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Inesquecível
An Irresistible Bachelor Diretor editorial
An Ivy Book Luis Matos
Published by The Random House
Publishing Group Editora-chefe
Copyright © 2004 by Jessica Bird Marcia Batista
Capa
Osmani Garcia
Filho
B517i
Ward, J.R.
Inesquecível / J.R. Ward; tradução de Isadora Prospero. –
São Paulo : Universo dos Livros, 2014.
304 p.
ISBN: 978-85-7930-756-0
Título original: An irresistible bachelor
Callie viu Jack parar e olhar para o céu, seu corpo formando um
arco. Ele olhou para as nuvens por um momento e, depois,
atravessou a entrada como que preparado a começar o dia.
Ela olhou para o armário, no qual a tampa da caixa que abrira
estava no chão. Foi até lá e a apertou sobre a caixa com firmeza,
tentando ignorar o simbolismo e se perguntando se fizera a coisa
certa ao ficar. Relembrando a conversa deles, percebeu que Jack
não tinha prometido que não a beijaria de novo. E agora ela sabia
que ele tinha uma noiva, para não falar da sua péssima reputação.
Com base naqueles dois fatos, ela deveria arrumar as malas e
entrar em um trem o mais rápido possível.
Porque ela tinha uma sensação estranha com relação a Jack
Walker.
Sim, ela disse a si mesma, e isso se chama desgosto.
– Ah, droga – ela murmurou.
Sim, desgostava do homem, mas essa não era a única coisa que
sentia. Tinha de admitir de uma vez. Ele era muito sexy. E beijava
extremamente bem.
Mas é claro, ela pensou, torcendo o nariz. Ele tem muita prática.
Ela voltou à janela e olhou para a mansão imponente. A ideia de
que se tornara uma atriz coadjuvante em um romance gótico a fez
sorrir, especialmente quando Arthur apareceu e se encostou em sua
perna.
De algum modo, não seria o mesmo se ele fosse um golden
retriever, ela pensou.
Enquanto afagava o pelo áspero dele, Callie tentou imaginar a
situação se Jack não estivesse com outra pessoa. O que ela teria
feito em tal caso?
Era uma mulher adulta. Sentia-se atraída por ele. Ideias
antiquadas de romance à parte – como sexo sem amor ser apenas
um exercício inútil e relativamente aeróbico –, ela teve de se
perguntar por que seria tão terrível se uma série de beijos os
levasse até a cama.
Não que ela tivesse alguém com quem comparar, mas sabia que
ele seria um amante fantástico. Ele se movia com uma confiança
lenta que ela achava incrivelmente sensual. Só de lembrar como ele
afastara seu cabelo e colocara os lábios em seu pescoço foi
suficiente para fazê-la reconsiderar se fizera a coisa certa ao se
afastar.
Está bem, ela era pateticamente atraída por ele. Mas e se ele
soubesse a verdade? O que pensaria se descobrisse que ela nunca
tinha transado? Esse fato em particular já fora um problema antes.
Chegar aos 27 anos virgem não tinha sido sua meta; acontecera
meio por acaso. Anos cuidando da mãe, estudando e trabalhando
ao mesmo tempo praticamente acabaram com sua vida social. Ela
também fora treinada desde criança para não dar nas vistas, então
nunca tentara atrair atenção. E sabia que seu relacionamento com o
pai também tinha a ver com isso: ela apenas não confiava em
homens.
Sua única experiência sexual séria restringia-se a uns amassos
desconfortáveis no escuro com um cara com quem ela saíra na
faculdade. Tinha decidido transar porque gostava dele e achava que
era a hora, mas as coisas pararam abruptamente quando ela
explicou que ele seria o primeiro. Não foi divertido vê-lo colocar as
roupas de volta como se fossem à prova de fogo e ele estivesse ao
lado de um coquetel Molotov.
Mais tarde, ela descobriu que ele só saíra com ela para se vingar
da mulher em quem estava realmente interessado.
Teria sido um erro fazer amor com aquele cara, mas ela sempre
quis ter mais experiência. Antes, porque se sentira atrasada em
relação às outras mulheres da sua idade. Agora, porque queria ter
alguma perspectiva sobre como era ser beijada por Jack Walker.
Talvez o que acontecera naquele armário não tivesse sido nada
de especial. Sem dúvida não fora extraordinário para ele. Ele
provavelmente tinha tantas experiências eróticas quanto ela tinha
noites sozinha.
Mordaças e algemas, de fato.
Ela franziu a testa, perguntando-se por que estava perdendo
tempo. Jack Walker tinha alguém em sua vida. E obviamente sentia
algo pela mulher, pois parecera de fato arrependido por terem ido
tão longe. Talvez fosse só um bom ator, mas ela acreditou que ele
se sentia mal por trair a noiva.
Eles só precisavam manter as coisas em um nível profissional. E
uma vez que começasse o trabalho, os dias passariam rápido e o
projeto estaria terminado antes que ela percebesse. Ele
provavelmente nem pensaria de novo no beijo. Então, ela também
não pensaria.
E a ideia de ser amigos? Callie duvidava que homens como Jack
Walker sequer tivessem amigos, do tipo que você chama quando
está com problemas ou precisa de uma risada. Ela imaginava que
mesmo os ricos precisavam de apoio, mas era difícil pensar nele
procurando alguém por ajuda ou conforto. Ele era simplesmente
autoconfiante demais. E controlado demais.
Não que a agenda dela estivesse cheia. Callie não tinha muitas
pessoas na vida, especialmente agora que fora demitida da galeria.
Havia… Grace. Um primo distante ou dois. Mas para Callie, amigos
eram complicados porque se envolviam na vida de uma pessoa, e
na dela havia muitos pontos difíceis de explicar.
Então não, mesmo se ela não se sentisse atraída por Jack, eles
não podiam ser amigos. Ele já estava fazendo perguntas e aqueles
olhos castanhos astutos eram perspicazes demais para o gosto
dela.
Callie franziu a testa. Um caminhão de entrega estava subindo a
entrada e parando sob o pórtico. Movendo-se de um pulo, ela se
sentiu reconfortada pela onda de animação que sentiu, pois desta
vez não tinha nada a ver com Jack.
– Vamos dar as boas-vindas a Nathaniel – ela disse a Arthur.
O cachorro levantou as orelhas, sempre pronto para uma
aventura, e correu feliz para as escadas.
O entregador estava abrindo as portas traseiras do caminhão
quando ela o alcançou. Jack emergiu da casa ao mesmo tempo e
Callie notou que ele tinha trocado de roupa, usando agora terno e
gravata. Ela tentou se manter calma quando os olhos deles se
encontraram. Como era de esperar, ele parecia totalmente à
vontade.
O retrato fora enviado em um caixote de madeira e a carga foi
descida do caminhão por uma paleta mecânica. Depois de deslizar
o fardo para um carrinho, o entregador seguiu Jack até a garagem.
Juntos, eles rolaram o caixote escada acima e o puseram na mesa
de trabalho de Callie.
Assim que o homem saiu, Jack ofereceu um martelo.
− Quer ter as honras?
Ela pegou a ferramenta e começou a puxar os pregos na beirada
do caixote. Quando tinha completado o perímetro, eles levantaram o
topo juntos e ela tirou o material de embalagem da frente do quadro.
O rosto bonito e pensativo de Nathaniel Walker foi revelado, e
Callie não conseguiu evitar que um discreto som de prazer lhe
escapasse dos lábios. Com cabelo escuro e ondulado e olhos
semicerrados, Nathaniel e Jack eram muito parecidos.
− É um trabalho realmente notável – ela murmurou. − Quase
posso vê-lo respirar.
O líder da Guerra de Independência estava sentado em uma
cadeira, a cabeça virada para fora da pintura. Usava um casaco
preto e uma camisa branca larga que cobria o pescoço. O espelho
prateado na mão esquerda também estava virado para o
espectador, símbolo do seu trabalho como vidreiro. A outra mão
estava dependurada do braço da cadeira, mostrando um trecho
elegante de pele pálida. O fundo era escuro, praticamente preto,
mas Callie sabia que, com uma limpeza adequada, se tornaria
menos denso.
Ela estendeu a mão para a caixa de ferramentas. Colocando na
cabeça uma lupa com luz embutida, começou a escanear a
superfície da pintura, imediatamente identificando o padrão de
craquelê, pequenas ranhuras na tinta. Essa rede complexa de
pequenas ranhuras era esperada e confirmava a idade da pintura.
Continuando o exame, pôde ver que o trabalho com o pincel era
magistral e que as cores foram misturadas com confiança. Mal podia
esperar para tirar a antiga camada de verniz que tinha amarelado e
revelar os tons e matizes que Copley realmente usara.
− Você entende mesmo disso – Jack disse em voz baixa.
Ela ergueu os olhos; tinha se esquecido que ele sequer estava no
quarto. Ele tinha se encostado na parede, um pé apoiado na ponta
dos sapatos, os braços cruzados. Um meio sorriso tocava seus
lábios e as pálpebras estavam abaixadas, sugerindo que estivera
perdido em pensamentos enquanto a observava.
Sentindo-se vulnerável, Callie se lembrou que examinar a pintura
era parte do trabalho, não um momento íntimo dela. Mesmo assim,
era como se tivesse baixado sua guarda, e ela quis expulsá-lo da
garagem.
Ela tirou a lupa, jogando-a na caixa de ferramentas.
− Parece estar em boas condições e aguentou bem a viagem. Eu
gostaria de ir ao Museu agora.
− É claro.
Quando estavam quase nas escadas, ele parou.
− Estou muito feliz por você fazer isso. Gosto de como olha pra
ele.
Jack continuou andando e ela seguiu mais lentamente, intrigada
que um homem cujo mundo girava em torno de dinheiro tivesse um
lado tão sentimental.
− O nome do seu pai era Nathaniel, certo? – ela perguntou, a mão
no corrimão enquanto descia.
− Sexto, na verdade – ele abriu uma porta lateral da garagem e
luzes se acenderam automaticamente enquanto passaram.
Estacionados ali havia dois esportivos Jaguar, uma caminhonete e
outro esportivo de algum modelo que ela nunca vira antes.
− Por que você não foi o sétimo?
Jack parou na frente do carro esportivo.
− Meu irmão nasceu antes de mim. Ele ficou com o nome.
− Não sabia que você tinha um irmão.
− Ele é muito reservado.
Jack abriu a porta para ela.
− Agora me deixou curiosa.
Ela o viu contornar o carro, um sorriso no rosto.
− Nate é uma ótima pessoa, mas não consegue parar quieto. Não
o vejo tanto quanto gostaria.
Ela se sentou e sentiu que o banco fora feito sob medida para seu
corpo. Impressionante, pensou.
− O que ele faz?
− É um chef.
Jack se sentou no banco do motorista.
− Parece se orgulhar dele.
− E me orgulho.
As portas se fecharam com um som quieto e Callie inspirou
profundamente enquanto punha o cinto de segurança.
− Hmm. Gosto do cheiro desse carro. E todo esse couro… é lindo!
Que modelo é?
− Um Aston Martin DB9.
O motor acordou com um rugido profundo que diminuiu a um
ronronar suave. Quando chegaram na entrada, o som de Mozart
encheu o ar e Callie acariciou o apoio de mão, suave como
manteiga.
Um minuto depois estava apertando-o com toda a força.
Depois de sair correndo pela Cliff Road, Jack se lançou em meio
ao tráfego da Rota 9 e começou a desviar dos outros carros como
se estivesse jogando um video game. O homem era uma ameaça
atrás do volante e Callie pensou que sua salvação era o fato de o
carro esportivo ter air bags de primeira linha – muitos deles.
Quando desviaram de um caminhão, ela olhou alarmada para
Jack. Ele estava calmo, assobiando baixinho junto com a música.
Encarou-a de volta e franziu a testa.
− Está com frio? Parece desconfortável.
Ele estendeu a mão para o controle do ar.
− Não! Estou bem.
Qualquer coisa para mantê-lo com os olhos voltados para a frente
e ambas as mãos na direção.
− Não parece bem.
− Medo da morte iminente me deixa assim – ela disse, sendo
empurrada contra a porta quando eles ultrapassaram um fusca.
Jack assentiu.
− Demora um pouco pra se acostumar ao trânsito de Boston, mas
é muito melhor que em Nova York, onde os taxistas são meio
barbeiros − disse ele enquanto ultrapassava um caminhão de pão e
apertava os freios com tudo em frente a um semáforo.
Callie foi empurrada para a frente e agradeceu a Deus pelo cinto
que a prendia no assento. Recuperando o fôlego, olhou para Jack.
− Sabe, há um meio-termo entre o frear completamente e
acelerar. Você não precisa escolher um.
Ele pareceu surpreso.
− Estou deixando você desconfortável?
− A força G não era algo que esperava experimentar num carro.
Ele deu uma risada curta enquanto a luz se tornava verde. Ela se
preparou, mas ele acelerou com calma.
− Desculpe. Eu costumo dirigir sozinho.
− Provavelmente porque as pessoas têm medo de andar com
você – ela disse secamente.
Ele se virou para ela. E então sorriu.
Ela corou, querendo ser indiferente a Jack, querendo que seu
sorriso não a fizesse sentir como se compartilhassem algum tipo de
segredo íntimo. Olhou para fora. Eles passavam por bairros e
lojinhas, a rua um híbrido estranho entre uma estrada pequena e
uma rua normal. Callie olhava a vista à procura de qualquer
distração.
− Então, como começou a restaurar? – ele perguntou, como que
percebendo o desejo dela de preencher o silêncio.
− Comecei estudando História da Arte. Amava as aulas. Ficar
numa sala escura, vendo obras de arte maravilhosas na tela, a voz
do professor baixa no fundo da sala… Imaginava que um dia
poderia ter pinturas como aquelas que estudava. Logo descobri
quanto custavam e percebi que o único jeito de chegar perto delas
seria trabalhando − ela fez uma pausa. − Sabe, você tem algumas
obras muito especiais na casa.
− Obrigado.
− Quer dizer, só o Canaletto na entrada já é… espetacular. E o
Ticiano e o El Greco na sala de jantar, então…
Callie sentiu o olhar de Jack sobre ela.
− Viu o Rubens no meu escritório?
Os olhos dela se arregalaram.
− Não se preocupa que alguém possa roubá-los?
Ele balançou a cabeça, parando em outro semáforo.
− O cara que faz a segurança do Museu de Boston fez a da casa.
As pinturas estão presas nas paredes com alarmes sensíveis a
peso. Elas não vão a lugar nenhum.
− Sua família sempre colecionou?
− Sim. Minha tataravó foi a primeira a se ligar no período
renascentista. Doou parte da coleção ao Museu quando morreu, e
minha bisavó não achou ruim. Só encheu o espaço livre na parede
outra vez. A emoção é a caça, é claro.
Callie se ajeitou no assento de couro, imaginando como seria ter
tanto dinheiro. Não tinha intenção de perguntar, é óbvio, porque não
queria parecer simplória. Dignidade, afinal, era um bem que tanto
ricos como pobres podiam ter.
Ela franziu a testa, pensando no passado. Talvez fosse por isso,
pela dignidade, que sua mãe recusara tantos presentes. O pai
aparecia no apartamento e, fosse uma caixinha embrulhada em
papel-alumínio ou um enorme pacote com um laço, a mãe só
balançava a cabeça.
− Foi assim que você conheceu Grace? – Jack perguntou. – Pelo
mundo da arte?
Callie hesitou, desejando saber mentir com mais confiança.
– Você poderia dizer que nos conhecemos pela Hall Foundation,
sim.
− Ela fala muito bem de você.
− Ela tem sido muito gentil comigo.
− Grace é assim. Uma ótima pessoa.
De repente, Callie se perguntou se Jack e sua meia-irmã já
tinham ficado juntos. Pareciam perfeitamente adequados um para o
outro.
− Ela é maravilhosa – Callie murmurou. – Faz jus ao seu título.
− Achei que ela estivesse se divorciando do conde.
− Quis dizer o título de uma das mulheres mais lindas do mundo.
Sem sinalizar, Jack fez um retorno e entrou em um
estacionamento ao lado dos prédios pálidos e baixos do Museu de
Belas-Artes. Trancou o carro e soltou o cinto de segurança
enquanto ela olhava para o nada.
− Callie?
− O quê? Ah… chegamos.
Ele lhe lançou um olhar estranho quando eles saíram do carro.
− Tudo bem?
− Sim, claro. Tudo ótimo.
Só que ela não era uma das mulheres mais lindas do mundo e
estava se perguntando por que de repente parecia se importar com
isso. Deus sabia que Callie normalmente não prestava muita
atenção à aparência.
Mas Jack Walker a fazia ter todo tipo de pensamentos incomuns.
N.W.
Callie não o viu pelo resto do dia, e ele não apareceu no seu
quarto à noite. Ela imaginou que Jack estivesse se acalmando e lhe
dando uma oportunidade de fazer o mesmo. Mas quando dois dias
se passaram sem mais do que encontros rápidos na cozinha ou
corredor, soube que Jack a estava evitando.
Abaixou a vareta enrolada em algodão com a qual estava
trabalhando e verificou o relógio. Já era noite, e Jack ainda não
tinha voltado do escritório. Ele passara a voltar para casa bem tarde
e desaparecia no estúdio assim que entrava pela porta dos fundos,
mesmo que fossem nove ou dez horas. Callie continuou torcendo
para que ele subisse ao seu quarto, mas toda manhã acordava
sozinha.
Na noite anterior, não tinha aguentado mais. Sentara na cozinha,
distraidamente, fazendo palavras cruzadas e preparada para
esperar até a aurora. Quando ele enfim entrara, ela o seguira no
corredor, tentando fazê-lo falar sobre alguma coisa, qualquer coisa.
Ele ficara em silêncio, mas pelo menos fizera contato visual
enquanto se servia de um bourbon.
Ela estivera prestes a desviar o assunto para eles quando ele se
sentou e começou a folhear as pilhas de documentos que haviam
surgido na escrivaninha. Quando ela perguntou o que estava
fazendo, ele lhe dera uma resposta seca, algo sobre o negócio da
companhia do sangue em que ele estivera trabalhando.
Callie se demorara na porta, querendo que ele a olhasse outra
vez, mas Jack ficara perdido em seus papéis. A julgar pela testa
franzida e pelo foco determinado, ele claramente não estava
disposto a ser interrompido por qualquer coisa. Ou qualquer pessoa.
Quando ele parecia já ter esquecido que estava lá, ela foi embora,
à beira de lágrimas.
Callie fechou o pote de solvente e desligou as luzes, sabendo que
tinha à frente outro jantar solitário. Mais uma noite se virando de um
lado para o outro na cama vazia. Outra manhã com a promessa de
um dia que, na melhor das hipóteses, se arrastaria.
Ela não podia continuar assim. Aquela noite não seria sutil.
Exigiria que eles conversassem. Ela podia ter dificuldade em se
abrir com Jack, mas ele a estava ignorando completamente.
Ela voltou à casa, e preparava algo para comer na cozinha
quando a porta dos fundos foi aberta e um homem alto entrou.
Era Jack. Ela estreitou os olhos. Bom, não. O cabelo longo e a
jaqueta de couro gasta não tinham nada a ver com o homem que
amava, mas todo o resto era igual.
– Olá – ele disse em um tom baixo e apreciativo. – Quem é você?
Ela olhou para as janelas atrás dele e viu um Saab estacionado
torto entre as lâmpadas da entrada.
– Sou Callie. Você deve ser…
– Nate – ele ofereceu a mão. – Irmão de Jack. Ele está por aqui?
Quando apertaram as mãos, ela pensou que havia algo
instantaneamente simpático nele. Talvez o sorriso despreocupado.
Ou talvez fosse o fato de estar olhando para um par de olhos
castanhos familiares, sem ver frieza neles.
– Ele deve chegar a qualquer minuto.
– Trabalhando até altas horas, como sempre. Preciso achar um
jeito de fazê-lo relaxar – Nate inclinou a cabeça e a examinou
seriamente. – Você é a nova…?
A questão pairou entre eles e ela forçou-se a sorrir, tentando
manter as emoções sob controle.
– Bem, depende do substantivo que iria usar. Funcionária serve.
Estou trabalhando num retrato.
– Ah, sim, o Copley.
Ela assentiu e ele sorriu.
– E há quanto tempo está com meu irmão?
Nate cortou os balbucios dela, balançando a cabeça.
– Não se dê ao trabalho de negar. Está usando uma das camisas
dele embaixo do suéter. Dá pra ver o monograma no punho.
Ela abaixou os olhos e soube que tinha sido pega. Vestira a
camisa de manhã, pensando que ninguém notaria se ela a cobrisse.
Jack deixara a peça em seu quarto antes das coisas ficarem ruins, e
ela a colocara porque era o mais próximo que parecia conseguir
chegar dele.
– Sem ofensas – Nate disse –, mas você não parece ser o tipo de
Jack. O que é ótimo, na verdade.
Ela estava balançando a cabeça e sorrindo quando o Jaguar da
sra. Walker entrou na garagem. Callie ficou tensa e tentou fingir
indiferença enquanto via Jack andar até a casa. Quando ele entrou
na cozinha, parecia exausto, mas sorriu assim que viu o irmão.
Os dois se abraçaram, um batendo nas costas do outro. Jack deu
um aceno para ela e então se focou no irmão.
– É bom ter você em casa, Nate.
– Fico feliz por estar de volta. Pelo visto, se meteu em confusões
– ele indicou o gesso.
– Ah, nem dói mais. E é uma arma excelente. Ameacei um
advogado imobiliário com ele hoje. Já comeu?
– Um cachorro quente e um pacote de alcaçuz desde Rhode
Island.
Jack revirou os olhos.
– Pensei que era um gourmand!
– Tenho que manter os níveis de nitrato altos e Twizzlers são um
substituto aceitável para sorbet quando se precisa limpar o palato na
estrada. Thomas está por aqui?
Quando Jack acenou para o teto, Nate gritou para cima:
– Ei, cadê o cozinheiro desse lugar?
Thomas desceu depressa as escadas e Callie encontrou os olhos
de Jack.
Estava determinada a fazê-lo falar aquela noite. Já estava
cansada do silêncio.
Querido Nathaniel,
É com grande pesar que devo lhe informar o falecimento da
minha amada filha Anne. Ela foi tomada pelas mãos gentis do
Senhor no dia 15 de setembro. Minha dor é infinita, afligindo-me
tanto à noite como sob a luz do sol. Nos pertences dela, encontrei
suas cartas e as devolvo para seus cuidados como questão de
discrição. Tivesse sabido dos seus sentimentos por ela e dos dela
por você, teria ficado contente com a ideia de um casamento.
Amava-a mais que tudo na Terra, mas teria permitido que
entrasse em sua casa porque sei que tipo de homem é. É uma
dor dupla no meu coração que tenha chegado tão perto de
chamá-lo de filho. Nosso anjo está com os outros.
Seu,
J. J. Rowe