto sobre duas variáveis principais: o dimensionamento dos
recursos humanos, de um lado, e o comportamento dos indivíduos, de outro.
Por sua vez, a inluência sobre esta segunda variável – a conduta das pessoas no
trabalho – se desenvolve por meio da gestão de dois fatores básicos: as compe-
tências das pessoas e sua vontade de esforço ou motivação. São desenvolvidas
nesse capítulo todas estas noções, inseridas nos cenários característicos da ges-
tão pública, e, por último, são descritos, também a partir dessa perspectiva, os
principais fatores situacionais que exercem inluência em tudo isso.
A apresentação do modelo continua no capítulo 4, que o desenvolve por
meio da apresentação de sete subsistemas básicos: os de planejamento, organi-
zação do trabalho, gestão do emprego, desempenho, compensação, desenvol-
vimento e relações humanas e sociais. Foi acrescentada uma parte dedicada à
organização da função de recursos humanos. Para cada um desses subsistemas,
descreve-se em primeiro lugar seu objetivo ou inalidade fundamental, e de-
pois detalham-se as relações existentes com os demais subsistemas, seguindo
a orientação integrada à que izemos referência. A seguir, identiicam-se os
processos e práticas nos quais eles se desdobram para alcançar suas inalidades.
Foi incorporada para cada subsistema uma relação de pontos críticos, enuncia-
dos como proposições de boa prática em cada um dos campos abordados, que
pode ser utilizada como instrumento de comparação na análise e avaliação de
experiências concretas de gestão. Finalmente, foram incluídas considerações
especíicas que a análise de cada subsistema deve levar em conta.
Depois de apresentado o modelo de gestão, o passo seguinte é identiicar
as tendências de mudança que estão sendo produzidas nos sistemas e organi-
zações do setor público de nossa época. As últimas duas décadas foram o cená-
rio de numerosas transformações na gestão pública das pessoas, especialmente
nos países do mundo desenvolvido. Dessas reformas, cujo alcance e profundi-
dade têm sido bastante desiguais, assim como das dinâmicas abertas por elas,
ocupamo-nos no capítulo 5. De novo, o lema da lexibilidade nos aparece aqui
como um io condutor de boa parte das orientações de mudança. Para apresen-
tá-las, começamos descrevendo o diagnóstico que lhes deu fundamento, cujos
conteúdos se inserem nas orientações próprias do discurso pós-burocrático

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 20 20 22/2/2007 09:40:30


INTRODUÇÃO „ 21

ou gerencialista da chamada “nova gestão pública”. Abordamos depois o sen-


tido das mudanças, detalhando as estruturas e políticas que têm sido objeto
preferencial das transformações, assim como a direção e o alcance destas nos
diferentes cenários institucionais, e concluímos com uma série de relexões a
título de balanço.
Algumas das mudanças identiicáveis nas reformas mencionadas conver-
gem para um tema ao qual, por sua especial importância para a gestão pública
contemporânea, demos um tratamento diferenciado. Trata-se do surgimento,
desenvolvimento e consolidação da gerência pública ou direção pública pro-
issional. Dedicamos a esse tema o capítulo 6, no qual, depois de descrever o
fenômeno e seu signiicado, no contexto das reformas da gestão pública antes
apontadas, fazemos nosso o modelo de exercício da função dirigente divulga-
do por Mark Moore e seus colegas da Kennedy School de Harvard, e tentamos
deinir as bases por meio das quais ele pode ser incorporado ao desenho ins-
titucional dos sistemas públicos. Apresentamos para isso um quadro de res-
ponsabilidade voltado para a direção pública, integrado por quatro elementos
básicos: um âmbito discricionário, um sistema de controle e prestação de con-
tas, um regime de prêmios e sanções, e um conjunto de valores de referência.
Abordamos em seguida a nada fácil tentativa de identiicar um espaço dirigen-
te proissional, o que nos leva a explorar a delimitação entre cargos políticos e
dirigentes, para o que propomos um modelo contingente baseado na análise de
quatro variáveis básicas. O capítulo termina com uma relexão a respeito das
áreas nas quais se deveria intervir para alcançar um grau aceitável de institu-
cionalização da gerência pública.
O capítulo 7 e último é dedicado à identiicação dos principais desaios
oferecidos atualmente pela gestão das pessoas nas organizações do setor pú-
blico. Isso obriga a examinar, de saída, uma das situações possíveis: a de uma
eventual minimização progressiva do emprego público como conseqüência da
tendência de privatizar a gestão dos serviços públicos, o que sem dúvida tira-
ria importância dos esforços voltados para reformá-lo. Descartada essa opção,
e argumentada a necessidade decorrente de investir na melhora dos sistemas
públicos de gestão do emprego e dos recursos humanos, abordam-se alguns
eixos prioritários de intervenção, ordenados pelos diferentes subsistemas que
foram descritos anteriormente. Alude-se depois à mudança nas regras do jogo,
tanto formais como informais, que essas mudanças exigem. Por último, inclui-
se uma parte destinada a explorar os desaios do futuro, passando em revista
primeiro as competências que será necessário incorporar e desenvolver nos
sistemas públicos, para concluir enunciando os temas que estão convocados a
conigurar a agenda dos próximos anos.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 21 21 22/2/2007 09:40:30


22 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

O livro inaliza com um breve epílogo para onde convergem dois grandes
eixos, em torno dos quais se dá a relexão de fundo, ou seja, os dois atributos
essenciais que, a nosso ver, devem ser incorporados por qualquer sistema pú-
blico de gestão das pessoas: mérito e lexibilidade. A idéia que articula esta
relexão inal é que ambos os componentes devem ser tratados como dois prin-
cípios condutores complementares que, longe de competir entre si, se reforcem
reciprocamente.
Como ler este livro? Para quem disponha de tempo e interesse, a reco-
mendação é que o faça pela ordem em que acabamos de apresentar o conteúdo.
Ainal, é a forma pela qual organizamos nossas idéias e construímos o discurso
subjacente aos diferentes temas. No entanto, não é a única maneira possível de
fazê-lo e, portanto, sugerimos outras opções.
O leitor interessado em conhecer imediatamente o marco conceitual em
que se assenta nossa visão do assunto pode começar a leitura diretamente pelo
capítulo 3 e completá-la com a do 4. A partir daí, ica a seu critério, se desejar,
selecionar, nos demais capítulos que integram o sumário, aquelas matérias que
despertem especialmente seu interesse, sem que a ordem em que o faça acarre-
te, a nosso ver, maiores problemas de compreensão.
Por sua vez, os leitores cujo interesse principal prescinda dos aspectos
mais teóricos e se concentre nas tendências de mudança no emprego público,
podem começar pelo capítulo 5, continuar com a primeira parte do 6 – a que
apresenta a eclosão da administração pública – e terminar com o 7. Se dispu-
serem de um pouco de tempo, provavelmente lhes será útil ler antes o primeiro
capítulo, destinado, como dissemos, a situar as mudanças num contexto mais
amplo que o do setor público em sentido estrito.
Em todo caso, se um leitor, qualquer que seja a seqüência escolhida, de-
seja aprofundar a noção de mérito, que é, como temos dito, um dos elementos
básicos de qualquer sistema de gestão pública das pessoas nos estados demo-
cráticos de direito, encontrará no capítulo 2 os modelos conceituais e os argu-
mentos correspondentes.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 22 22 22/2/2007 09:40:30


1. A GESTÃO DAS PESSOAS
NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

Este primeiro capítulo destina-se a apresentar um panorama geral das


principais tendências atuais da gestão do emprego e dos recursos humanos.
O propósito é caracterizar a situação global em que hoje se situa o emprego
público, cuja gestão constitui a relexão principal do livro. Os aspectos e as
orientações aqui descritos pretendem, portanto, servir de referência ou de con-
traponto a esse assunto central. A necessidade de apresentar uma realidade
multifacetada e complexa num espaço limitado obriga a desenhar este pano de
fundo com uma técnica de grandes traços, ou seja, a dar prioridade à síntese
em lugar da profundidade analítica, à concisão em vez da riqueza expositiva.
Tudo isso priva inevitavelmente o resultado de desenvolvimentos e de matizes
que teriam exigido uma extensão maior.

A NOVA PREEMINÊNCIA DAS PESSOAS

Entre os numerosos trabalhos que nos últimos anos tratam de interpretar


as mudanças sociais, tentando vislumbrar o futuro das sociedades e de suas
organizações, seria difícil encontrar algum que não tenha destacado o valor do
fator humano. Na nossa época, pelo menos para aqueles que escrevem sobre
ela, as pessoas importam. Desde a sobrevivência ou o crescimento empresa-
rial até a própria competitividade das nações, os grandes objetivos de qualquer
projeto coletivo contemporâneo parecem depender em boa medida da correta
provisão, desenvolvimento e utilização do capital humano. A preeminência das
pessoas é destacada por abordagens de caráter muito diferente. Os enfoques
quantitativos costumam colocar ênfase na magnitude do investimento e na ne-
cessidade de garantir taxas de retorno adequadas. As abordagens qualitativas
sublinham mais a conexão dos recursos humanos com a produção de vanta-
gens competitivas, destacando seu vínculo com o desenvolvimento do conhe-
cimento, a inovação tecnológica e a gestão da complexidade; fatores, todos eles,
determinantes do sucesso das empresas e das sociedades atuais.
Os livros e revistas de management repercutem esta coincidência e têm
sido o veículo de uma abundante produção teórica que revalorizou a gestão das
pessoas, entronizando-a entre as práticas empresariais de valor estratégico. A
importância do ativo humano tem fundamentado orientações de mudança que

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 23 23 22/2/2007 09:40:30


24 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

atravessam a estrutura da empresa em todas as direções. Para cima, aumentan-


do as opções básicas relacionadas com as pessoas no nível das decisões estra-
tégicas. Para os lados, produzindo transferências de responsabilidade a partir
das unidades especializadas até a linha de comando. Para baixo, por meio de
processos de delegação (empowerment) destinados a incrementar o poder de
decisão nos níveis em que se produz a interação com o mercado. Paralelamen-
te, e congruentemente com tudo isso, as políticas de pessoas se orientam para
a gestão do talento e o compromisso dos indivíduos. Dispor dos melhores a
cada momento e alinhar seus objetivos vitais com os da empresa passam a ser
os objetivos centrais.
Sem dúvida, em toda esta explosão há inluências da moda, como tantas
vezes ocorre no mundo da gestão empresarial. Com freqüência, as invocações
retóricas da importância das pessoas maquiam apenas práticas de gestão que as
desmentem contundentemente. Perto de nós, o número de pessoas em trabalho
precário e em aposentadoria antecipada e prematura seria uma mostra disso.
O desperdício desse ativo humano supostamente estratégico é ainda mais evi-
dente nos abundantes exemplos de redução de pessoal ou downsizing que nos
últimos anos têm proliferado em muitas empresas do mundo desenvolvido.
Freqüentemente, tais processos têm sido menos uma resposta a situações
de crise, ou medida de estrito saneamento de custos, e mais a conseqüência de
sucessivas operações de reengenharia destinadas à eliminação de qualquer apa-
rência de gordura, resultante das cifras de pessoal. São fatos que deixam patente
o sucesso conseguido por uma visão de “empresa lexível”, que interioriza uma
obsessão por converter todas as pessoas, e a todo momento, em custo variável.
A vinculação dos incentivos (compensação, carreira etc.) da alta direção das
empresas à rentabilidade econômica a curto prazo, característica da ilosoia de
gestão que coloca ênfase na “criação de valor para o acionista”, ou a utilização
de técnicas contábeis EVA (Valor Econômico Agregado), que ponderam nos
resultados o custo de oportunidade dos ativos ixos utilizados, criaram nos ges-
tores a tendência a evitar qualquer investimento de caráter estrutural (Cappelli
e outros, 1997, p. 38 e seguintes.), acentuando assim essas tendências.
Em geral, a tensão entre a visão de médio e de longo prazo exigida pelas
políticas de recursos humanos e a lógica reativa e a curto prazo com que são
adotadas habitualmente as decisões nos turbulentos ambientes empresariais de
nossos dias é uma fonte de diiculdades para aqueles que querem situar as pes-
soas no centro do cenário. Por sua vez, explica porque essa nova preeminência
das pessoas não é tanto uma característica comum, generalizável às empresas
atuais, e sim um traço diferenciador daqueles projetos empresariais com autên-
tica vocação de sustentabilidade. Só quando se busca o sucesso a longo prazo é

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 24 24 22/2/2007 09:40:30


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 25

que se está disposto a avaliar adequadamente investimentos que, como ocorre


com freqüência com os de capital humano, oferecem um retorno consideravel-
mente demorado no tempo.
Ainda mais contraditórias com as alegações de centralidade do capital
humano são as operações de cirurgia de dotações, cuja inalidade é puramen-
te o incremento conjuntural da capitalização na bolsa. Como soube ver Sen-
nett (2000, p. 52), o mero anúncio da reorganização de uma empresa eleva
o valor da ação. Quando se incluem drásticas reduções de pessoal, a eicácia
do fenômeno é ainda maior. O acesso a cotas estratégicas da propriedade
das empresas por parte de “investidores institucionais” – cujo interesse não
é promover projetos empresariais sustentáveis mas especular a curto prazo
nos mercados de capitais – favorece a ampliação do fenômeno. Assim, temos
observado às vezes, nos últimos anos, como esses anúncios de redução são
impudicamente divulgados, justamente nas épocas de maior bonança nos re-
sultados empresariais.
De qualquer modo, sem negar o quanto de contraditório tem a situação
exposta, a centralidade estratégica das pessoas nas organizações contempo-
râneas abre caminho para além da retórica do fashion management e de seu
aproveitamento por mero interesse. O volume de recursos de diversas origens
aplicado pelas empresas à gestão dos recursos humanos cresceu signiicativa-
mente. A posição interna da função de recursos humanos cresceu de nível e
status organizacional. A consultoria estratégica de recursos humanos tem se
consolidado como um setor de serviços proissionais em alta, para além das
oscilações conjunturais derivadas do ciclo econômico. Novas práticas de ges-
tão, impregnadas dessa atribuição de valor ao ativo humano, abrem caminho
na realidade de muitas empresas.
Quais são essas orientações emergentes da gestão das pessoas? Até que
ponto questionam paradigmas enraizados no funcionamento e na cultura das
organizações? Antes de tentar um esboço de resposta a estas questões, parece
necessário examinar algumas mudanças importantes produzidas, ao longo dos
últimos anos, no mundo do trabalho.

AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO

Um conjunto de mudanças de amplo alcance alterou ao longo das duas


últimas décadas, nas economias e nas sociedades do mundo desenvolvido, o
contexto do trabalho humano (Bridges, 1995; Giarini e Liedtke, 1996; Brews-
ter e outros, 1997; Cappelli e outros, 1997; Fundación Encuentro, 1998; Pfefer,

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 25 25 22/2/2007 09:40:30


26 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

1998b; Navarro, 1999; Sennett, 2000; Beynon e outros, 2002). São transforma-
ções que não advêm, no entanto, de uma causa única. O vertiginoso desen-
volvimento tecnológico, especialmente o produzido no campo da informação
e das comunicações, mas também aquele que afetou a biogenética e as fontes
energéticas, tem sido sem dúvida um dos fatores decisivos. A mundialização
dos intercâmbios de toda ordem, a maciça incorporação das mulheres ao tra-
balho, assim como a crise dos valores da modernidade, que desde a revolução
industrial e durante muitas décadas formaram o substrato cultural das empre-
sas e das sociedades, são também fatores poderosos de mudança, amplamente
destacados pela literatura sociológica contemporânea.
As transformações às quais nos referimos afetaram tanto a estrutura das
relações no ambiente de trabalho (entendendo como tal o conjunto de elemen-
tos formais ou formalizáveis dessas relações), como a cultura subjacente, isto é,
os aspectos intangíveis: modelos mentais, valores dominantes, normas de con-
duta etc. São mudanças de amplo espectro, que afetam as formas pelas quais as
pessoas têm acesso ao mercado de trabalho, a sua experiência sobre o processo
de trabalho e suas expectativas sobre segurança no emprego (Beynon e outros,
2002, p. 297). Enunciamos a seguir alguns dos aspectos que nos parecem mais
destacáveis.

O contrato de trabalho: em direção ao fim do taylorismo

A uniformidade e padronização que caracterizava a relação de emprego


da era industrial tornou-se em nossos dias diversidade e lexibilidade. Os pro-
dutos ou serviços podem ser produzidos e distribuídos através de redes globais
(Giarini e Liedtke, 1996, p. 194), o que criou uma tendência à redeinição e
descentralização do lugar de trabalho. Os desenhos empresariais na rede esti-
mulam o surgimento de novas modalidades de articulação das relações entre a
organização e o trabalhador. O trabalho itinerante ou a distância abre caminho
como uma fórmula que pode ser útil para ambas as partes. A redução de custos
empresariais em infra-estrutura e espaço físico combina-se, para o trabalha-
dor, com a disponibilidade lexível do próprio tempo, tão conveniente para os
novos modelos de vida pessoal e familiar.
Freqüentemente, essa remodelação do tecido contratual se fundamenta
numa distinção entre trabalhadores essenciais, os que são vitais para produzir
a vantagem competitiva a longo prazo e a sobrevivência da organização, e que
portanto devem estar permanentemente empregados; e trabalhadores periféri-
cos, aqueles cujos postos são menos importantes para a empresa e cujas habi-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 26 26 22/2/2007 09:40:30


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 27

lidades podem ser compradas com maior facilidade externamente (Hegewish,


1999, p. 115), o que os sujeita com freqüência a políticas de alta rotatividade.
Como conseqüência de tudo isso, o binômio dependência/autonomia do
trabalho por conta alheia começa a ser conjugado de formas muito diversas.
Múltiplos tipos de relação de emprego, nos quais os mecanismos de prestação e
contraprestação se diversiicam, substituem o contrato de trabalho tradicional.
Os contornos dessas relações se esfumam e dão lugar a iguras – o trabalhador
autônomo, o emprego em tempo parcial, o trabalhador designado através de
uma empresa de trabalho temporário, o consultor de processos – que coexis-
tem no ambiente de trabalho com os empregados que mantêm relações formais
mais convencionais. O diretor de recursos humanos de nossos dias começa a
não saber com clareza quem deve ser convidado para a festinha de im de ano.

O enfraquecimento do emprego estável

Esse novo contrato de trabalho tende a perder uma parte considerável


da estabilidade que o caracterizava. As conseqüências deste fato são de grande
importância. Para compreender todo o seu alcance, é preciso recorrer à noção
de “contrato psicológico”, entendido como o equilíbrio intangível subjacente à
articulação formal da relação de emprego, e que se materializa no conjunto de
percepções tácitas que são interiorizadas pelas partes dessa relação.
O contrato psicológico subjacente à relação de trabalho da era industrial
podia ser esquematizado como “lealdade em troca de segurança”. O trabalha-
dor entregava seu esforço e se comprometia com os interesses e objetivos de
sua empresa, que em contrapartida lhe assegurava trabalho estável e perspecti-
vas de progresso proissional. Certamente, esse esquema básico admitia modu-
lações em função do tipo e da cultura da empresa, que acentuavam ou diluíam
o substrato paternalista do modelo, mas o núcleo deste podia ser considerado
comum. A aspiração do trabalhador era encontrar “uma boa empresa”, ou seja,
aquela que mais se ajustava ao padrão deinido. Por sua vez, o empregador se
esforçava por estimular no trabalhador o sentido de pertinência que caracteri-
za uma relação deste tipo.
Em nossos dias, esse edifício contratual desabou estrepitosamente. O
trabalho para toda a vida praticamente desapareceu do horizonte de nossos
trabalhadores, em especial dos mais jovens. A expectativa temporária de uma
vida de trabalho se torna muito mais duradoura que o primeiro posto de tra-
balho, e provavelmente mais que a própria empresa na qual se encontra o
primeiro emprego. O ajuste entre a pessoa e o emprego se descentraliza, passa

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 27 27 22/2/2007 09:40:31


28 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

a ser uma responsabilidade transferida exclusivamente ao indivíduo. Já se fo-


ram os dias – airma Supiot (2001) – em que as organizações empregadoras
aceitavam de bom grado que, como compensação por assumir o controle e
a direção da vida das pessoas, elas deviam assumir alguma responsabilidade
sobre o emprego futuro e a segurança salarial de seus empregados. As pessoas
encaram o trabalho, cada vez mais solitariamente, como um itinerário no qual
a mudança de empregador será inevitável, o que provavelmente implicará ad-
ministrar várias vezes, no percurso, processos de ajuste que terão o mercado
de trabalho como cenário.
O conceito que para alguns (Waterman e outros, 2000, p. 403) simbo-
liza a nova relação, e redeine o contrato psicológico entre as organizações e
seus empregados é o de empregabilidade, que signiica (Pfefer, 1998b, p. 162)
que as empresas proporcionam trabalhos interessantes que ajudarão o traba-
lhador a desenvolver sua capacidade, mas não prometem uma permanência
a longo prazo no posto. Em seu lugar, a única promessa é que a experiência e
as habilidades adquiridas irão abrir-lhe melhores possibilidades de encontrar
emprego quando tiver necessidade de um novo. Como airma Bridges (1995,
p. 76), nessa nova relação a esfera do posto de trabalho, de ambos os lados da
fronteira da organização, converte-se num mercado; manter alto seu valor de
mercado será uma preocupação fundamental do trabalhador nos cenários do
futuro. As “boas empresas” de nossos dias não seriam já as que prometem uma
estabilidade que não está ao seu alcance, mas aquelas que garantem a manu-
tenção e o desenvolvimento de uma alta empregabilidade, ou que pelo menos
facilitam, caso necessário, a recolocação de seus empregados excedentes, utili-
zando para isso os numerosos serviços de outplacement que começaram a ser
oferecidos pela consultoria de recursos humanos. A capacidade de adquirir
novos conhecimentos e habilidades será um ingrediente básico da emprega-
bilidade. Processos contínuos de aprendizagem e desaprendizagem serão, por
isso, consubstanciais em tais cenários.

Do homo faber ao homo sapiens

A entrada na sociedade do conhecimento pressupôs a conversão do ta-


lento das pessoas num ativo crucial para as organizações (Obeso, 1999, p. 23
e seguintes). Este fato implica, por um lado, uma perda de peso do trabalho
menos qualiicado, que tende a mecanizar-se ou a ser providenciado fora. Por
outro lado, tornou prioritária a captação e o desenvolvimento de trabalhadores
qualiicados, freqüentemente portadores da vantagem competitiva, cuja gestão

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 28 28 22/2/2007 09:40:31


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 29

exige formas e métodos muito diferentes dos que têm caracterizado as buro-
cracias empresariais da era industrial. A capacidade de atrair, reter e motivar o
talento impõe-se como um fator diferenciador da gestão contemporânea dos
recursos humanos. A construção de uma boa “marca de empregador” con-
centra já os esforços daquelas empresas que perceberam que é necessário ser
competitiva no mercado do trabalho qualiicado para sê-lo também naquele
mercado para o qual produzem seus bens ou serviços.
O que acabamos de dizer não pode nos levar a ignorar, se não quere-
mos incorrer numa evidente simpliicação da realidade, a existência de nu-
tridos mercados periféricos de trabalho, nos quais se realizam as transações
que afetam a mão-de-obra de inferior qualiicação. A necessidade de gerenciar
adequadamente tanto a relação com esses mercados como as pessoas que nu-
trem esse segmento dos recursos humanos não pode ser ignorada. Esquecer
dos “normais” – lembra Serlavós (1996, p. 10) –, sobre os quais descansa a res-
ponsabilidade de assegurar e dar continuidade aos “primeiros da classe”, é um
erro pelo qual os gestores de pessoas costumam pagar muito caro.
Por isso, a idéia, amplamente difundida e divulgada, de que as empresas
começaram a travar uma “guerra pelo talento”, não está isenta de contestações.
Pfefer (2001, p. 249 e seguintes) chama atenção para elas, destacando os se-
guintes possíveis efeitos negativos dessa orientação: a) a ênfase no rendimento
individual (gloriicar as “estrelas”) pode criar concorrência interna destrutiva
e enfraquecer o trabalho de equipe; b) exaltar os talentos dos de fora pode su-
bestimar os de dentro; c) pode produzir um efeito de profecia auto-cumprida,
conseguindo fazer com que certas pessoas cheguem a ser menos capazes de-
pois de terem recebido sistematicamente menos atenção e recursos; d) tende a
minimizar a importância das questões de ordem sistêmica e cultural e dos pro-
cessos empresariais freqüentemente mais importantes para o sucesso do que
o fato de encontrar o melhor, e e) pode desenvolver uma atitude arrogante e
auto-satisfeita (já ganhamos a guerra, o melhor pessoal é o nosso) que deteriore
signiicativamente a capacidade de percepção objetiva da própria organização.
De qualquer modo, é indiscutível a airmação de que em nossa época
o talento das pessoas conta. Especialmente se não limitarmos nossa visão do
talento à mera posse de conhecimento. O verdadeiro homo sapiens de nossos
dias é aquele que, além de possuir conhecimento, dispõe da capacidade para
contextualizá-lo, recriá-lo, aplicá-lo, codiicá-lo, difundi-lo e compartilhá-lo.
O que nos leva a um paradoxo, mais um, num universo como o do trabalho
contemporâneo, repleto deles: nunca o conhecimento foi tão importante como
hoje, e nunca como hoje, por contraditório que possa parecer, os componentes
propriamente cognitivos do talento humano precisam ser, no entanto, mati-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 29 29 22/2/2007 09:40:31


30 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

zados e relativizados. Os conhecimentos devem estar vinculados à posse de


qualidades sem as quais não produzem sucesso no trabalho. Como veremos a
seguir, nas situações de trabalho atuais a noção de qualiicação se enriquece,
deixa de identiicar-se com os conhecimento técnicos especializados e se es-
tende (Dalziel, 1996, p. 32 e seguintes) a um conjunto mais amplo de compe-
tências, no qual outras características humanas, especialmente as que possuem
uma dimensão relacional, adquirem, cada vez mais, um signiicado determi-
nante (Longo, 2002).

Os paradoxos de um mercado de trabalho global

Os países europeus têm vivido nos últimos anos um crescimento signii-


cativo do desemprego, que se converteu na principal preocupação dos governos
(Conselho Europeu, 1997). Alguns países, dos quais a França é o exemplo mais
destacado, desenvolveram planos nos quais o setor público desempenhava um
papel relevante nos processos de aprendizagem e inserção no trabalho, ligados
a novas oportunidades de emprego. Ainda hoje, na Espanha, o desemprego é,
de longe, como revelam as pesquisas, a principal preocupação dos cidadãos.
Paralelamente, e de modo paradoxal, o crescimento da demanda de em-
pregados qualiicados excedeu, às vezes muito, a capacidade do mercado de
trabalho para provê-los. A crise generalizada dos sistemas educacionais acen-
tuou esse desajuste que, embora tenha afetado principalmente os trabalhadores
do conhecimento, acabou estendendo-se a setores de qualiicação média da
indústria e dos serviços, insuicientemente nutridos pelos sistemas regrados
de educação proissional. Estudos recentes (Jiménez e outros, 2002) prognosti-
cam para a Espanha, em poucos anos, como conseqüência principalmente da
queda demográica, um excedente de postos de trabalho oferecidos em todos
os setores da atividade econômica. Se isso for certo, estaríamos, por contra-
ditório que possa parecer em relação ao quadro atual, diante de uma situação
iminente de endurecimento da concorrência entre as empresas no mercado
de trabalho, especialmente no que se refere, como já dissemos, à captação de
pessoal qualiicado.
Esta concorrência se desenvolve num mercado cada vez mais global, o
que acentua seus aspectos mais paradoxais. Embora em alguns casos vejamos
um acirramento, como apontávamos, da concorrência entre empregadores
pela captação e retenção de talento, em outros – onde a interface entre tarefas
e qualiicações o permite – o que ica acirrado é a concorrência entre países e
territórios pela captação das empresas, utilizando o custo do trabalho como

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 30 30 22/2/2007 09:40:31


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 31

elemento diferenciador. As práticas do que vem sendo chamado de dumping


social (manutenção de salários baixos e condições de trabalho precárias para
atrair investimentos) e os processos de “des-localização” de empresas (mudan-
ças de sedes e de pessoal, à procura de custos de trabalho mais baixos) são fe-
nômenos característicos dessas situações. Alguns especialistas têm destacado o
efeito de tudo isso sobre o recorte dos direitos trabalhistas e o enfraquecimento
da posição dos sindicatos (Giarini e Liedtke, 1996, p. 223).

A reordenação do tempo de trabalho

A dimensão temporal do emprego passou para o centro do cenário, re-


estruturando as relações de trabalho (Supiot, 2001). No contexto empresarial
fala-se de um novo sistema de concorrência centrado na economia do tempo,
que leva em conta o tempo empregado para produzir bens, para inovar e para
comercializar novos produtos e serviços (Beynon e outros, 2002, p. 122).
A importância do tempo de trabalho vem se fundamentando num conjun-
to de dinâmicas diferentes, e nem sempre interrelacionadas, que afetam tanto o
sistema produtivo como o sistema social. Por um lado, os novos ambientes da
empresa vêm exigindo, cada vez mais, uma capacidade lexível de resposta que
as regulações padronizadas da jornada de trabalho não facilitam (Brewster e
outros, 1997). As jornadas anualizadas – os contratos fazem constar um núme-
ro anual de horas de trabalho, permitindo certas lutuações no horário mensal
ou semanal para adaptar-se aos luxos de demanda, estoques etc. –, as reservas
de horas para trabalho imprevisto ou sazonal, a compensação de horas extras
por tempo livre ou simplesmente o prolongamento não remunerado da jorna-
da de trabalho – a mais comum e freqüentemente esquecida (Hegewish, 1999,
p. 125) das modalidades de lexibilidade temporária – têm sido, entre outras, as
fórmulas cada vez mais utilizadas nessa direção. Por sua vez, a reordenação do
tempo de trabalho abriu caminho para melhoras de produtividade que funda-
mentaram algumas tentativas de redução da jornada de trabalho, nos moldes
das políticas públicas de luta contra o desemprego. Um modelo de novo pacto
social chegou a desenhar-se em torno da organização de tempo de trabalho. A
França foi o país que apostou mais forte nisso, embora as mudanças políticas
tenham levado a uma certa reconsideração da iniciativa.
Os processos de mudança neste campo foram acelerados, por outro lado,
por fenômenos como a maciça incorporação da mulher ao trabalho, ou as ne-
cessidades, que têm aumentado, de conciliar o trabalho com a vida pessoal e
familiar, que estimularam modalidades de trabalho em tempo parcial, a dis-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 31 31 22/2/2007 09:40:31


32 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

tância, e outras (Fundación Encuentro, 1998, p. 174; Giarini e Liedtke, 1996,


p. 236 e seguintes). Esta não foi, no entanto, uma tarefa fácil. Para alguns es-
pecialistas, os trabalhadores devem se esforçar hoje mais por conservar seus
empregos e por manter seu próprio tempo privado e familiar separado daquele
que oferecem ao seu empregador (Perrons, 1998). Por sua vez, Sennett (2000,
p. 61) destacou o caráter contraditório da lexibilização do tempo de trabalho,
aparentemente desenvolvido de forma mais livre, mas igualmente controlado,
embora de forma diferente: “Nas instituições, e para os indivíduos, o tempo
foi liberado da jaula de ferro do passado, mas está sujeito a novos controles e a
uma nova vigilância vertical”.
Tudo isso levou, nesse terreno, a processos de ajuste, nem sempre fáceis,
entre as necessidades empresariais e as preferência pessoais dos trabalhadores,
cujo resultado tem sido, em geral, uma ampla diversiicação e lexibilização dos
modelos de jornada, que perderam uma boa parte da uniformidade e imuta-
bilidade que caracterizava a ordenação dos tempos de trabalho nas empresas
da era industrial.

A empresa diversa, multicultural e individualizada

A globalização rompe as barreiras e intensiica os movimentos da força de


trabalho através das fronteiras nacionais. Esta intensiicação dos fenômenos mi-
gratórios está transformando aspectos substanciais das sociedades contemporâ-
neas, especialmente no primeiro mundo. A plena incorporação das mulheres ao
trabalho se une ao surgimento de minorias sociais em atividades produtivas que
antes lhes eram vedadas. Numerosas e diferentes identidades grupais coabitam
nos mesmos ambientes de trabalho. A Divisão de Assuntos Econômicos e So-
ciais das Nações Unidas inclui, na noção de diversidade social na esfera do tra-
balho, as diferenças de gênero, raça, etnia, religião, orientação sexual e aptidão
psicofísica, assim como as que emanam do substrato e dos status familiar, eco-
nômico, educacional e geográico (Undesa-IIAS, 2001, p. 1). Certamente, não
estamos mais falando apenas de fatos que afetam os níveis baixos da estrutura
de tarefas das organizações, mas que começam a apresentar, como é inevitável
num mundo globalizado, traços que se introduzem na gestão de proissionais e
dirigentes e que atravessam toda a organização do trabalho.
Estas situações transferem para a gestão das pessoas novas perguntas, a
saber: como minimizar os aspectos negativos da diversidade sobre a capaci-
dade dos grupos humanos para satisfazer as necessidades de seus membros e
funcionar com eicácia? Como, paralelamente, maximizar os efeitos positivos

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 32 32 22/2/2007 09:40:31


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 33

da diversidade sobre a criatividade, a qualidade das decisões e a maior partici-


pação na governabilidade organizacional? Como reduzir as diferenças entre os
grupos de identidade concorrentes no lugar de trabalho e destacar os interesses
comuns, ao mesmo tempo em que se avaliam e se apreciam as contribuições
originadas justamente da diversidade social? Como assegurar uma adaptação
rápida e suiciente das políticas e práticas de pessoal a im de garantir que o tra-
balho se converta num ambiente acolhedor para empregados que no passado
icavam excluídos? (Ospina, 2001, p. 21).
A gestão da diversidade passa a converter-se assim num imperativo orga-
nizacional e num novo desaio para os gestores. Por sua vez, incorpora novas
oportunidades, que não devem ser ignoradas. A lexibilidade funcional exigi-
da pela empresa atual, como assinalaremos mais adiante, requer a diversidade
funcional, ou seja, a diversiicação de características humanas relevantes para
o desempenho, tais como as diferenças em conhecimentos, habilidades, capa-
cidades, valores, atitudes, personalidade e estilos cognitivos e de conduta. Pois
bem, alguns especialistas têm destacado que a diversidade funcional se nutre
em boa medida da diversidade social, enquanto a resistência a admiti-lo reduz
as oportunidades de encontrar as pessoas mais adequadas no momento devido
(Schneider e Northcrat, 1999).
Trata-se de fenômenos que, como outros que temos apontado, não só
requerem uma atenção especíica e o desenvolvimento de um instrumental
de gestão ad hoc, como, principalmente, uma mudança de modelos mentais.
Provavelmente, a própria noção de identidade grupal começa a icar para nós
insuiciente para explicar a verdadeira diversidade da empresa contemporânea.
A expressão “empresa individualizada” (Ghoshal e Bartlett, 1997) fala-nos de
um passo a mais: o necessário para destacar o indivíduo como o verdadeiro
protagonista da diversidade no trabalho. No fundo, o que está acontecendo é
que o trabalho humano deve começar a ser visto como um território povoa-
do por pessoas, cada uma das quais – sem prejuízo das múltiplas identidades
de grupo, freqüentemente assimétricas e sobrepostas, e dos aspectos comuns
que as assemelham em certas coisas – apresenta características próprias. Cada
trabalhador expressa interesses e preferências que se desprendem especiica-
mente dessa individualidade. Podemos colocar isso da seguinte forma, embora
soe redundante: as organizações de nossos dias necessitam cada vez mais de
uma gestão personalizada das pessoas. Talvez a biogenética resolva um dia o
problema da diversidade da força de trabalho, mas por enquanto o mundo do
trabalho se tornou cada vez mais luido, paradoxal, fragmentado, heterogêneo;
e sua gestão, forçosamente, tende a se tornar cada vez mais lexível, individua-
lizada e complexa.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 33 33 22/2/2007 09:40:31


34 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

AS NOVAS ORIENTAÇÕES DA GESTÃO DAS PESSOAS

Agora, sim, é o momento de nós nos perguntarmos sobre a inluência


de todas estas mudanças nas convicções e nas tendências que caracterizam
a gestão contemporânea das pessoas. Trata-se de uma pergunta que não tem
resposta fácil. Não existe atualmente um modelo indiscutível, um paradigma
dominante ao qual possamos nos referir; pelo contrário, a teoria da gestão de
recursos humanos apresenta a aparência de um fórum ou ágora na qual se en-
trecruzam debates e propostas de feição diferente. Apesar de tudo, é possível,
sim, apontar para algumas tendências que, pela intensidade e extensão com
que parecem estar inluenciando as práticas reais das organizações, podem ser
vistas como enfoques que transcendem as modas do management e merecem
por isso ser consideradas como orientações de fundo no período em que vive-
mos. Vamos a seguir apontá-las de modo breve e sistemático, advertindo que
não se tratam de enfoques antagônicos, mas freqüentemente complementares,
embora não isentos de certos elementos contraditórios. A forma pela qual os
apresentamos obedece à pretensão de introduzir uma sistemática que facilite a
leitura, mas não implica desconhecer as abundantes inter-relações e sobrepo-
sições que existem entre eles.

O lema da flexibilidade

Se uma única palavra pudesse servir como lema das orientações contem-
porâneas do emprego e dos recursos humanos, e isso tanto na literatura sobre
gestão como nos ambientes acadêmicos e empresariais, essa palavra seria sem
dúvida “lexibilidade”. Flexibilidade é um termo carregado de signiicados pos-
síveis que, como costuma ocorrer, entram às vezes em conlito. Vale a pena, por
isso, fazer um esforço para esclarecer de que coisa, ou melhor, de que coisas
estamos falando quando o utilizamos neste campo.
O debate contemporâneo sobre a lexibilidade no trabalho inicia-se na
Europa no inal da década de 1970 e no início da de 1980 (Farnham e Horton,
2000, p. 7), ligado a um conjunto de fatos sociais entre os quais se encon-
tram: 1) a mudança nos mercados mundiais e o incremento da concorrência
global; 2) a mudança tecnológica, especialmente a registrada no campo da
informação e das comunicações; 3) a volatilidade dos mercados de produto;
4) o desemprego crescente, e 5) o trânsito da economia industrial para a cha-
mada era pós-industrial. São cenários que afetam diversos atores sociais, em
torno de um conjunto de questões como a educação e a formação continuada,

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 34 34 22/2/2007 09:40:31


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 35

a legislação social, os sistemas salariais, a jornada de trabalho, a igualdade de


oportunidades e a lexibilidade das organizações de serviço público (Comis-
são Européia, 1997).
O paradigma da “empresa lexível” (Atkinson e Meager, 1986, p. 2-11),
supostamente capaz de fazer frente ao conjunto de desaios que derivam de tais
cenários, incorpora diversos tipos de lexibilidade no que se refere à gestão dos
recursos humanos.
■ A lexibilidade numérica, deinida como a capacidade das companhias para
ajustar o número de trabalhadores ou de horas de trabalho às mudanças
ocorridas na demanda.
■ A lexibilidade funcional, ou capacidade de reorganizar as competências
associadas aos empregos, de maneira que os titulares dos postos possam
desenvolvê-las através de um leque de tarefas ampliado horizontalmente,
verticalmente ou em ambos os sentidos.
■ O “distanciamento”, concebido como a substituição de contratos de trabalho
por contratos mercantis ou pela subcontratação, a im de concentrar a orga-
nização na vantagem competitiva ou encontrar fórmulas menos onerosas de
administrar as atividades não nucleares.
■ A lexibilidade salarial, que se identiica com a capacidade da empresa para
conseguir que suas estruturas de retribuição estimulem a lexibilidade fun-
cional, se revelem competitivas no que respeita às competências mais escas-
sas no mercado de trabalho e recompensem o esforço e desempenho indi-
vidual dos empregados.

Implícitas neste conjunto de enunciados (em sentido similar, Institute of


Personnel and Development, 1994), encontramos duas visões da lexibilidade,
presentes, em doses variáveis, nos processos e discursos de mudança dos siste-
mas de gestão das pessoas. Embora não se tratem, em sentido estrito, de visões
reciprocamente excludentes, elas costumam corresponder aos enfoques domi-
nantes de gestão adotados em cada caso.
A primeira dessas visões da lexibilidade ancora-se numa percepção do-
minante das pessoas como restrição e se centra na redução dos custos de pes-
soal. Ela combina com os discursos empresarias da reengenharia, da redução
de pessoal (downsizing), das competências-chave e da empresa em rede, e se
orienta principalmente para a detecção e eliminação de excedentes e para a
conversão dos custos de pessoal, ixos em variáveis. A segunda visão tende a
perceber as pessoas mais como oportunidade, e coloca a ênfase na lexibilida-
de da Gestão de Recursos Humanos (GRH) como apoio à criação de valor por
parte das pessoas. Sintoniza-se com os discursos empresariais da qualidade

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 35 35 22/2/2007 09:40:32


36 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

total (Fundação Européia para a Gestão da Qualidade, 1999), do nivelamento


de estruturas e da promoção de autonomia pessoal para decidir (empower-
ment), ou com as práticas de alto desempenho (Pfefer, 1998b, p. 44 e seguin-
tes), e se orienta principalmente para a melhora qualitativa das políticas de
recursos humanos, especialmente das mais relacionadas com o envolvimento
e o compromisso das pessoas. Em sentido análogo, faz-se distinção entre uma
gestão de recursos humanos “dura”, caracterizada por uma aproximação mais
instrumental e uma ênfase clara na minimização dos custos, e uma “bran-
da”, integrada pelo conjunto de políticas destinadas a maximizar a integração
organizacional, o compromisso dos empregados e a qualidade do trabalho
(Storey, 1995).
Sob um prisma diferente, o das preferências e expectativas dos atores em
jogo, outras duas visões são possíveis e necessárias (Ridley, 2000, p. 33). De um
lado, do ponto de vista dos interesses das organizações, a lexibilidade se rela-
ciona com os mecanismos por meio dos quais se consegue que as estruturas
organizacionais, os processos de trabalho e as práticas de pessoal incrementem
o controle dos gestores sobre os recursos humanos. De outro, a partir da pers-
pectiva das pessoas, a lexibilidade tem a ver com as mudanças que habilitam
os trabalhadores a exercer maior controle sobre suas vidas, como ocorre, para
citar um só exemplo, com a relação entre a maternidade e o uso do emprego
em tempo parcial.
Levando em conta esta ambivalência, airmou-se que o desenvolvimento
das novas modalidades de emprego lexível pode ser considerado em parte
como o resultado da mútua interação de fatores situados no lado da oferta e
no da demanda (Beynon e outros, 2002, p. 123). Ambas as dimensões contri-
buem, em proporções a serem determinadas em cada caso, para as mudanças
nos sistemas de GRH. Em algumas ocasiões, são perspectivas compatíveis e
complementares que se reforçam reciprocamente. Às vezes, no entanto, en-
tram em conlito e obrigam os gestores a deinir opções que privilegiam uma
ou outra.
Seja como for, a orientação dos sistemas de gestão do emprego e dos re-
cursos humanos para a lexibilidade não deve se dar à custa da perda de conti-
nuidade e coesão. Um excesso de lexibilidade pode produzir danos (Lundblad
e outros, 1996), como um comportamento organizacional anárquico, uma li-
derança enfraquecida pela diiculdade de exercê-la sobre pessoas cujo vínculo
com o posto é fraco ou por uma cultura organizacional dispersa, fragmentada
e pouco comprometida com o propósito comum. Mayrhofer (1996) utilizou
o exemplo da coluna vertebral para tornar visível a necessidade de que as or-
ganizações adaptáveis combinem, em proporções adequadas, elementos lexí-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 36 36 22/2/2007 09:40:32


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 37

veis e rígidos. Richards (1995, p. 16) nos lembra por sua vez que a lexibilidade
não equivale à pura reatividade diante de estímulos externos, nem pressupõe
a carência de uma estratégia de recursos humanos. Ao contrário, devem ser
levadas em consideração as necessidades da política de pessoal a longo prazo
e integrar as diferentes partes da gestão de recursos humanos num sistema
mais lexível. Por isso, “[...] lexibilidade e estratégia não se contrapõem: se
dão a mão”.

A gestão por competência

As idéias sobre a gestão por competência impregnaram a GRH ao longo


das duas últimas décadas, a ponto de alguns autores chegarem a falar de uma
mudança de paradigma que substituiria uma organização baseada no posto
por uma organização baseada nas competências (Lawler, 1994).
A noção de competência aparece na gestão contemporânea dos recursos
humanos a partir de uma série de estudos empíricos desenvolvidos nos Esta-
dos Unidos em princípios da década de 1970. Um artigo de McClelland em
he American Psychologist, do ano de 1973, é considerado por alguns como
o momento fundacional dessa orientação. Esses estudos constatam o víncu-
lo existente entre o sucesso no trabalho (resultados obtidos pelas pessoas no
trabalho) e a prática reiterada de uma série de comportamentos observáveis
no contexto de sua atividade produtiva. A exploração e identiicação desses
comportamentos, assim como sua análise por meio de certas técnicas, os re-
lacionam com a posse de determinadas qualidades ou características pessoais.
É descoberta transcendente que tais qualidades vão além dos conhecimentos
técnicos especializados, tradicionalmente considerados determinantes da qua-
liicação proissional, para penetrar em motivos, traços de caráter, conceitos
de si mesmo, atitudes ou valores, habilidades e capacidades cognitivas ou de
conduta. Isso leva McClelland a desqualiicar os exames e provas tradicionais
como prenunciadores do sucesso no trabalho. A McBer Associates, consultoria
criada por McClelland, elaborou para diferentes companhias norte-america-
nas modelos de competências baseados neste enfoque.
Em 1982, um dos membros da McBer, Richard Boyatzis, desenvolveu por
encomenda da American Management Association uma pesquisa cujo objetivo
era identiicar as competências que diferenciam os managers excelentes dos que
produzem resultados meramente aceitáveis, e estes últimos dos menos bem-
sucedidos. Participaram deste estudo 1.800 dirigentes, titulares de 41 postos
diferentes e pertencentes a 12 companhias. A publicação desse estudo contém

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 37 37 22/2/2007 09:40:32


38 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

a deinição, já clássica, das competências como “características subjacentes a


uma pessoa, causalmente relacionadas com uma atuação de sucesso num posto
de trabalho” (Boyatzis, 1982). Embora a pesquisa identiicasse dezenove com-
petências genéricas que os dirigentes deveriam possuir (mais tarde esse dicio-
nário genérico seria reinado e ampliado por seu autor), Boyatzis enfatizou
desde o primeiro momento o peso do contexto, sublinhando a necessidade de
deinir modelos de competências próprios de cada organização.
Em estreita relação com este enfoque encontra-se a noção de “inteligência
emocional”, popularizada pelo best-seller de Goleman (1996). A inteligência
emocional foi deinida como “uma forma de inteligência social que inclui a ca-
pacidade de manejar os sentimentos e emoções próprios e os dos outros, fazer
distinção entre eles e usar essa informação como guia dos próprios pensamen-
tos e ação” (Salovey e Mayer, 1990). Num desenvolvimento mais recente, em
que esta noção foi aplicada à análise da liderança, sustentou-se que 80 a 90%
das competências, que permitem distinguir os líderes que se sobressaem, per-
tencem ao domínio da inteligência emocional, e não às capacidades cognitivas
(Goleman, Boyatzis e McKee, 2002, p. 306).
A gestão por competência pressupõe sua utilização como um padrão ou
norma para a seleção de pessoal, o planejamento de carreiras e a sucessão, a
avaliação do desempenho e o desenvolvimento pessoal (Hooghiemstra, 1992).
Este enfoque converte as competências num eixo central dos sistemas de ges-
tão das pessoas, tal como hoje são entendidas e praticadas num número cres-
cente de empresas e organizações de todo tipo. Como já apontamos, entramos
numa época em que os conhecimentos especializados adquiridos num certo
momento vêm sua vida útil se reduzir progressivamente, enquanto os proces-
sos permanentes de aprendizagem e re-qualiicação são vistos como inerentes
ao sucesso no trabalho. Parece razoável pensar que as competências genéricas,
que tornam possíveis esses processos de ajuste, podem chegar a ter tanta ou
mais importância que o grau de saber técnico especíico possuído num mo-
mento dado. Se esta é uma relexão importante para os indivíduos, já que está
ligada à sua empregabilidade, não o é menos para as empresas, cujo ativo hu-
mano será com freqüência tanto mais valioso quanto mais adaptável.
Gerenciar por competências implica dedicar uma atenção prioritária aos
elementos qualitativos do investimento em capital humano. Neste enfoque en-
contram seu fundamento conceitual algumas inovações importantes da gestão
dos recursos humanos em nossos dias. Referimo-nos a orientações que afetam
os sistemas de organização do trabalho, como é o caso do desenho de pos-
tos em banda larga (broadbanding); os de incorporação, como se detecta no
uso crescente da entrevista de incidentes críticos ou dos centros de avaliação

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 38 38 22/2/2007 09:40:32


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 39

(assessment centers); os de desenvolvimento de pessoas, como ocorre com os


modelos de carreira horizontal, ou os de compensação, que incorporam cres-
centemente os planos de retribuição por competências. A todas elas iremos nos
referir mais adiante.

O capital intelectual como vantagem competitiva

Embora a gestão por competência centre sua atenção, como vimos, nas
pessoas e em suas qualidades e características individuais, a noção de compe-
tência serviu de base para orientações de gestão baseadas na dimensão coletiva
daquelas, e em sua difusão e interiorização por parte da organização. Os con-
ceitos de “competência distintiva” ou “competências-chave” (core competences),
extensamente difundidos, entre outros, por Pralahad e Hamel (1990, 1995),
transferem do ambiente exterior para o interior da empresa, e fundamental-
mente para as pessoas, a relexão sobre a vantagem competitiva. Aquilo que a
organização sabe fazer melhor que seus concorrentes é a chave do sucesso. Em
comparação com os produtos que a empresa é capaz de obter e lançar no mer-
cado, suas competências-chave são mais estáveis e não diminuem com o uso.
Pelo contrário, nas palavras dos autores citados, as competências aumentam
quando são aplicadas e compartilhadas. A concorrência real entre as empresas,
chega a dizer Hamel (1991, p. 83), numa frase que em espanhol parece um
jogo de palavras, é a concorrência entre competências (NT)6. Ou, o que vem
a dar na mesma: diferentemente do que ocorre quando a concorrência é entre
produtos, a concorrência entre as empresas está diretamente relacionada com a
aquisição, posse, difusão e aplicação de conhecimentos e habilidades.
A criação e manutenção de uma vantagem competitiva concebida desta
forma depende não só da qualidade da soma dos recursos humanos individuais
reunidos pela empresa, mas da própria capacidade desta última para aprender
coletivamente. Os mesmos Pralahad e Hamel (1990, p. 82) identiicam a core
competence com “a aprendizagem coletiva, em especial sobre como coordenar
diversas habilidades na produção e integrar luxos múltiplos de tecnologias”.
Por isso é importante que as empresas consigam converter-se em organi-
zações que aprendem (learning organisations), em empresas capazes de criar
conhecimento. Durante a década de 1990, obras como as de Senge (1992)
e Nonaka e Takeuchi (1995) desenvolveram esse enfoque de gestão tendo a

6
NT: em espanhol, competencia entre competencias.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 39 39 22/2/2007 09:40:32


40 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

aprendizagem organizacional como centro. Considerando que a aprendiza-


gem, sem discutir sua dimensão grupal e seu impacto organizacional, é um
fenômeno protagonizado sempre por indivíduos, a relação dessas orientações
com a gestão das pessoas ica evidente e estreita. As companhias que desejem
ser “organizações que aprendem” deverão propor a si mesmas e desenvolver
um conjunto de políticas e práticas de gestão cujo centro sejam as ações e rela-
ções humanas no interior da organização.
Em estreito contato com tudo isso está a noção, difundida mais recente-
mente, de “capital intelectual”. Como assinalou Stewart (1997, p. 55), quando
os mercados de capitais avaliam as companhias três, quatro ou dez vezes acima
do valor contabilizado de seus ativos, estão dizendo simplesmente o seguin-
te: os ativos materiais de uma empresa baseada no conhecimento contribuem
muito menos para o valor de seu produto ou serviço inal do que os ativos
intangíveis, ou seja, os talentos de seu pessoal, a eicácia de seus sistemas de
gestão, o caráter das relações com seus clientes etc. Estas coisas são, considera-
das em conjunto, seu capital intelectual. Este capital deve ser gerenciado e sua
gestão vai muito além do armazenamento e da manipulação de dados. Pode
ser deinida (Azúa, 1999, p. 67, citando Marshall e outros) como a “tarefa de
reconhecer um ativo humano enterrado na mente das pessoas, e convertê-lo
num ativo empresarial que possa ser acessado e que possa ser utilizado por um
maior número de pessoas, de cujas decisões depende a empresa”. Em outras
palavras, a inteligência se torna um ativo quando adquire uma utilidade exter-
na ao livre luxo das idéias no cérebro; quando se dá a ela uma forma coerente
(um banco de dados, uma listagem postal, a agenda de uma reunião, a descri-
ção de um processo); quando ela é capturada de uma forma que permita sua
descrição, compartilhamento e exploração, coisas que seriam impossíveis se
permanecesse dispersa. O capital intelectual é conhecimento útil empacotado
(Stewart, 1997, p. 67).
Como gerenciá-lo? Obeso (1999, p. 35 e seguintes), citando Davenport e
Prusak, enumera quatro enfoques reconhecíveis na prática empresarial:
a) armazéns de conhecimento: o conhecimento é catalogado como algo “exter-
no” aos seus criadores, e armazenado em documentos físicos ou eletrônicos;
b) acesso e transferência de conhecimentos: centrados no desenho de procedi-
mentos para favorecer a transmissão de conhecimentos entre possuidores e
usuários potenciais;
c) ambientes favoráveis ao conhecimento: centram-se em criar consciência e re-
ceptividade cultural a respeito do uso e da transmissão de conhecimento;
d) projetos de medição e melhora: sua ênfase está nas técnicas de avaliação do
conhecimento disponível.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 40 40 22/2/2007 09:40:32


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 41

Sem dúvida, a gestão do capital intelectual tem um aspecto “duro” (hard),


que está ligado ao uso das tecnologias: procedimentos de comunicação on-line,
de prospecção de dados, sistemas especialistas etc. Sem prejuízo disso, seu centro
se encontra muito próximo da gestão das pessoas, especialmente daquela gestão
que se desenvolve em organizações de proissionais. Nahapiet e Ghoshal (1998)
relacionaram os bons resultados das organizações na gestão do capital intelec-
tual com sua riqueza em capital social interno – amplitude e densidade das redes
internas de intercâmbios de conhecimento baseados na coniança interpessoal e
na existência de normas de reciprocidade. Essa aproximação realça os elementos
próprios da gestão das pessoas como chave do sucesso. Ainal, nenhuma intranet
será capaz de criar conhecimento ali onde este não exista, ou de difundi-lo em
contextos organizacionais nos quais os incentivos existentes estimulam mais a
sua apropriação com exclusividade do que seu compartilhamento.

As práticas de alto desempenho

Sob o lema de “alto desempenho” ou de “alto compromisso” (Lawler e


outros, 1995) podemos agrupar um conjunto de orientações, políticas e práti-
cas empresariais de gestão dos recursos humanos que tenham como objetivo a
obtenção do máximo possível de alinhamento, envolvimento e produtividade
dos empregados. O io condutor dessas políticas é a busca de maior grau de
identiicação entre as expectativas e preferências individuais e os objetivos de
desempenho derivados da estratégia de empresa. O que faz da empresa um lu-
gar atraente para os empregados? Basicamente, a alta qualidade de três relações
interconectadas: a relação entre os empregados e seus trabalhos; a relação dos
empregados entre si, e a relação entre eles e suas cheias (Great Place to Work
Institute, 2003). Agrupamos aqui, sem pretensão de sermos exaustivos nem
sistemáticos, algumas práticas de gestão destinadas a satisfazer essas aspirações
e melhorar assim os resultados empresariais.

O enfoque do empowerment

Transferir para as pessoas uma esfera tão ampla quanto possível de poder
de decisão, e responsabilizá-las por isso, surge como conseqüência tanto da
adoção de determinadas teorias sobre o comportamento humano, como de
relexões derivadas da própria evolução do trabalho e das tecnologias, especial-
mente nos ambientes apropriados dos serviços.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 41 41 22/2/2007 09:40:32


42 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Assim, por um lado, uma crescente tendência de incorporar à gestão das


pessoas aquelas teorias sobre a motivação que acentuam a identiicação com a
tarefa (Hackman e Oldham, 1975, 1979) leva a salientar na medida do possível
o signiicado do posto de trabalho para a pessoa, assim como a percepção desta
de ser responsável pela execução da tarefa e dos resultados da referida execução.
Isso, por outro lado, mostra coerência com o incremento do peso dos serviços
na economia produtiva, que implica a generalização de processos nos quais a
produção e a distribuição se concentram e são protagonizados pelo indivíduo,
em direta interação com o mercado. A própria qualidade do serviço prestado
requer nesses casos uma ampliação signiicativa da margem de decisão das pes-
soas. Nas organizações de proissionais que caracterizam a economia do conhe-
cimento, essas exigências são sentidas de maneira particularmente intensa.
A criação de equipes de trabalho autodirigidas (Pfeffer, 1998b, p. 83) é
uma das modalidades de empowerment que combina a descentralização da de-
cisão com o estímulo da interação grupal. O trabalho em equipe, sem dúvida
outro dos mitos de nossa época, revela-se particularmente necessário quando
a complexidade do ambiente exige articular a combinação multifuncional de
diferentes saberes técnicos em contextos não hierárquicos, como mecanismo
adequado para produzir respostas de qualidade. Nonaka e Takeuchi (1995,
p. 160 e seguintes), entre outros, destacaram a relação das equipes com a pro-
dução de inovação.
Quer tendo como destinatários indivíduos, quer equipes de trabalho, a
descentralização do poder de decisão, substituindo o controle hierárquico pela
autodireção, relaciona-se estreitamente com uma destacada tendência contem-
porânea do desenho de estruturas organizacionais, que consiste na eliminação
de níveis de hierarquia intermediária. Essa eliminação de camadas (delayering)
nas cadeias de autoridade formal das organizações expressa, ao mesmo tempo,
a inluência do enfoque do empowerment e a preferência por estruturas planas.
Nestas, os luxos de informação ascendente, descendente e lateral circulam com
maior velocidade e facilitam por isso a agilidade da resposta estratégica das or-
ganizações às mudanças cada vez mais freqüentes do ambiente empresarial.

A gestão do desempenho

Atualmente os enfoques sobre o desempenho das pessoas no trabalho


tendem a superar as abordagens tradicionais, centradas na medição do rendi-
mento, assim como os correspondentes debates em torno das técnicas e méto-
dos de avaliação mais coniáveis e válidos, e vão introduzindo orientações de

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 42 42 22/2/2007 09:40:33


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 43

gestão de caráter mais relacional, centradas no crescimento proissional das


pessoas. Estes novos enfoques do desempenho são coerentes, por um lado,
com a desconiança, própria de nossa época, nos artefatos centralizados pró-
prios das burocracias taylorianas; por outro lado, se assentam em concepções
dinâmicas do desempenho, que o vinculam ao desenvolvimento do potencial
das pessoas.
Em concordância com tudo isso, a gestão do desempenho proissional
tende a ser vista cada vez mais como uma forma de estimular as competências
e a motivação dos empregados para a obtenção de melhoras de desempenho
(Spencer e Spencer, 1993, p. 264 e seguintes), e não apenas como um conjunto
de técnicas de medição cuja utilidade é facilitar a aplicação de medidas admi-
nistrativas (retribuir, promover, punir etc.).
Nestes enfoques, o dirigente de linha ou supervisor imediato passa a
desempenhar um papel fundamental, já que recai sobre ele a transforma-
ção das prioridades organizacionais em padrões e objetivos de desempenho
individual dos empregados sob sua esfera de autoridade, assim como a ade-
quada comunicação dos padrões e objetivos e a obtenção do compromis-
so das pessoas em torno da sua consecução. As melhoras do desempenho
consensuadas entre ambas as partes constituem o eixo de uma relação sus-
tentada na qual são postas à prova as habilidades interpessoais e sociais dos
dirigentes. A obtenção de melhoras no desempenho decorre, cada vez mais,
do crescimento proissional das pessoas, ou seja, do desenvolvimento de suas
competências, especialmente daquelas que apareçam em cada caso como de-
icitárias. O coaching, ou atividade destinada a orientar, facilitar e apoiar esse
desenvolvimento, converte-se às vezes, nesse contexto, em parte da função de
dirigir equipes humanas.
A ênfase em vincular a apreciação do desempenho ao desenvolvimento
das pessoas produz, sem prejuízo do papel fundamental dos comandos hie-
rárquicos, que temos destacado, a extensão de novos métodos de avaliação,
que ampliam o universo de atores que participam da mesma. Em particular, a
avaliação de 360 graus, que converte em avaliadores os superiores, subordina-
dos, colegas e inclusive os clientes e fornecedores, internos ou externos, é uma
prática utilizada já por um número crescente de empresas, freqüentemente no
contexto de experiências de gestão da qualidade. Sua utilidade reside princi-
palmente no potencial identiicador de áreas de melhora e de desenvolvimento
pessoal e proissional que oferece às pessoas e às equipes de trabalho.
Todas essas práticas exigem cenários de trabalho distintos dos que carac-
terizavam as burocracias empresariais da era industrial. Para seu enraizamento
e difusão, são necessárias culturas organizacionais mais horizontais e partici-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 43 43 22/2/2007 09:40:33


44 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

pativas, cujo surgimento não pode ocorrer de uma hora para outra. Neste mes-
mo capítulo faremos referência a esses novos modelos de cultura empresarial.

A retribuição vinculada ao desempenho

O que dissemos não é obstáculo para constatar, como característica das


práticas de gestão das pessoas em nossa época, um incremento apreciável do
uso dos mecanismos de retribuição variável ou contingente. Um grande núme-
ro de empresas, seguindo uma evolução ascendente nos últimos anos (Esade,
2000), incorporaram mecanismos de retribuição variável aos seus sistemas de
compensação. A obtenção de maior eqüidade, entendida como equilíbrio entre
a contribuição e o salário, o incentivo do esforço individual ou de grupo e o
reforço da percepção de pertinência e envolvimento com o projeto empresarial
são os objetivos subjacentes à generalização dessas práticas e que se manifes-
tam nas diferentes formas que assumem.
Em muitas ocasiões, a remuneração se vincula à consecução de determi-
nadas metas de desempenho individual, como incentivo ao esforço. Embora
esta seja uma prática generalizada na compensação do trabalho de diretores
e em outras áreas da empresa, como as comerciais, alguns autores (Pfefer,
1998b, p. 199; Serlavós, 1996, p. 8) destacam os perigos que com freqüência
aparecem na sua aplicação, devido à interdependência e ao caráter multidi-
mensional que o desempenho humano costuma apresentar no trabalho, às
grandes diiculdades para realizar uma avaliação objetiva, à obstinação em
converter em custo variável a retribuição antes de criar as condições necessá-
rias para isso e aos riscos de deterioração das relações interpessoais no am-
biente de trabalho.
Esses problemas, unidos às características da organização do trabalho ou
às limitações dos sistemas de contabilidade analítica, assim como à pretensão
de estimular a cooperação para se obter resultados, levam à crescente adoção
da remuneração variável de caráter grupal, prática que converte as equipes de
trabalho, e não os indivíduos, em destinatárias da avaliação e compensação por
desempenho. Embora esses incentivos sejam às vezes vulneráveis ao compor-
tamento oportunista (free riding), revelam-se geralmente de mais fácil aceita-
ção e aplicação do que as recompensas de caráter individual.
A vinculação da compensação aos resultados de uma unidade organiza-
cional ou divisão, ou então aos resultados globais da empresa (participação nos
lucros), são outras fórmulas de retribuição variável em alta. Sua lógica subja-
cente é reforçar o vínculo das pessoas com o projeto empresarial, assim como

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 44 44 22/2/2007 09:40:33


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 45

permitir o pagamento de salários altos e competitivos nos momentos em que


isso é compatível com a conta de resultados.

A ênfase na formação

As empresas dedicam à formação de seu pessoal um volume crescente


de seus recursos. Embora os orçamentos de formação continuem sendo em
muitos casos os que sofrem os primeiros cortes em momentos de diiculdade
inanceira, o aumento do peso da formação entre as práticas de gestão de re-
cursos humanos é um fato veriicado (Esade, 2000).
Em parte, esse fato se deve à necessidade de adaptar as habilidades e des-
trezas dos empregados à evolução das tecnologias, ao surgimento de novas
demandas ou simplesmente à necessidade de garantir as mais altas cotas de
qualidade nos produtos ou serviços. Em particular, a aceleração da mudança
tecnológica está sendo nos últimos anos um impulso decisivo para o aumen-
to da despesa das empresas em formação. Tudo o que foi dito antes sobre as
competências como vantagem competitiva pode servir de pano de fundo para
esse fenômeno. Práticas como o mentoring, que consiste no emparelhamento
de empregados com tutores especializados que podem transferir-lhes sua ex-
periência, habilidades e hábitos de trabalho (Murray, 2001, p. 66), estão come-
çando a se enraizar em algumas empresas, e se aplicam ao desenvolvimento
proissional, à atualização de habilidades técnicas, ao planejamento da suces-
são e a outros campos da gestão das pessoas.
O indubitável crescimento do peso da formação não nos deve levar a ig-
norar que algumas tendências do ambiente atual desempenham às vezes um
papel mais minimizador ou restritivo do esforço empresarial neste sentido.
Assim, a própria rapidez da mudança tecnológica, com suas constantes de-
mandas de atualização, pode reduzir a utilidade do investimento interno em
formação e estimular ao contrário a compra de habilidades externamente. Por
outro lado, o crescente uso da contratação temporária e a deinição, em certas
partes da estrutura das empresas, de políticas de alta rotação, tendem a reduzir
em alguns casos o retorno do investimento em formação, desestimulando o
esforço empresarial neste campo (Beynon e outros, 2002, p. 117; Cappelli e
outros, 1997, p. 123).
Outro ângulo da questão tem a ver com a necessidade de satisfazer as ex-
pectativas dos empregados em obter o nível mais alto possível de qualiicação.
Em contextos nos quais, como vimos, o emprego estável tende a ser substituído
pela empregabilidade, a empresa se converte para muitas pessoas na escola em

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 45 45 22/2/2007 09:40:33


46 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

que podem aprender e desenvolver competências de alto valor no mercado, e


onde têm garantida uma atualização das habilidades que permitem manter a
própria competitividade individual (Groot e Maassen, 2000). Do ponto de vista
da imagem transmitida pelas companhias, o investimento em formação pode ser
visto como uma aposta em manter o valor do capital humano da empresa, em
lugar de opção por políticas de alta rotatividade, baseadas na procura constante
no mercado de trabalho das competências que estejam faltando. Da perspectiva
do envolvimento das pessoas, isto constitui um sinal de que esse novo contrato
psicológico, de que falávamos, não é simplesmente um slogan vazio, invocado
pelas empresas para embelezar um contexto de precariedade de trabalho.

A empresa participativa e aberta

A necessidade de atrair, reter e motivar as pessoas de alta qualiicação


proissional – com freqüência possuidoras de seu próprio projeto individual
de carreira – em cenários nos quais aumenta a concorrência pelo talento nos
mercados de trabalho, caracteriza nossos tempos e é cada vez mais considerada
pelas empresas da economia do conhecimento. Em alguns casos, tais percep-
ções estão começando a transformar as pautas da relação das companhias com
esses proissionais, muitas delas de modo ainda incipiente e não extensível à
maioria das empresas, mas palpáveis como tendência de fundo.
Alguns especialistas têm destacado a relação entre estas transformações e
a orientação para a lexibilidade trabalhista, coerente, como temos visto, com
o novo “contrato psicológico”. A elasticidade do emprego perseguida pelas em-
presas tem suas contrapartidas. Num ambiente lexível, as pessoas “têm o di-
reito de minimizar o risco de se verem num beco sem saída, ou num emprego
inseguro” (Waterman e outros, 2000, p. 410). Isso implica facilitar o acesso
à capacitação e às oportunidades de trabalho necessárias para se manter em
dia. Essa orientação implica não apenas, como apontamos antes, um aumen-
to signiicativo do investimento em formação, mas também uma ampliação
da esfera de decisão das pessoas sobre como dirigir o uso da oferta formativa
e aplicá-la ao seu próprio desenvolvimento proissional e a suas perspectivas
de carreira. A gestão autônoma das carreiras se vê potencializada quando a
empresa incorpora e coloca à disposição de seus empregados mecanismos de
avaliação de sua competência e de seu potencial, ajudando-os a identiicar as
linhas de desenvolvimento mais adequadas.
Este enfoque é coerente com um signiicativo aumento da transparência
com que a empresa deve conigurar suas relações com os empregados. Tratá-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 46 46 22/2/2007 09:40:33


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 47

los como adultos implica às vezes compartilhar com eles informação sensível,
de um modo que se choca com percepções convencionais da gestão do pessoal.
Algumas vezes, essa abertura informativa afeta questões relacionadas com o
andamento do negócio, questões tradicionalmente reservadas a círculos muito
próximos da direção. Alguns dirigentes de empresa começaram a se dar conta
de que exagerar no âmbito do conidencial equivale a passar para os emprega-
dos a mensagem de que o projeto empresarial é, no fundo, de alguns poucos. O
contrário tem, é claro, seus riscos, mas muitas vezes é inevitável quando se dá
prioridade ao fortalecimento e extensão do compromisso dos proissionais.
Por razões similares, algumas empresas começaram a colocar à disposi-
ção de seus empregados, ou de alguns deles, informações relacionadas com a
possibilidade de desempenhar outros trabalhos disponíveis no interior da pró-
pria empresa, e a facilitar processos de formação cruzada (crosstraining) que
permitam o acesso a eles. Tais práticas complicam a gestão interna do emprego
e a mobilidade, ao incrementar a parte desta que gravita em torno de decisões
autônomas dos empregados, mas ao mesmo tempo facilita para eles a gestão de
suas próprias carreiras, e contribui para aumentar a satisfação no trabalho.
Mais contra-cultural ainda se mostra a política, adotada incipientemente
por certas companhias, de facilitar aos seus empregados informação disponível
sobre oportunidades de emprego no exterior e apoiar até as iniciativas que per-
seguem uma melhora proissional fora da empresa. Deve a empresa favorecer
o progresso proissional de seus trabalhadores à custa de perder, talvez, os me-
lhores? Algumas contribuições recentes respondem airmativamente, indican-
do que as organizações podem sentir em certos casos a necessidade de com-
pensar os empregados pela carência de oportunidades de promoção interna,
oferecendo-lhes oportunidades de desenvolver sua empregabilidade, mesmo
quando essa política ajuda os indivíduos a deixar a organização e encontrar
outro emprego, e considera esse enfoque como uma estratégia de recrutamento
que favorece a posição da empresa no mercado de trabalho (Beynon e outros,
2002, p. 121). Pode-se dizer que as empresas que agem assim – elas são, é claro,
uma exígua minoria – admitem que as perdas concretas assim produzidas são
compensadas por uma queda das cifras agregadas de rotação, por uma parte,
e por um aumento na capacidade de atração de novos empregados, por outra,
como conseqüência da melhora na imagem da empresa como empregadora.
A construção dessa imagem de marca (employer branding) é, como dis-
semos, uma das tendências do momento. A construção de uma boa reputação
no mercado de trabalho, capaz de atrair e reter o talento (Echeverría, 2002,
p. 195), é construída combinando políticas de gestão das pessoas que satisfa-
çam preferências dos empregados. O sucesso recente dos chamados planos de

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 47 47 22/2/2007 09:40:33


48 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

compensação à la carte, que personalizam a retribuição combinando percep-


ções salariais e extra-salariais segundo a vontade do receptor, responde a esta
lógica. Em suma, a autonomia, a lexibilidade, a transparência, a participação,
o desejo de crescimento proissional, a percepção de poder conseguir uma alta
empregabilidade, são, nas empresas da sociedade do conhecimento, algumas
das expectativas individuais que a gestão das pessoas deve levar particular-
mente em conta.

A redefinição da função de recursos humanos

A coniguração e o papel da função de recursos humanos nas organizações


são um dos temas recorrentes na literatura especializada (Fitz-Ens, 1990, 1997;
Ulrich, 1997; Mohrman e Lawler, 1998). Nas empresas, vai se consolidando de
maneira desigual o que costuma ser chamado de trânsito da administração de
pessoal para a gestão dos recursos humanos (Beer, 1998). A primeira descre-
ve uma função indireta, de segunda ordem, concebida como um mero apoio
às atividades empresariais verdadeiramente criadoras de valor: a produção, as
inanças, as vendas. O administrador de pessoal realiza atividades necessárias
– pagar a folha e os seguros sociais, contratar, exercer o controle de presença,
organizar as férias e licenças – porém meramente aplicativas e despojadas de
substância própria. Quando muito, deve enfrentar a solução de alguns conli-
tos interpessoais ou coletivos, ou até cuidar das relações trabalhistas comuns,
mas mesmo nesse caso a inalidade é evitar os problemas que impeçam o fun-
cionamento normal da organização, não lhe cabendo incorporar ao acervo es-
tratégico grandes iniciativas e políticas de pessoal.
A superação desse estado de coisas, é preciso insistir nisso, é desigual. Em
muitas organizações encontraríamos ainda versões da função de dirigir pes-
soas que reproduzem em boa medida o modelo descrito. No entanto, há dados
reveladores de uma tendência para a potencialização da função de recursos
humanos. Entre eles, cabe citar:
a) um desenvolvimento notável do instrumental técnico produzido neste cam-
po e à disposição dos gestores. Algumas de suas manifestações concretas fo-
ram mencionadas anteriormente;
b) um incremento, exigido pelo anterior, da qualiicação proissional dos espe-
cialistas em recursos humanos. Esta evolução trouxe consigo novos requisi-
tos de multidisciplinaridade;
c) uma conexão crescente das políticas e práticas de gestão das pessoas com as
prioridades estratégicas das empresas;

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 48 48 22/2/2007 09:40:33


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 49

d) uma elevação do posicionamento interno das unidades especializadas de re-


cursos humanos na estrutura de autoridade formal das organizações.

Atualmente, e partindo dessa evolução, a literatura especializada parece


concordar na existência de um desaio aplicável à maior parte das situações
reais: o de superar uma visão dos departamentos de recursos humanos e dos
proissionais que os integram como “especialistas alheios ao negócio”, necessá-
rios para resolver problemas e enfrentar decisões, com freqüência importantes,
em âmbitos que só eles conhecem, mas afastados em boa medida do luxo prin-
cipal de ações e decisões centrais da organização. A superação dessa situação
tenderia a se produzir por meio de processos que podem ser vistos como uma
dupla aproximação, de sinal inverso mas coincidente, por meio da qual a fun-
ção de recursos humanos se aproxima do mencionado eixo central do manage-
ment da empresa e por sua vez este eixo central se desloca, aproximando-se da
função de gerenciar pessoas.
No que se refere à primeira aproximação, torna-se cada vez mais evidente
não só que as políticas de gestão do emprego e das pessoas têm de ser coerentes
com as prioridades estratégicas da organização, como também que a própria
deinição destas últimas deve se basear em análises dinâmicas da capacidade
interna, nas quais a dimensão humana é freqüentemente a variável fundamen-
tal. A deinição do caminho que deve ser seguido a cada momento precisa
levar em conta os cenários presentes e futuros de disponibilidade, quantitativa
e qualitativa, de capital humano. A presença da perspectiva de recursos huma-
nos no interior mesmo dos processos de relexão estratégica se conigura assim
como uma chave do sucesso empresarial.
Esta aproximação conduz os proissionais de recursos humanos a um grau
cada vez mais alto de vinculação ao negócio, o que implica tanto um maior co-
nhecimento como um envolvimento pessoal maior no andamento do negócio.
A expressão “sócio estratégico”, que proliferou no jargão mais recente do ramo,
traz implícita essa consideração dos especialistas em gestão das pessoas como
verdadeiros homens e mulheres de empresa, comprometidos com a conta de
resultados e plenamente integrados à tripulação que pilota o projeto coletivo.
Como airmam com eloqüência Beatty e Schneier (1998, p. 83), “devem estar no
campo, no jogo [...], não nas linhas laterais treinando [...], e menos ainda do ou-
tro lado das portas do estádio, contando o número de pessoas presentes”. Pfefer
(1998a, p. 214) encara-os como encarregados da conexão entre o pessoal e os
lucros, o que os distancia de uma prática de “atuar como policiais, reforçando
leis e políticas”, mas adverte que no futuro eles não serão meros servidores das
inanças e que contribuirão com sua própria visão das coisas.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 49 49 22/2/2007 09:40:33


50 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Quanto à segunda das aproximações citadas, podemos dizer que os diri-


gentes de linha da organização, desde o vértice estratégico até o escalão inferior
de sua cadeia hierárquica, precisam abraçar a gestão de recursos humanos, as-
sumi-la como sua. Num ritmo não espetacularmente rápido, mas sustentado,
vai aumentando a responsabilidade da cadeia de direção de linha nas decisões
sobre pessoal (Esade, 2000, p. 9 e seguintes). Um dirigente é cada vez mais
visto e valorizado como líder de uma equipe humana, o que implica que deve
assumir a responsabilidade pelos resultados cuja conquista requer gerenciar
o desempenho das pessoas sob seus cuidados. Por sua vez, isso vai exigir que
a competência e a motivação dessas pessoas sejam maximizadas, não só por
especialistas situados a distância e por meio de um repertório de instrumentos
globais e impessoais, como, principalmente, por meio de um jogo de relações
articuladas a partir da proximidade. A gestão das pessoas foi se convertendo
numa função diretiva.
Para entender totalmente as implicações desse fato, devemos levar em
conta que hoje a direção de pessoas é uma atividade não só mais importante,
mas também mais difícil do que jamais foi. A direção de pessoas deve propor-
se a maximizar o talento e o compromisso dos empregados mais qualiicados
e autônomos, cuja percepção de pertinência se tornou mais difusa, e fazê-lo
dentro de ambientes de incerteza, instabilidade, risco e reciprocidade atenua-
da, que não são nada fáceis de manejar. Esses cenários tornam a tarefa difícil
e também exigem dos dirigentes a aquisição de competências que implicam,
de um lado, o conhecimento de um instrumental básico de gestão das pessoas
e, de outro, e principalmente, o desenvolvimento de habilidades interpessoais
e sociais que não faziam parte do elenco de qualidades que tradicionalmente
eram consideradas próprias da função de dirigir.
Essa evolução, a respeito da qual existe um amplo consenso entre os espe-
cialistas, obriga a reformular o elenco organizacional da função de recursos hu-
manos nas organizações. O novo protagonismo dos dirigentes exigirá que avo-
quem uma boa parte das tarefas anteriormente assumidas pelo departamento
de recursos humanos. Ulrich (1997), baseando-se num estudo que projeta um
modelo de atribuições de recursos humanos sobre várias experiências empre-
sariais, mostrou como em quase todos os casos os supervisores diretos foram
assumindo parcelas crescentes da função de gerenciar pessoas. Essa função se
estende, como o próprio autor destaca, aos próprios empregados, que devem
ser cada vez mais considerados como “proprietários” daqueles subsistemas de
gestão que lhes incumbem diretamente, como os que afetam seu próprio de-
senvolvimento, sua carreira proissional e portanto a empregabilidade de que
falávamos antes. Além destes, outros atores foram sendo incorporados a esse

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 50 50 22/2/2007 09:40:34


A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS „ 51

elenco, como os consultores de processo, as empresas que fornecem serviços


especializados de gestão de recursos humanos em regime de outsourcing, ou as
próprias tecnologias de informação e as comunicações, que substituem hoje os
proissionais de recursos humanos naquelas tarefas mais padronizadas e repe-
titivas, do mesmo modo que ocorre em outras áreas da gestão empresarial.
Esse novo elenco da função de gerenciar pessoas levou a uma redeinição
do papel dos diretores e departamentos de recursos humanos nas organiza-
ções. Mais que gestores diretos de políticas, processos e práticas de pessoal,
eles deverão ir se convertendo em provedores de serviços especializados que
têm como destinatários os dirigentes, transformados por sua vez em “clientes
internos”. Os novos lemas com que a literatura do management tem batizado a
função de recursos humanos expressam essa dimensão de apoio (consultor in-
terno), de assessoria (assessor de investimento em capital humano) e de estímulo
à inovação (agente de mudança).
Os processos de descentralização da função de gerenciar pessoas que são
inerentes a tudo isso manifestam-se na realidade de forma muito heterogênea,
e são afetados por diversos fatores de contingência (o tamanho da organização,
sua história e cultura, a tecnologia utilizada para produzir, o ambiente etc.),
mas reletem orientações profundas de nossa época. Nesse contexto, a gestão
dos recursos humanos ganha um novo valor, já que se converte num ingre-
diente básico da função de dirigir as organizações, do alto até a base. Talvez por
isso, Bill Hewlett, um dos dois fundadores da empresa Hewlett Packard, deinia
já há muitos anos a missão de seu departamento de recursos humanos como a
de “melhorar a qualidade da direção”.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 51 51 22/2/2007 09:40:34


Fundap (Mérito e Flexibilidade) 52 52 22/2/2007 09:40:34
2. O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE
DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA

Até que ponto a situação e as tendências indicadas no capítulo anterior são


o resultado de sua aplicação às administrações públicas e, em geral, ao conjunto
das organizações do setor público? Mais adiante, no capítulo 5, buscaremos pas-
sar em revista as orientações atuais da gestão pública das pessoas nas democra-
cias do mundo desenvolvido. Podemos adiantar que boa parte das tendências
descritas estão presentes nos processos e nos discursos de mudança produzidos
no setor público. As transformações no mundo do trabalho inluem, de for-
ma inquestionável, no emprego público, ainda que em maior ou menor grau.
Os novos enfoques de gestão de recursos humanos nas empresas alimentam os
planos de modernização da gestão pública. A literatura da gestão empresarial é
cada vez mais conhecida e valorizada pelos gestores públicos. A globalização da
informação aumenta a simultaneidade e a uniformidade com que as novidades
são conhecidas e compartilhadas em contextos nacionais diferentes e distantes,
inspirando linhas de intervenção frequentemente coincidentes. A expansão das
fórmulas de colaboração público-privadas na gestão pública contemporânea
acentua essa intercomunicação. Por tudo isso, o panorama esboçado no pri-
meiro capítulo pode ser visto como um pano de fundo onde os especialistas em
gestão pública de recursos humanos reconheceriam algumas de suas aspirações,
linhas de trabalho ou, simplesmente, preocupações.
No entanto, uma aguçada consciência da diferença continua caracterizan-
do, em muitos casos, aqueles que se ocupam desses temas no âmbito público,
seja a partir da própria gestão, seja do ponto de vista da relexão acadêmica que
tem a administração como objeto. Uma parte da explicação pode ser provavel-
mente atribuída ao caráter ainda emergente que, em muitos países, caracteriza
o management público. O tratamento predominante dos grandes temas do se-
tor público nutre-se, em alguns países, de disciplinas que analisam a realidade
de pontos de vista e com instrumentos muito diferentes. Concretamente, na
Espanha, a perspectiva do direito público, predominante, confere à maior par-
te das análises que versam sobre a realidade das administrações públicas uma
dimensão formalista, que se nutre de um constructo teórico nascido precisa-
mente da airmação da diferença entre o público e o privado. Trata-se de uma
contraposição radical, no sentido mais próprio do adjetivo: pertence à raiz das
coisas e, ainda que nascida como elaboração teórica, acabou por impregnar
profundamente a cultura administrativa dominante.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 53 53 22/2/2007 09:40:34


54 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Um exemplo servirá para ilustrar o que airmamos. A metáfora gover-


nment is a business (o governo é um negócio), utilizada por Michael Barze-
lay (1995, p. 17), foi difundida nos Estados Unidos durante a presidência de
Woodrow Wilson, por aqueles que não queriam o spoils system e se opunham
ao favorecimento nas contratações, à liberalidade nos controles inanceiros ou
à debilidade dos mecanismos de prestação de contas. Pois bem, na Espanha,
para expressar tais valores, costuma-se utilizar justamente a metáfora oposta:
“o governo não é um negócio”. Como dissemos em outro lugar (Longo, 1995,
p. 7), o paradoxo, além de provocar um sorriso, conduz à relexão. Aquilo que
é empresarial, tido em princípio como sinônimo de rigor, responsabilidade,
controle e proissionalismo, parece satanizado em nosso contexto, como equi-
valente ao contrário. A concepção do que é público como um universo regido
por valores próprios, substancialmente distintos, e mesmo opostos, daqueles
que regem a atividade das organizações privadas, constitui um relexo cultural
profundamente arraigado em nossa cultura administrativa. À margem das di-
ferenças que possam existir entre os dois mundos, o que muda habitualmente
é o olhar com que contemplamos cada um deles.
Nem tudo se reduz a isso, sem dúvida. Em parte, a consciência da diferen-
ça baseia-se também na comprovação da distância realmente existente entre as
duas esferas, privada e pública, em especial na forma como em uma e na outra
interage o binômio estabilidade/mudança. Constatam-se assim fatos como a
forma diluída com que muitas tendências de mudança são interiorizadas e vi-
vidas no âmbito público, o predomínio da retórica sobre o desejo de inovação
ou a diiculdade e a lentidão com que os sistemas e as organizações públicas
evoluem. A aceleração das mudanças é uma característica das sociedades con-
temporâneas, que o mundo do trabalho humano viveu, como já vimos, com es-
pecial contundência. Ao lado do ritmo vertiginoso das transformações sociais,
o movimento das organizações públicas é, em geral, consideravelmente mais
lento e gradual. O que faz com que, em alguns aspectos, como a estabilidade
do emprego ou a rigidez na deinição das tarefas, a brecha entre o emprego pú-
blico e o privado seja hoje, pelo menos em alguns países, muito maior do que
alguns anos atrás. Como diria a rainha de copas de Alice, os sistemas públicos e
suas organizações não correram suicientemente depressa para poderem man-
ter-se no mesmo lugar.
Na consciência social, esta percepção da diferença está difundida de-
sigualmente, e pensamos que sem exceção, em todo o mundo. A visão dos
funcionários públicos como trabalhadores privilegiados e pouco produtivos
faz parte do imaginário popular de todos os países. Faz parte habitual dessa
imagem a impressão de que as regulamentações, de um lado, e a primazia da

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 54 54 22/2/2007 09:40:34


O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA „ 55

política, de outro, coniguram um mundo em que a eicácia e a eiciência das


políticas e práticas de pessoal são difíceis e estão particularmente ausentes.
A explicação mais consistente para tudo isso fundamenta-se na existência
de um marco institucional próprio do emprego público, com o que as demo-
cracias contemporâneas lhe atribuem determinadas características especíicas.
Esse marco institucional é chamado, na Espanha e em outros países da Europa
continental, “função pública”, enquanto que, no mundo anglo-saxão e, por ex-
tensão, em outras regiões, como em muitos países da América Latina, utiliza-se
a expressão “serviço civil”. Dedicaremos este capítulo a analisar em que con-
siste esse marco institucional, adotando para isso, de preferência, a expressão
função pública, mas tratando-a como sinônimo e alternativa a serviço civil.

O QUE É A FUNÇÃO PÚBLICA

Possíveis aproximações ao conceito

O primeiro problema que nosso objetivo propõe é o de precisar a que nos


referimos quando falamos de função pública. A expressão é freqüentemente uti-
lizada com signiicados diferentes. Esta circunstância obriga-nos a aludir breve-
mente às diferentes acepções do conceito, para precisar aquela que adotaremos.
Para isso, começaremos por passar em revista as principais tentativas de
encontrar base conceitual para a delimitação entre a função pública e o em-
prego que carece de tal condição e que icaria situado, portanto, fora do marco
institucional cuja natureza buscamos precisar.

O critério da natureza das normas

Uma primeira aproximação, de nítido conteúdo jurídico e sobretudo rela-


tiva à Europa continental, identiica o conceito atendendo ao caráter das regu-
lamentações que lhe servem de fundamento. Seria função pública aquela parte
do emprego público regulamentada por normas de direito público, diferentes
das leis civis ou trabalhistas que regulamentam o resto do trabalho por conta
de terceiros na sociedade. Esta é a abrangência com que se concebe na Espanha
(Palomar, 2000; Sánchez Morón, 1996) e na França (Ziller, 1993; MAP, 1997)
a função pública, regida por um estatuto próprio, distinto do que se aplica ao
emprego comum.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 55 55 22/2/2007 09:40:34


56 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Essa aproximação parece ter pouca utilidade para nossos propósitos, já que é
meramente formal. Ao não precisar os conteúdos, ela omite a dimensão, a intensi-
dade e a extensão com que tais regulamentações singulares se distanciam das civis
ou trabalhistas, razão pela qual o conceito carece de eicácia delimitadora. De fato, a
noção nos levaria a incluir na suposição tanto os modelos de emprego público que,
como no caso espanhol, se baseiam em um extenso código de regulamentações
especíicas, elaboradas sobre pautas muito distintas daquelas que regem o emprego
comum, quanto por exemplo o holandês (Van der Krogt e outros, 2000), onde a
proximidade material entre as regulamentações dos dois regimes é considerável.
De outro lado, o emprego público de natureza trabalhista, nos casos em que existe a
distinção, não deixa de estar normalmente submetido a regulamentações as quais,
como garantia de princípios constitucionais aplicáveis a todo o emprego público,
tornam sua gestão semelhante à daquele que teria caráter propriamente funciona-
rial, o que contribui para tornar ainda mais confuso o critério delimitador.

O critério da natureza da relação de emprego

Uma segunda via, próxima à anterior, leva-nos a distinguir o caráter nor-


mativo do caráter contratual da relação existente entre o empregador e o em-
pregado. Assim, caracterizaríamos a função pública como um sistema no qual
os conteúdos dessa relação estão estabelecidos legalmente, e são administrados
pelo empregador público, em boa parte, de forma unilateral. Fora dele icariam
os pressupostos, normais no mundo do trabalho, nos quais o conteúdo da re-
lação de emprego se estabelece contratualmente, mediante negociação indivi-
dual ou coletiva entre o empregador e os empregados.
A distinção perdeu, em nossos dias, boa parte da força delimitadora que
pode ter tido em seu momento. Nas últimas décadas a interpenetração dos uni-
versos jurídicos do direito administrativo e trabalhista levou a uma coniguração
consideravelmente híbrida do emprego público (Cassese, 1994, p. 206). Como
veremos mais adiante, o incremento da participação sindical e a negociação das
condições de trabalho fazem parte das tendências predominantes nos países do
mundo desenvolvido e coexistem com marcos normativos estatutários em que
os diversos elementos da relação de emprego são deinidos pelo legislador. De
outro lado, como acabamos de dizer, também o emprego público trabalhista
contém, sem prejuízo de sua substância contratual, áreas nitidamente regula-
mentadas. Na Espanha, esse caráter híbrido da relação funcionarial é uma rea-
lidade amplamente constatada, que introduziu uma considerável ambigüidade
no sistema de fontes, como mostra a jurisprudência recente.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 56 56 22/2/2007 09:40:34


O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA „ 57

O critério da natureza das funções desempenhadas

Uma terceira forma de abordar a questão leva-nos a ver a função pública


como o sistema de emprego próprio de uma parte dos empregados públicos:
aqueles que desempenham funções relacionadas com o exercício de poderes pú-
blicos, diferentemente de outros, cujas funções não lhes exigem tais faculdades.
O caso típico seria o dos Beamte alemães7, únicos aos quais se aplicam os “prin-
cípios tradicionais do serviço civil proissional” (Röber e Löler, 2000, p. 117) e
que representam, aproximadamente, 40% do emprego público na Alemanha.
A distinção é importante por várias razões. Primeiro, porque a noção de
poder público ou imperium foi historicamente relevante para construir a ar-
quitetura jurídica da administração proissional. De outro lado, na União Eu-
ropéia, o exercício de poderes públicos é o critério consagrado pelo Tribunal
Europeu do Luxemburgo como limite para a livre circulação de trabalhadores
entre as administrações dos países membros. Além disso, a partir de pontos de
vista neo-institucionalistas sobre a reforma do Estado (Prats, 1995), deiniu-se
a noção de função pública limitada ao “núcleo estratégico do Estado”, em que
o sistema de mérito opera em sua plenitude, como garantia institucional para
a governabilidade dos países, e que seria distinta do “emprego público”, noção
mais ampla, onde caberiam relações de emprego diferentes, mais próximas da-
quelas do âmbito empresarial.
No entanto, essa noção de função pública continua sendo insatisfatória
para nosso propósito. Em primeiro lugar, porque só seria aplicável, e mesmo
inteligível, naqueles países que possuem modelos duais de emprego público, o
que deixaria de fora uma parte muito signiicativa dos sistemas públicos das de-
mocracias contemporâneas. Em segundo lugar porque, mesmo nesses países, a
parte do emprego público que não está diretamente relacionada ao exercício de
poderes públicos (ou assim parece, já que é notável a imprecisão deste critério
delimitador no Estado de nossos dias)8, é qualitativa e quantitativamente muito
importante. Por último, porque quando se analisa o conteúdo real das normas,

7
NT: Beamte = servidor público.
8
Em alguns países, como é o caso da Espanha, funções que incorporam evidentes cono-
tações de imperium (por exemplo, a inspeção técnica de veículos, ou a de elevadores, ou
determinados serviços de segurança de equipamentos públicos) são desempenhadas não
por empregados públicos em regime trabalhista e sim por trabalhadores de empresas pri-
vadas contratadas ou habilitadas para tanto. Paralelamente, serviços públicos de natureza
nitidamente proissionais, como saúde e educação, são prestados por empregados deten-
tores da condição, estatutariamente atribuída, de funcionários públicos.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 57 57 22/2/2007 09:40:34


58 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

estruturas e políticas, o alcance da distinção é, frequentemente, mais formal do


que substantivo.

O critério do nível de governo

Uma quarta e última aproximação do conceito identiica-o com o sistema


aplicado aos empregados do governo ou administração central, isto é, excluí-
dos os outros níveis de governo: o local e, nos estados federais ou compostos, o
dos estados, regiões ou comunidades intermediárias. Esta noção é exclusiva de
um país: o Reino Unido (Ziller, 1993; Horton, 2000) assim como daqueles que
reproduziram mimeticamente suas instituições. Trata-se precisamente daquele
país em que nasceu e foi cunhada a expressão civil service, a partir do qual se
desenvolveu uma das tradições mais vigorosas e inluentes de respeito à coni-
guração do emprego público, o que faz com que esse critério delimitador deva
ser levado em conta.
Apesar disso, também não podemos reter essa acepção e adotá-la, pois o
âmbito de nossa relexão integra todo o emprego público, incluindo, portanto,
deliberadamente, os diferentes níveis de governo e administração.

A noção adotada

Acreditamos que nosso propósito exige que partamos de uma noção de


função pública que se estenda à totalidade do emprego público, o que não
ocorre em nenhuma das acepções analisadas. Por outro lado, nem todo tipo
de emprego público é função pública; apenas o é quando o emprego ocorre em
determinados contextos institucionais: os que tornam possível a existência e a
proteção de uma administração proissional. Consideraremos que esta existe
quando as instituições públicas dispõem de uma série de atributos que lhes
permitam dispor de pessoal com as aptidões, atitudes e valores requeridos para
o desempenho eiciente e eicaz de suas atividades. Entre outras coisas, isso
signiica poder garantir ao público o proissionalismo e a objetividade dos ser-
vidores públicos e uma conduta que respeite a institucionalidade democrática;
também obriga a respeitar em sua gestão os princípios de igualdade, mérito e
capacidade (Oszlak, 2003, p. 213).
Portanto, o propósito de tornar viável e defender a existência de uma ad-
ministração proissional é aquilo que está subjacente às articulações institu-
cionais que caracterizam a função pública e lhe outorga a especiicidade que a

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 58 58 22/2/2007 09:40:34


O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA „ 59

diferencia do emprego comum. Dado que este propósito não se impõe espon-
taneamente, é necessário um conjunto de regras do jogo, formais e informais,
para garanti-lo. Será a eicácia prática dessas regras que determinará a existên-
cia efetiva de um regime de função pública. Só nos contextos institucionais,
nacionais ou sub-nacionais, naqueles em que essa efetividade seja veriicável,
estaremos diante de modelos de gestão do emprego público a que possamos
atribuir a natureza de função pública.
Propomos, portanto, uma noção de função pública que a deine como o
sistema de articulação do emprego público mediante o qual determinados países
asseguram, com enfoques, sistemas e instrumentos diversos, certos elementos bá-
sicos para a existência de administrações públicas proissionais.

Os elementos básicos desta noção são os seguintes.


■ Entendemos por administração proissional uma administração pública di-
rigida e controlada pela política, conforme os princípios democráticos, mas
não patrimonializada pela política, o que exige a preservação de uma esfera
de independência e imparcialidade em seu funcionamento, por razões de
interesse público. Os partidos políticos dirigem a partir do governo a ad-
ministração, mas não a possuem nem a conformam como bem lhes apraz,
como ocorre nos sistemas de saque político. A noção de função pública im-
plica, neste sentido, a existência de um instrumental de proteção do empre-
go público frente a práticas de apadrinhamento, de clientelismo político ou
de tentativas de apropriação por interesses particulares.
■ A existência e preservação de uma administração proissional exigirão de-
terminadas regulamentações especíicas do emprego público, mas a noção
de função pública que propomos transcende a dimensão jurídica em um
duplo sentido:
1. a mera existência das normas pode não ser suiciente para garantir uma
articulação efetiva das garantias que tornam possível uma administração
proissional. Essa articulação real é a única que, para nós, permite falar de
função pública;
2. o grau de intensidade no uso das regulamentações pode variar notavel-
mente, dependendo dos diferentes contextos institucionais. Em alguns ca-
sos – entre os quais a Suécia, como veremos, é o exemplo mais marcante
– as garantias de funcionamento da função pública não são predominan-
temente jurídicas.
■ Os sistemas de função pública podem incluir um ou mais tipos de relação de
emprego. A uniformidade ou diversidade das estruturas e políticas de gestão
do emprego público expressam apenas a existência de diferentes modelos

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 59 59 22/2/2007 09:40:35


60 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

nacionais ou sub-nacionais de função pública, e não têm porque afetar a


essência do modelo, sempre que estejam presentes os outros elementos que
o constituem.
■ A noção de função pública que utilizamos engloba pressupostos em que
o grau de singularidade de suas regulamentações próprias com relação ao
marco jurídico regulamentador do trabalho comum por conta de terceiros
pode ser muito diverso, indo desde uma considerável distância até a virtual
identiicação9.

Origem histórica e razão de ser da função pública


no estado democrático de direito

Os sistemas contemporâneos de função pública têm sua origem na ins-


tauração dos regimes constitucionais na Europa e na América, a partir do im
do século XVIII. O funcionário público (Sánchez Morón, 1996, p. 25) deixou
de ser um servidor pessoal da coroa para transformar-se em funcionário do
Estado, entidade impessoal regida pelas leis. Por outro lado, a supressão dos
privilégios estamentais e a proclamação do princípio da igualdade perante a lei
permitiram, pelo menos em teoria, que qualquer cidadão pudesse ter acesso a
cargos públicos. Neste sentido, o célebre artigo 6 da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, proclamou esta igualdade dos
cidadãos para serem admitidos a “todo tipo de dignidades, cargos e empregos
públicos, segundo sua capacidade e sem outra distinção senão a de suas quali-
dades e seus talentos”. A fórmula histórica combina os dois pilares em que iria
se fundamentar a identidade da função pública: a igualdade e o mérito.
De fato, em outros países, (Ziller, 1993, p. 381; Palomar, 2000, p. 117 e
seguintes), tem prioridade o princípio de recrutamento por mérito. O primeiro
deles foi, no princípio do século XVIII, a Prússia, onde Frederico Guilherme o
impôs, mediante uma ordenança de 1713. O sistema de mérito generalizou-se
no Reino Unido ao longo do século XIX. Em 1853, Northcote e Trevelian, co-

9
Esta noção de função pública foi adotada pela Carta Ibero-Americana da Função Pública,
aprovada pela V Conferência Ibero-Americana de Ministros de Administração Pública
e Reforma do Estado, celebrada em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), em junho de 2003.
O anteprojeto da Carta foi elaborado pelo autor deste livro, a pedido das Nações Unidas,
e do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD). O
texto da Carta Ibero-Americana da Função Pública está acessível ao público no site do
CLAD: www.clad.org.ve

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 60 60 22/2/2007 09:40:35


O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA „ 61

missionados por Gladstone para realizar uma pesquisa sobre a função pública
inglesa, manifestaram-se a favor da implantação de um sistema de concurso,
aberto a todos, para o recrutamento dos servidores públicos, transferindo para
a metrópole o sistema que já era aplicado naquele mesmo ano ao recrutamen-
to para o serviço na Índia. Uma Order in Council, de 21 de maio de 1855,
é a verdadeira certidão de nascimento do serviço civil. Criava a Civil Service
Commission e nomeava três comissionados, encarregados de examinar todos
os candidatos, a im de avaliar sua idoneidade para o cargo.
A origem da função pública moderna foi relacionada (Becke e outros,
1996) ao acontecimento histórico de cinco fenômenos: 1) a separação entre
o público e o privado; 2) a separação entre o político e o administrativo; 3) o
desenvolvimento da responsabilidade individual; 4) a segurança no emprego,
e 5) a seleção por mérito e igualdade. A concretização destes princípios na
legislação de cada país (Sánchez Morón, 1996) foi um processo longo e desi-
gual, intimamente ligado à evolução social e às concepções políticas e culturais
dominantes.
A Espanha foi o primeiro país a adotar um estatuto geral da função públi-
ca, em 1852. A Itália, depois do precedente de uma lei de 1853, que estabelecia
uma carreira administrativa, elaborou seu primeiro Texto Único, em 1908. A
Holanda fez o mesmo em 1929 e a Bélgica em 1937, bastante inluenciada pelo
modelo britânico. Na França, embora parte de seu modelo – em particular o
sistema de corpos – tenha se delineado na era napoleônica, o primeiro estatuto
não foi promulgado antes de 1941, sob o regime de Vichy. Nos Estados Unidos,
o Pendleton Act, de 1883, supôs a abolição do sistema de despojos ou de saque
político e deu origem ao serviço civil. Embora alguns presidentes, e especial-
mente Roosevelt, que izera parte da Comissão do Serviço Civil, tenham po-
tenciado o sistema de mérito, o marco normativo permaneceu imutável até o
Civil Service Reform Act, de 1978, no mandato do presidente Carter, que deine
o modelo atual.

Por que e para que nasce a função pública

Qual é a razão de ser da função pública no Estado contemporâneo? A


que propósito substantivo obedece a necessidade de um marco institucional
próprio do emprego público, relacionado, como dissemos, à proteção de uma
administração proissional?
Para Prats (1995, p. 26 e seguintes), ela surge como uma criação evoluída
do constitucionalismo moderno, estreitamente associada à ordem liberal do

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 61 61 22/2/2007 09:40:35


62 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

mercado, já que se trata de uma instituição-chave do valor econômico e social


fundamental que é a segurança jurídica, razão pela qual “é um dado que pode
ser observado em todas as economias de mercado bem-sucedidas, e em ne-
nhuma das economias planejadas ou de substituição de importações, indepen-
dentemente da natureza autoritária ou democrática de umas ou outras”.
Na mesma linha de pensamento, Evans e Rauch (1999) acrescentam, ba-
seando-se em um ambicioso projeto de pesquisa, que a substituição de um
sistema de apadrinhamento por uma burocracia pública proissional é uma
condição, não suiciente, mas necessária, para o desenvolvimento dos países.
Esta burocracia “weberiana” exigiria (Rauch e Evans, 2000) a ocorrência de três
características institucionais-chave: a) recrutamento por mérito, mediante pro-
vas competitivas; b) procedimentos especíicos – não políticos – para contratar
e demitir, e c) carreira proissional baseada na promoção interna.
Trata-se de condições de certo modo próximas a outras que puseram ên-
fase no proissionalismo do emprego público como variável mais importante
para a redução da corrupção. Etzioni-Halevy, citado por Villoria (2000, p. 144),
explica a corrupção sobretudo em função das relações entre as elites política e
burocrática e a cultura política que as governa. Onde as regras do jogo separam
a burocracia da elite política, conferindo-lhe um poder que lhe permite neu-
tralidade política, a corrupção declina e os processos democráticos são mais
puros.
Esses argumentos tenderam a pôr ênfase, com indiscutível solidez, em
um dos elementos fundamentais da função pública como instituição criadora
de valor: a segurança jurídica. No entanto, a realidade do Estado e das socieda-
des contemporâneas obriga-nos a complementar esta perspectiva com outra:
aquela que parte das exigências de eicácia da própria ação de governo (Parejo,
2000). Embora a segurança jurídica esteja na base das exigências de imparciali-
dade e de transparência no comportamento dos servidores públicos (a igualda-
de no acesso e a concorrência aberta são, nesse sentido, elementos essenciais), a
eicácia do governo e da administração é o bem jurídico protegido – em alguns
países, como a Espanha, pela própria constituição – pelos requisitos de prois-
sionalismo e capacidade, características de um sistema de mérito.
Não nos parece fácil transferir esse enfoque para um sistema que faça
distinção entre parcelas da institucionalidade pública, considerando que o pri-
meiro tipo de valor pode ser atribuído à parte da administração que exerce
poderes e o segundo aos setores que produzem, que são provedores de serviços
públicos (o que estaria na base dos modelos duais já mencionados). De um
lado, porque a eicácia deve ser um valor central da ação pública em qualquer
circunstância (por acaso não é crucial para as sociedades contemporâneas a

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 62 62 22/2/2007 09:40:35


O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA „ 63

eicácia do regulador?). De outro, porque as exigências de eqüidade e de neu-


tralidade no comportamento dos empregados públicos são também impres-
cindíveis nos processos de provimento dos serviços públicos como educação,
saúde ou assistência social.
Segurança jurídica e eicácia da administração são, portanto, os princí-
pios que estão na base dos sistemas de função pública, enquanto instituições
criadoras de valor no estado democrático de direito. Para torná-los eicientes,
os países que perseguiram sua materialização e proteção se obrigaram a efe-
tuar um conjunto de articulações institucionais cujo objetivo é garantir que o
comportamento dos empregados públicos obedeça a certos padrões. Se, para
enunciá-los tomarmos como referência o civil service britânico, encontrare-
mos (Cabinet Oice, 1993) os seguintes quatro princípios básicos fundacio-
nais: 1) acesso aberto e transparente; 2) promoção por mérito; 3) integridade,
objetividade e imparcialidade, e 4) não politização. O desaio de nossos dias
é, precisamente (World Bank, 2000), conseguir uma base irme para que esses
princípios sejam traduzidos em prática, mas sem rigidez excessiva. Mais adian-
te voltaremos ao assunto.

MODELOS DE FUNÇÃO PÚBLICA

Essas articulações institucionais, que pretendem garantir na função pú-


blica os princípios básicos que destacamos, não são as mesmas em todos os
países que estamos analisando. Pelo contrário, a unidade do objetivo contrasta
aqui com a considerável diversidade dos caminhos escolhidos para alcançá-lo.
Por isso, parece imprescindível referir-nos, ainda que sucintamente, a essas di-
ferenças, buscando na medida do possível sistematizá-las e ordená-las.

A função pública e o contexto institucional

Nosso propósito é mais descrever as diferenças do que analisá-las; no en-


tanto, parece inevitável começar por questionar sua origem. A função pública
não é senão uma parte da institucionalidade dos sistemas político-administra-
tivos. Parece lógico pensar que as diferenças entre modelos de função pública
ou serviço civil devam ser coerentes com as que cabem, mais globalmente, a
esses sistemas em seu conjunto. Pollitt e Bouckaert (2000, p. 52 e seguintes)
aplicam, entre outros, à sua análise dos regimes político-administrativos, o
critério da cultura administrativa dominante, cujo desenvolvimento descreve

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 63 63 22/2/2007 09:40:35


64 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

dois modelos culturais genéricos, que podem lançar alguma luz sobre a ques-
tão que estamos nos propondo.
Chamam o primeiro desses modelos de “perspectiva do Rechtstaat”10,
onde a principal força integradora da sociedade é o Estado, cujas preocupações
básicas são a elaboração das leis e o uso da coerção necessária para aplicá-las.
Os valores típicos deste modelo cultural são a segurança jurídica, o respeito ao
precedente e a preocupação com a eqüidade, pelo menos no sentido de igual-
dade diante da lei. O segundo modelo, denominado de “interesse público”, atri-
bui ao Estado – ou melhor, ao governo – um papel muito menos signiicativo:
seus poderes em nenhum caso devem ir além do necessário. Aqui a lei está
mais subjacente do que em primeiro plano. O processo de governar baseia-se
na busca do consenso – ou, pelo menos, do assentimento – para a adoção de
iniciativas de interesse geral. Aceita-se que existam diferentes grupos sociais
cujos interesses competem entre si e se preconiza para o governo um papel de
árbitro, mais do que de tomada de partido. A imparcialidade, a transparência,
a lexibilidade, o pragmatismo e a harmonização de interesses são valores que
precedem a capacidade técnica e mesmo a legalidade estrita.
No primeiro destes modelos, os funcionários tendem a ser vistos como
investidos de poderes, razão pela qual o direito é o eixo central de seus pro-
cessos de capacitação. Alemanha, França e Espanha seriam, entre outros, os
países em que essa cultura predomina nitidamente. Na segunda perspectiva, os
servidores públicos são vistos como simples cidadãos que trabalham para or-
ganizações governamentais, e não como uma classe ou casta especial, investida
da elevada missão de representar o Estado. Sua formação técnica tende a ser
multidisciplinar. Os países anglo-saxões estariam neste âmbito cultural. Ou-
tros, como a Holanda ou a Suécia, teriam evoluído de um modelo basicamente
legalista para marcos culturais mais próximos aos do segundo tipo, razão pela
qual dispõem de uma consistente dimensão consensual no que diz respeito aos
processos de elaboração das políticas públicas, mantendo ao mesmo tempo um
forte senso de centralidade do Estado.
Um outro estudo comparado, recente, limitado à análise das tradições
administrativas do Reino Unido e da Alemanha, Knill (2001, p. 59 e seguintes)
chega também a conclusões sensivelmente parecidas com as que foram descri-
tas para cada um dos modelos citados.
Embora tais modelos culturais genéricos sejam de indubitável utilidade
quando se trata de explicar e demarcar as estruturas e políticas dos sistemas

10
NT: Rechstaat (alemão): estado de direito.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 64 64 22/2/2007 09:40:35


O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA „ 65

nacionais de função pública ou de serviço civil, acreditamos que seu peso não
deve ser exagerado. Com freqüência, características próprias de cada um dos
contextos internos dispõem de maior força explicativa para analisar as distin-
tas peculiaridades nacionais. Vamos nos referir, neste sentido, aos casos da Ho-
landa, do Japão e da Suécia.
Na Holanda, constitui uma peculiaridade marcante (Van der Krogt e ou-
tros, 2000, p. 190) o fato de que, há muitos anos, os principais serviços sociais,
como educação, saúde e assistência social, vêm sendo prestados aos cidadãos
por organizações sem ins lucrativos, regulamentadas e inanciadas pelo gover-
no central ou pelos governos locais. De fato, a relação entre estas organizações
não lucrativas e os poderes públicos era tão intensa que as regulamentações de
pessoal, incluindo salários e pensões, chegavam a ser praticamente as mesmas
que as dos funcionários públicos. Como é lógico, dada essa situação inicial,
as privatizações da década de 1980 afetaram o sistema público holandês em
menor escala que em outros países. Por outro lado, a descentralização da ges-
tão de recursos humanos que, como veremos, caracteriza a maior parte das
reformas da função pública, teve na Holanda um sentido peculiar. Mais do que
criar novas organizações às quais transferir autonomia e recursos, ela consistiu
em modiicar as regras da relação entre o Estado e o setor não lucrativo, que
deixou de se reger por subvenções para fazê-lo por contratos de serviço. Neste
contexto, uma das conseqüências foi o relaxamento das regulamentações de
pessoal e a tendência à diferenciação entre as diversas organizações prestado-
ras de serviços.
Quanto ao Japão, seria difícil (Ikari, 1995, p. 81) entender seu modelo
de emprego público sem considerar as práticas de gestão de recursos huma-
nos no setor privado, peculiares e diferentes das que caracterizam a maior
parte dos países do resto do mundo. A interpenetração dos dois setores evi-
dencia-se na existência das mesmas características dominantes: contratação
vitalícia, ausência de recrutamento exterior no meio da carreira, promoção
interna, mobilidade freqüente, antiguidade, formação no posto de trabalho,
uniformidade das condições de trabalho e inexistência de sistemas de nego-
ciação coletiva.
A Suécia é um caso especial. Os funcionários públicos suecos estão su-
jeitos à legislação trabalhista comum. Uma lei especial (Murray, 2000, p. 171
e seguintes) limita-se a acrescentar algumas regulamentações especíicas em
matéria de excedentes, regime disciplinar e poucas outras. Cada empregado é
contratado por uma organização especíica (ministério, agência, governo lo-
cal), e só estabelece relação de trabalho com ela. Não existe nenhum tipo de
concurso ou exame estabelecido para esse processo de recrutamento. Se uma

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 65 65 22/2/2007 09:40:35


66 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

agência fecha, seus empregados perdem o posto de trabalho. Tendo em vista


tudo isso, parece, à primeira vista, duvidoso que na Suécia ocorram os elemen-
tos e as garantias necessários à existência de um sistema de função pública tal
como aquele a que nos referimos no item anterior.
O caso sueco é o mais representativo de um enfoque diferente e alternati-
vo no que diz respeito à construção do marco institucional preciso para garan-
tir e salvaguardar o sistema de mérito. Nos enfoques tradicionais, amplamente
dominantes, o alicerce do referido marco é a legalidade. Criando um conjunto
de garantias jurídicas, de um lado, e de restrições ao poder discricionário dos
tomadores de decisões, de outro, a norma propõe-se a modular o comporta-
mento dos diversos atores. Até a década de 1960, este era também o sistema
na Suécia, desde quando, há mais de três séculos, Gustavo Adolfo II garantiu
a estabilidade dos servidores do governo central. A partir de 1965, no entanto,
as regras do jogo mudaram drasticamente. Paralelamente ao reconhecimento
do direito de greve dos funcionários públicos, uma reforma total da função
pública criou a nova institucionalidade a que correspondem as características
descritas no parágrafo anterior.
Para o governo sueco, o objetivo de preservar uma administração prois-
sional se mantém. O que muda é o instrumental que a garante. O novo marco
institucional apóia mais no projeto de organização – e no conjunto de incen-
tivos articulados por ele – do que na legalidade a missão de estruturar sua
função pública e de preservar, portanto, a existência de uma administração
proissional. A implantação social e institucional do modelo de agências, na
Suécia, é o ponto de partida. Nele irão se introduzindo medidas destinadas a
conseguir que um formato tão descentralizado não implique em perda de inte-
gridade e controle. Não é o momento de descrever em detalhes essa arquitetura
institucional, que combina elementos de contratação, atribuição de recursos,
prêmio/sanção, capacitação, socialização, introdução de forças de mercado e
controle dos gestores por outros atores sociais.

Como identificar modelos de função pública

De tudo que foi dito depreende-se a diiculdade que implica reduzir a


diversidade dos sistemas de função pública nos diferentes países em que exis-
tem uns poucos modelos deinidos com precisão. De fato, além dos arquétipos
genéricos, que manteriam a descrição num nível excessivo de abstração, os
sistemas nacionais de função pública combinam as articulações institucionais
que os caracterizam de forma peculiar, fruto sem dúvida de suas respectivas

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 66 66 22/2/2007 09:40:35


O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA „ 67

histórias, tradições próprias e outros elementos que os singularizam. As seme-


lhanças entre dois países, quanto a um elemento concreto, convertem-se em
diferenças em outro, o que, por sua vez, daria lugar a novos alinhamentos e
comparações.
Apesar de tudo, a conveniência de sistematizar a descrição leva-nos a apre-
sentar essa realidade consideravelmente heterogênea, identiicando e agrupan-
do os modelos nacionais em torno de quatro cortes transversais, que coincidem
com os elementos centrais básicos de um marco institucional de função pública
ou serviço civil. Eles são os seguintes:
a) os sistemas e instrumentos de acesso, isto é, o conjunto de mecanismos esta-
belecidos para o recrutamento e a seleção dos funcionários públicos;
b) a organização da carreira proissional, que parte da distinção básica entre
sistemas de carreira e de emprego;
c) o conjunto de direitos e de deveres estabelecidos para os funcionários públicos;
d) a administração do sistema, que se refere fundamentalmente ao grau de cen-
tralização ou de descentralização com que o sistema funciona.

Os sistemas de acesso: modelos francês, alemão e britânico

Todos os países que dispõem de sistemas de gestão do emprego público


que possamos caracterizar, de acordo com a noção adotada, como de função
pública, compartilham um mínimo de formalização que distingue o acesso ao
emprego público do sistema do setor privado (Siedentopf, 1990; Ziller, 1993;
Klingner e Nalbandian, 1994; Férez, 1995; MAP, 1997; OCDE, 1999a). Pois
bem, naquilo que ultrapassa esse mínimo, são notáveis as diferenças quanto
ao grau de formalização. Uma das exigências foi deinida (Ziller, 1993, p. 392)
como o “mínimo comum” dos sistemas europeus da função pública (podemos
estendê-la ao resto dos países do âmbito examinado). Trata-se da obrigação de
tornar públicos os cargos vagos.
A partir de um edital público, alguns países, como a Suécia – cujo caso
já mencionamos – a Holanda ou a Dinamarca (todos eles podem ser incluídos
no que mais adiante descreveremos como sistemas de emprego) dão ao res-
ponsável pelo órgão, agência ou unidade recrutadora uma ampla margem de
liberdade para selecionar.
Outros países e, em especial aqueles possuidores de sistemas de carreira,
incorporam mecanismos adicionais para assegurar a preservação dos princí-
pios de igualdade e mérito. O instrumental difere em cada país, mas pode ser
agrupado, para simpliicar a descrição, em três grandes modelos, cujos padrões

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 67 67 22/2/2007 09:40:36


68 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

básicos costumam ser identiicados com os sistemas da França, da Alemanha


e do Reino Unido.

O modelo francês

A administração francesa faz do concurso o eixo dos procedimentos de


recrutamento e seleção. A noção de concurso, na França, exige a existência de
pelo menos quatro requisitos (Ziller, 1993, p. 398): a) um número de cargos
vagos (no concurso típico o número costuma ser alto), determinados com pre-
cisão; b) uma banca julgadora independente do poder político, dos candidatos
e dos dirigentes das unidades em que existem vagas; c) uma classiicação dos
candidatos admitidos por ordem de mérito (normalmente feita depois da rea-
lização de um exame sobre matérias de um programa previamente conhecido
e composto, pelo menos em parte, por provas escritas anônimas), e d) a obri-
gação da autoridade respeitar a classiicação resultante.
O recrutamento por concurso é a norma, em diferentes modalidades
(MAP, 1997), na Bélgica, na Espanha (onde é preferencialmente chamado de
“oposição”), na Itália (onde continua depois da reforma “privatizante” de 1993)
e no Japão, assim como, ainda que dentro de outro modelo de garantias, no
Reino Unido.
Outro traço próprio do modelo francês de recrutamento é o papel que
nele é atribuído às escolas de funcionários. De fato, o que normalmente a ad-
ministração central francesa recruta não são diretamente funcionários, mas
alunos de uma escola especializada, em que serão formados os futuros funcio-
nários. Esta é uma característica própria (muito ligada ao sistema de corpos a
que nos referiremos adiante) que teve difusão muito menor do que o concurso.
Entre os países analisados, só a Espanha e ainda assim, muito limitadamente,
tem usado essa modalidade.

O modelo alemão

Na Alemanha, o acesso à condição de funcionário baseia-se num siste-


ma muito formalizado de seleção por etapas, que combina teoria e prática. No
serviço superior, uma primeira seleção (exame de Estado), posterior à gradua-
ção universitária, dá lugar a um serviço preparatório, de dois anos de duração,
que combina a formação teórica com estágios práticos de trabalho, diferen-
tes segundo a especialidade. Esse serviço culmina com um segundo exame de

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 68 68 22/2/2007 09:40:36


O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA „ 69

Estado, a cargo de uma banca independente, cuja aprovação habilita o candi-


dato para o desempenho de função pública; nessa função ele ica em condição
probatória por três anos, sem estabilidade. Esta é alcançada depois de um pro-
nunciamento favorável dos titulares dos órgãos em que o serviço foi prestado.
Nos outros três níveis de serviço, abaixo do superior, as regras básicas são as
mesmas, embora o primeiro exame seja substituído pela certiicação escolar e
alguns prazos sejam reduzidos.
O recrutamento propriamente dito ica a cargo dos responsáveis minis-
teriais e dos Länder, que escolhem os mais adequados dentre os funcionários
habilitados que tenham se candidatado. A participação dos representantes do
pessoal nessa seleção é um fator que limita signiicativamente a possibilidade
de escolha discricionária por parte dos dirigentes.
Trata-se de um modelo original de recrutamento e seleção que não se
difundiu por outros países, com a única exceção do Luxemburgo, que o adotou
parcialmente para a seleção de seus funcionários graduados. A crítica de que o
modelo tem servido para a manutenção do monopólio dos juristas na função
pública (Ziller, 1993, p. 395) é uma das mais freqüentemente citadas.

O modelo britânico

O sistema do Reino Unido caracteriza-se por encarregar o recrutamen-


to a um órgão central independente, não submetido às pressões dos eleitores.
Trata-se da Comissão do Serviço Civil, criada, como vimos, em meados do
século XIX, e formada por três comissionados (commissioners), nomeados pelo
governo para recrutar e selecionar os empregados necessários aos ministérios,
fazendo que compitam em concurso aberto. A tradição britânica de funcio-
nários generalistas, diferentemente do que ocorre no modelo francês, leva a
concursos muito abertos, centrados em entrevistas destinadas a avaliar as qua-
lidades e a personalidade dos candidatos, sem privilegiar nenhuma formação
universitária especíica, o que também diferencia o sistema, nitidamente, da
seleção no modelo alemão. A administração ica cerceada pelas escolhas da
Comissão, não podendo nomear senão candidatos que disponham da certii-
cação que ela fornece.
Além do Reino Unido, a Irlanda, o Canadá, os Estados Unidos e o Japão
empregam uma comissão independente para proteger o sistema de mérito. Tam-
bém a Bélgica inspirou-se diretamente no modelo britânico ao criar, em 1937,
uma secretaria permanente para o recrutamento. Na Alemanha, um sistema si-
milar existe para selecionar os candidatos que, em certos casos, postulam direta-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 69 69 22/2/2007 09:40:36


70 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

mente um emprego, sem pertencer à carreira de funcionário, não tendo passado


pela seleção prévia antes descrita. As principais críticas ao sistema da comissão
independente assinalam (World Bank, 2000) os riscos de distanciamento entre
os critérios da comissão e os dos gestores de linha, condenando, nas palavras de
Ziller (1993, p. 396) um excesso de independência da comissão.
Resumindo, poder-se-ia dizer que os três modelos descritos pretendem
garantir a igualdade e o mérito nos sistemas de função pública ou serviço civil
mediante um instrumental de garantias que apresenta alguns elementos co-
muns e outros especíicos, mas que certamente enfatizam elementos diferentes.
Os países que adotam o modelo francês acentuam o papel dos instrumentos de
seleção, criando sistemas de garantias fundamentalmente formais. O modelo
alemão, também muito formalizado, busca assegurar a capacitação teórico-
prática ao longo de um processo prolongado. O modelo britânico, mais lexível
nos instrumentos, insiste, sobretudo, no proissionalismo e na independência
dos órgãos de seleção.

A organização da carreira: sistemas de emprego e de carreira

A carreira é um elemento freqüentemente utilizado para distinguir siste-


mas de função pública. Esse elemento permite distinguir (Ziller, 1993; Férez,
1995; Sánchez Morón, 1996; Palomar, 2000; World Bank, 2000) os sistemas de
emprego (position based) dos sistemas de carreira propriamente ditos.

Os sistemas de emprego

Estão organizados a partir das necessidades de pessoal, a curto prazo, da


administração. O recrutamento é realizado para um emprego ou cargo e não
para integrar um agrupamento proissional mais amplo que habilite o candida-
to para ocupar certos cargos. É, normalmente um sistema aberto, em que qual-
quer cargo pode ser ocupado por candidatos externos à administração, embo-
ra, em certos casos, possa haver condições distintas para candidatos internos
e externos. A Suécia, os países nórdicos da Europa e a Holanda têm sistemas
de emprego. Também é este o sistema que se aplica em muitos países euro-
peus ao emprego contratual, cobrindo funções (técnicas, braçais, subsidiárias
ou temporárias) ou setores (o governo local no Reino Unido; a função pública
territorial francesa) não afetados pela reserva funcionarial. A amplitude dessa
parte do emprego público em certos países permite que se fale (Ziller, 1993,

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 70 70 22/2/2007 09:40:36


O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA „ 71

p. 412) de sistemas mistos, quando é preciso se referir à Alemanha e à Bélgica,


além dos casos citados. Com semelhante fundamento, a Espanha poderia ter
sido incluída nesse grupo.

Os sistemas de carreira

Esses modelos baseiam-se numa estrutura hierarquizada dos cargos pú-


blicos. Nela os funcionários, recrutados para um determinado nível de empre-
go, podem, com o tempo, percorrer uma trajetória ascendente passando por
uma série de níveis, até chegar ao nível máximo que lhes compete. Os planos
de carreira pressupõem, portanto, que existam certos postos considerados de
acesso, reservados para recrutamento externo, e que o resto dos postos corres-
pondentes a níveis superiores sejam preenchidos mediante promoção interna.
Em todo plano de carreira existe, pois, um determinado número de di-
visões horizontais (categorias, escalas, graus, classes, grupos ou outras deno-
minações) que reletem a hierarquização dos empregos e cujos limites são, de
um lado, os pontos ou escalas em que se realiza o recrutamento externo e, de
outro, os que marcam o nível máximo a que pode chegar a promoção interna.
O normal é que essa hierarquização leve em conta o nível formal (reconhecido
por um título ou diploma) dos conhecimentos especializados exigidos para o
acesso. Fundamentalmente, e sem prejuízo dos pressupostos mistos já men-
cionados, os sistemas de carreira e os sistemas de função pública ou serviço
civil da França, Reino Unido, EUA, Japão, Alemanha, Bélgica e Espanha, entre
outros, são sistemas de carreira.
Em certas ocasiões, junto com a citada estratiicação horizontal, os planos
de carreira incluem divisões verticais. Em certos casos, respondem ao dese-
jo de limitar a mobilidade entre setores ou organizações do sistema público,
como ocorre na Alemanha, para preservar o princípio constitucional de auto-
nomia ministerial em matéria de gestão de pessoal. Em outros casos, trata-se
de mecanismos de organização da carreira, como ocorre no sistema corporati-
vo, nascido na França e adotado também, com certos matizes, na administra-
ção central espanhola. Em síntese, uma corporação é um grupo proissional
que reúne um conjunto de funcionários recrutados especiicamente para si e
chamados a exercer um determinado número de empregos, próprios de sua
área de qualiicação. É no quadro da corporação que estes funcionários desen-
volvem sua carreira. Os estatutos particulares das corporações complementam
o estatuto geral da função pública. Na administração francesa existem cerca de
mil corporações de funcionários.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 71 71 22/2/2007 09:40:36


72 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Como síntese, pode-se airmar que a distinção fundamental entre os dois


sistemas de função pública apresentados consiste em sua relação com o merca-
do de trabalho. No primeiro caso, as necessidades quantitativas e qualitativas
de pessoal são basicamente satisfeitas mediante ajuste externo, isto é, recorren-
do ao mercado. No segundo, mediante o recrutamento para os postos deini-
dos como de acesso. A criação de um ou mais mercados de trabalho internos
(Hondeghem e Steen, 2000, p. 65) fará com que os gestores de pessoal operem
preferentemente neles para atender o restante de suas necessidades.

Os direitos e os deveres

Em todos os sistemas de função pública examinados (MAP, 1997; Zil-


ler, 1993), o direito ao cargo ou estabilidade (tenure) protege, em maior ou
menor grau, o funcionário público da demissão arbitrária, como mecanismo
de garantia para a manutenção de um comportamento independente e prois-
sional. Em todos eles, também, está contemplada a possibilidade da demissão
por razões disciplinares. A distinção fundamental, nesta matéria, está entre os
sistemas que normatizaram a extinção da relação de emprego por causas or-
ganizacionais ou econômicas, e os que não o izeram desse modo. Voltaremos
a esse ponto mais adiante, já que incidem às vezes sobre essa questão extrema
os processos de reforma. Seja como for, os analistas concordam em que tanto a
cultura tradicional das organizações, quanto o peso das organizações sindicais
em seu interior, sempre dotam o emprego público de uma estabilidade consi-
deravelmente superior à do emprego privado.
Os sistemas de função pública coincidem ao exigir dos funcionários pú-
blicos um dever de lealdade à nação e a suas instituições básicas, assim como
o dever de reserva com relação a assuntos a que tenham acesso em função do
cargo. Regulamentam, também, em geral, as incompatibilidades dos servidores
públicos com a realização de outros trabalhos ou o desempenho de atividades
políticas, embora aqui a dispersão dos regulamentos nacionais quanto ao grau
de liberalidade seja muito grande, não sendo possível vislumbrar nenhum pa-
drão que permita sistematizá-la.
Quanto aos direitos coletivos, o reconhecimento do direito de greve dos
funcionários públicos divide os sistemas de função pública. É expressamente
proibido na Bélgica e na Alemanha e plenamente reconhecido na França e na
Itália. Também na Espanha, onde apenas constituem exceção as corporações
da polícia. Na Holanda e no Reino Unido o direito não é reconhecido formal-
mente, mas seu exercício não dá lugar a sanções. Os direitos de participação e

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 72 72 22/2/2007 09:40:36


O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA „ 73

negociação coletiva das condições de trabalho foram consideravelmente con-


solidados e ampliados, ao longo das últimas décadas, com algumas exceções.
Aludiremos a eles em um item posterior.

A administração do sistema

Os sistemas político-administrativos contemporâneos tendem à comple-


xidade e à fragmentação. Isso desencadeia tendências contrárias: de um lado
no sentido da diversiicação, necessária para a adaptação a contextos comple-
xos; de outro, no sentido da integração, imprescindível para manter a coesão
geral e o controle. Vários países respondem à questão de uma forma que se
relaciona, em geral, com contextos institucionais mais amplos. Os sistemas de
função pública não estão alheios a essas pressões.
De fato, pode-se pensar que os denominados sistemas de emprego res-
pondem às pressões diversiicadoras e adaptadoras, enquanto os modelos de
carreira identiicam-se mais com as necessidades de coordenação interna e de
coesão. A distinção parece-nos pelo menos duvidosa. De um lado, a capaci-
dade dos gestores para adaptar a gestão de pessoal às necessidades concretas
dos serviços depende – mais do que da existência de um sistema de emprego
enquanto tal – de um projeto de organização que lhes conira a autonomia ne-
cessária. De outro lado, os modelos de carreira abrigam freqüentemente uma
considerável fragmentação. Isso ocorre pelo menos em três casos: a) quando a
heterogeneidade do aparelho estatal e de sua carteira de serviços impõe de fato
estatutos de emprego (carreiras) diferenciados para setores distintos (educação,
saúde, polícia, administrações territoriais etc.); b) quando há uso abundante do
recurso de criar entidades e organismos diferenciados, excluídos do regime
comum, e c) quando as divisões verticais a que nos referimos, em especial as
corporações, aumentam as tendências fragmentadoras, chegando a introduzir
elementos de concorrência interna para a apropriação de parcelas do aparato
estatal.
Não há dúvida de que a igura do empregador público (um departamento
ou organismo central, ou então os ministérios e agências) pode parecer mais
centralizada, nos casos em que predominaram as tendências integradoras e
de coesão, ou mais descentralizada, quando predominaram as pressões para
a adaptação. Assim (OCDE, 1999a , p. 21), podemos dizer que França, Japão,
Canadá e Espanha dispõem de modelos consideravelmente centralizados, en-
quanto EUA, Suécia, Holanda, Nova Zelândia e Austrália utilizam sistemas de
emprego e gestão de recursos humanos mais descentralizados.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 73 73 22/2/2007 09:40:36


74 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Como se verá mais adiante, uma das mais poderosas orientações de re-
forma dos sistemas de função pública no âmbito da OCDE é precisamente a
descentralização das decisões sobre pessoal. Nos últimos anos, a idéia de que
a melhora das estruturas políticas de recursos humanos exige um projeto des-
centralizado dos sistemas de tomada de decisões obteve, além mesmo das ini-
ciativas concretas de mudança em cada país, um amplo consenso.

FUNÇÃO PÚBLICA: UMA OU MUITAS?

Chegados a este ponto, parece icar claro que a função pública ica mais
inteligível como um propósito do que como uma forma determinada de torná-
lo realidade. A inalidade está clara, e é compartilhada enquanto tal em dife-
rentes contextos institucionais: organizar o emprego do setor público de modo
a tornar possível a existência de administrações proissionais. Tanto a seguran-
ça jurídica como a eicaz prestação dos serviços públicos exige organizações
públicas não apropriadas pela política nem capturadas por interesses particula-
res. É necessário para isso que existam mecanismos, incentivos, regras do jogo,
formais e informais, que permitam alcançar esse objetivo. Tais composições
institucionais implicam, em maior ou menor medida, um certo grau de singu-
laridade da gestão do emprego público, diferente do que se desenvolve e pratica
nas empresas do setor privado da economia.
Ora, quando penetramos na natureza desses acertos nos diferentes paí-
ses, como pretendemos fazer neste capítulo, a unidade do propósito traduz-se,
como vimos, em diversidade dos meios utilizados para materializá-lo. A fun-
ção pública transforma-se em realidades muito distintas, nas quais a inluên-
cia das culturas e tradições nacionais ica evidente. Voltando à pergunta com
que começamos o capítulo, um panorama tão heterogêneo permite deinir de
algum modo as diferenças que a função pública apresenta com relação à ges-
tão contemporânea do emprego e das pessoas, tal como dissemos no capítulo
anterior?
Algumas dessas diferenças são comuns à imensa maioria dos sistemas
de função pública, em que pese a diversidade assinalada. Em trabalho recente,
referindo-se ao contexto espanhol, Castillo Blanco (2003, p. 32) deine essas
peculiaridades em quatro extremos:
a) maior estabilidade da relação, como conseqüência da rigidez para a demissão;
b) maior impacto das normas, dada a vigência do princípio de vinculação ju-
rídica positiva que impera no direito público, assim como a necessidade de
acatar exemplarmente as decisões judiciais;

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 74 74 22/2/2007 09:40:36


O QUE O EMPREGO PÚBLICO TEM DE DIFERENTE. A FUNÇÃO PÚBLICA „ 75

c) maior rigidez nos procedimentos, especialmente evidente na seleção e nas po-


líticas disciplinares, como conseqüência da estabilidade inerente às normas;
d) maior diiculdade para medir o desempenho em zonas de deinição de polí-
ticas, o que cria obstáculos para certas práticas de retribuição.

Este é um inventário sucinto de elementos que diferenciam e que pode-


ríamos estender, sem medo de errar, à maior parte dos contextos institucionais
de função pública. Contudo, devemos ter em conta – e nisso insistiremos no
capítulo inal do livro – que o distanciamento que a função pública apresenta
com relação ao emprego comum não se explica apenas considerando as regras
formais, como também, e principalmente, pela forma em que estas interagem
com as convicções, valores e modelos mentais que povoam o inconsciente cole-
tivo das organizações do setor público. Trata-se de uma interação que se reforça
mutuamente, que consolida este olhar diferente sobre a realidade, a que aludi-
mos ao iniciar este capítulo, e que se traduz em diferentes maneiras de fazer.
Na realidade, as diferenças entre os modelos nacionais de função pública
não se encontram fundamentalmente nos diagnósticos sobre seu funciona-
mento e na conseqüente identiicação das áreas de melhoria. De fato, como ve-
remos no capítulo 5, as tendências atuais de reforma da gestão pública favore-
cem a realização de diagnósticos comuns sobre os problemas de gestão pública
do emprego e dos recursos humanos, aplicáveis à imensa maioria de países
dotados de sistemas de função pública ou serviço civil. O que muda, em muitos
casos, é o ponto de partida. Dependendo das características das composições
institucionais incorporadas pelos diferentes sistemas político-administrativos,
os esforços para corrigir suas disfunções e colocá-las a serviço de uma gestão
pública mais eicaz e eiciente deverão iniciar-se em momentos ou estágios de-
terminados, com itinerários especíicos, adaptados às características, tradições,
contextos sócio-políticos e culturas sociais dos diversos países.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 75 75 22/2/2007 09:40:36


Fundap (Mérito e Flexibilidade) 76 76 22/2/2007 09:40:37
3. GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM
SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO

Nos capítulos precedentes, abordamos a situação e as tendências da gestão


das pessoas, assim como as peculiaridades que a dotam de uma grande espe-
ciicidade quando se desenvolve no seio das organizações do setor público. No
presente capítulo, apresentaremos um modelo integrado de gestão do emprego e
dos recursos humanos. Este modelo será desenvolvido depois no capítulo 4, des-
tinado à apresentação dos vários componentes ou subsistemas que o integram.11
Com que alcance utilizamos o termo “modelo”, para os ins deste capítu-
lo? Um modelo não é senão um instrumento que o estudioso elabora, sobre
uma realidade complexa, com a inalidade de descrevê-la e de aprofundar o
conhecimento que se tem dela e dos fatores que a compõem. Constitui uma
aproximação especíica àquela realidade, entre outras possíveis. O modelo é
menos que uma hipótese, porque não pretende ser a formulação de uma ver-
dade que quer ser provada. É também menos que um paradigma, porque este
alude geralmente a um quadro explicativo usado e aceito de maneira muito
geral ou por uma parte muito importante da comunidade cientíica, o que não
é o caso quando se fala de modelos. Assim, um modelo justiica-se basicamente
por sua utilidade explicativa e analítica. Não pretende fornecer a única explica-
ção possível de uma realidade complexa, mas facilitar o acesso a ela.
Tal é a inalidade do modelo que descrevemos a seguir: facilitar a com-
preensão do propósito principal, as inalidades associadas, as áreas básicas de
intervenção, os fatores situacionais relevantes e os critérios de avaliação aplicá-
veis a um sistema de gestão do emprego e dos recursos humanos.
O modelo que apresentamos não é, em essência, exclusivo do setor públi-
co, mas sim resultante da sua aplicação à gestão de recursos humanos (GRH)
em qualquer organização, pública ou privada. De fato, acreditamos que as es-
peciicidades próprias do quadro institucional do emprego público, mencio-
nadas no capítulo anterior, aparecerão, sobretudo, na descrição dos subsiste-

11
O modelo apresentado neste capítulo e desenvolvido no seguinte serviu de base para um
Marco Analítico para a Avaliação de Sistemas de Serviço Civil, elaborado pelo autor deste
livro a pedido do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o diagnóstico
institucional de realidades nacionais da América Latina e do Caribe. Para uma apresenta-
ção da metodologia e uma síntese das conclusões dos primeiros diagnósticos, vide Longo,
2003c. O Marco Analítico pode ser acessado no portal do BID www.iadb.org

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 77 77 22/2/2007 09:40:37


78 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

mas, cujo desenvolvimento será objeto do capítulo seguinte. Apesar disso, na


apresentação de cada um dos elementos do modelo, que iniciaremos a seguir,
tomaremos o setor público como referência para sua aplicação. Em todo caso, a
aplicação desses quadros conceituais à prática docente e à consultoria, durante
muitos anos, e especialmente a exposição deles a um grande número de diri-
gentes públicos, leva-nos a pensar que o enfoque que propomos é perfeitamen-
te aplicável às principais questões que a gestão das pessoas nas organizações
públicas coloca e que são o objeto central de nossa relexão.

A GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS AGE COMO UM NEXO


ENTRE A ESTRATÉGIA E AS PESSOAS

A igura 1 mostra uma aproximação inicial e global – poder-se-ia dizer


que numa visão panorâmica – dos elementos básicos do modelo teórico pro-
posto. A GRH apresenta-se como um sistema integrado de gestão, cuja ina-
lidade básica ou razão de ser é a adequação das pessoas à estratégia de uma
organização ou sistema multiorganizacional12 para a produção de resultados
que estejam de acordo com as inalidades perseguidas.

Figura 1. Modelo integrado de gestão estratégica de recursos humanos

ESTRATÉGIA

CONTEXTO AMBIENTE
INTERNO Gestão de marco legal
estrutura recursos mercado de
cultura humanos trabalho
outros outros

PESSOAS

RESULTADOS

Fonte: Adaptado de Serlavós.

12
Doravante, para maior simplicidade expositiva, as referências ao termo “organização” de-
verão ser entendidas como estendidas – a menos que não se indique o contrário – tanto a
organizações individuais como aos sistemas ou complexos institucionais multiorganiza-
cionais de que façam parte.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 78 78 22/2/2007 09:40:37


GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO „ 79

Pessoas e resultados

Falamos de resultados, isto é, de produtos avaliáveis das políticas e prá-


ticas de gestão das pessoas, que possam ser confrontados com determinados
parâmetros ou metas. Assumimos portanto uma perspectiva que avalia a GRH
por suas conseqüências e não simplesmente pela qualidade do instrumental
de gestão utilizado. Neste sentido, o referencial inal de avaliação da gestão de
recursos humanos, implícito no modelo, vai além dos critérios baseados em
regras de boa prática, como por exemplo, os que utilizam os modelos de gestão
da qualidade, quando se aplicam à GRH13. Com isso não estamos negando a
utilidade desses instrumentos de avaliação. De fato, no capítulo seguinte vamos
percorrer os subsistemas da GRH que incorporam um conjunto de critérios de
boa prática. Limitamo-nos a esclarecer o enfoque global proposto e a destacar
sua orientação inalista. São os resultados, enim, e não apenas a adequação das
políticas a certas pautas, que determinarão o êxito de um sistema de gestão do
emprego e das pessoas.
Mas, a que resultados estamos nos referindo? A pergunta não é ociosa.
Poderíamos estar nos referindo a êxitos especíicos em matéria de recursos
humanos tais como, por exemplo, determinadas cifras de absenteísmo ou ro-
tatividade, ou quaisquer outros dados relacionados com o emprego ou com
o comportamento humano que pudessem ser confrontados com parâmetros
universalmente aceitos. Também poderíamos medir até que ponto se alcan-
çam determinadas metas deinidas especiicamente para a área de recursos hu-
manos, como por exemplo a redução de prazos em matéria de recrutamento,
ou a melhora do clima do ambiente de trabalho evidenciada em uma pesquisa
de satisfação. Nem é preciso dizer que estaríamos frente a êxitos importantes,
dignos de serem medidos e considerados, mas, mais uma vez, o modelo que
propomos comporta um grau de exigência maior: avaliar globalmente a ges-
tão de recursos humanos obriga a considerar os resultados da organização em
seu conjunto.

13
Assim, o modelo europeu da EFQM (Fundação Européia para a Gestão da Qualidade,
1999) concentra-se, em seu critério 7, nos êxitos alcançados pela organização em relação
às pessoas que a integram, para o que deine medidas de percepção e indicadores de
desempenho relacionados a certos critérios de boa prática, como “igualdade de opor-
tunidades”, “reconhecimento”, “envolvimento com equipes de melhora” ou “eicácia da
comunicação”.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 79 79 22/2/2007 09:40:37


80 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

A questão poderia ser enunciada assim: um sistema concreto de GRH só


cria valor para a organização se representar uma contribuição efetiva para a
obtenção dos resultados em que se realizam suas prioridades. Se este vínculo
não estiver claro, não tem sentido buscar justiicativas na correção teórica dos
instrumentos ou na obtenção de metas parciais. Em outras palavras, a GRH
não obtém êxito em organizações que não alcançam seus objetivos.
Certamente, os resultados de uma organização sofrem também a inluên-
cia de fatores alheios às políticas e práticas de GRH. Algumas destas inluências
emanam de outras áreas de gestão, como a da produção, a econômico-inan-
ceira, a comercial e outras. É evidente que a GRH não pode ser considerada a
única responsável pelos resultados alcançados pela organização, o que nos leva
a perguntar até onde chega sua responsabilidade. A resposta só pode ser esta:
o que pode ser imputado à GRH é a parte em que os resultados da organização
dependem das pessoas.
Sem dúvida, precisar esse alcance é um assunto que deve ser elucidado
mediante uma análise nitidamente situacional, isto é, examinando a etiologia
especíica dos resultados obtidos e ponderando os diversos fatores de inluên-
cia existentes. O grau de inluência das pessoas nos resultados pode oscilar em
grande parte, dependendo de fatores como o setor de atividade (por exemplo,
industrial ou de serviços), o sistema técnico (mais ou menos regulador ou me-
canizado, mais ou menos soisticado), o contexto (mais ou menos complexo,
dinâmico, hostil)14 ou a própria estratégia da organização (por exemplo, tende-
rá a inluir menos, previsivelmente, no contexto de uma estratégia empresarial
de custos do que em uma de diferenciação). Então, como indicávamos no ca-
pítulo 1, a transcendência atualmente atribuída à gestão de recursos humanos
deriva, precisamente, de que, em nossos dias, diferentemente de outras épocas
e de outros paradigmas, generalizou-se a percepção de que, sem desconhecer
essas diferenças, as pessoas são de qualquer modo cruciais para que as organi-
zações alcancem os resultados que almejam.
Chegando a este ponto, a pergunta obrigatória é: em que sentido e com que
alcance podemos airmar que os resultados organizacionais dependem das pes-
soas? O modelo que propomos responde a esta pergunta da seguinte forma: os re-
sultados a alcançar relacionam-se causalmente com as pessoas de duas maneiras:
a) de um lado, acham-se inluenciados pelo grau de adequação do dimensiona-
mento, quantitativo e qualitativo, dos recursos humanos em relação às inali-

14
Para esclarecer melhor essas dimensões do sistema técnico e do contexto da organização,
ver Mintzberg, 1984, p. 289-329.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 80 80 22/2/2007 09:40:37


GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO „ 81

dades pretendidas. Por conseguinte, o suprimento de capital humano deverá


ajustar-se sempre às necessidades da organização, evitando tanto o excesso
como a falta, e gerindo com a maior agilidade possível os processos de ajuste
necessários. Em organizações intensivas em recursos humanos, como são a
maioria das que pertencem ao setor público, essa é uma área extremamente
relevante;
b) de outro lado, serão conseqüência da conduta das pessoas em seu trabalho,
aspecto que abordaremos mais adiante.

Assim, a GRH é compelida a interferir em ambas as variáveis: o dimen-


sionamento de capital humano e a conduta das pessoas. A avaliação global de
um sistema de GRH deve ser referida, portanto, à medida que essa incidência
for de sinal positivo, nos dois campos, e se traduza em resultados efetivos.

As políticas e práticas de gestão de recursos humanos

Essa incidência da GRH nos dois campos mencionados ocorre mediante


a deinição e implementação de políticas e práticas de gestão do emprego e dos
recursos humanos (círculo central da igura 1, p. 78). Vale a pena deter-nos um
momento para precisar de que estamos falando.
Quando falamos de uma política (do inglês policy) em determinada área
da gestão, referimo-nos a um propósito organizacional consciente e razoável
de proceder de uma determinada maneira e de fazê-lo de forma constante,
enquanto não haja motivos para reconsiderá-lo, naquela área. As políticas de
GRH podem ser entendidas, portanto, como o conjunto de critérios gerais e
maneiras de fazer que, em um contexto organizacional determinado, orientam
as decisões que afetam a gestão do emprego e das pessoas.
Por práticas de GRH entendemos as decisões e atividades de fato ado-
tadas e desenvolvidas nesse campo e que exigirão com freqüência a aplicação
de políticas de GRH previamente deinidas, ou pelo menos interiorizadas pela
organização, embora nem sempre ocorra assim. Em determinadas ocasiões, as
práticas de pessoal manifestam-se em decisões de caráter reativo ou errático,
que não respondem a padrões estáveis de conduta, isto é, não podem ser iden-
tiicadas com políticas de GRH.
Fala-se, freqüentemente, de “política de recursos humanos” no singular,
e se discute, por exemplo, se determinada organização dispõe dela, ou não.
Freqüentemente, no âmbito público, atribui-se uma série de incoerências ou
problemas de pessoal à carência de uma política de recursos humanos. Como

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 81 81 22/2/2007 09:40:37


82 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

se encaixa esta noção com o conceito de “políticas” que acabamos de deinir?


Poderíamos dizer que uma organização dispõe de uma política de recursos
humanos quando em sua atividade podemos reconhecer um conjunto de po-
líticas de GRH (no sentido como as deinimos) coerentes entre si. Pelo con-
trário, careceria de uma política de recursos humanos a organização em que
esses padrões estáveis de comportamento não fossem identiicáveis (compor-
tamento errático) ou então, fossem contraditórios entre si (comportamento
incoerente).
As políticas de GRH podem ser explícitas e estar formalizadas, o que
sem dúvida favorece o fato de que sejam reconhecidas por quem observa e
analisa o funcionamento da GRH em dada organização. Entretanto, deve ser
levada em conta a possibilidade de que existam incoerências entre a políti-
ca adotada e proclamada formalmente e as práticas de pessoal efetivamente
constatadas em determinada organização. Também pode acontecer, e isso é
bastante freqüente na prática organizacional, que as políticas de pessoal não
estejam formalizadas e nem mesmo explicitadas. Reconhece-se a existência
de uma política de GRH quando pode ser inferida – da reiteração de uma
determinada prática, em determinado contexto, durante um período longo
de tempo – a existência de um critério estável de atuação e um propósito de
aplicá-lo.
Não se deve confundir a análise acerca da existência ou inexistência de
uma política de GRH com a avaliação que ela possa merecer. Pensemos, por
exemplo, em uma organização que destine ano após ano determinados fundos
orçamentários à formação de seu pessoal, administrando-os estritamente por
demanda, isto é, inanciando, dentro da margem disponível, aquelas atividades
formativas externas solicitadas por seus empregados, sem que existam critérios
nem prioridades estabelecidos que realizem as preferências organizacionais a
respeito. Provavelmente, esse tipo de prática poderia ser criticada, com funda-
mento, a partir de diferentes pontos de vista, mas não impediria a veriicação
de que existe, nessa organização, uma política, boa ou má, de formação de
pessoal.

A coerência estratégica e o dilema da estratégia

O exemplo que acabamos de utilizar serve para abordar a questão seguin-


te. Parece lógico pensar que a política de formação de pessoal de uma orga-
nização deve estar articulada com um conjunto de orientações resultantes de
suas prioridades e inalidades principais. Imaginemos que de tais inalidades

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 82 82 22/2/2007 09:40:37


GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO „ 83

pudéssemos concluir que a melhor maneira de gerir a formação fosse descen-


tralizá-la completamente, transferindo as decisões sobre capacitação para os
indivíduos que irão recebê-la, sem começar a avaliar outras questões. Um ex-
cessivo esforço de imaginação? Talvez bastasse pensar, por exemplo, em uma
empresa em fase de liquidação, que tivesse como uma de suas prioridades a
recolocação de seu pessoal. Nesse caso, a política de formação enunciada como
exemplo poderia ter um fundamento estratégico. Se esse não fosse o caso, o
exemplo mostraria, pelo contrário, uma gestão claramente ineiciente quanto
à formação, cujo defeito fundamental seria a falta de conexão com a estratégia
da organização.
Ou seja, a gestão das pessoas não conseguirá realizar uma contribuição
signiicativa para a obtenção de resultados valiosos para a organização se o
conteúdo das políticas de GRH não estiver devidamente alinhado e articulado
com a estratégia organizacional. A coerência estratégica é um traço fundamen-
tal do modelo que propomos. Isso signiica que a qualidade da GRH, tanto a
de cada uma de suas políticas ou práticas como a do sistema de gestão em sua
totalidade, não pode ser julgada à margem de sua conexão com a estratégia da
organização.
O que entendemos por estratégia? Depreende-se do que foi dito até aqui
que estamos aplicando ao conceito de estratégia o mais amplo de quantos sig-
niicados lhe são comumente atribuídos na teoria da gestão, identiicando-a
com o conjunto de inalidades básicas ou prioritárias da organização. Fazem
parte desta noção ampla de estratégia: a) a missão, ou razão de ser da orga-
nização; b) suas linhas de ação ou orientações prioritárias, e c) seus objetivos
operacionais.
Utilizamos o termo estratégia para referir-nos tanto aos pronunciamentos
explícitos da organização, seja qual for o grau de formalização que se lhes te-
nha atribuído, quanto – o que é muito freqüente nos contextos públicos – para
referir-nos a preferências implícitas dos dirigentes que fazem parte da cúpula
estratégica da organização, sempre que possamos deduzi-las razoavelmente
das decisões adotadas. Desta airmação cabe inferir uma premissa importante.
Embora seja freqüente que as prioridades das organizações não se deinam me-
diante procedimentos formalizados (e nem é indispensável que assim seja) po-
demos dizer que, quanto maior o grau de clareza e de explicitação do mandato
estratégico, mais fácil será a articulação entre as prioridades organizacionais e
a gestão de recursos humanos.
Neste ponto tropeçamos com uma das maiores diiculdades que a gestão
das pessoas nos contextos públicos enfrenta; uma diiculdade a que podemos
nos referir como o “dilema da estratégia”. Trata-se, na realidade, de um dile-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 83 83 22/2/2007 09:40:37


84 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

ma fundamental da gestão pública, que poderíamos reconhecer em diferentes


áreas ou parcelas do âmbito público. Mantendo-nos no campo especíico da
gestão do emprego e das pessoas, podemos formulá-lo da seguinte maneira: de
um lado, exigimos da GRH sua coerência estratégica, isto é, seu alinhamento
à estratégia da organização. Não poderíamos agir de outro modo: a qualidade
das políticas e práticas de pessoal depende disso. De outro lado, no entanto,
essa estratégia freqüentemente não existe, ou pelo menos, relativizando, são
consideráveis as diiculdades que os gestores de pessoas muitas vezes encon-
tram para detectar, nas organizações públicas, estratégias consistentes e reco-
nhecíveis como tal.
Indicamos esquematicamente alguns dos problemas mais freqüentes.
Muitas vezes competem numa mesma organização perspectivas diferentes e
até contraditórias, sem que ique clara a opção da direção por uma delas e a
exclusão da outra. Há vezes em que a ambigüidade é deliberada. No fundo, já
foi dito, esclarecer objetivos é adequado do ponto de vista gerencial, mas po-
liticamente irracional (Behn, 2001, p. 107). Os políticos aprenderam que, com
freqüência, dá mais votos ser ambíguo em matéria de prioridades do que pecar
por excesso de precisão. Essa ambigüidade traduz-se, às vezes, em decisões
pouco coerentes quanto à distribuição de recursos: por exemplo, nas contradi-
ções entre as declarações (retóricas?) dos programas de governo e as dotações
orçamentárias, ou na garantia de créditos de orçamento para inalidades con-
litantes. Por sua vez, a turbulência do ambiente, a brevidade dos ciclos polí-
tico-eleitorais e a freqüente volatilidade das preferências políticas conferem à
estratégia, quando esta pode ser constatada, uma extrema instabilidade. O que
hoje é uma prioridade, em pouco tempo deixa de sê-lo. A freqüente debilida-
de dos sistemas de planejamento retroalimenta essa natureza pouco nítida e
volátil da estratégia, favorecendo a formação reativa das agências públicas, às
vezes a reboque daquelas reivindicações da demanda social que adquirem em
determinado momento maior notoriedade, em especial por seu acesso mais
fácil aos meios de comunicação.
Não existe uma receita para resolver o dilema da estratégia. Não há ata-
lhos que permitam avaliar positivamente a gestão das pessoas quando não
existe uma vinculação de suas políticas com a estratégia organizacional. Como
dissemos, tal dilema não é senão uma manifestação da complexidade que ca-
racteriza a gestão pública. No capítulo 6 veremos como os dirigentes públicos
são chamados a enfrentar permanentemente essa complexidade, agindo como
gestores estratégicos, isto é, assumindo uma atitude proativa diante do dilema
da estratégia e dando consistência a seu referencial estratégico mediante a ges-
tão das relações com seu contexto político.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 84 84 22/2/2007 09:40:37


GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO „ 85

A GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS INCIDE SOBRE AS VARIÁVEIS


DECISIVAS DO COMPORTAMENTO HUMANO NO TRABALHO

Inluir sobre as condutas das pessoas para adequá-las, tanto quanto pos-
sível, à estratégia da organização é, como vimos anteriormente, uma das duas
inalidades principais da gestão de recursos humanos. Esta airmação baseia-se
nos dois pressupostos básicos seguintes.
■ O comportamento humano é uma variável essencial dos resultados da or-
ganização. Será assim em qualquer circunstância e contexto organizacional?
Certamente, como víamos há pouco, o grau de vinculação causal entre as
condutas dos empregados e os resultados pode variar em função da ocor-
rência de certos fatores, como o tipo de produto ou serviço, a tecnologia
utilizada, o grau de qualiicação do trabalho, a autonomia de sua execução
ou a proximidade entre produtor e destinatário. No entanto, a inluência re-
levante do comportamento das pessoas sobre os resultados da organização
diicilmente pode ser negada.
■ O comportamento humano pode ser gerido, isto é, a organização pode pro-
duzir deliberadamente um conjunto de políticas e de práticas de GRH desti-
nadas a estimular determinados comportamentos (aplicação, aprendizado,
colaboração etc.) e evitar outros (absenteísmo, rotatividade, conlito etc.).
Se partirmos, com o modelo proposto, destas duas convicções, o passo
seguinte será encontrar aqueles fatores em que coincidam as duas característi-
cas seguintes:
a) que constituam variáveis relevantes de que dependam as condutas seguidas
pelas pessoas no trabalho, e
b) que sejam sensíveis à deinição e ativação de políticas e práticas de recursos
humanos.
A aplicação destes dois critérios leva-nos a identiicar dois grandes fatores
que constituem, ao mesmo tempo, como indica a igura 2, variáveis fundamen-
tais do comportamento humano no trabalho e, por isso, nas áreas principais de
intervenção para a gestão de recursos humanos: falamos das competências e da
vontade das pessoas.

As competências

As competências são, como vimos no capítulo 1, aquelas qualidades hu-


manas das quais deriva a idoneidade para desempenhar determinada tarefa.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 85 85 22/2/2007 09:40:38


86 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Recuperando a deinição de Boyatzis (1982) que mencionamos, podemos con-


siderar a competência como uma característica subjacente em uma pessoa, e
que está causalmente relacionada com o êxito de sua atuação em determinado
posto de trabalho.

Figura 2

GRH

competências vontade

DIMENSIONAMENTO
DE RH CONDUTA DAS PESSOAS

RESULTADOS

Hoje, é notável o grau de concordância, entre os especialistas em GRH,


quanto ao caráter limitado, como precursor de êxito no trabalho, que tem o
mero conhecimento técnico especializado. A aproximação baseada nas compe-
tências pressupõe, como já dissemos no capítulo 1, um enfoque mais amplo e
integrador no qual, para identiicar a idoneidade proissional e possibilitar sua
gestão eicaz, são consideradas, além do conteúdo de conhecimentos técnicos,
outras características das pessoas:

■ as habilidades interpessoais,
■ as capacidades cognitivas e de conduta,
■ o conceito ou percepção de si próprio, traduzido em atitudes e valores,
■ os motivos ou estímulos que selecionam e orientam a conduta, e
■ os traços de personalidade ou caráter.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 86 86 22/2/2007 09:40:38


GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO „ 87

A gestão das competências é uma parte fundamental da GRH. Enquan-


to as competências constituem uma variável essencial do comportamento das
pessoas no trabalho, a gestão de recursos humanos deve levá-las em conta e
propor-se a inluir nelas, a im de adequá-las às necessidades organizacionais.
As pessoas adquirem e desenvolvem suas competências fora da organi-
zação e dentro dela. Quando a qualiicação das pessoas no trabalho dependia
quase exclusivamente de seus conhecimentos ou recursos técnicos e a “vida
útil” destes era muito dilatada no tempo, o peso da competência adquirida
externamente era incomparavelmente maior: boa parte do êxito baseava-se em
encontrar a pessoa adequada para a tarefa. Hoje, levamos em conta competên-
cias de difícil aquisição externa; por outro lado, as tarefas mudam constante-
mente. As pessoas vêem-se obrigadas a desenvolver e atualizar sua competên-
cia permanentemente, para estar à altura das demandas do trabalho. Tudo isso
aumentou notavelmente a importância daquelas competências que são adqui-
ridas e desenvolvidas depois da incorporação da pessoa à organização.
Os dois tipos de competências são de extraordinária importância para a ges-
tão de recursos humanos. As competências adquiridas fora da organização são
levadas em consideração pelos subsistemas de planejamento e organização do
trabalho; elas constituem o eixo dos processos de incorporação e mantêm de fato
sua relevância ao longo de todo o ciclo de gestão do emprego, como veremos no
capítulo seguinte. Por seu lado, a evolução interna das competências concentra os
processos e atividades próprias do subsistema de gestão do desenvolvimento.
A igura 3 mostra-nos as dimensões do desenvolvimento de competência
no trabalho (Ledford, 1989). O desenvolvimento em profundidade implica a
aquisição de um grau de domínio ou destreza superior sobre uma mesma área
de conhecimentos ou destrezas. O desenvolvimento horizontal, ou em ampli-
tude, supõe a incorporação de competências que permitem ampliar o leque
de tarefas, qualiicando a pessoa para trabalhar de forma valiosa em diversas
áreas. O desenvolvimento na vertical implica na aquisição de competências
que permitem inluir no comportamento no trabalho de outras pessoas. Essa
terceira dimensão não se esgota com a posse de competências relacionadas ao
comando, mas inclui qualidades e aptidões não hierárquicas como as de for-
mador de outros empregados, ou as de facilitador de equipes multifuncionais.
Não é difícil depreender do que foi dito duas conseqüências importantes
para a gestão das pessoas: a primeira é a extraordinária importância que o
desenvolvimento das competências dos empregados pode ter para a organi-
zação. Basta pensar em campos tais como a otimização de recursos huma-
nos, a lexibilidade para adaptar-se aos luxos de demanda ou a mudanças
no contexto, a inovação de produtos, tecnologia ou processos de trabalho e o

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 87 87 22/2/2007 09:40:38


88 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Figura 3. Dimensões do desenvolvimento de competências

Na vertical

Em profundidade

Em amplitude

Fonte: Ledford (1989).

desenvolvimento de capacidades internas de direção. A segunda é que, para


estimular o desenvolvimento de competências nas linhas de maior interesse
estratégico para a organização, será necessário que entrem em jogo pratica-
mente todos os subsistemas da GRH que descreveremos no capítulo seguinte.
É nesse sentido que hoje se fala, como dizíamos no primeiro capítulo, de “ges-
tão por competência”.

A vontade

A vontade é o segundo fator básico de inluência sobre a conduta huma-


na no trabalho, fator que a GRH deve estimular mediante políticas e práticas
adequadas a cada situação. A competência não esgota as variáveis que inluem
na conduta humana. Pessoas dotadas de competências similares podem de-
senvolver comportamentos diferentes e até antagônicos, como conseqüência
da adoção de padrões volitivos diferentes. Uma mesma pessoa, sem evidenciar
mudanças apreciáveis em sua competência, pode manifestar ao longo de um
período de tempo essas diferenças de comportamento por causa de oscilações
na vontade de esforço ou dedicação à tarefa. A abundante produção teórica
sobre a motivação oferece as referências básicas para entender essas condutas
e tentar, a partir da gestão das pessoas, mover-se com razoável acerto no com-
plexo mundo das motivações humanas no trabalho.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 88 88 22/2/2007 09:40:38


GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO „ 89

A motivação é o nível de esforço que as pessoas estão dispostas a dedicar


a seu trabalho (De Quijano e Navarro, 1998, p. 195). Todos somos freqüentes
testemunhas de como certas pessoas, em determinados momentos, decidem
realizar o esforço necessário para fazer seu trabalho da melhor maneira pos-
sível e conseguir um alto desempenho. Diversas teorias tentaram explicar os
mecanismos que fundamentam tais comportamentos e assim ajudar a deinir
políticas de GRH capazes de estimulá-los. O dinheiro (Taylor), a satisfação
de certas necessidades (Maslow, Alderfer, McClelland), as relações sociais no
trabalho (Mayo), o sentimento de eqüidade (Adams), as metas ou os objetivos
(Locke), as expectativas de recompensa (Vroom), a gratiicação resultante do
trabalho em si mesmo (Hertzberg) e a percepção de ser capaz de fazer bem as
coisas (Bandura) são alguns dos fatores identiicados pelos especialistas como
agentes da motivação. As escolas teóricas enfatizaram tanto o conteúdo da
motivação quanto o processo que a provoca e explica, ressaltando às vezes os
agentes motivadores intrínsecos da tarefa e em outras vezes as causas extrín-
secas. Este não é o momento de nos determos em analisar pormenorizada-
mente tudo isso. Todas as teorias contribuem com elementos valiosos. Mais
do que competir entre si, “buscam explicar diferentes coisas em diferentes
níveis de análise” (Schein, 1982, p. 70). Em todo caso, mais do que tentar ex-
plicar os mecanismos da motivação, interessa-nos analisar pela ótica da GRH
a interface entre comportamentos e organização (Pallez, 2003, p. 141) ou, em
outras palavras, explorar as condições e práticas organizacionais que tornam
possível a motivação.
Como acontecia com as competências, as políticas de gestão de recur-
sos humanos que podem ser enquadradas em cada um dos subsistemas que
percorreremos no capítulo seguinte dispõem de um potencial estimulador da
motivação, que pode ou não pode ser levado em conta, que é suscetível de
aproveitamento ou de desperdício e que pode até ser aplicado em sentido ne-
gativo, provocando descontentamento, apatia ou desmotivação.
Não é difícil perceber como a estrutura dos postos de trabalho pode in-
corporar, em determinados casos, orientações de enriquecimento de tarefas ou
empowerment, maximizando os fatores motivacionais intrínsecos. A gestão do
desempenho irá se apoiar nos fatores mais relacionados com a motivação pelos
resultados (goal setting). O quadro de estruturas salariais buscará, como vere-
mos, a eqüidade interna e externa. Será fácil relacionar as políticas de compen-
sação variável ou de promoção com os pressupostos conceituais e os requisitos
da teoria das expectativas. As diferentes aproximações teóricas serão úteis para
iluminar o quadro e a implementação de políticas de GRH moduladas para
maximizar seu potencial motivador. Em suma, a motivação, a ativação conti-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 89 89 22/2/2007 09:40:39


90 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

nuada da vontade de esforço das pessoas é um dos principais objetivos da GRH


e deve inspirar suas diferentes práticas e iniciativas.
Uma observação inal, antes de concluir esta epígrafe. Se existe uma cons-
tante na imagem proposta do funcionário público, há mais de um século, em
todo o mundo, ela é a de sua desmotivação (Duvillier e outros, 2003, p. 35). O
imaginário coletivo de todos os países está repleto de imagens do funcionário
abúlico e pouco predisposto ao esforço de trabalho. Algumas aproximações
recentes (Pallez, 2003; Cooper, 2003) ressaltam o peso dos fatores de reco-
nhecimento social sobre a motivação, ou melhor, sobre a desmotivação das
pessoas que trabalham no setor público. Um efeito de profecia auto-cumprida
ocorreria neste sentido: a deterioração de sua imagem pública desmotivaria os
funcionários, cujo comportamento corroboraria aquela imagem negativa que,
por sua vez, incrementaria a desmotivação etc.
Certamente, parece provado que o grau de prestígio social de qualquer
função, ao inluir sobre a percepção do signiicado (Hackman, 1977) do traba-
lho que se realiza, tem um impacto, maior ou menor, dependendo dos casos,
sobre a motivação. O que nos parece menos plausível é relacionar, como fazem
alguns autores (Chanlat, 2003, p. 51 e seguintes), o déicit de reconhecimento
social com as reformas gerencialistas da administração, culpando a penetração
do management na gestão pública por uma suposta crise de desmotivação dos
funcionários, para concluir que o estímulo à motivação destes, mais do que a
exigência de técnicas gerenciais, aconselha a recuperação de algo que vem a ser
deinido, não sem ambigüidade, como o impulso ético do serviço público, e que
estaria sendo deteriorado pelas reformas inspiradas na “nova gestão pública”.
No nosso entender, sem negar experiências concretas em que as reformas
gerencialistas produziram tais efeitos – por exemplo, aguçando a crise de certas
proissões públicas, como se constatou no setor da saúde (Mendoza, 1999) – o
déicit de reconhecimento social é, como já dissemos e parece evidente, mui-
to anterior. A imagem de perda de uma administração povoada de diligentes
funcionários, imbuídos de um grande impulso ético e socialmente gratiica-
dos com a consideração pública reservada às elites, parece-nos um produto da
imaginação. Tem, portanto, pouco fundamentado o desejo de recuperar algo
que provavelmente nunca existiu ou, se existiu, não teve um impacto claro,
evidente e positivo na motivação dos servidores públicos, ou na percepção que
deles prevalecia na sociedade.
Nossas sociedades têm necessidade de desenvolver e reforçar os valores
éticos do serviço público, construindo o novo proissionalismo público que
constitui um dos desaios atuais da gestão pública (OCDE, 2001b), como será
abordado no capítulo 7. No entanto, a questão da motivação dos funcionários

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 90 90 22/2/2007 09:40:39


GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO „ 91

está basicamente situada em outra esfera: a das políticas e práticas de gestão das
pessoas, isto é, justamente, a do management. Desta perspectiva, não existem,
a nosso ver, diferenças substanciais entre os funcionários e os demais traba-
lhadores. Não se motiva uns de uma forma e outros, de outra. Os elementos
de contexto (o grau de estabilidade da organização, do contexto e do empre-
go, as características do trabalho, os modelos culturais, a disponibilidade de
incentivos de um tipo ou de outro etc.) suscitarão diferenças, como é lógico,
no momento de escolher os instrumentos mais adequados para buscar esti-
mular a motivação, mas não mudam a natureza dos mecanismos – complexos
e freqüentemente ambíguos –, que ativam ou desativam a vontade de esforço
das pessoas. As organizações do setor público compartilham com as empresas,
neste campo, desaios que não diferem no essencial.

FATORES SITUACIONAIS DE INFLUÊNCIA A CONSIDERAR

O conjunto de políticas e práticas de pessoal a que chamamos de GRH


não constitui a única fonte de inluências sobre as duas variáveis expostas (di-
mensionamento e conduta). Além disso, é preciso levar em conta o peso de
outros fatores situacionais inluentes, que tanto podem ser identiicados no in-
terior como fora da organização.
Tais fatores situacionais inluem sobre os recursos humanos, seja dire-
ta ou indiretamente. A inluência é direta quando afeta de maneira imediata
o comportamento das pessoas no trabalho: vale lembrar, por exemplo, uma
pauta de conduta culturalmente interiorizada. A inluência é indireta quando
é exercida condicionando as políticas e práticas de GRH (como uma mudança
legal), ou mesmo a própria estratégia da organização (por exemplo, uma con-
juntura orçamentária crítica).

Fatores internos

No contexto organizacional interno, numerosos elementos podem ser


considerados fatores inluentes, nos dois sentidos mencionados. Entre eles po-
demos mencionar a situação política interna, o contexto orçamentário, a tec-
nologia utilizada, os sistemas de trabalho, a estrutura sociológica dos quadros
de pessoal, os estilos de direção etc. Em cada situação poderão ser identiica-
dos uns ou outros como determinantes de inluências relevantes. De qualquer
modo, há dois fatores que em todo tipo de contexto devem ser obrigatoriamen-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 91 91 22/2/2007 09:40:39


92 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

te considerados, por incidirem signiicativamente, direta e indiretamente, no


comportamento humano: a estrutura e a cultura organizacionais.
A estrutura da organização é um deles. Entendemos, como Mintzberg
(1984, p. 26), que a estrutura de uma organização é o conjunto das formas em
que dividimos o trabalho nas diferentes tarefas, para poder, depois, coordená-
las. Divisão e coordenação do trabalho, ou, nos termos de Lawrence e Lorsch
(1973), diferenciação e integração, são os pólos entre os quais se realizam as
opções de projeto estrutural.
Sistematizamos os parâmetros de projeto de estruturas organizacionais dis-
tinguindo, como o autor canadense, quatro blocos seqüencialmente ordenados:
a) o projeto da estrutura dos postos, que implica dotá-los de determinado grau
de especialização e de formalização do comportamento, assim como deinir
os requisitos de preparação e de socialização requeridos de seus ocupantes;
b) o projeto da superestrutura, que ixa os critérios de agrupamento dos postos
em unidades dotadas de um único comando hierárquico e deine o tamanho
da unidade ou span de controle de seu diretor;
c) o projeto dos vínculos laterais, que deine a tipologia dos sistemas de plane-
jamento e controle, assim como os dispositivos de contato, necessários para
abrigar as interdependências laterais ou transversais;
d) o projeto do sistema de decisão, que estabelece o grau em que as diversas
decisões permanecem centralizadas ou se descentralizam, vertical ou hori-
zontalmente.

O conjunto de decisões que decorrem do projeto de estruturas constitui


um fator situacional da maior relevância para a GRH; suas conseqüências es-
tendem-se praticamente a todos os subsistemas. O grau de homogeneização
do comportamento mediante normas ou descrição de tarefas, o tamanho da
pirâmide hierárquica, o funcionamento dos sistemas de planejamento, os tipos
de controle e o grau de centralização/descentralização na tomada de decisões,
são, entre outros, dados estruturais relevantes para a gestão das pessoas.
A cultura organizacional é também um fator situacional de extraordinária
importância. Adotamos o enfoque de Schein (1999, p. 29), que deine a cultura
como o conjunto de “assunções assumidas”, compartilhadas, subentendidas,
que um grupo humano interiorizou, num processo de aprendizagem, ao longo
de sua história.
Com freqüência, os modelos mentais e valores interiorizados no contex-
to organizacional constituem uma chave para explicar o comportamento das
pessoas, assim como das próprias políticas e práticas de GRH desenvolvidas
dentro de uma organização.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 92 92 22/2/2007 09:40:39


GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO „ 93

Distinguiremos, segundo o mesmo autor, três níveis de tratamento da


cultura organizacional:
1. o nível dos artefatos, ou estruturas e processos organizacionais visíveis (códi-
gos de apresentação ou relação ou de solução de conlitos, horários, reuniões,
comunicações, ritos, eventos sociais etc.);
2. o nível dos valores adotados (ilosoias, metas, orientações explícitas etc.);
3. o nível das presunções assumidas tacitamente e compartilhadas (valores pra-
ticados, modelos mentais, convicções implícitas).

Só chegando ao terceiro dos níveis citados é possível captar, em toda sua


dimensão, a cultura organizacional, já que só nele encontramos elementos cul-
turais (intangíveis) que atuam como verdadeiros motores do comportamento
humano na organização. Com freqüência, aparecem também, entre os níveis
2 e 3, abundantes incoerências que reletem o distanciamento entre as percep-
ções e declarações explícitas e as pautas informais e os valores efetivamente
interiorizados. Quando isso ocorre, encontramo-nos normalmente diante de
um desaio de mudança cultural.
Em nossos dias, é muito freqüente vermos a GRH abordando objetivos de
mudança cultural, especialmente quando falamos do setor público. Trata-se,
sem dúvida, de um dos desaios mais difíceis, já que a cultura organizacional
é, como dissemos, um repositósito de convicções lentamente interiorizadas e
aprendidas. Mudar obriga a desaprender, o que priva as pessoas de elementos
que lhes conferiram identidade e certeza durante anos e mesmo décadas, e
isso ocorre antes que possam substituí-los por novas convicções e certezas. A
mudança cultural produz nas pessoas um sofrimento que precisa ser mitigado
e gerenciado. Deve ser visto como um processo gradual e longo que se nutre,
entre outras coisas, de políticas de recursos humanos (emprego, desenvolvi-
mento, compensação, relações humanas etc.) adequadas ao objetivo e dotadas
de estímulo e perspectiva de longo prazo.

Fatores externos

Fora da organização são igualmente numerosos os fatores situacionais


inluentes. Entre outros, a situação sociopolítica, a economia, a evolução tec-
nológica, as expectativas dos usuários dos serviços públicos, os formadores de
opinião, a mídia etc. Também neste campo dois fatores relativos ao contexto
devem ser considerados, por sua importância para a gestão das pessoas: as nor-
mas jurídicas aplicáveis e o mercado de trabalho.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 93 93 22/2/2007 09:40:39


94 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

O marco jurídico é um poderoso elemento do contexto; sua inluência,


normalmente introduzindo limitações ao funcionamento dos sistemas de
GRH, é inquestionável. No âmbito público, a extensão e a intensidade das re-
gulamentações aumentam sua importância. Do marco legal derivam algumas
das principais singularidades e restrições que a GRH deve assumir nos siste-
mas públicos.
A localização do marco jurídico nesta posição do modelo que propomos
deve ser destacada, já que se trata de uma opção não isenta, no âmbito público,
de uma certa carga de contracultura. Airmar que a lei é um elemento do con-
texto contradiz aproximações burocrático-jurídicas à gestão pública dos recur-
sos humanos, mais ou menos presentes em uma parte dos sistemas de função
pública analisados no capítulo anterior. Para esses enfoques, a norma, mais do
que um marco limitador externo, é uma diretriz. A função do gestor de recur-
sos humanos é, sobretudo, cumpri-la, isto é, tomar decisões mais próximas do
possível de uma correta interpretação da legalidade. Como é sabido, para a
burocracia weberiana, a aplicação impessoal da legalidade (Echebarria, 1993)
transforma-se no eixo condutor de uma boa administração. Na realidade, com
esse paradigma, o marco jurídico ocuparia o lugar que no diagrama da igura 1
(p. 78) atribuímos à estratégia da organização.
Vista desse modo, a realidade da gestão pública do emprego e dos recur-
sos humanos tende a confundir-se com o marco jurídico que a regulamenta.
Em conseqüência lógica, qualquer melhora de gestão tende a encontrar na
mudança normativa o veículo obrigatório. A reforma legal aparece como o
eixo de toda mudança signiicativa, embora qualquer exame, ainda que su-
pericial, o desminta. Identiicar a mudança de norma com a da realidade
constitui apenas um passo a mais, plenamente coerente, na mesma direção.
A função pública e o emprego público convertem-se em algo parecido com
as realidades virtuais, para cuja análise conta a forma e não o conteúdo ou o
fundo material das coisas.
Diante de tudo isso, o modelo que propomos considera a legalidade jus-
tamente como um marco, em cujo interior devem ser produzidas e postas em
prática as políticas e decisões relativas ao pessoal, nas organizações dos estados
de direito. Essa aspiração não pode desconhecer nem as chaves metajurídicas
de muitos elementos da gestão das pessoas, nem as margens que freqüente-
mente as normas outorgam à adoção de decisões de gestão. Dentro da lega-
lidade, o norte das políticas e práticas de GRH é a estratégia organizacional.
O marco jurídico é um poderoso fator do contexto, que pode condicionar em
muitos casos a gestão das pessoas, mas que, em nenhum caso, a dirige e muito
menos a suplanta.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 94 94 22/2/2007 09:40:39


GERIR PESSOAS NO SETOR PÚBLICO: UM SISTEMA INTEGRADO DE VALOR ESTRATÉGICO „ 95

O mercado de trabalho constitui também um referencial da maior impor-


tância para o traçado e o funcionamento de políticas e práticas de gestão de re-
cursos humanos. Como se verá mais adiante, o mercado de trabalho é um fator
situacional de indubitável transcendência em campos como o provimento de
recursos humanos, o controle da rotatividade ou as políticas de compensação,
entre outros.
Trata-se de um campo em que, como vimos no capítulo 1, nossas socieda-
des viveram mudanças notáveis. Para o gestor público de recursos humanos, o
conhecimento e acompanhamento de sua evolução e de suas lutuações consti-
tui cada vez mais um recurso imprescindível.

UTILIZAÇÃO DO MODELO PARA FINS DE DIAGNÓSTICO

A visão global e panorâmica do modelo proposto, apresentada até aqui,


já fornece alguns elementos úteis para o diagnóstico de sistemas de gestão do
emprego e dos recursos humanos. Na verdade, pode ser utilizada como um
mapa, capaz de proporcionar indicações quanto ao local de origem ou a raiz
dos problemas e disfunções que forem sendo detectados no funcionamento de
um determinado sistema de GRH.
Assim, uma disfunção detectada (por exemplo, uma escassa adequação
entre pessoa e cargo, excesso de rigidez na mobilidade ou promoção, ou a ini-
qüidade da retribuição) pode ser simplesmente devida ao inadequado projeto
de uma política de pessoal ou a práticas de GRH contra-indicadas, como tam-
bém à falta de uma estratégia de recursos humanos minimamente precisa e co-
erente; a desajustes do projeto estrutural; a restrições jurídicas; a contratações
no mercado de trabalho; a modelos mentais ou pautas culturais dominantes,
ou a quaisquer outros fatores situacionais internos ou do contexto.
Detectar a área-raiz do problema (ou as áreas, já que com freqüência esta-
remos frente a mais de uma) é imprescindível para o que poderíamos chamar
“acertar no alvo”, ou seja, para que o diagnóstico aponte as soluções corretas.
Para dar um único exemplo do contrário: se para resolver um problema de
origem predominantemente cultural, o que se preconiza é uma reforma legal,
provavelmente a disfunção tenderá a perpetuar-se.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 95 95 22/2/2007 09:40:39


Fundap (Mérito e Flexibilidade) 96 96 22/2/2007 09:40:39
4. OS GRANDES SUBSISTEMAS

Neste capítulo trataremos de desenvolver o modelo integrado de gestão


apresentado no capítulo precedente. O modelo aparece aqui desdobrado nas
principais políticas e práticas de gestão das pessoas, que aparecem, por sua vez,
agrupadas em subsistemas, tal como apresenta a igura 4.
Foram incluídas, neste capítulo, notas que esclarecem alguns dos concei-
tos que mencionamos antes.

A GRH DESDOBRA-SE EM DIVERSOS SUBSISTEMAS

Se, voltando ao capítulo anterior, imaginarmos que um mecanismo fo-


tográico de zoom nos aproxima ao círculo central do diagrama da igura 1
(p. 78), onde havíamos situado a GRH, de tal maneira que pudéssemos ob-
servar detalhadamente seu interior, o que encontraríamos é o conteúdo da
igura 4.
Esta apresenta-nos a GRH como um sistema integrado de gestão que se
desdobra em diversos componentes, os quais operam como subsistemas daque-
le, e aparecem ligados e inter-relacionados na forma indicada pelas lechas.
A parte superior da igura 4 mostra-nos de novo o marco estratégico.
No diagrama da igura 1 abordamos a estratégia organizacional, enquanto
aqui apontamos para uma derivação ou subproduto daquela: uma estratégia
de recursos humanos. Podemos deini-la como um conjunto de prioridades ou
objetivos básicos que orientam as políticas e práticas de GRH, para colocá-las a
serviço da estratégia organizacional.

A existência, mais ou menos explícita e formalizada, de uma estratégia de


recursos humanos é imprescindível para:
a) atingir o que antes chamávamos de coerência ou sintonia estratégica do sis-
tema de GRH, ou seja, o alinhamento entre as políticas e práticas de pessoal
e as prioridades da organização;
b) dotar de sentido e de valor as políticas e práticas de GRH, que do contrário
tenderão à mera administração de pessoal, uma atividade rotineira e inercial,
apenas de manutenção daquilo que já existe, privada de impulso próprio;
c) tornar possível a inovação nas políticas e práticas de GRH, bem como a
adaptação desta às exigências decorrentes das mudanças no ambiente das
organizações públicas.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 97 97 22/2/2007 09:40:39


98 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Figura 4. Subsistemas da gestão de recursos humanos

ESTRATÉGIA

Planejamento

Gestão da
compensação
Organização do Gestão do Gestão do Retribuição monetária e
trabalho emprego desempenho não monetária

Projeto de postos Incorporação Planejamento Gestão do


desenvolvimento
Definição de perfis Mobilidade Avaliação
Desvinculação Promoção e carreira
Aprendizado individual
e coletivo

Gestão das relações humanas e sociais


Clima laboral Relações laborais Políticas sociais

Fonte: elaboração própria, adaptado de um esquema de Serlavós (2000).

A igura 4 nos apresenta a GRH integrada por sete subsistemas interliga-


dos, colocados verticalmente em três níveis.
No nível superior, o planejamento de recursos humanos, que constitui a
porta de entrada em qualquer sistema integrado de GRH e permite antecipar
a deinição de políticas coerentes nos subsistemas restantes, com os quais está
conectado.
No nível intermediário estão cinco subsistemas, ordenados horizontal-
mente em quatro blocos, obedecendo a uma seqüência lógica: no primeiro, a
organização do trabalho, que prevê e concretiza os conteúdos das tarefas e as
características das pessoas chamadas a desempenhá-las; no segundo, a gestão
do emprego, que compreende os luxos de movimento, a entrada e saída das
pessoas; no terceiro, a gestão do desempenho, que planeja, estimula e avalia a
contribuição das pessoas; no quarto, por um lado, a gestão da compensação,
que retribui a contribuição e, por outro, a gestão do desenvolvimento, que cuida
do crescimento individual e coletivo das pessoas na organização.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 98 98 22/2/2007 09:40:40


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 99

Por último, no nível inferior encontra-se a gestão das relações humanas


e sociais, que integra a dimensão coletiva da GRH e se relaciona, por sua vez,
com todos os subsistemas mencionados anteriormente.
São três os requisitos imprescindíveis para que um conjunto de políticas
e práticas de GRH funcione, em uma organização determinada, como um sis-
tema integrado, capaz de acrescentar valor e contribuir para alcançar os obje-
tivos organizacionais.
1. Em primeiro lugar, é preciso que todos os subsistemas enunciados estejam
operativos, ou seja, que haja um conjunto mínimo de políticas e práticas de
pessoal coerentes, permitindo inferir racionalmente a existência e operacio-
nalidade de cada subsistema. Se não for assim, ou seja, no caso de que haja
vazios ou lacunas no campo ocupado por alguns subsistemas, toda a integra-
ção sistêmica da GRH icaria enfraquecida. Assim, por exemplo, se não hou-
ver uma avaliação do desempenho minimamente formalizada, os processos
de promoção e carreira icarão privados de insumos básicos para desenvol-
ver-se adequadamente. A tendência será realizar promoções arbitrárias, ou
então baseadas na antiguidade ou no merecimento puramente formais.
2. Os subsistemas da GRH deverão, além disso, funcionar interligados, na for-
ma indicada pelas lechas da igura 2 (p. 86), como explicaremos adiante,
mais detalhadamente. Assim, para dar também um exemplo, se não existe
interligação operativa entre o projeto dos postos e peris e os processos de
incorporação de pessoal (ou seja, se cada subsistema opera isolado) diicil-
mente se conseguirá idoneidade nas atribuições das pessoas às tarefas.
3. Por último, todos os subsistemas devem ser vistos como aplicações de uma
estratégia de recursos humanos, derivada da estratégia organizacional, e
através dela mantidos coesos. Uma política ou prática de pessoal não pode
ser julgada, como já dissemos, à margem desta coerência básica. Por exem-
plo, se uma política de retribuição variável ligada ao desempenho remunera
objetivos que não coincidem com claras prioridades organizacionais, mes-
mo que aja de forma tecnicamente irrepreensível, estará contribuindo para
desviar indevidamente a conduta dos empregados e causando, na realidade,
um prejuízo à organização.

DESCRIÇÃO DOS SUBSISTEMAS

A seguir, vamos abordar a descrição dos subsistemas apresentada pela i-


gura 4, que acabamos de enunciar. O objetivo deste tópico não é fazer uma aná-
lise aprofundada das políticas e práticas de GRH em cada um dos âmbitos em

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 99 99 22/2/2007 09:40:40


100 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

que são deinidas e aplicadas. Nosso objetivo é mais no sentido de facilitar uma
visão da extensão de cada um dos subsistemas, que permita compreender:
■ o papel de cada um deles num sistema integrado de GRH;
■ a contribuição de cada um para obter uma GRH adequada;
■ o conjunto de elementos básicos que tornariam possível uma avaliação das
políticas e práticas de GRH em cada campo.

De acordo com esta inalidade, incluiremos na descrição de cada subsis-


tema os seguintes conteúdos:
a) o objetivo ou inalidade básica, isto é, a razão de ser ou contribuição princi-
pal do subsistema em questão às inalidades genéricas da gestão do emprego
e os recursos humanos;
b) a identiicação de outros subsistemas com os quais se relaciona e o sentido e
signiicado dessa relação;
c) os processos e práticas de GRH em que se desdobra para atingir seus objetivos;
d) os pontos críticos que devem ser levados em consideração por todos que
pretendam aplicar o modelo à análise de realidades concretas de gestão do
emprego e das pessoas. Serão formuladas como propostas de boa prática
que, adotados conjuntamente, caracterizariam uma GRH correta em cada
um dos campos que vão sendo descritos;
e) algumas considerações especíicas, úteis para uma melhor compreensão do
subsistema em questão, assim como para a utilização do modelo como pa-
drão analítico no exame de realidades organizacionais concretas.

Após a descrição dos sete subsistemas, acrescentaremos uma menção ao


projeto da organização da função de recursos humanos, necessária para com-
pletar a visão geral do funcionamento da GHR em qualquer organização.

Subsistema 1: planejamento de recursos humanos

a) Objetivo
Mediante o planejamento de recursos humanos (PRH), uma organização
realiza a análise de suas necessidades quantitativas e qualitativas de recursos
humanos a curto, médio e longo prazo, compara as necessidades detectadas
com suas capacidades internas e identiica as ações que devem ser empreendi-
das para cobrir as diferenças entre umas e outras.
O objetivo da PRH é facilitar a disponibilidade das pessoas que a organi-
zação necessita, no momento adequado e ao menor custo. Trata-se do subsiste-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 100 100 22/2/2007 09:40:40


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 101

ma que facilita a coerência estratégica das diversas políticas e práticas de GRH,


conectando-as às prioridades da organização. Podemos dizer, por isto, que se
trata da “porta de entrada” em um sistema integrado de GRH.

b) Relação com outros sistemas


Como conseqüência do que dissemos acima, o PRH é chamada a relacio-
nar-se, tal como indicam as lechas da igura 4 (p. 98), com a totalidade dos sub-
sistemas da GRH. A existência desta relação será o elemento determinante para
que as políticas e práticas de pessoal respondam a prioridades e objetivos previa-
mente deinidos, e não a comportamentos meramente inerciais ou reativos.
Para quem pretenda comparar a dimensão estratégica de um sistema de
GRH, a comprovação das interligações se dará preferencialmente quando exa-
minamos cada um dos diversos subsistemas, sendo formulada, na análise de
cada um deles, a seguinte pergunta:
Até que ponto as políticas, as decisões e as práticas de GRH, neste campo
concreto, obedecem a intenções premeditadas conscientemente em um pro-
cesso de PRH?

c) Processos
Em um subsistema de PRH podemos distinguir, como mostra a igura 5,
os processos enumerados a seguir.
1. A análise das necessidades brutas de recursos humanos, consistente na previ-
são das necessidades quantitativas (quantas pessoas, quanto tempo) e quali-
tativas (quais competências) fornecerá dados especíicos, para fazer o quê e
em que momento.
2. A análise das disponibilidades, atuais e futuras, destinada a identiicar a situa-
ção que se produziria de forma previsível no campo objeto de análise, caso
não se agisse de forma a corrigir a evolução vegetativa dos recursos existen-
tes. Para a eicácia desta análise, será preciso dispor de um grau adequado de
desenvolvimento dos sistemas de informação de pessoal.
3. A análise das necessidades líquidas de recursos humanos, resultado da compara-
ção entre os dois tópicos anteriores, irá fornecer, em geral, nos diversos âmbitos
em que se dá o planejamento, diferenças por deiciência (déicit de caráter quan-
titativo ou qualitativo) ou por excesso (empregos ou aptidões desnecessárias).
4. A programação de medidas de cobertura, mediante a qual buscamos identii-
car e prever as ações que devem ser realizadas para satisfazer as necessidades
líquidas detectadas e que podem afetar a qualquer dos subsistemas da GRH,
já que podem ser medidas de organização do trabalho, de gestão do emprego,
da compensação etc.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 101 101 22/2/2007 09:40:40


102 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Figura 5. Esquema do processo de planejamento de recursos humanos

PREVISÕES DE QUADRO
PROJETOS EMPRESARIAIS ANÁLISES DE CONTEXTO
DE PESSOAL

Necessidades Disponibilidades
de pessoal de pessoal

ANÁLISE DA DIFERENÇA

Necessidades
líquidas

MEDIDAS DE COBERTURA

d) Pontos críticos
Existência e integridade do sistema
■ Pode ser veriicado um desenvolvimento adequado de todos os processos que
fazem parte de um sistema de planejamento de recursos humanos (PRH).

Coerência estratégica
■ As previsões do planejamento de pessoal originam-se, de modo geral, em
prioridades e orientações estratégicas da organização. O grau de adequação
entre umas e outras normalmente é alto.
■ Os mecanismos de PRH tornam possível uma adaptação lexível das práti-
cas de pessoal às mudanças estratégicas da organização.

Informação de base
■ Os sistemas de informação sobre o pessoal permitem um conhecimento ra-
zoável das disponibilidades quantitativas e qualitativas de recursos huma-
nos existentes e previsíveis no futuro, nos diversos âmbitos organizacionais
e unidades.

Eicácia
■ As políticas e instrumentos de PRH utilizados permitem, em geral, a oti-
mização dos efetivos, a correta distribuição dos recursos e uma repartição
adequada da carga de trabalho entre as unidades.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 102 102 22/2/2007 09:40:40


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 103

■ Não existem, em geral, excedentes ou déicit de pessoal signiicativos nas


diversas unidades ou partes da organização.
■ O custo global do quadro de pessoal situa-se dentro de parâmetros razoá-
veis e compatíveis com a economia da organização.
■ As operações de redistribuição de efetivos são realizadas com eicácia sem-
pre que necessário.
■ A tecniicação das dotações é adequada a um ambiente de sociedade do
conhecimento. Há um peso signiicativo do trabalho qualiicado na compo-
sição do quadro de pessoal.

Administração
■ As previsões do PRH são objeto de acompanhamento e atualização para
que, caso necessário, possam ser ajustadas às mudanças de estratégia do
ambiente.
■ As direções de linha conhecem as previsões do PRH e participam em sua
elaboração e acompanhamento.

e) Considerações especíicas sobre o subsistema de planejamento


■ Na análise do PRH, podem distinguir-se conceitualmente dois momentos
ou níveis: o do exame dos instrumentos, mecanismos e decisões próprias
do planejamento de pessoal, e o de avaliação da operacionalidade des-
tes, constatando seu grau de inluência nas diversas políticas, práticas e
decisões de GRH. Deve ser levado em consideração, portanto, que só se
obterá uma visão completa do PRH quando se houver analisado o con-
junto dos subsistemas que integram o modelo em uma realidade organi-
zacional determinada.
■ No âmbito público, não é raro encontrar áreas orgânicas ou funcionais em
que as decisões são em geral inerciais ou reativas, junto a outras em que,
normalmente por terem sido impostas prioridades estratégicas contunden-
tes, foi desenvolvido um instrumental planejador apreciável. Alguém que
pretenda avaliar o funcionamento desse subsistema numa determinada or-
ganização deverá ter isto presente para evitar que uma parcela venha a ser
tomada como sendo a totalidade.
■ Como foi dito antes, a brecha ou gap em que se baseia a identiicação de
necessidades líquidas pode acontecer por deiciência (constata-se um déicit
de pessoas ou de capacidades) ou por excesso (existe um excedente quanti-
tativo ou qualitativo). No âmbito público, é necessário um posicionamen-
to irme em relação a esta segunda possibilidade, para evitar as dinâmicas
incrementalistas que não questionam a necessidade daquilo que já existe.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 103 103 22/2/2007 09:40:41


104 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Estas dinâmicas são seguidamente facilitadas, como veremos no próximo


capítulo, pelas diiculdades existentes em muitos espaços públicos para ad-
ministrar de forma lexível os excedentes de pessoal.
■ Normalmente, o desenvolvimento do PRH está relacionado, ainda que de
forma causal, com o dos sistemas de informação sobre o pessoal. A qualida-
de de tais sistemas costuma ser um pré-requisito de eicácia do PRH.
■ Na ausência de instrumentos mais elaborados e especíicos, os orçamentos
contêm elementos de planejamento de pessoal que devem ser considerados.
Em qualquer caso, um sistema de PRH precisa, para estar completo, reletir-
se nas decisões de determinação de recursos, bem como de mecanismos e
decisões de execução e de controle orçamentário.
■ Nos dias de hoje, o caráter dinâmico do contexto tende a encurtar a valida-
de temporal das previsões oriundas de qualquer processo de planejamento.
No âmbito público, o PRH também é afetado por este fato, o que leva a
criar e manter especialmente ativos os mecanismos de acompanhamento
e atualização.

Subsistema 2: organização do trabalho

a) Objetivo
O subsistema de organização do trabalho integra o conjunto de políticas
e práticas de GRH destinadas a deinir as características e condições de exercí-
cio das tarefas, bem como os requisitos de idoneidade das pessoas chamadas a
desempenhá-las.

b) Relação com outros subsistemas


Em um sistema integrado de GRH, a organização do trabalho aparece
ligada ao planejamento, do qual recebe os subsídios necessários (pelo menos, é
o que acontece quando o PRH é de médio/longo prazo; entretanto, quando se
planeja a curto prazo, a organização do trabalho existente tende, com freqüên-
cia, a operar como variável independente, diicilmente alterável pelo processo
planiicador).
As interligações mais transcendentes acontecem com o subsistema de
gestão do emprego. O projeto adequado dos postos e dos peris funciona como
um pré-requisito para uma correta gestão dos processos de incorporação das
pessoas, possibilitando a qualidade do ajuste entre as necessidades da organi-
zação e o mercado de trabalho (quer seja o mercado laboral geral ou o mercado
interno).

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 104 104 22/2/2007 09:40:41


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 105

c) Processos
Em um subsistema de organização do trabalho, são dois os processos di-
ferenciados que devem ser contemplados:
1. O projeto dos postos de trabalho, que implica na descrição das atividades,
funções, responsabilidades e objetivos que a direção atribui ao posto e que,
conjuntamente, representam o padrão em que o ocupante deste posto deve-
rá desenvolver sua contribuição e obter os resultados esperados.
Uma boa descrição do posto deveria conter a menção precisa de: a)
a missão ou razão de ser do posto; b) sua situação especíica na cadeia de
autoridade formal da organização; c) suas dimensões ou magnitude bási-
ca dos recursos que administra; d) suas funções e tarefas principais; e) o
alcance da responsabilidade que corresponde às decisões do titular, e f)
as inalidades do posto ou área nas quais devem ser obtidos os principais
resultados.
O projeto dos postos supõe realizar opções importantes sobre:
■ o grau de especialização.15
■ o grau de formalização do comportamento (padronização da conduta do
ocupante) que se estabelece.

15
Especialização: os postos podem especializar-se (Mintzberg, 1984, p. 99 e seguintes) em
duas dimensões. Em primeiro lugar, a de seu âmbito ou amplitude (quantas tarefas diver-
sas contém cada posto e que amplitude ou limitação têm tais tarefas). Em um extremo,
o empregado é um curinga polivalente; no outro, repete sempre uma mesma tarefa. A
segunda dimensão se relaciona à profundidade ou controle exercido sobre o próprio tra-
balho. Em um extremo, o empregado limita-se a obedecer instruções ou normas precisas;
no oposto, controla cada aspecto de sua atividade, além de realizá-la. A primeira dimen-
são aponta para a especialização horizontal do posto. A segunda, para a especialização
vertical. Seus contrários seriam a ampliação horizontal e vertical deste.
A favor da especialização (a horizontal, do trabalhador especializado em um âmbito redu-
zido, ou a vertical, de quem realiza um trabalho muito controlado externamente) operam
razões de melhoria da produtividade e a coordenação empiricamente demonstradas em
muitos casos; contra, razões de desmotivação devido à rotina, rigidez diante das exigências
de mudança e perda de qualidade do trabalho, sobretudo em ambientes de alta qualiica-
ção. As técnicas de enriquecimento de tarefas (job enrichment) nasceram precisamente
para fazer frente a estes excessos de especialização e se baseiam na ampliação horizontal e/
ou vertical do posto. Na mesma linha fala-se, mais recentemente, de empowerment, aludin-
do basicamente a processos de ampliação do posto, em sua dimensão vertical. O estudioso
de postos deve conjugar em cada caso o binômio especialização/ampliação, produzindo
um equilíbrio adequado aos fatores de contingência que se apresentem, entre os quais, a
tecnologia utilizada e as características do contexto do posto, são determinantes.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 105 105 22/2/2007 09:40:41


106 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

2. A deinição dos peris16 dos ocupantes dos postos, consistentes na identiica-


ção das capacidades básicas que estes devem reunir.

d) Pontos críticos
Existência e integridade do subsistema
■ Pode ser constatado um desenvolvimento adequado dos processos que
fazem parte de um sistema de organização do trabalho, tal como foram
descritos.

Qualidade técnica e lexibilidade do projeto dos postos


■ O projeto dos postos obedece a critérios de gestão, mais que a considera-
ções legais ou acordos coletivos. O padrão legal e os acordos trabalhistas
limitam-se a estabelecer um padrão amplo, dentro do qual o trabalho se
organiza em relação às necessidades organizacionais.
■ A descrição dos postos é realizada com precisão, de tal forma que a estrutu-
ra de responsabilidades ique clara. Cada empregado sabe ao quê responde
e porquê sua contribuição será valorizada.
■ A precisão na descrição das tarefas não é tão exaustiva que venha a diicultar
a adaptação às circunstâncias mutantes ou não previstas, ou legitime com-
portamentos defensivos do ocupante diante das exigências de mudança.
■ O projeto de postos tende a enriquecer ou a ampliá-los, horizontal ou verti-
calmente, naquilo que seja possível, para produzir ganhos de qualidade do
trabalho e motivação das pessoas, sem perdas graves de produtividade ou
coordenação.
■ A classiicação e hierarquização dos postos respondem a critérios racionais
e adaptados a cada meio organizacional.

16
Peris de capacidades: um peril de capacidades é uma seleção das aptidões básicas para
garantir a idoneidade do titular de um posto de trabalho. Poderíamos dizer que é um
“retrato modelo” do ocupante ideal.
Dispor de um bom peril do ocupante do cargo é imprescindível para assegurar uma
gestão correta dos processos de incorporação das pessoas, mas também para o funciona-
mento de outras áreas da GRH, como as políticas de avaliação e desenvolvimento, na me-
dida em que as orientam para a melhoria das capacidades mais relevantes das pessoas.
Um bom peril, especialmente em seu papel orientador do recrutamento e da seleção,
deve estar formado por poucas qualidades, e todas elas consideradas chave para um de-
sempenho bem-sucedido. A conjunção dos dois requisitos permite aceder ao mercado de
trabalho com garantias razoáveis de êxito, planejar processos de incorporações eicazes a
custos razoáveis e dispor de um conjunto de requisitos com alta probabilidade de aproxi-
mar-se da idoneidade desejada.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 106 106 22/2/2007 09:40:41


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 107

Qualidade da deinição dos peris


■ Os peris de idoneidade dos ocupantes dos postos vão além dos requisitos
de titulação ou especialização técnica e dos de méritos formais, e identii-
cam outras qualidades baseadas em habilidades, atitudes, capacidades cog-
nitivas, motivações e traços de personalidade.
■ Os perfis de aptidões são definidos após estudos técnicos a cargo de
especialistas.
■ Os peris incluem a seleção das capacidades que sejam consideradas funda-
mentais para o êxito no desempenho do titular do cargo.
■ Existe, em geral, uma coerência razoável entre as exigências das tarefas e os
elementos que constituem o peril dos cargos.

Administração
■ O projeto dos postos e a deinição dos peris são periodicamente revistos
para adaptação à evolução das tarefas e suas novas exigências.
■ Os diretores de linha têm participação destacada no projeto dos cargos e
peris, na parte que lhes afeta.

e) Considerações especíicas sobre o subsistema de organização do trabalho


■ Um elevado número de organizações públicas dispõe de descrições dos car-
gos. No entanto, a existência de descrições não garante que estas estejam
efetivamente em uso. Com alguma freqüência, a descrição não se relaciona
com as práticas correspondentes a outros subsistemas da GRH, como as de
recrutamento, atribuição, mobilidade ou formação.
■ Uma boa organização do trabalho deve combinar a precisão, necessária
para esclarecer as responsabilidades e valorizar a contribuição, com a le-
xibilidade que permita adaptar a tarefa às mudanças no contexto do cargo.
Um adequado equilíbrio entre ambas características será um dos elementos
determinantes da qualidade do subsistema.
■ No que diz respeito aos peris de capacidades, uma avaliação completa
de sua utilização efetiva exigiria explorar o funcionamento do subsistema
de gestão do emprego. A avaliação dos resultados das práticas de recru-
tamento e seleção (quantidade e qualidade das candidaturas, idoneidade
dos selecionados) fornecerá informações valiosas sobre o uso e a eicácia
real destas.
■ Na hora de valorizar a eicácia deste subsistema em uma realidade organi-
zacional concreta, nenhum material documental substitui as informações
fundamentadas dos diretores de linha, protagonistas principais do uso efe-
tivo dos instrumentos de organização do trabalho.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 107 107 22/2/2007 09:40:41


108 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Subsistema 3: gestão do emprego

a) Objetivo
Este subsistema da GRH incorpora o conjunto de políticas e práticas de
pessoal destinadas a gerir os luxos através dos quais as pessoas entram, se mo-
vimentam e saem da organização. É um subsistema complexo, dentro do qual
há espaço para algumas das áreas mais relevantes da GRH.

b) Relações com outros subsistemas


A gestão do emprego se ocupa em pôr as pessoas em contato, ao longo de
sua trajetória laboral, com as tarefas que, em cada momento, lhes são atribuí-
das. Por isso, suas conexões principais são as estabelecidas com o subsistema
de organização do trabalho. O planejamento de cargos e peris constitui a base
para um correto funcionamento deste subsistema da GRH.
Por sua vez, a gestão do desempenho será uma fonte de informações rele-
vantes para um conjunto de decisões que afetam a mobilidade das pessoas no
interior da organização ou, eventualmente, a sua saída desta.

c) Processos
Neste subsistema é preciso distinguir três áreas principais de gestão:
1. A gestão da incorporação, que compreende as políticas e práticas referen-
tes ao acesso das pessoas ao posto de trabalho (o que pode também impli-
car seu acesso à organização). Nesse campo, cabe distinguir três tipos de
processos:
■ O recrutamento, que compreende as políticas e práticas de GRH visan-
do procurar e atrair candidatos aos postos de trabalho que devem ser
preenchidos.
■ A seleção, que compreende a escolha e aplicação de instrumentos preci-
sos para escolher corretamente, e as decisões para atribuição das pessoas
aos cargos.
■ A recepção, socialização ou indução, que compreende as políticas e práti-
cas destinadas a receber as pessoas adequadamente e acompanhá-las em
seus primeiros passos no posto e em seu contexto.

2. A gestão de mobilidade, que afeta os movimentos das pessoas entre os postos


de trabalho da organização, e na qual é preciso distinguir entre:
■ Mobilidade funcional, que implica apenas mudança de tarefas, e
■ Mobilidade geográica, que implica também transferência do local de tra-
balho, com mudança de endereço.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 108 108 22/2/2007 09:40:41


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 109

3. A gestão da desvinculação, que integra as política e práticas de GRH rela-


cionadas à extinção da relação de emprego, quer seja por razões discipli-
nares, por inadequação ou baixo desempenho, ou por razões econômicas,
organizacionais ou tecnológicas. Cabe incluir aqui as políticas e práticas de
correção disciplinar, mesmo que as sanções sejam de caráter menos grave e
não cheguem a se traduzir em demissão.

d) Pontos críticos
Preparação
■ Antes de decidir o preenchimento de uma vaga, analisa-se o cargo e se con-
sideram as possibilidades alternativas existentes: amortizá-lo, fundi-lo com
outro, redistribuir tarefas, contratar temporariamente, terceirizar a ativida-
de etc.
■ Uma vez tomada a decisão, avalia-se se o recrutamento deve ser realizado
interna ou externamente. No primeiro caso, são levadas em consideração
razões de ampliação do universo de escolha ou a conveniência de incorpo-
rar peris diversos; o segundo tipo de decisão é adotado quando prevalecem
considerações de custo, segurança na escolha, integração cultural da pessoa
ou de estímulo à promoção interna.

Igualdade e merecimento no acesso


■ O recrutamento para preenchimento dos postos de trabalho é aberto, de
fato e de direito, a todos os candidatos que reúnam os requisitos exigidos,
estabelecidos por razões de idoneidade, avaliados de forma técnica, não
arbitrariamente.
■ Existem procedimentos e mecanismos de garantia necessários para evitar a
arbitrariedade, a politicagem e as práticas de apadrinhamento ou de cliente-
lismo ao longo de todo o processo de incorporação.
■ Há um número limitado e razoável de cargos cobertos por pessoal designa-
do segundo critérios e mecanismos de tipo político.
■ Existem e se aplicam mecanismos para garantir a efetiva igualdade e a não-
discriminação, orientados à superação das diferenças de sexo, etnia, cul-
tura ou origem, nos procedimentos de acesso e de progressão no emprego
público.

Qualidade do recrutamento
■ Os meios utilizados para a procura, comunicação e atração de candidatos
produzem em geral um número adequado de candidaturas válidas aos car-
gos que devem ser preenchidos.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 109 109 22/2/2007 09:40:41


110 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Qualidade da seleção
■ A seleção baseia-se na deinição prévia de peris de capacidades (vide nota
16, p. 106) dos ocupantes dos cargos que devem ser preenchidos.
■ Os instrumentos de seleção utilizados são, em geral, adequados aos peris
previamente deinidos e seu planejamento responde a critérios, tecnicamen-
te comprovados, de eicácia na identiicação da idoneidade proissional.
■ Os órgãos de seleção estão projetados com critérios de proissionalismo e
experiência técnica, e são formados por pessoas dotadas das capacidades
necessárias, que atuam com independência no exercício de suas funções.
■ As decisões de incorporação são adotadas obedecendo a critérios de mere-
cimento e capacidade proissional tecnicamente comprovados.

Qualidade da recepção
■ Existem, e são aplicados, procedimentos adequados para receber os emprega-
dos, facilitar-lhes a entrada na organização, se for o caso, e seus primeiros pas-
sos no cargo e seu contexto, bem como para transmitir-lhes princípios e nor-
mas básicas de conduta que devem conhecer no momento de se integrarem.
■ Existem, e são aplicados, procedimentos adequados (períodos probatórios
ou similares) para assegurar o acerto na incorporação e permitir a adoção
de medidas corretivas, caso necessário.

Mobilidade
■ Os mecanismos de mobilidade, funcional e geográica, permitem responder
com lexibilidade às necessidades de redistribuição de pessoal.

Absenteísmo
■ Os índices de absenteísmo são, em geral, satisfatórios, comparados com os
de uso geral no setor de atividade em questão.

Disciplina
■ Os procedimentos disciplinares efetivamente aplicados permitem corrigir com
eicácia, agilidade e exemplarmente as condutas inadequadas dos empregados.

Desvinculação
■ Não existem dispensas ou rescisões de emprego que, afetando postos de tra-
balho de caráter proissional, se devam a meras razões de mudança da cor
política dos governos.
■ Existe a possibilidade de dispensa por incapacidade manifesta ou baixo de-
sempenho, objetivamente comprovados.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 110 110 22/2/2007 09:40:41


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 111

■ Existe a possibilidade de rescindir a relação de emprego por razões técnicas,


econômicas ou organizacionais comprovadas objetivamente, que levem à
extinção de postos de trabalho.
■ Não existem segmentos ou setores de postos nos quais se detecte uma exces-
siva rotação, de acordo com os padrões geralmente admitidos em seu setor
de atividade e contexto.

e) Considerações especíicas sobre o subsistema de gestão do emprego


■ Em matéria de gestão do emprego, é imprescindível, mais que em qualquer
outra área da GRH, diferenciar entre o marco normativo e o funcionamento
real das coisas. Freqüentemente, serão encontrados regulamentos que pro-
jetam uma realidade desmentida pelas políticas e práticas efetivas. Como
foi dito antes, a análise da eicácia real do subsistema deve centrar-se basi-
camente nestas últimas.
■ A freqüência com que, na esfera pública, começaram a ser usados os meca-
nismos de lexibilidade contratual, aos quais logo iremos nos referir, compe-
le-nos a considerar que o funcionamento efetivo deste subsistema se esten-
de, a rigor, a diversas modalidades formais de emprego, que podem incluir
contratos temporários de serviços proissionais, autônomos, pessoal cedido
por empresas de trabalho temporário etc.
■ No emprego público, a mobilidade das pessoas é, como veremos no capítu-
lo seguinte, uma das áreas preferenciais de reforma. Em geral, procura-se
estimulá-la eliminando as barreiras que possam existir e conseguir que, ao
mesmo tempo, a mobilidade voluntária se equilibre com a existência de me-
canismos de transferência obrigatórios que facilitem a adaptação das atri-
buições de tarefas às mudanças.
■ A estabilidade que caracteriza, em geral, o emprego público, tende a limi-
tar o alcance dos processos de desvinculação. Também aqui encontraremos
orientações relevantes de reforma, cujo objetivo é tornar possível, além da
dispensa disciplinar reconhecida de forma geral em todas as latitudes, a res-
cisão da relação de emprego por motivos técnicos, econômicos ou organi-
zacionais.
■ A qualidade do subsistema de gestão do emprego vê-se afetada, como se
percebe na relação anterior de pontos críticos, pelas taxas de rotatividade e
absenteísmo registradas. A taxa de rotatividade de pessoal mede a quanti-
dade dos abandonos voluntários do emprego ao longo de um período anual,
expressa em porcentagem sobre o emprego total. Uma cifra alta de rotativi-
dade (turnover) é sintoma de falhas na gestão de pessoal e relete especial-
mente uma baixa competitividade de salários e condições de trabalho. Uma

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 111 111 22/2/2007 09:40:42


112 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

cifra extremamente baixa poderia ser interpretada negativamente, como


falta de uma renovação mínima. A taxa de absenteísmo mede a quantidade
de baixas laborais temporárias e outras ausências do trabalho, referenciadas
em modelos internacionalmente estabelecidos. A existência de cifras ele-
vadas denota uma gestão ineiciente dos recursos humanos, que pode ter
origem em uma multiplicidade de motivos.

Subsistema 4: gestão do desempenho

a) Objetivo
A gestão do desempenho é o subsistema da GRH que tem por propósito
inluenciar no desempenho das pessoas no trabalho, para alinhá-lo às priori-
dades da organização e mantê-lo no nível mais elevado possível, propiciando
uma melhora sustentada da contribuição dos empregados para alcançar os
objetivos organizacionais, bem como para obter informações valiosas para a
tomada de decisões de GRH em diversos campos.

b) Relação com outros subsistemas


A gestão do desempenho ocupa uma posição central num sistema inte-
grado de GRH, como pode ser visto na igura 6 (p. 113). Por sua inluência no
funcionamento do sistema em seu conjunto, podemos destacar sobretudo suas
conexões com os subsistemas de compensação e desenvolvimento.
Sua relação com o primeiro se produz quando o sistema de compensação
incorpora o pagamento de retribuições variáveis vinculadas ao desempenho,
o que constitui, apesar das críticas freqüentes a seu funcionamento real, uma
tendência signiicativa dos sistemas de GRH, privados e públicos, em quase
todo o mundo.
A conexão com a gestão do desenvolvimento se dá em dois sentidos:
■ Mediante o fornecimento de insumos imprescindíveis aos processos de pro-
moção e carreira, sem os quais estes tenderão a se basear na antiguidade e
em merecimentos formais, com a conseqüente perda de qualidade.
■ Mediante a detecção, nas pessoas, das necessidades de desenvolver competên-
cias, o que é básico para o planejamento de políticas eicazes de formação.

c) Processos
A gestão do desempenho pode ser vista como um ciclo que inclui:
1. O planejamento do desempenho, que se traduz na deinição de pautas ou
padrões de desempenho em sintonia com a estratégia e objetivos da orga-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 112 112 22/2/2007 09:40:42


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 113

nização (vide igura 6), a comunicação eicaz de tais expectativas aos em-
pregados e a obtenção de aceitação e compromisso por parte destes para
adaptar seus desempenhos às expectativas.
2. O acompanhamento ativo do desempenho, ao longo do ciclo de gestão, ob-
servando e apoiando o desempenho das pessoas.
3. A avaliação do desempenho, comparando os modelos e objetivos do desem-
penho com os resultados. Pode estar vinculada, como indicado antes, a ou-
tras políticas ou práticas de GRH.
4. A retroalimentação ou feedback ao empregado, e a elaboração de planos de
melhora do desempenho, que se ligariam ao ciclo seguinte, em sua etapa de
planejamento.

Figura 6. Esquema de gestão do desempenho

Estratégia

Objetivos da organização

Objetivos da unidade/direção

Gestão do desempenho

Resultados do desempenho individual

Resultados da unidade

Resultados da organização

d) Pontos críticos
Planejamento e acompanhamento
■ Normalmente, a direção deine as pautas ou padrões do desempenho espe-
rado das pessoas, de acordo com as prioridades e estratégias da organização.
Em conseqüência, os empregados conhecem os aspectos de sua contribui-
ção pelos quais serão especiicamente avaliados em um determinado perío-
do de tempo.
■ Os objetivos do desempenho são ixados no quadro dos planos de melhora
resultante da avaliação do desempenho do ciclo de gestão anterior.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 113 113 22/2/2007 09:40:42


114 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

■ Os objetivos de desempenho são comunicados aos empregados como forma


de facilitar a obtenção de sua aplicação e comprometimento.
■ Ao longo do ciclo de gestão, a direção acompanha, observa e apóia ativa-
mente as melhorias do desempenho das pessoas, fornecendo recursos e eli-
minando obstáculos quando necessário.

Avaliação
■ O desempenho das pessoas é avaliado pela organização mediante compara-
ção com os padrões de desempenho esperado.
■ Os critérios de avaliação e as práticas de aplicação destes permitem distin-
guir eicazmente as diferenças de desempenho entre as pessoas.
■ Os critérios de avaliação do desempenho são percebidos como coniáveis e
objetivos pelas pessoas que participam de sua aplicação.
■ A retroalimentação (ou feedback) do desempenho dá-se de forma constru-
tiva, orientada à melhora, num contexto de relação aberta e franca entre
avaliador e avaliado.

Administração
■ Os diretores de linha, responsáveis pelas unidades de trabalho nos diversos
níveis hierárquicos, assumem papel protagonista na gestão do desempenho
dos empregados a seu cargo.
■ Os diretores recebem treinamento adequado nas habilidades proissionais
e sociais necessárias para gestionar adequadamente o desempenho de seus
colaboradores.

e) Considerações especíicas sobre o subsistema de gestão do desempenho


Ao analisar os sistemas públicos de GRH, o observador deveria levar em
conta algumas considerações relacionadas à gestão do desempenho. Por exem-
plo, estas.
■ Em todas as organizações existem elementos de gestão do desempenho,
mesmo que sejam práticas informais baseadas em apreciações intuitivas.
Um grau mínimo de formalização é, no entanto, imprescindível para que o
subsistema possa ser considerado operativo.
■ Para os diretores e responsáveis de recursos humanos das organizações públi-
cas, dispor de um sistema formal de avaliação do desempenho converte-se, às
vezes, numa marca emblemática de inovação e modernidade do sistema de
GRH, o que, algumas vezes, leva a subestimar as condições organizacionais
(inalidades claras, clima propício, sistemas de planejamento eicazes, direto-
res preparados e dispostos etc.) necessárias para que o sistema tenha êxito.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 114 114 22/2/2007 09:40:42


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 115

■ A mera existência de um sistema formalizado (como, por exemplo, um


procedimento obrigatório de deinição de objetivos, entrevistas e avalia-
ção do desempenho, acompanhado de questionários e outros documentos
impressos) não signiica, por si só, que a prática real inclua os elementos
próprios de uma GRH adequada neste campo (provavelmente, o mais difí-
cil), e não é raro que o sistema acabe por converter-se em simples trâmite
burocrático.
■ Alguns pontos frágeis aparecem nos sistemas de gestão do desempenho
com freqüência. Eles são:
— a ausência de compromisso dos dirigentes chamados a ter um papel pro-

tagonista na administração do sistema, assim como a falta de tempo e


o déicit de capacitação no uso eicaz do instrumental de gestão (estas
estão geralmente entre as principais causas);
— uma utilização colocada a serviço de concepções autoritárias de cheia;

— a tendência de avaliar de forma homogênea os colaboradores a im de

escapar do conlito interpessoal;


— a falta de coniabilidade técnica e de objetividade dos instrumentos de

medição.

Subsistema 5: gestão da compensação

a) Objetivo
Este subsistema da GRH inclui a gestão do conjunto de compensações
retribuitivas (salariais e extra-salariais) e não retribuitivas que a organização
presta a seus empregados, como contrapartida à contribuição destes aos obje-
tivos da organização, expressa através de seu trabalho.

b) Relação com outros subsistemas


As conexões mais relevantes são as que se estabelecem com dois subsiste-
mas da GRH, já descritos:
A organização do trabalho – e, mais especiicamente, o projeto dos postos
de trabalho – constitui, como diremos em seguida, a base para o planejamento
de estruturas salariais.
A gestão do desempenho e, concretamente, a avaliação do mesmo, forne-
ce informações imprescindíveis para a aplicação de:
■ retribuições variáveis ligadas ao desempenho, se for o caso;
■ mecanismos de reconhecimento monetário.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 115 115 22/2/2007 09:40:42


116 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

c) Processos
1. Projeto de estruturas salariais: o projeto da estrutura de retribuição ixa ou
básica (vide igura 7, p. 117) parte, na maioria das organizações, do projeto
de postos de trabalho. Alcançar a eqüidade salarial17, interna e externa, leva
a desenvolver os seguintes processos:
■ A valorização dos cargos, atribuindo a cada um uma compensação de
acordo com sua contribuição relativa aos resultados organizacionais e co-
erente com os referenciais salariais de mercado que lhe forem aplicáveis.
■ A classiicação dos cargos, por níveis ou grupos salariais, coerentes com a
citada valorização e capazes de permitir uma progressão salarial adequa-
da e uma gestão racional das retribuições.
O projeto de retribuições variáveis, quando estas são estabelecidas, im-
plica escolher o conceito a ser retribuído (vinculado ao desempenho, par-
ticipação em lucros ou conexão com resultados globais etc.), o destinatário
(indivíduo ou grupo) e a dimensão da faixa de retribuição.

2. Benefícios extra-salariais: a aplicação de compensações não monetárias (seguros


de vida ou de acidentes, ajudas e empréstimos, complementos de pensão etc.)
exige deinição de políticas vinculadas a uma estratégia de retribuição global.

17
Eqüidade salarial: entendemos por tal a qualidade de uma estrutura de retribuição, con-
sistente na existência de um duplo ajuste ou equilíbrio.
a) Por um lado, equilíbrio entre o que cada empregado aporta e recebe da organização,
levando em consideração, ao mesmo tempo, como operar tal balanço contribuição/
compensação para os diversos empregados e grupos de empregados.
b) Por outro lado, entre as retribuições satisfeitas pela organização e as de seus merca-
dos de referência.
No primeiro caso indicado, falaremos da eqüidade interna da estrutura salarial. O objeti-
vo de uma GRH adequada é traduzir-se numa percepção de eqüidade interiorizada pelos
empregados.
No segundo caso, falaremos da eqüidade externa. A eqüidade externa de um sistema re-
tribuitivo inclui as notas de competitividade e eiciência retribuitiva.
Um sistema salarial é competitivo quando permite à organização atrair e manter os em-
pregados de que necessita. Os índices de atração e rotatividade são a medida da competi-
tividade salarial. Um sistema salarial é eiciente quando a competitividade é alcançada a
um custo não superior ao dos mercados de referência.
A tensão entre a eqüidade interna e externa é um problema clássico da GRH. Acontece,
sobretudo, quando a elevação no valor de mercado de certas especializações, proissões ou
peris de competências, quaisquer que sejam suas causas, obriga a organização – para não
perder competitividade salarial – a elevar a remuneração de alguns empregados acima das
que são fruto da valorização de cargos, aplicando critérios meramente internos. Em geral,
essa tensão produz tendências à opacidade dos sistemas de administração de salários.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 116 116 22/2/2007 09:40:42


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 117

3. Projeto de mecanismos de evolução: pressupõem o estabelecimento de políti-


cas de compensação em dois campos:
■ o da evolução global, que implica realizar opções e também vinculá-las à
inlação prevista ou sobrevinda, aos resultados etc.
■ o da evolução individual, onde se opta por vinculá-la à antiguidade, ao
desempenho etc.
Em ambos os casos, a correção das opções adotadas será determinada
por seu grau de adequação à estratégia organizacional.

4. Administração de salários: implica deinir políticas que afetam basicamente


o grau de centralização ou descentralização das decisões sobre retribuições
e o grau de transparência ou opacidade dos salários.

5. Reconhecimento não monetário: inclui as políticas e os instrumentos dei-


nidos e aplicados pela organização, conforme o caso, para reconhecer os
benefícios que não têm efeitos salariais.

Figura 7. A projeção das estruturas de compensação

Classificação
EQÜIDADE EXTERNA
EQÜIDADE INTERNA

dos postos

Contraste com
o mercado

Valorização
dos postos

Estrutura de
Retribuição Retribuição
retribuições
variável monetária total
Projeto dos básicas
postos de
trabalho

Benefícios
extra-salariais

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 117 117 22/2/2007 09:40:42


118 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

d) Pontos críticos
Existência de uma estratégia de compensação
■ A estrutura salarial e as políticas de retribuição respondem a um conjunto
de prioridades e objetivos vinculados à estratégia organizacional e não a
simples práticas inerciais ou de resposta reativa a reivindicações e conlitos
trabalhistas.

Eqüidade interna
■ As pessoas, em geral, têm a percepção de receberem da organização com-
pensações de todo o tipo, de acordo com sua contribuição.
■ As pessoas percebem que as compensações que recebem os demais empre-
gados são eqüitativas, comparadas com as que eles próprios recebem.
■ A classiicação dos cargos por níveis de retribuição facilita uma progressão
lexível e vinculada ao desempenho e ao aprendizado.
■ O leque salarial tem uma amplitude razoável. As diferenças verticais de re-
tribuição são adequadas à natureza dos cargos.
■ Há um equilíbrio adequado entre as retribuições aplicadas a níveis similares
de cargos nos diversos setores e âmbitos do serviço.

Eqüidade externa
■ A estrutura de retribuições é adequada para atrair, motivar e manter pessoas
dotadas das capacidades necessárias, nos diversos tipos de cargos que a or-
ganização necessita.
■ Os custos salariais não são excessivos, em relação aos de mercado, em ne-
nhum setor ou nível de cargos.

Eicácia das políticas de compensação


■ Os mecanismos de retribuição utilizados estimulam nas pessoas o esforço,
o desempenho individual ou de grupo e o aprendizado e desenvolvimento
das competências.

Administração
■ As decisões relacionadas à administração de salários são adotadas de acordo
com critérios preestabelecidos e de forma coerente com os parâmetros de
projeção estrutural da organização.
■ Não são detectáveis, nas decisões salariais, práticas de arbitrariedade, busca
de desempenhos ou clientelismo político.
■ Os sistemas de informação sobre o pessoal contêm toda informação atualizada
acerca das retribuições necessárias para a correta gestão do sistema salarial.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 118 118 22/2/2007 09:40:43


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 119

Outras compensações
■ Os benefícios extra-salariais aplicados são eicazes, avaliados em termos de
custo/benefício.
■ O regime de pensões dos empregados é adequado para seus ins de previ-
são social, goza de solidez inanceira, não cria privilégios exorbitantes em
relação a outros grupos sociais e não supõe uma carga excessiva sobre a
economia da organização.
■ Na organização existem políticas e instrumentos úteis de reconhecimento
não monetário das conquistas das pessoas.

e) Considerações especíicas sobre o subsistema de gestão da compensação


■ Como na análise de outros subsistemas, é importante distinguir aqui a reali-
dade de seu aspecto formal. As retribuições são aquelas deinidas, indepen-
dentemente de qual seja a regulamentação existente sobre a matéria. Com
alguma freqüência, na realidade concreta da organização existem estruturas
salariais informais ou atípicas. Quando isto ocorre, devem ser evidenciadas,
analisadas e avaliadas.
■ A existência de uma valorização dos postos de trabalho, feita através da apli-
cação de um instrumental coniável e válido, constitui elemento determi-
nante para a análise de sistemas de compensação.
■ Sem uma valorização corretamente atualizada, é muito provável que ve-
nham a existir desajustes na eqüidade interna e externa.
■ A compressão vertical dos salários é um dos indicadores quantitativos utili-
zados pelo Banco Mundial para a avaliação dos sistemas de emprego públi-
co. Consiste na medida da diferença entre a retribuição total recebida pelos
empregados de nível salarial superior e a dos de nível inferior da escala de
retribuição. Para expressá-la, costuma-se usar o salário inferior como base
1. A existência de uma compressão muito forte (problema freqüente na Es-
panha) reduz os incentivos de carreira e o desempenho dos empregados.
Uma excessiva descompressão é sintoma de que o sistema está cativo de al-
gumas elites e relete um grau mais ou menos elevado de iniqüidade interna
da estrutura de compensação.
■ A compressão horizontal dos salários mede o grau em que se produzem
decisões discricionárias em questão salarial, acima ou abaixo do salário-
base ixado em caráter geral para um determinado nível. Quando excede a
relação 1:1.2 implica, de acordo com o Banco Mundial, riscos de corrupção
ou busca de alternativas.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 119 119 22/2/2007 09:40:43


120 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Subsistema 6: gestão do desenvolvimento

a) Objetivo
O objetivo das políticas e práticas de gestão do desenvolvimento é esti-
mular o crescimento proissional das pessoas, de acordo com seu potencial,
fomentando o aprendizado necessário e deinindo itinerários de carreira que
conjuguem as necessidades organizacionais com os diversos peris, expectati-
vas e preferências individuais.

b) Relação com outros subsistemas


A gestão do desenvolvimento se relaciona preferencialmente com outros
três subsistemas da GRH.
Interage com a gestão do emprego, deinindo de forma articulada o luxo
de movimento das pessoas na organização.
Mantém uma ligação próxima com a gestão do desempenho, da qual re-
cebe informações imprescindíveis para deinir tanto as necessidades de apren-
dizado como as oportunidades de promoção.
Deve coordenar-se com as políticas de compensação, especialmente no
que diz respeito aos mecanismos de progressão salarial, ligados às diversas pro-
jeções de carreira.

c) Processos
A gestão do desenvolvimento engloba duas áreas básicas de políticas de
GRH:
1. As políticas de promoção e de carreira, que articulam os processos por meio
dos quais as pessoas progridem, tanto em sua contribuição (isto é, o tama-
nho de sua contribuição em prol das inalidades da organização), como no
reconhecimento dessa contribuição pela organização (constituído por tudo
aquilo que a organização oferece em troca).
2. As políticas de formação, destinadas a garantir o aprendizado individual e
coletivo necessário às inalidades da organização, desenvolvendo a capaci-
dade dos empregados e estimulando sua progressão proissional.

d) Pontos críticos
Eicácia das políticas de promoção
■ As pessoas, em geral, são satisfeitas em suas expectativas razoáveis de pro-
moção na organização.
■ Existem planos de carreira e sucessão que harmonizam as expectativas indi-
viduais com as necessidades previsíveis da organização.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 120 120 22/2/2007 09:40:43


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 121

Qualidade da projeção de carreiras


■ Os critérios e mecanismos de promoção vinculam-na ao desempenho, ao
potencial e ao desenvolvimento de capacidades, e não ao mero transcurso
do tempo.
■ A organização administra lexivelmente o progresso das pessoas, sem um
excesso de barreiras ou limitações formais.
■ Há fórmulas alternativas às carreiras estritamente hierárquicas, como as
carreiras horizontais ou no cargo, baseadas no reconhecimento da exce-
lência proissional, sem necessidade de aumentar a autoridade formal dos
afetados.

Qualidade da formação
■ As pessoas recebem da organização a capacitação adequada para com-
plementar sua formação inicial ou de acesso, adaptar-se à evolução das
tarefas, enfrentar o déicit de desempenho e apoiar o próprio crescimento
proissional.
■ A formação apóia o desenvolvimento do aprendizado coletivo, que consoli-
da avanços na capacidade organizacional para enfrentar problemas e ofere-
cer respostas eicazes.
■ A formação apóia de maneira efetiva os processos de inovação e mudança
cultural.

Gestão da formação
■ A formação baseia-se em diagnósticos coniáveis de necessidades.
■ O investimento em formação se dá mediante planejamento baseado no
diagnóstico de necessidades e é concebido para apoiar prioridades claras
da organização.
■ A formação é objeto de avaliação, que se estende à satisfação proporcionada
aos participantes, à relação entre resultados e custos e ao impacto produzido
sobre o desempenho das pessoas no posto de trabalho.

e) Considerações especíicas sobre o subsistema de gestão do desenvolvimento


■ As políticas de promoção e carreira constituem, junto com as de recruta-
mento e seleção, as áreas mais sensíveis à vulnerabilidade do princípio de
mérito. A ascensão em função do desempenho e da capacidade, e não das
proximidades políticas ou pessoais, ou da mera arbitrariedade, é requisito
básico que qualquer sistema de gestão pública das pessoas deve atender an-
tes de qualquer outro.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 121 121 22/2/2007 09:40:43


122 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

■ É freqüente, principalmente no âmbito público, que as organizações iden-


tiiquem a carreira com a ascensão hierárquica. Quando acontece assim,
a necessidade de satisfazer expectativas e demandas de promoção leva ao
inchaço artiicial de estruturas, perniciosa sob muitos pontos de vista. O
planejamento de carreiras horizontais, não hierárquicas, tem por objetivo
solucionar este problema.
■ Convém ressaltar que a carreira é uma das áreas em que, com maior intensi-
dade, os reformadores dos sistemas de gestão pública de recursos humanos
tentaram incorporar elementos de lexibilidade, como icará claro no pró-
ximo capítulo.
■ Existe a mais ampla concordância entre os especialistas acerca do valor
crucial da formação na moderna GRH. Para que um sistema satisfaça estas
expectativas, convém lembrar que é imprescindível que a atividade de for-
mação esteja a serviço da estratégia organizacional e não constitua um mero
catálogo de ofertas de capacitação, administrado pelos próprios empregados
em função apenas de suas preferências e interesses pessoais.
■ Com alguma freqüência, uma vez que não costuma gerar resistências, a for-
mação converte-se em política utilizada para enfrentar qualquer problema
de pessoal, inclusive aqueles para os quais ela não é o instrumento mais
adequado. É preciso levar em consideração, no entanto, que a formação não
soluciona por si só as carências em áreas mais “duras” da GRH, como po-
dem ser a gestão do desempenho ou das retribuições.
■ Para evitar tais desvios, é necessário superar as diiculdades intrínsecas e
criar um instrumental de avaliação do investimento em formação. Esse ins-
trumental deve ir da mera veriicação de atividade e custo e chegar, na me-
dida do possível, a avaliar o impacto sobre o desempenho das pessoas no
trabalho.

Subsistema 7: gestão das relações humanas e sociais

a) Objetivo
Este subsistema da GRH se dedica à gestão das relações estabelecidas en-
tre a organização e seus empregados em torno das políticas e práticas de pes-
soal quando, por razões várias, estas adquirem, em um determinado contexto,
dimensão coletiva.
Essa dimensão é alcançada quando o interlocutor da direção não é o em-
pregado individual, nem uma unidade organizacional ou grupo de trabalho
especíico, como acontece nas relações comuns de trabalho, e sim a totalidade

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 122 122 22/2/2007 09:40:43


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 123

do pessoal, ou então um ou vários grupos de empregados vinculados entre si


por identidades laborais ou proissionais mais ou menos genéricas, mas que
transcendem normalmente um âmbito funcional especíico de trabalho.

b) Relação com outros subsistemas


Como indica sua localização no diagrama, a gestão das relações humanas
e sociais se relaciona com a totalidade dos subsistemas da GRH. De fato, as
relações coletivas que constituem seu objetivo podem se desenvolver no marco
de qualquer outra área da gestão das pessoas, desde o planejamento até a car-
reira, passando pela compensação e pela gestão do desempenho.

Figura 8. Esquema de funcionamento das relações laborais

ATORES

Direção Empregador
DRH Mediador Sindicatos
Supervisores Órgãos de representação

ENTRADAS PROCESSO SAÍDAS

Negociação coletiva
Objetivos Acordos Retribuição direta
Comitês e comissões Retribuição indireta
Valores Reclamações e queixas Condições de trabalho
Participação Condições de emprego
Poder Relações de trabalho Políticas de GRH
Mediação-arbitragem Normas
Relações informais Clima de trabalho
Conflito trabalhista

CONTEXTO

Econômico Tecnológico Legal Político Social

Precisamente, se o conteúdo temático das relações coletivas, num deter-


minado sistema de gestão pública dos recursos humanos, afetar mais a algumas
questões de pessoal do que a outras (as retribuições, por exemplo, em relação
às políticas de quadro de pessoal) esse fato irá constituir um elemento qualii-
cador do modelo de relações coletivas existente.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 123 123 22/2/2007 09:40:43


124 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

c) Processos
Dentre as diversas opções de sistematização possíveis num campo par-
ticularmente amplo, adotamos uma classiicação em três blocos ou áreas de
gestão:
1. A gestão do clima organizacional18, na qual cabe localizar, em destaque, as
políticas e práticas de comunicação, em sentido tanto ascendente quanto
descendente, bem como um amplo elenco de políticas de pessoal destinadas
a manter e melhorar a percepção da satisfação coletiva dos empregados.
2. A gestão das relações trabalhistas (vide igura 8), que inclui a negociação co-
letiva dos salários e as condições de trabalho, no espaço em que ela integra
as práticas de pessoal estabelecidas, bem como todo o conjunto de relações
entre a direção da organização e os interlocutores sociais (sindicatos, grê-
mios, associações etc.) que representam os empregados ou grupos destes. As
relações trabalhistas se estenderão aos órgãos representativos da base eleti-
va, nos contextos institucionais em que estes existam. As relações trabalhis-
tas reproduzem os objetivos, os valores e as aspirações de poder das partes,
desenvolvem-se mediante processos de acordo, negociação ou conlito de
diversas naturezas e provocam impacto sobre diversas áreas da GRH.

18
Clima organizacional: em uma obra clássica, Litwin e Stringer (1968, p. 66) deinem o
clima como a soma das percepções dos indivíduos que trabalham em uma organização.
Esse estado de ânimo coletivo ou percepção global compartilhada tem repercussões na
conduta dos empregados e, portanto, interessa à GRH.
O clima organizacional normalmente é medido através de questionários que avaliam as
percepções dos empregados, tomando por base um conjunto de dimensões. A medição
do clima serve para melhorar as políticas e práticas de GRH relacionadas às áreas que
estejam deicitárias.
Weinert (1985, p. 176) reconhece no clima organizacional cinco componentes ou dimen-
sões principais, que constituem o denominador comum dos diversos instrumentos de
medição propostos:
a) a autonomia individual, ou liberdade dos indivíduos para decidir por si mesmos
sobre o trabalho;
b) o grau em que foram elaborados e ixados com clareza os métodos e objetivos e no
qual o superior os dá a conhecer;
c) o sistema de recompensa e retribuição e o grau em que apresenta uma relação clara
com o desempenho produzido e recebido;
d) a atenção, o apoio, o interesse e o “calor” que mostram os superiores em relação aos
subordinadose, e
e) a cooperação e capacidade para resolver conlitos.
Como pode ser observado, trata-se de elementos que, em boa medida, afetam as relações
verticais (superiores/subordinados) e por isso são especialmente suscetíveis de serem con-
templados e incorporados pelas políticas e práticas organizacionais de gestão das pessoas.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 124 124 22/2/2007 09:40:43


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 125

3. A gestão das políticas sociais, entre as quais as de saúde laboral, ocupam um


espaço proeminente e se estendem ao conjunto de políticas e práticas cujo
objetivo é facilitar benefícios coletivos e auxílio a indivíduos ou grupos es-
pecialmente necessitados, dentro do coletivo de empregados.

d) Pontos críticos
Gestão do clima
■ A organização trata de conhecer o clima laboral, avaliando-o periodicamen-
te através do uso de instrumentos coniáveis.
■ As avaliações do clima são levadas em consideração para a revisão e melho-
ra das políticas e práticas de GRH.

Eicácia da comunicação
■ A organização dispõe de mecanismos, e veriica-se que os usa com freqüên-
cia, para conhecer as iniciativas, reivindicações, sugestões, informações e
opiniões procedentes dos empregados.
■ Em geral, as decisões da direção, em seus diversos níveis, bem como as infor-
mações relevantes de todos os tipos, geradas em instâncias superiores, circu-
lam pela organização com luidez e chegam com precisão a todos os afetados.
■ A organização dispõe de instrumentos especíicos de comunicação desti-
nados a reforçar a percepção de pertencimento e o comprometimento dos
empregados no projeto organizacional global.

Equilíbrio e qualidade das relações trabalhistas


■ Nas relações trabalhistas, cada parte representa, sem exceder seus limites, o
papel que lhe é devido e cujo exercício é reciprocamente reconhecido e aceito.
■ Existe, em geral, um equilíbrio razoável entre as posições de poder da dire-
ção e os empregados. As negociações entre as partes normalmente reletem
tal equilíbrio.
■ As relações trabalhistas se orientam, em geral e preferencialmente, à nego-
ciação e ao acordo, e não ao confronto ou à desqualiicação do adversário.
■ As relações trabalhistas intermediadas (as que são protagonizadas por ins-
tâncias de caráter representativo) não excluem as relações diretas ou perso-
nalizadas da direção com os empregados, quando é conveniente mantê-las.

Gestão do conlito trabalhista


■ O grau de enfrentamento trabalhista não é excessivo, seja pelo número de
conlitos, por seus efeitos ou pela contundência dos meios utilizados.
■ Existem mecanismos eicazes para a gestão e solução pactuada dos conlitos.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 125 125 22/2/2007 09:40:43


126 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Gestão das políticas sociais


■ As práticas de saúde laboral são satisfatórias.
■ Os cuidados e benefícios sociais para os empregados são adequados; não
excedem àqueles que são próprios ao contexto em que opera a organização
e são apreciados por seus destinatários.

e) Considerações especíicas sobre o subsistema de gestão


das relações humanas e sociais
Na exploração desta área da GRH seria conveniente levar em considera-
ção o seguinte.
■ A percepção de déicit em questão de comunicação interna é comum à maior
parte das organizações e às situações por elas vividas. As pessoas podem
descrever com palavras similares situações muito diversas. É imprescindí-
vel, portanto, quando se analisa este campo, tentar contrapor as opiniões
com o maior número possível de dados objetivos.
■ Na esfera pública, as relações trabalhistas sofrem freqüentemente de uma
considerável reatividade: pensa-se nelas somente quando surgem as reivin-
dicações ou conlitos, icando geralmente a iniciativa com os interlocutores
representativos. Essa ausência de estratégia trabalhista torna, em geral, a
direção das organizações públicas particularmente vulnerável ao conlito e
propensa a respostas a curto prazo e, além disso, tende a enfraquecer seu
poder de negociação.
■ O fato anterior se acentua em contextos em que o papel dominante da re-
presentação e das decisões, dentro do bloco “patronal”, é assumido pela di-
reção política das organizações, o que caracteriza os modelos politizados de
relações trabalhistas, nos quais, freqüentemente, se dá uma interpenetração
partidos/sindicatos. Alguns países, como veremos no próximo capítulo, ten-
dem exatamente para o sentido contrário, defendendo uma crescente pro-
issionalização dessa parcela.
■ É interessante descobrir em que medida já existem ou é possível acionar fór-
mulas de mediação ou arbitragem para a solução dos conlitos trabalhistas.
■ No que se refere à determinação das condições de trabalho dos empregados
públicos, foram detectadas em alguns países (o caso espanhol seria um deles),
zonas importantes de ambigüidade nas regulamentações. A crescente pre-
sença e a importância do acordo coletivo não eliminam, mas se sobrepõem
à ixação unilateral das condições de trabalho através de normas ou decisões
da autoridade pública, criando, em algumas ocasiões, práticas contraditórias
e uma considerável confusão. O grau de clareza normativa é, nesse ponto,
uma variável relevante para o bom funcionamento do subsistema.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 126 126 22/2/2007 09:40:44


OS GRANDES SUBSISTEMAS „ 127

■ O planejamento de políticas de benefícios e atenções sociais no âmbito pú-


blico deve, em princípio, evitar que estes possam entrar em contradição com
considerações de política iscal ou inanceira, ou constituir privilégios dos
empregados públicos em relação a outros trabalhadores ou usuários dos
serviços públicos.

Organização da função de recursos humanos

Esta panorâmica dos subsistemas que integram a GRH deve ser comple-
tada com a descrição dos mecanismos de administração do sistema e, con-
cretamente, com o da distribuição das decisões sobre o pessoal por parte dos
diversos atores responsáveis.

Alcance da análise da organização da função de recursos humanos

Qualquer valorização da organização da função de recursos humanos no


contexto de um sistema público de gestão das pessoas deve analisar duas di-
mensões fundamentais do planejamento organizacional deste, que são:
a) o grau de uniicação/fragmentação das responsabilidades em matéria de
GRH, e
b) o grau de centralização/descentralização da tomada de decisões que afetam
o pessoal.

Pontos críticos na organização da função de recursos humanos

Os seguintes extremos podem ser considerados, nesta matéria, como


pontos críticos:
■ se os dirigentes dispõem, em geral (e se assim não for, em que casos) da
margem de autonomia necessária para desempenhar adequadamente o pa-
pel de gestores dos recursos humanos atribuídos a suas unidades;
■ se os dirigentes recebem a capacitação necessária para o desempenho de
tais funções;
■ até que ponto os dirigentes interiorizaram e exercem adequadamente suas
responsabilidades como gestores de pessoas, e
■ em que medida os serviços centrais responsáveis pelo sistema de SC são per-
cebidos pelo restante da organização como uma instância que agrega valor
à consecução dos objetivos comuns.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 127 127 22/2/2007 09:40:44


Fundap (Mérito e Flexibilidade) 128 128 22/2/2007 09:40:44
5. AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO
DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS

Como evolui a gestão dos recursos humanos nas organizações e sistemas


multiorganizacionais do setor público? Qual é o grau de coincidência de tal
evolução com as tendências de fundo que descrevemos no capítulo 1? Até que
ponto e em que áreas elas reletem singularidades derivadas do padrão insti-
tucional especíico que deinimos no capítulo 2? Quais elementos do modelo
esboçado no capítulo 3 são especialmente afetados? Quais são, dentre os des-
critos no capítulo 4, os subsistemas nos quais se concentram as mudanças e em
que sentido elas estão acontecendo? Até que ponto há coincidência na evolu-
ção registrada em uns e outros países? Quais são, conforme o caso, os fatores
que explicam as diferenças no conteúdo ou no processo das reformas?
Estas são as principais perguntas que nos propomos a responder neste
capítulo, em que nos dedicaremos a apresentar um panorama das tendências
percebidas no campo da gestão pública do emprego e dos recursos humanos,
tomando como referência os dados e projetos relacionados a um grupo de
países do mundo desenvolvido19. Nossa pesquisa se estende às duas últimas
décadas, nas quais se concentraram processos de mudança de amplo alcance
em alguns desses países. Em todos eles, sem exceção, os sistemas de função
pública ou serviço civil e sua reforma estiveram em debate público, produzin-
do, em muitos casos, transformações de escala e intensidade muito variadas,
mas de interesse para nosso propósito. Em todos os casos, centraremos aten-
ção especialmente nas mudanças que ocorreram do início da década de 1990
até hoje.

AS NECESSIDADES DE MUDANÇA

Antes de tratarmos do conteúdo das mudanças, que constituem o tema


central deste capítulo, é preciso que nos detenhamos por um momento no

19
Foram utilizados, fundamentalmente, dados e análises relacionados ao seguinte grupo de
países: Alemanha, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Itália, Ja-
pão, Reino Unido e Suécia. Haverá menções a outras experiências nacionais, sobre as quais
encontramos referência na bibliograia utilizada, e que nos pareceram relevantes. Nesse
sentido, devem ser destacados os casos da Austrália e Nova Zelândia, países que, como se
sabe, experimentaram reformas profundas em seus sistemas político-administrativos.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 129 129 22/2/2007 09:40:44


130 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

diagnóstico que converteu as mudanças em necessidade e que, de alguma for-


ma, as tornou possíveis. Para identiicar os aspectos dos sistemas de função
pública considerados em determinado momento como disfuncionais, é preciso
localizar esse diagnóstico no amplo movimento de reforma dos sistemas públi-
cos que caracterizou a maior parte dos países do âmbito analisado durante as
duas últimas décadas do século passado.

As transformações da gestão pública

As reformas da função pública não surgiram isoladamente mas, pelo con-


trário, num contexto de aberto questionamento dos paradigmas aos quais os
sistemas político-administrativos do mundo desenvolvido vinham ajustando
seu funcionamento. A crise iscal, combinada com a expansão qualitativa e
quantitativa da demanda de serviços públicos, introduziu pressões nesses siste-
mas, freqüentemente de sinal contraditório, que desencadearam movimentos
de mudança (Barzelay, 1998; Clarke e Newman, 1997; Dunleavy e Hood, 1994;
Metcalfe, 1993b; OCDE, 2000a; Pollitt, 1993 e Bouckaert, 2000), subverten-
do boa parte dos padrões estabelecidos. Duas orientações ou megatendências
(Longo, 1999a, p. 214) orientam esses movimentos. Por um lado, uma orien-
tação eicientista, amplamente dominante, direcionada à luta contra o déicit
e pela redução dos gastos, e muito inluenciada pelas teorias econômicas do
public choice (Schwartz, 1994) e pelas convicções políticas da “nova direita”
(apesar de que, na prática, a transversalidade política das iniciativas e discursos
de reforma acabará por ser notável). Por outro lado, uma orientação “de servi-
ço público”, caracterizada pela ênfase na qualidade do serviço, a visão do cida-
dão como cliente e a consecução da “receptividade” da administração (OCDE,
1988, p. 37).
Que eixos ou elementos centrais deram conteúdo a essas reformas? Alguns
falaram (Barzelay, 1998, p. 173 e seguintes) num novo paradigma pós-burocrá-
tico, chamado a mudar o foco das convicções e comportamentos dos atores pú-
blicos, deslocando-os da obediência às regras à criação de valor; de um genérico
interesse público à produção de resultados tangíveis; da administração à produ-
ção; da responsabilidade imposta à prestação de contas; e do controle ao apego a
normas compartilhadas. Para Horton (2000, p. 212), o novo paradigma prefere
a descentralização à centralização, a diversidade à uniformidade, o desempenho
à rotina administrativa e a vontade empreendedora à consistência.
Clarke e Newman (1997, p. 29) destacam a dispersão como estratégia po-
lítica para a reforma do Estado, na qual incluem diversos tipos de sistemas e

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 130 130 22/2/2007 09:40:44


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 131

mecanismos: a introdução de forças de mercado, a expansão de outros setores


não-estatais e o desenvolvimento de processos de centralização/descentraliza-
ção, bem como a externalização e privatização de serviços públicos. O “geren-
cialismo” seria a ideologia que dá sentido a um planejamento tão fragmentado
do poder, em que a discricionariedade gerencial (o invocado “direito a gestio-
nar”) aparece como uma questão central.
Todo esse conjunto de orientações pode se inscrever num contexto de
irrupção do management na administração pública (Echebarria, 1993). Entre
um amplo setor de estudiosos de tal fenômeno consolidou-se, para nos referir-
mos a ele, a expressão “nova gestão pública”. Barzelay (2001, p. 11) atribui sua
aparição ao efeito combinado de mudanças nos âmbitos da imagem (aceitação
da idéia de que as organizações governamentais são ineicientes), do domí-
nio (o da gestão pública – public management policy domain –, que se uniica
mediante regras institucionais que afetam os recursos, as pessoas e os proce-
dimentos, integrando-os) e da jurisdição (a das agências centrais responsáveis
pelo orçamento, que se amplia e inclui a responsabilidade sobre as políticas
globais de gestão pública).
Dunleavy e Hood (1994, p. 9) descreveram da seguinte forma os princi-
pais traços de conteúdo da Nova Gestão Pública:
a) transformação dos orçamentos para torná-los transparentes do ponto de vis-
ta contábil, atribuindo os custos não aos inputs, mas sim aos outputs, e men-
surando estes através de indicadores de resultado;
b) visão das organizações como uma cadeia de relações principal/agente de
baixo custo, em conjuntos de contratos que vinculam os incentivos ao
desempenho;
c) desagregação de funções que podem ser separadas em formas quase con-
tratuais ou de quase-mercado, especialmente através da introdução de dis-
tinções fornecedor/cliente, e substituindo as estruturas de planejamento e
provisão de recursos, antes uniicadas;
d) abertura das funções de provisão à concorrência entre agências ou entre
agências públicas, empresas e organizações não lucrativas;
e) desconcentração dos papéis de provedor em agências do tamanho mínimo
viável, permitindo aos usuários mais opções de “saída”, de um provedor para
outro, e coniando mais nestas opções que nas de “voz”20, para garantir a
inluência daqueles nas formas de provisão dos serviços.

20
Segundo a conhecida terminologia de Albert Hirschmann, 1970.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 131 131 22/2/2007 09:40:44


132 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Todos os autores citados destacam a ampliação da discricionariedade dos


dirigentes que tais mudanças provocam. Uma das questões discutidas é, pre-
cisamente, se essas reformas signiicaram verdadeiramente um deslocamento
dos limites entre política e gestão e, se foi assim, em que sentido. Para alguns
(Clarke e Newman, 1997), o management invadiu a política e ocupou espaços
do território político. Para outros (Richards, 1994; Halligan, 1997), pelo con-
trário, a reforma gerencial foi o veículo através do qual os políticos do governo
obtiveram maior controle sobre seus funcionários. Provavelmente, ambas aná-
lises estão corretas. Como sublinharam Pollitt e Bouckaert (2000, p. 146), os
gestores obtiveram nova autoridade de várias maneiras e, ao mesmo tempo, o
controle político sobre a gestão pública fortaleceu-se na maioria dos casos. Não
existe contradição, acreditamos, entre as duas coisas, uma vez que os governos,
buscando exatamente esse maior controle sobre os aparelhos administrativos,
precisaram recorrer a planejamentos descentralizados que, ao mesmo tempo,
aumentaram a discricionariedade gerencial.
Como tentaremos exempliicar mais adiante, esse conjunto de orientações
de mudança tinha por objetivo exercer uma forte inluência na transformação
dos sistemas de gestão pública do emprego e dos recursos humanos em todo
o âmbito contemplado, apesar de tal inluência dar lugar a reformas de ambi-
ção e conteúdo bastante desiguais. A OCDE (2001a, p. 5 e seguintes) explica
as diferenças devido à inluência de seis variáveis principais: a) a situação da
economia; b) o padrão de relações trabalhistas no setor público; c) a percepção
pública sobre o papel do governo e da administração; d) as culturas adminis-
trativas; e) as prioridades nacionais, e f) os acordos constitucionais existentes.

O diagnóstico gerencial das disfunções da função pública

Apesar da diversidade de modelos de função pública e das especiicidades


nacionais, a análise da literatura especializada (Ziller, 1993, p. 419; U.S. Natio-
nal Performance Review, 1993; Longo, 1995, p. 10; Rouban, 1997; Ridley, 2000,
p. 30-31; Horton 2000, p. 210 e seguintes; Ruini, 2000, p. 137; Hondeghem
e Steen 2000, p. 64 e seguintes) revela um alto grau de concentração e coinci-
dência no momento de identiicar, a partir da perspectiva da reforma gerencial
da administração, as principais disfunções dos sistemas de gestão pública dos
recursos humanos. Passamos a resumi-las de forma bem sucinta.
■ Um excesso de uniformidade nos padrões reguladores do emprego público
reduz a capacidade de adaptação a ambientes plurais e dinâmicos e de rea-
ção diante das mudanças.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 132 132 22/2/2007 09:40:44


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 133

■ Há regulamentos em demasia, o que provoca um alto e excessivo grau de


padronização das práticas de pessoal.
■ A gestão está excessivamente centralizada. Os dirigentes dispõem de pouca
autonomia para o exercício de suas responsabilidades na gestão de seus re-
cursos humanos.
■ A organização do trabalho (estruturas e postos) está engessada e fragmen-
tada. Com freqüência, deriva da lei ou de acordos coletivos centralizados e
não de decisões adotadas em função de gestão. Há excesso de especiicação
das tarefas, introduzindo rigidez na atribuição do trabalho.
■ A mobilidade é baixa, tanto em sua dimensão interna como externa. A mo-
bilidade interna ica diicultada pelo excesso de regulamentação de tarefas, já
mencionado, e às vezes pela existência de barreiras horizontais e verticais.
■ Os sistemas de recrutamento e seleção são longos, complexos e excessiva-
mente formalizados. Neles, é atribuído peso excessivo aos conhecimentos e
méritos formais.
■ Constatamos um excesso de segurança (percepção de estabilidade garanti-
da) no trabalho.
■ A ascensão é diicultada pela existência de barreiras de graduação que diicul-
tam as promoções. Com freqüência, é atribuído peso excessivo à antiguidade.
■ A retribuição se dá freqüentemente pela graduação ou categoria e não pelo
cargo, não vinculando o salário à responsabilidade assumida e às cargas de
trabalho reais. As graduações podem converter-se, além disso, em barreiras
para a progressão salarial.
■ Existe separação quase absoluta entre o desempenho no cargo e o funciona-
mento dos sistemas de promoção e retribuição. As experiências de retribui-
ção ao desempenho chocam-se com a inexistência de mecanismos eicazes
de avaliação.
■ Os sistemas se ressentem da baixa capacidade de produção de competências
e de peris diretivos.
■ Os estilos dirigentes tendem ao paternalismo. Freqüentemente adotam con-
dutas mais de apoio ao pessoal do que de exigência.
■ Impera o coletivismo nas relações laborais, entrando em colisão com as ne-
cessidades crescentes de segmentação e personalização das práticas de pes-
soal. Às vezes, detecta-se uma tendência a um alto grau de conlito.

Como é lógico, apesar da coincidência apontada, o peso de cada uma


dessas disfunções é distinto nas diversas realidades nacionais contempladas,
em cada uma das quais encontraríamos, além disso, matizes não incorporados
a uma relação tão esquemática como a anterior. Em conjunto, o diagnóstico

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 133 133 22/2/2007 09:40:44


134 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

nos apresenta uma situação caracterizada pela abundância de elementos de ri-


gidez. Seria preciso acrescentar que esses elementos agem de forma diferente,
de acordo com o modelo de função pública que se observe. Se recorrermos aos
modelos descritos no capítulo 2, podemos airmar que a rigidez do sistema é
vivida com maior preocupação nos modelos de carreira do que nos de em-
prego, se bem que estes tampouco estão isentos de críticas semelhantes às que
acabamos de resumir.

O SENTIDO DAS REFORMAS

Neste tópico, vamos abordar, primeiro, as orientações de mudança mais


globais ou genéricas que se veriicam nos sistemas de função pública ou serviço
civil do âmbito contemplado. Aludiremos, depois, a alguns fatores que expli-
cam as diferenças observadas na amplitude ou intensidade de tais reformas.

Principais objetivos e tendências de mudança

Antes de mais nada, as reformas da função pública signiicaram uma


revalorização da gestão dos recursos humanos, que passou a ser reconhecida
(Horton, 2000, p. 212) como a função principal da direção nas organizações
de serviços públicos. A inluência, neste sentido, de tendências semelhantes no
setor privado, que descrevemos no capítulo 1, parece inquestionável. Uma par-
te dessa reconsideração teve origem na orientação eicientista, já mencionada,
das reformas do setor público, fortemente inclinadas ao ajuste e à economia de
recursos. A enorme proporção que o gasto de pessoal assume no gasto total das
organizações do setor público reforçou a importância de uma gestão eiciente
desse ativo fundamental. A redução do gasto com pessoal converteu-se em ob-
jetivo fundamental para os governos (OCDE, 1999a, p. 25).
Mas, a relevância alcançada pela GRH não foi apenas conseqüência da
necessidade de redução de custos. Também teve relação com uma reconsi-
deração da própria função diretiva ou gerencial e com o reconhecimento de
seu papel no sistema público. Essa irrupção do management, e a lógica des-
centralizada que carrega consigo, produziu uma tendência generalizadora de
transferência de autonomia e ampliação da discricionariedade dos gestores
em matéria de GRH (OCDE, 1999a, p. 20; Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 72 e
seguintes; Ruini, 2000, p. 138-9; Horton, 2000, p. 212 e seguintes; homp-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 134 134 22/2/2007 09:40:44


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 135

son e Cachares, 2000, p. 239), a qual constitui uma das orientações globais
mais intensas e compartilhadas das reformas. Por sua vez, fez do fortaleci-
mento da função gerencial e do desenvolvimento diretivo uma prioridade
que se traduziu com freqüência (Butler, 1993; Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 74)
na deinição de estruturas e políticas de pessoal especíicas para o segmento
diretivo da função pública, como descreveremos mais detidamente no pró-
ximo capítulo.
Nos países que analisamos, a função pública evoluiu, em geral, de um sis-
tema uniforme para outro mais pluralista (Ridley, 2000, p. 32), no qual, frente
ao tradicional engessamento e padronização da relação entre empregadores
e empregados, foram surgindo diversas formas de emprego e padrões diver-
siicados de trabalho (Horton, 2000, p. 213) que se traduziram em diversas
modalidades contratuais e de organização do tempo de trabalho. A inluência
exercida pelas mudanças sociais apontadas no capítulo 1 é inquestionável.
Em geral, a permeabilidade às inluências do setor privado constitui outro
traço comum nos processos de mudança. Bach (1999, p. 177), ironicamente,
salientou que no Reino Unido (mas, com certeza, poderíamos estender este
dado a muitos outros lugares) “nenhum relatório anual ou plano de negócio de
qualquer órgão ou agência estará completo se não incluir o mantra: as pessoas
são nosso principal ativo. Como no setor privado, houve ênfase semelhante no
desenvolvimento de um enfoque estratégico da gestão das pessoas, transferin-
do a responsabilidade às direções de linha e demonstrando que os especialistas
em pessoal agregam valor a suas organizações”.
A utilização do emprego privado como referência trouxe consigo a ten-
dência de questionar o excesso de estabilidade e proteção do emprego público
(Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 73; hompson e Cachares, 2000, p. 240). Na Itália,
a orientação “privatizante” protagonizou, em 1993, uma reforma global que
pretendeu enfrentar as disfunções da função pública por meio de mudança
de seu regime jurídico (Martínez Bargueño, 1995, p. 32; Ruini, 2000, p. 138).
Essa reforma reconduziu o emprego público ao direito civil e trabalhista co-
mum, estabelecendo que as relações e condições de trabalho passassem a ser
regulamentadas através de contratos individuais e acordos coletivos, tuteladas
pelos tribunais trabalhistas comuns.
A transcendência desse tipo de reformas foi questionada pelos que viam
a mudança numa dimensão meramente formal. Entre eles, Ridley (2000, p. 28)
advertiu que o emprego contratual pode ou não oferecer maior lexibilidade
que o estatutário, já que ambos podem vir a gozar da mesma estabilidade e pro-
teção e das mesmas condições salariais e de trabalho. A experiência da Espa-
nha, em cujas administrações existe um amplo uso contratual sujeito ao direito

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 135 135 22/2/2007 09:40:45


136 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

trabalhista comum (Longo, 1995), permitiria conirmar essa advertência. Na


verdade, as práticas de gestão das pessoas sujeitas a um ou outro tipo de regu-
lamentação tende, na maioria das vezes, a coincidir. Com isso, as modalidades
contratuais de emprego público, com o tempo, acabam por adquirir a rigidez
e a proteção que caracterizam as de natureza pública ou estatutária. A “labo-
ralização”, que na década de 1980 se tornou um lema para os reformistas na
Espanha, há muito deixou de ser vista como uma reforma capaz de solucionar,
por si mesma, os problemas mais importantes da gestão pública dos recursos
humanos.
O aumento da mobilidade das pessoas é outro dos objetivos comuns
(OCDE, 1999a, p. 19-20). A mobilidade interna, tanto funcional quanto geo-
gráica, é um requisito, necessário, por um lado, para obter o máximo de apro-
veitamento do quadro de pessoal, o que a faz imprescindível em situações de
ajuste. Por outro lado, permite adaptar os recursos às mudanças de contexto
ou de demanda, cada vez mais freqüentes nas situações atuais. O estímulo à
mobilidade, tanto horizontal quanto vertical, leva à eliminação das barreiras,
característica, como vimos, de muitos sistemas de função pública. Por sua vez,
a mobilidade externa, isto é, a que se produz além das fronteiras da organiza-
ção, é uma característica especíica de orientações que, como as que estamos
analisando, dão destaque a uma maior abertura e permeabilidade entre os se-
tores público e privado.
Estimular a mobilidade em todos esses sentidos e direções demanda su-
perar visões que a consideram como um mecanismo estritamente voluntá-
rio, baseado no direito subjetivo do trabalhador público (Longo, 1995, p. 8),
porém é virtualmente impossível compelir a sua realização por necessidades
organizacionais. É nesse sentido que se encaminham algumas das reformas
da função pública. Entretanto, esse objetivo pede, ademais, várias políticas
de recursos humanos, de orientação mais lexível que as tradicionais. Serão
abordadas mais adiante, especiicamente, as áreas da GRH em que essas novas
políticas se concretizam.
Por último, outro dos grandes âmbitos sobre o qual incidem as reformas
da função pública é o dos modelos de relações trabalhistas. Os empregadores
públicos (Horton, 2000, p. 213) tiveram de aprender a combinar, por um lado,
os canais da negociação coletiva, tentando fazer prevalecer os comportamentos
“de acordo” em lugar dos “de enfrentamento”, com encaminhamentos menos
formais e intermediados das relações coletivas, por outro lado. Nestas, a comu-
nicação direta com as pessoas ou com grupos concretos de empregados é vista
como uma pauta normal, num marco de crescente personalização das diversas
políticas e práticas de GRH.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 136 136 22/2/2007 09:40:45


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 137

Diferenças em amplitude e intensidade

Sem prejuízo da coincidência genérica nos conteúdos, as reformas da ges-


tão pública do emprego e dos recursos humanos apresentam entre si diferenças
signiicativas em relação ao alcance das mudanças nos vários países que esta-
mos analisando. São dois os pólos extremos, neste sentido: por um lado, o Rei-
no Unido, Austrália e Nova Zelândia, países que podem ser considerados como
cenário típico da Nova Gestão Pública, viveram na realidade transformações
de intensidade singular, em todos os sentidos apontados no tópico anterior. No
outro extremo, a Alemanha é, provavelmente, o país onde as tradições da fun-
ção pública se mantêm mais inalteradas e onde as reformas se orientaram bem
mais para a racionalização e para a economia do que para o questionamento
das estruturas políticas de GRH. No meio, o restante das realidades nacionais
que observamos se aproximam mais a um ou outro destes pólos, mas sem che-
gar aos extremos de cada um deles.
São vários os fatores que podem explicar as diferenças. Citaremos, entre
eles, os seguintes (Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 39 e seguintes; Ridley, 2000,
p. 24; Horton e Farnham, 2000, p. 322 e seguintes).
■ As diversas percepções sobre o papel e signiicado dos servidores públicos,
assentadas nas visões do Estado a que nos referimos no capítulo 2.
■ A natureza das constituições e dos sistemas políticos, que favorecem em al-
guns casos (Estados unitários, sistemas majoritários) as mudanças em gran-
de escala e de alto a baixo e, em outros casos (Estados federais ou compostos,
poderes fragmentados) promovem aproximações mais parciais e baseadas
no consenso. As diferenças entre as reformas britânica e estadunidense se-
riam explicáveis, em boa parte, por esses diversos contextos institucionais.
■ A cultura política. Na França e na Alemanha, o peso dos valores de conti-
nuidade, regularidade e neutralidade prevalece sobre os de receptividade às
demandas de políticos e cidadãos, que tendem a ser, em troca, prevalecentes
no contexto anglo-saxão.
■ Os sistemas legais, que implicam restrições de maior ou menor relevância,
cuja mudança implica esforços de signiicado também diferente.
■ Os equilíbrios de poder existentes no campo das relações trabalhistas no
setor público. O peso dos sindicatos na França é consideravelmente maior,
por exemplo, do que no Reino Unido (Rouban, 1997). O mesmo acontece
com as questões culturais que predominam em tal padrão de relações. Na
Itália e na Espanha o sindicalismo de confronto é, no setor público, bem
mais habitual do que na Suécia, onde os sindicatos assumiram, em geral,
posição de apoio às reformas.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 137 137 22/2/2007 09:40:45


138 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

ESTRUTURAS E POLÍTICAS QUE FORAM OBJETO DAS REFORMAS

Tentaremos deinir neste tópico o conteúdo das reformas dos sistemas de


gestão pública do emprego e dos recursos humanos, sistematizando-as em três
grandes áreas. A primeira, mostra o planejamento organizacional da função
dos recursos humanos nos sistemas públicos, e se traduz basicamente numa
opção por projetos descentralizados, baseados na transferência de responsabi-
lidades à linha executiva. A segunda, inclui as reformas destinadas a introduzir
maior lexibilidade nas várias práticas de gestão das pessoas. A terceira refere-
se às mudanças ocorridas no campo das relações laborais. Deixaremos para o
próximo capítulo a descrição e análise das mudanças importantes que afetam a
coniguração e o desenvolvimento da função diretiva pública.

A organização da função de recursos humanos.


O impulso para a descentralização

Neste ponto, a tendência fundamental foi, como mencionamos antes, a


descentralização dos sistemas de função pública. A conveniência de transferir
responsabilidades da GRH dos departamentos centrais para as organizações
individuais, e das instâncias técnicas especializadas para a linha executiva, con-
verteu-se num desses consensos que ninguém discute ao se falar de reforma
administrativa. Nesta questão, pode ser apreciada uma clara inluência de ten-
dências atuais da GRH no setor empresarial privado, tal como salientávamos no
capítulo 1. Entretanto, ao se comparar esse discurso à realidade, o alcance efeti-
vo dos processos descentralizadores mostra diferenças notáveis entre os países.
Assim, por um lado encontramos um grupo de países que desenvolveram
ambiciosos processos descentralizadores. Como vimos, talvez a Suécia seja o
caso mais contundente. No modelo sueco (Premfors, 1998; Murray, 2000), o
diretor executivo dispõe de autoridade para organizar sua agência do modo
que lhe pareça mais eiciente. Essa autoridade inclui autonomia para escolher
seu pessoal, o que implica contratação, pagamento e demissão (Gustafson,
1995a). Como dissemos, um elaborado sistema de incentivos (prêmio/sanção),
cuja base é a responsabilidade pelos resultados, fundamenta o sistema sueco de
garantias frente à arbitrariedade e outros eventuais desvios.
Entre os países deste primeiro grupo, ainda que em nível ligeiramente in-
ferior de ambição descentralizadora, devemos incluir também o Reino Unido.
Os diretores das agências executivas britânicas dispõem de autonomia para re-
crutar todo seu pessoal, mas somente abaixo das categorias que correspondam

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 138 138 22/2/2007 09:40:45


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 139

ao serviço civil superior. Podem promover, formar e desenvolver os emprega-


dos, determinar a classiicação de cargos e salários, e gerir a dispensa e a dis-
ciplina. Na realidade, somente as agências maiores dispõem deste elenco total
de possibilidades, enquanto que as de tamanho menor adotam, em geral, as
políticas de pessoal de seus ministérios (Horton, 2000, p. 217). No mesmo gru-
po de países com sistemas fortemente descentralizados de função pública estão
(OCDE, 1999a, p. 21 e seguintes) a Austrália, Nova Zelândia e Finlândia.
No outro extremo, ou seja, nos países em que a descentralização da fun-
ção pública foi bem mais uma questão de discurso que de realização efetiva,
encontraríamos a França, onde a lógica descentralizadora dos Centres de Res-
ponsabilité teve, em matéria de GRH, força muito inferior a dos países antes
citados e onde, além disso, afetou de forma bastante desigual os diversos mi-
nistérios (Trosa, 1994). Também formariam parte deste grupo (OCDE, 1999a,
p. 21; Horton e Farnham, 2000, p. 320; Kim, 1996) países como a Alemanha,
Bélgica, Espanha, Canadá e Japão.
Em posição intermediária estaria a Holanda, onde as reformas descentra-
lizadoras se relacionam sobretudo com a aparição de um certo tipo de organis-
mos semi-autônomos (os ZBOs), cujo grau de generalização e consolidação foi
muito inferior ao dos modelos de agências britânicas ou suecas. Algo parecido
poderia ser dito dos APEs belgas. Quanto aos Estados Unidos, a descentrali-
zação do serviço civil aconteceu de forma desigual e heterogênea (hompson
e Cachares, 2000, p. 239 e seguintes), já que, no governo federal, se baseou nos
poderes conquistados por algumas agências, como a Federal Aviation Admi-
nistration ou o Internal Revenue Service, através de negociações bilaterais com
os respectivos comitês de supervisão do Congresso, mas sem que tenha exis-
tido um processo generalizado para o conjunto de agências governamentais.
No âmbito dos Estados norte-americanos, a desagregação também foi regra e
podemos encontrar experiências bem diferenciadas, desde modelos de GRH
muito centralizados, até casos como o da lei de 1966, da Geórgia, que descen-
tralizou e desregulamentou o recrutamento até o limite que poderia questionar
a própria sobrevivência do sistema de merecimento.
A descentralização da gestão pública do emprego e dos recursos humanos
implicou, onde foi efetiva, uma importante mudança de papel dos serviços centrais
de pessoal (Longo, 1995; hompson e Cachares, 2000), passando de uma função
de controle para a de consultor; sócio ou, quando menos, fornecedor interno de
serviços, na linha das tendências de caráter geral que descrevemos no capítulo 1.
Em boa medida, seu maior desaio foi exatamente o de articular em cada contexto
organizacional um novo conjunto de valores e de práticas de GRH capazes de
interiorizar e reforçar as novas realidades impostas pelas orientações de reforma

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 139 139 22/2/2007 09:40:45


140 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

da gestão pública (Bach, 1999, p. 182). A aceitação desse novo papel por parte
das tecno-estruturas especializadas em recursos humanos ou, pelo contrário, sua
resistência em assumi-lo, constituíram variáveis relevantes de inluência sobre a
rapidez das reformas e, especialmente, sobre a consolidação destas.

A introdução de flexibilidade nas políticas e


práticas de gestão das pessoas

As conotações de rigidez que, como já dissemos, caracterizam o diag-


nóstico global do emprego público na quase totalidade dos países, dotou as
orientações de mudança de uma consistente orientação para a lexibilidade.
Na verdade, a palavra “lexibilidade” foi o lema cunhado pela OCDE (OCDE,
1995) e reiterado em todas suas publicações e foros nesse campo, para sin-
tetizar orientações inovadoras na gestão pública do emprego e dos recursos
humanos dos países membros.
Trata-se, como vimos, de uma orientação também dominante entre as
grandes tendências de fundo, do período, no âmbito da gestão das pessoas.
No contexto institucional que caracteriza a função pública, a intensidade das
normas jurídicas tende a conferir conotações especíicas às reformas orienta-
das para a lexibilidade. A ênfase desordenadora é muito maior, já que com
freqüência é preciso revisar e modiicar padrões normativos para alcançar os
resultados almejados. Convém não esquecer, no entanto, que a mudança nor-
mativa por si só pode não ter impacto lexibilizador. Pelo contrário (Ridley,
2000, p. 34), às vezes a lexibilidade das regulamentações de pessoal pode ser
facilitada por mudanças prévias nos processos de trabalho, por meio dos quais
“a desburocratização do trabalho preceda a desburocratização das pessoas”.
Classiicando as práticas lexíveis da GRH em cinco grandes áreas, apresen-
tamos a seguir as principais tendências de mudança que esta orientação genérica
à lexibilidade produziu na gestão pública do emprego e dos recursos humanos.
Como veremos, falamos de mudanças que afetam praticamente a totalidade dos
subsistemas da GRH que sistematizamos e descrevemos no capítulo anterior.

1. A flexibilidade numérica: a dimensão quantitativa do emprego público

Praticamente todos os países da OCDE (OCDE, 1999a, p. 24, OCDE,


1999b) tentaram reduzir o volume do emprego público, ou ao menos controlar
e conter seu crescimento, por volta do inal da década de 1980 e durante a de

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 140 140 22/2/2007 09:40:45


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 141

1990. A magnitude e intensidade deste esforço foram, no entanto, bem diferen-


tes nos diversos países, como mostram os seguintes exemplos:
O Reino Unido foi um dos casos mais impressionantes de downsizing. En-
tre 1979 e 1998 (Horton, 2000, p. 214 e seguintes), o total do Civil Service baixou
de 732 mil empregos para 480 mil, o que representou uma perda de quase 35%
do emprego. No governo local britânico, os empregos passaram, no mesmo
período, de 3 milhões de pessoas para 2,1 milhões (30% a menos). Na Austrália
e Nova Zelândia (Schwartz, 1994, p. 70-71) foram registradas, nos últimos anos
da década de 1980, fortes reduções. O governo federal australiano reduziu 10%
de seu pessoal entre 1985 e 1990. Na Nova Zelândia, que é provavelmente a
experiência mais radical de redução de efetivos, a redução afetou nesse período
80 mil empregos e representou 29% de redução no núcleo central do serviço
público. Se estendermos o período analisado até 1997, a soma da redução ica
próxima de 50% do pessoal permanente. Se incluirmos o pessoal temporário,
a porcentagem de redução se aproxima de 67% (Gregory, citado por Ingraham
e outros, 2000, p. 394). Os países oceânicos izeram, em boa medida, a reestru-
turação de seu setor público nesses anos, sendo que a partir de então o número
de seus efetivos se mantém constante (OCDE, 1999a).
Nos Estados Unidos, as políticas de redução de emprego também se de-
senvolveram com vigor apreciável, sobretudo concentradas na década de 1990.
Entre 1994 e 1999, o número de empregos na administração federal caiu 13%
(hompson e Cachares, 2000, p. 246), se bem que no conjunto do setor público
norte-americano, a taxa anual de redução tenha sido inferior: não chegou a
1% no período 1990-1997 (OCDE, 1999a). Uma das características neste caso
foi o caráter seletivo dos ajustes, de acordo com as prioridades da National
Performance Review, que converteu os postos de controle (não inalísticos) no
objetivo principal das reduções, recomendando um corte de 50% nestes. De
acordo com tal recomendação, e talvez para servir de exemplo, a US Oice of
Personnel Management passou, entre 1993 e 1998, de 6.900 para 3.600 empre-
gados, realizando uma redução de 48%.
Mas, pelo contrário, no outro extremo, o Japão limitou-se à contenção
do crescimento de sua folha de pessoal público, sem envolver-se em políticas
signiicativas de redução. Entre 1990 e 1995, sua média de variação anual era
(OCDE, 1999a) de 0,16%, equivalente à manutenção de efetivos. Na Itália, a
evolução foi semelhante (Ruini, 2000, p. 141), onde, inclusive no âmbito lo-
cal, foi detectado um pequeno crescimento. Semelhante também é o caso da
Espanha (Parrado-Díez, 2000, p. 155), onde o Fundo Monetário Internacional
detectava, em um Relatório de 1996, a duplicação de serviços nos níveis admi-
nistrativos por falta de transferência de pessoal da administração central para

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 141 141 22/2/2007 09:40:45


142 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

as comunidades autônomas. França, Canadá e Holanda apresentam cifras de


redução superiores, porém modestas, com taxas anuais de variação negativas,
inferiores a 1% para períodos similares, entre 1990 e 1997 (OCDE, 1999a).
Algo superiores são as cifras de corte na Finlândia e Noruega, no mesmo perío-
do. Na Suécia (Elliot, 1998), a redução entre 1985 e 1995 chegou a 9,9%.
Na Alemanha encontramos uma experiência interessante, que não che-
ga ao nível de contundência das reduções efetuadas nos países indicados no
início, mas relete a prioridade que, como dissemos antes, foi dada naquele
país à política de racionalização e economia, no campo das reformas da função
pública. Entre 1991 e 1997 (Röber e Löler, 2000, p. 126), o conjunto das ad-
ministrações alemãs reduziu 11% de seus cargos. O esforço foi desigualmente
repartido: enquanto os Länder reduziram 5% de seus efetivos, os governos lo-
cais cortaram 15% e o governo federal 19%, o que representa uma redução de
fato signiicativa.
Se nos referirmos ao grau de planejamento desenvolvido para pôr em prá-
tica essas políticas, também encontraremos diferenças notáveis entre os países
(OCDE, 1999a). Em alguns casos, a redução de empregos foi enquadrada em
planos especíicos, incentivados pelos governos. É o que aconteceu nos Esta-
dos Unidos – onde, como vimos, a National Performance Review contemplava
especiicamente objetivos quantiicados de corte – e no Canadá. Esses planos
determinavam as metas ou objetivos especíicos de redução em determinados
segmentos da estrutura de pessoal, acusando também sensíveis diferenças de
enfoque entre os países. Assim, no Canadá, o principal atingido foi o alto esca-
lão do serviço civil. Em compensação, nos Estados Unidos o foco dos progra-
mas de redução, ainda que com êxito algo duvidoso, foi colocado nas posições
hierárquicas intermediárias, enquanto que nas reformas alemãs o pessoal ad-
ministrativo de apoio foi o objetivo preferencial.
Na maior parte dos países, no entanto, as reduções de pessoal não con-
iguraram um propósito planejado de forma consistente. Como destacam In-
graham e outros (2000, p. 394), o planejamento estratégico, princípio básico
da nova GRH, introduzido pelas reformas, é freqüentemente subordinado a
outras necessidades. As reduções surgem, então, como conseqüência de um es-
forço coletivo e generalizado, baseado numa mudança de valores e incentivos,
cujo eixo é a melhora da eiciência do sistema mediante a redução de custos.
Como veremos no próximo tópico, a introdução de novas modalidades contra-
tuais responderá, em boa medida, a essa lógica.
Se nos referirmos aos instrumentos utilizados, no Reino Unido (Hor-
ton, 2000, p. 214), os cortes foram realizados através da combinação de
transferência de funções e pessoal ao setor privado, redundância de vagas,

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 142 142 22/2/2007 09:40:45


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 143

aposentadoria antecipada e demissão. Na maior parte dos países, foram uti-


lizados métodos indiretos, tais como restrições nas dotações orçamentárias
(Austrália, Alemanha), planos de aposentadoria antecipada (Espanha) e me-
didas de não-reposição, como na Itália. Também na Espanha (Palomar, 1997,
p. 48) foi adotado a partir de 1997, com o caráter de norma básica, isto é, de
obrigatório cumprimento para todas as administrações públicas, um limite
de reposição dos postos vagos, ixado anualmente pela Lei do Orçamento do
Estado. Fixado em 25%, o limite signiica que apenas uma em quatro vagas
podia ser preenchida.

2. A flexibilidade contratual: modulações na estabilidade


e proteção do emprego público

O objetivo das reformas neste campo foi reduzir, na medida do possível e


sem afetar as garantias próprias dos sistemas de função pública ou serviço civil
já deinidos antes, a hiperproteção do emprego público e a conseqüente garan-
tia de estabilidade (tenure), considerada um elemento de rigidez que diiculta o
funcionamento eicaz das administrações. As mudanças tomaram dois rumos.
Por um lado, em alguns casos, foram redeinidos os estatutos de emprego dos
servidores públicos, incorporando a possibilidade de aplicar rescisões da rela-
ção de emprego em determinadas situações. Por outro, foram introduzidas ou
ampliadas modalidades contratuais mais lexíveis.
Dissemos no capítulo 2 que em todos os modelos e sistemas nacionais
de função pública existe a possibilidade de dispensa por razões disciplinares.
É claro que essa possibilidade não é suiciente para responder às necessidades
de supressão de postos de trabalho por razões organizacionais, técnicas ou eco-
nômicas. O caráter dinâmico dos contextos atuais de muitos serviços públicos
torna cada vez mais freqüentes as necessidades desse tipo. Por isso em alguns
países as reformas da função pública visam regulamentar essas possibilidades.
Em alguns casos, como o da Suécia, já examinado, essa linha de reforma era des-
necessária, uma vez que seu modelo de emprego público contemplava a possi-
bilidade desde o ano de 1965. Em outros, formou parte do pacote de mudanças
introduzido. Também nesse campo, Austrália e Nova Zelândia (Schwartz, 1994;
Boston e outros, 1997) marcaram a linha mais contundente, com reformas que
aproximaram substancialmente a relação de emprego público ao setor privado,
destinadas a outorgar aos dirigentes a faculdade de contratar e demitir.
No caso oposto, estariam, entre outros, França e Japão (OCDE, 1999a,
p. 22), onde continua não existindo a possibilidade do empregador pôr im à

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 143 143 22/2/2007 09:40:46


144 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

relação de emprego por motivos que não sejam disciplinares. Na Espanha, a


situação é semelhante. Uma lei de 1993 abriu caminho à possibilidade de su-
primir cargos por motivos organizacionais, mediante um procedimento com-
plicado que é a re-designação de efetivos resultante de um plano de emprego;
ele conferia legitimidade à administração para iniciar um processo de recolo-
cação, mas sua complexidade o mantém praticamente inédito.
Pelo contrário, em alguns países, como os Estados Unidos, Canadá ou
Holanda, a demissão por razões desse tipo é possível. Na Itália também, pelo
menos teoricamente, (Martínez Bargueño, 1995, p. 39). Nesse país, a reforma
de 1993, na falta de um dispositivo expresso nesse sentido e considerando a
legislação trabalhista, abre caminho para a demissão empregando as mesmas
regras aplicadas no setor privado. No Brasil, uma emenda constitucional de
1998 tornou possível a demissão de funcionários públicos por insuiciência de
desempenho ou excesso de despesa com pessoal (Pacheco, 2003, p. 69).
Toda a literatura especializada concorda em que a estabilidade do empre-
go público continua sendo, na grande maioria dos países, muito superior a do
emprego privado. Duas ordens de razões contribuem para isso. Por um lado,
fatores de natureza cultural: as tradições do setor público continuam tendo
um peso importante. Por outro, em muitos países, a força dos sindicatos, que
desempenharam um importante papel, impedindo na prática o questionamen-
to real de tais tradições. No âmbito municipal alemão (Röber e Löler, 2000,
p. 125), onde a estabilidade legal continua considerável, apesar de muitos go-
vernos locais sofrerem severas pressões inanceiras, o sindicato de empregados
públicos (OTV) impõe às autoridades a assinatura de “acordos de proteção”
aos trabalhadores, tendo em vista os possíveis efeitos negativos das reformas.
Na Suécia, onde as demissões de empregados públicos são relativamente fre-
qüentes, o Estado e os sindicatos criaram (Gustafson, 1995b, p. 59) uma agên-
cia para administrar em conjunto a recolocação.
A outra grande linha de lexibilização nesse campo vem sendo, como in-
dicávamos, a utilização de modalidades contratuais que não implicam em es-
tabilidade no emprego. Na Bélgica, por exemplo, onde a nomeação estatutária
é norma irmemente assentada, 21% dos empregados dos ministérios mantêm
relação contratual com o governo (Hondeghem e Steen, 2000, p. 68).
Em alguns países, como o Reino Unido, a adoção de contratos de duração
temporária acompanhou as reformas do serviço civil superior, abrindo cami-
nho a fórmulas de contrato de duração limitada para empregos diretivos, no
marco dos estatutos singulares para o pessoal que desempenha funções geren-
ciais superiores que, como veremos no próximo capítulo, foram criados num
bom número de sistemas político-administrativos contemporâneos.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 144 144 22/2/2007 09:40:46


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 145

É prática generalizada, em todos os países examinados, o uso maciço da


contratação temporária. Geralmente pensada como recurso para enfrentar pi-
cos de excesso de trabalho, sobrecargas sazonais, necessidades incidentais de
trabalho especializado ou avaliação independente, campanhas ou projetos de
duração limitada ou incidências semelhantes, a contratação temporária tende
a converter-se (OCDE, 1999b; Horton, 2000, Parrado-Díez, 2000) em recurso
para solucionar necessidades permanentes, eludindo em alguns casos a rigi-
dez dos sistemas de função pública e, em outros, as próprias limitações orça-
mentárias ou as restrições derivadas dos programas de redução de quadros de
pessoal.
A Holanda foi um dos países em que o uso de modalidades contratuais
lexíveis aconteceu com mais destaque (Van der Krogt e outros, 2000, p. 193),
abarcando fórmulas de contratação laboral ou mercantil, de duração prede-
terminada ou não, bem como o recurso generalizado a empresas de trabalho
temporário. Uma experiência original desse país foi a dos pools internos de
trabalho temporário, organizados para enfrentar sobrecargas temporárias de
trabalho, e associados, algumas vezes, a políticas destinadas a facilitar empre-
go a determinadas categorias de demandantes (jovens, imigrantes ou pessoas
desempregadas há muito tempo). Existem vários pools interministeriais, desti-
nados a facilitar a colaboração lexível entre departamentos; um deles pratica
a colaboração entre unidades de auditoria interna de cinco ministérios dife-
rentes. No Reino Unido, é notória a generalização dos contratos de duração
determinada, que chegou a ser considerada (Hegewish, 1999, p. 117) como um
fenômeno típico do setor público, empregando 27% da população ativa britâ-
nica, mas incorporando 53% da totalidade desse tipo de contratos.
A fórmula extrema utilizada para enfrentar os problemas da rigidez con-
tratual dos sistemas de função pública foi a subcontratação ou externalização
de serviços (outsourcing), mediante a qual uma atividade, conservando seu i-
nanciamento público, passa a ser realizada, mediante contrato com a adminis-
tração titular, por entidades ou empresas do setor privado, com emprego de seu
próprio pessoal. Tais processos de externalização se generalizaram em todos
os países, sob a inluência das novas concepções de gestão pública que faziam
eco ao conhecido lema de Osborne e Gaebler (1994): uma administração que
maneje o leme; não os remos. Ainda que a justiicativa explícita mais freqüente
dos processos de externalização não tenha sido esta, os especialistas coincidem
em diagnosticar a busca de fórmulas mais lexíveis de emprego e GRH como
o motivo predominante de muitas experiências. Entre os países analisados, a
Suécia, Holanda e Reino Unido são (Horton e Farnham, 2000, p. 317) os que
izeram maior uso da subcontratação.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 145 145 22/2/2007 09:40:46


146 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

3. A flexibilidade funcional: novos instrumentos de organização do


trabalho e gestão do emprego

A lexibilidade funcional no setor público foi deinida como a capacidade


dos empregados, obtida através de seus conhecimentos, habilidades e acordos
trabalhistas, para responder rápida e lexivelmente aos novos desaios apresen-
tados por seu meio (Hegewish, 1999, p. 128). Abordamos aqui as mudanças
relacionadas com as tentativas de eliminar ou reduzir a rigidez dos mecanis-
mos de recrutamento, seleção, planejamento de cargos e funções, avaliação,
promoção e mobilidade que caracterizam, como já indicamos, os sistemas bu-
rocráticos de função pública.
No recrutamento e na seleção, o objetivo das reformas está centrado em
superar os mecanismos baseados estritamente em conhecimentos técnicos es-
pecializados ou em méritos simplesmente formais, característicos dos proces-
sos tradicionais da função pública. Falamos aqui tanto dos sistemas de acesso à
condição de funcionário público, próprios dos sistemas de carreira, quanto dos
que se aplicam ao acesso ao posto de trabalho; seja atuando nos mercados de
trabalho exteriores à administração, seja mediante a promoção interna. Em am-
bos os casos, as tendências dominantes de mudança apontam para a introdução
de modelos baseados em competência. Esta orientação, à qual já nos referimos
amplamente, exige o desenvolvimento de um instrumental técnico inovador,
desconhecido pela administração tradicional dos recursos humanos.
A inclusão da gestão por competência nos sistemas de função pública
relete a inluência das orientações que atualmente prevalecem na gestão das
pessoas, desenvolvidas no setor privado (Dalziel, 1996) e por nós referidas
no capítulo 1, e também as outras pressões sofridas pelos gestores públicos.
Entre estas, podemos citar a diiculdade em obter e reter pessoal num contex-
to mutante, e a procura de competência para assumir novos papéis, como os
de regulador ou facilitador, mais necessários do que o de provedor direto de
serviços, conseqüência das novas orientações da gestão pública (Hondeghem,
2002, p. 173).
A gestão por competência foi aplicada especialmente no Reino Unido,
onde 95% das organizações dependentes do governo central utilizam modelos
de competências (Farnham e Horton, 2002). Isto levou o conjunto do serviço
civil britânico a começar a ser visto (Horton, 2000, p. 216) como uma organi-
zação capaz de identiicar as qualidades-chave necessárias em cada nível e em
cada setor do serviço. As competências convertem-se na base para recruta-
mento, desenvolvimento e avaliação (Cabinet Oice, 2002). Inicialmente de-
senvolvido pelo Civil Service College como apoio à formação do serviço civil

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 146 146 22/2/2007 09:40:46


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 147

superior, esse enfoque estendeu-se rapidamente ao conjunto dos níveis do ser-


viço civil no Reino Unido.
Em rápida expansão nos países de inluência anglo-saxônica, a gestão por
competência está em alta em países como a Bélgica, Holanda e Finlândia, e, em
bem menor medida, em outros ambientes institucionais, como a Alemanha e
França, onde as tradições administrativas diicultam sua introdução. Precisa-
mente na França, o apego aos instrumentos tradicionais de gestão de pessoal,
como o concours, mencionado no capítulo 2, introduz uma tensão especial en-
tre os velhos e os novos enfoques (Jeannot e Lichtenberger, 2002). Na Espanha,
os enfoques de administração de pessoas baseados em competência foram re-
centemente adotados e existem de forma ainda muito incipiente, embora al-
gumas experiências recentes de âmbito local (Longo, 2002) se destaquem. Um
dos principais desaios neste campo, como mostra, entre outras, a experiência
holandesa, é conseguir que as cheias de linha entendam a gestão por compe-
tência como um enfoque que, de fato, agrega valor à organização – e não signi-
ica apenas mais uma tramitação burocrática (Van Vulpen e Moesker, 2002).
No que se refere ao recrutamento e seleção, a introdução desses enfoques
exige inovações signiicativas nas seguintes esferas: a) na deinição dos peris
dos titulares dos postos, que devem se basear, como dissemos, no somatório de
qualidades pessoais, muitas delas não consideradas pelos sistemas habituais; b)
nos instrumentos de seleção, que devem ser ampliados, adaptados aos vários
peris a serem explorados, e incorporando o conjunto de técnicas já utilizadas
pelas empresas, e c) nos órgãos de seleção, que devem ser técnicos e especiali-
zados, planejados de forma a incorporar especialistas na administração desses
instrumentos (Ingraham e outros, 2002).
Com alguma freqüência, essas novas orientações aparecem combinadas
com tendências a uma gestão mais descentralizada das funções de recruta-
mento e seleção. A alteração em diversos Estados norte-americanos (homp-
son e Cachares, 2000, p. 248) da tradicional “regra de três” (a escolha se dá
mediante entrevista dos três candidatos que obtiveram a melhor pontuação
nas provas oiciais de conhecimentos), ampliada a dez ou vinte candidatos,
mostra a mudança.
O planejamento de postos de trabalho é a segunda grande área de modii-
cação nesse campo. A orientação aqui vai no sentido da ampliação da descrição
dos cargos nos dois sentidos: a) horizontal, aumentando o número de funções
atribuíveis ao titular do posto, caso a organização venha a necessitá-las, ou en-
tão reduzindo a especialização e padronização a um mínimo compatível com
a eiciência e qualidade do trabalho; b) vertical, o que signiica ampliar o leque
de níveis ou faixas em que se classiicam as funções que possam vir a ser exigi-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 147 147 22/2/2007 09:40:46


148 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

das do ocupante do cargo. Com freqüência, esta segunda ampliação traz consi-
go mudanças na previsão das estruturas salariais, às quais aludiremos adiante.
Geralmente implica também um nivelamento das estruturas organizacionais
que leva à redução de níveis hierárquicos.
O objetivo dessas transformações parece claro: aumentar a versatilidade
dos postos e, conseqüentemente, a lexibilidade com que a organização pode
dispor de seus recursos humanos em contextos de mudança, permitindo um
melhor aproveitamento dos mesmos. Exemplo dessas orientações são as es-
tratégias de mixed skilling, no Serviço Nacional de Saúde britânico, que se
propõem cruzar transversalmente, em alguns casos, as fronteiras entre os
campos médico, paramédico e de enfermaria, em matérias como a pequena
cirurgia, o emprego de certas tecnologias de diagnóstico etc. (Horton, 2000,
p. 221). Na Holanda, um número cada vez maior de governos locais vem
utilizando a designação de pessoal “em serviço geral”, caracterizada por uma
lexibilidade funcional mais ampla que a ordinária (Van der Krogt e outros,
2000, p. 205).
A ampliação de faixas permitiu a redução e simpliicação dos sistemas de
classiicação de postos, característicos de muitas burocracias públicas, e basea-
dos na deinição exaustiva das funções, freqüentemente usados (Longo, 2001,
p. 202) para preservar redutos funcionais baseados na rotina e protegidos de
qualquer demanda mínima de versatilidade. Só o serviço civil da Califórnia
inclui 4.500 classiicações de postos, das quais 1.600 se referem a cinco empre-
gados ou menos (hompson e Cachares, 2000, p. 247). No Estado de Washing-
ton, um novo sistema de classiicação consolidou 750 classiicações em apenas
quatro faixas amplas. No serviço civil britânico, o âmbito dos novos sistemas
de classiicação oscila entre as quatro bandas largas de alguns departamentos e
agências até os quarenta níveis da Casa Real (Institute of Professionals, Mana-
gers and Specialists, 1997).
Todas essas orientações em direção à multifuncionalidade são portado-
ras de novas necessidades em outros campos da GRH. Por um lado, incorpo-
ram uma grande necessidade de investimento em formação, conigurando-a
como uma atividade planejada e essencial para as organizações (Cabinet Oi-
ce, 1996). Por outro, tendem a aplicar sistemas de avaliação do desempenho
menos formais, mais personalizados e cada vez mais dirigidos ao apoio do
desenvolvimento de recursos humanos e à identiicação das necessidades de
capacitação.
Em matéria de promoção e carreira, a ênfase das reformas (OCDE, 1999a)
foi colocada na redução do peso da antiguidade e na vinculação das promoções
ao desenvolvimento de capacidades e ao alto desempenho no cargo (World

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 148 148 22/2/2007 09:40:46


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 149

Bank, 2000). Como é lógico, essa preocupação é praticamente exclusiva dos


países com sistemas de função pública ou serviço civil de carreira, onde os
procedimentos tradicionais de promoção se revelam pouco funcionais, e che-
gou até ao Japão (Ingraham e outros, 2002), onde a antiguidade vinha sendo,
como vimos no capítulo 2, o critério prevalecente. Apesar de tudo, a antigui-
dade continua a ter muito peso no desenvolvimento das carreiras proissionais
nesses modelos. Por outro lado, a carência de instrumentos de avaliação, tanto
da capacidade como do desempenho, diiculta sensivelmente, de forma geral, a
introdução de novas orientações.
Outra linha de reforma foi, em alguns casos, a introdução de formas de
promoção horizontais ou “no posto”, que supõem o reconhecimento (através
de diversas fórmulas, inclusive a retribuitiva) da excelência proissional de
um empregado, sem necessidade de que este assuma o comando hierárquico
de uma unidade organizacional. Como mencionamos antes, essas formas de
carreiras são mais coerentes com os processos de nivelamento das estruturas
organizacionais, que inevitavelmente reduzem as possibilidades de ascensão
hierárquica. Assim, por exemplo, as “carreiras inanceiras” introduzidas na
Bélgica em todos os âmbitos administrativos (nacional, estatal e local), fo-
ram criadas para compensar as perdas de categoria e graduação provocadas
pela simpliicação das estruturas e escalas de cargos (Hondeghem e Steen,
2000, p. 72).
Uma preocupação absolutamente generalizada nos países analisados é a
mobilidade. Trata-se de uma questão em que as dimensões individual e orga-
nizacional da lexibilidade, das quais falamos no capítulo 1, se destacam clara-
mente. Um planejamento correto da mobilidade (Longo, 1995, p. 8) é aquele
que busca compatibilizar as necessidades e estratégias da organização, levando
a um ótimo aproveitamento de seu capital humano, com as aspirações e os in-
teresses do pessoal orientados para a realização do trabalho nas condições mais
satisfatórias e gratiicantes do ponto de vista individual. Ambas perspectivas
estão presentes, como veremos, nas experiências examinadas.
A articulação de políticas de estímulo da mobilidade exige, antes de tudo,
a eliminação ou superação das barreiras que, como vimos, caracterizam certos
sistemas de função pública de carreira. Não é de estranhar que na França se
desenvolvam, desde 1990 (de acordo com Durafour), tentativas de reduzir o
número de órgãos (Burnham, 2000, p. 108), quer seja fundindo os existentes
(o único exemplo de esforço sustentado em tal sentido foi o do Ministério da
Agricultura) ou criando (Ministérios de Educação e de Juventude e Esportes)
grupos proissionais intercorporativos mais amplos, nos quais a mobilidade é
possível.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 149 149 22/2/2007 09:40:46


150 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Uma parte dos esforços dos governos nesse campo foi dirigida à criação
de mecanismos capazes de impor a mobilidade forçada por razões organiza-
cionais. Na Alemanha (Röber e Löler, 2000, p. 127) foram deinidas transfe-
rências obrigatórias por estas causas, com um limite de cinco anos caso não
contassem com o consentimento do interessado. Com alcance semelhante ope-
ram os détachements, na França (MAP, 1997). Na Espanha (Palomar, 1997), os
“planos de emprego” de 1993, já mencionados, foram criados para possibilitar,
entre outras coisas, a mobilidade forçada, tanto funcional como geográica,
dos funcionários. Um mecanismo similar (Martínez Bargueño, 1995, p. 37) foi
criado na Itália na mesma época. Outros instrumentos acionados para permi-
tir a mobilidade forçada são, no setor local holandês, os bureaux de mobilidade
(Van der Krogt e outros, 2000). Eles assumem a re-designação de empregados
que, no caso de organizações pequenas, agem coletivamente facilitando trans-
ferências entre diversos governos locais, no que contam às vezes com o apoio
de agências privadas de emprego.
As experiências analisadas permitem airmar que nem sempre dispor do
mecanismo signiica articular na prática processos verdadeiros de mobilidade
obrigatória. Na realidade, o peso das tradições pode se impor e a aplicação do
mecanismo se torna mais exceção do que prática habitual. O caso espanhol
pode ser usado como exemplo dessa inércia.
Uma segunda linha de trabalho foi a utilização de instrumentos desti-
nados a estimular a mobilidade voluntária, entendendo que também por esta
via se facilita a lexibilidade e, ao mesmo tempo, se incentivam outros avanços
em capacitação, polivalência, visão global etc. Neste sentido, foi implantada na
Suécia (Murray, 2000, p. 179) uma política cujo objetivo é aumentar a mobili-
dade no governo central e também entre o governo central, os governos locais
e as empresas privadas. Até agora, as iniciativas obtiveram pouco sucesso. Na
Alemanha (Röber e Löler, 2000), alguns Länder estabeleceram a rotativida-
de entre os postos como requisito para as ascensões hierárquicas. O governo
central holandês criou (Van der Krogt e outros, 2000, p. 296) um “banco de
mobilidade” que concentra todas as vagas, acessíveis a todos os empregados
e não apenas aos que possam ter sido declarados excedentes. Os processos de
formação necessários para facilitar a reciclagem dos empregados que desejam
mudar, ou que são obrigados a isso, são inanciados por um “Fundo de Edu-
cação e Emprego”. Também existe um programa de intercâmbio entre os Mi-
nistérios de Agricultura, Território e Água, que facilita atribuições temporárias
a postos de mesmo nível em outro ministério, com a inalidade de melhorar
relações, intercâmbio de informação, aprendizado e melhoria da empregabili-
dade do pessoal.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 150 150 22/2/2007 09:40:46


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 151

4. A flexibilidade salarial: mudança nos


sistemas de compensação e incentivo

Mesmo que em certas ocasiões as reformas em matéria de retribuição


tenham sido vinculadas à redução de custos de pessoal, inclusive atribuindo
à reforma salarial, quanto a isto, um efeito algo superior à própria redução de
quadros de pessoal (OCDE, 1997), as evidências nesse sentido não chegam
a ser conclusivas. Parece-nos que as melhorias de custo, quando avaliáveis,
são acima de tudo conseqüência indireta da introdução de fórmulas de lexi-
bilidade salarial, que modiicam algumas pautas de administração retribui-
tiva próprias das tradições das burocracias públicas, e dessa forma tornam a
gestão dos salários mais eiciente e adaptada às prioridades organizacionais.
No nosso entendimento, as tendências adotadas pelas tentativas de reforma
da GRH nas organizações do setor público podem ser agrupadas em três
grandes orientações.
A primeira delas consiste em reduzir a uniformidade com que as políti-
cas salariais tendem a ser aplicadas nos sistemas públicos, sobretudo nos mo-
delos de função pública ou serviço civil de carreira, como conseqüência da
centralização das decisões, especialmente da negociação dos salários com as
organizações sindicais em escala nacional. Essa uniformidade converte-se em
um importante fator de rigidez na hora de enfrentar situações que podem ser
bastante heterogêneas em cada organização individual. Iniciativas na França e
Alemanha no sentido de reduzir a escala das negociações foram testadas, mas
não tiveram sucesso em conseqüência, em boa parte, das resistências sindicais
(Burnham, 2000, p. 109 e seguintes; Röber e Löler, 2000, p. 128-130).
Um segundo tipo de esforços reformadores se orientou no sentido de mo-
diicar os mecanismos de progressão salarial dos empregados públicos. Nos
sistemas tradicionais de função pública, estes mecanismos se baseiam, fun-
damentalmente, na antiguidade. No máximo, alguns méritos formais ou uma
versão rotineira e burocratizada da avaliação do desempenho (a notation fran-
cesa) convivem com ela.
Embora as novas orientações retribuitivas tendam a dar mais destaque à
pessoa do que ao cargo (White, 1998), em algumas ocasiões a preparação foi
necessária. Assim, na Itália, o primeiro objetivo foi passar, a partir de 1993, do
salário por graduação ou categoria à retribuição por cargo, após a implantação
de um sistema de valorização de postos, aplicado inicialmente aos cargos dire-
tivos (Ruini, 2000, p. 144). Na Espanha procedeu-se do mesmo modo, abran-
gendo a totalidade dos cargos das administrações públicas nos anos seguintes
à reforma legal de 1984.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 151 151 22/2/2007 09:40:47


152 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Os critérios que os reformadores pretendiam vincular à progressão sa-


larial, substituindo a antiguidade e os critérios tradicionais são, por um lado,
o desenvolvimento de competência e, por outro, o alto desempenho. Os dois
critérios implicam mudanças consideráveis na estratégia de compensação,
descritas como “a substituição de sistemas de retribuição baseados no cargo,
com descrições detalhadas destinadas a assegurar um tratamento eqüitativo
dos empregados, por sistemas bem mais lexíveis, baseados na pessoa, nos
quais os empregados são avaliados por sua competência e agrupados em fa-
mílias de postos, que representam escalas ou categorias ampliadas (broadly
banded grades)” (White, 1998, p. 84). Assim, o desempenho e o aprendizado
possibilitam avançar através de faixas salariais que, em alguns casos, como no
SCS britânico (Horton, 2000, p. 17), proporcionam lexibilidade ainda maior.
Na Itália (Ruini, 2000, p. 146) foram criadas quatro faixas amplas, que subs-
tituem as graduações anteriores, cada uma delas integrando entre quatro e
seis escalões. Em algumas agências norte-americanas (hompson e Cachares,
2000, p. 242) a criação de escalões em cada uma das faixas foi evitada, para
que o itinerário de progressão não icasse preestabelecido, permitindo dessa
forma maior lexibilidade. Entretanto, a aplicação de sistemas de pagamento
por competência, no sentido estrito (Ledford, 1989) não chegou às organi-
zações públicas nesse formato. Apesar de sua aplicabilidade ter sido destaca-
da em alguns serviços públicos, como na administração escolar ou policial
(Sharref, 1994, p. 68 e seguintes), seu uso nos sistemas públicos, inclusive no
Reino Unido, que é, como vimos, o país mais adiantado no uso do enfoque
da competência, permanece bem longe das experiências de aplicação no setor
privado (Hondeghem, 2002, p. 176).
A terceira grande linha em matéria salarial consiste na introdução de
fórmulas de retribuição variável associada ao desempenho (performance rela-
ted pay). A experiência é absolutamente generalizada, tanto no que se refere
à extensão das tentativas de implantar essas práticas salariais, como na valo-
rização pouco otimista ou, pelo menos, muito matizada, de seus resultados
efetivos (White, 1998; World Bank, 2000; Horton e Farnham, 2000). Assim,
na França, Alemanha, Espanha e Itália, a percepção generalizada é de que
sua capacidade para distinguir os níveis de desempenho foi extremamente
limitada (Ruini, 2000, p. 145). No Reino Unido (Horton, 2000, p. 218), onde
o pagamento por desempenho muito se difundiu, assim como nos Estados
Unidos, ele é fortemente criticado pelos empregados públicos, embora conti-
nue sendo apoiado por um número não desprezível de dirigentes. Contudo,
alguns estudos destacam diferenças de percepção quanto ao sucesso desses
esquemas de retribuição e mostram que no setor público se acredita menos

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 152 152 22/2/2007 09:40:47


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 153

na possibilidade de que gerem resultados benéicos do que no setor privado


(Institute of Personnel and Development, 1998). A maior parte das experiências
de retribuição por desempenho é de caráter individual. Bastante menor foi a
penetração, no setor público, dos incentivos por equipe ou as boniicações
por resultados organizacionais globais. Na Grã-Bretanha, apenas uma dúzia
de agências executivas implantou, até ins do século, esse tipo de fórmulas de
compensação (White, 1998, p. 88).
O Banco Mundial (World Bank, 2000) destacou, como principais pro-
blemas sofridos por essas tentativas, a escassez de valores, o longo intervalo
entre apreciação e pagamento, a tendência a eludir o conlito que resulta da
distinção entre empregados, e as carências em outras áreas da GRH, como
o planejamento dos postos ou a capacitação para avaliação do desempenho.
Em sentido análogo, Pollitt e Bouckaert (2000, p. 119) apontam os riscos de
divisão interna e manipulação, bem como a escassa motivação quando os va-
lores são excessivamente baixos. A experiência na Espanha mostra, também,
que os incentivos salariais ao desempenho costumam fracassar nas organi-
zações do setor público se não vierem precedidos pelo desenvolvimento de
capacidades internas e de culturas organizacionais que permitam avaliar as
pessoas de forma adequada. Como já mencionamos ao falar da experiência
brasileira, a avaliação do desempenho é um campo no qual a legislação avan-
çou muitas vezes mais depressa do que a cultura do setor público (Pacheco,
2003, p. 57).

5. A flexibilidade no tempo de trabalho: novos esquemas de jornada

Como vimos no capítulo 1, numerosas mudanças sociais favorecem uma


reconsideração dos esquemas tradicionais de jornada e tempo de trabalho e
estão ligadas tanto à possibilidade de melhorar a produtividade, como com as
aspirações das pessoas de conciliar a vida pessoal e familiar com o trabalho.
Essa reconsideração chegou claramente, ainda que de forma desigual, aos sis-
temas de função pública dos países aos quais nos referimos.
Um dos países em que as questões relacionadas ao tempo de trabalho
tiveram o maior destaque foi a Holanda (Van der Krogt e outros, 2000, p. 94
e seguintes). Nesse país, a redução legal da jornada laboral para 36 horas se-
manais na totalidade do emprego no país foi abordada, no âmbito da função
pública, como o cenário idôneo para lograr o ajuste entre as necessidades da
gestão e as preferências pessoais dos empregados. As 36 horas de trabalho se-
manal foram adotadas como uma média aritmética que, em cada organização

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 153 153 22/2/2007 09:40:47


154 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

e unidade organizacional, devia abrir um processo negociado que conduzisse


à ixação de horários por dias, semanas ou períodos mais amplos, de acordo
com as características especíicas do trabalho e levando em consideração as
preferências e interesses apresentados. Parece que a redução da jornada não
produziu um aumento no número de empregos, um dos resultados pretendi-
dos pelos sindicatos.
Uma das tendências mais consistentes nesse campo é o aumento do tra-
balho em tempo parcial. Fora o caso da Holanda (é especial, porque se trata
do país no mundo em que esta modalidade laboral constitui, destacadamen-
te, a maior porcentagem no conjunto de emprego), em quase todos os países
observados foi detectado algum aumento dessas formas de trabalho. Certa-
mente, em casos como Itália e Espanha (Horton e Farnham, 2000, p. 318), sua
presença na função pública é praticamente imperceptível. Em outros, como
Reino Unido (Horton, 2000), seu crescimento foi bem mais notório, tanto no
Civil Service como no Serviço Nacional de Saúde, mas, sobretudo, nos gover-
nos locais, onde, em 1998, o número de empregados em tempo parcial era 48%
da totalidade do emprego público. Se a cifra é, em si, espetacular, talvez mais
ainda seja o fato de 13% dos dirigentes locais trabalharem em tempo parcial; o
que leva a supor o dobro da proporção no âmbito nacional.
Uma variante britânica, que afeta 25% dos empregados em tempo par-
cial, é a modalidade chamada short hours, que signiica trabalhar menos de 10
horas por semana. Ela é reservada ao mais jovens e aos mais velhos, para que
possam combinar trabalho e estudo ou suplementar a pensão. Também é notó-
ria, no Reino Unido, a ampliação das fórmulas de trabalho compartilhado (job
sharing), onde se dá a relação mais clara entre emprego em tempo parcial e as
políticas de igualdade de oportunidades (Hegewish, 1999, p. 123-124). O uso
dessas modalidades contratuais na administração britânica duplica as cifras
registradas no setor privado.
Na França, onde o trabalho em tempo parcial também se ampliou no
setor público de forma signiicativa (Burnham, 2000, p. 103), uma das mo-
dalidades estabelecidas permite a redução de horas de trabalho à metade
quando o empregado se aproxima da idade da aposentadoria, sendo que um
terço dos possíveis afetados tem feito uso desta opção. Geralmente, o trabalho
em tempo parcial pode ser recusado pelo chefe da unidade sob alegação de
“necessidades de serviço”, o que, de algum modo, tem contido o avanço da
medida. Um problema apresentado na administração francesa foi o acúmulo
de pedidos de uma modalidade concreta de trabalho (80% e não trabalhar às
quartas-feiras) desde que foi adotado o fechamento das escolas nas tardes das
quartas-feiras.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 154 154 22/2/2007 09:40:47


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 155

Outras formas de lexibilização merecem ser mencionadas. O horário le-


xível ou lexitime, mediante o qual os empregados podem variar os horários de
entrada e saída sem prejuízo de um período nuclear de presença obrigatória
para todos, é a mais difundida das fórmulas de lexibilização do tempo de tra-
balho também no setor público (Brewster e outros, 1997, p. 167-168; Horton e
Farnham, 2000). O trabalho a distância, em suas diversas formas, está avançan-
do neste momento com muito mais rapidez na administração norte-americana
do que nos países europeus, nos quais continua sendo, em geral, uma fórmula
pouco utilizada (Hegewish, 1999, p. 127).

O redirecionamento das relações laborais

Uma das características generalizáveis do período analisado foi a ex-


pansão e intensiicação da participação sindical e a utilização de negociação
coletiva para determinar as condições de trabalho. Certamente, há diferenças
notáveis entre o caso, muito incipiente do ponto de vista da capacidade con-
tratual das partes, do Japão, onde os representantes sindicais do setor público
podem negociar mas não concluir acordos, e o direito de greve está proscrito;
e os casos da Austrália e Nova Zelândia, onde a legislação estimula a plena li-
berdade de associação e representação, e onde a administração está habilitada
a concluir acordos múltiplos: com o trabalhador individual, com um sindicato
ou com um grupo destes (OCDE, 1999a, p. 23-24). A tendência à ampliação
assinalada é, no entanto, bastante consistente e geral.
De fato, essa mudança na ixação das condições de trabalho do âmbito
legal para o convencional foi o caminho seguido, em alguns casos, para uma
aproximação entre a gestão pública e a privada. Já nos referimos ao caso da
Itália, país onde essa orientação deu lugar à grande reforma do governo Amato,
em 1993 (Rebora, 1994; Sánchez Morón, 1996; Ruini, 2000). A Ordem 29/93
determinou a “privatização” do emprego público, que passou a ser regido pela
lei civil comum. Apenas alguns elementos, como o recrutamento, permanece-
ram submetidos ao direito administrativo, e apenas alguns empregados ica-
ram excluídos do novo padrão, em particular os juízes, diplomatas e as forças
armadas. As relações de emprego, inclusive os contratos individuais, são agora
deinidas através de negociação coletiva.
Na Suécia, um processo similar teve origem no ano de 1965, quando,
como comentamos no capítulo 2, os empregados públicos, incluindo a po-
lícia e os militares, conquistaram o direito de greve, o que foi demarcado
num amplo debate público que provocou a redeinição global do modelo

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 155 155 22/2/2007 09:40:47


156 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

(Murray, 2000, p. 173). Os empregados públicos suecos, em troca do poder


contratual que compreendia a negociação coletiva recém-conquistada, per-
deram antigos privilégios e garantias próprias do estatuto público. O direito
de greve icou compensado, como é habitual no setor privado, com o do
lock-out patronal, e tudo isto supôs a substituição total de um modelo de
emprego por outro.
Fora o caso sueco, a “laboralização” dos sistemas de função pública que
assinalamos no início deste tópico não teve, em geral, nem mesmo no caso ita-
liano, o efeito de substituição de um modelo ou regime de emprego por outro.
Na verdade, as novas pautas de funcionamento contratual vieram se somar aos
procedimentos e garantias do direito público, o que deu lugar a modelos varie-
gados e com tendência à ambigüidade, nos quais os atores sociais dispõem de
uma margem ampliada de busca da via ou norma que lhes seja mais benéica.
Na Espanha, uma sentença judicial que, invocando um acordo coletivo prévio
com os sindicatos, condenou o governo a anular o congelamento salarial im-
posto por lei em 1997, deixou clara essa situação ambígua em que faculdades
do poder legislativo chegam a colidir com acordos entre o governo e os repre-
sentantes dos servidores públicos.
O aumento da contratualidade nas relações laborais e a extensão da ixa-
ção negociada das condições de trabalho dos empregados públicos poderiam
dar a entender que o peso das organizações sindicais representativas do pessoal
público passou a ser maior. No entanto, existem a este respeito diferenças bas-
tante signiicativas entre uns países e outros.
Nas economias do mundo desenvolvido, em termos de cifras de iliação,
o setor público continua sendo, em geral, o setor mais sindicalizado. Entretan-
to, em alguns países, especialmente naqueles que constituem o arquétipo da
Nova Gestão Pública (Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália), produziu-se
abertamente uma reconsideração por parte dos governos sobre seu próprio
papel como “empregadores modelo”, que implicava uma importante presença
sindical na tomada de decisões sobre o pessoal. Fruto de uma evolução do
padrão de relações laborais, pode-se dizer que as reformas trouxeram consigo,
em todos esses países, uma signiicativa perda de peso e de poder dos sindica-
tos de empregados públicos.
Algumas orientações das reformas, já mencionadas, favoreceram essa
perda de peso das organizações de representação de interesses coletivos.
Assim, a tendência à personalização da GRH, patente em políticas como
as de gestão do desempenho ou o pagamento por desempenho, tende a en-
fraquecer a dimensão coletiva da representação sindical (e explica, diga-se
de passagem, a radical e generalizada oposição sindical a essas práticas em

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 156 156 22/2/2007 09:40:47


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 157

todos os países). Por outro lado, a descentralização da gestão do emprego


público, especialmente onde se consolidou o modelo de agências, alterou
o padrão tradicional das relações laborais, eliminando a igura do governo
como empregador e interlocutor único (Ingraham e outros, 2000, p. 408 e
seguintes), o que enfraquece o poder negociador das grandes centrais sindi-
cais do setor público.
No entanto, em outros países, como no Canadá (como mostrava o pro-
grama La Rélève) e na Dinamarca, os reformadores vincularam as organizações
sindicais aos projetos de mudança. E, em países como a França, Espanha e Itá-
lia, que neste campo se situam no extremo oposto dos três exemplos já mencio-
nados, o peso e o poder dos sindicatos de empregados público continua sendo
considerável, e se viu inclusive fortalecido por um maior poder contratual na
determinação das condições de trabalho. De fato, em alguns destes países, os
conlitos trabalhistas mais signiicativos dos últimos anos foram conduzidos
pelos sindicatos do setor público, em claro contraste com a queda generalizada
dos conlitos trabalhistas no setor privado da economia.
Nesse contexto de fortalecimento dos elementos de contratualidade e ne-
gociação, os governos seguiram a tendência de reforçar sua capacidade como
empregadores. Uma das fórmulas, utilizada nos casos italiano e sueco, foi a
criação de uma agência pública para representar o governo na negociação co-
letiva. Na Itália (Rebora, 1994; Ruini, 2000), a agência assume a representação
do governo central, das autoridades locais e dos outros órgãos públicos, e con-
centra todo o poder de negociação que deriva do uso de fundos centralizados
pelo Tesouro. Na Suécia (Murray, 2000, p. 172), a Arbetsgivarverket, AgV, foi
criada com o objetivo de que o governo, como tal, pudesse se eximir totalmen-
te das negociações salariais, deixando-as sob responsabilidade exclusiva das
agências. A AgV é propriedade das demais agências, que a inanciam, elegem
seu conselho diretivo e o diretor geral, e a encarregam da negociação com os
sindicatos.
Esse desenho, em lugar de aumentar e concentrar o poder contratual dos
empregadores públicos, pode provocar um excesso de centralização das rela-
ções laborais. Por isso, os objetivos atuais (alcançados mais na Suécia do que
na Itália) procuram fazer com que a negociação coletiva no âmbito central seja
apenas um marco, cujo desenvolvimento efetivo corresponda aos acordos lo-
cais no âmbito das organizações individuais. Na Holanda (Van der Krogt e
outros, 2000, p. 200), onde a negociação se desenvolve em três âmbitos, na-
cional, setorial (oito setores funcionais ou territoriais) e local, o processo foi
transferindo pautas de negociação para âmbitos mais próximos, apesar de a
negociação setorial continuar desempenhando o papel determinante.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 157 157 22/2/2007 09:40:47


158 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

OS PROCESSOS DE REFORMA

Vamos nos referir de forma breve, no último tópico, a algumas questões


relacionadas aos processos de implementação das reformas da gestão pública
do emprego e dos recursos humanos, no âmbito que vínhamos analisando. Di-
gamos, para começar, que se não existe, nas realidades nacionais examinadas,
um padrão único de reforma quanto aos conteúdos, ele tampouco existe do
ponto de vista dos procedimentos para sua implantação e consolidação.
Algumas reformas caracterizaram-se por dispor de estratégias delibera-
das, apoiadas em diagnósticos globais dos problemas que devem enfrentar, e
em visões transformadoras consistentes. O caso mais representativo, e prova-
velmente o mais conhecido, é o do Reino Unido (Pollitt, 1993; Metcalfe e Ri-
chards, 1989), caracterizado também por uma liderança política fortemente
centralizada e ideologizada (Metcalfe, 1993b) que manteve continuidade per-
sistente ao longo de mais de uma década de governo. Talvez um dos traços mais
marcantes da experiência britânica seja o alto grau alcançado na institucionali-
zação das mudanças, evidenciado especialmente nos últimos anos, uma vez re-
alizada a alternância política que levou o partido trabalhista ao governo, que só
questionou abertamente aspectos periféricos do modelo de reforma (Cabinet
Oice, 1998). Algumas análises deram ênfase, nesse sentido, às linhas de con-
tinuidade veriicáveis na manutenção das instituições de relações trabalhistas,
as políticas salariais, o recurso ao provimento privado de serviços públicos e o
controle das proissões públicas (Corby e White, 1999, p. 20 e seguintes).
As reformas nos países oceânicos coincidem em muitos dos traços do
processo registrados no Reino Unido, ainda que com duas características pró-
prias. Uma delas é sua extraordinária concentração no tempo: as mudanças se
acumulam na segunda metade da década de 1980. A outra, como destacaram
muitos observadores (Schwartz, 1994; Boston e outros, 1997; Halligan, 1997),
foi o peso extraordinário do papel desempenhado, nesses casos, pelo serviço
civil superior, especialmente pela burocracia iscal, comprometida com a ne-
cessidade de mudanças no sentido da eiciência, centrada na redução do déicit
público.
Os casos apontados constituem, como dissemos antes, situações-modelo
das reformas, inspiradas no que foi chamado de a Nova Gestão Pública. Neles,
coincidem a profundidade do conteúdo das mudanças, o enfoque deliberado e
global e uma estratégia de cima para baixo (top down) de implantação, baseada
numa liderança forte e protagonizada pelo governo central. A análise recente
dos processos de reforma do serviço civil atribui essas características ao excep-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 158 158 22/2/2007 09:40:47


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 159

cional vigor da liderança política que se deu nas experiências britânica, aus-
traliana e neozelandesa, e, depois de constatar os inúmeros fracassos colhidos
por orientações semelhantes em outros países, defende justamente um enfoque
contrário, baseado na redução da escala das reformas, sua implantação gradual
e uma ilosoia centralizada que procura converter os dirigentes de linha em
“proprietários” das inovações (Polidano, 2001). Esta foi também a orientação,
batizada como “incrementalismo estratégico”, adotada pelo Banco Mundial
para as reformas nas situações em que as capacidades iniciais são baixas, como
é o caso de muitos países do terceiro mundo (World Bank, 2003, p. 180).
Nos Estados Unidos, o planejamento aparente do processo de reforma no
período examinado não se afastaria em muitos pontos daquilo que caracteriza
os três países citados. No âmbito federal (U. S. National Performance Review,
1993), como também no estatal e local (National Commission on the State and
Local Public Service, 1993), desenvolveram-se visões sistêmicas das reformas
e, no âmbito federal, a visualização de uma liderança política presidencial ma-
nifestou-se de forma clara, com o vice-presidente Al Gore assumindo nesse
sentido um papel especíico. Em 1995 (hompson e Cachares, 2000, p. 240),
um projeto legislativo estava pronto para implantar as principais recomenda-
ções da NPR quanto à reforma do serviço civil, incorporando faixas amplas
para substituir as velhas graduações, eliminando requisitos de antiguidade e
facilitando a remoção de empregados de baixo desempenho, junto com ou-
tras medidas de mudança. A oposição do Congresso impediu sua aprovação,
fazendo que o enfoque global e “de alto a baixo” tivesse que dar lugar a outros
procedimentos (Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 82), menos contundentes.
Como dissemos, a reforma nos Estados Unidos adotou uma trajetória
desagregada (Kamarck e outros, 2003). As agências que puderam ou soube-
ram fazer uso de seu poder negociador com o respectivo comitê do Congresso
foram autorizadas a realizar reformas signiicativas, às quais já nos referimos.
Da mesma forma, ainda que com mais lógica, por causa de sua autonomia, os
Estados e os governos locais protagonizaram mudanças de alcance bastante
desigual e fragmentado.
A Suécia – país onde, como vimos, também se desenvolveram mudanças
signiicativas – fugiu, em geral, dos estilos ruidosos de implementação das re-
formas (Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 265), sendo esta uma das características
genericamente atribuídas aos países nórdicos europeus. Nesses países, pelo
contrário, se impuseram procedimentos, habituais nesses contextos culturais,
nos quais se incentiva o diálogo com os setores e corporações interessadas nas
diversas matérias, e se usam intensivamente as estratégias de acerto/erro e dos
planos-piloto para testar as mudanças antes de implantá-las em caráter geral.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 159 159 22/2/2007 09:40:48


160 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Fez parte desta orientação para o consenso um grande esforço para minimizar
as demissões obrigatórias de funcionários públicos. O mesmo tipo de processo,
predominantemente gradual e seletivo, caracterizou (Pollitt e Bouckaert, 2000,
p. 248) as reformas na Holanda.
Uma característica das reformas na Alemanha, que foram mais difíceis do
que em outros países devido às restrições do seu marco constitucional e legal
(Siedentopf, 1990), foi uma orientação de baixo para cima (bottom-up), no que
se referia ao papel desempenhado pelas diversas instâncias da administração.
Para Klages e Löler (1996, p. 134), faltaram virtualmente ao governo federal
as iniciativas reformadoras, tanto que alguns Länder se mostraram incentiva-
dores de reformas, mas seus verdadeiros empreendedores foram os governos
locais. Algumas experiências na Espanha apontariam na mesma direção.
O problema dos enfoques fragmentados, de baixo para cima, é que eles
prejudicam as soluções das diiculdades de macro-reformas, imprescindíveis
quando existem regras de jogo globais que devem ser revistas ou substituídas.
Isto não deve ser entendido como sobrevalorização da dimensão jurídica das
reformas. Talvez o caso mais adequado para se reletir sobre esse extremo seja a
Itália. Como indicamos antes, a Ordem 29/93 incorporou uma reforma global,
profunda, da função pública italiana, sob as premissas da “privatização” ou la-
boralização, que se situa no campo daquilo que Sánchez Morón (1994) chamou
de uma “revolução constitucional”. Até que ponto a nova legislação modiicou
as coisas, transformando, de fato e produndamente, o statu quo? Para Ruini
(2000, p. 139), “os novos regulamentos não foram plenamente aceitos e postos
em prática. Para desenvolver uma nova e mais efetiva gestão das pessoas é pre-
ciso, primeiro, desenvolver as competências dos dirigentes e mudar o ethos da
gestão, no interior da administração pública”. Esta relexão nos parece valiosa
e plenamente aplicável, em especial as culturas político-administrativas que,
como as européias do sul, tendem a pensar nas leis sobretudo na hora de mu-
dar as coisas, de forma que convivem com graus de não-cumprimento muitas
vezes notáveis.

BALANÇO E PERSPECTIVAS

Anotaremos, para concluir este capítulo, algumas relexões sugeridas por


esta exploração de tendências de mudança.
A primeira delas é que as reformas da gestão de recursos humanos no
setor público, das quais falamos, eram e são necessárias, isto é, respondem a
necessidades e demandas sociais efetivas. Os sistemas burocráticos tradicio-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 160 160 22/2/2007 09:40:48


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 161

nais de função pública apresentavam, nos países examinados, uma série de


dissonâncias que comprometiam o bom funcionamento dos sistemas públi-
cos. Trata-se de uma generalizada reação frente às disfunções acumuladas por
modelos de funcionamento carentes de mudanças profundas, à margem das
inluências, quase sempre presentes, da ideologia e da moda. É mais que isso,
como apontam Ingraham, Peters e Moynihan (2000, p. 417): as reformas que
afetam a gestão dos recursos humanos “emergem como a chave do sucesso a
longo prazo da reforma do setor público”.
A segunda relexão é que tais reformas foram postas em prática, pelo me-
nos em alguns casos, em um grau de profundidade bastante signiicativo. Em
alguns dos países analisados, os sistemas de gestão pública do emprego e dos
recursos humanos são hoje muito diferentes, e em aspectos muito importantes,
daqueles que existiam há apenas duas décadas. Certamente (e esta é outra con-
clusão que não deixa dúvidas), em outros contextos nacionais analisados as mu-
danças permaneceram bem mais no terreno do discurso ou da retórica, sem se
aproximar de forma signiicativa da realidade. O diagnóstico que formulamos,
páginas atrás, a respeito das disfunções dos modelos burocráticos tradicionais
de função pública, segue gozando, nesses casos, de uma vigência quase total.

O claro/escuro das reformas

Embora a avaliação, como tal, dos resultados das mudanças não seja aqui
o nosso propósito principal, parece necessário introduzir algum elemento de
valorização das reformas a que nos referimos. Pollitt e Bouckaert (2000, p. 97
e seguintes) destacaram as diiculdades de empenho e os escassos dados con-
iáveis em boa parte dos casos. Com referência aos países em que as inovações
foram mais signiicativas, é comum que as análises ressaltem a aparição de ga-
nhos de produtividade, resultantes da melhora na relação resultados/despesa
com pessoal. Da mesma forma, foi salientada a incorporação signiicativa de
pautas culturais relacionadas com a orientação aos resultados, o cuidado com
a satisfação do cliente e, em alguns casos, a concorrência entre provedores de
serviços públicos. A melhora dos resultados dos processos de recrutamento e
seleção, como conseqüência da introdução da gestão por competência, bem
como o aumento da capacidade gerencial resultante dos novos modelos de
função diretiva, fazem parte, também, das mudanças que recebem, em geral,
valorizações de cunho positivo.
Do ponto de vista dos problemas ou das incertezas, devemos nos referir
a pelo menos duas ordens de diiculdades que começam a aparecer na gestão

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 161 161 22/2/2007 09:40:48


162 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

pública do emprego e das pessoas e se reletem na literatura especializada. A


primeira resulta da contradição representada, em muitas das experiências, pela
necessidade de combinar a redução de efetivos com políticas orientadas à qua-
liicação, ao compromisso e à mudança cultural das pessoas (Korsten e Van
der Krogt, 1995; Pollitt e Bouckaert, 2000, p. 162. Ingraham e outros, 2000;
Belout e outros, 2002). De fato, essa contradição é uma fonte de diiculdades
na atual gestão das pessoas, claramente presente também no mundo empre-
sarial (Pfefer, 1998b), e que apresenta aos gestores problemas de envergadura
considerável.
Nesse primeiro bloco de problemas, seria preciso incluir aqueles que de-
rivam da lexibilidade contratual que obriga a administrar um emprego públi-
co diferente, em muitos aspectos, do tradicional, o que exige capacidades cuja
existência não é evidente em todos os casos. Se o futuro das organizações está
menos em recrutar seu próprio pessoal e mais em contratar fora e usar em-
pregados temporários e em tempo parcial (Ingraham e outros, 2000, p. 390), a
pergunta é: os governos estão preparados para administrar uma força de tra-
balho dessa natureza?
A resposta a estas perguntas está, em nossa opinião, no desenvolvimento
das capacidades de direção nas organizações do setor público. Aproveitar a
necessidade de maior eiciência como uma oportunidade para melhorar as po-
líticas qualitativas de gestão das pessoas, investindo adequadamente em com-
petência e motivação dos empregados – esse é o desaio que as novas situações
colocam aos dirigentes públicos. Trata-se, em nossa opinião, de um desaio
cuja superação só está ao alcance dos governantes e gestores que combinem
a sensibilidade para a eiciência e a sustentabilidade orçamentária com uma
sólida fé no papel imprescindível dos sistemas públicos, bem como em sua
capacidade de reformar-se e adaptar-se às novas situações.

Os problemas derivados do excesso de fragmentação

A segunda ordem de problemas tem a ver com o caráter descentralizado


dos projetos subjacentes às reformas, como vimos, e os possíveis riscos de falta
de coesão que possam acarretar. O problema foi diagnosticado sobretudo nos
países em que essa tendência se plasmou de forma mais irme. Assim, na Sué-
cia, a Comissão para a Política Administrativa (SOU) expressava, em 1997, sua
preocupação com o excesso de fragmentação do governo em várias culturas
diferentes e, inclusive, em alguns casos, contraditórias (Murray, 2000, p.187).
Em sentido análogo, um projeto governamental neozelandês mais recente (Mi-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 162 162 22/2/2007 09:40:48


AS TENDÊNCIAS DE REFORMA DA GESTÃO DAS PESSOAS NAS DEMOCRACIAS AVANÇADAS „ 163

nisterial Advisory Group, 2001) defende – depois de sustentar a validade global


do modelo de agências – uma evolução dos mecanismos estruturais e culturais
de reforço da coesão e medidas para o planejamento e gestão de redes interor-
ganizacionais, que permitam satisfazer as necessidades de colaboração entre
organismos diferentes.
A diferenciação do universo administrativo é um sinal de identidade da
reforma gerencial, conseqüência da lógica descentralizada que a caracteriza,
mas as tendências fragmentadoras lhe são, na realidade, muito anteriores. A
heterogeneidade e diversiicação dos sistemas públicos são características das
sociedades contemporâneas, conseqüência do papel assumido pelo Estado e da
pluralidade das áreas em que se desdobra a intervenção pública. A administra-
ção pública há muito deixou de ser um universo amplo, porém abrangível, sub-
metido a padrões estáveis e regras comuns que o tornam facilmente compreen-
sível e regido por sistemas centralizados de direção que asseguram a coesão,
pelo menos formal, do conjunto. No universo administrativo de nossos dias,
convive um número cada vez maior de entidades auto-dirigidas e dotadas de
conigurações ad hoc, muitas das quais são agora chamadas a concorrer entre si
ou com terceiros, o que acentua inevitavelmente a tendência à diferenciação.
Esse panorama contrasta abertamente com as características da demanda
contemporânea de políticas e serviços públicos, cada vez mais visível. Os pro-
blemas mais importantes e difíceis (wicked problems, como foram chamados
no Reino Unido) que a gestão pública enfrenta em nossos dias (desde a polui-
ção ambiental, a repetência escolar e a segurança do tráfego, até a saúde mental,
a violência doméstica contra as mulheres e a gravidez precoce) exigem, cada
vez mais, soluções transversais, isto é, respostas cuja implantação ultrapassa as
fronteiras traçadas pelas estruturas organizacionais e pedem a colaboração de
atores situados em diversas dependências hierárquicas (Longo, 2003b).
A tendência descrita pode ser veriicada tanto dentro das organizações
como fora delas. No primeiro caso, leva a estimular os mecanismos de conexão
e coordenação lateral entre unidades; no segundo, força a articulação de várias
modalidades de colaboração entre organizações. Nunca como hoje foi tão cor-
reta a airmação de Les Metcalfe (1993a) de que o traço diferenciador da gestão
pública é precisamente o fato de que ela aufere resultados através de outras
organizações. Uma parte signiicativa dos estudos teóricos atuais no campo do
management público dedica-se (Clarke e Stewart, 1997; Bardach, 1998; Perri 6
e outros, 2002) a explorar os caminhos para tornar esta colaboração efetiva.
A consciência do problema está levando à deinição de programas go-
vernamentais de intervenção nas estruturas e no funcionamento dos sistemas
político-administrativos, com a inalidade de fortalecer sua capacidade para a

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 163 163 22/2/2007 09:40:48


164 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

colaboração interorganizacional (lemas como joined up government ou holistic


government nasceram para expressar este propósito). Tais orientações propõem
o desaio fundamental da coordenação sem hierarquia e, sem desconhecer a
importância dos mecanismos estruturais, dão atenção especial aos elementos
relacionais. Para Subirats (2003, p. 11), entraram em crise dois elementos fun-
damentais da forma como até hoje se governou: a especialização e a autoridade.
A crise da primeira se expressa na inexistência de atribuições, para os diversos
atores institucionais, de capacidades precisas e blindadas. Isso, por sua vez, leva
ao emprego de mecanismos “mais sutis, mais baseados na capacidade de ne-
gociar do que de recorrer à hierarquia”. Como diz Borins (1995, p. 125), “nas
áreas em que se precisa coordenação, está icando cada vez mais evidente que
a coordenação informal e os acordos voluntários são uma alternativa melhor
do que a coordenação central”. A distinção entre autoridade formal e autori-
dade moral ou capacidade para inluenciar assume mais sentido do que nunca
nesses contextos.
Precisamente por isso, essas situações colocam novos e importantes desa-
ios à gestão pública das pessoas. Quando o objetivo fundamental passa a ser,
na expressão de Bardach (1998, p. 20), a construção da capacidade de colabo-
ração interorganizacional, o comportamento humano se converte na variável
chave para o sucesso. Na maior parte das vezes, esses objetivos irão reforçar as
tendências ao empowerment, exigindo a transferência da capacidade de ação
e, inclusive, do poder negociador aos proissionais situados na base operativa
das organizações, chamados a formar equipes multifuncionais autogestionadas
com proissionais de outras organizações, cujos aglutinadores fundamentais
(Bardach, 1998, p. 130) terão de ser a mútua inteligibilidade e a coniança. Ad-
ministrar essas novas formas de fazer, imprescindíveis para enfrentar a com-
plexidade dos problemas sociais emergentes que sobrecarregam as agendas dos
governos, implica o desenvolvimento e fortalecimento signiicativo da função
de dirigir pessoas. A superação dos modelos burocrático-hierárquicos de che-
ia, de avaliação do desempenho ou de chamamento de responsabilidades
(Longo, 2003b) aponta para um padrão mais soisticado e sutil do exercício da
administração pública. Nele a liderança pessoal e a posse de um amplo elenco
de habilidades sociais são componentes básicos. Insistiremos neste ponto no
próximo capitulo.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 164 164 22/2/2007 09:40:48


6. DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS:
POR QUE, PARA QUE E COMO

O desenvolvimento da função de dirigir, sem dúvida, é um dos sinais de


identidade das reformas e das orientações para a mudança da gestão pública
abordadas no capítulo precedente. Por sua transcendência, nos pareceu neces-
sário tratá-la separadamente e incorporar algumas referências conceituais que
ajudem a entender melhor o signiicado desse fenômeno, que consideramos es-
sencial na evolução contemporânea dos sistemas públicos. Assim sendo, este
capítulo pretende desenvolver uma relexão a respeito da direção pública prois-
sional e sua evolução ao longo das últimas décadas, nas administrações públicas
do mundo desenvolvido. O eixo condutor da mesma será a institucionalização
da função diretiva nos sistemas político-administrativos contemporâneos.
A estrutura do capítulo é a seguinte: começaremos enquadrando a ex-
pansão e o desenvolvimento da gerência nos sistemas públicos e descrevendo
brevemente, de forma comparada, sua evolução mais recente em um conjunto
de países do âmbito da OCDE, coincidente com o que serviu de base à relexão
do capítulo anterior. Em seguida, apontaremos os traços básicos de um modelo
de prática de gestão pública. A partir daí abordaremos o tema central referido.
Para isso, tentaremos em primeiro lugar deinir os elementos coniguradores
de um marco institucional de direção pública. Em seguida, exploraremos a
possibilidade de deinir critérios que orientem o desenho dos postos de traba-
lho de natureza diretiva, de forma que se consiga distingui-los dos cargos de
natureza política. Por último, abordaremos o conteúdo, o alcance e o âmbito
das reformas necessárias para construir cenários institucionais que permitam
o enraizamento e o desenvolvimento da administração pública.

A ECLOSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Naqueles sistemas públicos em que encontramos, como ocorre nas demo-


cracias avançadas, os elementos básicos constitutivos de uma administração
proissional, a função pública tem estado repartida durante séculos, de acordo
com o conhecido modelo weberiano, entre dois grandes protagonistas: uma
classe política, investida de autoridade através dos mecanismos da democra-
cia representativa, e um serviço público proissional, regido pelo sistema de
mérito.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 165 165 22/2/2007 09:40:48


166 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

A aparição dos administradores pressupõe a ruptura desse dualismo, pro-


fundamente interiorizado durante um longo tempo, não apenas no funciona-
mento das administrações, mas também na própria consciência social. Quais
são as causas da crise do modelo? A que se deve a eclosão gerencial?
A nosso ver, as bases profundas da crise do paradigma weberiano se esta-
beleceram há muitas décadas, tão logo começou a irrefreável evolução dos Es-
tados modernos no sentido do que hoje chamamos de Estado provedor, social
ou de bem-estar. Considerada no contexto do Estado liberal, como garantia de
uma aplicação imparcial e impessoal da norma, a burocracia weberiana ma-
nifesta precocemente, pelo menos no nível da análise, sua inadaptação a essa
evolução. Os governos vêm assumindo crescentemente a prestação de serviços
– em sua maior parte sob a forma de prestação direta – , o que vai aumentando
gradualmente a dimensão empresarial de uma boa parte de sua atuação. A legi-
timidade governamental que deriva da submissão ao direito deve ser cada vez
mais complementada pela legitimidade que deriva da eicácia.
A enorme expansão da atividade de prestação de serviços por parte dos
poderes públicos dá lugar a uma crescente complexidade e diversiicação dos
processos de produção dos serviços (Echebarria, 1993, p. 93 e seguintes). A ne-
cessidade de atores capazes de se colocarem à frente daqueles processos, garan-
tindo sua eicácia, não é atendida adequadamente por nenhum dos dois atores
básicos do sistema. O cenário adequado para a ruptura do dualismo parece
montado e, no entanto, não o será até épocas muito mais recentes, quando o
fenômeno do gerenciamento acabe por se impor na prática, em muitos caso,
ou, ao menos, acabe por ser assumido como tendência desejável, em muitos
outros (Cabrerro, 1991).
A explicação mais coerente e difundida entre os que analisaram o pro-
cesso não deixa de ser paradoxal. Embora o nascimento e o desenvolvimento
do estado de bem-estar incorporassem as necessidades apontadas, será pre-
cisamente a sua crise que fará que as respostas alorem e se generalizem. A
crise iscal e a crescente restrição de recursos à disposição dos governos atua-
rão como o estopim capaz de questionar o status quo e implantar um modelo
alternativo.
Para Sue Richards (1994, p. 5-9), que analisa o fenômeno a partir da ex-
periência britânica, mas em escalas aplicáveis a condições que nos são mais
próximas, a fase de expansão do estado de bem-estar foi protagonizada por
dois atores principais: os políticos e os proissionais (técnicos e especialistas in-
corporados à administração para a prestação de um volume crescente de servi-
ços). Ambos os protagonistas atuavam como forças de expansão das respostas
públicas. Os primeiros, pressionados por uma demanda social crescente, cuja

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 166 166 22/2/2007 09:40:48


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 167

satisfação era a chave para competir com êxito no mercado eleitoral. Os segun-
dos, impulsionados pelas mesmas necessidades, vividas em suas relações com
os usuários reais ou potenciais dos serviços, assim como por seu interesse em
consolidar seu peso e seu protagonismo no sistema. No meio, uma burocracia
débil, administrando e dando forma às intervenções e transações dos dois
atores principais.
A autora britânica acredita que o modelo pode subsistir, embora seja
possível alimentar suas tendências expansivas intrínsecas através do cresci-
mento incremental sustentado dos orçamentos públicos. Quando a magnitude
alcançada pelo gasto público e a necessidade de políticas orçamentárias res-
tritivas questionam a viabilidade econômica daquele, os políticos começam a
perceber a necessidade de introduzir disciplina no sistema. A incorporação
dos managers, portadores dos valores e dos saberes próprios da racionalidade
econômica, lhes permitirá orientar a administração na produção de melhoras
de eiciência.
Cabe reter, desta análise, duas notas signiicativas. A primeira é que a
gerencialização aparece vinculada a uma reação das classes políticas dirigentes,
destinada a tomar o controle do sistema, impondo seu poder sobre o que Clar-
ke e Newman (1997, p. 13) chamam de coalizão buro-proissional e utilizando
para isso um novo ator, os dirigentes, que assumirão um protagonismo desta-
cado. A segunda, é que a função diretiva, embora necessária muito antes, em
nossa análise, como conseqüência da lógica evolutiva do Estado moderno, não
se generaliza a não ser sob o impulso da crise de recursos e da restrição dos
gastos públicos. Esta segunda nota explicará o contundente viés eicientista,
fortemente orientado para a redução de gastos, que a irrupção dos managers
adotou em muitos casos, e que deu lugar a algumas das conseqüências mais
discutíveis desses processos.
No contexto público espanhol, o fenômeno da gerencialização é, sem dú-
vida, muito mais incipiente que no Reino Unido ou em outros países, como
Austrália, Nova Zelândia, Suécia e Dinamarca (Schwartz, 1994; Boston e ou-
tros, 1997), que passaram por processos de ampla transformação de seus siste-
mas públicos, além de muitos outros (Estados Unidos, Canadá, Holanda), em
cujas tradições administrativas a função diretiva alcançou um notável grau de
desenvolvimento. Países mais próximos da nossa cultura administrativa, como
a Itália, têm estimulado reformas destinadas a consolidar a dirigenza pubblica
como um estrato dotado de lógica e características próprias e diferenciado da
função pública ordinária.
No entanto, se sustentarmos – e creio que devemos fazê-lo – que a aná-
lise anterior decorre basicamente de aplicação à nossa administração pública

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 167 167 22/2/2007 09:40:49


168 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

e que também entre nós o formato dual (políticos/funcionários) é um modelo


insuiciente e ameaçado, o que encontraremos, na maioria dos casos, é um es-
paço por preencher: o espaço que corresponderia ao exercício de uma função
diretiva pública.
A partir do ponto de vista da análise organizacional, a existência de um
espaço vazio ou semi-vazio é uma situação mais teórica do que real. Como
que atormentadas por um horror vacui, as organizações costumam produzir
tendências internas para o preenchimento de qualquer fresta que apareça em
suas estruturas, sob o duplo impulso de atender a necessidades criadas e de
satisfazer expectativas de poder dos atores que nelas atuam. O espaço da ad-
ministração pública é disputado – com resultados variáveis, que diferem nas
diversas instituições – pelos dois atores tradicionais: a classe política e a função
pública proissional. Em outro lugar (Longo, 1999b) demonstramos por que,
em nossa opinião, nenhum deles pode responder adequadamente aos desaios
apontados. Mais adiante, resumiremos nosso ponto de vista sobre o assunto.

O DESENVOLVIMENTO DA FUNÇÃO DIRETIVA

Não há management sem managers. As reformas que, sob diferentes le-


mas e denominações, com claras diferenças de objetivo e de profundidade,
mas com uma grande noção de conteúdos (Barzelay, 1998 e 2001; Clarke e
Newman, 1997; Dunleavy e Hood, 1994; Metcalfe, 1993b; Pollitt, 1993; Pollitt
e Bouckaert, 2000; OCDE, 2000a), vêm se desenvolvendo nos sistemas políti-
co-administrativos de uma boa parte do mundo, exigem dirigentes. Sem eles,
a mais impactante das orientações em prol da eiciência e da racionalidade
econômica, os melhores instrumentos e técnicas de gestão estariam fadados ao
fracasso (Dalziel, 1996, p. 31).
O problema é que os sistemas tradicionais do serviço público ou ser-
viço civil carecem, em geral, da capacidade de produzir dirigentes na pro-
porção exigida pelas reformas. Também não dispõem de mecanismos aptos
para estimular devidamente a prática gerencial. Por isso, a proissionalização
dos dirigentes se tornou uma prioridade para os reformadores (Murray, 2000,
p. 180) e obrigou a concentração de políticas especíicas de gestão dos recur-
sos humanos na faixa superior dos sistemas do serviço público ou serviço civil
(Losada, 1999).
Com alguma freqüência, como veremos a seguir, esse objetivo exigiu que
se diferenciasse aquela faixa diretiva do resto da função pública, e que fosse ela
dotada de um estatuto especíico, mais lexível do que aquele que se aplica aos

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 168 168 22/2/2007 09:40:49


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 169

demais servidores públicos. Certamente, há países, como a França, a Alema-


nha, a Bélgica e a Espanha, que não se incluem nessa tendência – o que não
impediu um uso crescente da formação de dirigentes em todos eles, embora o
desenvolvimento da administração pública ainda apresente signiicativos déi-
cits de institucionalização (Jiménez Asensio, 1995).
A diferenciação a que izemos referência não deve ser confundida com
a total discricionariedade na nomeação de dirigentes por razões políticas
(Longo, 1999b). Os governos necessitam de um certo número de nomeações
políticas, que costumam ixar através de diversas técnicas. Assim, na França
as limitações ao pessoal de nomeação direta pelos ministros são basicamente
orçamentárias. Atualmente, uns 450 cargos são assim preenchidos (Burnham,
2000, p. 101). Nos Estados Unidos, cerca de 10% dos cargos superiores, mais
alguns cargos especíicos no nível de executive schedule, totalizam uns 1.350
cargos da área executiva federal. Na Suécia, o número desses cargos é estabele-
cido por acordo entre os partidos. Na Alemanha e na Bélgica vigoram sistemas
híbridos de nomeação para esses cargos e é utilizado um sistema de pool, em
que, para se fazer parte dele, são considerados alguns requisitos, como um grau
universitário e às vezes um exame, e cujos integrantes podem ser objeto de
uma nomeação política discricionária (World Bank, 2000).
A orientação diferenciadora a que fazíamos referência se fundamenta,
ao contrário, em modelos de separação entre os padrões de responsabilidade
próprios da política e da gestão (Jiménez Asensio, 1998), que partem do reco-
nhecimento de uma esfera gerencial que deve ser coberta por dirigentes pú-
blicos proissionais, sujeitos ao mandato político, mas aos quais se reconhece
uma esfera própria de decisão, que é exercida conforme padrões estabelecidos
em contratos (Laegreid, 2000) baseados no princípio de responsabilidade por
resultados. Algumas das reformas que afetaram os postos superiores dos siste-
mas do serviço público seguiram essa orientação.
Assim, no Reino Unido (OCDE, 1999c, p. 8), criava-se, em 1996, o Senior
Civil Service (SCS), que englobava e ampliava a Open Structure anterior do CS e
que incorpora os três mil cargos superiores da administração britânica. O SCS
inclui todos os diretores executivos das agências, alguns dos quais são trazidos
de fora do CS mediante contratos por prazo limitado e renovável. A maioria,
no entanto, tem contratos por prazo indeterminado. Os cargos do SCS são ava-
liados através de um novo sistema (JESP, Job Evaluation for Senior Posts), e a
todos são aplicadas formas de retribuição variável por desempenho. A política
salarial é gerida por um órgão que responde diretamente ao Primeiro Minis-
tro. Sistemas avançados de gestão do desempenho, inclusive avaliações de 360
graus e outras técnicas, têm sido implantados no SCS pelo Cabinet Oice.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 169 169 22/2/2007 09:40:49


170 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Nos Estados Unidos (OCDE, 1999, p. 21), o Senior Executive Service


(SES) foi criado em 1978 pela Lei de Reforma do Serviço Civil. Engloba cerca
de sete mil cargos (são demasiados, para alguns especialistas, para que pos-
sam ser qualiicados como uma elite), entre os quais se encontram os 10% que,
como dissemos antes, podem se destinar a nomeações políticas, se bem que, na
prática, jamais foram excedidos os 9% (Ingraham, e outros, 1995). Certamente,
as análises das diferenças de comportamento dos dirigentes de uma e outra
procedência não apresentam variações muito signiicativas (Dolan, 2000). Os
efeitos combinados dos cortes orçamentários, do downsizing e das reformas
dos últimos anos afetaram o SES de diversas formas. As reformas mais recen-
tes, com a criação das Performance Based Organisations (PBOs), se inspiram
nas agências britânicas e introduzem novos padrões de desempenho para os
dirigentes.
Na Austrália, o SES foi criado pela Lei de Reforma do Setor Público, de
1984, num contexto de reformas que tinha como prioridades (Pollitt e Boucka-
ert, 2000, p. 202) reduzir a permanência dos servidores públicos, diversiicar as
fontes de assessoramento político aos ministros e aumentar tanto a capacidade
gerencial quanto a receptividade dos funcionários públicos face às prioridades
políticas do governo.
Na Itália, a criação da Dirigenza Pubblica, pela reforma de 1993, (Sánchez
Móron, 1994; Martinez Bargueño, 1995, p. 34) teve como fundamento a obten-
ção de uma nítida distinção entre os planos de direção política e administrativa,
com o objetivo de fortalecer a autonomia dos dirigentes públicos proissionais
em relação ao poder político, e garantir a eles um âmbito próprio de atuação, li-
vre de interferências, mesmo que condicionados pelos objetivos políticos. Uma
das características da reforma italiana é a sua disposição de estender o modelo
ao conjunto das administrações públicas. Em função da posição hierárquica e
da maior ou menor lexibilidade do sistema de nomeações, o sistema italiano
distingue entre os níveis de dirigente general (nomeação dependente de verii-
cação de requisitos) e dirigente (nomeação dependente de aprovação em exame
ou em curso de capacitação).
Na Holanda, depois de muitos anos de debates (Van der Krogt e outros,
2000, p. 197), uma reforma de 1995 criou o ABD (Alto Serviço Civil), que
engloba os trezentos cargos de nível superior do governo central, estando pre-
vista a ampliação daquele número. Os objetivos da criação do ABD foram: o
desenvolvimento das capacidades diretivas, a promoção da mobilidade e da ex-
periência internacional, e o desenvolvimento de um esprit de corps. Existem es-
tímulos para a rotatividade e restrições para a permanência num mesmo posto
por mais de sete anos. Um departamento especial para o ABD, no Ministério

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 170 170 22/2/2007 09:40:49


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 171

do Interior, recruta e seleciona o pessoal e desenvolve um cuidadoso programa


de formação e avaliação.
No caso canadense (OCDE, 1999c), o alto funcionalismo civil tem sido
constituído, tradicionalmente, por um grupo de elite que se caracteriza por ser
recrutado em universidades prestigiosas, assim como por um centralizado sis-
tema de pessoal e por empregos vitalícios. A situação (“modelo Westminster”) é
semelhante à do Reino Unido no início das reformas da década de 1980. As in-
dubitáveis mudanças do contexto não provocaram no Canadá uma reforma em
profundidade, já que os governos parecem ter estado mais interessados em polí-
ticas de economia e de redução de pessoal do que em transformações gerais.
Mais recentemente, e no marco de um acordo interpartidário sobre mo-
dernização do Estado, o Chile aprovou em 2003 uma lei que reforma seu siste-
ma de serviço civil e cria, depois de um amplo processo de deliberação (Egaña,
2003, p. 143), uma Alta Direção Pública, provida de mecanismos que garantem
seu caráter proissional.
Uma das características gerais dos novos modelos de função diretiva pro-
issional (Ridley, 2000, p. 35) é a abertura de novos postos, em muitos casos
fora da administração, combinando o acesso de executivos procedentes do
setor privado com o recrutamento, majoritário, de pessoas procedentes do
serviço civil.

UM MODELO DE EXERCÍCIO DA FUNÇÃO DIRETIVA

A procura de um modelo que seja bem aceito, e no qual se embase uma


noção que sirva de referência para a prática da direção, é sempre uma tarefa
difícil, mas a nosso ver essa diiculdade aumenta quando falamos de direção
pública. Todavia, existe pouco embasamento da função diretiva no repertório
de modelos e convicções interiorizados pelas organizações e sistemas públicos,
o que enfumaça os contornos da própria noção de gerência pública e a torna
suscetível de enfoques e formulações diversos.
Justamente esse caráter ainda pouco nítido da igura é que está tornando
a função diretiva vulnerável a perigos de desvios que às vezes a afastam de sua
razão de ser. Em particular, são evidentes os perigos de apropriação da função
de dirigir pelos atores antes mencionados (Longo, 1999b). Acontece isso quan-
do a igura se politiza, assumindo um viés clientelista em que o espaço diretivo
é colonizado pelas classes políticas e os interesses partidários. Esse também é
o caso quando a direção se burocratiza, convertendo-se em mera executora de
normas ou aplicadora de procedimentos e pautas deinidos por inércia e afas-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 171 171 22/2/2007 09:40:49


172 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

tando-se da responsabilidade pelos resultados, como ocorre quando a função


pública comum a incorpora e dela se apropria, desnaturando-a.
Diga-se logo que não defendemos a existência de um modelo único e
excludente de referência para o exercício da direção pública. Sem prejuízo dis-
so, parece-nos que goza de ampla divulgação e extensa aceitação a proposta
da Kennedy School of Government, da Universidade de Harvard, exposta entre
outros por Mark Moore (1995), que considera o dirigente um “criador de valor
público”. Para o autor norte-americano, essa criação de valor implica a atuação
em três esferas interrelacionadas, como mostra a igura 9.
A primeira, a gestão estratégica, supõe que o dirigente pense estrategica-
mente, produza idéias para que a organização sob sua responsabilidade – qual-
quer que seja seu tamanho – possa criar o máximo valor; pretende-se, se for o
caso, transformar as premissas segundo as quais vinha atuando, reformular a
missão e inovar, quando as circunstâncias o indicarem.

Figura 9. Um modelo integral de direção pública (KSG)

GESTÃO
DO ESPAÇO
POLÍTICO

GESTÃO
ESTRATÉGICA

GESTÃO
OPERACIONAL

Fonte: adaptação de Moore (1995).

Para desenvolver essa estratégia, o dirigente precisa operar em uma se-


gunda esfera – Moore a chama de political management, que traduziremos,
com algumas reservas, como gestão do ambiente político – com o objetivo de
obter a legitimação, o apoio, a colaboração e os recursos necessários, adminis-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 172 172 22/2/2007 09:40:49


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 173

trando para isso as relações com um grupo de atores, internos e externos, que
constituem seu contexto autorizador. Esse contexto inclui, antes de tudo, seus
superiores políticos, mas também todos aqueles atores sobre os quais o dirigen-
te não goza de autoridade formal: outros dirigentes, de sua própria ou de outras
organizações, grupos de interesse, cidadãos, meios de comunicação etc.
Por último, trabalhando na terceira esfera, a gestão operacional, o diri-
gente deve conseguir que a organização a seu cargo, composta pelo conjunto
de meios e recursos situados sob sua autoridade formal, atue eicaz e eicien-
temente para alcançar os objetivos perseguidos, assumindo, além disso, a res-
ponsabilidade pelos resultados alcançados.
Este último seria o terreno mais conhecido e convencionalmente aceito
do exercício da direção, mas, se nos limitarmos a ele, a função de dirigir ica
empobrecida, como sublinha Moore, ignorando as esferas do management es-
tratégico e político. Seria como pedir a um dirigente público menos do que
nossas sociedades estão acostumadas a exigir de um dirigente privado ou de
um executivo de empresa. Mais do que isso, provavelmente a complexidade
dos problemas enfrentados pelo setor público e a complexidade de seu contex-
to autorizador fazem essas esferas da gestão mais exigentes no âmbito público
do que no privado. Bourgault e Savoie (2000, p. 376), em um trabalho recente
sobre o serviço civil superior canadense, ressaltam essa dimensão da função
gerencial pública de forma coincidente com o modelo descrito.
A adoção do modelo da KSG como indicativo é compatível com uma
visão contingente do trabalho diretivo. O êxito ou fracasso deste implica
solicitações que operam de maneira diversa em contextos diferentes, como
bem demonstra a tipologia de peris diretivos de Strand (1987), útil como
referência analítica para reconhecer diversos graus e formas de manifesta-
ções da liderança na gerência pública. Apresentando-se com duas dimensões
– o grau de estabilidade/mudança, por um lado, e a orientação que prefere
estabilidade/resultados, por outro – surge uma tipologia de dirigentes pú-
blicos formada por quatro arquétipos: o administrador, o produtor, o em-
preendedor e o integrador, cada um dos quais poderia ser visto como uma
concretização diferente do dirigente genérico de Moore, em circunstâncias
especíicas e diversas.
Essa aproximação básica à função diretiva pública, sem dúvida exigente,
mostra-se coerente com a que resulta dos trabalhos mais recentes do Comitê
de Gestão do Serviço Civil do Reino Unido (Civil Service Management Board,
CSMB), que tem por objetivo a produção de um modelo de competências de
direção para o serviço civil superior. Os “valores” e “temas” que coniguram
o modelo básico de direção pública para o CSMB incluem elementos como

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 173 173 22/2/2007 09:40:49


174 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

inovação, criatividade, aprendizagem, visão aberta ao exterior, trabalho em par-


cerias ou redes, e mais outros próprios da gestão operacional.

UM MARCO INSTITUCIONAL DA FUNÇÃO DIRETIVA PÚBLICA

Quais arranjos institucionais possibilitam a existência da direção pública,


entendida com o alcance das relexões anteriores? Quais são os principais ele-
mentos coniguradores de um ecossistema institucional capaz de tornar viável
o pleno desenvolvimento e a consolidação da gerência proissional nos gover-
nos e nas organizações do setor público? Fizemos uma tentativa de dar res-
postas a essas questões, com o objetivo de adiantar idéias e fornecer elementos
para o debate e a relexão, mais do que com a pretensão de chegar a conclusões
deinitivas sobre os mesmos. Dentro desse limite, parece-nos que as regras for-
mais e informais do jogo necessárias para que a gerência proissional frutiique
nos sistemas públicos devem garantir, antes de tudo, a existência de um marco
de responsabilidade diretiva, integrado (vide igura 10) por quatro elementos
básicos, que citamos a seguir21.

Figura 10. Um marco de responsabilidade gerencial

Um conjunto
Um espaço de
de valores de
discricionariedade
referência

Um sistema
Um regime
de controle e
de prêmios e
prestação
sanções
de contas

Fonte: adaptação de Echebarria.

21
Para a redação dessa parte, o autor se baseia em lições e conversas de trabalho com seu
colega do IDGP da Esade, atualmente no Banco Interamericano de Desenvolvimento,
professor Koldo Echebarria, cujas idéias adapta e desenvolve, sendo porém o texto de
exclusiva responsabilidade do autor.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 174 174 22/2/2007 09:40:49


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 175

Um espaço de discricionariedade

Não existe exercício de direção sem a capacidade de fazer opções e de


tomar decisões. Não há gerência em que a atividade seja, no fundamental, de
mera aplicação de normas ou execução de instruções emanadas de outros.
Quando o que se espera do funcionário público, como sucede no modelo bu-
rocrático de administração (pelo menos na sua formulação mais arquetípica),
é a aplicação impessoal de regras e a observação iel de procedimentos prees-
tabelecidos, a atribuição de autoridade hierárquica não equivale à habilitação
real para o exercício de uma função diretiva, entendida como é normal, por
exemplo, no mundo da empresa.
Por isso, os reformadores britânicos da década de 1980 cunharam a ex-
pressão right to manage para se referir ao necessário alargamento da discricio-
nariedade diretiva exigida por seu objetivo de “gerenciar” os serviços públicos.
A própria pretensão de tornar os executivos públicos responsáveis perante o
poder público, trazia consigo a necessidade de ampliar o grau de autonomia
para decidir. Somente assim caberia introduzir mecanismos de prestação de
contas sobre os resultados da gestão, indo além dos controles de procedimen-
tos típicos das burocracias, incapazes de assegurar a eicácia e a eiciência dos
processos de produção dos serviços.
A reforma gerencial propõe um aumento da discricionariedade do ges-
tor público. Esse traço é comum às diferentes visões e orientações daquela re-
forma. Kettl (1997, p. 448) o observou tanto nas aproximações mais baseadas
nos desenhos contratuais e nos sistemas de incentivos, quanto naquelas que
se baseiam na coniança, no empowerment e nas recompensas intrínsecas do
serviço público. A mesma coincidência se veriica entre modelos de reforma
que acentuam o protagonismo do dirigente e daqueles que transferem facul-
dades de decisão para os escalões inferiores da pirâmide hierárquica (Peters,
1996, p. 19).
Este último ponto levanta uma questão importante: a relação entre dis-
cricionariedade gerencial e empowerment. Cada vez mais, as organizações pú-
blicas precisam transferir capacidade de decisão a pessoas situadas em escalões
inferiores da hierarquia ou em sua própria base operacional. A atuação basea-
da em opiniões proissionais especializadas formuladas livremente é necessária
especialmente quando se enfrentam problemas complexos; e, sobretudo, quan-
do é preciso articular fórmulas de colaboração interorganizacional (Bardach,
1998, p. 117 e seguintes). Pois bem, somente o dirigente público dotado de
uma margem de discricionariedade signiicativa assumirá os riscos que decor-
rem de delegar toda essa capacidade decisória. O administrador burocrático,

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 175 175 22/2/2007 09:40:50


176 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

pelo contrário, constrangido pelos controles formais e temeroso do erro ou da


dissonância, agirá no sentido contrário, centralizando a decisão e enchendo
a organização de controles internos (Longo, 2003b). Os custos desse tipo de
funcionamento na gestão pública são cada vez mais altos.
Para a construção desse âmbito de discricionariedade diretiva é impres-
cindível transformar, no que diz respeito àquelas que caracterizam as burocra-
cias tradicionais, as relações dos dirigentes com duas diferentes instâncias de
poder dentro das organizações públicas: os políticos do governo, de uma parte,
e as tecnoestruturas, de outra.
No que diz respeito aos primeiros, o alargamento da autonomia dire-
tiva se produz na forma de uma delegação formalizada, institucionalizada,
e não episódica ou meramente voluntária. Podemos tornar compreensível
o alcance dessa delegação se a caracterizamos como uma renúncia estável
à interferência política na esfera das decisões próprias da gestão. A decisão
política ica reservada, preferencialmente, para a formulação de prioridades
e de linhas de atuação estratégica e para a alocação dos recursos, enquanto
que a gerência assume a responsabilidade de dirigir os processos mediante
os quais se implementam as políticas e se produzem e se prestam os servi-
ços públicos. Nem é preciso dizer que a distinção entre os dois campos é
nebulosa e que a diiculdade para delimitá-los oscila, dependendo das di-
versas variáveis que concorrem, por sua vez, de modos diferentes nas diver-
sas áreas da ação pública. Os projetos institucionais em que se desenvolveu
especialmente a gerência pública dotaram esse novo marco de relações entre
políticos e dirigentes de uma base contratual (o formato principal-agente)
que, mais ou menos formalizado, tem tentado explicitar, tanto quanto pos-
sível, as novas regras do jogo. Os contratos ou acordos de gestão, ou public
service bargains (Hood, 2000), têm caracterizado boa parte das reformas em
diferentes países.
A segunda instância afetada por essa ampliação da margem de atuação
do dirigente é a que se constitui das tecnoestruturas, isto é (Mintzberg, 1984,
p. 56), os órgãos que assumem, dentro das organizações, as responsabilidades
de normatizar, planiicar e controlar a atuação das instâncias de linha ou di-
retamente produtivas. Incluem-se aqui os interventores, auditores, diretores
de orçamento, de pessoal, controllers, gestores ou supervisores de provisio-
namento, setores de organização e métodos etc. A capacidade para dirigir
é inseparável da possibilidade de tomar certas decisões sobre áreas como os
recursos inanceiros ou humanos, o que entra em colisão com as práticas,
geralmente centralizadas, das burocracias públicas. A transformação do mar-
co relacional acontece aqui, por conseguinte, na forma de transferência aos

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 176 176 22/2/2007 09:40:50


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 177

gestores de faculdades anteriormente detidas por órgãos da tecnoestrutura.


Estes, por sua vez, vêem mudar substancialmente seu papel nas organizações,
como conseqüência das mudanças dos sistemas de controle, das quais fala-
remos a seguir.
A abertura do espaço que torna possível a margem de discricionariedade
própria da gerência exige um desenho institucional descentralizado (Pollitt,
Birchall e Putman, 1998). Onde não há esse tipo de desenho, ou onde a des-
centralização é insuiciente, ambígua, oscilante ou simplesmente retórica, esta-
rá irremediavelmente comprometido um elemento fundamental do marco de
responsabilidade próprio da direção pública.

Um sistema de controle e prestação de contas

Falar de um marco de responsabilidade gerencial implica a existência


de mecanismos formais de responsabilização (accountability) ou, o que é o
mesmo, de cobrança e prestação de contas da atuação do dirigente. Tais me-
canismos podem ser vistos como o contraponto necessário para a existência
de um espaço descentralizado, em que o dirigente opera com uma margem
signiicativa de decisão, como já dissemos. Esse contraponto constitui a base
do contrato ou acordo de gestão, mais ou menos formalizado, a que antes nos
referíamos.
Os controles próprios da direção, aqueles que se mostram coerentes com
a existência do espaço de discricionariedade a que temos nos referido, são,
preferentemente, os que atuam sobre o desempenho (performance) da atuação
gerencial. Como descreve a teoria da organização, os sistemas de planejamento
e controle do desempenho (diferentemente dos que normatizam e controlam
ações ou procedimentos) se fazem presentes basicamente no princípio e no
inal do ciclo de gestão, isto é, nos momentos em que se deinem metas e se
alocam recursos, e naqueles em que se avaliam os resultados (Longo, 1999a,
p. 220). Nos estágios intermediários do ciclo, os controles são hands of, que
tomam a forma de um acompanhamento sem intenção de intervir – salvo as
exceções, que icam reservadas para suspeitas de desvio muito signiicativo dos
padrões de resultados ou de procedimentos estabelecidos. Só assim os contro-
les são compatíveis com a prestação de contas e com a exigência de responsa-
bilidade pelos resultados.
O controle do desempenho faz parte dos must da gestão pública contem-
porânea. Porém às vezes é mais fácil encontrá-lo nos textos do que na prática
das organizações. Outras diiculdades conspiram contra sua incorporação às

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 177 177 22/2/2007 09:40:50


178 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

formas estáveis de atuação das administrações. Resumimos algumas das dii-


culdades características do controle de desempenho nestas quatro perguntas:
como deinir o desempenho? Quem o deine e quem se responsabiliza por ele?
Quem o avalia? Como ele é avaliado? (Longo, 2003b). Os especialistas têm
destacado (Mendoza, 1993, p. 44 e seguintes) como sua implantação, além dos
obstáculos técnicos, enfrenta as resistências próprias de uma mudança cultural
transcendente, que deve ser adequadamente gerida.
Essas diiculdades se acentuam quando, como se exige de forma cada
vez mais freqüente da gestão pública, é necessário atuar através de fórmulas
de colaboração interorganizacional. Em primeiro lugar, a implementação de
políticas públicas mediante mecanismos de colaboração interorganizacionais
aumenta a probabilidade de que apareçam prioridades políticas diferentes, ou
pelo menos matizes diferentes em relação aos resultados desejáveis, sem que
exista um critério apenas técnico para resolver o problema (Conselho Cientíi-
co do CLAD, 2000, p. 59). Tudo isso aumenta a diiculdade para deinir metas
de desempenho. Em segundo lugar, e principalmente, a responsabilização pelo
desempenho enfrenta uma especial diiculdade para identiicar quem é respon-
sável por um resultado, quando falamos dos que no Reino Unido se chamaram
wicked problems, que são precisamente aqueles problemas que cruzam trans-
versalmente as fronteiras dos departamentos e das organizações e resistem a
serem resolvidos através das soluções disponíveis no repertório de atuação de
uma única organização (Clarke e Stewart, 1997). Em deinitivo, nos espaços de
colaboração se coloca o problema crucial de como responsabilizar por resulta-
dos quando nenhum ministério, departamento, comitê ou agência dispõe do
espaço de controle necessário para inluir suicientemente sobre aquele (Perri
6 e outros, 2002, p. 176).
A nosso ver, o que esses cenários evidenciam é, sobretudo, que a respon-
sabilização dos dirigentes públicos pelo desempenho deve se afastar dos pa-
drões neo-tayloristas, que buscam sempre a simplicidade da comparação de
uma meta ou padrão com um indicador de resultado, de preferência quantita-
tivo. A direção pública se exerce freqüentemente em situações que exigem um
manejo melhor da complexidade. A medição e avaliação dos resultados, por
si mesmas, não são a solução para todos os problemas de responsabilização
pelo desempenho na gestão pública (Bardach, 1998, p. 148). Pelo contrário, a
medição das realizações deve ser pensada não tanto como uma inalidade em si
mesma, mas como um instrumento muito importante, capaz de ajudar a man-
ter um diálogo continuado sobre o desempenho (Diiulio, 1994) entre o órgão
de controle e a organização responsabilizada. Freqüentemente, para ser frutí-
fero, esse diálogo deverá combinar informação sobre o resultado e apreciação

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 178 178 22/2/2007 09:40:50


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 179

do desempenho da organização, incorporando elementos de valorização dos


comportamentos, ponderação das diiculdades, análise da “multifatoralidade”
e outros dados que ajudem a enriquecer a compreensão do contexto em que se
deu o desempenho.
A eicácia de um sistema de controle do desempenho da prática diretiva,
como o que aqui se indica, obriga o desenvolvimento, nas tecnoestruturas das
organizações, de novas capacidades de controle. Deixar de centrar os con-
troles na regularidade dos procedimentos e passar a avaliar o desempenho,
e fazê-lo de forma que supere os padrões hierárquico-burocráticos, importa,
nas organizações, em processos de transformação e aprendizagem que não
costumam se mostrar fáceis. Na responsabilização pelo desempenho, o ní-
vel de percepção dos órgãos de controle é uma variável crucial para o êxito
(Longo, 2003b). A existência de tecnoestruturas de novos tipos, tecnicamente
qualiicadas e adaptadas à nova ilosoia de controles e que os exerçam com
plena eicácia, faz parte do panorama institucional em que a nova gerência
pública frutiica.
Ao contrário, a ausência ou a debilidade do controle de desempenho pre-
judica seriamente o espaço institucional que favorece a existência e o enrai-
zamento da direção pública, tal como, a nosso ver, ela deve ser entendida e
defendida. Quando esse déicit de responsabilização se dá em áreas descentra-
lizadas, leva à formação de feudos tecnocráticos e evolui para a fragmentação
patológica dos sistemas públicos, que tendem a icar privados de elementos
de coesão global imprescindíveis. Uma parte não pequena dos processos de
criação de órgãos e empresas públicas, nas administrações públicas de muitos
países do mundo padecem, provavelmente, dessas deiciências. Nessas situa-
ções, as regras e incentivos que estimulam um exercício eicaz e responsável da
gerência tendem a brilhar por sua ausência.
Para o dirigente público, esse é um desaio fundamental. Por um lado,
para conseguir uma gestão eicaz. Como indica Behn (2001, p. 121), os gesto-
res públicos podem exercer uma inluência sobre a natureza e os procedimen-
tos da responsabilização pelo desempenho, assumindo a iniciativa de projetar
e propor sistemas efetivos e adaptados à área especíica de gestão em que de-
vem ser aplicados. Isso exige que se convertam em estimuladores da exigência
de prestação de contas, em vez de tentar evitá-la. Por outro lado, assumir o
desaio da responsabilização é importante para a consolidação institucional
de direção pública. “A responsabilização é a fonte de legitimação da gestão
pública [...]. O poder sem legitimidade é vulnerável e inseguro. A responsa-
bilização pública institucionaliza o direito de gerir dos dirigentes públicos”
(Metcalfe, 1998, p.18).

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 179 179 22/2/2007 09:40:50


180 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Um regime de prêmios e sanções

O concurso dos dois elementos que acabamos de mencionar e descrever


(discricionariedade e responsabilização) conigura por si mesmo um marco que
incentiva o exercício de uma função diretiva responsável. No entanto, o repertó-
rio de incentivos icaria incompleto se não se acrescentarem os mecanismos de
reação que, sendo coerentes com o controle dos resultados, vão além da sua mera
apreciação. Concretamente, nos parece imprescindível a existência de um regime
de prêmios e sanções associados à avaliação do desempenho diretivo. Sem ele,
qualquer sistema de controle certamente icaria privado de eicácia a longo pra-
zo. Fica claro que falamos de reações positivas e negativas. Como destacou Behn
(2001, p. 211), se continuamos usando, como acontece com a responsabilização
tradicional pela regularidade, os castigos pelas falhas como a única conseqüência
da responsabilização, estaremos transferindo implicitamente aos gestores a men-
sagem de que dediquem sua atenção e seus esforços a não cometer erros. A res-
ponsabilização pelo desempenho se coaduna com uma área de gestores públicos
empreendedores, comprometidos com a melhoria de seus resultados. Isso exige
que se estimule mais a inovação do que o medo de errar. Conseguir um equilí-
brio diferente entre prêmios e sanções é inerente a esse novo enfoque.
Se bem que, em matéria de controle de desempenho, as especiicidades
da gestão pública introduziriam notáveis modulações e matizes em relação à
prática no setor privado (a própria noção de resultados, sem falar na de desem-
penho, seria suscetível a isso), parece-nos que em matéria de prêmios e sanções
a proximidade entre ambos os mundos pode ser maior, ao menos no que diz
respeito ao conteúdo de uns e outras. De fato, assim como ocorre no mundo
da empresa, os principais estímulos de sinal positivo se relacionam com as po-
líticas e práticas de carreira e de compensação, sem excluir outros, certamente.
Quanto aos estímulos de sinal contrário, a vinculação da permanência no car-
go a um desempenho positivo, ou ao menos aceitável, seria o mais importante,
sem dúvida.
As diferenças mais signiicativas, nesse campo, entre as áreas pública e
privada deveriam ser buscadas nos mecanismos de administração do sistema
de incentivos. Nesse ponto, a necessidade de preservar o caráter proissional da
direção pública num universo organizacional dirigido pela política obriga a in-
troduzir alguns mecanismos de garantia mais consistentes que no mundo em-
presarial, destinados a evitar que o manejo da gerência pública descambe em
práticas arbitrárias ou clientelistas, ou simplesmente que as lealdades políticas
ou pessoais se imponham sobre as considerações de competência proissional
e o desempenho (Longo, 1999b).

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 180 180 22/2/2007 09:40:50


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 181

O que se disse não signiica que tais garantias devam dar lugar a um uni-
verso comum de normas que integre a direção pública proissional na função
pública ordinária. Pelo contrário, a implementação de um regime de incenti-
vos capaz de estimular adequadamente o aparecimento e a atração de voca-
ções diretivas e o próprio exercício da direção pública exige pautas especíicas
de lexibilidade, semelhantes às que existem nas empresas para a coniguração
das condições de trabalho de seus dirigentes. Não se pode normatizar a fun-
ção diretiva com a rigidez que encontramos normalmente nos regulamentos
gerais do emprego público. A vinculação clara da continuidade no cargo, a
carreira e a retribuição conforme os resultados, fariam parte de regras do jogo
capazes de tornar possível esse marco, rigoroso porém mais lexível, de prê-
mios e sanções.
Essa convicção parece ter aberto passagem entre os reformadores que,
como antes mencionamos, estimularam mudanças nesse campo, no âmbito
das democracias avançadas. A criação de estatutos especíicos para o pessoal
diretivo, que destacamos como orientação freqüente, atende a essa necessidade
de combinar os mecanismos de garantia do proissionalismo gerencial com a
possibilidade de aplicar regras de gestão de recursos humanos adaptadas aos
postos de direção.

Um conjunto de valores de referência

O quarto e último elemento conigurador do marco de responsabilidade


diretiva que estamos tentando descrever aponta para a direção menos tangí-
vel deste. Referimo-nos ao ethos, o conjunto de valores que rege o exercício
da função diretiva pública, capazes de dotá-la de uma identidade axiológica
própria, diferente da que caracterizaria os demais atores presentes nos sistemas
político-administrativos. Dessa identidade derivariam orientações, pautas de
ação e limites ou restrições, conigurando um padrão de conduta ou conjunto
de percepções acerca do que é apropriado e do que não é, no desempenho da
gerência pública.
A nosso ver, o ethos especíico da direção pública tem como eixo os va-
lores da racionalidade econômica. Entendemos essa racionalidade, utilizando
para isso o léxico popularizado por Moore (1995) antes mencionado, como
criação do máximo valor público possível, mediante a utilização eiciente dos
recursos alocados. O dirigente opera no contexto de um mandato implícito
de caráter otimizador do conjunto de meios postos à sua disposição. Falar de
racionalidade econômica, portanto, não deve ser confundido com orientações

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 181 181 22/2/2007 09:40:50


182 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

economicistas, centradas na mera redução de custos, ou com a aplicação de


critérios de responsabilidade que ignorem, na ação pública, as dimensões me-
nos suscetíveis de medidas quantitativas ou as externalidades positivas con-
correntes. Signiica, pelo contrário, um propósito maximizador do impacto
– permanentemente consciente – de utilizar recursos escassos, avaliando e
tornando transparente, de maneira sustentável, os custos de cada intervenção
e de cada serviço, incluídos os de oportunidade; e por isso se faz responsável
pelo funcionamento racional do sistema, na parte que tenha icado submetida
à sua autoridade formal. O value for money popularizado pelos reformadores
britânicos expressava de forma eloqüente esse ethos gerencial.
Embora a racionalidade econômica não seja, certamente, patrimônio
exclusivo da gerência e incorpore valores que podem ser compartilhados
com um alcance mais geral, nenhum dos dois outros grandes atores ins-
titucionais – os políticos e os proissionais a serviço da administração – a
incorporam como eixo constitutivo de seu ethos especíico. Digamos, sem
intuito de aprofundar isso agora, que os valores dominantes se situariam,
no primeiro caso, em torno da noção de representatividade e, no segundo,
incorporariam os modelos deontológicos próprios de cada proissão públi-
ca. Os managers são os atores que trazem para os sistemas político-admi-
nistrativos essa orientação valorativa especíica; e por isso a incorporação
da eiciência aos modos de pensar e fazer as coisas nas administrações é
inseparável do desenvolvimento da direção pública, da qual é efeito e causa,
ao mesmo tempo.
O fato de que isso seja assim, precisamente, é que justiica a atribuição
aos dirigentes do “direito de gerir”. É o fato de protagonizar com exclusividade
essa orientação dominante de base, entre os atores institucionais dos sistemas
públicos, que fundamenta a incorporação, pelo desenho institucional, de um
espaço gerencial razoavelmente protegido da intromissão política e da interfe-
rência burocrática. E, por sua vez, somente a manutenção da dita identidade
axiológica, e sua tradução em resultados de gestão coerentes, legitima a manu-
tenção de tal margem de discricionariedade.
Essas considerações viriam a sustentar a argumentação de Richards
(1994) que antes mencionamos, a respeito da irrupção da direção pública,
vinculando-a à crise iscal do estado do bem-estar e à necessidade de estimu-
lar melhorias de eiciência. Em qualquer caso, parece indubitável que as si-
tuações de diiculdade inanceira têm favorecido em certos casos as reformas
administrativas de signo gerencial, sem que isso signiique atribuir a umas
e outras uma relação de causalidade que icaria desmentida pela análise de
outras experiências.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 182 182 22/2/2007 09:40:50


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 183

A conjugação dos quatro elementos que desenvolvemos nessa parte coni-


gura o marco de responsabilidade próprio da direção pública proissional. Pois
bem, será a gerência pública uma proissão? A resposta depende de qual seja o
conceito de proissão que se adote. Alguns estudos têm demonstrado reservas
em lhe atribuir tal caráter, aduzindo: a) a ausência de um critério atualizado
de racionalidade técnica que possa ser invocado pelos dirigentes e possa ser
atribuído a um processo especíico de educação formal; b) uma responsabili-
zação bem mais hierárquica do que baseada em padrões proissionais, e c) um
grau de complexidade das decisões operativas insuiciente para defender a au-
tonomia da opinião proissional especializada, frente à intromissão hierárquica
(Matheson, 1998).
Em todo o caso, o importante não é se a gerência pública se encaixa, em
maior ou menor medida, em um determinado conceito de proissão. O próprio
trabalho citado, depois de concluir que a alta direção pública não poderá alcan-
çar nunca uma forma de organização proissional tão forte quanto a advocacia
ou a medicina, acrescenta que ela adquirirá uma dimensão mais proissional
quando possuir um maior grau de estabilidade no emprego, de deinição fun-
cional e de organização horizontal. Em deinitivo, isso é o mais importante: o
fato de que os sistemas públicos contemporâneos precisam, por razões que já
foram expostas, deinir e organizar um espaço diretivo proissional, diferente
dos que correspondem à política e às outras proissões públicas, e subordiná-lo
a pessoas dotadas do elenco de competências necessárias e imbuídas do ethos
gerencial que indicamos.

A CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO DIRETIVO:


POSTOS POLÍTICOS E PROFISSIONAIS NA DIREÇÃO PÚBLICA

Chegados a este ponto, uma questão – nada fácil, por certo – pede passa-
gem abertamente: como delimitar, nas instituições, os postos e as funções de
natureza diretiva e com que critérios daqueles cuja legitimidade de exercício
é de caráter político. Dizendo de outro modo: que critérios situam uma res-
ponsabilidade ou cargo público no que chamamos de espaço diretivo e exigem
portanto que ele seja tratado com critérios de responsabilidade gerencial, e
não com critérios próprios da política. A questão obriga a abordar a diferen-
ça, especialmente elusiva e resistente à aproximação doutrinal, entre política e
administração (Ammons e Newell, 1989, p. 41), cujas fronteiras se perilam,
nos termos de alguns estudos recentes (Svara, 1999), com contornos cada vez
menos nítidos. Não é nossa pretensão, nem de longe, deixar aqui resolvida a

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 183 183 22/2/2007 09:40:51


184 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

questão, nem tampouco apresentar receitas ou listas de aplicação direta. Nós


nos limitaremos a explorar possíveis critérios de análise, tentando um esclare-
cimento mais metodológico que propriamente conceitual.

Uma difícil delimitação

Alguns enfoques se revelam de imediato claramente insatisfatórios. As-


sim acontece com as tentativas de explorar a delimitação utilizando o crité-
rio dos papéis de direção desempenhados por uns e outros. Entre nós, Lo-
sada (1995, p. 407 e seguintes) dedicou parte de um fundamentado trabalho
a explorar, aplicando o conhecido modelo de papéis diretivos de Mintzberg,
às diferenças entre dirigentes privados e públicos, sem distinguir, para estes
últimos, os espaços político e proissional de direção. Ele airma: “[...] tanto a
evidência empírica como a opinião dos especialistas nos levam a concluir que,
em termos de pautas de trabalho e de papéis ou funções diretivas genéricas (a
essência do trabalho diretivo), não se apresentam diferenças substanciais entre
o dirigente público e o privado, mas sim uma identidade no essencial”. Com
mais razão, portanto, dada a sistemática do trabalho que comentamos, seria
necessário acentuar a falta de diferenças signiicativas que a aplicação desse en-
foque oferece no momento de esclarecer a delimitação entre o espaço político
e o gerencial ou proissional no âmbito da direção pública. Dizendo de outro
modo, não existe uma listagem genérica, ou conjunto de papéis diretivos pró-
prios da gerência pública, claramente diferençável do que caracteriza o exer-
cício da função política de dirigir. Numa investigação mais recente, o mesmo
autor (Losada, 1999) chega a conclusões que se limitam a enfatizar o peso de
certos papéis diretivos em um ou outro campo, sem que disso se possa tirar um
critério delimitador substantivo. Mais adiante aludiremos ao critério do papel
desempenhado como parte da aproximação contingente que propomos para
enfrentar a questão.
Tampouco em torno da noção de liderança – adotando a conhecida dis-
tinção (Zaleznik, 1977) leadership versus management, utilizada, entre outros,
por Elcock (1994, p. 317) – parece que poderemos concluir com êxito nosso
empenho delimitador. A liderança não é exclusiva dos políticos, tanto se a con-
siderarmos como uma competência ou conjunto de qualidades diferenciadoras
de que certas pessoas são dotadas (McClelland, 1979; Spencer e Spencer, 1993),
quanto se – seguindo a sugestiva aproximação normativa de Heifetz (1997) – a
virmos como uma atividade portadora de determinados valores e chamada a
enfrentar certas situações e problemas. Os analistas da direção pública (Am-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 184 184 22/2/2007 09:40:51


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 185

mons e Newell, 1989; Moore, 1995) têm demonstrado como o exercício da


liderança é da mesma natureza do desempenho correto da tarefa diretiva, e são
abundantes os estudos em que o referido exercício se mostra como a variável
crucial para o êxito ou o fracasso da prática diretiva em situações concretas.
Sem dúvida, tais requisitos operam de maneira diferente em diferentes contex-
tos, como demonstra a tipologia de peris diretivos de Strand, anteriormente
mencionada.
É relativamente crescente a tentativa de situar a delimitação na natu-
reza da função desempenhada por uns e outros. Segundo esses enfoques,
pertenceriam à política a área de deinição da estratégia, as prioridades e os
objetivos das instituições, e seria função do dirigente a gestão dos recursos,
processos e atividades que visam a sua atuação. A distinção, assim formula-
da, nos parece discutível. Na realidade, omite uma parte daquilo que, com
freqüência, ocupa na prática os dirigentes públicos, ou seja, produzir idéias
próprias sobre o que se deveria fazer e tentar que se faça, e denota, ao mesmo
tempo, uma visão um tanto estreita do processo de elaboração das estraté-
gias. Se analisássemos quantas políticas públicas postas em prática em qual-
quer instituição de certo tamanho se devem a iniciativas nascidas “da políti-
ca” e transferidas para a organização de cima para baixo, através de circuitos
que respondem à citada hierarquização (congressos dos partidos; programas
eleitorais; programas e decisões de governo; atos da administração), e quan-
tas, pelo contrário, se devem a iniciativas surgidas na própria instituição, que
“sobem” buscando apoio, autorização, recursos, para que possam ser execu-
tadas, provavelmente concluiríamos que há pelo menos tantas das segundas
quanto das primeiras.
A distinção entre os que elaboram estratégias e os que as executam revela
uma visão empobrecida do trabalho diretivo e, em conseqüência, dos peris
necessários para desenvolvê-lo. Parece-nos mais conseqüente e realista o en-
foque de Mark Moore (1995), que considera os dirigentes (como vimos ante-
riormente) , sem distinguir entre políticos e proissionais, como “criadores de
valor público”, o que obriga a considerar tanto a estratégia quanto a gestão do
ambiente autorizante como partes essenciais da tarefa de dirigir. Outra coisa
é quando o projeto institucional propõe, como também indicamos anterior-
mente, a delimitação de marcos de responsabilidade política e gerencial nos
núcleos de direção das organizações e sistemas multiorganizacionais públicos.
Entretanto, mesmo quando os ditos marcos são reconhecidos na realidade, ica
por responder a pergunta acerca de que cargos e com que critérios é preciso
situar de um e de outro lado da relação principal-agente que caracteriza tais
desenhos.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 185 185 22/2/2007 09:40:51


186 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Um enfoque contingente

Então, onde começam e onde terminam, nas organizações públicas, as


responsabilidades políticas e gerenciais? Quando, por estarmos no interior
do espaço diretivo, deve a política autolimitar-se e prescindir de suas tendên-
cias expansivas, de caráter usurpador ou colonizador? Em que tipo de situa-
ções ou postos devem prevalecer critérios proissionais na busca e captura
dos peris de competências necessários? Talvez o problema esteja em buscar
uma resposta normativa para essa série de perguntas, tentando fundamen-
tá-las em uma delimitação conceitual válida genericamente para toda classe
de postos e circunstâncias (qual seria a singularidade essencial do “dirigen-
te” em contraste com o “político”). Provavelmente não existe tal resposta.
Política e gerência pública são esferas chamadas a coexistir na direção das
organizações públicas, que parece conigurar-se para tanto como um todo,
no qual, embora seja claro que a segunda está subordinada à primeira, ica
particularmente difícil delimitar seus contornos e precisar em conseqüência
o alcance da dita subordinação e os mecanismos através dos quais se dá a
relação entre ambas.
Em conseqüência, talvez fosse mais útil aplicar à nossa exploração um
enfoque contingente, pensando que os espaços políticos e diretivos se arti-
culam mais ou menos harmoniosamente em uma dada situação, em função
de que o desenho dos postos responda de maneira mais ou menos adequada
a uma série de circunstâncias concorrentes, que operariam como fatores de
contingência.
A partir de um ponto de vista descritivo, esse enfoque nos indicaria as va-
riáveis que, na organização ou em seu cenário, favorecem a aparição de postos
de um tipo ou de outro. E a partir de um ponto de vista prescritivo ou normati-
vo, ele nos informaria acerca da “desejabilidade” de uma coniguração diretiva
(política) ou outra (proissional) para a direção de organizações concretas, ou
departamentos ou áreas das mesmas. Essa orientação nos levaria também a
sustentar que as respostas dadas à questão, em um determinado contexto ins-
titucional, poderiam não ser as adequadas para um contexto diferente, em que
tais fatores operassem de maneira distinta.
Sendo assim (e o que aventamos não passa de uma hipótese que acredita-
mos seja digna de ser explorada), a relexão deveria levar à busca desses fatores,
à identiicação das variáveis que estimulam e aconselham ao mesmo tempo a
concepção de um cargo como político ou diretivo, oferecendo então chaves
para uma coniguração institucional harmônica daquilo que estamos chaman-
do de espaço diretivo. Com tal caráter de exploração inicial, apresentamos, na

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 186 186 22/2/2007 09:40:51


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 187

Figura 11. O espaço diretivo profissional no âmbito público;


variáveis de contingência

Direção profissional Direção política

Matéria Politicamente neutra Politicamente diferenciadora

Papel Despolitizado Politizado

Produto Estável Instável

Padronizável Não padronizável

Sistema de gestão Sofisticado Simples

igura 11, quatro variáveis que, a nosso ver, poderiam operar como fatores de
contingência da dita coniguração.
a) A matéria: entendemos por tal o conteúdo ou universo temático em que se
desdobra a função atribuída ao cargo. A dimensão relevante nessa variável é
sua politização, isto é, o grau de proximidade do conteúdo temático em torno
do qual gravita a função de direção, assim como das decisões que se devem
adotar no exercício da mesma, dos elementos nucleares de diferenciação en-
tre forças ou empreendimentos políticos. Em outras palavras, falaríamos de
uma matéria politicamente neutra, quando se depreendesse de seu conteúdo
um baixo grau de exigibilidade de lealdades especíicas, na direção de um
projeto ou de um fato político claramente diferenciado. Pelo contrário, a ma-
téria seria politicamente diferenciadora quando a dita exigibilidade fosse de
alto grau. Mais do que matérias genericamente qualiicáveis como de um tipo
ou de outro, existirão contextos, histórias e circunstâncias em que a dimen-
são de politização concorrerá em grau diferente.
b) O papel: o segundo fator de contingência se relaciona com as característi-
cas do papel que o titular do cargo se vê obrigado a desempenhar. Também
aqui, a politização é a dimensão que deve ser considerada. Entenderemos
por politização do papel o grau de sua proximidade com as relações e tran-
sações características do mercado político (solicitações de tarefas, atividades
predominantes, estilo de comportamento) exigido pela função de direção
que o cargo leva consigo. Esse fator se manifestará freqüentemente de modo
ostensivo na magnitude ordinária do componente externo (parlamentar-in-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 187 187 22/2/2007 09:40:51


188 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

terpartidário-cívico-midiático) exigido pelo desempenho do dito papel. O


papel será despolitizado quando o grau daquela proximidade for baixo, e po-
litizado no caso contrário.
c) O produto: o que o cargo produz, levando em conta sua missão ou razão de
ser, é outro fator relevante de contingência para os objetivos de caracteriza-
ção que buscamos. Entendemos por produto (output) a área especíica de
criação de valor público no qual o posto exterioriza resultados determinados.
São duas as dimensões que devem ser levadas em conta do ponto de vista do
produto.
A primeira é a sua estabilidade. Identiicamos como tal o grau de conso-
lidação e persistência no tempo que cabe atribuir tanto ao output produzido
pela organização – ou pela área que dirige – como à sua própria conigu-
ração estrutural. Em todas as organizações e sistemas multiorganizacionais
do setor público há funções e atividades fortemente estáveis e resistentes aos
ciclos políticos e, outras, cuja duração tende a coincidir com estes – ou pelo
menos se vêem diretamente inluenciadas por eles. Falaremos de um produ-
to estável, no primeiro caso, e instável, no segundo.
A segunda dimensão é a suscetibilidade de padronização do produto. A
previsibilidade do output, por uma parte, e a existência de um instrumental
disponível de medição dos resultados, por outra parte, facilitam a padro-
nização e a normatização do resultado. Dentro dessas hipóteses, abre-se a
possibilidade de estabelecer marcos de responsabilidade diferenciados para
a gerência pública proissional, conigurados de acordo com o modelo prin-
cipal-agente e baseados na existência de sistemas de planejamento e controle
de resultados, tal como apontamos na parte anterior deste capítulo. Nesses
casos, portanto, o produto será padronizável. Às vezes, pelo contrário, o pro-
duto é diicilmente previsível e mensurável, como acontece especialmente
quando o ambiente do posto é luido e dinâmico. Em tais casos, essa dimen-
são concorrerá em grau baixo.
d) O sistema de gestão: essa última variável de contingência indica as caracterís-
ticas das políticas, práticas e procedimentos de gestão requeridos para que o
titular do cargo alcance os objetivos derivados da missão, responsabilidades
e funções próprias do dito cargo. Aqui, a dimensão é a soisticação inerente
ao dito sistema de gestão. Mais concretamente, falaremos de um sistema de
gestão soisticado quando houver um alto grau de “empresarialidade”, plas-
mado na necessidade de um management operativo signiicativamente de-
senvolvido, como requisito para desempenhar com êxito a função de direção
de que se trate. Normalmente, embora nem sempre, essa necessidade poderá
ser associada à de enfrentar problemas signiicativos – quantitativos, qualita-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 188 188 22/2/2007 09:40:51


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 189

tivos ou de ambos os tipos – no que respeita à gestão de recursos. O sistema


de gestão será simples quando tal dimensão concorrer em um grau baixo.

Acreditamos que do próprio enunciado dessas variáveis se deduz sua


possível incidência sobre a delimitação que buscamos. Assim, quanto maior
for o grau de politização da matéria e do papel desempenhado, quanto menos
estável e suscetível de padronização for o produto e mais simples o sistema de
gestão associado ao cargo, mais consistente será a tendência e a razoabilidade
para deinir um posto de direção como político. Pelo contrário, o arquétipo de
um cargo próprio de um dirigente público proissional seria aquele que apre-
sentasse exigências derivadas de um sistema de gestão soisticado e um pro-
duto preferencialmente estável e padronizado, assim como um baixo grau de
politização da matéria e do papel.
Parece óbvio que a aplicação desses critérios à análise de situações con-
cretas daria lugar a identiicações relativamente claras e a muitas outras de
peris consideravelmente menos nítidos. Por outro lado, nenhuma das variá-
veis de contingência que propusemos, isoladamente considerada, ofereceria
base suiciente para a análise. Pensemos, por exemplo, na direção do projeto
de implantação de uma grande infra-estrutura física governamental de grande
transcendência política. A mera instabilidade e a temporalidade do output,
assim como a estrutura organizacional criada para isso, não seriam suicientes
para conigurar o posto como político, quando não acompanhadas de outras
circunstâncias que assim o aconselhassem. Nesse caso, as características de
soisticação do sistema de gestão, que derivam da “empresarialidade” da tare-
fa, com suas conseqüentes exigências de preparação gerencial, e talvez tam-
bém da possibilidade de padronização do produto, poderiam se manifestar
num grau que tornaria aconselhável deinir a função como própria para uma
direção proissional.
Nossa proposta acentua o enfoque metodológico, e não tanto nas quatro
variáveis de contingência e suas dimensões, que foram expostas com uma pre-
tensão fundamentalmente exploratória. Em nossa opinião, a utilização desse
método de análise para a coniguração do espaço diretivo proissional no se-
tor público resultaria, no caso das administrações públicas espanholas, numa
ampliação signiicativa do mesmo, reduzindo, em alguns casos, de forma im-
pactante, a esfera dos que hoje são considerados, de iure ou de facto, como
cargos políticos. Naturalmente, seria necessário dar aqui por reproduzidas as
considerações que fazíamos na parte anterior deste capítulo acerca dos ce-
nários do desenho institucional que favoreceriam essa institucionalização da
gerência pública.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 189 189 22/2/2007 09:40:51


190 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

ÁREAS DE INTERVENÇÃO PARA A


INSTITUCIONALIZAÇÃO DA DIREÇÃO PÚBLICA

Que reformas ou, simplesmente, que linhas de intervenção sobre a reali-


dade seriam necessárias para alcançar um grau de desenvolvimento da direção
pública que permitisse falar de sua “institucionalização”, isto é, de uma incor-
poração ao sistema público do marco de responsabilidade que acabamos de
descrever, assim como de um estágio de consolidação que a dote de uma razo-
ável estabilidade? Tentaremos agora dar respostas a essas perguntas, passando
em revista as diferentes áreas em que, a nosso ver, seria necessário intervir.

A estrutura organizacional

A estrutura, ou conjunto das formas que a organização adota para dividir


e coordenar o trabalho (Mintzberg, 1984), é uma das primeiras áreas afetadas.
São duas as principais variáveis do desenho estrutural em que um propósito
institucionalizador da direção pública exige reformas signiicativas.
a) A primeira se relaciona com a localização do poder de decisão e do jogo
centralização/descentralização. O habitat estrutural que favorece o enraiza-
mento e o desenvolvimento da gerência pública exige, como vimos antes,
desenhos descentralizados, se os comparamos com os padrões estruturais
próprios das burocracias públicas tradicionais. Falamos de uma descentra-
lização vertical limitada, em que uma parte do poder de decisão lui e se
desloca a partir do vértice estratégico (direção política) e da tecnoestrutura, e
fortalece a capacidade decisória da parte superior da linha média (dirigentes
de linha). Como vimos antes, a coniguração de um espaço de discriciona-
riedade diretiva exige tanto a delegação estável de poder decisório quanto a
transferência de faculdades de gestão sobre os recursos.
b) A segunda aponta para a construção de sistemas de planejamento e controle
baseados em resultados, capazes de fundamentar um controle adequado do
desempenho diretivo, o que implica igualmente uma mudança signiicativa, a
que já izemos referência, da tipologia de controles e de sua administração.

A intervenção na estrutura é condição não suiciente, mas necessária, para


a institucionalização da direção pública. O novo marco de responsabilidade se
apóia em um desenho estrutural que as burocracias públicas, tanto as de lógica
espontânea (áreas tradicionais) como as de lógica proissional (serviços para as
pessoas) não assumem como próprio. Quando os dirigentes públicos, como é

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 190 190 22/2/2007 09:40:51


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 191

muito freqüente, se vêem obrigados a desempenhar sua tarefa nesses marcos


estruturais, o normal é que se produzam todos os tipos de “ruídos” organiza-
cionais, consumidores de ingentes energias e limitadores tanto do resultado da
gestão quanto da consolidação a longo prazo da gerência pública.

As regras formais da gestão de recursos humanos

O marco jurídico regulador das políticas e práticas de gestão dos recursos


humanos é, sem dúvida, outra das áreas de intervenção necessárias. Como se
deduz das considerações anteriores, essa intervenção deveria ter duas inalida-
des principais.
a) Dispor de um sistema formal de gestão do pessoal que exerça funções di-
retivas e que assuma o proissionalismo como princípio orientador, o que
implica a existência de garantias jurídicas capazes de proteger da politização
e da arbitrariedade o exercício da gerência pública.
b) Incorporar regulamentações que atinjam o objetivo anterior mediante meca-
nismos adequados à gestão de pessoal diretivo; o que implica regulamenta-
ções especíicas em matéria de recrutamento, nomeação, carreira, remunera-
ção e demissão mais lexíveis que as da função pública comum.

A intervenção nesse campo deverá enfrentar, por um lado, a tendência


freqüente de as nomeações de caráter político ocuparem uma faixa excessiva-
mente ampla das funções de direção – desvio que, em outra ocasião (Longo,
1999b, p. 34 e seguintes) chamamos de “colonização” do espaço diretivo – e,
por outro lado, a pretensão de burocratizar a direção pública impondo um pa-
drão homogeneizador de regulamentações que a aproxime da função pública
tradicional, concebendo-a como um escalão superior do quadro funcional.
Como vimos antes, uma das formas mediante a qual se pretende alcan-
çar essas inalidades, em diversos países, tem sido a elaboração e aprovação
de estatutos especíicos para o pessoal que exerce funções diretivas, o que não
signiica que não possam existir outras linhas de reforma capazes de produ-
zir resultados semelhantes. O importante será conseguir que as regras formais
que enquadram a gestão das pessoas que exercem funções diretivas facilitem,
com a lexibilidade e as adaptações necessárias, a identiicação de competên-
cias diretivas, sua localização nos postos mais adequados, seu estímulo e mo-
tivação permanentes e sua mobilidade e substituição em caso de necessidade;
em suma, o conjunto de políticas e práticas de pessoal exigidas por uma gestão
moderna e eicaz dos recursos diretivos.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 191 191 22/2/2007 09:40:52


192 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Em todo caso, o desenvolvimento da função diretiva não precisa espe-


rar pelas reformas jurídicas. Em primeiro lugar, porque as necessidades das
organizações públicas precedem estas últimas. Em segundo lugar, porque as
melhores reformas legais são, freqüentemente, aquelas que consolidam e ins-
titucionalizam mudanças efetivamente ocorridas, mais do que as que deinem
a priori o conteúdo das mesmas. Por último, porque o principal agente im-
pulsionador do desenvolvimento da função diretiva pública não está fadado a
ser o legislador, e sim o governo. As novas regras somente servem realmente
para mudar as coisas quando acompanham claras estratégias governamentais
de mudança.

As competências gerenciais

O que foi exposto de pouco serviria, na prática, sem a existência de diri-


gentes capacitados para desempenhar o papel que lhe reservamos. A institu-
cionalização da direção pública requer – diríamos no léxico atual da gestão de
recursos humanos – dirigentes dotados das exatas competências. Temos aqui
em mente tudo o que foi dito no capítulo 1 sobre a gestão por competências e
sobre a presença desse enfoque de gestão de recursos humanos nas reformas
do emprego público, descritas no capítulo anterior.
Em outro lugar (Longo, 2002), tentamos nos aprofundar na aplicabilidade
da noção de competências no desenvolvimento de dirigentes públicos. Aqui,
nos limitaremos a recordar que essa noção transcende amplamente a de conhe-
cimentos técnicos. A qualiicação diretiva depende de uma série de atributos
entre os quais se devem incluir as motivações, os traços de caráter, os concei-
tos de si mesmo, atitudes ou valores, destrezas e capacidades cognitivas e de
conduta. A combinação dessas qualidades em peris de competências diretivas
capazes de preigurar um desempenho de êxito leva a processos de deinição
que possuem uma forte carga situacional. Por isso, a análise do contexto é uma
parte muito importante deles. A deinição de peris de competência adaptados
à realidade é um primeiro passo imprescindível para empreender práticas de
gestão destinadas a fortalecer a capacidade diretiva das organizações públicas.
A obtenção de uma massa crítica de dirigentes competentes exigirá, a
partir de agora, a adoção de vigorosos programas de desenvolvimento diretivo,
combinando para isso diferentes tipos de políticas de recursos humanos: do re-
crutamento à remuneração, à carreira, à avaliação ou à formação. Sem dúvida,
tudo isso será mais ou menos facilitado ou diicultado pelos êxitos alcançados
nas reformas a que se referem as duas partes anteriores.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 192 192 22/2/2007 09:40:52


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 193

A formação de dirigentes públicos conheceu, em todo o mundo, uma


enorme expansão nas últimas décadas. A presença nas organizações públicas
de um número crescente de dirigentes conscientes de seu papel e dotados da
competência para exercê-lo constitui, por si mesma, um fator dinamizador
das mudanças a que nos estamos referindo. Sua natural propensão para exigir
um espaço próprio e a incorporação a suas organizações de valores e modelos
mentais diferentes, que contrastam com a tradição burocrática, são elementos
que possuem um indiscutível potencial transformador. O investimento em ca-
pacitação tem sido, em muitos casos à nossa volta, um começo de mudanças
importantes nas estruturas e nas maneiras de agir das organizações públicas.
Seria um erro pensar que a formação – por sua natureza “branda”, por
assim dizer, geralmente mais exeqüível e mais fácil de administrar do que, por
exemplo, as reformas estruturais e legais – seja por si mesma a solução para
institucionalizar a direção pública. Quando a formação adquire esse caráter
totêmico, ela pode, de uma parte, obscurecer o panorama e produzir uma ima-
gem parcial e por isso enganosa do panorama de reformas necessárias; e, de
outra parte, pode frustrar muitas pessoas: aquelas que, depois de serem capa-
citadas como managers e depois de tentarem sem êxito encontrar o espaço e
o apoio para se comportarem como tal, acabam por descobrir que por trás do
investimento em formação não havia um propósito deliberado de reformar
a administração em profundidade e de consolidar a gerência pública. Nem é
preciso dizer que esses desenlaces “queimam” as reformas e produzem expe-
riências organizacionais de sinal contrário às que estamos propondo.

A cultura política e as culturas organizacionais

Sem dúvida, a institucionalização da direção pública nos sistemas públi-


cos tem importantes conotações de mudança cultural. A cultura ainda domi-
nante naqueles sistemas – entendidos como o conjunto de regras informais, os
modelos mentais, a percepção do que é apropriado em cada caso e as pautas
de conduta resultantes – está longe de haver interiorizado o management, a ge-
rência pública. Esta se conigura melhor como uma nova ordem cultural, qua-
se uma “contracultura”, em relação à tradição burocrática, ainda hegemônica
na maior parte do complexo organizacional público. Essa carga contracultural
transforma a igura do manager em algo emergente, pouco consolidado, dota-
do de contornos ambíguos e, com certa freqüência, algo que encontra resistên-
cia de alguns atores institucionais, que vêem seu aparecimento com temor ou
preocupação.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 193 193 22/2/2007 09:40:52


194 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

A nosso ver, a mudança cultural necessária para o enraizamento e o de-


senvolvimento da direção pública deve se dar principalmente em duas frentes,
de escalas diferentes: a da cultura política global da sociedade e a da cultura
interna das diferentes organizações públicas.
A primeira dessas frentes implica uma atualização de nossa cultura polí-
tica, em particular no que respeita às relações entre política e administração. A
superação do que em outro lugar (Longo, 1999b, p. 36) chamamos de “meta-
física da coniança”, legitimadora de visões colonizadoras da gerência pública
pelas classes políticas, resulta imprescindível. Na base dessa nova cultura de
autolimitação da política há, por uma parte, uma nova maneira de conceber a
forma de dirigir as instituições e, de outra parte, a convicção de que a existência
de uma administração proissional, da qual a direção pública é uma parte in-
separável, constitui um sinal de identidade das democracias avançadas. Já são
muitas as evidências de que esses modelos autolimitadores, respeitosos com o
espaço próprio da gerência pública, não “despolitizam” as administrações, mas,
pelo contrário, provocam normalmente um maior controle das organizações
públicas pela política.
A segunda frente aponta para o repertório de premissas tácitas compar-
tilhadas, que conigurariam (Schein, 1999) o substrato cultural profundo das
organizações públicas. O que encontramos aqui, na maioria dos casos, são am-
bientes culturais que representam, simbolizam e legitimam diferentes modali-
dades de coexistência e interação entre os dois atores da tradição weberiana:
políticos e funcionários, ou, o que é o mesmo, diversas manifestações concretas
do paradigma burocrático de administração pública, do qual, como vimos, a
igura e o papel do manager público icam distantes. A direção pública prois-
sional necessariamente assentará sua consolidação em uma superação desses
elementos culturais, o que supõem falar de processos necessariamente amplos
e graduais, que estimularão e serão ao mesmo tempo estimulados pelos avan-
ços nas outras áreas de intervenção que mencionamos.
A institucionalização da gerência pública proissional exigirá que se avan-
ce no desenvolvimento de uma identidade coletiva reconhecível. Para isso, pa-
rece-nos necessária a existência de uma massa crítica suiciente de pessoas que
reconheçam a si mesmas como dirigentes públicos, construindo essa percep-
ção sobre um modelo genérico de função diretiva comum e de acordo com os
traços básicos que descrevemos, e sobre um conjunto de competências prois-
sionais diferenciadas, coerentes. A criação e o desenvolvimento de vínculos
de diversos tipos, a freqüência dos intercâmbios, a participação conjunta em
programas de capacitação gerencial, a integração em redes de gerentes públicos
de diferentes tipos e áreas, assim como a implantação de iniciativas associati-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 194 194 22/2/2007 09:40:52


DIRIGENTES PÚBLICOS PROFISSIONAIS: POR QUE, PARA QUE E COMO „ 195

vas, de mecanismos especíicos de apoio proissional e de foros de debate são


iniciativas que contribuiriam para o desenvolvimento e reconhecimento dessa
identidade coletiva. Cremos que tanto as administrações públicas como as ins-
tituições acadêmicas mais vinculadas à formação em gerência pública deverão
desempenhar um papel fundamental em tudo isso.
O debate da gerência pública não está à margem dos grandes debates con-
temporâneos. Na verdade, se relaciona diretamente com a qualidade das res-
postas públicas aos grandes temas de nosso tempo. A direção pública, tal como
temos tentado descrever, não oferece um repertório tecnocrático de soluções
para os problemas sociais. Pelo contrário, inscreve-se na complexa situação
em que os governos e as organizações públicas tentam concretizar uma lide-
rança social capaz de enfrentar a mudança de adaptação (Heifetz, 1997). É um
cenário em que as incertezas predominam sobre as certezas, os conlitos de
interesses e valores sobre os consensos, e a necessidade de aprendizagem social
sobre a legitimidade das soluções técnicas, pretensamente neutras. A adoção
da gerência pública não consiste em uma tentativa de simpliicar essa comple-
xidade com umas tantas receitas instrumentais, mas em melhorar a capacida-
de institucional do governo para enfrentá-la. A institucionalização da direção
pública não é uma opção despolitizadora. Longe de substituir a política, ela a
facilita, a valoriza e potencializa seu papel condutor das intervenções públicas
para além da mera atribuição formal.
Levar essas idéias ao debate político e social será imprescindível para
conseguir o enraizamento e a consolidação da direção pública. Por custoso
que seja conseguir que os problemas da administração cheguem à opinião pú-
blica, os temas de que falamos não afetam simplesmente a funcionários que
são diretamente interessados ou a acadêmicos que deles izeram um campo
de especialização. A institucionalização da gerência pública é um tema central
para a governabilidade das sociedades democráticas contemporâneas, e é uma
incumbência, portanto, da sociedade em seu conjunto.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 195 195 22/2/2007 09:40:52


Fundap (Mérito e Flexibilidade) 196 196 22/2/2007 09:40:52
7. OS DESAFIOS DO FUTURO

Este último capítulo se destina a explorar os principais desaios que a


gestão das pessoas enfrenta, na atualidade, nas organizações do setor público.
Como vimos, os sistemas político-administrativos de muitos países vivem, há
mais de duas décadas, processos de mudança que afetam diretamente a gestão
do emprego público e das pessoas que o integram. Também no setor público as
pessoas são valiosas. Governar as sociedades contemporâneas é tarefa difícil
e as pessoas chamadas a enfrentar essa diiculdade recorrem cada vez mais à
gestão de seus recursos humanos.
Em parte, esse aumento da preocupação pela GRH é conseqüência da
nova preeminência que, como já vimos, as pessoas ganharam em nossas so-
ciedades. Nossos modelos mentais foram interiorizando a transcendência do
patrimônio humano para o êxito de quase todo projeto coletivo de envergadu-
ra, e essas percepções se transferiram, ao menos em parte, para o interior dos
sistemas públicos.
Além disso, as características próprias do setor público contribuem para
que se enraízem e se difundam em suas organizações as convicções seguintes.
■ A dimensão preponderante, dentro do conjunto de atividades públicas, da
produção e prestação de serviços, outorga ao fator humano o papel preemi-
nente que o caracteriza, em geral, nas organizações do terceiro setor, tanto
pela magnitude do investimento – intensidade da mão de obra – como pela
transcendência do papel das pessoas para a materialização e a eicácia do
objetivo estratégico.
■ A maior parte dessa atividade produtora e prestadora recai sobre pessoal de
alta qualiicação (somente a saúde e a educação absorvem, nas sociedades
desenvolvidas, mais de 80% do emprego público), o que insere plenamente
o setor público nos cenários da sociedade do conhecimento, reforçando a
importância do capital humano e introduzindo desaios especiais no mo-
mento de administrá-lo.
■ Uma parte considerável dos problemas que as sociedades contemporâneas
transferem para os governos apresenta características de alta complexidade,
e são, em boa medida, necessidades emergentes para as quais não existem
procedimentos conhecidos e testados de intervenção. Isso faz com que as
respostas eicazes devam se basear – mais do que na aplicação direta das
tecnologias ou no projeto e implementação de processos padronizados – na
capacidade de gerar idéias inteligentes, o que requer, fundamentalmente,
pessoas capazes de fazê-lo e dispostas a isso.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 197 197 22/2/2007 09:40:52


198 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Essa convicção da importância do fator humano, crescente nos serviços


públicos, afasta cada vez mais os governos e as organizações do setor público
do tradicional conceito condescendente, às vezes crítico, mas em geral tole-
rante e conformado, que as sociedades formaram dos empregados públicos.
O emprego público e sua gestão tendem a deixar de ser coisa de funcionários,
questão de ordem menor, quando começam a comprometer gravemente a ação
do governo. Por uma parte, consomem ingentes recursos que geram importan-
tes custos de oportunidade, especialmente em contextos de restrição orçamen-
tária, como os atuais. Por outra parte, são vistos cada vez mais como uma variá-
vel fundamental para o êxito ou o fracasso das iniciativas governamentais.
Não são alheias a essas preocupações dos que governam as diiculdades
e restrições que o marco institucional do emprego público opõe às tentativas
de modernizar a gestão das pessoas. As tradições da função pública, quer se
achem normatizadas em regulamentos ou pertençam ao reino intangível dos
modelos culturais, exercem uma resistência notável às tentativas de pôr em
marcha políticas de pessoal capazes de se adaptar às mudanças e de contribuir
para a melhora da gestão nas organizações públicas. Tudo isso não faz senão
aumentar a necessidade de pensar nos muitos problemas de recursos huma-
nos, e tentar buscar, contando com as pessoas, as soluções mais eicazes.

MELHORAR A GESTÃO OU PRIVATIZÁ-LA?

A diiculdade de conseguir empenho, assim como a frustração com al-


gumas tentativas de mudança ou a mera tendência de evitar conlitos, induz
alguns dirigentes a buscar um atalho e até a acreditar tê-lo encontrado. Para
eles, o melhor que se pode fazer com o emprego público é reduzi-lo à mínima
expressão, privatizando até o limite do possível a gestão dos serviços públicos.
A transferência para o setor privado se apresenta como a única opção razoável.
Essas idéias que, com formulações diferentes, vêm encontrando um indubitá-
vel eco junto à opinião pública e alguns setores das forças políticas, tendem a
minimizar a transcendência e a oportunidade de investir na modernização das
políticas e práticas de GRH. Considerando que no futuro os empregados pú-
blicos seriam muito reduzidos e se ocupariam de um conjunto de funções re-
siduais de escasso conteúdo empresarial, não valeria a pena desperdiçar agora
energias e tempo em custosas reformas destinadas a fazer frente a resistências
muito poderosas.
Algumas vezes, esse discurso se nutre de uma carga ideológica tão im-
pactante em suas manifestações quanto leviana em seu aparato argumentativo

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 198 198 22/2/2007 09:40:52


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 199

(Metcalfe, 1993b), cujo eixo é a superioridade ontológica da gestão privada


sobre a pública. Para os partidários do estado mínimo, não há reformas que
possam acabar com a ineiciência ancestral da gestão pública, cujas causas são
estruturais.
Os fatos estão longe de apresentar evidências que apóiem os argumentos
dos privatistas extremados. Embora seja indiscutível que a introdução de for-
ças de mercado no fornecimento dos serviços públicos é uma das orientações
que acompanha os processos e discursos contemporâneos de reforma do setor
público, praticamente sem exceção, suas conseqüências estão muito longe de
fazer pensar em uma substituição gradual da gestão pública pela gestão pri-
vada de serviços públicos. Pelo contrário, começa a haver evidências de que
a natureza de muitos problemas sociais emergentes e a própria incerteza das
situações atuais fazem com que as sociedades voltem seu olhar para a gestão
pública. Assim, nos Estados Unidos, o panorama de crise criado pelo 11 de
setembro tem feito muitos cidadãos se darem conta de que a gestão pública é
importante e necessária, e essa virada da opinião pública impôs em alguns ca-
sos bem signiicativos, como o da nova agência para a segurança em aeropor-
tos, a substituição de trabalhadores do setor privado por empregados públicos
(Kamarck e outros, 2003).
Sem chegar ao radicalismo das proposições ultra-privatizantes, a extensão
das fórmulas de terceirização, gestão via outsourcing ou terceirização de servi-
ços públicos, na linha do “o que importa não é quem rema, mas quem segura
o leme”, de Osborne e Gaebler (1994), vem sendo utilizada freqüentemente,
como vimos no capítulo 5, como solução para aliviar a pressão criada sobre os
gestores públicos pela contradição entre a luidez e dinamismo do contexto e
a rigidez dos mecanismos de GRH disponíveis. Sem dúvida, a terceirização da
gestão de serviços públicos é uma opção recomendável para melhorar a gestão
em não poucos casos, mas a extensão de seu uso por essas razões delineia al-
guns problemas importantes.
Por um lado, às vezes a obsessão de fugir da rigidez do emprego público
pode levar à terceirização de atividades de forma inconveniente: por exem-
plo, quando não existem mercados competitivos para provê-las ou quando a
complexidade dos mecanismos necessários para selecionar o provedor ou para
garantir o cumprimento de suas obrigações eleva os custos de transação até
um ponto que supera os benefícios obtidos com a subcontratação, ou quando a
organização pública titular carece das capacidades internas indispensáveis para
assegurar a todo momento o controle da atividade terceirizada.
Por outro lado, o recurso à terceirização pode se converter, em certos
casos, em uma espécie de artimanha escapista, que poupa as organizações pú-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 199 199 22/2/2007 09:40:52


200 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

blicas do preço de enfrentar mudanças imprescindíveis em suas políticas e prá-


ticas de gestão das pessoas. O problema é que fugir desses custos se converte
quase sempre, em curto prazo, num agravamento estrutural do problema, ao
qual se terá que retornar, antes ou depois.
Em deinitivo, o número e a dimensão dos serviços a cargo das organiza-
ções públicas e produzidos por empregados públicos continuam sendo enor-
mes e não há base para crer que no futuro vá deixar de ser assim. Os custos de
manter ineiciências signiicativas na gestão desses serviços continuarão sendo
altos. O abandono das reformas no emprego público, em nome de um preten-
so futuro presidido pela gestão empresarial privada, é uma simpliicação que
serve de pretexto para um discurso basicamente abstencionista, acomodador e
conservador do status quo.

O EIXO DE MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO PÚBLICA DAS PESSOAS

No nosso entender, orientar a gestão pública dos recursos humanos num


sentido que facilite as respostas adequadas às demandas do contexto implica
enfrentar alguns desaios transcendentes que afetam o planejamento e a orga-
nização do trabalho, a gestão do emprego, a gestão do desempenho, do desen-
volvimento e da aprendizagem; a gestão das relações de trabalho e a da própria
organização da função de recursos humanos. Em todas essas esferas, a gestão
das pessoas está exigindo um considerável esforço de inovação, cujos eixos
prioritários indicamos a seguir.

O planejamento e a organização do trabalho

O primeiro dos grandes objetivos nesse campo não é outro senão a me-
lhora do aproveitamento dos recursos humanos. Aqui, a primeira das grandes
área de melhoria é a dos próprios sistemas de planejamento, muitos pratica-
mente inexistentes. Nem a limitação imposta pelos ciclos políticos, nem a dii-
culdade que a produção ou a explicitação de estratégias encontra no contexto
público deveriam impedir o desenvolvimento de alguns instrumentos básicos
de planiicação provisional de recursos humanos. Ser puramente reativo nesse
campo tem altíssimos custos de todos os tipos.
A debilidade do instrumental de planejamento alimenta as carências do
sistema quando se trata de dimensionar impostos e dotações, alocar efetivos
ou redistribuí-los. Com freqüência, há simplesmente carência de informação

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 200 200 22/2/2007 09:40:53


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 201

comprovada que permita a tomada eiciente de decisões. Nas palavras de Palo-


mar (1997, p. XV), “embora o emprego público seja essencialmente estável (e
cremos que deve continuar sendo) a recolocação, a re-designação e a pondera-
ção de necessidades são elementos a serviço de uma gestão pública dos recur-
sos humanos [próprias de um marco] em que a eicácia e a eiciência deixem
de ser um tópico”.
Como apontamos no capítulo 1 – e como tem sido amplamente discutido
na Europa nos últimos anos dentro do marco dos debates sobre a redução de
jornada e a distribuição de emprego – a introdução de políticas mais lexíveis
de organização do tempo de trabalho abre amplas possibilidades de melhora
da produtividade (Brewster e outros, 1997). Nas organizações públicas, essas
políticas lexibilizadoras têm um amplo campo pela frente. Desde a simples
diversiicação dos horários de trabalho para adequá-los a diferentes contextos,
até os horários lexíveis, as diferentes modalidades de anualização da jornada,
os horários sazonais, a compensação de horas extras com tempo livre e mes-
mo o trabalho a distância são, entre outras, modalidades que podem permitir,
também na esfera pública, uma melhor adaptação à demanda de serviços e um
uso mais eiciente do equipamento e da tecnologia.
A segunda das grandes áreas de melhora nesse campo é a consecução de
uma organização do trabalho adaptável às mudanças. Em geral, as organizações
públicas não operam em cenários tão dinâmicos quanto certas empresas, mas
sem dúvida aumentaram suas necessidades de adaptação, o que obriga a re-
considerar certos elementos de rigidez que muitas vezes oferecem uma grande
resistência à mudança.
O projeto dos postos de trabalho deve conseguir o equilíbrio adequado
entre as tendências atuais de sinais contrários: a especialização, exigida pelas
exigências de tecniicação e qualiicação das tarefas, e a polivalência, exigida
pela necessidade de adaptação às mudanças. A deinição dos postos com a
maior polivalência que seja possível, sem que se perca eicácia ou qualidade do
produto, parece o critério correto. Em qualquer caso, será necessário combater
as tendências burocráticas para uma deinição exaustiva das tarefas, utilizada
freqüentemente para garantir redutos funcionais ancorados na rotina e prote-
gidos contra qualquer solicitação mínima de versatilidade.
A adaptabilidade das organizações também obriga a lexibilizar a mobili-
dade das pessoas. Um projeto correto de adaptabilidade é aquele que compati-
biliza as estratégias e necessidades mutáveis da organização com as aspirações
e interesses do pessoal – estes últimos voltados para a realização das tarefas
no cargo – e nas condições mais satisfatórias do ponto de vista individual. Al-
guns anos atrás escrevíamos (Longo, 1995, p. 8-9) que na Espanha o ponto de

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 201 201 22/2/2007 09:40:53


202 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

equilíbrio se acha claramente deslocado para o segundo dos pólos descritos. A


mobilidade funcional e geográica se conigura, nos regulamentos e na própria
cultura administrativa, como algo próximo a um direito subjetivo individual
do funcionário. Flexibilizar a atribuição das tarefas nos parece, portanto, uma
prioridade relevante.

A gestão do emprego

A incorporação de pessoas idôneas para as inalidades que devem ser al-


cançadas é a primeira das exigências, cuja importância aumenta, nos servi-
ços públicos da sociedade do conhecimento, caracterizados pela tecniicação
crescente das tarefas, a redução do peso do trabalho pouco qualiicado ou
rotineiro e o aumento das exigências de qualiicação de toda espécie. Para
isso, as políticas de recursos humanos deverão centrar-se em uns tantos eixos
fundamentais.
a) Os peris: a elaboração de peris de êxito é uma tarefa básica. Podemos encon-
trar um objeto valioso por mera casualidade, mas seguramente a probabili-
dade aumenta se sabemos o que procuramos. Com freqüência, um axioma
tão simples parece esquecido pelas organizações públicas. Saber o que pro-
curamos quer dizer, nesse caso, ter selecionado umas quantas competências-
chave, que, consideradas em seu conjunto, formam o peril de idoneidade do
titular da tarefa. A utilização de modelos de competência (Spencer e Spencer,
1993) será uma ajuda valiosa e nos permitirá estender a idoneidade a áreas
que vão além da posse de conhecimentos técnicos.
b) Os instrumentos: cada tipo de competência exige instrumentos de seleção
adequados. Sem dúvida, uma pura escolha aleatória, seja por ainidade po-
lítica ou pessoal, não garante a competência; mas uma prova de conheci-
mentos especializados e memorizados tampouco servirá para grande coisa,
quando são outros tipos de qualidade as que fundamentam majoritariamen-
te o peril. A escolha dos instrumentos é uma decisão técnica de grande
transcendência. A entrevista de seleção, as provas de aptidão e personali-
dade, as simulações, os centros de avaliação etc., deveriam fazer parte, nas
organizações públicas, do repertório habitual de instrumentos (Bethell-Fox,
1992) cujo uso deverá ser decidido em função das competências que devam
ser exploradas.
c) Os órgãos: a existência de órgãos proissionais de seleção, legitimados pelo
conhecimento especializado e capazes de atuar com independência, a nosso
juízo, é a melhor garantia de um sistema de mérito que pretenda ser eicaz.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 202 202 22/2/2007 09:40:53


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 203

Na tradição espanhola de função pública, um rígido sistema de garantias for-


mais construído sobre os instrumentos, que os limita basicamente às provas
de conhecimentos e à “acreditação” documental de méritos, é habitualmen-
te administrado por órgãos formados por leigos em seleção de pessoal, fre-
qüentemente presidido por um político e com a participação de sindicatos.
Esse amadorismo não só prejudica a eicácia dos processos, como também
converte o sistema de garantias em algo claramente vulnerável. A proissio-
nalização desses órgãos e um projeto que garanta a independência de seus
critérios oferecem amplas possibilidades de introduzir, por um lado, lexibi-
lidade (ao permitir diversiicar o uso dos diferentes instrumentos) e reforçar,
por outro lado, as garantias de objetividade, tornando-as substantivas (ao
situá-las sobre o fundo, e não meramente sobre a forma, dos processos de
seleção).
d) Os recursos: os investimentos em capital humano habitualmente são os mais
pesados nas organizações públicas. No entanto, os recursos utilizados para
prepará-los e executá-los costumam ser ridículos, comparados com os que
se aplicam em outros investimentos muito menores como, por exemplo, os
tecnológicos. Poucas vezes o lema “investir para poupar” se aplica tão bem.
No cenário espanhol, essa necessidade de investir se faz patente sobretudo
na utilização de especialistas em seleção. Nas grandes organizações o cami-
nho é seguramente a criação de equipes internas de pessoal, dotadas de co-
nhecimentos técnicos que as capacite para conceber e administrar adequa-
damente esses processos, sem excluir o recurso ao assessoramento externo,
caso necessário.

A gestão do desempenho

Se perguntássemos a um grupo de dirigentes públicos interessados na


gestão dos recursos humanos qual é a capacidade que desejariam possuir nesse
terreno, antes de qualquer outra, a maior parte deles citaria, provavelmente,
a de motivar as pessoas. O empenho de entender aquilo que faz com que as
pessoas se esforcem por trabalhar bem vem ocupando, há décadas, a psicologia
das organizações e, em geral, a teoria da gestão. No âmbito que nos interessa, a
preocupação se reforça porque a esfera pública é percebida como um contexto
de especiais diiculdades para conseguir e manter a motivação no trabalho.
Destaca-se, nesse sentido (Villoria e Del Pino, 1997, p. 119), a especial dii-
culdade para implantar, nessa área, recompensas extrínsecas (dinheiro, fama,
crescimento competitivo). Apesar de tudo, como dissemos no capítulo 3, os

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 203 203 22/2/2007 09:40:53


204 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

problemas da motivação, sem prejuízo das especiicidades do contexto público,


apresentam aos gestores desaios muito parecidos com aqueles que seus homó-
logos do setor privado enfrentam.
A nosso ver, o ponto de partida adequado para enfrentá-los não é ou-
tro senão entender o desempenho humano no trabalho como um assunto que
deve ser administrado, isto é, que deve ocupar a organização e seus dirigentes
como parte das responsabilidades comuns de gestão. A partir dessa interiori-
zação (que na maior parte das organizações públicas compreende não poucos
elementos de mudança cultural) quatro grandes eixos de intervenção nos pa-
recem essenciais.
a) Orientar a relação com os colaboradores no sentido da melhoria do desempe-
nho: parece-nos a hipótese fundamental nesse terreno. Presume que se assu-
ma uma função de orientação: deinir objetivos ou pautas do desempenho
esperado; que se estabeleçam e apliquem formas adequadas de comunicação,
adaptadas ao contexto e às pessoas; que se interiorize uma atitude receptiva
de escutar o que as pessoas pensam, querem, esperam e temem (isso é im-
portante e assim deve ser considerado) e que se ofereça todo o apoio possível:
formação, recursos, procedimentos etc., para remover os obstáculos que às
vezes impedem que se trabalhe bem. É evidente que esse conjunto de com-
portamentos implica e exige um claro fortalecimento da função diretiva nas
organizações. Mais adiante voltaremos a esse ponto.
b) Dar responsabilidade: não é uma panacéia, mas numerosos estudos empí-
ricos têm evidenciado a relação entre a amplitude da esfera de responsa-
bilidade assumida e a melhora do desempenho. O empowerment deve ser
visto como algo mais do que uma moda. É uma orientação que importa em
transferir o mais alto grau possível de responsabilidade, sem perda de eicá-
cia ou de qualidade. Seja pela delegação de atribuições, do enriquecimento
de tarefas ou qualquer outra via, o nivelamento de estruturas e a substituição
da supervisão direta pela veriicação dos resultados ligam-se com elementos
fundamentais da motivação e do desempenho, além de se sintonizar com as
tendências das organizações contemporâneas.
c) Vincular a promoção ao desempenho: é uma necessidade em dois sentidos.
Em primeiro lugar, a promoção é com freqüência o melhor incentivo para
estimular as melhoras no desempenho. Em segundo lugar, a avaliação do
desempenho está fadada a oferecer a informação mais relevante para articu-
lar coerentemente as políticas de promoção. Em nosso espaço público temos
abundantes exemplos de que, quando essa vinculação não existe, os méritos
formais – antiguidade, classe, diplomas etc. – ocupam, nos processos de pro-
moção, o espaço que deveria estar reservado para a avaliação de competên-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 204 204 22/2/2007 09:40:53


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 205

cia, para a qual o desempenho anterior deveria ser uma das principais fontes
de informação.
d) Reconhecer o desempenho: a utilização de todas as formas de reconhecimen-
to não monetário disponíveis é uma recomendação generalizável. Contra
o que às vezes se cita com menosprezo, a “palmadinha nas costas” - em
qualquer de suas formas possíveis –, nem é uma fórmula gasta (de fato, nas
organizações públicas, a julgar por nossa experiência, é bastante infreqüen-
te) nem se mostra, sem dúvida, irrelevante. As possibilidades nesse campo
são amplas e, em geral, pouco exploradas. O reconhecimento monetário na
forma de incentivos variáveis (quintessência da lexibilidade das políticas
de recompensa, para alguns) oferece sem dúvida importantes possibilidades
de estímulo ao desempenho, sempre que não seja considerado como uma
receita de validade universal e se ponderem adequadamente seus custos e
benefícios. Sem querer aprofundar agora o tema, esquematizamos a seguir
algumas considerações.
■ Deve-se superar a noção pavloviana de uma relação direta e automática
entre o incentivo econômico e o esforço. A bem conhecida teoria das
expectativas de Vroom (1964) continua oferecendo um adequado marco
analítico para entender os requisitos necessários para que a dita vincula-
ção se produza.
■ De nada serve um incentivo variável sem um sistema formal de avalia-
ção da contribuição que satisfaça todos os requisitos antes menciona-
dos. Construir tal sistema exige que se alcance um alto grau de capaci-
dade e maturidade organizacional, cuja existência deve ser previamente
analisada.
■ Os incentivos variáveis podem funcionar bem em certos ambientes orga-
nizacionais e não em outros. Em algumas ocasiões serão recomendáveis
incentivos individuais e, em outras, grupais. A “incentivação” dos diri-
gentes pode requerer instrumentos de recompensa diferentes dos utiliza-
dos com proissionais ou outros grupos do pessoal. As soluções-padrão
não resolvem grande coisa nesse campo e podem, além disso, ocasionar
custos e prejuízos importantes.

A gestão do desenvolvimento

Como vimos, as administrações públicas também operam na sociedade


do conhecimento. Também gravitam sobre ela os grandes desaios que esse
contexto social projeta sobre as organizações. Nessa ordem de coisas, a aquisi-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 205 205 22/2/2007 09:40:53


206 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

ção e o desenvolvimento de capital intelectual colocam inúmeros e importantes


desaios – boa parte dos quais tem a ver com a gestão das pessoas, como vimos
anteriormente. Os eixos prioritários de intervenção nos parecem ser dois.
a) Usar a formação como ferramenta estratégica: já temos aludido ao amplo
consenso, existente entre os que se ocupam da gestão das pessoas, acerca da
importância estratégica da formação. Não deveríamos destacar essa questão
como prioritária, se os fatos, nas organizações públicas, costumassem acom-
panhar as palavras. No entanto, a realidade desmente muitas vezes certas
airmações. Capacitar estrategicamente as pessoas não é preparar uma oferta
de cursos mais ou menos vistosa à qual as pessoas aderem em função de seus
interesses individuais e cuja realização logo alimenta os relatórios de ativi-
dades com abundantes dados supostamente expressivos do compromisso da
organização com o desenvolvimento de seus empregados. Para que a for-
mação desempenhe o dito papel é imprescindível que se enquadre em uma
GRH posta a serviço da estratégia organizacional; que seja planejada, ge-
renciada e avaliada em função e a serviço das prioridades e dos objetivos da
organização; que o investimento em capacitação – importante se desejamos
que a formação seja de qualidade – tenha um retorno previsto e avaliado.
Geralmente, o caminho a percorrer em todos esses campos é ainda longo.
b) Desenhar carreiras não hierárquicas: os serviços públicos prestados por pro-
issionais de qualiicação alta ou média/alta (saúde, educação e outros servi-
ços pessoais) constituem, quantitativamente, as áreas amplamente majoritá-
rias em recursos humanos nas administrações públicas contemporâneas. As
áreas burocráticas tradicionais têm icado, de fato, reduzidas a uma porção
minoritária do emprego público. No entanto, uma poderosa inércia tem ig-
norado aquelas situações políticas e práticas de pessoal nascidas e pensadas
sobretudo para as últimas. Assim tem acontecido com o projeto das carreiras.
As organizações públicas precisam estimular, como dizíamos antes, a apren-
dizagem, o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades e a excelência
proissional. Contudo, para estimular as carreiras, o único instrumento que
elas têm sido capazes de produzir é a ascensão hierárquica, a escada de cargos
dotados de autoridade formal.

A utilização dessas fórmulas de carreira em cenários proissionais produz


efeitos muito perniciosos: por um lado, muitas vezes não é adequada nem para
as preferências nem para as habilidades dos proissionais (a síndrome do bom
técnico/mau dirigente); por outro lado, transmite a estes uma mensagem “des-
proissionalizante” (se quiseres progredir, não importa o quanto sejas bom no
que fazes, põe-te a gerenciar); por último, tende a inlar as estruturas, sobrecar-

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 206 206 22/2/2007 09:40:53


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 207

regando-as de postos de mando desnecessários, que são criados como a única


via exeqüível para reconhecer a excelência proissional. Por tudo isso, o projeto
e a implantação das novas fórmulas de carreira baseadas na aprendizagem e no
desenvolvimento da competência – a carreira horizontal ou lateral, a carreira
no posto ou a carreira por aumento de competência (Evans, 1992, p. 183)
– adquirem uma importância signiicativa entre os desaios enfrentados por
uma GRH mais lexível.

As relações trabalhistas

As relações trabalhistas constituem, no nosso entender, uma das frentes


em que se joga a viabilidade das mudanças que vimos propugnando. De fato,
alguns dos principais elementos de rigidez do sistema público de gestão do em-
prego e dos recursos humanos derivam de modelos de relação entre os interlo-
cutores sociais que diicultam seriamente a eicácia e a eiciência da gestão.
Um primeiro objetivo deveria ser o de superar as visões de confrontação
entre a direção das organizações e os atores que exercem uma função repre-
sentativa das organizações de empregados (sindicatos e órgãos de represen-
tação). Embora as orientações mais tendentes ao conlito e ao acordo possam
ser encontradas de ambos os lados (sobram experiências nos dois sentidos),
no cenário espanhol é mais freqüente encontrá-las em determinados setores
da parte sindical. De fato, o sindicalismo que utiliza de um modo mais ou me-
nos habitual o conlito trabalhista desapareceu praticamente na Espanha do
âmbito privado e está coninado ao setor público (administrações e empresas
públicas). A natureza das mudanças que a orientação e a lexibilidade implicam
para a gestão pública dos recursos humanos requer um diálogo social luido e
orientado para o pacto. Para consegui-lo é crucial, em nossa opinião, conside-
rar a gestão comum das relações trabalhistas como um exercício pedagógico,
em que a metodologia e as soluções aplicadas a cada caso concreto produzem
determinadas aprendizagens organizacionais e prolongam por isso seus efeitos
para muito além, facilitando no futuro o predomínio das visões de transação e
de acordo, ou então de seus contrários.
Por sua vez, parece imprescindível que os marcos globais e as regras do
jogo que determinam a relação entre os atores se construam – e isso se faz no
dia a dia – a partir de perspectivas de equilíbrio em que cada um cumpra o
papel que lhe corresponde. Assim, e para esclarecer o alcance do argumento,
marginalizar um sindicato de uma decisão que se deve acordar previamente
(uma mudança na jornada de trabalho, por exemplo) é tão inadequado quanto

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 207 207 22/2/2007 09:40:53


208 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

lhe dar entrada, voz e até voto em decisões que são responsabilidade da direção
(como um processo de seleção de pessoal). Nesse sentido, deve-se ter em conta
que a divisa entre a participação e o patrocínio sindical de cargos é às vezes
tênue, e que isso obriga a uma clara delimitação de papéis.
Orientar assim as relações trabalhistas no setor público exige, no caso da
Espanha e também em outros países, o esclarecimento de um debate não de
todo resolvido. Deve-se organizar o serviço público fundamentalmente me-
diante normas jurídicas, como é próprio de um modelo estatutário de direito
público, ou devem prevalecer os pactos e acordos entre atores sociais que ca-
racterizam o direito trabalhista? A questão não delineia apenas um debate aca-
dêmico para juristas. Certamente, a aproximação entre as instituições do direi-
to administrativo e do direito trabalhista tem sido constatada e analisada, com
alcance geral, como vimos no capítulo 2, pelos especialistas, que têm falado da
paulatina extensão ao âmbito público de um “modelo de relações que tem sua
origem na empresa privada” (Sánchez Morón, 1996, p. 225). Entretanto, no ce-
nário espanhol, a dita aproximação chegou a se traduzir em uma considerável
confusão. Sobre um marco regulador do primeiro tipo, orientado, como disse-
mos em outro lugar (Longo, 1995, p. 6), para a formalização de garantias sem
alterar suas bases e sem vontade aparente de trazer à luz um modelo coerente
e integrado, foram superpostos direitos e mecanismos de origem convencional
(a greve, a negociação coletiva etc.) nascidos em outro universo jurídico. O re-
sultado tem sido um variado conjunto de práticas contraditórias, de vacilações
jurisdicionais e de obscuridade dos critérios seguidos pelos diferentes atores
que tornam imprescindível, a nosso ver, uma clariicação do modelo. Se a tudo
o que já foi dito acrescentamos a injustiicada persistência de um modelo dual
ou misto de emprego público, a que nos referiremos em seguida, a urgência
dessa clariicação se torna ainda maior.

A organização da função de recursos humanos

Como vimos no capítulo 1, é amplamente dominante, entre os especialis-


tas contemporâneos em GRH, uma visão descentralizada que transforma em
principal protagonista o dirigente de linha, chamado a receber da organização
atribuições e responsabilidades que os modelos anteriores atribuíam aos espe-
cialistas em pessoal. Em outras palavras, a função de recursos humanos passa a
ser uma parte da função de dirigir. É uma visão que se mostra, segundo nosso
critério, de plena aplicação às organizações públicas e constitui um dos eixos
fundamentais de modernização da gestão pública das pessoas.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 208 208 22/2/2007 09:40:54


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 209

Quando antes nós nos referimos à gestão do desempenho, o izemos de


forma a implicar esse papel protagonista do dirigente, entendendo aqui, por
tal, qualquer pessoa que, na organização, desempenha tarefas que supõem uma
autoridade formal sobre outros empregados. As grandes batalhas da gestão das
pessoas acontecem em muitas frentes – aludiremos a isso na próxima parte –,
mas se ganham ou se perdem na unidade de trabalho. A gestão de curta distân-
cia ganha uma importância crucial, especialmente quando falamos da motiva-
ção das pessoas no trabalho. Para isso, o exercício da função diretiva é a variável
fundamental. Como sublinha Dalziel (1996, p. 31), criar novas formas de es-
tabelecer e medir objetivos não é suiciente se não ajuda a atrair e desenvolver
dirigentes com uma clara orientação para resultados. Responder aos grandes
desaios nesse campo implica algumas linhas de atuação fundamentais.
Entre as linhas, a principal é a promoção e a consolidação da direção públi-
ca, questão a que dedicamos o capítulo anterior. Somente dirigentes dignos de tal
nome estão em condições de receber da organização o depósito de coniança que
pressupõe esse protagonismo na gestão das pessoas. Ser dirigente exige conheci-
mentos técnicos e habilidades especíicas; porém, a nosso juízo, é antes de tudo
uma questão de atitude. É freqüente que a cadeia de autoridade formal seja inte-
grada, nas organizações públicas, inclusive em níveis altos, por pessoas que não se
consideram dirigentes. Esse gritante paradoxo pode ter muitas causas: a cultura
burocrática, a inadequação dos mecanismos de acesso, as falhas – antes mencio-
nadas – no projeto de carreiras, a usurpação ou colonização dos níveis de direção
pela política (Longo, 1999b, p. 30 e seguintes). Nesses casos, o primeiro objeti-
vo será contar com pessoas que se percebam proissionalmente como dirigentes
e que assumam o quadro de responsabilidade derivado do exercício da direção.
Procurar essas pessoas e desenvolvê-las, aumentando seu acervo de competências
diretivas, nos parece, entre os grandes desaios, talvez o mais importante. Consi-
deramos aqui reiterados todos os nossos argumentos de páginas atrás.
Tudo o que já vimos obriga a redesenhar em profundidade a função tra-
dicional dos departamentos de recursos humanos. Qual é o alcance concreto
dessa reinvenção? Nesse marco em que o protagonismo se afasta dos dirigentes,
o que os especialistas em pessoal ainda podem fazer? Não existem aqui carac-
terísticas signiicativas do setor público que invalidem a relexão que fazíamos
a esse respeito no capítulo 1, referindo-nos à gestão empresarial. Também nas
organizações do setor público, os órgãos especializados em recursos humanos
devem assumir principalmente as funções de apoio estratégico à direção que
caracterizam os novos enfoques. Como dissemos no capítulo 5, a interioriza-
ção desse novo papel por parte dos departamentos de pessoal será uma variável
crucial para o êxito das reformas.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 209 209 22/2/2007 09:40:54


210 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

MUDAR AS REGRAS FORMAIS E INFORMAIS

Atuar em todos os campos indicados na parte anterior, e fazê-lo no senti-


do que apontamos, exige reformas vigorosas que afetam o conjunto de marcos
normativos que regem a relação de emprego no setor público, tanto os de cará-
ter formal quanto os de natureza cultural

O marco jurídico

A relexão sobre o marco jurídico precisa ser necessariamente contextu-


alizada, já que os referencias legais dos diversos países são diferentes. Por isso,
convém precisar que tudo o que dizemos nesta parte se baseia no caso espa-
nhol. As peculiaridades do regime legal do emprego público são, para muitos
dos que entre nós opinam sobre esses temas, a principal fonte de rigidez e, por-
tanto deveriam ser o alvo principal de inovação da GRH. A reforma jurídica se
tornaria, assim, a peça-chave dos processos de mudança. A tradição política e
administrativa espanhola, que tende a medir a ação reformadora dos governos
pelo número de leis que originam, geralmente sem avaliar o impacto que pro-
duzem, estaria em sintonia com esses enfoques. De fato, a mudança de estatuto
da função pública é entre nós um autêntico totem de utilização recorrente pe-
los diversos atores envolvidos (Longo, 1995).
O regime legal de emprego público na Espanha é, sem dúvida, manifes-
tamente melhorável se esquecermos as implicações jurídicas dos grandes de-
saios que preconizamos para a gestão pública das pessoas. Sem pretensão al-
guma de sermos exaustivos, e para esclarecer a que aspectos do marco legal do
emprego público estamos nos referindo, indicaremos alguns dos eixos gerais
das reformas necessárias. A nosso ver, é imprescindível:
a) romper a uniformidade com que se regulam, sempre da mesma forma, reali-
dades que correspondem a territórios, níveis administrativos, setores, servi-
ços, ambientes, dimensões, tecnologias, organizações, proissões e mercados
tão diversos e heterogêneos como são os do Estado contemporâneo;
b) superar um modelo que, pretendendo defender o proissionalismo e a inde-
pendência da administração e tornar efetivos os valores constitucionais de
igualdade, mérito e capacidade, o faz mediante um repertório de garantias
formais que introduzem uma enorme rigidez nos processos de pessoal e fa-
vorecem o questionamento jurídico dos conlitos, sem que deixem de ser
quase sempre vulneráveis aos riscos de politização e arbitrariedade;

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 210 210 22/2/2007 09:40:54


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 211

c) construir um sistema de garantias substantivas que atenda mais à essência do


que à forma dos processos e que melhore ao mesmo tempo a eicácia e a le-
xibilidade. Tudo o que dissemos ao falar de instrumentos e órgãos de seleção
de pessoal tem aplicação aqui;
d) uniicar o marco genérico aplicado ao conjunto do emprego público, superan-
do a atual dualidade de regimes jurídicos (estatuto do funcionário e legislação
trabalhista), cujos benefícios para as organizações públicas e seus emprega-
dos estão para ser descobertos, e que, nas palavras de Sánchez Morón (1996,
p. 51), “é uma fonte de problemas de gestão e de agravos comparativos”.

Por tudo isso, o marco normativo é um dos campos de batalha. Cremos,


no entanto, que nem a mudança jurídica garante por si mesma a mudança real
(sobram os exemplos, nesse mesmo campo, de normas supostamente inova-
doras que não mudaram muita coisa) nem que seja tampouco, em termos de
agenda cronológica da mudança, a primeira das reformas necessárias. Como
dissemos no capítulo anterior, cremos que em geral as regulamentações devem
acompanhar as transformações reais, com um papel que se centra mais na sua
consolidação e institucionalização do que em seu estímulo.
Por outro lado, a margem para a inovação das políticas e práticas de GRH
nas organizações públicas, sem necessidade de modiicar o marco político, cos-
tuma ser ampla. Na Espanha é certamente assim em muitos campos. Conside-
re-se, por exemplo, a maciça utilização de vetustos instrumentos burocráticos
de recrutamento e seleção de pessoal, carregados de formalismo e ineicácia e
sustentados muito mais pela inércia do que pela idelidade ao mandato legal.
Com freqüência, para que as transformações se produzam, a primeira coisa
que se faz necessária é abandonar as visões totêmicas da reforma legal e deixar
de utilizar a suposta restrição política como limitação para justiicar a falta de
vontade inovadora.

A mudança cultural. O mito da cultura dos funcionários

Uma parte signiicativa do êxito das estratégias de modernização da GRH


no setor público se dá menos no universo das regulamentações formais do que
no das normas não escritas. Alguns modelos mentais arraigados no inconscien-
te coletivo das organizações públicas constituem o principal obstáculo para as
mudanças que temos indicado. Dois deles nos parecem particularmente, sem
qualquer intenção de sermos exaustivos, uma expressão daquilo que podemos
deinir como cultura dos funcionários no cenário público espanhol.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 211 211 22/2/2007 09:40:54


212 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

a) O mito do dano comparativo é um modelo mental que tende a perceber como


discriminação cada política ou prática de GRH que implique um tratamen-
to diferencial e plural das questões referentes ao pessoal, por diferenciado
e heterogêneo que seja o contexto organizacional em que o fato acontece.
O mito exerce, portanto, uma poderosa pressão para a uniformidade e a
centralização, em âmbitos – os dos serviços públicos dos nossos dias – que,
como vimos anteriormente, reclamam precisamente o contrário. Para dar
um exemplo, há poucas coisas mais difíceis para um gestor público do que
aplicar, em diferentes unidades ou grupos, regras diferentes de jornada e ho-
rário, ou de controle de presença para adaptar-se à diversidade de situações
ou contextos. Não é preciso dizer que, quando as reformas da gestão pública
se fundamentam, como vimos, na lexibilidade e na adaptação às mudanças,
e exigem estruturas descentralizadas, elas encontram nessas pautas culturais
poderosos elementos de resistência.
b) O mito do direito adquirido é outro modelo mental que tende a considerar
qualquer situação de fato – cargo, remuneração, condições de trabalho, sta-
tus etc. – uma condição de trabalho consolidada, isto é, um direito subjetivo
só expropriável mediante acordo do interessado; considera-se normal que
os direitos deste prevaleçam sobre as eventuais necessidades da organização
de mudar o estado de coisas. Como é óbvio, o mito introduz, de forma in-
tangível, uma considerável esclerose, que afetará especialmente a mobilidade
das pessoas. Recorde-se que já sublinhamos a necessidade de lexibilizar essa
mobilidade como um dos grandes desaios enfrentados pela modernização
da gestão pública do emprego e dos recursos humanos.

Os padrões culturais interagem com as normas escritas. Produzem, ins-


piram ou iltram as regras formais e são, por sua vez, inluenciados por elas,
consolidando-as nos comportamentos e inclusive levando seus efeitos, com o
tempo, para além do que se depreenderia da sua própria literalidade. Na pers-
pectiva de March e Olsen (1989, p. 21 e seguintes), convertem-se em “rotinas
institucionais” que coniguram uma lógica especíica do que é apropriado e do
que não é. O mundo do emprego público é um bom lugar para observar esses
processos. A garantia formal endêmica do marco jurídico contribuiu para ali-
mentar a cultura das organizações públicas com uma série de valores e normas
informais que tem levado a extremos os traços originais do modelo, inoculan-
do nelas um potente antídoto contra as mudanças. Freqüentemente, outros tra-
ços culturais enraizados em certas proissões públicas (docentes, médicos etc.)
reforçam essas resistências (Vignolo, 1998). Isso explica que tantas tentativas
de modiicar o status quo através de reformas legais não tenham tido êxito.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 212 212 22/2/2007 09:40:54


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 213

Por tudo isso, o campo das batalhas decisivas, a nosso ver, é o da mudança
cultural. Por deinição, como apontamos antes, não são batalhas curtas. Pelo
contrário, exigem continuidade e tenacidade. Mas é imprescindível, se quere-
mos que as mudanças se enraízem e se consolidem, que a atuação nas demais
frentes vá acompanhada de um empenho na promoção de novos valores nas
organizações públicas: os da inovação, da eiciência e da lexibilidade, que ca-
racterizam as reformas do setor público ali onde tenham alcançado um impac-
to signiicativo. No campo que nos ocupa, esse propósito exigirá uma maior
abertura da administração pública para a sociedade, que vá enfraquecendo a
tendência do emprego público de se conigurar como um universo cultural
impenetrável e opaco, regido por valores próprios e diferentes dos que são pe-
culiares das relações de trabalho nas sociedades de nossos dias.

OS DESAFIOS DO FUTURO

Quais situações e tendências podemos antecipar para os próximos anos


no campo do emprego público? Quais são, para a gestão das pessoas nas or-
ganizações do setor público, os desaios que o futuro delineia? Centraremos
essa relexão inal, em primeiro lugar, na exploração daquelas competências
que se tornarão necessárias para garantir que as organizações do setor público
possam enfrentar com êxito os novos desaios. Em segundo lugar, apontaremos
algumas das prioridades básicas que os sistemas públicos estão fadados a assu-
mir, no âmbito do emprego e dos recursos humanos.

As competências exigidas pelas novas situações

As dinâmicas que aloram no entorno das administrações públicas con-


temporâneas implicam mudanças signiicativas que afetam a estrutura das ta-
refas e, por conseguinte, as necessidades de preparação das pessoas. Quais são
as competências que mais diretamente se relacionam com as situações do futu-
ro? Veremos algumas tendências que podem ser identiicadas nesse sentido.
a) Do ponto de vista quantitativo, as competências relacionadas com a pres-
tação de serviços a pessoas têm, e continuarão tendo, um peso muito maior: a
educação e a saúde são, com diferença, os setores que ocupam um número
maior de empregados públicos, e mais ainda se somamos a eles os serviços so-
ciais e outras áreas de atenção direta aos cidadãos. Em termos dinâmicos, isto
é, se analisamos a evolução dos quadros de pessoal, seu peso relativo tende a

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 213 213 22/2/2007 09:40:54


214 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

ir crescendo ainda mais. Isso faz com que os setores burocráticos tradicionais
da administração já representem, falando quantitativamente, uma parte muito
minoritária dos serviços públicos.
Uma das disfunções globais do nosso modelo de gestão pública das pes-
soas é, precisamente, a desproporção entre esse peso minoritário da burocracia
tradicional no conjunto geral e sua inluência ainda enorme na coniguração
das práticas de pessoal. Um dos desaios do futuro será precisamente a corre-
ção desses desequilíbrios. Tudo que temos dito neste capítulo acerca da substi-
tuição das carreiras hierárquicas por carreiras horizontais baseadas no cresci-
mento de competências vale como exemplo de mudança nessa direção.
b) O peso proporcional do trabalho altamente qualiicado nos quadros de
funcionários públicos tenderá a crescer nos próximos anos: os serviços públicos
da sociedade do conhecimento acentuam as necessidades de qualiicação de
seus prestadores. Uma porção cada vez maior do trabalho que é preciso reali-
zar requer a posse de conhecimentos e habilidades que se situam no segmen-
to superior da escala de “acreditação” acadêmica. Um estudo da Universidade
Autônoma de Barcelona sobre a convergência da Espanha com a União Euro-
péia em questões de trabalho deixa claro que, entre 1986 e 2000, o mercado de
trabalho de licenciados e doutores quase triplicou na Espanha, passando de
514.259 para 1.487.012 empregados. Áreas de atividade para as quais era sui-
ciente uma capacitação genérica de nível médio ou secundário requerem hoje
o domínio de especializações técnicas de nível mais alto. Por sua vez, a evolu-
ção tecnológica soisticou os saberes técnicos necessários para o exercício de
certos trabalhos e elevou, conseqüentemente, o grau de preparação requerido
(García Montalvo e Mora, 2000).
Por outro lado, o peso do trabalho de baixa qualiicação tende a se reduzir
por diferentes vias. Uma delas, provavelmente a mais citada, é a do desenvol-
vimento tecnológico, que produziu a mecanização de uma parte do trabalho
que antes as pessoas realizavam. Em âmbitos de trabalho tipicamente adminis-
trativos, como a edição e reprodução de documentos, o arquivo, a manutenção
de estatísticas, padrões e outras bases de dados etc., esse efeito já não é nenhu-
ma novidade. Uma segunda via é a das mudanças organizacionais e culturais.
Assim, por exemplo, uma parte do trabalho tradicionalmente realizado por
pessoal subalterno é progressivamente assumido, sem custos adicionais, por
empregados de nível superior ou, simplesmente, desaparece por desnecessário.
Uma terceira via é a retirada de uma parte desses trabalhos dos quadros públi-
cos mediante processos de terceirização da gestão.
c) Fortes exigências de especialização técnica coexistirão com exigências
signiicativas de versatilidade e multidisciplinaridade: vivemos fortes tendências

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 214 214 22/2/2007 09:40:54


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 215

para a especialização do trabalho. O desenvolvimento cientíico e tecnológi-


co expande o conhecimento humano a um ritmo que determina progressivos
processos de fragmentação em unidades de saber ou áreas de domínio técnico
cada vez mais concentradas. Em muitos campos se detecta a aparição quase
constante de super-especialidades que dividem âmbitos de conhecimento e ha-
bilidade formados, por sua vez, por processos anteriores de especialização.
Como inluem essas tendências nas administrações públicas? Sem ne-
nhuma dúvida, no conglomerado heterogêneo dos serviços públicos do Estado
contemporâneo, existem parcelas cuja necessidade de soisticação técnica são
equiparáveis às dos setores tecnologicamente mais avançados do mundo da
empresa. Isso não quer dizer necessariamente que essas necessidades obriguem
sempre a criar, nos quadros de funcionários públicos, postos de trabalho de
alta especialização.
Provavelmente, em muitos casos, as necessidades de contar com sabe-
res técnicos muito especializados poderão ser satisfeitas mediante técnicas
contratuais, que dizer, por meio do mercado. Outras vezes, no entanto, as ca-
racterísticas dessas necessidades obrigarão, como já ocorre com freqüência,
a internalizar a relação de provisão, afetando por isso o emprego público. Os
instrumentos de ordenação do emprego público (quadros, relações de postos,
planos de emprego) deverão, portanto, ir se adaptando a esses requisitos, lexi-
bilizando para esse im a estrutura de quadros, escalas, classes etc., e introdu-
zindo fórmulas que facilitem a incorporação dos especialistas mais qualiica-
dos naqueles campos em que sejam necessários.
No entanto, o futuro não é todo dos especialistas. As demandas de alta
qualiicação técnica coexistem no mundo do trabalho com as de lexibilidade.
O caráter dinâmico dos contextos em que muitas organizações se movem acen-
tua as necessidades de adaptação à mudança, e um excesso de especialização
poderia jogar contra. Dispor de ativos humanos adaptáveis é, cada vez mais,
uma fonte de vantagem competitiva no mundo empresarial. Nas administra-
ções públicas, as crescentes necessidades de eiciência e otimização de recursos
escassos vão na mesma direção.
Essas tendências contrapostas até terão, previsivelmente, maior peso do
que as antes citadas, simplesmente porque será muito mais difícil recorrer ao
mercado para conseguir temporariamente contingentes de generalistas capaci-
tados para aportar valor no âmbito do serviço público. Esses postos, geralmen-
te, deverão estar integrados verticalmente nas organizações públicas. Por isso,
as políticas de aquisição e desenvolvimento de recursos humanos no âmbito
público deverão interiorizar com freqüência objetivos de multidisciplinaridade
e versatilidade coerentes com essas necessidades.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 215 215 22/2/2007 09:40:54


216 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

d) As proissões emergentes tenderão a se desenvolver também no setor pú-


blico, mas com um peso relativo muito diferente: diversos estudos vêm se dedi-
cando nos últimos tempos a identiicar fontes de emprego, isto é, ocupações
com alto potencial de crescimento. Para que se possa falar propriamente de
proissões emergentes é necessário que tais ocupações, como às vezes acontece,
coincidam com a aparição de mudanças profundas e duradouras no contexto
organizacional, nas regulamentações e nas tecnologias, capazes de produzir
transformações signiicativas nas estruturas ocupacionais e até nos requisitos
de acesso e promoção de diferentes categorias de emprego.
Na Europa, o setor público tem sido durante as últimas décadas o espaço
em que têm germinado algumas das novas proissões, hoje habituais no pano-
rama do serviço público. A expansão do estado do bem-estar tem sido o fator
principal para a converter em verdadeiras proissões certas ocupações como as
de assistente social, bibliotecário, restaurador de museus ou planejador urba-
no, entre outras.
Pensando em termos de futuro, cremos que uma parte das proissões
emergentes se desenvolverá de maneira exclusiva ou de preferência no setor
privado, enquanto que outras encontrarão um habitat favorável nas adminis-
trações públicas. Se utilizarmos a relação de empregos em expansão elaborada
pelo BLS norte-americano (Bureau of Labour Statistics, 2000), ocupações como
preparadores físicos, designers de interiores ou instaladores e reparadores de tele-
fonia e TV a cabo pertencerão às primeiras. Dos engenheiros de informática aos
administradores de base de dados ou os especialistas em formação de adultos e
muitos outros encontrarão também seu lugar nos quadros públicos. Em certos
casos, o enraizamento de certos empregos na administração, como os recepcio-
nistas/atendentes ou os especialistas em comunicação e relações públicas, exigirá
modulações especíicas, que diferenciarão em alguma medida seu exercício
público do da esfera privada.
Algumas dessas proissões emergentes tenderão até a se desenvolver pre-
ferentemente no âmbito público. Assim acontecerá, ainda de acordo com os
estudos do Bureau of Labour Statistics, com postos como os de engenheiros
especialistas na gestão do meio ambiente, os coordenadores e diretores de pessoal
voluntário em programas sociais ou especialistas em gestão de subvenções e ava-
liação de projetos realizados por entidades não lucrativas.
e) A terceirização dos serviços públicos leva consigo tendências de mudança
nas tipologias dos peris de qualiicação necessários: como vimos anteriormente,
um número signiicativo de atividades e serviços das administrações públicas
tem sido, nos últimos tempos, objeto de terceirização. Tudo faz pensar que nos
próximos anos se manterá a tendência dos governos de contratar externamente

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 216 216 22/2/2007 09:40:55


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 217

aquelas atividades que o mercado seja capaz de prover eicientemente e cuja


dimensão de serviço público possa ser mantida mediante um controle que não
gere excessivos custos de transação.
A repercussão desses processos sobre o emprego público começou a ser
signiicativa e a originar novos setores, distintos dos que já vinham sendo ob-
jeto das concepções administrativas do serviço público, o que é mais ou me-
nos típico. No futuro deve-se prever que essas tendências aumentarão, quan-
titativa e qualitativamente. Qual será o impacto de tudo isso sobre o emprego
público?
A nosso ver, se combinamos a observação das tendências recentes nas ad-
ministrações com as dinâmicas similares que se produzem no mundo empre-
sarial, são três as predições que poderíamos fazer com uma margem aceitável
de certeza.
A primeira é que numerosos serviços de apoio (não atividades-im) tais
como centros de processamento de dados, serviços de edição e impressão, fro-
tas de veículos, atividades de manutenção e vigilância etc., continuarão a ser
objeto de vigorosos processos de terceirização, ao mesmo tempo em que outras
funções determinadas (por exemplo, de administração de pessoal ou econômi-
ca) começarão a sê-lo.
A segunda é que em setores inteiros de atividade-im (educação, ciência e
tecnologia, saúde, serviços sociais, sócio-sanitários, culturais, recreativos) ha-
verá um forte aumento da presença, já constatável hoje de maneira mais ou
menos incipiente, de organizações, lucrativas ou não, publicamente inancia-
das para a prestação de serviços públicos.
A terceira é que essas situações reforçarão, nas administrações públicas,
a necessidade de contar com peris proissionais centrados mais na concepção,
planiicação, programação, regulamentação, avaliação, inspeção e controle das
políticas públicas e menos na sua execução. Mais ainda, em alguns casos o
papel de operador público provavelmente se assemelhará, como tem começa-
do a acontecer na esfera local, ao de um empreendedor social (Vernis, 2000,
p. 239-254), que incentiva o desenvolvimento de mercados capazes de assegu-
rar a provisão eiciente de serviços em certos campos.
f) A captura, desenvolvimento e estímulo de competências diretivas será
uma importante prioridade: a escassez de competências diretivas ou gerenciais
é um dos déicits constatados de forma mais generalizada nas organizações do
setor público. Os mecanismos próprios da função pública vêm se mostrando
razoavelmente capazes de proporcionar, a nossas organizações públicas, pro-
issionais capacitados nas diversas áreas de qualiicação técnica; mas não estão
preparados para a captura, alocação e estímulo de capacidades diretivas.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 217 217 22/2/2007 09:40:55


218 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

De sua parte, as administrações públicas de nossos dias, como vimos, são


tenazes demandantes desse tipo de competência. A orientação dos serviços pú-
blicos para a melhora da eicácia e da eiciência, estimulados por contextos de
austeridade orçamentária e luta contra o déicit público, têm induzido neces-
sidades crescentes de empresarialidade na gestão. Essas necessidades obrigam
a contar com gestores capazes de se porem à frente das diferentes parcelas de
ação pública e de se fazerem responsáveis pelos resultados obtidos.
Previsivelmente, a captura e o desenvolvimento de competências direti-
vas serão parte destacada das agendas públicas, por pouco que essas se deci-
dam pela introdução de reformas na estrutura e no funcionamento de nossas
administrações. A intensidade dos esforços nesse sentido deverá adaptar-se,
nas diversas áreas do serviço público, aos diferentes estágios prévios de de-
senvolvimento das capacidades diretivas. Assim, por exemplo, na Espanha,
referindo-nos ao setor de saúde, a gerência pública se enraizou de maneira
signiicativa nos últimos anos no âmbito hospitalar, mas a debilidade ainda
constatável na atenção primária faz prever uma concentração de esforços nesse
âmbito. Cabe apontar para algo parecido, mas de conseqüências ainda maiores
no plano quantitativo, no setor do ensino, cujas carências de capacidade dire-
tiva comprometem o êxito, não apenas da reforma educativa em curso, mas de
qualquer política pública que pretenda impulsioná-la.
g) O trabalho em rede, facilitado e exigido pelo desenvolvimento tecnoló-
gico, aumentará as solicitações de competências de caráter relacional: uma ca-
racterística de nosso tempo, e dos tempos que estão vindo, como insistimos
anteriormente, é o crescente número de problemas e demandas sociais que não
encontram resposta em um único operador público, mas requerem a relação
conluente, mais ou menos complexa, de diferentes atores. Estes podem estar
integrados numa mesma organização pública, ou em mais de uma, ou perten-
cer a organizações diferentes, nacionais, subnacionais ou supranacionais, e até
incorporados a organizações do setor privado.
A transversalidade das respostas necessárias exige que os atores públicos
trabalhem cada vez mais em redes de geometria variável, nas quais o papel que
se deve desempenhar em cada caso pode variar, segundo a posição nodal que
se ocupe. As noções tradicionais de competência e de hierarquia tendem a ser
substituídas, nesse marco, pelas de colaboração, transação e consenso.
O desenvolvimento das TIC (tecnologia da informação e das comunica-
ções) facilita esses processos, por um lado, oferecendo plataformas, marcos e
instrumentos de interação desconhecidos anteriormente. Por outro lado, os
estimula quando, como ocorre com a administração eletrônica, é capaz de pôr
ao alcance imediato do cidadão, em qualquer lugar ou momento em que ele se

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 218 218 22/2/2007 09:40:55


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 219

encontre, respostas e serviços que só podem se realizar mediante complexas


soluções coletivas, produzidas anteriormente, em que as barreiras interdivi-
sionais, interadministrativas, internacionais ou público-privadas tenham sido
eliminadas ou contornadas, prévia e deliberadamente.
Essas situações suscitam, antes de tudo, para nossas organizações públi-
cas, desaios impactantes de mudança cultural e, em particular, de superação
de arraigados modelos de pensamento burocrático. Além disso, diga-se de pas-
sagem, os protagonismos de competência, que caracterizam freqüentemente
a nossa cultura política, constituirão delongas que será preciso superar. Por
outro lado, e indo mais ao tema que nos ocupa, as tendências assinaladas apon-
tam para formas diferentes de fazer as coisas e, por isso, para novas demandas
de capacidade nas pessoas.
Parece óbvio que algumas dessas novas demandas se relacionarão com
o domínio dos novos recursos tecnológicos. As outras competências necessá-
rias (justamente as mais importantes) dependerão menos de especializações
técnicas e mais de qualidades como a liderança não hierárquica, a capacidade
de produzir impacto e de exercer inluência e as habilidades políticas e de
relacionamento. Um estudo italiano recente acrescenta a essas competências
o pensamento sistêmico, o trabalho em equipe, a negociação e a capacidade
para gerir a incerteza (Dipartimento della Funzione Pubblica, 2002, p. 106).
Um universo, o das competências relacionais e da eicácia pessoal, que as ad-
ministrações públicas, muito mais acostumadas com o manejo do cognitivo,
estão chamadas a explorar e incorporar sem demora a seus sistemas de gestão
das pessoas.

A agenda dos próximos anos

Recentemente, a OCDE (2000b, p. 3 e seguintes) tentava concretizar um


marco de prioridades em matéria de gestão pública dos recursos humanos ca-
paz de aprofundar e consolidar as reformas que descrevemos no capítulo 5. A
tentativa girava em torno de cinco grandes temas. O tempo transcorrido pare-
ce conirmar a relevância de todos eles, que resumimos a seguir.
■ Melhorar a competitividade no mercado de trabalho, o que implica o desen-
volvimento de fórmulas novas que aumentem o posicionamento competiti-
vo das organizações públicas em relação às organizações do setor privado e
sua capacidade de atração de proissionais qualiicados. Embora se trate de
uma capacidade muito inluenciada pela conjuntura econômica, parece evi-
denciar-se, também na Espanha (Jiménez e outros, 2002), a tendência para

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 219 219 22/2/2007 09:40:55


220 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

um mercado de trabalho no qual, como demonstra um documento sobre a


situação já perceptível na Holanda (OCDE, 2000c), se somarão ao mesmo
tempo o valor estratégico e a escassez de certas competências-chave. Desa-
ios semelhantes se detectam nos Estados Unidos, onde a fuga de cérebros
chegou a ser, nos últimos anos, um problema sério na administração federal
(Kamarck e outros, 2003).
Um documento de política mais recente (OCDE, 2002) já diagnostica
diiculdades atuais de recrutamento e retenção de empregados públicos em
certos países como Canadá, Dinamarca, Finlândia e Suécia, e prognosti-
ca problemas semelhantes para os demais países em poucos anos. O texto
identiica razões demográicas, salariais, de imagem e sobretudo de políticas
de recursos humanos como as causas dessa situação, e propõe, como linhas
de atuação para aprofundá-la: a) a melhoria da imagem de quem preten-
de trabalhar no setor público; b) políticas de remuneração mais atraentes
e conformes com a perda de estabilidade do cargo, onde isso tenha acon-
tecido; c) ambientes de trabalho estimulantes, com lexibilidade de horá-
rios, hierarquias planas e equipamentos tecnológicos de vanguarda; d) forte
investimento em formação e desenvolvimento; e, especialmente, e) uma
mudança nas políticas de GRH que faça prevalecer a competência e o de-
sempenho sobre a antiguidade e os méritos formais. Como se vê, trata-se de
um repertório de medidas semelhante ao que descrevemos no capítulo 1, ao
nos referirmos às empresas empenhadas em construir uma boa imagem de
empregador.
■ Promover a liderança, o que aponta para o eixo crucial do desenvolvimen-
to da capacidade diretiva no setor público. Outro documento da OCDE
(2001b) identiica a promoção da liderança com a busca daqueles indiví-
duos que vão promover as adaptações institucionais necessárias ao interesse
público, ressaltando assim uma visão da direção pública não neutra, mas
comprometida e imbuída de valores. As estratégias para fortalecer a lide-
rança no setor público passam pela identiicação do potencial das pessoas,
o desenvolvimento da formação e o mentoring, o envolvimento dos gerentes
em tarefas de desenvolvimento de pessoas e na construção de novos siste-
mas de incentivo.
O Comitê de Gestão do Serviço Civil do Reino Unido (Civil Service
Management Board, CSMB)22 tornou público há pouco tempo um modelo
atualizado de competências diretivas que veio a constituir o eixo de todo

22
Ver www.cabinet-oice.gov.uk/civilservice/scs/competences.htm

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 220 220 22/2/2007 09:40:55


OS DESAFIOS DO FUTURO „ 221

esse conjunto de políticas. Previsivelmente, a proissionalização da direção


pública e seu inquestionável valor estratégico para as instituições continu-
arão estimulando, no futuro imediato, o tratamento diferenciado das polí-
ticas de dirigentes dentro do conjunto das estratégias e práticas de recur-
sos humanos do setor público, estendendo e aprofundando os modelos de
estatuto especíico da função diretiva, aos quais izemos antes uma ampla
referência.
■ Conseguir uma adequada relação política/administração, o que nos situa
num núcleo misto dos problemas de governabilidade dos sistemas políticos
contemporâneos, em particular no que respeita à consolidação da esfera de
direção pública proissional à qual temos nos referido extensamente. Sem
dúvida, a dita consolidação não se produzirá sem uma evolução signiicativa
da cultura político-administrativa (Longo, 1999b e 2003a), capaz de superar
tanto as concepções burocráticas da gerência pública quanto as versões po-
litizadas ou clientelistas, que privilegiam as lealdades políticas ou pessoais
sobre os requisitos de proissionalismo.
A construção de uma gerência pública proissional não implica a defesa
de modelos tecnocráticos de direção baseados na pretensão de substituir a
política em nome de uma racionalidade técnica abstrata. Tampouco implica
uma tentativa de delimitar rigidamente as esferas de atuação, traçando uma
fronteira nítida onde só pode haver comunicação, diálogo e intercâmbio. No
capítulo 6, argumentamos a favor de um modelo de direção pública que não
debilita, mas que, ao contrário, reforça a política em seu papel de regente
dos governos e das organizações do setor público.
■ Potencializar a gestão do conhecimento, o que implica fazer com que organi-
zações públicas aprendam com a experiência e estendam esse aprendizado
ao conjunto do setor público. Tem-se chamado atenção (March e Olsen,
1995, p. 210 e seguintes) para o fato de que as características do ciclo político
e a sua lógica de curto prazo inerente diicultam o aprendizado organizacio-
nal do setor público. Ainda assim, a complexidade crescente dos problemas
sociais que os governos enfrentam, a freqüente inexistência de respostas
técnicas previamente disponíveis para resolver muitos deles, assim como
a lógica da tentativa/erro necessariamente adquirida em conseqüência da
intervenção pública, são fatores que aumentam a necessidade de produzir
aprendizagem organizacional e operacional (Heifetz, 1997) que autorizam a
abordagem de turbulentos entornos de mudança. Tudo isso exige políticas
que aumentem o capital social interno dos sistemas públicos (Nahapiet e
Ghoshal, 1998), superando a coordenação exclusivamente hierárquica, es-
timulando a formação de redes e intercâmbios baseados na coniança e na

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 221 221 22/2/2007 09:40:55


222 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

reciprocidade e aproveitando o potencial das tecnologias da informação e


das comunicações.
■ Fortalecer o proissionalismo público, o que exige a promoção de comporta-
mentos éticos, o combate continuado contra a corrupção e a consolidação
dos valores próprios do serviço público em novos tipos de organização.
A construção de uma infra-estrutura ética (Villoria, 2000) implica a ação
combinada em diversas frentes: o desenvolvimento legislativo, a transpa-
rência e o impulso de uma sociedade civil ativa e vigilante, os sistemas
de controle interno e externo, os códigos de conduta e o ensino da ética
administrativa.
A nosso ver, esse fortalecimento deverá se fundamentar numa cons-
tante renovação. Uma nova forma de entender a relação entre o público e a
sociedade faz parte dos valores que devem caracterizar o proissionalismo
público de nossos dias. A nova imagem que as proissões públicas devem
apresentar à sociedade deve se sustentar mais na proximidade do que na di-
ferença, mais na intercomunicação e na modéstia do que na exclusividade e
na prepotência. A colaboração crescente com as organizações da sociedade
civil leva à adoção de pautas transversais de comportamento proissional,
padrões compartilhados e valores conjuntamente interiorizados. O futuro
aponta para uma maior permeabilidade entre os mundos do emprego públi-
co e do trabalho privado assalariado, do trabalho em organizações não-lu-
crativas, do auto-emprego individual ou cooperativado e do trabalho altru-
ísta ou voluntário. O compromisso cívico com o interesse geral deve deixar
de ser visto como uma prerrogativa exclusiva dos empregados públicos,
sobre o qual cabe construir um proissionalismo distante. Pelo contrário,
os novos problemas sociais exigem que esse compromisso se transforme,
cada vez mais, em um elo entre proissionais de diferentes posições e setores,
que devem se relacionar e colaborar freqüentemente, a partir de posições
diferentes e mutáveis, em tarefas dominadas por um propósito de interesse
público.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 222 222 22/2/2007 09:40:55


EPÍLOGO:
MÉRITO E FLEXIBILIDADE

A gestão do emprego e das pessoas no setor público enfrenta profundas


mudanças, necessárias para que suas organizações possam fazer frente com êxi-
to a um ambiente social fortemente demandante. Boa parte dessas mudanças
relete vibrações e tendências que se observam também nas empresas privadas
e nas organizações da sociedade civil, e obedecem a correntes sociais de fundo,
que transformaram nos últimos anos os âmbitos em que se deine, se organiza,
se prepara, se formaliza, se dirige, se produz e se extingue o trabalho humano.
As mudanças na gestão pública dos recursos humanos adquirem assim cono-
tações de aproximação entre as formas de gerenciar o emprego e as pessoas nas
organizações que pertencem ao setor público e as que atuam fora dele.
Nos sistemas político-administrativos do mundo desenvolvido, as refor-
mas da função pública empreendidas ao longo das últimas décadas podem ser
englobadas, como vimos, dentro de uma consistente orientação para a lexibi-
lidade. Os anos têm depositado nas juntas e articulações dos velhos sistemas
de mérito numerosos elementos disfuncionais de rigidez, que, por um lado, os
convertem em aparelhos de reação lenta, mais inclinados a se guiar pela rotina
do que a atender às necessidades e urgências dos políticos ou dos cidadãos, e
que os tornam, por outro lado, vulneráveis à captura pelos interesses corpora-
tivos dos funcionários.
Será essa uma tendência extensível a outras realidades, ou relete melhor
um enfoque eurocêntrico ou centrado somente no chamado primeiro mundo?
Caberia determinar até que ponto a orientação para a lexibilidade sintetiza
na realidade orientações plausíveis de melhora da gestão pública do emprego
e dos recursos humanos em quaisquer países ou contextos. Em princípio, po-
deríamos pensar que a expressão seria subretudo aplicável a contextos em que
as práticas de pessoal padeceriam de uma palpável rigidez normativa e com-
portamental. Esse seria o caso de boa parte dos modelos proissionalizados,
baseados em sistemas de mérito. Pelo contrário, se falássemos de modelos que
seguem a lógica do butim político (spoils system), como é o caso, por exemplo,
de boa parte dos países latino-americanos, seria duvidoso que as prioridades
incluíssem a lexibilização. Parece, pelo menos à primeira vista, que seria ur-
gente – nos casos em que a norma é a politização e a utilização clientelista do
emprego público – introduzir neles pelo menos alguns elementos de rigidez,
semelhantes aos dos sistemas “weberianos” de emprego público.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 223 223 22/2/2007 09:40:56


224 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Tal parece ser a opção adotada pelo Banco Mundial, quando distingue por
um lado as reformas de primeira fase, destinadas a alcançar ou a fortalecer a dis-
ciplina, a formalidade e o cumprimento das normas, e por outro lado as refor-
mas de segunda fase, destinadas a promover a lexibilidade, a discricionariedade
e a orientação para resultados, que deveriam ser acionadas somente quando
fossem alcançados os objetivos da primeira fase (World Bank, 2003, p. 195).
Acreditamos que a questão se mostra menos simples, pelo menos pelas
razões que expomos esquematicamente a seguir.
1. Os esquemas de butim político não excluem a existência de elementos de
rigidez. Assim, a livre subordinação a lealdades políticas e as demais práti-
cas próprias de uma concepção clientelista do emprego público coexistem
freqüentemente, em alguns países latino-americanos, com a vigência de me-
canismos escleróticos no perilamento de postos, na alocação de tarefas, no
progresso proissional ou na exigência de responsabilidades disciplinares.
Diversos tipos de conjunção de interesses são capazes de conjugar incentivos
de apadrinhamento e aspirações corporativas para tornar possível esse apa-
rente paradoxo.
2. Também nos modelos dotados dos elementos próprios de um sistema de
mérito, como no caso espanhol, é necessário desenvolver e aperfeiçoar os
sistemas de garantias para assim evitar riscos de politização ou arbitrarie-
dade. Em particular, como se disse antes, é conveniente construir garantias
materiais ou substantivas em áreas da gestão das pessoas onde a proteção do
mérito se ia exclusivamente em requisitos e mecanismos de caráter formal.
3. É pouco provável, do ponto de vista da economia política das reformas, que
se possam introduzir e consolidar mudanças que visem dotar de rigor e pro-
issionalização os sistemas públicos acostumados à politização e clientelismo,
sem abordar, em paralelo, inovações que visem estimular a receptividade da
administração para as prioridades políticas das equipes governantes e a res-
ponsabilização dos empregados públicos pelos resultados, garantindo assim
o controle, pelos governos, dos aparelhos administrativos.
4. A migração dos modelos do primeiro tipo para os do segundo não tem por-
que ser feita ao preço de copiar elementos disfuncionais existentes nestes
últimos. Pelo contrário, há uma série de patologias devidas à rigidez buro-
crática que, no processo de construção dos sistemas de mérito com suas cor-
respondentes garantias, podem e devem ser evitadas, escarmentando assim,
se nos é permitida a expressão, cabeça alheia.

Por tudo isso, cremos que a orientação para a lexibilidade das reformas
da GRH no setor público pode ser freqüentemente extrapolada para contextos

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 224 224 22/2/2007 09:40:56


EPÍLOGO „ 225

em que o modelo de emprego público apresenta “déicits” importantes de pro-


issionalização. Isso não pressupõe que se desconheçam as previsíveis diferen-
ças que tal diversidade de circunstâncias tendam a introduzir nas agendas das
reformas. Sem dúvida, a ênfase nos elementos de consistência estrutural ou nos
de lexibilidade funcional dos sistemas será diferente, para dar um exemplo,
nas reformas que possam ser razoavelmente empreendidas na gestão pública
do Canadá ou na Bolívia. Entretanto, temos dúvida de que seja certo lutar por
uma seqüência que parecesse obrigar certos países a inspirar suas reformas ex-
clusivamente em doutrinas e critérios de princípios do século XX para alcançar
determinados padrões de pureza burocrática, ao mesmo tempo em que outros
se dedicam a “reinventar o governo”.
Em todo caso, atuar com vontade reformadora sobre os sistemas de ges-
tão pública do emprego e dos recursos humanos exige que se tenha consciência
de que um delicado jogo de equilíbrios deve ser respeitado. West e Durant
(2000, p. 119), num estudo sobre uma década de funcionamento do Comitê
Americano de Proteção do Sistema de Mérito, acabam defendendo a plena vi-
gência desses tipos de mecanismos de garantia do equilíbrio entre a lexibilida-
de exigida pela consecução dos objetivos organizacionais e o tratamento limpo
e eqüitativo das questões de pessoal. Compartilhamos plenamente dessas con-
clusões e cremos que se trata de fórmulas que, com as necessárias adaptações,
deveriam ser estendidas aos diferentes sistemas de função pública. Deinitiva-
mente, a necessária lexibilização das políticas e práticas de GRH no setor pú-
blico deve escapar do controle da potencialização, também imprescindível, das
regras formais e informais dos mecanismos e dos incentivos necessários para
fortalecer as garantias do mérito e do proissionalismo do emprego público.
A lexibilidade sem mérito é, na realidade, a lexibilidade a serviço de uns
poucos: aqueles que, além de aceder ao poder, se permitem patrimonializar a
administração em favor de seus próprios projetos, por mais legítimos que se-
jam. Equivale à arbitrariedade e ao nepotismo, não submetidos às garantias do
estado de direito. Torna o emprego público vulnerável à politização partidária
e à captura pelos interesses particulares, e faz perigar, como dissemos, a própria
existência de uma administração proissional, com as nefastas conseqüências
que isso tem sobre a integridade das instituições, o funcionamento dos mer-
cados e o progresso econômico das sociedades. Ademais, tudo isso alimenta o
conhecido círculo vicioso burocrático: como assinalaram Hondeghem e Steen
(2000, p. 66), o clientelismo e o nepotismo, ao gerar desconiança no sistema,
são os principais indutores de reações que reduzem a discricionariedade dos
gerentes, produzindo rigidez no sistema, o que por sua vez cria situações favo-
ráveis a tentativas de eludir as regras, num ciclo de deterioração contínua.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 225 225 22/2/2007 09:40:56


226 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

O mérito sem lexibilidade tende a se transformar em pura antiguidade


ou mero cumprimento de requisitos formais, sobrecarregando com rotinas e
ineicácias as políticas e práticas de gestão das pessoas. Produz organizações
públicas raquíticas, escleróticas, sem capacidade de adaptação a ambientes cada
vez mais luidos e dinâmicos. Preserva comportamentos que comprometem o
êxito das políticas públicas. Transforma a proteção da independência e do pro-
issionalismo da administração em privilégios corporativos dos funcionários.
Amplia a brecha entre o setor público e o mundo do trabalho que se desenvolve
além dos muros de suas organizações. Estimula as tendências da gestão pública
de escapar para a privatização, como se essa fosse a única saída possível para
melhorá-la; às vezes, isto é até utilizado como argumento legitimador de com-
portamentos políticos de natureza clientelista, supostamente mais capazes de
tornar possível a receptividade da administração às prioridades do governo e
sua orientação para a obtenção de resultados.
Mérito e lexibilidade, portanto, são componentes essenciais do emprego
público de nossa época. Trata-se de elementos que nem se contrapõem nem
disputam um território previamente delimitado, como se se tratasse de um
jogo de soma zero, em que é necessário que uma parte perca para que a outra
ganhe. Pelo contrário, os novos projetos de gestão das pessoas no setor público
devem perseguir o desenvolvimento de ambas as dimensões, fortalecendo-se
reciprocamente, num circuito contínuo de importância crucial para a governa-
bilidade dos sistemas político-administrativos contemporâneos.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 226 226 22/2/2007 09:40:56


BIBLIOGRAFIA

AMMONS, D. N.; NEWELL, Ch. (1989). City Executives. Leardership Roles,


Work Characteristics and Time Management. Nova York, State University of
New York Press.

ATKINSON, J.; MEAGER, N. (1986). Changing Patterns of Work: How compa-


nies achieve lexibility to achieve new needs. Londres, NEDO.

AZÚA, S. (1999). La gestión del conocimiento y del capital intelectual de las


organizaciones como elemento clave para la mejora de la competitividad. In:
GÜELL, A. M. (comp.). Homo faber, Homo sapiens. La gestión del capital inte-
lectual, Barcelona, Ediciones del Bronce.

BACH, S. (1999). Personnel managers: managing to change?. In: CORBY,


S. e WHILE, G. (comp.). Employee Relations in the Public Services. Londres,
Routledge.

BARDACH, E. (1998). Getting Agencies to Work Together. he Practice and heo-


ry of Managerial Cratmanship. Washington DC, Brookings Institution Press.

BARZELAY, M. (1995). Metáforas en la gestión de servicios públicos. Gestión y


Análisis de Políticas Públicas, vol. 1, nº 17, Madrid, Inap.

(1998). Atravesando la Burocracia. Una nueva perspectiva de la Ad-


ministración pública. México DF, Fondo de Cultura Económica.

(2001). he New Public Management. Improving Research and Policy


Dialogue. Berkeley, Los Angeles, University of California Press.

BEATTY, R. W.; SCHNEIER, C. E. (1998). El Nuevo papel de los RRHH para


inluir sobre el funcionamiento: de socios a intérpretes. In: ULRICH, D. e ou-
tros (comp.). El Futuro de la Dirección de Recursos Humanos, Barcelona, Ges-
tión 2000.

BECKE, H., PERRY, J.; TOONEN, T. (comp.) (1996). Civil service systems in
comparative perspective. Bloomington, Indiana University Press.

BEER, M. (1998). La transformación de la función de los RRHH: eliminar la


tensión entre un papel administrativo tradicional y un nuevo papel estratégico.
In: ULRICH, D. e outros (comp.). El Futuro de la Dirección de Recursos Huma-
nos. Barcelona, Gestión 2000.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 227 227 22/2/2007 09:40:56


228 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

BEHN, R. D. (2001). Rethinking Democratic Accountability. Washington DC,


Brookings Institution Press.

BELOUT, A.; DOLAN, S.; CERDIN, J. L. (2002). Le commitment organisatio-


nnel: du management rationnel au management par circonstances. Une étude
de cas globale du downsizing dans le secteur public canadien et français. In:
DUVILLIER, T. e outros (comp.). La motivation au travail dans les services
publics. L’Harmattan.

BETHELL-FOX, Ch. E. (1992). Selección y contratación basadas en compe-


tencias. In: Las competencias, clave para una gestión integrada de los recursos
humanos. Bilbao, Deusto.

BEYNON, H., GRIMSHAW, D., RUBERY, J.; WARD, K. (2002). Managing Em-
ployment Change. he New Realities of Work. Oxford University Press.

BORINS, S. (1995). he New Public Management is Here to Stay. Canadian


Public Administration, vol. 38, nº 1.

BOSTON, J. e outros (1997). Public Management: he New Zealand Model.


Oxford University Press.

BOURGAULT, J.; SAVOIE, D. J. (2000). Managing at the Top. In: PETERS e


SAVOIE (comp.). Governance in the Twenty First Century. Revitalizing the Pu-
blic Service. Montreal e Kingston, McGill-Queen´s University Press.

BOYATZIS, R. E. (1982). he Competent Manager: A Model for Efective Perfor-


mance. Nova York, John Wiley and Sons.

BREWSTER, C.,; MAYNE, L.; TREGASKIS, O.; PARSONS, D.; ATTERBURY,


S.; SOLER, C.; APARICIO, M.; PICK, T.; WEBER, W.; KABST, R.; WAGLUND,
M.; LINDSTRÖM, K. (1997). Working time and contract lexibility in the EU.
Relatório preparado para a Comissão Européia, DGV, Centre for the European
HRM, Cranield University Publications.

BRIDGES, W. (1995). Jobshit. How to prosper in a workplace without jobs. Lon-


dres, Nicholas Brealey Publishing.

BUREAU OF LABOUR STATISTICS (2000). Employment Projections. BLS,


Occupational Outlook, U. S. Government.

BURNHAM, J. (2000). Human Resources Flexibilities in France. In: FARNHAM,


D. e HORTON, S. (comp.). Human Resources Flexibilities in the Public Services.
Macmillan Business.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 228 228 22/2/2007 09:40:56


BIBLIOGRAFIA „ 229

BUTLER, R. (1993). he evolution of the Civil Service: a progress report. Pu-


blic Administration, vol. 71, pp. 395-404.

CABINET OFFICE (1993). Career Management and Sucession Planning Study.


Londres, HMSO.

(1996). Development and Training for Civil Servants: a Framework


for Action. Londres, HMSO.

(1998). Modern Public Services. Results of the Government’s Com-


prehensive Review. Londres, he Stationery Oice.

(2002). Senior Civil Service Competence Framework. SCS Perfor-


mance Mangement and Pay Reform Team.

CABRERO, E. (1991). Evolución y cambio en la Administración Pública: del


administrador al gerente público. México, Inap.

CAPPELLI, P.; BASSI, L.; KATZ, H.; KNOKE, D.; OSTERMAN, P.; USEEM,
M. (1997). Change at Work: How American industry & workers are coping with
corporate restructuring and what workers must do to take charge of their own
careers. Oxford University Press.

CASSESE, S. (1994). Las bases del Derecho Administrativo. Madrid, Instituto


Nacional de Administración Pública.

CASTILLO BLANCO, F. A. (2003). Relexiones en torno a la construcción de


un nuevo sistema de empleo público. In: F. CASTILLO (dir.) e A. OLMEDO
(coord.). Lecciones de Función Pública. Granada, CEMCI.

CHANLAT, J. F. (2003). Le managérialisme et l’éthique du bien commun: la


question de la motivation au travail dans les services publics. In: DUVILLIER,
T. e outros (comp.). La motivation au travail dans les services publics.
L’Harmattan.

CLARKE, J.; NEWMAN, J. (1997). he Managerial State. Power, Politics and


Ideology in the Remaking of Social Welfare. Londres, Sage Publications.

CLARKE, M.; STEWART, J. (1997). Handling the Wicked Issues. INLOGOV


apresentação para debate, Institute of Local Government Studies, University
of Birmingham.

COMISSÃO EUROPÉIA (1997). Green Paper: Partnership for a New Organiza-


tion of Work. Bruxelas, European Commission.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 229 229 22/2/2007 09:40:56


230 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

CONSELHO CIENTÍFICO DO CLAD (2000). La Responsabilización (“Ac-


countability”) en la Nueva Gestión Pública Latinoamericana. In: CONSEJO
CIENTÍFICO DEL CLAD (comp.). La Responsabilización en la Nueva Gestión
Pública Latinoamericana. Caracas, Centro Latinoamericano de Administra-
ción para el Desarrollo.

CONSELHO EUROPEU (1997). Consejo Europeo Extraordinario sobre el


Empleo. Luxemburgo, Conclusiones de la Presidencia, Mimio, 20 e 21 de
novembro.

COOPER, D. (2003). Motivation in the UK Public Sector. In: DUVILLIER, T. e


outros (comp.). La motivation au travail dans les services publics. L’Harmattan.

CORBY, S.; WHITE, G. (1999). From the New Right to the New Labour. In:
CORBY, S.; WHITE, G. (comp.). Employee Relations in the Public Services. he-
mes and Issues, Londres, Routledge.

DALZIEL, M. (1996). Bulding competitive advantage trough people. In:


BOULTER, DALZIER e HILL (comp.). People and Competencies. Londres, Ko-
gan Page.

DE QUIJANO, S.; NAVARRO, J. (1998). Un Modelo Integrado de la Motivaci-


ón en el Trabajo: Conceptualización y Medida. Revista de Psicología del Trabajo
y de las Organizaciones, vol. 14, nº 2, pp. 193-216.

DIIULIO, J. J. Jr. (1994). he Promises of Performance Measurement. Working


Paper, Brookings Institution, Center for Public Management.

DIPARTIMENTO DELLA FUNZIONE PUBBLICA (2002). Proposte per il


cambiamento nelle amministrazioni pubbliche. Rubbettino.

DOLAN, J. (2000). Inluencing Policy at the Top of the Federal Bureaucracy: A


Comparison of Career and Political Senior Executives. Public Administration
Review, vol. 60, nº 6 (novembro-dezembro), pp. 573-581.

DOLAN, S.; VALLE, R.; JACKSON, S.; SCHULER, R. (2003). La gestión de


los Recursos Humanos. Preparando profesionales para el siglo XXI. Madrid,
McGraw Hill.

DUNLEAVY, P.; HOOD, C. (1994). From old public administration to new pu-
blic management. Public Money and Management (julho-setembro), pp. 9-16.

DUVILLIER, T.; GENARD, J. L.; PIRAUX, A. (2003). Introduction. In: La mo-


tivation au travail dans les services publics. L’Harmattan.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 230 230 22/2/2007 09:40:56


BIBLIOGRAFIA „ 231

ECHEBARRIA, K. (1993). La Administración pública en la era del Manage-


ment. Relexiones sobre una década de modernización administrativa. Tese de
doutorado, Universidade de Deusto.

(2000). Reivindicación de la Reforma Administrativa: signiicado y


modelos conceptuales. Reforma y Democracia, nº 18, Caracas, Clad.

ECHEVERRÍA, M. (2002). Cómo atraer, entusiasmar y retener al talento. In:


JIMÉNEZ, A.; PIMENTEL, M.; ECHEVERRÍA, M. España 2010: Mercado La-
boral. Proyecciones e implicaciones empresariales. Madrid, Watson Wyatt, Díaz
de Santos.

EGAÑA, R. (2003). Profesionalización de la función pública en Chile: contex-


to, avances y desafíos. In: ARELLANO, EGAÑA, OSZLAK e PACHECO. Retos
de la profesionalización de la función pública. Caracas, Clad.

ELCOCK, H. (1994). Local Government Policy and Management in Local Au-


thorities. Routledge.

ELLIOT, R. (1998). he changing structure of employment and pay in the public


service sector. OCDE, brieing paper.

ESADE (2000). Estudio Cranield-Esade. Gestión Estratégica de Recursos Hu-


manos. Una Década de Investigación. Relatório de Conclusões, Barcelona, Esa-
de, Departamento de RH.

EVANS, P. (1992). La empresa, lugar de progreso para el individuo. In: AEDI-


PE (comp.). La dimensión humana de la empresa del futuro. Bilbao, Deusto.

EVANS, P. B.; RAUCH, J. E. (1999). Bureaucracy and growth: a crossnatio-


nal analysis on the efects of “Weberian” state structures on economic growth.
American Sociological Review, nº 64 (outubro), pp. 748-765.

FARNHAM, D.; HORTON, S. (2000). he Flexibility Debate. In: FARNHAM,


D. e HORTON, S. (comp.). Human Resources Flexibilities in the Public Services.
Macmillan Business.

(2002). HRM Competency Frameworks in the British Civil Service.


In: HORTON, HONDEGHEM e FARNHAM (comp.). Competency Manage-
ment in the Public Sector. European Variations on a heme. Amsterdam, IOS
Press.

FÉREZ, M. (1995). El sistema de mérito en el empleo público: principales sin-


gularidades y analogías respecto del empleo en el sector privado. Documenta-
ción Administrativa, nº 241-242, Madrid, Inap.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 231 231 22/2/2007 09:40:57


232 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

FITZ-ENS, J. (1990). Human Value Management. San Francisco, Jossey Bass.

(1997). he 8 Practices of Exceptional Companies. How Great Orga-


nizations Make the Most of their Human Assets. Nova York, American Mana-
gement Association.

FUDGE, C. (1995). Algunos aspectos sobre la lexibilidad. In: OCDE. Flexibili-


dad en la gestión de personal en la Administración pública. Madrid, Inap.

FUNDACIÓN ENCUENTRO (1998). Informe España 1997. Una interpreta-


ción de su realidad social. Cap. 1: Nuevo empleo y desarrollo humano. Madrid,
Fundación Encuentro, p. 91 e seguintes.

FUNDAÇÃO EUROPÉIA PARA A GESTÃO DA QUALIDADE (1999).


Modelo EFQM de Excelencia. Bruxelas, European Foundation for Quality
Management.

GARCÍA MONTALVO, J.; MORA, J. G. (2000). El mercado laboral de los titu-


lados superiores en España. Papeles de Economía Española.

GHOSHAL, S.; BARTLETT, C. (1997). he Individualized Corporation. A


Fundamentally New Approach to Management. Nova York, HarperCollins
Publishers.

GIARINI, O.; LIEDTKE, P. M. (1996). El dilema del Empleo. El futuro del Tra-
bajo. Informe al Club de Roma. Bilbao, Fundación Bilbao-Bizkaia Kutxa.

GOLEMAN, D. (1996). Inteligencia Emocional. Barcelona, Kairós.

GOLEMAN, D.; BOYATZIS, R. E.; McKEE, A. (2002). El líder resonante crea


más. El poder de la inteligencia emocional. Barcelona, Plaza & Janés.

GREAT PLACE TO WORK INSTITUTE (2003). What Makes a Great Place to


Work? www.greatplacetowork.com

GROOT, W.; MAASSEN, H. (2000). Education, training and employability.


Routledge.

GUSTAFFSON, L. (1995a). Promover la lexibilidad mediante políticas salaria-


les: la experiencia de la Administración nacional sueca. In: OCDE. Flexibilidad
en la gestión de personal en la Administración pública. Madrid, Inap.

(1995b). Participación y racionalización en el área de recursos hu-


manos: reforma de la gestión y el empleo público en Suecia. Gestión y Análisis
de Políticas Públicas, nº 2. Madrid, Inap.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 232 232 22/2/2007 09:40:57


BIBLIOGRAFIA „ 233

HACKMAN, J. R. (1997). Workdesign. In: HACKMAN, J. R. e SUTTLE, J. L.


(comp.). Improving life at work. Santa Monica, Goodyear.

HACKMAN, J. R.; OLDHAM, G. R. (1975). Development of the job diagnostic


survey. Journal of Applied Psychology, nº 60, pp. 159-170.

(1979). Work redesign. Reading, Mass., Addison-Wesley.

HALLIGAN, J. (1997). New public sector models: reform in Australia and New
Zealand. In: LANE, J. E. (comp.). Public sector reform: rationale, trends and
problems. Londres, Sage.

HAMEL, G. (1991). Competition for competence and inter-partner learning wi-


thin international strategic alliance. Strategic Management Journal, nº 12, p. 83.

HEGEWISH, H. A. (1999). Employment lexibility: Push or pull? In: CORBY,


S.; WHITE, G. (comp.). Employee Relations in the Public Services. Londres,
Routledge.

HEIFETZ, R. A. (1997). Liderazgo sin respuestas fáciles. Barcelona, Paidós.

HIRSCHMANN, A. O. (1970). Exit, Voice and Loyalty. Harvard University


Press.

HONDEGHEM, A. (2002). Competency Management: he State of the Art


in the Public Sector? In: HORTON, HONDEGHEM e FARNHAM (comp.).
Competency Management in the Public Sector, European Variations on a heme.
Amsterdam, IOS Press.

HONDEGHEM, A.; STEEN, T. (2000). Belgium Public Services: Can Regu-


lations go along with Flexible Personnel Arrangements? In: FARNHAM, D.;
HORTON, S. (comp.). Human Resources Flexibilities in the Public Services. Ma-
cmillan Business.

HOOD, C. (1998). he Art of the State. Culture, Rhetoric, and Public Manage-
ment. Oxford University Press.

(2000). Relations between Ministers and Public Servants: Public


Service Bargains Old and New. In: PETERS e SAVOIE (comp.) Governance in
the Twenty First Century, Revitalizing the Public Service. Montreal & Kingston,
McGill-Queen´s University Press.

HOOGHIEMSTRA, T. (1992). Gestión integrada de recursos humanos. In:


MITRANI, A. e outros (comp.). Las competencias, clave para una gestión inte-
grada de los recursos humanos. Bilbao, Deusto.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 233 233 22/2/2007 09:40:57


234 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

HORTON, S. (2000). Human Resources Flexibilities in UK Public Services. In:


FARNHAM, D. e HORTON, S. (comp.). Human Resources Flexibilities in the
Public Services. Macmillan Business.
HORTON, S.; FARNHAM, D. (2000). Evaluating Human Resources Flexibi-
lities: a Comparative Perspective. In: FARNHAM, D; HORTON, S (comp.).
Human Resources Flexibilities in the Public Services. McMillan Business.
IKARI, S. (1995). Aspectos de la política de personal en la función pública
japonesa. In: OCDE. Flexibilidad en la gestión de personal en la administración
pública. Madrid, Inap.
INGRAHAM, P. W.; JACOBSON, W. S.; POOCHAROEN, O. O. (2002). Sim-
ply Meritorius: Recruiting and Hiring Reforms in Government, Working Paper.
Campbell Public Afairs Institute, Maxwell School of Syracuse University.
INGRAHAM, P. W.; PETERS, G. P.; MOYNIHAN, D. P. (2000). Public Em-
ployment and the Future of Public Service. In: PETERS e SAVOIE (comp.). Go-
vernance in the Twenty First Century, Revitalizing the Public Service. Montreal
& Kingston, McGill-Queen´s University Press.
INGRAHAM, P. W.; THOMPSON, J. R.; EISENBERG, E. F. (1995). Political
Management Strategies and Political/Career Relationships: Where are we now
in the Federal Government. Public Administration Review, nº 55, pp. 263-272.
INSTITUTE OF PERSONNEL AND DEVELOPMENT (1994). Flexibilities at
Work in Europe. Londres, IPD.
(1998). IPD 1998 Performance Pay Survey. Londres, IPD.
INSTITUTE OF PROFESSIONALS, MANAGERS AND SPECIALISTS (1997).
Future Pay Policy for Civil Service. Documento de políticas para a conferência
anual de delegados do IPMS.
JEANNOT, G.; LICHTENBERGER, Y. (2002). What Competency Manage-
ment in the French Civil Service? In: HORTON, HONDEGHEM e FARNHAM
(comp.). Competency Management in the Public Sector. European Variations on
a heme. Amsterdam, IOS Press.
JIMÉNEZ ASENSIO, R. (1995). Regímenes Jurídicos de Función Directiva en
las Administraciones Públicas Españolas. Documentación Administrativa, nº
241-242. Madrid, Inap.
(1998). Altos Cargos y Directivos Públicos. Un estudio sobre las rela-
ciones entre política y administración en España. 2ª ed. ampliada e adaptada,
Oñate, Instituto Vasco de Administración Pública.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 234 234 22/2/2007 09:40:57


BIBLIOGRAFIA „ 235

JIMÉNEZ, A.; PIMENTEL, M.; ECHEVERRÍA, M. (2002). España 2010:


Mercado Laboral. Proyecciones e implicaciones empresariales. Madrid, Watson
Wyatt, Díaz de Santos.

KAMARCK, E.; KELMAN, S.; NYE, J. S. (2003). Can we Improve Public Service
in the Federal Government? Drat, fac-símile.

KETTL, D. (1997). he Global Revolution in Public Management: Driving


hemes, Missing Links. Journal of Policy Analysis and Management, vol. 16,
nº 3.

KIM, Hyung-Ki (1996). he civil service system and economic development: the
Japanese experience. Relatório sobre colóquio internacional realizado em Tó-
quio, 22-25 de março de 1994. Washington DC, World Bank.

KLAGES, H.; LÖFFLER, E. (1996). Public sector modernization in Germany:


recent trends and emerging strategies. In: FLYNN, N.; STREHL, F. (comp.).
Public sector management in Europe. Londres, Prentice Hall.

KLINGNER, D.; NALBANDIAN, J. (1994). Public Personnel Management.


Contexts and Strategies. Londres, Prentice Hall.

KNILL, C. (2001). he Europeanization of National Administrations. Patterns of


Institutional Change and Persistence. Cambridge, Cambridge University Press.

KORSTEN, A.; VAN DER KROGT, T. (1995). Human Resources Management.


In: KICKERT, W.; VAN VUGHT, F. (comp.) Public policy and administrative
sciences in the Netherlands. Londres, Prentice Hall.

KOTTER, J. P. (1996). Leading Change. Boston, Harvard Business School


Press.

LAEGREID, P. (2000). Top civil servants under contract. Public Administra-


tion, vol. 78, nº 4.

LAWLER, E. (1994). From job-based to competency based organizations. Jour-


nal of Organizational Behavior, vol. 15, pp. 3-15.

LAWLER, E. E. III; MOHRMAN, S. A.; LEDFORD, G. E. Jr. (1995). Creating


High Performance Organizations. Practices and results of employee involvement
and total quality management in Fortune 1000 companies. San Francisco, Jossey
Bass.

LAWRENCE, P. R.; LORSH, J. W. (1973). Organización y Ambiente. Barcelona,


Labor.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 235 235 22/2/2007 09:40:57


236 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

LEDFORD, G. E. (1989). he Design of Skill-Based Pay Plans. Los Angeles,


University of Southern California. Center for Efective Organizations.

LITWIN, G.; STRINGER, R. (1968). Motivation and Organizational Climate.


Boston, Graduate School of Business Administration, Harvard University.

LONGO, F. (1995). Reforma del empleo público: tótem y tabú. Gestión y Aná-
lisis de Políticas, nº 2. Madrid, Inap.

(1999a). Burocracia y postburocracia en el diseño organizativo. In:


LOSADA, C. (comp.). ¿De burócratas a gerentes? Las ciencias de la gestión apli-
cadas a la administración del Estado. Washington DC, Banco Interamericano
de Desenvolvimento.

(1999b). Política y gerencia pública en los gobiernos locales. In: DI-


PUTACIÓN DE BARCELONA (comp.) Gobierno Local y Modelo Gerencial.
Barcelona, Fundación Pi i Sunyer.

(2001). Modernizar la Gestión Pública de las Personas: los desafíos de


la lexibilidad. Reforma y Democracia, nº 19. Caracas, Clad.

(2002). El desarrollo de competencias directivas en los sistemas públi-


cos, una prioridad del fortalecimiento institucional. Apresentação no VII Con-
gresso do Clad.

(2003a). Institucionalitzar la gerència pública: reptes i diicultats, in


EAPC, Repensar el paper del gestor públic en el segle XXI. Actes del I Congrès Ca-
talà de Gestió Pública. Barcelona: Generalitat de Catalunya. Versão em espanhol
disponível em: www.top.org.ar – Tecnologías para la Organización Pública.

(2003b). La responsabilización por el rendimiento en la gestión públi-


ca: problemas y desafíos. Apresentação no VIII Congresso do Clad.

(2003c). La calidad de los sistemas de Servicio Civil en América Lati-


na y El Caribe: una metodología de evaluación. Apresentação no VIII Congres-
so do Clad.

LONGO, F.; ECHEBARRIA, K. (2001). La Nueva Gestión Pública en la Refor-


ma del Núcleo Estratégico del Gobierno. Experiencias Latinoamericanas, Nueva
Gestión Pública y Regulación en América Latina, Balances y Desafíos. Caracas,
Clad.

LOSADA, C. (1995). Las especiicidades de la gestión pública: implicaciones


en la función directiva pública. Documentación Administrativa, nº 241-242.
Madrid, Inap.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 236 236 22/2/2007 09:40:57


BIBLIOGRAFIA „ 237

(1999). La función de dirigir en la Administración Pública. In:


LOSADA, C. (comp.). ¿De burócratas a gerentes? Las ciencias de la gestión apli-
cadas a la administración del Estado. Washington DC, Banco Interamericano
de Desenvolvimento.

LUNDBLAD, N.; LINDSTRÖM, K.; WAGLUND, M. (1996). Advantages and


Disadvantages of New Strategies for Flexibility in Organizations. Apresentação
na Conferência Internacional “Los Retos Europeos de la Flexibilidad Laboral”.
Barcelona, Esade.

MABEY, C.; SALAMAN, G.; STOREY, J. (1999). Human Resource Manage-


ment. A Strategic Introduction. Oxford, Blackwell Publishers.

MAP (1997). Modelos de Función Pública Comparada. Madrid, Ministerio para


las Administraciones Públicas.

MARCH, J. G.; OLSEN, J. F. (1989). Rediscovering Institutions. In: he Organi-


zational Basis of Politics. Nova York, he Free Press.

(1995). Democratic Governance. Nova York, he Free Press.

MARSHALL, Ch.; PRUSAK, L.; SHPILBERG, D. (1997). Riesgo inanciero y


la necesidad de una mejor gestión del conocimiento. Harvard, Deusto Business
Review, nº 76 (janeiro-fevereiro), pp. 34-53.

MARTÍNEZ BARGUEÑO, M. (1995). La reforma de la relación de empleo


público en Italia. Gestión y análisis de Políticas Públicas, nº 2. Madrid, Inap.

MATHESON, C. (1998). Is the Higher Public Service a Profession? Australian


Journal of Public Administration, vol. 57, nº 3, pp. 15-27.

MAYRHOFER, W. (1996). Warning: Flexibility can damage your organization


health!. Exposição na Conferência Internacional “Los Retos Europeos de la
Flexibilidad Laboral”. Barcelona, Esade.

McCLELLAND, D. C. (1973). Testing for Competence rather than Intelligence.


he American Psychologist, vol. 28, pp. 1-14.

(1979). Power. he Inner Experience, cap. VI, Irvington.

MENDOZA, X. (1993). Management público e indicadores de gestión: una pers-


pectiva organizativa. Ekonomiaz, nº 26, Vitoria, Gobierno Vasco, p. 45 e seguintes.

(1999). La gestió de les organizatzacions de professionals en el sector


public: de l’antagonisme a la cooperació. Tese de doutorado. Barcelona, Univer-
sidad de Barcelona.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 237 237 22/2/2007 09:40:57


238 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

METCALFE, L. (1993a). Public Management: from Imitation to Innovation.


In: KOOIMAN, J. (comp.). Modern governance: new government-society inter-
actions. Londres, Sage.

(1993b). Conviction Politics and Dynamic Conservatism: Mrs.


Thatchers managerial revolution. International Political Science Review,
vol. 14.

(1998). Accountability and Efectiveness. Designing the Rules of the


Accounting Game. Exposição para a Conferência do Instituto Europeu de Es-
tudos Avançados em Management “Accounting for the New Public Manage-
ment”. Veneza.

METCALFE, L.; RICHARDS, S. (1989). La modernización de la gestión pública.


Madrid, Ministerio para las Administraciones Públicas.

MINISTERIAL ADVISORY GROUP (2001). Review of the Centre of the New


Zealand State Sector. Relatório do Advisory Group apresentado aos ministros
de Serviços Públicos e Finanças, novembro.

MINTZBERG, H. (1984). La estructuración de las organizaciones. Barcelona,


Ariel.

(1996). Managing Government, Governing Management. Harvard


Business Review (maio-junho).

MOHRMAN, S. A.; LAWLER, E. E. III (1998). Transformar la Función de los


RRHH. In: ULRICH, D. e outros (comp.). El Futuro de la Dirección de Recursos
Humanos. Barcelona, Gestión 2000.

MOORE, M. H. (1995). Creating Public Value. Strategic Management in Go-


vernment. Cambridge: Mass., Harvard University Press. (Tradução espanhola:
Gestión estratégica y creación de valor en el sector público. Barcelona, Paidós,
1998).

MURRAY, M. (2001). Cómo revalorizar a los empleados a través del mento-


ring. Capital Humano, nº 147.

MURRAY, R. (2000). Human Resources Management in Swedish Central


Government. In: FARNHAM, D. e HORTON, S. (comp.). Human Resources
Flexibilities in the Public Services. Mcmillan Business.

NAHAPIET, J.; GHOSHAL, S. (1998). Social capital, intellectual capital and


the organizational advantage. Academy of Management Review, vol. 23, nº 2,
pp. 242-266.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 238 238 22/2/2007 09:40:57


BIBLIOGRAFIA „ 239

NATIONAL COMMISSION ON THE STATE AND LOCAL PUBLIC SERVI-


CE (1993). Hard Truths/Tough Choices: an Agenda for the State and Local Re-
form. Nova York, Albany, he Nelson A. Rockefeller Institute of Government.

NAVARRO, P. (1999). El futuro del empleo. Galaxia Gutemberg.

NIGRO, L. G.; NIGRO, F. A. (1994). he New Public Personnel Administration.


F. E. Peacock Publishers.

NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. (1995). he Knowledge Creating Company. How


Japanese Companies Create the Dynamics of Innovation. Nova York, Oxford
University Press.

OBESO, C. (1999). Homo faber, Homo sapiens: estado de la cuestión. In:


GÜELL, A. M. (comp.). Homo faber, Homo sapiens. La gestión del capital inte-
lectual. Barcelona, Ediciones del Bronce.

OCDE (1998). La Administración al servicio del público. Madrid, Ministerio


para las Administraciones Públicas.

(1995). Flexibilidad en la gestión de personal en la Administración


Pública. Madrid, Inap.

(1997). Trends in Public Sector Pay in OCDE Countries. Paris,


OCDE.

(1999a). Evolution de la Gestion des Ressources Humaines dans les


Administrations Publiques. Paris, OCDE.

(1999b). Structure of the Civil Service Employment in seven OCDE


countries. Paris, OCDE.

(1999c). he state of the Higher Civil Service ater reform: Britain.


Canada and the United States. Paris, OCDE.

(2000a). Issues and Developments in Public Management: Country


Reports. Paris, OCDE.

(2002b). Summary record of the expert meeting on Human Resources


Management. Paris, OCDE, 25-26 de janeiro.

(2000c). Comment trouver du personnel. Le cas de la fonction publi-


que néerlandaise. Paris, OCDE.

(2001a). Public Sector Modernization: A Ten Year Perspective. Public


Management Committee, Note by the Secretariat. Paris, OCDE.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 239 239 22/2/2007 09:40:58


240 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

(2001b). Le secteur public au XXIème siècle: repenser le leadership,


Note de synthèse. Paris, OCDE.

(2002). Public Service as an Employer of Choice. Policy Brief. Paris,


OCDE.

OSBORNE, D. Y.; GAEBLER, T. (1994). La reinvención del Gobierno. La in-


luencia del espíritu empresarial en el sector público. Barcelona, Paidós.

OSPINA, S. (2001). Managing Diversity in the Civil Service: A Conceptual Fra-


mework for Public Orgnizations. In: UNDESA-IIAS (comp.). Managing Diver-
sity in the Civil Service. Amsterdam, IOS Press.

OSZLAK, O. (2003). Profesionalización de la función pública en el marco de


la nueva gestión pública. In: ARELLANO, EGAÑA, OSZLAK e PACHECO.
Retos de la profesionalización de la función pública. Caracas, Clad.

PACHECO, R. (2003). Profesionalización y reforma gerencial en Brasil: avan-


ces y agenda futura. In: ARELLANO, EGANÃ, OSZLAK e PACHECO. Retos
de la profesionalización de la función pública. Caracas, Clad.

PALLEZ, R. (2003). Les instruments de la motivation du fonctionnaire, de


l’intéressement a la consideration. In: DUVILLIER, T. e outros (comp.). La
motivation au travail dans les services publics. L’Harmattan.

PALOMAR, A. (1997). Planiicación de los recursos humanos en el ámbito pú-


blico. Madrid, McGraw-Hill.

(2000). Derecho de la Función Pública. Régimen jurídico de los fun-


cionarios públicos. Madrid, Dykinson.

PAREJO, L. (2000). La eicacia administrativa y la calidad total de los servicios


públicos. In: SOSA WAGNER, F. (comp.). El Derecho Administrativo en el um-
bral del s. XXI: Homenaje al profesor Dr. Ramón Martín Mateo, vol II. Valencia,
Tirant lo Blank, p. 1.949 e seguintes.

PARRADO-DÍEZ, S. (2000). Introducing Rationality in Human Resources


Management in Spanish Central Administration. In: FARNHAM, D. E HOR-
TON, S. (comp.). Human Resources Flexibilities in the Public Services. Mac-
millan Business.

PERRI 6; LEAT, D.; SELTZER, K.; STOKER, G. (2002). Towards Holistic


Governance. he new Reform Agenda. Palgrave, Houndmills, Basingstoke,
Hampshire.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 240 240 22/2/2007 09:40:58


BIBLIOGRAFIA „ 241

PERRONS, D. (comp.) (1998). Flexible Working and the Reconciliation of Work


and Family Life: A new Form of Precariousness. Relatório inal do Communi-
ty Action Programme on Equal Oportunities for Women and Men. Bruxelas,
Comissão Européia.

PETERS, B. G. (1996). he Future of Governing. Four Emerging Models. Univer-


sity Press of Kansas.

PFEFFER, J. (1996). ¿Tienen futuro los RRHH? In: ULRICH, D. e outros


(comp.). El Futuro de la Dirección de Recursos Humanos. Barcelona, Gestión
2000.
(1998b). La Ecuación Humana. Barcelona, Gestión 2000.

(2001). Fighting the War for Talent is Hazardous to your Organization’s


Health. Organizational Dynamics, vol. 29, nº 4, pp. 248-259.

PIERRE, J. (2000). Externalities and Relationships: Rethinking the Boundaries


of the Public Services. In: PETERS, B. G. e SAVOIE, D. J. (comp.). Governance
in the Twenty First Century. Montreau & Kingston, McGill-Queen’s University
Press.

POLIDANO, Ch. (2001). Why Civil Service Reforms Fail. In: IDPM. Public
Policy and Management Working Paper, nº 16.

POLLITT, C. (1993). El Gerencialismo y los Servicios Públicos. La experiencia


anglo-norteamericana. Madrid, Instituto de Estudios Fiscales.

POLLITT, C.; BOUCKAERT, G. (2000). Public Management Reform: A Com-


parative Analysis. Oxford University Press.

POLLITT, C.; BIRCHALL, J.; PUTMAN, K. (1998). Decentralizing public servi-


ce management: the British experience. Basingstoke, Macmillan.

PRAHALAD, C.; HAMEL, G. (1990). he Core Competence of the Corpora-


tion. Harvard Business Review, pp. 79-91.
(1995). Competing for the Future. Boston, Harvard University Press.

PRATS, J. (1995). Los fundamentos institucionales del sistema de mérito: la


obligada distinción entre función pública y empleo público. Documentación
Administrativa (janeiro-agosto), pp. 241-242. Madrid, Inap.

PREMFORS, R. (1998). Reshaping the democratic state: Swedish experiences


in a comparative perspective. Public Administration, vol. 76, nº 1, primavera,
pp. 141-159.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 241 241 22/2/2007 09:40:58


242 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

RAUCH, J. E.; EVANS, P. B. (2000). Bureaucratic structure and bureaucratic


performance in less developed countries. In: Journal of Public Economics, nº 75,
pp. 49-71.

REBORA, G. (1994). La modernizzacione del sistema di gestione pubblica. Svi-


luppo delle risorser umane e privatizzacione del pubblico impiego. Azienda
Pubblica, nº 2 (agosto).

RICHARDS, S. (1994). El Paradigma del Cliente en la Gestión Pública. Gestión


y Análisis de Políticas Públicas, nº 1. Madrid, Inap.

(1995). La lexibilidad en la gestión de personal. Algunas compara-


ciones entre el sector público y el sector privado. In: OCDE. Flexibilidad en la
gestión de personal en la Administración pública. Madrid, Inap.

RIDLEY, F. F. (2000). Public Service Flexibility in Comparative Perspective. In:


FARNHAM, D. e HORTON, S. (comp.). Human Resources Flexibilities in the
Public Services. Macmillan Business.

RÖBER, M.; LÖFFLER, E. (2000). Germany: the limitations of Flexibility Re-


forms. In: FARNHAM, D. e HORTON, S. (comp.). Human Resources Flexibili-
ties in the Public Services. Macmillan Business.

ROSEN, S. (1996). Public Employment and the Welfare State in Sweden. Jour-
nal of Economic Literature, vol. XXXIV (junho), pp. 729-740.

ROUBAN, L. (1997). he administrative modernization policy in France. In:


KICKERT, W. (comp.). Public Management and administrative reform in Wes-
tern Europe. Cheltenham, Edward Elgar.

RUFFINI, R. (2000). Employment Flexibilities and the New Public Manage-


ment in Italy. In: FARNHAM, D. e HORTON, S. (comp.). Human Resources
Flexibilities in the Public Services. Macmillan Business.

SALOVEY; MAYER (1990). Emotional Intelligence. Imagination, Cognition,


and Personality, nº 9, pp. 185-211.

SÁNCHEZ MORÓN, M. (1994). Sobre la reforma administrativa italiana del


período de transición, con especial referencia a la organización administrativa
y al empleo público. Revista de Administración Pública, nº 134 (maio-agosto).

(1996). Derecho de la Función Pública. Madrid, Tecnos.

SCHEIN, E. (1982). Psicología de la Organización. México, Prentice Hall.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 242 242 22/2/2007 09:40:58


BIBLIOGRAFIA „ 243

(1999). he Corporate Culture Survival Guide. San Francisco, Jossey-


Bass Publishers.

SCHNEIDER, S. K.; NORTHCRAFT, G. B. (1999). hree Social Dilemmas of


Workplace Diversity in Organizations: A Social Identity Perspective. Human
Relations, vol. 52, nº 11, pp. 1.445-1.467.

SCHWARTZ, H. M. (1994). Public Choice heory and Public Choices: Bureau-


crats and State Reorganization in Australia, Denmark, New Zealand and Swe-
den in the 1980s. Administration and Society, nº 1, Sage Publications (maio).

SENGE, P. (1992). La Quinta Disciplina, El arte y la práctica de la organización


abierta al aprendizaje. Barcelona, Granica.

SENNETT, R. (2000). La corrosión del caráter. Las consecuencias personales del


trabajo en el nuevo capitalismo. Barcelona, Anagrama.

SERLAVÓS, R. (1996). La política retributiva a debate. Apresentação no Con-


gresso de Aedipe, fac-símile.

SERLAVÓS, R.; APARICIO, M. (1997). Los retos europeos de la lexibilidad


laboral. Barcelona Management Review, nº 6, p. 27 e seguintes.

SHAREEF, R. (1994). Skill-Based Pay in the Public Sector. An innovative idea.


Review of Public Personnel Administration, vol. XIV, nº 3, pp. 60-74.

SIEDENTOPF, H. (1990). he Public Service. In: KÖNIG, K. e outros. Public


Administration in the Federal Republic of Germany. Baden-Baden, Nomos.

SISTERNAS, X. (1996). ¿Qué gestión de recursos humanos para una adminis-


tración pública en cambio?. Aedipe, p. 19 e seguintes.

SPENCER, L. M.; SPENCER, S. M. (1993). Competence at Work. Models for


Superior Performance. Nova York, John Wiley.

STEWART, T. A. (1997). Intellectual Capital. he New Wealth of Organizations.


Nova York, Doubleday.

STOREY, J. (comp.) (1995). Human Resource Management. Londres, Routledge.

STRAND, T. (1987). he Public Manager. Bureaucrats or contingent actors. In:


KOOIMAN, J. e ELIASSEN, K. Managing Public Organizations. Sage Publications.

SUBIRATS, J. (2003). Qué gestión pública para qué sociedad. Una mirada
prospectiva sobre el ejercicio de la gestión pública en las sociedades europeas
actuales. Boletín TOP, nº 6, www.top.org.ar

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 243 243 22/2/2007 09:40:58


244 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

SUPIOT, A. (2001). Beyond Employment: Changes in Work and the Future of


Labour Law in Europe. Oxford, Oxford University Press.

SVARA, J. H. (1999). he shiting boundary between elected oicials and city


managers in large council-manager cities. Public Administration Review, nº 59
(janeiro-fevereiro).

THOMPSON, J.; CACHARES, R. (2000). Human Resources Flexibilities in the


United States. In: FARNHAM, D. e HORTON, S. (comp.). Human Resources
Flexibilities in the Public Services. Macmillan Business.

TROSA, S. (1994). Moderniser l’administration: comment font les autres? Paris,


Les Éditions d’Organisation.

ULRICH, D. (1997). Human Resource Champions. he next agenda for adding


value and delivering results. Boston, Harvard Business School Press.

UNDESA–IIAS (2001). Managing Diversity in the Civil Service. Amsterdam,


IOS Press.

U.S. NATIONAL PERFORMANCE REVIEW (1993). Reinventing Human Re-


source Management. Nova York, Plume.

VAN DER KROGT, T.; BEERSEN, E.; KEMPER, A. (2000). he Netherlands:


Towards Personnel Flexibilities. In: FARNHAM, D. e HORTON, S. (comp.).
Human Resources Flexibilities in the Public Services. Macmillan Business.

VAN VULPEN, E.; MOESKER, F. (2002). Competency-based Management in


the Dutch Senior Public Service. In: HORTON, HONDEGHEM e FARNHAM
(comp.). Competency Management in the Public Sector. European Variations on
a heme. Amsterdam, IOS Press.

VERNIS, A. (2000). La relación público privada en la provisión de servicios


sociales. In: LONGO, F. e ZAFRA, M. (comp.). Pensar lo público. Granada,
CEMCI-UIM.

VIGNOLO, C. (1998). Nuevos paradigmas en Management: Una aproxima-


ción desde la experiencia de modernización de los sistemas públicos de salud
en Chile. Reforma y Democracia, vol 11. Caracas, Clad.

VILLORIA, M. (2000). Ética pública y corrupción: Curso de ética administrati-


va. Madrid, Tecnos.

VILLORIA, M.; DEL PINO, E. (1997). Manual de Gestión de Recursos Huma-


nos en las Administraciones Públicas. Madrid, Tecnos.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 244 244 22/2/2007 09:40:58


BIBLIOGRAFIA „ 245

VIRTANEN, T. (2000). Flexibility, Commitment and Performance. In:


FARNHAM, D. e HORTON, S. (comp.). Human Resources Flexibilities in the
Public Services. Macmillan Business.

VROOM, V. H. (1964). Work and Motivation. Nova York, John Wiley.

WATERMAN, R. H.; WATERMAN, J. A.; COLLARD, B. A. (2000). Hacia una


fuerza de trabajo lexible. In: ULRICH, D. (comp.). Evaluación de Resultados. El
nuevo desafío para los profesionales de Recursos Humanos. Barcelona, Granica.

WEINERT, A. B. (1985). Manual de Psicología de la Organización. La conducta


humana en las organizaciones. Barcelona, Herder.

WEST, F. W.; DURANT, R. F. (2000). Merit, Management and Neutral Compe-


tence: Lessons from the U.S. Merit Systems Protection Board. Public Adminis-
tration Review, vol. 60, nº 2 (março-abril), pp. 111-122.

WHITE, G. (1998). he Remunerations of Public Servants: Fair Pay or New


Pay? In: CORBY, S. e WHITE, G. (comp.). Employee Relations in the Public
Services. Londres, Routledge.

WORLD BANK (2000). Administrative and Civil Service Reform. Washington


DC, he World Bank Group.

(2003). Making Services Work for Poor People. 2004 World Economic
Report: he World Bank Group e Oxford University Press.

ZALEZNIK, A. (1997). Managers and Leaders. Are they diferent? Harvard


Business Review (maio-junho), p. 67. Publicado também em Harvard Business
Review, janeiro de 2004, p. 74.

ZILLER, J. (1993). Administrations comparées. Les systèmes politico-administra-


tifs de l’Europe des Douze. Paris, Montchrestien.

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 245 245 22/2/2007 09:40:58


246 „ MÉRITO E FLEXIBILIDADE

Fundap (Mérito e Flexibilidade) 246 246 22/2/2007 09:40:58


Fundap (Mérito e Flexibilidade) 247 247 22/2/2007 09:40:58
Fundap (Mérito e Flexibilidade) 248 248 22/2/2007 09:40:58

Você também pode gostar