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Sobre a evolução de Sociedade de Esquina

WHYTE, W. F. In: Sociedade de esquina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. Anexo A:
Sobre a evolução de Sociedade de Esquina. 283 – 315 p.

Alanys Silva Noleto1

Neste anexo, William Foote Whyte demonstra sua visão sobre como produziu seu estudo de
uma comunidade pobre e degradada ítalo-americana a qual chama de Cornerville, que se situa
em North East, em Boston. Os estágios que seguiram seu estudo começam, desde o seu
impulso pessoal em buscar conhecer uma realidade diferente da sua, até a escolha de
Cornerville para ser alvo de sua pesquisa de campo, o planejamento de como será feita a
pesquisa, os esforços que acompanharam a sua ousadia de tentar se integrar na comunidade, o
encontro com Doc - companheiro que possibilitou o andamento do seu estudo -, além de
buscar aprofundar-se sobre como funciona a política na comunidade.

Antes de pensar em escrever algo tão real sobre uma comunidade, White já almejava ser
escritor. Ele escrevia contos, romances e peças que ele mesmo criava a partir de sua
imaginação, com o tempo ele viu-se insatisfeito com o resultado de suas obras, pois não
alcançava o objetivo que almejava e colocou que a sua limitação criativa devia-se ao fato de
sua vida ser relativamente monótona em razão de suas relações sociais e familiares. Assim,
ele buscou “aventuras” conhecendo realidades e meios sociais diferentes e opostos ao qual foi
educado e pertencido. Sendo um rapaz de classe média alta, que desfrutava de consideráveis
privilégios sociais e econômicos, ao deparar-se com uma realidade totalmente diferente da
sua, viu-se confrontado ao ponto de sentir-se constrangido por não conseguir conceber como
entender aquelas pessoas e, alimentado por um anseio de reforma social, queria poder ajudá-
las e tirá-las da situação aviltante a qual se encontravam. Em Harvard, participou ativamente
de organizações estudantis que buscavam uma reforma social no campus e nenhuma alcançou
o resultado que estimava. Observando o quão complexa são as relações de reforma social,
avaliou que os seus ímpetos pessoais não seriam tão fáceis de alcançar. Muitas vezes
encontrou-se distante e viu-se inadequado para fazer o estudo que gostaria de fazer, pois o

1 Acadêmica do Curso de Antropologia no Instituto de Antropologia (INAN) pela Universidade Federal de


Roraima (UFRR).
sentimento de desarmonia que tinha diante de uma realidade tão diferente da sua era muito
grande. Apesar disso, teve a comunidade de Cornerville como objetivo de estudo. Por conta
da sua formação em economia e de sua vida suntuosa, Whyte tinha um olhar diligente para a
degradação, a pobreza e a superpopulação de pessoas presente no local, visto que tais
atributos o atraíram para essa região. Com o lugar escolhido, começou a pensar em quais
métodos seriam utilizados para estudar a comunidade, tendo idéias e discutindo-as com
colegas, chegou à conclusão de que não seriam necessários processos mirabolantes e bem
elaborados para examinar a estrutura social da comunidade, e que apenas a sua observação
bastava para captar as façanhas sociais. Não tendo nenhuma especialização em sociologia e
antropologia, buscou ampliar o seu conhecimento aprofundando seus estudos em sociólogos e
antropólogos sociais, e buscou elucidar os seus ideários e teorias com amigos e colegas que
possuíam mais experiência e conhecimento sobre o assunto.

Com a intenção de aproximar-se do distrito, começou desde ir de porta em porta nas


habitações das pessoas buscando olhar para dentro de suas casas e conversar com elas, até
frequentar bares e centros comunitários, correndo o risco de entrar em sérios problemas. As
abordagens que havia tentado até então não obtiveram sucesso e o colocaram em tamanha
decepção, até que, através da recomendação de uma assistente social que trabalhava no centro
comunitário, Whyte conheceu Doc, rapaz que condescendeu em ajudá-lo no seu estudo. Não
somente o ajudou em Cornerville, mas cooperou com suas propostas e observações. Quando
os seus estudos começaram, Whyte encontrou-se com problemas devido à distância entre o
distrito e a universidade onde morava, pois isso não contribuía para que ocorresse a sua
integralização na região, fato que tanto almejava para que os seus estudos sobre a comunidade
pudessem ser realizados, então começou a busca por uma habitação mais próxima do distrito.
Pela insistência de um amigo em ajudá-lo a acomodar-se, conseguiu um quarto na casa de
uma família italiana que eram donos do restaurante em que almoçavam quase todos os dias.

Whyte não esperava que fosse se aproximar tanto da família, até que passou a ser chamado de
filho, começou a participar dos jantares familiares, de chamar uns aos outros por nomes
afetuosos. Para retribuir tão amável recepção, Whyte passou a aprender italiano com “Papa
Martini”, e logo, através do domínio que adquiriu sob o idioma, conseguia comunicar-se com
a família. Sabendo que agora havia um lar para recompor suas energias e sentir-se seguro
após seus longos estudos, voltava-se tranquilamente todos os dias para o distrito de
Cornerville para estudar a comunidade. Com Doc, a participação de Whyte na comunidade
passou a ser intensiva. Ele integrou-se não somente aos bares e aos clubes, mas também às
esquinas e as gangues das ruas. Tentando múltiplas abordagens e vendo qual se adaptava mais
ao contexto da comunidade, começou a treinar a sua observação, participando de uma forma
que o levasse a compreender não somente a óptica que viria a ter sobre a comunidade, mas
também a forma como eles observavam sua participação. Atuando desta forma, Whyte
começa a compreender a estrutura e as relações sociais de Cornerville, apontando não
somente as diversas formas de pensamento, gestos, comportamentos, costumes, diferenças de
tratamento entre os gêneros, mas também as hierarquias sociais presentes na comunidade que
possibilitaram, sucintamente, a organização e a ordem dos grupos.

As suas interações partiam de conexões com padrões sociais que envolviam todos e, mesmo
que Whyte tentasse manter-se distante das discussões e dos juízos morais sobre as pessoas,
via-se na obrigação de participar de determinadas atividades e conversas, onde as mesmas
contribuíram para o seu estudo. Embora muitas vezes tenha evitado participar tão ativamente
da comunidade, tentou ser útil a um amigo emprestando dinheiro e viu o quão frágil são os
comprometimentos recíprocos que havia estabelecido, mesmo que tentasse despreocupar o
amigo de ter que devolver o dinheiro que havia emprestado. E ao buscar entender a política de
Cornerville, participando das eleições e das campanhas para um senador, logo pode
compreender que os interesses das reuniões políticas e das propostas era outro, e que tudo
passava longe de buscar realmente atender às exigências da comunidade. Desta forma, tomou
atitudes arriscadas que, no momento, acreditou que seriam importantes para que pudesse
compreender como o sistema político da comunidade operava e quais eram os seus interesses.
Colocou-se em situações perigosas, correndo o risco de ser preso. Analisando o cenário e as
atitudes que tomou, logo passou a questionar a si mesmo e a colocar os seus princípios em
jogo.

O ímpeto de Whyte em buscar entender uma realidade diferente da sua demonstra a


sensibilidade que desenvolve ao longo do seu estudo, ao construir uma análise que se integra
na realidade daquela comunidade considerando as suas diferenças e as suas particularidades,
valorizando, antes de tudo, a sua integração, participação e observação no seu meio, para após
isso, estabelecer como foi feito o processo de investigação, colocando em segundo plano os
processos metodológicos. Fato esse que, antes de iniciar seus estudos, tornou-se a sua maior
preocupação, junto com o seu interesse em estudar os problemas sociais existentes na
sociedade com o interesse de transformá-los buscando mudar a vida daquelas pessoas com o
intuito de melhorá-la. Ao inserir-se na comunidade e passar a conhecer a forma como ela se
regula, percebeu que o lugar que ele considerava “degradado”, possuía sua própria estrutura,
organização e regras sociais. Sua vontade em estabelecer uma reforma ou focar nos problemas
sociais cessa e então treina a sua observação, cedendo aos sentidos e às concepções que
obteve após conhecer melhor as pessoas e passar a aceitá-las e compreendê-las como elas são.

Ao longo do desenvolvimento de seu estudo, Whyte sustem uma imensa maturidade a partir
de um olhar meticuloso e sensitivo que busca trazer da melhor forma possível todas as
questões que tratam dos desafios metodológicos e éticos da pesquisa etnográfica que
conduzem e estão presentes tanto na realidade do antropólogo quanto do sociólogo ao atentar-
se em compreender aspectos de uma realidade social contrária à sua.

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