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Quture.

Rocks Sobre Cultura


Tudo o que você precisa saber sobre cultura
organizacional.

Francisco S. Homem de Mello


Esse livro está à venda em http://leanpub.com/nailingpeopleops

Essa versão foi publicada em 2021-03-06

Esse é um livro Leanpub. A Leanpub dá poderes aos autores e editores


a partir do processo de Publicação Lean. Publicação Lean é a ação de
publicar um ebook em desenvolvimento com ferramentas leves e
muitas iterações para conseguir feedbacks dos leitores, pivotar até que
você tenha o livro ideal e então conseguir tração.

© 2016 - 2021 Francisco S. Homem de Mello


Meus agradecimentos ao time Qulture.Rocks, que leu e criticou algumas
vezes esse material e a palestra que nasceu com o livro. Também à Carol
Almeida, Ana Caltabiano, Ana Manhães e Gustavo Ribas pelas leituras
críticas e correções de estilo e ortografia :) Todos os erros e imprecisões
deste livro são meus. Os créditos, no entanto, são de vocês.
Conteúdo

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 5


As entradas do sistema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Por que cultura importa? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20


Cultura e estratégia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Cultura, crescimento e burocracia . . . . . . . . . . . . . . . 23
Cultura “boa” agrada a poucos . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

Como a cultura se forma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Descobrindo sua cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30


Descobrindo as premissas da sua cultura . . . . . . . . . . . 31
Enquetes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

Influenciando sua cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35


Articulando sua cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Mecanismos: As alavancas da cultura . . . . . . . . . . . . . 42

Últimos pensamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Prefácio
Uma rápida busca no Google pelo termo “cultura organizacional” nos
traz 1.780.000 resultados. Isso mesmo: um milhão, setecentos e oitenta
mil. Aparentemente, muita gente fala sobre o assunto. Mas o que é essa
tal de cultura organizacional sobre a qual tanto se fala por aí?
Essa foi uma das perguntas que me fez deixar para traz uma carreira
de 10 anos no mercado financeiro e fundar a Qulture.Rocks.
O caminho não foi nada simples, nem fácil. O primeiro passo foi estudar
uma cultura que eu sempre admirei muito: a criada pelo trio formado
por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, cultura que hoje
permeia, em diferentes intensidades, uma série de empresas como AB
Inbev, gigante das cervejas, e Kraft Heinz, gigante dos condimentos e
alimentos. O resultado desse estudo foi um livro chamado The 3G Way:
Dream, People, and Culture.
Escrever The 3G Way me ensinou o que são metas devidamente
desdobradas, o que é gestão de talentos, o que é gastar tempo e
dinheiro de verdade com gente. Me ensinou também o que são valores,
especialmente aqueles que dizem algo para quem os lê. E também
me jogou de paraquedas no mundo da “gente e gestão”, uma versão
turbinada do RH que conhecemos, que de fato mete a mão nos negócios
e é cobrada por isso. E desse salto nasceu a vontade de criar produtos
incríveis para que mais empresas tivessem acesso às práticas que
fizeram dessa cultura uma cultura tão forte e bem-sucedida para a
realidade dessas empresas.
A Qulture.Rocks, empresa de tecnologia que fundei algum tempo
depois, me pôs em contato com outro mundo muito bacana e do qual
eu conhecia muito pouco: o Vale do Silício. E com isso vieram ideias
de o que mais pode ser feito quando o assunto é cultura, gente e
gestão. Foi assim que aprendi sobre práticas como as OKRs, metas
Prefácio 2

ágeis e colaborativas que não precisam ser impostas nem engessadas;


os feedbacks on-the-spot que servem apenas para o desenvolvimento
de quem os recebe, e que não precisam esperar o ano todo para serem
trocados. Foi também onde ouvi muito se falar sobre a importância da
cultura no sucesso de uma empresa de alto crescimento.
Mas nem tudo o que eu lia ajudava a entender melhor o que é cultura
nem, mais importante, como dar forma a uma cultura. As definições
eram todas muito diferentes umas das outras. Parecia que todo mundo
não parava de falar no assunto, mas também que ninguém sabia
exatamente do que estava falando.
Foi então que eu comecei a sentir na pele, como CEO da Qulture.Rocks,
a necessidade de entender de uma vez por todas o assunto. Sabia que as
pessoas se comportavam de uma certa maneira por um motivo. Sabia
que valores e princípios de cultura eram uma parte disso, mas não
tudo. Sabia que os exemplos dos líderes eram também um componente
importante dessa equação. Foi assim que embarquei na jornada de
escrever esse livro, jornada essa que me levou a hoje ter uma cons-
ciência muito maior do que quer dizer cultura, como ela se cria, como
se transforma e qual sua importância na estratégia de uma empresa. E
é um pouco desse conhecimento que quero transmitir para você.
Francisco H. de Mello
CEO, Qulture.Rocks
Introdução
Este livro tem como objetivo servir de introdução ao tema de cultura
organizacional para empresários, executivos, gestores de pessoas e
profissionais de recursos humanos. A ideia é que você tenha um modelo
mental para avaliar objetivamente a cultura da sua organização e
planejar ações práticas para mudá-la ou reforça-la, em uma direção
que alavanque sua missão.
Buscamos fazer um apanhado de tudo o que já lemos e pensamos
sobre cultura aqui na Qulture.Rocks, e daí vem o nome do livro,
Qulture.Rocks sobre Cultura.
Começaremos por uma discussão leve – prometo – sobre o que é
cultura. Passaremos rapidamente pela sua importância (realmente
espero que, estando aqui, você não duvide dela), depois falaremos de
como uma cultura se desenvolve em uma organização, e o filet mignon
do livro: como reforçar e até mudar uma cultura organizacional já
consolidada, incluindo alguns estudos de caso de grandes organizações
e como elas agem deliberadamente para reforçar ou mudar aspectos
importantes das suas culturas.
Espero que você termine esse livro sabendo mais sobre cultura orga-
nizacional do que sabe agora. Que tenha subsídios para falar sobre
o tema no seu dia a dia de trabalho, com base na teoria e na prática
do assunto. E que possa agora olhar sua organização de maneira mais
crítica, identificando, como se tivesse a visão do Homem de Ferro, os
fatores que fazem a cultura dela ser como é.
Introdução 4

A visão do Homem de Ferro


Cultura organizacional: em
busca de uma definição
(prática)
‘Cultura’ é uma das duas ou três palavras mais complica-
das da língua inglesa. - Raymond Williams

Parafraseando Raymond Carver e W. Brian Arthur, sobre o que falamos


quando falamos sobre cultura? Ou, o que é cultura?
A resposta, quando a buscamos em dicionários ou em livros acadêmicos
ou em textos e palestras no mundo dos negócios, é irritantemente turva.
Alguns falam sobre cultura como sendo os comportamentos das pes-
soas quando os chefes não estão na sala; outros falam sobre premissas
tidas como verdade mas que raramente são conhecidas explicitamente;
ainda outros falam sobre valores, artefatos e até histórias que um grupo
conta para si mesmo.
Tudo isso pode até estar ok. Vários termos podem carregar múltiplos
significados. Mas nesse caso, a falta de coerência na resposta mostra
uma das possíveis causas de porque a grande maioria dos empreende-
dores e das empreendedoras, dos executivos e das executivas, sabe que
o tema é importante mas raramente sabe o que fazer com toda essa
preocupação.
(Boas) definições importam pois como a gente pensa sobre cultura
determina o que a gente faz para gerí-la em nossas organizações. E
a boa gestão da cultura de uma organização aumenta suas chances
de sucesso, ou seja, suas chances de cumprir com a sua missão na
sociedade. Se a cultura é a soma dos valores individuais das pessoas,
toda a responsabilidade cai no colo da área de recrutamento de uma
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 6

organização, que deveria, além de entrevistar muito bem seus candida-


tos e candidatas, fazer uma imersão nas suas casas e entender inclusive
o seu ambiente familiar. Se a cultura é um conjunto de histórias, e
as histórias são coisas que aconteceram no passado, então não temos
exatamente como mudar a cultura de uma organização, pois não temos,
até onde eu sei, como reescrever a história.
Por isso nosso esforço de voltar aos primeiros princípios e, para começo
de conversa, discutir o que é cultura.

Cultura na sociedade
No dia a dia, muitos de nós nos referimos a cultura como algo
relacionado às artes: museus, teatro, cinema, shows de música,
etc. É muito comum ouvir “gosto muito de ir a São Paulo. Minha
cidade não tem uma vida cultural tão rica”.
Cultura também pode ser usada como quase-adjetivo, quando
falamos que alguém “tem muita cultura” ou “é muito culto”,
quando queremos descrever esse ou essa alguém como uma
pessoa que lê muito ou que estudou muito.
Antropólogos, para adicionar ainda mais um aspecto ao termo,
falam de cultura como sendo o conjunto de costumes e práticas
que uma sociedade desenvolve com o tempo. Falam por exemplo
que o machismo nos países muçulmanos é um “aspecto cultural”,
ou que a corrupção no Brasil “é cultural”.
Aqui estamos interessados no que significa cultura no contexto
de uma organização, seja ela com ou sem fins lucrativos. Esse
ângulo de cultura no ambiente organizacional é influenciado pela
antropologia, pois aplica um ferramental similar à analise da
cultura de uma organização daquele aplicado pela antropologia
para analisar a cultura de um país.

Para começarmos a construir a nossa definição de cultura organiza-


Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 7

cional, pensamos em buscar como diferentes tipos de profissionais


que gravidam em torno do assunto definem o termo. A partir das
semelhanças e diferenças entre essas definições tentaremos construir
a nossa.

Cultura sob a ótica do Vale do Silício


Vamos começar com as definições de investidores e investidoras do
mundo de tecnologia, dos fundadores e fundadoras que criam essas
empresas e dos operadores e operadoras que administram-nas no dia
a dia. Queremos entender como quem está no front do setor que mais
cresce na economia e que tem dominado o noticiário e o pensamendo
de negócios fala sobre cultura. Achamos também importante ter esse
ponto de vista pois muitas das empresas em setores mais tradicionais
da economia estão sofrendo ataques das startups e scaleups, e portanto
com certeza querem entender melhor o que passa pela cabeça de seus
algozes.

Os valores e os comportamentos do dia a dia, de cada


membro do time, em busca da missão da empresa. - Tony
Lin, sócio da Sequoia Capital e cofundador da Zappos
Sua cultura é como a empresa toma decisões quando você
[fundador ou fundadora] não está lá. É o conjunto de
premissas que seus colaboradores e colaboradoras usam
para resolver os problemas que engrentam no dia-a-dia. É
como se comportam quando ninguém está olhando. - Ben
Horowitz, fundador da Andreessen Horowitz (A16Z)

Cultura sob a ótica de consultores e pundits


Em seguida, mostramos algumas definições dadas por consultores e
especialistas não-acadêmicos no assunto:

Premissas, valores, crenças, comportamentos e artefatos. -


S. Chris Edmonds, autor de “The Culture Engine”
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 8

Feita de hábitos e respostas emocionais, a cultura de


uma empresa é a soma dos padrões de comportamento,
sentimento, pensamento e crenças que se autorreforçam
e que determinam a forma como fazemos as coisas aqui.
- Jon Katzenbach, fundador do Katzenbach Center da
Strategy&
A história coletiva que um grupo conta a si mesmo… e
que direciona pensamentos e comportamentos. - Charles
Jacobs

Cultura sob a ótica do meio acadêmico


Também é importante mostrarmos uma definição que vem do mundo
acadêmico. Para isso, recorremos a Edgar Schein, que é talvez o mais
reconhecido estudioso do tema:

Um padrão de premissas básicas que um grupo aprendeu


à medida em que resolveu seus desafios de adaptação
externa e integração interna, e que funcionou bem o sufici-
ente para ser considerado válido e, portanto, ser ensinado
a novos membros como a forma correta de perceber, pensar
e sentir em relação a esses problemas. - Edgar Schein,
professor do MIT

Cultura no dicionário
Por fim, uma definição do bom e velho dicionário Cambridge:

As crenças e ideias que uma empresa tem e a forma com


que afetam como a empresa faz negócios e como seus
colaboradores se comportam. - Dicionário Cambridge de
Negócios
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 9

Nossa definição: Cultura como sistema


Vemos que há elementos comuns a algumas das definições, mas que
não há uma coesão significativa entre elas. Várias falam sobre valores,
algumas falam sobre comportamentos, outras sobre crenças, artefatos
e uma até cita sentimentos.
Uma das principais características das definições é que os operadores
e as operadoras tendem a definir cultura com uma mistura de causas -
valores, artefatos, histórias, etc. - e consequências - comportamentos
-. Por exemplo, Ben Horowitz fala de cultura como sendo como as
pessoas, presumidamente que estão mais para baixo na hierarquia
de uma organização, se comportam quando as lideranças não estão
presentes. Já Edgar Schein fala apenas de causas, usando o termo
“premissas básicas de um grupo” para definir cultura.
A falta de unidade entre as definições nos deixa inseguros de adotar
alguma delas como nossa. Preferimos então costurar o que há de
melhor entre elas e tentar a nossa própria definição.
Achamos que uma definição prática de cultura precisa incorporar
causas e consequências, pois não interessa a operadores pensar causas
sem consequencias práticas para o negócio, nem pensar apenas con-
sequências de modo que as causas possam ser negligenciadas. Portanto,
nossa definição incorpora os dois lados dessa moeda.
Entradas e saídas, causas e consequências, nos levaram a pensar cultura
com um sistema. Um sistema que tem uma série de entradas, ou inputs,
e que produz uma principal saída, ou output: comportamentos. O que
acontece no meio é uma porção de mágicas psicológicas, sociológicas,
etc., que não são o escopo deste material. O importante é notar que ao
entendermos que a cultura é um sistema, e que tem inputs, podemos
consequentemente entender que se mudarmos os inputs desse sistema,
teremos outputs - comportamentos - diferentes na organização.
Dito isso tudo, vamos à nossa definição:

Um sistema que tem como entradas valores, exemplos, artefatos,


Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 10

rituais, entre outros fatores, deliberados ou não, e como saída, a


forma com que as pessoas se comportam em uma organização.
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 11

As entradas do sistema
Agora vamos discutir algumas dessas entradas do sistema e como
funcionam. Como você pôde peceber na nossa definição, citamos qua-
tro tipos principais de entradas: valores, exemplos, artefatos e rituais.
Agora vamos falar um pouco mais sobre como chegamos nesses quatro
tipos e depois vamos entrar em um pouco mais de detalhe em cada um
deles.
Se estamos interessados em entender como são formados os com-
portamentos em uma organização, vale começar pensando em quais
são todos os fatores que influenciam o comportamento das pessoas
no trabalho. Se nos ativermos ao nível de análise de uma pessoa
dessa organização, podemos pensar um número enorme de fatores que
influenciam seu comportamento no trabalho:

• Remuneração (p.ex., mix de remuneração variável x fixa, forma


de cálculo da remuneração variável, percepção sobre o nível de
remuneração em relação à percepção de mérito, etc.)
• Comportamentos das pessoas à sua volta (p.ex., comportamentos
de chefes, lideranças sênior da organização, ou até pares que
sejam reconhecidos e reconhecidas na organização como sendo
importantes e/ou competentes e/ou “prata da casa”, etc.)
• Valores pessoais (crenças ou premissas trazidas “de casa” e tidas
como verdadeiras)
• Incentivos informais (comportamentos que são reconhecidos em
reuniões da organização)
• Estado de humor (consequência do seu estado físico, estresses
vividos, vida familiar, etc.)
• Expectativas de reconhecimento ou punição (p.ex., a percepção
da pessoa de que certos comportamentos serão reconhecidos e re-
compensados, e outros serão motivo de punição ou reprimenda)

Enfim, essa é apenas uma pequena lista de exemplos ilustrativos. O


importante é notar que alguns desses fatores são originados fora da vida
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 12

organizacional da pessoa. Por exemplo, uma parte grande do humor de


uma pessoa pode ser consequência da sua vida familiar ou até do estado
de saúde dela. Estamos menos interessados nesses fatores exógenos ao
controle da organização, e mais interessados nos fatores que estejam
mais sob o controle e influência da organização.
Por isso, de uma lista extensa de fatores, extraímos aqueles exógenos
e categorizamos o que restou em alguns grandes grupos de fatores
semelhantes cujo agrupamento possa facilitar nosso entendimento.
Esses fatores são as principais entradas ou inputs do sistema que é a
cultura organizacional e que produz como principal saída, ou output,
comportamentos em seus membros e suas membras.
É importante lembrar, no entanto, que as linhas que separam esses
grupos - valores, exemplos, artefatos e rituais - são muitas vezes
borradas e as divisões imperfeitas. Nossa tentativa é de criar alguns
grandes grupos de fatores, mas frequentemente você terá dificuldade de
colocar algum aspecto da sua cultura claramente dentro de um desses
grupos e não, ainda que em parte, em outro.
Agora vamos olhar esses quatro grupos de maneira mais próxima.

Valores individuais
Segundo o dicionário Cambridge, valores (values) são definidos como:
“principles or standards of behavior; one’s judgement of what is im-
portant in life”. Em uma tradução livre, “princípios ou padrões de
comportamento; o julgamento de alguém sobre o que é importante na
vida”.
Para nós, valores são crenças ou “verdades absolutas” das pessoas de
um grupo,e que acabam por determinar a forma com que essas pessoas
agem, pensam e se sentem.
Vamos pensar no exemplo de uma CEO. Ela vem de uma família
muito trabalhadora. Seus avós eram agricultores que durante suas
vidas adultas começavam a trabalhar desde antes de o sol nascer, e
paravam apenas para dormir. Seu pai também é muito trabalhador,
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 13

sempre se orgulhando de ficar no seu escritório por longas horas e de


cumprir todos os seus compromissos antes de deixar o trabalho todos os
dias. Por esses e outros motivos, a nossa CEO trabalha muito. Podemos
dizer que o trabalho duro, representado por longas horas de trabalho,
seja um valor da nossa CEO.
Como valores são interentes a pessoas, quando falamos em “valores da
organização” estamos simplificadamente falando da média ponderada
dos valores individuais das pessoas do grupo. O fator de ponderação
é a influência que essas pessoas têm no grupo. Portanto, os “valores
de uma organização” vão ser muito mais influenciados pelos valores
individuais de cada pessoa que compõe a sua liderança sênior, e
que portanto tem grande influência, do que pelos valores individuais
de cada pessoa que esteja nos níveis hierárquicos mais baixos da
organização, e que portanto tem pouca influência.
Importante: Como falamos, aqui nos referimos apenas aos valores
das pessoas. Os valores “da empresa”, que são escritos na parede,
são artefatos que podem até representar os valores das pessoas da
organização, mas que muitas vezes são uma representação no melhor
parcial daqueles.

Exemplos
Exemplos são outro fator extremamente importante na construção e
desenvolvimento de culturas organizacionais. Aqui também acabam no
começo refletindo os valores de seus fundadores, fundadoras e líderes.
Os mais fortes exemplos de comportamento em uma empresa são
o comportamnto de pessoas influentes no grupo, como fundadores,
fundadoras, e pessoas do time executivo sênior (essas pessoas podem
também não ser sêniores, mas apenas influentes por outros motivos -
lideranças “locais”). Seus comportamentos são geralmente tidos como
aceitáveis ou até desejáveis, e a falta de coerência entre a cultura
pregada pela empresa e o comportamento dessas pessoas pode causar
grande confusão cultural.
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 14

Em seguida, vêm promoções e demissões. É como a empresa mostra


de maneira “oficial” quais comportamentos são desejados e quais com-
portamentos não são desejados em seus colaboradores. Essas pessoas
(promovidas e demitidas) acabam virando exemplos tanto do que
fazer quanto do que não fazer e assim os comportamentos acabam se
perpetuando.
Um dos maiores fatores diluidores de cultura se dá quando pessoas que
não apresentam os comportamentos desejados pela organização aca-
bam, por algum motivo, sendo promovidas ou mantidas em seus cargos
a despeito da falta de sincronia com o que é pregado como cultura na
organização. Os membros da organização percebem a discrepância e
ajustam seus modelos internos do que é esperado ou até tolerado na
cultura.
Histórias frequentemente contadas e “causos” também acabam vi-
rando exemplos na organização. A empresa escolhe por reproduzir
certos acontecimentos, com maior ou menor fidelidade ao que de fato
aconteceu, e isso gera incentivos para que as pessoas reproduzam os
comportamentos contados.

Artefatos
Artefatos são fatores muito importantes e visíveis (ainda que menos
importantes que incentivos) no desenvolvimento de uma cultura orga-
nizacional.
“Valores” escritos na parede são um exemplo muito comum. O escritó-
rio em que as pessoas de uma empresa trabalham é um dos artefatos
mais importantes de uma cultura. Em um escritório, podem ser obser-
vados sua configuração (especialmente no que tange a distribuição das
estações de trabalho no ambiente, e o isolamento das estações entre
elas), que pode ser aberta ou fechada, assim como a estrutura e de-
coração dos espaços ocupados pela liderança (principalmente quando
comparados aos dos não-líderes), a existência - ou inexistência - de
portas, “secretários-xerife” e outras barreiras, físicas ou psicológicas,
de acesso à liderança.
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 15

Também são artefatos da cultura a forma com que as pessoas se vestem


na organização. Já percebeu como empresas podem ter diferenças sutis
na forma com que a vestimenta é reforçada pelos exemplos dos líderes?
Pense no efeito cultural que as calças jeans e mochilas dos novos
executivos que chegaram tiveram nas Lojas Americanas e na Brahma
quando as empresas foram adquiridas de seus acionistas anteriores?
Outro tipo importante de artefato, que vem ganhando relevância nas
últimas décadas, são as ferramentas de software usadas dentro de uma
organização. Redes sociais corporativas, salas de chat internas e fóruns
de discussão, entre outros tipos de ferramenta, impactam a forma
como as pessoas se comunicam, colaboram e se comportam, e têm
uma relação de mão dupla com a cultura: de um lado, uma influência
importante no que é aceito; de outro, sua escolha acaba sendo de certa
forma reflexo do que é aceito dentro da organização.

“Cultura” implícita e “cultura” explícita

Talvez o aspecto mais intrigante do conceito de cultura é


que ele nos aponta para fenômenos que estão debaixo da
superfície, que são poderosos em seus impactos, mas invi-
síveis e até certo ponto inconscientes… a cultura é para um
grupo o que a personalidade é para um indivíduo. Podemos
ver o comportamento dela resultante, mas muitas vezes
não conseguimos ver as forças escondidas que causam
certos tipos de comportamentos - Edgar Schein, professor
do MIT

Esta é uma citação muito interessante: quando discutimos cultura,


estamos discutindo coisas muitas vezes difíceis de se ver e de se
identificar, mas que mesmo assim possuem um impacto gigantesco
na forma com que as pessoas se comportam em um grupo. Como se
houvesse muita coisa debaixo d’água importante mas invisível, como
a base de um iceberg.
A cultura sem dúvida opera grande parte da sua magia nos bastidores
de uma empresa. Não podemos ver a cultura com nossos olhos, e
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 16

qualquer esforço de definir o termo é, em essência, uma abstração.


Cultura também não pode ser diretamente “lida”, “transmitida” nem
“influenciada”. O que podemos ver na “superfície” é a cultura explícita
da empresa, que é frequentemente confundida com a cultura “de fato”,
e que se faz ver por meio de artefatos observáveis, como códigos
de cultura, decalques nas paredes e livretos que são distribuídos a
colaboradores e colaboradoras.
Olhar as páginas de valores e cultura de algumas empresas conhecidas
do nosso dia a dia é um exercício interessante de conhecimento de cul-
turas explícitas, ilustrativo dessa questão e que pode nos surpreender:

• Um grande banco (talvez o maior) se diz uma “ditadura do


argumento”. Um lugar onde a substância vence a discussão, e
não a hierarquia, o poder ou o status na organização
• Uma grande empresa de alimentos que mostra trechos do seu
manual de ética, em que prega uma relação ética (leia-se correta)
com fornecedores, clientes e o governo;
• Uma grande construtora que tem como um dos seus valores a
integridade em todas as suas atividades.

Até aqui nenhuma novidade, certo? Parecem todos valores que vemos
por aí.
O interessante é que há sempre uma lacuna entre a cultura explícita,
dos artefatos, e a cultura implícita, real. O que muda ‘é o tamanho
dessas lacunas.
No nosso exemplo, o grande banco é uma das empresas mais burocrá-
ticas, formais e hierárquicas que pode existir. A empresa de alimentos
e a construtora, por outro lado, estão metidas até a raiz em operações
de delação premiada, acordos de leniência e escândalos de corrupção.
O que conseguimos deduzir disso? Há sempre duas “culturas” coexis-
tindo em uma empresa: a cultura implícita, real, as is, que é o produto
da interação de valores, histórias, exemplos, artefatos, etc., e a cultura
explícita, que é como a empresa e seus membros falam sobre como é
e/ou como deveria ser sua cultura:
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 17

A grande confusão que ocorre no tema é a confusão entre os conceitos


de cultura implícita, que é a cultura de fato, as is, e a cultura explícita,
que é basicamente composta por artefatos, e que é como a empresa e
seus membros falam sobre como é e/ou como deveria ser sua cultura.
A cultura explícita contém, invariavelmente, diferentes graus do que
deveria ser sua cultura.

Onde se observa a cultura explícita

Uma empresa fala sobre sua cultura de diversas formas e em diferentes


ocasiões. Vamos a alguns exemplos:

• Valores escritos na parede ou nos mais diversos produtos de


comunicação interna
• Manual do funcionário que fala sobre seus valores
• Seu CEO e executivos podem falar sobre os valores da empresa,
sobre “como fazemos as coisas aqui”, em reuniões, conferências
e off-sites

A existência de menções à cultura não significa, no entanto, que


estejam se referindo fielmente à cultura da empresa: pode haver um
descompasso às vezes enorme entre o que se fala e o que se vê.
O grau de sobreposição entre a cultura implícita e a cultura explícita de
uma organização é um fator muito importante para qualquer projeto
de reforço ou mudança cultural. Lacunas muito grandes talvez sejam
os casos mais frustrantes para todos que experimentam o dia a dia de
uma organização.
Acreditamos que a cultura explícita pode ser uma grande ajuda na
construção, reforço ou mudança de uma cultura implícita. Mas isso
não quer dizer, de maneira nenhuma, que são a mesma coisa. Nesse
livro, quando você ler “cultura”, pense em “cultura implícita”. Quando
formos nos referir a “cultura explícita”, seremos literais.
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 18

Rituais
Um tipo importante de input de uma cultura são os rituais desenvolvi-
dos pelo grupo. Rituais são eventos como reuniões periódicas, prêmios,
cafés da manhã com o presidente e outras coisas do tipo menos formais
(até o happy hour de quinta-feira pode ser considerado um ritual) e que
acabam por reforçar certos comportamentos do grupo.
No Google, por exemplo, por uns vinte anos aconteceram reuniões
semanais onde participavam todas as pessoas da empresa chamadas
TGIFs (sigla que quer dizer thank god it’s friday, do inglês), algo que
em outras empresas chama-se all-hands ou town hall. No Google, eram
feitos anúncios, discutidas prioridades, mas mais importante, funcioná-
rios podiam fazer perguntas diretamente à liderança da empresa, sem
aparente censura.
Reuniões como a TGIF são rituais poderosos, que no caso específico
do Google reforçavam a crença da liderança do Google (refletida em
alguns livros e entrevistas dadas por fundadores e executivos sêniores)
de que a transparência é importante para o sucesso da empresa à me-
dida em que todos têm acesso máximo possível à todas as informações
que não sejam estritamente confidenciais da empresa, pois, acreditam
(ou acredivatam) isso levaria o Googler ou a Googler médios a tomar
decisões melhores no trabalho.
Nossa definição acima, um *sistema que tem como entradas valores,
incentivos, artefatos, rituais, entre outros fatores, deliberados ou não,
e como saída, a forma com que as pessoas se comportam em uma
organização**, pode ser representada pelo diagrama abaixo:
Cultura organizacional: em busca de uma definição (prática) 19

A Formação da Cultura
Por que cultura importa?
Por que cultura importa? 21

Cultura e estratégia
Cultura pode ser pensada como um elemento da estratégia
empresarial. E como tal, uma arma furtiva. Seu retorno
sobre investimento resultante de fatores como lealdade
dos colaboradores e continuidade da organização, serviço
e experiência do cliente, ganhos de produtividade e uma
mentalidade colaborativa frente outros membros da em-
presa - pode ser impressionante. - James Heskett, em The
Culture Cycle

A cultura de uma empresa precisa estar alinhada à missão, à visão e à


estratégia de uma organização.

Estudo de Caso: Amazon

Jeff Bezos, fundador da Amazon, entende que três fatores são funda-
mentais no seu sucesso e, portanto, na definição da sua estratégia:

• O cliente sempre vai querer maior variedade de produtos


• O cliente sempre vai querer um prazo de entrega mais curto
• O cliente sempre vai querer pagar menos

Esse ponto de vista é derivado da crença de Bezos, desde a fundação


da empresa, de que a empresa precisa ter um foco absurdo no seu
cliente, e derivar todos os seus esforços, iniciativas e produtos do cliente
“para trás”. Esse valor está representado nos princípios de liderança da
empresa:

“Leaders start with the customer and work backwards.


They work vigorously to earn and keep customer trust.
Although leaders pay attention to competitors, they obsess
over customers.”
Por que cultura importa? 22

Assim, partindo do pressuposto que o cliente e suas necessidades são o


ponto de partida, todas as iniciativas estratégicas da Amazon (no seu
negócio de varejo online) acabam por estar relacionadas a um desses
três pilares: preço, prazo de entrega e variedade.

Artefatos

Para que a empresa possa sempre ter o menor preço, ela tem que
ser extremamente frugal em relação aos seus custos. Se não for, seu
negócio será insustentável. Por isso, até hoje a empresa é conhecida por
seus escritórios “espartanos” (quando comparados, obviamente, com
pares do mundo da tecnologia como Apple e Google), cartões de visita
bicolores e pela inexistência de sofisticados restaurantes grátis nos seus
escritórios (só são servidos água, café e chá).

Exemplos

Além de artefatos que reforçam a importância estratégica da frugali-


dade na cultura da Amazon, a empresa reforça histórias que servem de
exemplo para seus funcionários. São bastante conhecidas as referências
às mesas dos primeiros escritórios da empresa, que eram supostamente
feitas de portas compradas prontas e apoiadas em cavaletes. Histórias
como essa são contadas dentro e fora da empresa, e servem de exemplo
que reforça a cultura da empresa (e que, por sua vez, contribui com a
estratégia do negócio).
Por que cultura importa? 23

Cultura, crescimento e burocracia


O crescimento de uma empresa é um grande desafio: à medida em que o
tamanho do time cresce, fica impossível controlar a equipe de maneira
muito próxima sem que haja um custo enorme à sua performance em
forma de processos e políticas que levem à burocracia excessiva.
Nesse cenário, uma cultura forte pode ser a cola que mantêm uma
empresa em alto crescimento unida e coesa. Os valores da liderança
ficam intactos e são continuamente reforçados à medida em que a
equipe cresce e assim se garantem aspectos importantes como a forma
com que clientes e funcionários são tratados.

Estudo de Caso: Netflix

A Netflix entende que uma cultura forte é uma forma de manter a


agilidade e a performance da empresa a despeito do seu vertiginoso
crescimento.
Segundo a empresa, que discorre sobre o tema no seu código de cultura
intitulado Culture Code: Freedom and Responsibility, à medida em que
crescem muitas empresas veem sua densidade de talentos (profissionais
de alta performance e alto fit cultural) cair. Ao mesmo tempo, a
organização se torna mais complexa, com mais gente, mais produtos,
mais regiões, etc. Densidade de talentos decrescente e complexidade
crescente geram uma lacuna perigosa onde surgem erros e, como a
empresa diz, caos:
Por que cultura importa? 24

Cultura e Burocracia

Ainda segundo a empresa, muitas dessas empresas compensam a


densidade decrescente de talentos com políticas e procedimentos, de
modo que a organização se torna mais burocrática.
Com a burocracia e os processos a empresa se torna menos atraente
para os talentos, o que retroalimenta um círculo vicioso de queda de
performance, onde mais processos geram mais burocracia, que gera
menos densidade de talentos, que gera mais burocracia, e assim por
diante.
Ainda que produza resultados atraentes de curto-prazo, essa “buro-
cratização” da empresa torna-a vulnerável a mudanças de mercado e
ambiente competitivo, pois a organização se torna menos adaptável e
menos atraente para talentos inovadores e empreendedores.
Segundo a Netflix, a única forma de romper esse ciclo vicioso é por
meio de uma cultura forte, que direcione os comportamentos dos
colaboradores no lugar de políticas e procedimentos.
Por que cultura importa? 25

Cultura “boa” agrada a poucos


Jeff Bezos escreve grandes cartas aos seus acionistas. A primeira que
foi escrita, quando a Amazon fez seu IPO, é publicada até hoje nos
relatórios, pois serve como uma “constituição” que rege a relação da
empresa com seus investidores. É isso mesmo: todo ano a empresa
publica uma nova carta e abaixo a carta original do prospecto. Sempre
relemos as cartas, e a de 2015 nos chamou a atenção para o assunto
cultura. Principalmente sobre a relação entre cultura, resultados e
“felicidade”.
No relatório, que marca alguns importantes fatos da história da em-
presa (como o atendimento da marca de U$ 100 bilhões de faturamento,
mas também um ano em que a cultura empresarial da Amazon foi
intensamente discutida, no rastro de uma matéria publicada no New
York Times, em que muitos funcionários e ex-funcionários criticaram
a cultura às vezes excessivamente dura da empresa), Bezos discorre
sobre a cultura da Amazon:

A word about corporate cultures: for better or for worse,


they are enduring, stable, hard to change. They can be
a source of advantage or disadvantage. You can write
down your corporate culture, but when you do so, you’re
discovering it, uncovering it – not creating it. It is created
slowly over time by the people and by events – by the
stories of past success and failure that become a deep part
of the company lore. If it’s a distinctive culture, it will
fit certain people like a custom-made glove. The reason
cultures are so stable in time is because people self-select.
Someone energized by competitive zeal may select and be
happy in one culture, while someone who loves to pioneer
and invent may choose another. The world, thankfully, is
full of many high-performing, highly distinctive corporate
cultures. We never claim that our approach is the right one
– just that it’s ours – and over the last two decades, we’ve
Por que cultura importa? 26

collected a large group of like-minded people. Folks who


find our approach energizing and meaningful.

O que chama a atenção é o fato de Bezos não querer - de propósito -


agradar a gregos e troianos, mas sim criar uma cultura forte e peculiar
o suficiente para que poucas pessoas se sintam bem nela. Mas também
uma cultura em que as “poucas” que se sintam bem não pensem em
trabalhar em outro lugar.
Marcel Telles, um dos fundadores da AB InBev que conhecemos hoje e
grande influenciador da cultura da empresa (que presidiu por grande
parte da década de 90) pensa não por coincidência de maneira muito
parecida, como se pode ver em “entrevista” que deu a Roberto Setúbal
para a Época Negócios. Na oportunidade, Telles falava da comparação
que muitos fazem entre a cultura da cervejeira e a dos Marines,
soldados de elite da Marinha americana:

Não gosto muito de usar essa analogia, mas eu vejo assim


como uma espécie de formação de Marines. Não é todo
mundo que gosta daquilo, daquele nível de exercício, de
exigência, de quase dor. Mas quem gosta, gosta pra valer.
Tem um orgulho imenso e provavelmente não trabalharia
em outro lugar.

Por que não é coincidência? O que há de comum nas duas culturas,


da AB InBev e Amazon? Ambas são frequentemente criticadas pelos
funcionários que nelas não são bem-sucedidos. Ambas são empresas
extremamente bem-sucedidas (o que fica claro sob qualquer lente com
a qual se possa analisá-las). E em ambas as empresas, quem fica e se dá
bem na empresa gosta muito da sua cultura, e não pensa em trabalhar
em outro lugar. São culturas-culto (termo criado por Jim Collins em
Feitas para Durar para denotar culturas muito fortes e intensas) de alta-
performance.
Grifamos de alta-performance pois estamos em uma era de empresas
que falam muito, mas fazem pouco quando o assunto é cultura. Empre-
Por que cultura importa? 27

sas que têm negócios tão, mas tão bons, que qualquer “cultura” nelas
daria grandes resultados.
Também há muitos empresários que bradam o canto da cultura em-
presarial, mas em cujas empresas “cultura” não é muito mais do que
alguns valores insípidos e algum endomarketing mal feito.
É muito fácil bradar uma “cultura” forte com bicicletas elétricas, salas
de descompressão, e comida à vontade. Isso não é sinônimo de uma
cultura incrível, que traz resultados no longo-prazo, funcionários apai-
xonados e dedicados, e que não vão largar o emprego para a próxima
empresa que lhes oferecer pula-pulas e uma roda-gigante dentro do
prédio.
Jim Collins, um dos maiores gurus empresariais dos últimos anos,
e suspeitosamente tido como “o novo Peter Drucker”, defendeu as
culturas-culto, que parecem muito com o que aqui descrevemos:

Build a cult-like culture: Architects of visionary companies


don’t just trust in good intentions or ‘values statements;’
they build cult-like cultures around their core ideologies.
Walt Disney created an entire language to reinforce his
company’s ideology. Disneyland employees are “cast mem-
bers.” Customers are “guests.” Jobs are “parts” in a “per-
formance.” Disney required—as the company does to this
day—that all new employees go through a “Disney Traditi-
ons” orientation course, in which they learn the company’s
business is “to make people happy.

Apesar de sermos mais fãs de ouvir conselhos de quem vem das


trincheiras, não há como negar que Collins descreve de maneira
interessante a importância da cultura-culto. Ela serve a poucos, mas
a estes não há alternativa melhor.
Ela é alinhada com os objetivos estratégicos da empresa: no caso da
Disney, ou da Zappos, isso significa um serviço incrível ao cliente. No
caso da Amazon e AB InBev, tem mais a ver com comportamento de
dono e frugalidade.
Por que cultura importa? 28

Isso nos leva a uma última menção honrosa de cultura empresarial que
sem dúvida deve ser estudada por todo e qualquer empresário inte-
ressado em cultura: A Bridgewater Associates, firma de investimentos
baseada nos EUA e fundada por Ray Dalio.
A cultura da Bridgewater, articulada em um livro de mais de 100
páginas denominado de Principles, é talvez uma das mais intensas
e polêmicas de que se tem notícia. Na empresa, todas as reuniões
são gravadas em vídeo, e marcadas com os nomes dos participantes
e de pessoas que tenham sido mencionadas, para que todos possam
consultar tais vídeos no futuro. Tudo tem de ser dito ’na cara’, sem
rodeios - mas com todo o respeito - em busca das melhores ideias. A
cultura é tão intensa que 25% dos recém-contratados (que passam por
um processo seletivo árduo e que obviamente já faz um pente finíssimo)
deixam a empresa nos primeiros 18 meses de emprego. Mas quem fica,
você já pode imaginar: trabalha na empresa por anos e anos feliz. Nas
palavras de Dalio:
I think the most important thing for any group of people working
together is the culture. Culture is the values that that group of people
has and how they work together on a daily basis to live out those
values… That was the basis of the company’s success in the past, and
will be the basis of the company’s success in the future… At Bridgewater,
our most important value is transparency… Most people have a hard
time confronting their weaknesses in a really straightforward, evidence-
based way. They also have problems speaking frankly to others. Some
people love knowing about their weaknesses and mistakes and those
of others because it helps them be so much better, while others can’t
stand it. So we end up with a lot of people who leave quickly and a lot
of people who wouldn’t want to work anywhere else.
O que você pode aprender com tudo isso? Que sua cultura deve
desagradar a muitos, e agradar muito a poucos. Deve atrair ‘poucos
e bons’, que não troquem a empresa por nada. Devem ser cultos, não
no sentido de devoção irracional a uma causa, mas sim de devoção
racional a um modo de trabalho.
Como a cultura se forma
Não se cria cultura “do zero” de maneira deliberada a não ser que
você seja o fundador da sua empresa e comece a moldá-la a partir
do primeiro momento em que alguém começar a trabalhar com você.
Em todos os outros casos, alguma cultura se formará organicamente.
Portanto saiba você ou não, queira você ou não, sua empresa - muito
provavelmente - já tem uma cultura.
Como essa cultura “orgânica” se forma?
Nossa visão é que a cultura se forma a partir dos valores de pessoas
altamente influentes dentro do grupo. Geralmente, esse alguém é o
fundador da empresa e um grupo pequeno de outras pessoas que
estejam no seu círculo de influência.
À medida em que o fundador começa a imprimir seus valores no
grupo (valores estes que como vimos são crenças e padrões de com-
portamento) formam-se rituais, histórias e exemplos que começam a
dar forma para o comportamento dos seus membros. Assim, começa a
tomar forma a cultura de uma empresa.
Descobrindo sua cultura
Se partirmos do pressuposto de que qualquer empresa, sabendo ou não,
tem uma cultura, o primeiro passo para tomar as rédeas dela, ou seja,
influenciá-la de maneira consciente, é descobrir que tipo de cultura já
existe na organização. Chamamos isso de “descoberta de cultura”.
Descobrir a cultura de uma organização é descobrir a cultura implícita
dessa organização. Pouco importa, nesse esforço, a cultura explícita da
empresa, ou seja, como a empresa fala sobre sua cultura. Como já vimos
antes, há sempre uma lacuna entre a cultura implícita e a explícita,
portanto, o melhor aqui é entender qual é a cultura “de fato”.
Para falarmos de descoberta de cultura, o ponto de partida é buscar
suas premissas: as crenças da empresa, pelos seus líderes (no sentido de
membros que influenciam o pensamento do todo muito mais do que
no sentido hierárquico que às vezes a palavra toma), que dão susten-
tação a todos os outros elementos da cultura, como comportamentos,
princípios e processos.

Cultura e wishful thinking


Qualquer esforço de descoberta de uma cultura envolve geralmente
um componente de realidade (‘o que somos’) e um pouco de sonho
por parte daqueles que fazem parte do processo (‘o que queremos ser’).
Raramente essa descoberta é feita de maneira isenta a ponto de refletir
apenas o que já existe na organização.
Dado que haverá um componente de ‘o que queremos ser’ na desco-
berta da sua cultura, e que isso é inevitável, abrace o fato e se mantenha
consciente dessas lacunas. Eles serão o ponto de partida da energia que
terá de ser gasta com reforços de cultura mais à frente.
Descobrindo sua cultura 31

Descobrindo as premissas da sua cultura


Para articular sua cultura é importante entender alguns valores funda-
mentais da organização, como a forma que ela encara o ser humano, o
trabalho e o cliente.

Crenças e premissas em relação ao ser humano

Um ponto crucial de partida para que você possa descobrir a cultura


da sua empresa é achar as premissas básicas de como a empresa, sua
liderança e seus colaboradores encaram o ser humano.
Para falar disso, recorremos a um pensador seminal de gestão da década
de 60 chamado Douglas McGregor, que primeiro propôs duas formas de
enxergar como seres humanos se relacionam com o trabalho: as Teorias
X e Y, que vamos detalhar abaixo:
Teoria X
O ser humano médio:

• Inerentemente não gosta de trabalhar


• Evita trabalhar se puder
• Prefere receber ordens
• Evita a responsabilidade a qualquer custo
• Tem pouca ambição
• Quer segurança acima de tudo
• Portanto precisa ser coagido, controlado, dirigido e ameaçado
com punições ou atraído com recompensas para que se esforce
adequadamente

Teoria Y
O ser humano médio:

• Considera o trabalho algo tão natural quanto o lazer ou o


descanso
Descobrindo sua cultura 32

• Exercita a autogestão e o autocontrole quando está comprome-


tido com objetivos
• Age intrinsecamente motivado pelo seu ego e pela autorrealiza-
ção (em contraste com ameaças e punições externas)
• Sob as condições corretas aceita e busca responsabilidades
• Realiza apenas parte do seu – enorme – potencial

Essas premissas se traduzem de maneira clara nas práticas e políticas


das empresas. Em organizações onde o trabalho é dirigido via uma
rígida estrutura de comando e controle, por exemplo, vê-se uma crença
fundamental na Teoria X.
Em organizações onde a remuneração é em grande parte variável e
ligada diretamente ao atingimento de objetivos e resultados, também
[1]. Esses sinais devem ser usados para que você possa avaliar se sua
cultura tende mais para valores de Teoria X ou valores de Teoria Y.
É fundamental que a empresa e seus líderes entendam de que lado estão
nessas crenças fundamentais. A clareza de pensamento nesse caso é
fundamental. Como diz Warren Buffet, “Organize um show de rock ou
um ballet. Só não organize um show de rock e divulgue-o como sendo
um ballet.”

Crenças e premissas em relação ao mercado e à empresa

O passo seguinte é entender como a empresa se enxerga em relação ao


que faz bem, aos seus diferenciais competitivos, aos concorrentes e ao
mercado de maneira geral.
Certas empresas partem do pressuposto básico de que o cliente está no
centro de tudo o que fazem (como Zappos e Amazon, que têm uma
estratégia diametralmente oposta de negócios, mas que em essência
acreditam firmemente que o cliente está no centro de tudo o que
fazem). Outras empresas partem do pressuposto básico de que seus
funcionários estão no centro de tudo o que fazem. Certas empresas
se baseiam em inovação como competência core de negócio, e acre-
ditam que esse é o único caminho sustentável (Amazon, Google e
Descobrindo sua cultura 33

mais recentemente GE); outras empresas são muito mais orientadas a


eficiências operacionais em negócios tradicionais e conhecidos (Ambev
e KraftHeinz).
Essas premissas básicas de negócios são bastante importantes pois
devem ser coerentes e alinhadas com a cultura da empresa.
Descobrindo sua cultura 34

Enquetes
Outro exercício interessante para se descobrir a cultura de uma em-
presa é perguntar aos seus colaboradores quais comportamentos eles
entendem que representam e que não representam a cultura da em-
presa.
A ideia é que cada colaborador pense em casos práticos vividos no dia a
dia da empresa de atitudes eles pensam representarem a “nossa cultura”,
assim como casos práticos também vividos no dia a dia da empresa
de atitudes que eles acham que representem “nossa anti-cultura”, ou o
oposto da nossa cultura.
O ideal é que isso seja feito com alguma ferramenta anônima de coleta
de respostas, como Google Forms ou Survey Monkey. Com as respostas,
você deve fazer um esforço de aglutinação de atitudes recorrentes, e
ordenar os temas pela quantidade de ocorrências. Muito provavelmente
você verá um padrão interessante emergindo de coisas que o grupo
vê como sendo representativas e não representativas da cultura da
empresa.
Influenciando sua cultura
Premissas relacionadas a clientes, competidores, forne-
cedores, comunidades e o ambiente legal e regulatório
influenciam a estratégia de uma empresa e como ela a
executa… Para mudar a cultura nas suas raízes, essas
premissas têm de ser entendidas e alteradas. Isso toma
tempo. E em parte por isso, poucos conseguem concluir
essa tarefa da mudança cultural em seus mandatos na
função. Isso explica por que a maioria dos esforços de
mudança cultural focam em outros aspectos da cultura que
não essas premissas. - James Heskett, The Culture Cycle
Instead of trying to change culture significantly, it’s much
better to concentrate on changing the behaviors, because
they’re more tangible and measurable. Cultures don’t
change automatically, but they do tend to follow behavior
changes. - Jon Katzenbach
Organizations are complex systems with many ripple ef-
fects. Reworking fundamental practices will inevitably
lead to some new values and behaviors - Jay Lorsch

Agora que já desenvolvemos um entendimento bom sobre qual cultura


já existe na organização com ajuda do processo de descobrir a cultura,
podemos tomar passos conscientes na direção de influenciar sua dire-
ção.
O primeiro passo em qualquer esforço de influenciar a cultura de uma
organização é definir qual a cultura desejada, que servirá de norte para
o esforço de mudança. Esse norte deve levar em conta aspectos como:

• Setor de atuação: que tipos de cultura são compatíveis com


nosso setor de atuação (fator esse que pode ter diversos desdo-
Influenciando sua cultura 36

bramentos, por exemplo, na demografia dos colaboradores da


organização)
• Estratégia competitiva: como vimos, sua cultura tem de dar
sustentação para sua estratégia
• Missão: a cultura também tem que ser coerente com a missão ou
propósito de existir
• Atração e retenção de talentos: nessa mistura de setor x estraté-
gia competitiva x missão, quais aspectos culturais maximizam
as chances de a organização atrair e reter talentos de primeiro
calibre.

Esforços de influenciar a cultura de uma organização são de dois


grandes tipos:

• Reforço cultural
• Mudança cultural

Para nossa discussão, vamos partir do pressuposto de que a cultura


explícita da empresa (ou seja, “como falamos sobre o que somos”) é a
cultura desejada por ela em um esforço de reforço ou mudança cultural.
Claro que há casos em que a cultura explícita e a cultura desejada
possam ser diferentes, pois nem sempre a uníssono em relação ao que
somos, o que achamos que somos, e o que queremos ser:
Influenciando sua cultura 37

A lacuna entre as culturas explícita e implícita

Qualquer esforço de mudança ou reforço cultura, portanto, precisa


começar com a unificação da cultura explícita e da cultura desejada
(ou “nova cultura”) da organização:
Influenciando sua cultura 38

Fechando a lacuna

Esforços de reforço cultural devem ser praticamente constantes em


uma organização, pois como vimos anteriormente, sempre há alguma
lacuna entre a cultura implícita (“o que somos”) e a cultura explícita
(“como falamos sobre o que somos”) de um grupo.
Mudanças culturais geralmente são um pouco mais trabalhosas e pon-
tuais: as lacunas a serem fechadas costumam ser maiores, e derivadas
de gatilhos como reposicionamentos estratégicos e fusões e aquisições.
O primeiro passo em qualquer processo de mudança ou reforço cultural
é articular, em palavras, o que é a cultura da organização.
Influenciando sua cultura 39

Articulando sua cultura

“A company’s values are the core of its culture. While a vision arti-
culates a company’s purpose, values offer a set of guidelines on the
behaviors and mindsets needed to achieve that vision.” – John Coleman
A maioria das organizações articula sua cultura com uso de um
conjunto de artefatos bastante simples: sua missão e seus valores. Mas
articular a cultura da empresa pode ir muito além de um conjunto de
missão e valores para serem estampados na parede do escritório.
Sob influência das empresas do Vale do Silício, muitas organizações
estão começando a criar códigos de cultura, que são materiais muitas
vezes gráficos e em tom de manifesto que traduzem a cultura da
empresa de maneira muito mais palpável para seus colaboradores.
Alguns dos casos mais conhecidos que podem - e devem - servir de
inspiração são, nos EUA:

• Netflix Culture: Freedom & Responsibility


• Amazon’s Leadership Principles
• Facebook’s Little Red Book
• The Little Book of Ideo
• Asana’s Culture Code

E no Brasil:

• Culture Code @Rock Content


• Culture Code RD

Pode parecer simples escrever um documento como esse, mas na nossa


experiência dar mais clareza à cultura e ir além de valores “genéricos”
é um esforço extremamente difícil. Nós da Qulture.Rocks estamos num
processo constante de formulação e reformulação do nosso código de
cultura desde nossa fundação.
Influenciando sua cultura 40

O Manual do Q.Player: o código de cultura da Qulture.Rocks

O Manual do Q.Player é o código de cultura da Qulture.Rocks. Pensa-


mos em contar um pouco como ele está estruturado para que sirva de
inspiração para vocês leitores. Ele é organizado da seguinte maneira:

• Introdução: conta a história da Qulture.Rocks;


• Nosso propósito: explica a nossa missão, que é “levar crescimento
a pessoas e empresas por meio de reconhecimento, alinhamento
e desenvolvimento no ambiente de trabalho”;
• Nosso sonho: explica a visão da Qulture.Rocks, que é “ser uma
empresa incrivelmente desejada por clientes e colaboradores -
atuais e futuros”;
• Nossa estratégia e produtos, que são baseados em quatro pila-
res: a Qulture.Rocks (nosso maior produto é nossa empresa: se
criarmos uma empresa incrível vamos atrair, reter e desenvolver
grandes talentos que tomarão conta do resto), nosso crescimento,
o sucesso dos nossos clientes e nossos produtos;
• Nossos princípios de trabalho, que são derivados do que acre-
ditamos serem valores fundamentais para o nosso sucesso: eat
your own cooking, grow and make grow, think and communicate
clearly, energize the company e be customer obssessed.

Vale ressaltar que os princípios de trabalho são esmiuçados em muito


mais detalhe. O princípio “*eat your own cooking”, por exemplo, é
explicado da seguinte maneira:
Nosso produto é o veículo para cumprirmos a nossa missão - a forma
mais escalável de impactarmos o máximo de seres humanos e organiza-
ções no mundo. Se todos contribuirmos para o desenvolvimento do nosso
produto a partir das nossas experiências com ele (e com as práticas por
trás dele), teremos um produto muito melhor. Esse é um privilégio que
temos, de que precisamos aproveitar.
Além disso, oferecemos comportamentos ilustrativos que permitem às
nossas colaboradoras nortearem seu dia a dia:
Influenciando sua cultura 41

• Usa nossos produtos sempre


• Gera ideias de como podemos melhorar nossos produtos e servi-
ços, seja lá qual for sua ocupação na Qulture.Rocks, em função
da reflexão sobre suas experiências do dia a dia
• Incentiva o uso do nosso produto por todos ao seu redor
• Se esforça para sentir em primeira pessoa as dores dos nossos
clientes
• Pratica o que pregamos
• Reflete sobre por que usa e por que não usa nossos produtos
• Busca expectativas claras em relação ao seu desempenho
Influenciando sua cultura 42

Mecanismos: As alavancas da cultura


Como vimos nas páginas anteriores, cultura é o sistema que envolve
a interação entre valores, artefatos, incentivos, exemplos, rituais e
histórias e que produz comportamentos:

A Formação da Cultura

Nosso ponto com esse diagrama é mostrar que cultura é uma abstração
que usamos para indicar uma série de fatores que afetam a vida de
uma organização, e cujo produto, ou seja, consequência, chamamos de
Influenciando sua cultura 43

cultura.
Se cultura é um produto, ou seja, um lagging indicator, ela não pode
ser administrada diretamente. Para que possamos influenciar a cultura,
temos que agir no que está sob nosso controle. O que está sob nosso
controle são os artefatos, incentivos, exemplos, rituais e histórias de
uma organização.

Mecanismos
Vamos chamar de mecanismos as intervenções deliberadas de uma
organização com o objetivo de influenciar os artefatos, incentivos,
exemplos, rituais e histórias de uma organização com o objetivo de
reforçar ou mudar comportamentos, e consequentemente, a cultura da
organização.
Para ilustrar alguns exemplos de mecanismos usados por empresas
que têm culturas fortes e que são muito bem-sucedidas nas suas
áreas de atuação, vamos apresentar nas próximas páginas uma série
de estudos de caso de empresas como Amazon, Southwest Airlines,
Disney, Google e Facebook.

Estudos de Caso

Amazon

Mecanismo: Prêmio “Just do It” apresentado em reuniões all-hands.


Objetivo: Reforçar os valores da empresa relacionados a agilidade e
julgamento.
“Valores” sendo reforçados: Bias to Action, Are Right, A Lot e Invent
and Simplify.
Alavancas: Artefatos (troféu, que é um tênis Nike usado), incentivos
(reconhecimento e status derivados do mecanismo) e histórias (histó-
rias de quem ganhou o prêmio, que são passadas de boca a boca pelos
funcionários, servindo também de exemplos).
Influenciando sua cultura 44

Uma das mais cobiçadas honrarias entre os funcionários da Amazon


é um par de tênis Nike velhos, fedorentos e usualmente tendo sido
usados por algum jogador de basquete (assim eles são ainda maiores
e mais proeminentes quando ficam à vista na mesa de alguém). Esse
é o “troféu” de um prêmio bimestral que a empresa distribui a um
funcionário que tenha mostrado um grande empenho em fazer algo
sem pedir permissão a ninguém e que reforce a estratégia, cultura e
negócio da empresa.
Um caso prático que virou uma história dentro da empresa é o de uma
colaboradora de um centro de distribuição da empresa em Kentucky,
estado americano, que tomou uma atitude importante e alinhada com
o valor “frugalidade” da empresa, que discutimos no capítulo sobre
Cultura e Estratégia.
Cada centro de distribuição da Amazon (onde as mercadorias são
agrupadas em pedidos dos clientes e alocadas aos parceiros de logística,
que fazem a entrega) tem algumas máquinas de venda de refrigerantes
e petiscos onde os colaboradores podem comprar algo para comer
e beber nos seus intervalos de trabalho. Uma das funcionárias de
um desses centros percebeu que a máquina da Coca-Cola em que
ela sempre fazia suas compras tinha uma lâmpada que iluminava
permanentemente a frente da máquina, iluminando o logotipo da
marca de refrigerantes. Ela então teve a ideia de abrir a máquina e
desligar a lâmpada fluorescente, soltando um pouco sua rosca, pois
entendeu que não havia necessidade nenhuma de a máquina ficar
iluminada. Assim, pensou ela, a Amazon poderia economizar algum
dinheiro com energia, o que poderia se traduzir em custos mais baixos,
e consequentemente, preços mais baixos nas suas mercadorias.
A colaboradora ganhou um prêmio “Just do It” pelo seu julgamento e
ação em relação à sua iniciativa, que apesar de ter tido um impacto
pequeno na empresa, mostrou alto alinhamento cultural, julgamento
na decisão (pois era algo de boa relação risco-retorno) e viés para ação
ao tomar a iniciativa e executar sua ideia.
A força do mecanismo na geração de histórias que servem de exemplo
para outros colaboradores da Amazon é evidente: nós aqui no Brasil,
Influenciando sua cultura 45

em um e-book sobre cultura, estamos passando-a adiante.

Disney

Mecanismo: Guias de conduta dos profissionais dos parques da Disney,


que são reforçadas com a) um programa de coaching e feedback para
os profissionais, b) um programa de premiações baseadas nas guias de
conduta e c) cursos na Universidade Disney sobre a cultura da empresa,
seus valores e as guias de conduta.
Objetivo: Reforçar os comportamentos corretos nos profissionais dos
parques, que têm contato direto com os clientes (lá chamados de
“hóspedes”).
“Valores” sendo reforçados: Segurança, Cortesia, Show e Eficiência.
Alavancas: Artefatos (guias de conduta, broches de premiação), incen-
tivos (reconhecimento baseado nas guias) e rituais (coaching quinzenal
baseado nas guias e cerimônia de premiação/transmissão dos broches).
Walt Disney, fundador da Disney e idealizador dos seus parques e
principais personagens, era muito preocupado com a cultura da sua
empresa e com a experiência que queria transmitir aos seus “hóspedes”.
Essa sua preocupação enorme com a cultura da Disney fez a empresa
talvez uma das maiores fontes de inspiração para outras empresas que
queiram estabelecer mecanismos de reforço cultural eficazes.
Walt era extremamente preocupado em liderar pelo exemplo, portanto
era conhecido por praticar aquilo que pregava como cultura em seu
trabalho diário. Um grande exemplo disso era sua prática de andar
pelo parque recolhendo qualquer tipo de lixo que visse fora do lugar,
uma prática que era rapidamente assimilada pelos membros do “elenco”
dos parques. Walt também costumava andar pelos parques vestido de
roupas velhas de modo que ninguém percebesse quem era, para auditar
a qualidade do serviço e a presença dos membros do “elenco” “no
palco”.
Se você está se perguntando o porquê de eu estar chamando os
clientes da Disney de “hóspedes” e os colaboradores de “elenco”, vai
Influenciando sua cultura 46

a resposta: esse é mais um dos mecanismos idealizados por Walt


Disney, desenhado para reforçar os comportamentos e valores corretos
nos colaboradores. Ao chamar os clientes de “hóspedes”, Walt queria
reforçar a ideia de que eles deviam ser tratados como tais por um
“elenco” de artistas que estariam ali, em seu trabalho, para fazer um
“show”.
As guias de conduta foram uma criação de Van France e Dick Nunis,
executivos que estiveram presentes na equipe fundadora da Disney-
land, primeiro parque da empresa em Anaheim, na Califórnia. A ideia
era reforçar no “elenco” as orientações da Disney, que foram chamadas
de “Tradições”, que deveriam ajudar a empresa a atingir sua missão, de
“Criar Felicidade” nos “hóspedes”. As guias, que devem ser garantidas
por todos os membros do “elenco” nessa ordem de prioridade, são:

• Segurança (safety)
• Cordialidade (courtesy)
• Show (show)
• Eficiência (efficiency)

Posteriormente, a Disney desdobrou comportamentos específicos que


suportam os quatro comportamentos-chave. Para Segurança, por exem-
plo, os comportamentos (e sub-comportamentos, no caso do primeiro
comportamento), são:

1. Eu pratico (I practice) comportamentos seguros em tudo o que


faço
• Conheça e siga todas as políticas e procedimentos de
segurança
• Entregue Cordialidade, Show e Eficiência com segurança
• Esteja ligado (be aware) no seu entorno e nos perigos que
possam aparecer
2. Eu tomo ações (I take action) para sempre pôr a segurança em
primeiro lugar
Influenciando sua cultura 47

3. Eu tomo posição (I speak up) para garantir a segurança dos


outros

Essas guias de conduta, ou comportamentos-chave, são aplicados no


dia a dia do “elenco” de duas formas principais: Feedbacks estruturados
(coaching) e um programa de reconhecimento entre pares.
Os feedbacks estruturados são dados a todos os funcionários dos
parques a cada duas semanas. Cada equipe (a equipe de um brinquedo,
por exemplo), tem um coach designado, que acompanha os membros
do elenco cumprindo uma agenda pré-definida de shadowing. Ao final
do período, de meia a uma hora, o membro do “elenco” recebe um
feedback estruturado sobre seus comportamentos em relação a cada
uma das guias, e sugestões de como podem melhorar nelas.
Semestralmente, elege-se um membro do “elenco” para carregar um
broche de metal (a Disney é conhecida pelos broches) como premiação
por um comportamento do membro do “elenco” em que ele tenha ido
acima e além do esperado para garantir a guia. Os broches são passados
de membro a membro em uma cerimônia bastante cobiçada, e o
membro do elenco que está transmitindo o broche participa ativamente
da escolha do seu novo “embaixador”, que o carregará por seis meses.
O número de broches, naturalmente, é finito, e ninguém o carrega para
sempre.

GE

Mecanismo: Novo programa de gestão do desenvolvimento dos cola-


boradores baseado em um aplicativo móvel onde todos podem trocar
insights (feedbacks) a qualquer momento, sem que isso tenha impacto
direto na remuneração dos colaboradores.
Objetivo: Mudar a cultura da empresa, tornando-a mais ágil, mais
transparente e mais alinhada com a nova estratégia da empresa de focar
em linhas de negócio de alta tecnologia e alto valo agregado (como
turbinas de avião e equipamentos médicos de imagem).
Influenciando sua cultura 48

“Valores” sendo reforçados: Stay Lean to Go Fast, Learn and Adapt to


Win, Empower and Inspire Each Other.
Alavancas: Artefatos (aplicativo móvel, novas “crenças”) e incentivos
(reconhecimento baseado nos novos valores).
Nos últimos anos, uma série de empresas veem mudando significati-
vamente a forma com que fazem a gestão de performance dos seus
funcionários. São famosos os casos da Adobe, Juniper Networks, e
W.L. Gore, empresas que já há alguns anos aboliram as avaliações
de performance anuais como pedra fundamental, adotando iterações
variadas de sistemas de gestão de performance mais fluidos e ágeis,
com maior ênfase no desenvolvimento dos funcionários, e por outro
lado menor ênfase no processo per se, no ranking, e na curva forçada.
Na GE, essa “jornada”, como a própria empresa descreve o processo
de mudança nas suas práticas de gestão de performance, começou há
alguns anos, e foi tocada de maneira ágil e iterativa, sob consultoria de
Eric Ries, autor de The Lean Startup. O projeto foi implementado em
sprints, começando com testes de abrangência extremamente limitada,
após os quais eram colhidos feedbacks, e feitas alterações no “produto”,
até que se chegou a um modelo mais “final”.

Pano de fundo

Até o início dessa “jornada”, a GE praticava uma versão muito parecida


com o processo de avaliação de performance criado em 1976, e chamado
de EMS (Employee Management System). O EMS basicamente consiste
do processo padrão de avaliação de desempenho praticado em grande
parte das Fortune 500: contratavam-se metas logo após o fim da avali-
ação do ano anterior. Essas metas eram revisadas uma vez durante o
ano de trabalho, que termina com uma avaliação de performance anual,
que acontecia entre dezembro e fevereiro (e às vezes se prolongava até
o fim de março).
O modelo atendia muito bem à gestão de Jack Welch, que reestruturou
a empresa através de uma cultura agressiva, de intensa meritocracia,
corte de custos, e ganhos de eficiência operacional (estratégia muito
Influenciando sua cultura 49

similar à adotada pelos empresários Brasileiros de que já falamos Jorge


Paulo Lemann, Marcel Telles, e Beto Sicupira, em suas incursões pelo
negócio cervejeiro (Ambev e AB Inbev) e alimentício (Burger King e
Kraft Heinz). O modelo, no entanto, não atendia mais a nova realidade
de negócios da GE, num mundo de inovação rápida, criatividade,
trabalho facilitado por tecnologia, e uma força de trabalho formada
em sua maioria (mais de 50%) por millennials, ou a geração digital, que
cresceu usando computadores e celulares. Para essa nova realidade, a
empresa precisava de uma prática de gestão de performance mais ágil,
mais participativa, e mais focada no desenvolvimento dos funcionários,
e não de controle e ganho de eficiência.

A jornada

No começo, o time responsável por estudar e implementar a “jornada”


se reuniu com diversas empresas que já tinham conduzido processos
de mudança parecidos, como Adobe, Microsoft, e Juniper, além de ins-
titutos de pesquisa como o Neuroleadership Insitute e a Universidade
de Akron. Após coletadas hipóteses de como o programa poderia fun-
cionar, iniciaram um intenso processo de pesquisa com funcionários,
gestores, e executivos da GE, tentando entender o que estes esperavam
do processo e não gostavam do EMS. Nesse momento, algumas das
necessidades identificadas foram a de tornar o processo mais fluido,
ao invés de uma força-tarefa anual e rígida; de tornar o processo
mais simples, dependente de menos ferramentas, e de menos inputs;
de aumentar o escopo dos feedbacks, já bem arraigados na GE, para
incluir o feedback entre pares e upward (de liderado para líder); além
de, por fim, ser dada maior ênfase ao futuro e ao desenvolvimento do
funcionário, diferentemente do processo anterior, focado no passado.
Foram então estabelecidos uma série de princípios, que deveriam
nortear a nova forma de se fazer performance management na GE, e
que incluíam, entre outras coisas:

• Continuidade do sistema de meritocracia na GE, que sempre foi


muito forte, e deveria ser mantido
Influenciando sua cultura 50

• Diálogo contínuo entre gestor e funcionário, com responsabili-


dades divididas entre os dois do
• Foco no desenvolvimento do funcionário;
• Simplicidade, por meio de poucas regras, e simples, e a confiança
no bom senso dos gestores e funcionários quanto às especifi-
cidades do processo (por exemplo, gestor e funcionário ficam
livres para decidirem a frequência e a mídia em que fazem suas
interações);
• Uso de tecnologia como facilitadora do processo;
• Melhoria contínua, ou a aceitação de que o processo nunca será
“final” e nem “perfeito”.

Resultados

As mudanças no processo de gestão de desempenho da GE foram


profundas. Em primeiro lugar, foram instituídas avaliações menores e
mais frequentes, em modelo 360-graus, que podem ser feitas a qualquer
hora do dia e da noite com um aplicativo móvel chamado PD@GE
(People Development at GE). Como se pode observar, o programa
também passou a se chamar “Performance Development”, ao invés
de “Performance Review”, o que deixa ainda mais clara a intenção da
empresa de mudar a conotação e o propósito das práticas, em favor do
desenvolvimento.
A GE também passou a incentivar formalmente uma cadência curta
de reuniões one-on-ones entre gestor e funcionário, chamadas de
touchpoints. Nessas reuniões, discutem-se performance, metas, e são
dados feedbacks (apesar de, como se verá abaixo, esses termos não
serem mais usados de propósito).
Ao incentivarem a conversa mais frequente e direcionada, o time da GE
observou que o tempo que se consome com a avaliação final anual, que
foi mantida numa forma reduzida, caiu significativamente (tomando,
na média, metade do tempo para ser concluído pelos gestores).
Outra parte importante do projeto foi ensinar os funcionários da GE,
ou seja, quem usa as ferramentas e processos no seu dia a dia, a
Influenciando sua cultura 51

darem insights mais construtivos e com mais consideração pelo outro,


e também a definir melhor suas prioridades de trabalho. Por fim, a
GE tomou bastante cuidado para deixar bastante claro a todos os
participantes que essa “jornada” de mudanças estava intimamente
conectada aos valores da GE (GE Beliefs). Isso foi feito através de aulas
presenciais, remotas e conteúdo por escrito.
A implementação das novas práticas, após o período inicial de pla-
nejamento e investigação, foi feito em partes: primeiro, foram imple-
mentadas num grupo de 5 mil funcionários presentes em diversos
países e culturas diferentes. Provado o conceito de que o novo formato
funcionava em diversas culturas, partiram para a implementação em
25 mil pessoas. Hoje, todos os mais de 160 mil funcionários da GE já
estão em contato com o novo formato de Performance Development.
Á área de gente da GE continua monitorando os resultados dessa
iniciativa em todos os coortes de implementação, para que seja possível
provar a sua eficácia ao longo dos anos.

Vocabulário

Segundo Janice Semper, uma das mudanças de maior impacto do


processo foi a mudança semântica de como a empresa passou a chamar
alguns clichês da gestão de performance, como metas, feedback, e
reunião one-on-one. Apesar de parecer um detalhe pouco importante,
Semper observa que o impacto foi surpreendente, e liberou as pessoas
para interagirem melhor com esses aspectos.
Feedbacks viraram insights
Segundo Janice, insights são um termo menos invasivo, e mais positivo,
que feedback, palavra que segundo ela gera “frio na barriga” só de
ser escutada (concordamos plenamente!). Além disso, o objetivo de
um feedback não deixa de ser a geração de um insight de melhoria,
portanto ficou mais claro.
One-on-Ones viraram touchpoints
Influenciando sua cultura 52

O touchpoint (ponto de contato) dá mais idéia de continuidade, e de


fluidez, indicando que deve ser algo frequente e periódico, a ser feito
entre gestor e funcionário.
Metas viraram prioridades
Metas, segundo Janice, também carregam uma série de estigmas. As
pessoas não se sentem confortáveis em mudar suas metas, caso a
realidade à volta delas mude, enquanto o conceito de prioridade deu
mais flexibilidade às pessoas para que mudassem seu foco de acordo
com mudanças no mercado, clientes, e na empresa, algo mais adaptado
às necessidades ágeis da empresa.
Performance, ou entrega, virou impacto
Dando mais senso de pertencimento e de contribuição para o todo, ou
“fazer a diferença”.

Southwest Airlines

Mecanismo: Tipo de entrevista de seleção de pilotos que “filtra” os


candidatos com base em sua reação a um estímulo do entrevistador
que testa seu fit com a cultura de alegria e diversão da empresa.
Objetivo: Filtrar candidatos que tenham fit com um valor fundamental
da empresa relacionado a diversão e alegria no trabalho.
“Valores” sendo reforçados: Fun-LUVing Attitude.
Alavancas: Rituais (entrevista com a oferta dos “brown shorts”).
A Southwest Airlines é talvez uma das únicas companhias aéreas
do mundo que pode se ganhar de ter um histórico de décadas de
lucratividade e boa performance do preço da sua ação. É também uma
empresa muito conhecida pela sua cultura e pela sua crença extrema
no excelente serviço ao seu cliente com bom humor e criatividade. É
comum ouvir histórias como a de um piloto da empresa que deixou
meio para fora do bolso da sua mala de cockpit (a mala que o piloto
carrega consigo para o avião), apenas o suficiente para que o título
Influenciando sua cultura 53

ficasse visível, um livro intitulado “Como Pilotar um Avião (Para


Principiantes)”.
Na Southwest, contratar colaboradores que tenham fit com a cultura
da empresa é fundamental para que esse bastião de serviço, humor e
criatividade se perpetue. Por isso, há alguns anos, os entrevistadores
de pilotos da companhia costumavam fazer um teste muito simples
quando conduziam entrevistas coletivas com alguns candidatos, que
servia como tira teima se o candidato tinha ou não tinha fit com a
cultura de diversão da empresa.
Assim que todos os candidatos tomavam seus lugares na sala, o
condutor da entrevista, da Southwest, oferecia:
“Bem-vindos! E obrigado por virem à Southwest Airlines. Queremos que
vocês se sintam confortáveis hoje aqui, então alguém quer trocar suas
calças de terno por esses shorts aqui?”
Assim, pegava alguns shorts de um armário, e oferecia para os candi-
datos - necessariamente - engravatados.
Claro que a grande maioria dos candidatos recusava gentilmente a
oferta, por não entenderem muito bem a coisa. Alguns poucos, no
entanto, aceitavam a oferta, e participavam da entrevista vestindo suas
camisas, gravatas e shorts, num sinal de que conseguiam improvisar,
rir de si mesmos e fazer algo fora do script. Nem preciso dizer que esses
eram os candidatos que passavam para a próxima fase do processo.
Como Herb Kelleher, seu ex-Chairman, dizia, “Se você não tem uma
grande atitude, nós não te queremos”.

Apple

Mecanismo: Novo “campus” da empresa, onde ficará sua sede princi-


pal, em Cupertino, na Califórnia, abrigando 12 mil colaboradores
Objetivo: Reforçar, “por 100 anos”, os valores de atenção aos detalhes,
obsessão pelo produto, excelência e colaboração do fundador da em-
presa, Steve Jobs
Influenciando sua cultura 54

“Valores” sendo reforçados: A Apple não divulga oficialmente seus


valores.
Alavancas: Rituais (novo “campus” permitirá que a empresa coloque,
em um mesmo lugar, 4 mil colaboradores para suas all-hands; times
são alocados em “pods” multifuncionais; há apenas um restaurante no
“campus”, para incentivar as pessoas a se encontrarem casualmente
e trocarem ideias no dia a dia), Exemplos (todos os acabamentos do
novo “campus” são customizados e passaram por extensas rodadas
de prototipação e testes, sendo em muitos casos forjados com os
mesmos materiais dos seus produtos; as árvores que compõe o miolo do
“círculo”, foram pesquisadas extensivamente pela sua durabilidade sem
água, para o caso de uma crise climática, o que mostra a preocupação
de longuíssimo prazo da empresa), Histórias (todas que serão contadas
sobre a mega construção).
Quando estávamos terminando esse livro, nos deparamos com uma
matéria muito interessante sobre o novo “campus” da Apple, batizado
de Apple Park.
Os números são incríveis: a empresa teria investido em torno de U$
5 bilhões na sua construção, que tem tempo estimado de 8 anos (a
inauguração está prevista para 2017).
Mas por que gastar tanto dinheiro com uma sede? Segundo Tim Cook,
CEO da Apple, o “campus”, como costumam ser chamadas as sedes
suburbanas das grandes empresas de tecnologia do Vale do Silício, tem
como objetivo reforçar os valores do fundador da empresa, Steve Jobs,
que foi responsável pela sua concepção e principais decisões, por “100
anos”.
Quem leu alguma bibliografia de Jobs entende sua atenção aos detalhes,
perfeccionismo e busca incansável pela beleza estética e funcionalidade.
Segundo Jonathan Ive, designer-chefe da empresa, o Apple Park é o
maior produto da história da Apple, e vai lembrar seus colaborado-
res constantemente sobre o que foi decisivo no sucesso da empresa.
Quando questionado se poderia ter feito algo mais simples, mais barato,
Cook, CEO da empresa, diz “poderíamos ter cortado caminho? Claro.
Influenciando sua cultura 55

Mas não teria sido algo que a Apple faz. E não teria mandado a
mensagem a todos que trabalharem aqui todos os dias de que os
detalhes importam, de que a preocupação importa”. O Apple Park,
ainda segundo ele, é “o presente de Steve”.
Faz todo o sentido. Para uma empresa que tem mais de U$ 750 bilhões
de valor de mercado, e um caixa maior do que o PIB de diversos países,
o novo “campus” é uma forma provavelmente muito eficaz, ainda que
de eficiência e custo duvidáveis, para perpetuar a cultura da empresa
e os valores do seu fundador, que faleceu em outubro de 2011, e cujo
maior desafio, sem dúvida, é mostrar que sobreviverá sem sua forte
presença.
Últimos pensamentos
Chegamos ao fim do nosso livro.
Nele, partimos da definição de cultura, discutimos como culturas se
formam, como há geralmente um gap entre a cultura que se formou
(cultura implícita) e como falamos e nos referimos a essa cultura
(cultura explícita). Passamos brevemente pelo tema de porque cultura
é importante em uma empresa (tanto sob o aspecto do alinhamento
entre cultura e estratégia quando sob o aspecto da cultura como “cola”
que mantêm uma organização em alto crescimento unida). Depois,
inserimos uma nova variável nessa conversa: a cultura desejada, que
nasce quando queremos mover a cultura implícita para um novo
destino. Falamos de influenciar a cultura de uma organização, em
esforços de reforço cultural (quando o gap entre a cultura atual e a
desejada é menor) e em esforços de mudança cultural (quando o gap
é maior). Por fim, aprendemos o que são mecanismos de cultura -
os processos e práticas que reforçam histórias, incentivos, artefatos,
exemplos e rituais - e como eles são usados em algumas empresas como
Disney, Amazon, Southwest Airlines e GE.
Foi uma grande jornada. Esperamos que você esteja mais inspirada, mo-
tivada e capacitada para tomar as rédeas da cultura da sua organização
com mecanismos práticos. Se precisar de ajuda, nós da Qulture.Rocks
adoraríamos ajudar. É só mandar um e-mail para kiko@qulture.rocks¹
que teremos muito prazer em conversar sobre o assunto.
¹mailto:kiko@qulture.rocks
Bibliografia
Arthur, W. Brian. The Nature of Technology: What It Is and How It
Evolves. Free Press. Kindle Edition.
Carver, R. (2016). What we talk about when we talk about love. London:
Vintage Digital.
Williams, R. (2017). Keywords: A vocabulary of culture and society.
New York, NY: Oxford University Press.

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