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ediÇÃo em quarentena Parnaíba, junho de 2020

fique
em
casa

Organizador: Claucio Ciarlini


Diagramador: Fábio Bezerra Brito

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Pág. 2 | O Piaguí | Edição em Quarentena www. opiaguionline.wordpress.com

A produção da literatura em tempos


de grande medo e dificuldades.

N
esses tempos de corona- nados e produzindo muito e muito quantidade, mas todos estão mais
vírus, tempos difíceis e bem. Desde quando entraram em livres, mais sensíveis. É, talvez
apreensivos que assustam vigor as medidas de isolamento so- seja essa a expressão, sensíveis pra
e metem medo em todo mundo, a cial, esse negócio de mandar todo ver e sentir as coisas, as pessoas,
gente está presenciando um fenô- mundo ficar em casa, que estamos as situações. Estamos com a criati-
meno naqueles que trabalham com observando colegas produzindo vidade à flor da pele.
a cultura. A capacidade de criação mais e melhor. Uns produzem crônicas,
e adaptação para períodos prolon- Até parece que foi necessá- contos, romances belíssimos. Ou-
gados dentro do cenário de incer- rio que a natureza nos impondo tros se dedicam à poesia e seus
tezas. Estamos vivendo um novo cerceamento de liberdades por tantos gêneros. E se a academia
tempo. Não que a situação a que conta de uma doença de compre- reunisse gente dedicada à pintu-
estamos nesse momento seja de fe- ensão universal nos desse ao mes- ra, à escultura, às artes cênicas,
licidade, de achar graça com tudo, mo tempo essa capacidade de, pri- veríamos quantos bons produtos
de bater palmas, mas de criar me- vados da liberdade de ir e vir, de estariam sendo produzidos e mos-
canismos para mostrar a partir de ver, abraçar, cumprimentar nos- trados.. Quando tudo isso passar e
agora o que sabemos fazer. sos amigos, filhos, netos, parentes, formos juntar o que fizemos nesse
Aqui em Parnaíba estamos nos abrisse a condição de criado- tempo de confinamento certamen-
nós dentro daquele dito veículo res de um mundo novo. te vamos ver que fizemos muito e
onde estão aqueles que produzem Dá pra perceber que todos melhor.
literatura, seja em quais gêneros os nossos colegas estão produ-
forem. E pelo visto estamos ante- zindo, em maior ou menor grau e Pádua Marques

COVID-19:
MAIS UMA FORMA DE MORRER

O povo vive desrespeitando a vida,


Aí, quando vem uma desgracinha, ficam todos –
“ai, medo de morrer.”

E nem morrer sabem.

Ora, esperar o quê?

Quem desrespeita vida


desrespeita morte.

Desrespeita a si mesmo.

A passagem.

Olha o lado bom,


quanta solidariedade tem o ser humano.
E por que não é assim o tempo todo?

Por que não somos?

(O vírus é a doença ou nossa desumanidade?)

Daltro Paiva
20/03/2020
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PANDEMIA
Deus está dizendo ao mundo
STOP.
À violência desenfreada
STOP.
Ao tráfico de humanos
STOP.
Aos governos soberanos
STOP.
Aos planos incríveis
STOP.
À ciência humana
STOP.
Ao sistema financeiro
STOP.
Ao Capitalismo
STOP.
Ao Comunismo
STOP.
A Terra parou
O homem calou
STOP.

Anailton Fontenele

ALÉM DO MAL
A experiência potente da vida humana, se mede pelo que
Os seres são capazes de aguentar no vetor da existência
Não posso mudar o que aconteceu no tempo, mas dentro
Do isolamento, melhoro para ser capaz de crescer além dele

Além de todo mal, o passado é o presente que não é mais: e passará!


Além de todo mal, o futuro será o presente que não mais é: e passará!
Além de todo mal, o presente deixará de ser a partir daquilo que é:
E passará! Assim reside o tempo em suas três fases e nós dentro dele

Se tudo passa, aquela peste que nos tirou nossa saúde mental, tirou
Aqueles que amamos e mostrou que ela é para todos independente
Da classe social, raça, sexualidade e credo, em breve passará também

Dentro do isolamento, refleti entre o momento e o eterno e acredito


Que recuperar-se não é uma utopia ou impotência, só depende da busca
Dentro do cárcere com ansiedade, persigo a valorização da vida, e você?

Marciano Gualberto
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Mais valia Noite


Cai a noite
Mais valia um bilhão de dólares no banco
O dia dá seu último suspiro
do que mil trabalhadores de quarentena.
Em breve, os arautos das trevas
Pensa o capitalista. Também cairão
Sobre aqueles
Aírton Porto Que os buscam
Os rotos ratos
Dos esgotos sairão
Em busca de suas
Irrisórias presas
Estas, em vão, agonizarão
Inerte Até que a aurora
Sobrepuje a penumbra
Viaje o céu,
que corra o mundo Sousa Filho
aqui inerte, fico.

Cantante
Canta sapo-boi Poesia é oração
Jia, rã e os caçotes
sinfonia da noite Poesia é algo recitado
Como uma prece
Que vem de dentro
Em reboliço Carregando emoção
Poesia é conversa
O vento e sol,
Poesia é oração
pensamento solto...
O poeta reza
o mar em reboliço
Quando recita
José Luiz de Carvalho
Artur de Paiva

A Paz no olhar diferente Felicidade


Companhia provisória
“Paz e amor”, diziam os hippies;
“Paz eterna”, consta na lápide final;
Por que passageira?
“Guerra é paz na estrada”, Por que transitória?
consta no para-choque do caminhão; Tu és feita de momentos,
“se quer paz, prepare-se para a guerra”, Instantes e horas;
ensina o provérbio latino; Alimentas-te de paixão,
“Paz na Terra aos homens de boa vontade”, Teu prazer é viajar.
Exortou o anjo das nuvens; Essa tua instabilidade
“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou”, É que me faz penar.
disse Jesus.
... E paz do silêncio, Haicai
da comunhão das famílias,
do aconchego doméstico, Uma árvore despida
da voz da oração, Há folhas pelo chão
chegou no coração. Mocidade já partida

Altevir Esteves Ana Ferreira


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O QUE EU VOU FAZER COM


ESSA TAL LIBERDADE Quarentenas e dilemas
O que eu vou fazer com essa tal liberdade De tanto remoer saudade,
Se o coronavírus não me deixa sair da ausência que eu já sentia,
Não posso ir a balada começando o morrer do dia,
Nem ver a minha amada sou pedra, mato e cidade.
E nem para o shopping eu consigo ir.
Os bares, o comércio está tudo fechado Pelas tantas da grande falta,
E nem se sabe quando vai abrir. que minha Teresa tanto me faz,
lembro do Neto e olho pra trás,
É questão de tempo tudo vai passar dois palcos e uma ribalta.
Procure ficar em casa e se controlar
Leia um bom livro pra se divertir. Nesse teatro de longas cenas,
contracenando com a distância,
Estou entediado e muito preocupado sigo quarentenas e dilemas.
Com as notícias que saem por ai
A cabeça confusa e corpo em pedaços Assim, controlando a minha ânsia,
Sinto a morte chegando e fico amargurado espero escrever no ato final:
E não tenho como o vírus impedir. Há um remédio para esse mal!!!

Ele chega e não escolhe a dedo F. Gerson Meneses


Pega o novo e o velho sem nenhuma seleção
O pobre, o rico, qualquer um ele encomenda
E mata sem nenhuma compaixão

Se você tem Deus e uma religião


Se pegue a fé isso é solução
Faça a sua parte tendo os cuidados
Siga do Papa a recomendação

O que eu vou fazer com esse fim de tarde


Se não posso jogar bola
Nem ir pro meu mundão
Fico aqui trancado e todo enclausurado
Cadê minha liberdade, isso é prisão.
TEMPOS INACABADOS
Seja criativo e arranje um passatempo
Jogue dominó ou pegue o violão
Tempos inacabados rugem mundo afora
Escreva uma letra toda apaixonada
E faça com afeto uma linda canção. Ruídos disseminando nostalgia e solidariedade
Surdos andam e desandam nas vielas em plena luz do sol
É....você me convenceu. Cegos ainda leem com clareza a estupidez devassa
Vou usar a minha pouca liberdade
E estúpidos logo aprendem a ser
E não vou mais fazer reclamação.
Eu posso ainda pensar e escrever Outros, entretanto, mudos
Tem gente que nem sabe sequer ler Não porque a língua é aprisionada pela ordem, razão ou distância
Sem renda, sem teto e muito menos o pão. Mas porque seu grito não ecoa nos tímpanos de quem deveria escutar
O homem digno do privilégio de ouvir, enxergar e falar é abafado
Maria Dilma Ponte de Brito
31.04.2020 E doente fica, aleijado fica, morto ficará
Ausente e silente na cova do esquecimento indigente
E o relógio não para
Tique-taque...

Paulo Costa, em 15/04/2020


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Coronavírus
A real do Coronavírus
vem na contramão
das práticas de humanização.

Afasta-nos
sem apertos de mão
sem beijos e sem abraços.

Um mundo sem limites


é barrado pelo Coronavírus.
Epidemia, pandemia...
Requer o isolamento necessário
protocolos aplicados
para uma crise mundial.

Encontram resistência.
Abrir mão da convivência
íntima e afetuosa.

Sair do imediatismo
tirar do individualismo.
Faz-nos refletir, sentir,
praticar solidariedade
na atual realidade.
Fenômeno impactante
esse tal Coronavírus!

Há uma mudança
na ordem mundial.
Intensas campanhas,
estratégias de combate
abalam as estruturas
da humanidade.

Dão-nos indicativos
das consequências vividas
por um mundo desenfreado.

Viver instabilidade
testar habilidades
recorridas para sobreviver
aprender a conviver
com o limite, com a falta
com o sujeito barrado, com a lei.

Nessa tal circunstância


a iminente pandemia
é imposta à humanidade.

Faz-nos resgatar capacidade;


parar para resistir.
Procurar uma lógica, um sentido.

Recorrer à ciência.
Mobiliza saberes
diante do impacto vivido.
Que atinge os princípios
básicos da vida humana.

Contenção dos instintos


realinha o princípio do prazer
para podermos sobreviver
em tempos de pandemia.
O que nos salva
é a tecnologia.

Edna Santos
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Coração de adulto
Aperta, Machuca, Fere
Pobre coração de adulto
Desencanta, Perde o brilho, Endurece
Triste coração de adulto

Abre-se para o novo, Perdoa e Ama


Nobre coração de adulto
Sente saudade, Recorda o bom da vida, Renova-se
Alegre coração de adulto

Agride, Sente ódio, mágoa e rancor


Difícil coração de adulto
Abençoa, Ora, Confia, Espera e Crê
Iluminado coração de adulto

Um dia deixa de bater


Passageiro coração de adulto
Deixa saudades e amor nos corações dos que ficaram
Inesquecível coração de adulto

Karoline de Carvalho

Tá tudo bem?
Quando eu pergunto se tá tudo bem contigo não é
pelo tédio das quatro paredes ou das 8 semanas. Eu quero
saber do teu dia, se teve vontade de chorar com as notícias
ou se quando lembrou do carnaval de 2007 te fez sorrir. Eu
quero saber se você sonhou com algum bicho ou se assistiu
aquele filme que é mais bonito do que como estamos hoje.
Eu quero saber se você está bem (de verdade) no meio de
tanta coisa que aperta nossas cabeças e corações.
Então me conta, me disserta um soneto sobre o
almoço ou a respeito da casualidade humana. Me abraça
com uma frase bonita e me ama com uma saudade que não
tem fim, nem validade, nem hora para acabar.
Do meu lado da tela eu conto quantas vezes quis
te cutucar antes de falar alguma coisa ou os minutos que
faltavam pra gente se encontrar na esquina e vejo que o
infinito parece tempo demais.
Não entendo nem sequer pergunto os porquês,
prefiro organizar a bagunça dos meus pensamentos e não
deixar queimar o arroz de novo.
E mesmo que eu esteja cuidando das plantas e
alimentando a gata, quando for de madrugada me atende,
por que depois das 2 quem tá discando teu número é o
desespero. Depois passa, depois volta, depois passa de
novo. A vida no meio do caos está me acostumando assim,
nesse vai e vem, e entre os dois fico eu, e entre a gente tem
a cidade inteira

Com amor, Lívia


(@_livia_pessoa)
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Poema solene de amor sincero


Escolhi te escrever este poema
Não sei por que não desisti
Fiz com a tinta do dilema
De amar-te sem ti

Sobrou os estigmas
Derivados dos erros alheios
Aquilo que desejei em ti, sem rodeios
Foi unir estas duas almas amigas

Roseando veio ao meu encontro


Rosear o meu dia azul
Rosa flor de róseo antro
Espaço bonito nestes mares do Sul
Estrela do oriente
Roseando ventanias correntes
Deste colorido amor

Só restou-me o sonho
O brilho de uma ilusão
Descobrir o teu corpo moreno
Sob a luz de ribalta
Escrever em meu coração
Na linguagem mais alta
Os sonetos de uma adolescente paixão.

Leonardo Silva

O ÚLTIMO VERSO
Meu verso é uma asa de anjo
que corta vidas, mares, céus
e que busca um repouso de tudo. ANTÍDOTO
Meu verso é uma garça triste Quero achar no teu medo
que enfeita as veredas o mesmo gosto mau
com seu voo branco e belo. que arde, flameja, torra.

Encerram-se neles a minha dor Labirinto taurino


que nos dias continuam. onde me perco, morro,
mas renasço em teus mares. RECIPROCIDADE
As colinas se aproximam
aponto meu bico pra cima. Ilha de Creta, força Queria te abraçar
a vicejar terrores, Te jogar na parede
Toco as cordas do céu. serei Teseu desnudo. E beijar

Jailson Júnior Atrás do Touro infame Sentir tua boca ardente


uma abertura surge, E até no chão rolar
nela encontro repouso. Mordidas, machucados
E arranhões
Carvalho Filho
Cara, tô sonhando de novo.

Fábio Bezerra Brito


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Sangria COLIBRI
A boca sangrava desejo Sério mensageiro da alegria
Os seios sangravam doce Com toda sua euforia
E o doce que descia dos olhos... Sangravam quais lágrimas quentes
O mel escorria, atadura Vai de encontro a flor
Curava ou abria, ardente Faz lhe um carinho
Sangria mal resolvida que se espalhava por entre a alma Quanta ternura
E tinha um jeito peculiar
A pele num tom sedutor Leveza ágil, acorda-te
O cair da alça da roupa deixava mostrar o sabor escondido. Explosão de cores, sabores
Vida, amores.
Morgana Sales
Tiago Fontenele

O BÚZIO
o búzio
- pequeno castelo
ou gótica catedral -
sobre a mesa avança
envolto em ondas e vendaval

anda ondulante
onda cavalgante
onda ante onda

atraído pelo chamado


do mar avança
chamado que carrega
nas espirais e labirintos
de sua concha côncava

avança e
lança sobre mim
a tessitura exata
de sua arquitetura
abstrata e surreal

avança
unicórnio lendário
protuberante
rinoceronte bizarro
surfista extravagante
em forma de chapéu

lentamente
avança co-movido
pelo chamado das ondas
que em si encerra
em seu ventre vazio
onde o vento em voluteios
é a própria voz do mar

oh, búzio caprichoso


como as curvas e volutas
de um corpo de mulher...

Elmar Carvalho
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ESPÍRITOS OBESOS
Intermitências na fome?

Comida no mundo
Desaba no fundo
Corre feito rio poluído
Sem forças para se curar sozinho!

Comida no mundo
Pede apelo aos homens de olhar profundo
No sacio de saúde pública pálida
Onde a tristeza cálida, desagua na frieza dos vaidosos!

Comida no mundo
Cuja testa cheia de curtidas é de anonimato ardente
Pelas beiradas costumeiras, poucos famosos ainda nos ensinam combate-la,
Sem mostrar demais os dentes!

O mundo tem fome


Não somente codinome, com apelido de um só lugar
Estriba de norte, leste, oeste e ruma ao sul
Semeia na barriga, dar mais um nó sobre mesmo céu azul!

O mundo tem fome


Onde a luta for de corte melhor,
Sem cada um precisar ser médico letrado,
Todos pedem gritando, um atendimento maior!

O mundo tem fome


E sobre um ato de comer, pede-se mais que oração
Pede união de todos os gostos e lados
Vontade liberta de pacificar e não deixar ninguém morrer, mal acabado!

O mundo tem fome


Das gentes que só quer continuar de pé a sua estadia,
Depois da morte, nem rico e nem pobre se maquia
Em busca da perfeição sobre o teto da hipocrisia, de mais um alvorecer!

Fome de comida faz mata borrão de folha usada


Fome de curtida mata criança, quando adulto aproveita falsidade velada
Formar opinião de filantropia
Sem nunca ter lavado uma pia?

Perdoai universo
O anverso do teu prumo não foi por eles entendido
Riqueza e fama caem no mesmo erro batido
São Espíritos Obesos, mas cheios do vazio!

Ana Flávia Baetas Valois.


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O quarto. A sala. O suspiro.


No quarto
Estava preso sem ter cometido crime algum. Já não sorria mais, já não corria mais e ainda falava bem me-
nos. Apenas pensava. Esse era seu principal passatempo, que ainda assim, não passava.
Seus dias e noites, a não ser pelo intervalo mudo de um banho, eram a mesma coisa. Pensava em todos os
meses que passaram diante de seus olhos e que agora eram anos. Sentia falta do verdadeiro amanhã, que
teimava em nunca chegar, e o desejando, dormia.
Na sala
Ao acordar, como toda vez, pensava ter despertado de um pesadelo. Apenas pensava. Estava ciente mais
uma vez de sua prisão; de sua angústia. Sentia o peso dos móveis da casa. Do seu quarto, sem porta, diri-
gia-se até a sala, regozijando-se pelo toque macio da cortina de algodão. Um santo ritual. Gostava de ser
tocado. Era o seu maior pecado e nenhuma visita podia condená-lo por isso.
No suspiro.
Contava as telhas, pausadamente, como se cada uma delas representasse alguém querido que já não mais
poderia ter. E pensava. Apenas pensava se valeria a pena. Se seria reconfortante ao seu corpo fugir. E sus-
pirava. Lentamente. Até terminar sua contagem e saber que, mais dias ou menos dias, alguém descobriria
que, para ele, o amanhã já chegou.
E eu que casei?
Zilmar Junior
E eu que casei?
Onde isso não foi suficiente para continuarmos juntos
Fluidez contemporânea E onde esse isolamento social parece ser uma tragédia
romântica
(Poetry slam)
Enquanto as pessoas sofrem por algo físico
Sem atitudes Eu sofro com a dor espiritual de um coração partido
São cegos
Sem plenitude Deveria eu ter sido mais corajoso
Quase dementes Pois eu saberia que agora mesmo eu a teria em meus
Não absorveram a história braços
História longa e de morte Ao invés desta maldita ferida na minha alma
São estrangeiros
Invadem suas próprias fronteiras Ela se foi, com isso deixou-me só no altar
Não param Deixou pregada a sua memória dentro de mim
E cheios de falsos ornamentos Sabendo que aos poucos essa saudade irá ser nascente
Apregoam mudanças de lágrimas
Grampeiam sentimentos avulsos no peito E onde o meu isolamento não será somente social
Discriminação e ódio E sim um grande mausoléu de solidão
E ainda destilam em forma de bondade. No qual levarei o amor que tenho por ela para águas
profundas
Amparo Carvalho Em que sei que afundarei junto...

Eduardo de Moraes
29/05/2020
QUARENT’S
E nesses dias tão cinzentos MONTE CARMELO
Período quarentenal
Na terra terrível mal Ao pé do Monte Carmelo,
Fase de isolamento Dele, olhei o cimo.
E nesse enfrentamento De joelho, fiz um apelo:
Devemos ter cuidado Se me perdi em desatino,
Em alerta, antenado Se do teu reino, não fiz zelo,
Venceremos com louvor Diante do Deus-Menino,
Munidos de fé, amor Prometo com todo desvelo:
Covid será derrotado Subir esse monte com todo mimo.

Marcello Silva Wilton Porto


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Lá vem o disco voador


É um texto sobre a vida.
Mais outro?!
Tá bom! Mas não se irrite!
Esse é de palavra que parece indagação, mas tem gosto de palpite.
Que coisa não?
Existem versos de oitenta e poucos anos, e também novos de apenas vinte e seis.
Por que é doidice não escrever nada, e a incompletude fala sempre outra vez.
Se você é jovem ainda, jovem ainda, jovem ainda, saiba que pra sua cabeça não existe nada mais trabalhoso do
que viver sem trabalhar.
Sem duvidar daquilo que se acredita ou do que não se pode duvidar. Amanhã pode até não chegar,até nos deixar,
mas a menos que nossa geração, que essa geração sustente a nossa luta nunca morrerá!
A burguesia nunca é plena, mata o pobre e o envenena, só não esqueça: a palavra de um pobre é do outro amiga,
prefira morrer que perder a briga. Você sabe que somente os idiotas respondem a pergunta quando não entende-
ram a pergunta, nesse caso procure evitar a fadiga.
Com o tempo se aprende a quem evitar, afinal o corpo do burro não é transparente. Também acho que é bem di-
fícil amar os inimigos, mas amar os idiotas, realmente é quase impossível.
De todo modo prossiga, procure evitar a fadiga. Conte tudo pra sua mãe, que alivia!
A palavra é a arma teórica da vida e o texto a melhor forma de lutar, isso, isso isso.
Sobre os idiotas ainda digo: nenhum tem paciência com livro! Podem nadar? Sim, tesouro, mas não vão se molhar.
Acham que os cães no sertão se chamam cachorros quentes. Ora, veja que tipo de gente. Alguma vez eles disseram
uma verdade que não fosse mentira?
O que esperar de quem não pensa por preguiça? que acha que tudo é culpa do professor linguiça.
Pois é, pois é, pois é, olhem professores, mas que burros dêem zero pra eles.
Vocês que não voltam da profissão arrependidos, só com suas canetas gastas, os corpos moídos e com um abraço
entre as pastas. Não desistam mesmo que tudo pareça horrendo, continuem mesmo sem querer querendo e zaz e
zaz, meus amigxs, minha vizinhança prometemos despedirmos sem dizer adeus jamais.

Alexandre César

PARA ALÉM DE SEU UMBIGO


Além de seu umbigo sujo que há de limpar,
mais sujeira social há pra se extirpar;
além de suas pernas que só querem dançar,
mais dança aquele que nem tem onde morar; Pandemia
além de seus cabelos que só querem voar, As carnes vão para onde não conseguimos ver ou sentir,
mais voar querem os que não veem como gozar; essas ocupam a terra e os céus,
a luz já não está no fim do túnel,
além de algum músculo seu que quer tornear,
a luz já não habita os olhares,
mais neste mundo tem o que se contornar;
a fé faz-se morada nos corpos frios,
além de sua religião a doutrinar, a vida já não é mais palpável.
antes seja a fraternidade por se dar;
A fé adentra os cômodos,
além de seu partido que se diz “salvar”, já que lá fora o mundo paralisa,
salvar de nada salva o que contra ele vá; hospitais tornam-se produtores de vida em larga escala,
além de suas opções de prazer a bradar, milhares de pessoas procuram por oxigênio e pelo renascer.
mais existe a fome sem ter como gritar;
A pandemia nos obriga
além de seus quadris que querem rebolar, a acreditar cada vez mais no potencial
mais de rebolo está o pobre a perambular. de integração e inclusão do mundo,
numa luta que parte de todos.
Jefferson Portugal
Thaís Fontenele
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O QUE É A VIDA?
De forma costumeiramente, atrela-se ao conceito de vida o seu nível de
aproveitamento. Nem sempre tal aprendizado se adquire na adolescência, pois, esta,
está associada à fase provavelmente por conta da peculiaridade da intensidade. Mas há
quem aprenda a viver assim depois de tempos e tempos. Então, aqui, a vida se resume, à
atividade da vivência de descobertas, da satisfação do eu, do corpo, da ocasião, do misto
de sentimentos e confusão.
A vida intensa faz o ser humano adentrar um barco em alto mar, navegar por
rumos como se não houvesse início e fim. E, mesmo quando o corpo oscilar conforme
as ondas da maré, ainda valerá a pena atravessar, sem nem repensar se deva insistir em
remar na mesma direção ou se o barco merece outra administração.
Mas a vida intensa tem como gerência a emoção, que reina muitas vezes até
final. E, cessado a vida em matéria de corpo, reflito: o que é a vida? O que resta além
das lembranças de quem as guarda saudosas, é a solidão pra quem sente falta. E o
que foi a vida de quem viveu? A variedade de momentos aprofundados na decência de
satisfação do eu. E, assim, a história pode terminar, se falta a crendice de eternizar.
A emoção sozinha não gera relacionamentos. São sentimentos na maioria
instantâneos, relapsos e até sombrios. Não confiáveis, pois são vulneráveis.
Logo, qual alternativa existe? Como seria a vida fora do barco de emoções?
Ou, qual é sensação do homem que vive no barco, porém com um alvo para alcançar
embora não se ver, e, mas pela fé, crendo que existe? Muito marinheiro!
A vida fora do barco significa um caminho que não existe, pois os percalços
compostos de ventos e tempestades existem mesmo que fora d´água. Enquanto que no
Caminho pelas águas sabemos nossa origem, quem somos e para onde vamos.
A navegação nas muitas águas da vida requer administração, razão. As emoções
estão ali, mais a gerencia não corteja o sentimento para guiar. As emoções ainda que
nos botes salva vidas, vem junto, porém são sucumbidas pelo remo da mão do bom
capitão.
O alvo da vida, embora com o corpo cansado, inerte, ainda existe. Assim, não
se resume na profundidade da vivência, ou mesmo no teor da construção da existência.
Quem sabe remar, vai perseverar e vai alcançar uma vida que vai além da matéria, do
corpo tolhido, pelo limite que faz parte.
Entre o início e o fim, existem laços que prendem o homem, porém têm de ficar para trás, o apego à vaidade não
serve de nada para alcançar. Rema-se, conquista-se, mais isso tudo fica. E quem vive eternamente é o homem. E pra se viver,
depois de tudo, só depende da Graça no Eterno que declara o alvo. Ele!

Lívia Marceli

Arte de: Ingrid Ciarlini e Carolina Ciarlini


Estrelas cadentes
Somos luas nascentes e, depois, estrelas cadentes. Há dias
em que somos nuvens de verão, e às vezes, nuvens no tem-
po nublado. No dia que o céu festejar para mim, perderei
risadas e lágrimas, guerras e uniões. Não verei nem mesmo,
as tecnologias mais avançadas, novos talentos da música e
outros estilos de vida das novas gerações. Mas há passados
que não vivemos, e pessoas que não viverão o que vivi. Mo-
mentos que eu presenciei; risadas que compartilhei; lágri-
mas que derramei; notícias boas e ruins, como a mais atual, a
pandemia, músicas e modas da nossa geração. Por isso vivo!
Pois somos uma de milhares estrelas no céu, e não sabemos
até quando estaremos nesse território. Viva do seu jeito, com
suas incertezas, com suas certezas, no seu tempo, mas ganhe
sempre ele. Dance com teus pensamentos, e dance como se
as luzes estivessem apagadas, para que você brilhe como sua
lua nascente.

Carolina Ciarlini
Pág. 14 | O Piaguí | Edição em Quarentena www. opiaguionline.wordpress.com
Corona Brabo Ao parar a leitura
Esse tal corona virus E esse momento perdurava
Matou mais de 30 mil Enquanto eu meditava
Virose braba do cão A sentir o cheiro de um bom livro.
Já chegou pelo Brasil Me embalava em meu caminho
E o dado é alarmante Afagado pelo tocar do Sol
Assusta mais que traficante Tão suave, tão findante
Tando armado de fuzil. Era fim de tarde.

Os guerreiros da saúde A vida movia-se acelerada


Quase não sabem explicar Os passos tinham mais prazer
A origem da doença Mais alívio, mesmo que com calos.
Que tá ruim de controlar
Ainda não tem vacina O coletivo estava vazio
Eu só sei que vei da China Não repleto como antes
Daquelas banda de lá. De tantas vidas
Idas e vindas tão belas
Uns dizem que foi morcego Cheias de histórias
Que fez ela aparecer Talvez medíocres demais para si mesmas
Outros dizem: foi tatu! E mais que fantásticas para mim.
Que eles costumam comer
Eu já faço a indagação Estava sozinho como antes
Seja lá a refeição Como sempre estive
Custava pôr pra ferver? Em meu mundo inquietante.
‘Via a luz do céu
Agora o mundo sofre Ao chocar-se com o chão
Por causa dessa doença A iluminar casais amantes.
Todo mundo já caminha Desde então, nada mais me deu prazer
Às margens da penitência Quanto ver a beleza das coisas
Oh meu Deus do céu tem pena Pois assim é a vida
Tamo aqui de quarentena Tão passageira para me inibir
Lhe pedindo por clemência A apenas olhar essas folhas tão macias.

E você caro leitor Via a beleza a nascer, a formosura a findar


Que tal lendo esse cordel Via o tempo ir-se e a velhice chegar.
Eu te peço consciência
Pra fazer o seu papel E tudo não passava do que via
De casa não vá sair Graças ao Sol.
Pra melhor se prevenir
Abuse no álcool em gel. Histórias crescendo progredindo e findando-se
Tão belas de fato.
Moisés Souza do Nascimento
Tudo isso em monótona tarde
Voltando de mais um dia
Pelo mesmo caminho de todos os dias.

Pensei
Não há sentido melhor do que a vida,
Que nos faz pensar sobre si mesma
Sua beleza, seu estado caótico
Suas nascentes tão férteis
E seus poentes iguais.

Ivaldo Freitas Cardozo


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Sedução
Ela dança e sinto os movimentos em mim
O bate de cabelos único na virada de rosto
Sem querer me arrepio imaginando roçares
Imagino a roupa escorrendo pelo céu-corpo
Eu olho, eu olho, eu olho
Eu. Olhos arregalados. Eu fico de corpo aberto
Presente no presente visual qu’a dança faz dela
Então estremeço enquanto lambo o meu copo
Sou eu a musica que vejo nela. Onde’u começo?
Eu vejo, eu vejo, eu vejo
Eu vejo com meu amigo. Percebo que ela percebe
Ele me diz coisas pra falar que não tenho coragem
Neste agora eu não sei o que funciona. Só sei. Cuido
Ajeito a gola da camisa e já me sinto um covarde
Eu quero, eu quero, eu quero
Eu quero’s quadris e mia cabeça no movimento
E o relâmpago de um olhar eletriza-se em mim
No jogo dos seios, o corpo inteiro me balançando
Tô cego! Pisquei e meus olhos já ardiam assim
Respiro, respiro, respiro
Eu respiro sem ar! Minha língua lambe hummmmidos
A música acabou e não fui dançar. Deus!!! Eu perdi.
Perdi e me perdi de mim. Sem mistura de mim comigo
Engulo meu coração. Eu, irremediavelmente, já explodi
Eu quero, eu quero, eu quero
Eu quero um balanço de copo ainda na dança
Erro a boca e derramo todo o líquido na camisa
Ela põe olhos em mim e engulo o gelo do líquido
Me sinto atravessado, ela começa a rir. Eu sou tolo
Não sei. Sou coragem? Gritei: foi você quem fez isso!
Pilhado. Eu não escuto mas entendo bem o: eeuuuu???
Faço um sinal. Peço-a pra parar. Mas ela não pára
Me livro do corpo. Engulo. Me viro limpando a camisa
Me sinto tonto. Arrasto meus pés na direção dela
Tudo, tudo, tudo
Tudo gira lindo no assento de proporções em quadris
E me provoca lembranças densas como eu nunca vivi
A linha do decote eleva o rosto que corta-meu-descorpo
E pousa pequenos olhos enormes. Olhos nos meus
- o que foi que eu fiz? Mal escuto o que diz o batom
- é que eu fiquei tão enfeitiçado olhando para o seu…
Eu tenho que limpar a camisa. E continuo tentando
Ela deu uma gargalhada simpática: como assim?
E eu: posso sentar? Ela balançou a cabeça. Sim. É sim!
Sim! Agora eu sei! Sim! Agora eu tenho meu corpo. É sim!

Jota Cunha phb-25.11.19


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NÓS ESTAMOS INGLESADOS


Nesses dois últimos meses umas palavrinhas têm
azucrinado nossos ouvidos causando às vezes, a mui-
tos, de certa forma, até um pequeno mal estar. Isto pelo
fato de que muita gente não estava acostumada a ouvi-las.
Save lives, stay at home, home office, delivery, fake news, take
away, live, e agora por último o tal lockdown é o que temos es-
cutado nos noticiários da televisão com muita frequência e que
até já motivam a inspiração do brasileiro, que quer apenas uma
desculpa para fazer uma piada, talvez até para amenizar as ten-
sões causadas pelo confinamento consequente da pandemia .
Uma moradora da zona rural ao ouvir a palavra sem saber o sig-
nificado chamou o gênro e a filha que estava gestante e disse:
- Olha aí Bastião, bota “Loque Dão” o nome desse menino que
vai nascer. Fica bonito e vai ficar famoso. Toda hora a televião
fica falando: “Loque Dão Prá cá, Loque Dão pra lá”... Também
é parecido com o teu e com o da minha filha Assunção, que é a
mãe. “Ispia só como vai ficar bonito”: - Loque Dão, tá na hora
de ir pra escola. Loque Dão, corre alí na quitanda da esquina e
diz pro seu Joaquim mandar uma “taiada” de Jerimun e botar na
nota. Loque Dão desce daí senão tu vai cair menino. E assim vai...
Quanto às “lives” que se pronuncia laives, um amigo mandou-me a seguinte mensagem: “amigo estou em casa de qua-
rentena. Aprovitei para fazer umas laives. Já laivei louça, laivei roupas, laivei o banheiro e agora esou laivando o terraço.”
O Inglês, por ser a língua de maior penetração no mundo incorpora em outras lín-
guas um grande vocabulário, principalmente nos meios de comunição, nos negócios, etc.
A Internet trouxe muitas dessas palavras para o nosso portugês. Download, e-mail, site, on line, off line,
lan house e muitas outras. Em algumas profissões, usar termos em inglês faz parte do seu cotidiano e que
sempre é necessário dar ao cliente um “feedback” sobre o “briefing”, porque o “deadline” está estourando.
Save lives - Salve vidas
Stay at home - Fique em casa
Home office - Escritório em casa
Delivery - Entrega em domicílo
Fake news - Notícias falsas Take away - Mantenha distância
Live - Apresentação transmitida ao vivo por meios de comunicação
Download - Baixar um arquivo na Internet
E-mail - Abreviatura de eletronic mail (correio eletrônico)
Site - Sítio, local
On line /off line - Conectado, ligado/fora do ar, desconectado, desligado
Lan house - Abreviatura de Local Area Network - Rede local de Internet
Feedback - Realimentar - dar uma resposta - comentar
Briefing - Um conjunto de informações - resumo - instruções etc...
Deadline - Data limite - prazo final etc...

Antônio Gallas Pimentel

De repente....
muito feroz e bastante lúcido tudo parou, virou do avesso e assustou.
Não seria esse avesso o repensar que o mundo estava necessitado?
entre o sim e o não prefiro ficar com aquela velha sensação de transformação
e novo olhar sob o mundo e sua adaptação.

Laiane Fontenele 12/05/2020


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NÃO É QUESTÃO DE HIPOPÓTAMO


“Eu sou contra os exageros da ecologia… eu tenho a maior antipatia do ‘Greenpeace’… é
muito mais preocupante… a “black hangry”… a etiópia … qual a utilidade do hipopóta-
mo?…”. Isso foi dito, senhores, por aquele que, a meu ver, foi (e ainda é) o maior humorista
do país. Danilo Gentili também é humorista.
Assim eu tenho cruzado as páginas de jornais e revistas ao longo desses últimos anos. A
eleição presidencial de 2018 foi uma coisa estranha. O vencedor usou basicamente as re-
des sociais. Uma coisa bizarra. Gastou na campanha um valor irrisório se comparado com
a campanha de seus adversários. Isso se deu porque, desde o início da segunda década
deste século, o brasileiro, por algum milagre, que santo algum consegue explicar, passou a
gostar mais de política do que de futebol ou de novelas.
Como todo marinheiro de primeira viagem, no entanto, passou a se deslumbrar por cada
vestígio que gere a mínima questão política; alega-se sempre a luta democrática. De qual-
quer forma, por minha vez, acredito que estamos diante do momento em que não podemos
cochilar, senão perderemos nosso embalo na onda e lamentaremos vendo-o ser quebrado
na parede do cais como um cão patético.
E foram com esses óculos de lentes claras, ainda em estado de adaptação, que o país virou
a uma nova página em sua história. Tudo agora é questão política. Tudo é tudo mesmo;
afinal o Brasil ainda continua sendo o país do “oito ou do oitenta”. Portanto, o cocô dos
pombos na praça, a ida despretensiosa à praia ou mesmo gosto por cantor são questões
alvissareiras, são questões políticas. Poucos são os pontos de confluência.
Essa quarentena, por exemplo, é um saco. Todos a achamos tediosa. Isso talvez seja o
único ponto em comum para todos os lados políticos; a partir daí, porém, começa-se
o “balseiro”: uns falam da necessidade de se conter uma “coisa” invisível a qual-
quer preço, outros no isolamento social vertical e outros no qual é “a utilidade
do hipopótamo”?
Postaram outro dia, uma foto na escadaria de uma agência da Caixa Econômi-
ca Federal. Nela uma multidão se espremia afoita; só umas poucas daquelas al-
mas ansiosas usavam máscaras. Era a primeira parcela do auxílio emergencial.
Daí surgiu um fato político e as redes sociais embalaram as discordâncias, facas
e facões rangiam descontrolados cortando cabeças de “reis”.
Isso já não causa mais espanto. Agora é prática costumeira. No facebook e no
instagram, há uma multidão de pessoas reclamando das filas que dobram
quarteirões em lotéricas, em bancos, e em assistências sociais. Alguém diz
que pobre é mal educado mesmo, não toma o menor dos cuidados,
antes ajuda a proliferar a “coisa” invisível; alguns dizem pala-
vrões e digitam em caixa alta para demonstrar que é um gri-
to: “Fiquem em casa!”. Eu, por minha vez, sempre pergunto:
Para que serve o “hipopótamo”?
Falo assim, porque a “black hangry” tem cara feia e não res-
peita idade ou cultura. Eu dizer “Fiquem em casa!” é muito cô-
modo e fácil; sou funcionário público, tenho estabilidade, moro
numa casa ampla e confortável, a água da piscina sempre está
morna e não me falta carne na churrasqueira. Mas, se, de repente,
tudo virasse. Se eu perdesse tudo. Continuaria eu gritando nas redes
sociais: “Fiquem em casa!”, enquanto meus dois filhos, com olhos carco-
midos de medo e com as barrigas vultosas de vazio, sem teto adequado
e sem pão, implorassem por alimento? Faria eu, dessa minha miséria,
uma questão de hipopótamo? Creio que não! E vou além, ouso a afirmar
que nem mesmo o mais rígido dos senhores se prestaria a essa perca de
tempo. Nós nos arriscaríamos como leoas paridas; seríamos um daqueles
loucos nas filas pelo auxílio do Governo Federal. Afinal, o aperto do sapato no
estômago é um soco seco constante e incontrolável e põe de joelhos artistas e
reis, basta que lhes falte o básico para a sobrevivência.
Dito isso e considerando que não há humor nessa história, concordo ipsis lit-
teris com o que disse o memorável Chico Anysio a Jô Soares, no programa do
Jô Soares Onze e Meia, no SBT, em 1985, a “black hangry”, definitivamente,
senhores, não é questão de hipopótamo, tem cara feia e pressa.

Josiel Barros
Pág. 18 | O Piaguí | Edição em Quarentena www. opiaguionline.wordpress.com
LUCIDEZ
precisamos dela
nem que seja como a flor de lótus
que em cem anos
floresce apenas uma vez

POEMA DE AGORA
tem coisas que não podem ser adiadas
tem gozo que precisa ser hoje
dores que urge agora
risos que não evitam prantos.
Mas, o pior dos inventos é o fingimento Precisamos de palavras
esse não tem adiamento. Carlos Pontes que pulem fora das páginas

HaiCaos: Poema em Quarentena

Um vírus e um presidente Olha só, mas quem diria! Alguns pastores sem noção
Ambos fora de controle Que alcançaríamos o dia, Numa loucura pelo dizimo
A nos perturbar Dos mascarados dentro da lei! Podem dizimar uma nação.

Onde está a DEMOCRACIA, A quarentena gera abstinência A conta ainda há de chegar


Quando tentam me silenciar Mas necessária pra te curar Pra quem está a se ajoelhar
Por meio da IGNORÂNCIA? Deste teu vício de trabalhar Em prece pela Economia

Claucio Ciarlini

Precisamos de palavras
que pulem fora das páginas
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Em tempos de quarentena
Em tempos de quarentena, muitos tem buscado diversas formas
de ocupar a mente, seja por aprender um instrumento, leitura, pintura fil-
mes, todos acham uma forma produtiva de se distrair e evitar ficar pensan-
do apenas na situação atual em que vivemos.
Minha indicação não vai apenas para um filme, mas para
uma coletânea de filmes de um estúdio de animação que poucos
conhecem, e merece destaque. Estou falando do Studio Ghibli,
estúdio de animação japonês fundado em 1985 por Hayao Myia-
zaki e Isao Takahata, é considerado por muitos como a “Disney”
japonesa, diferente das animações convencionais que vemos hoje
(computação gráfica), o studio ghibli usa o estilo tradicional de ani-
mação, frame por frame, feito à mão.
O Studio ficou mundialmente famoso por filmes como Tu-
mulo dos vagalumes, uma animação que é considerada pela críti-
ca especializada como um dos melhores filmes de guerra já feitos,
apesar de ser uma animação de 1988, ela consegue passar uma
mensagem muito forte, muito raro ter alguém que assista e não
venha a lacrimejar.
Como dizia Charles Chaplin, “O que importa num fil-
me não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imagi-
nação, os 22 filmes do Studio Ghibli até o momento, é como se
fosse um portal para um universo gigantesco que poucos conhecem, onde lá você encontra de tudo um pouco, personagens
cativantes e aventuras peculiares.
Diferente de animações comuns como, meu malvado favorito, shrek e outras que tem como objetivo divertir, o Stu-
dio Ghibli insere a pessoa em um mundo de fantasia, arte, musicalidade de uma forma sutil e delicada com alguns roteiros
simples mas contendo camadas que levam a reflexão, e ao mais importante, usar a imaginação, coisa que quando adultos,
deixamos de usar com frequência.
Para quem deseja conhecer, com exceção de Tumulo dos vagalumes, todos os outros filmes estão disponíveis na Netflix, e minha
recomendação inicial para aqueles que se interessarem, são: Meu Amigo Totoro (personagem do qual representa a Logo do Studio), A
viagem de Chihiro (filme ganhador do Oscar de melhor animação de 2002), Princesa Mononoke, Porco, O serviço de Entregas da
Kiki, Sussurros do Coração, O castelo Animado, O Mundo dos Pequeninos, Vidas ao Vento, O Conto da princesa Kaguya e As
Memórias de Marnie.

Josué Calixto

ATESTADO MÉDICO
Era o médico mais respeitado da cidade. A sua reputação de homem íntegro, honesto e ético era exemplo para todos.
Não havia ninguém que ousasse lhe solicitar algo que não fosse absolutamente correto, pois além de receber um so-
noro não levaria de brinde uma lição de ética.
Maria os acompanhava a mais de vinte anos, era tratada como se fora da família. Participava de todas as conversas,
casou, teve um filho e ficou viúva antes de completar dez anos de casada.
Passados três anos arranjou um namorado, mas em pouco tempo se desiludiu. O dito cujo era beberrão e brigão. En-
tão, jurou não ter mais homem na sua vida. Muitos anos depois conheceu um rapaz muito respeitoso e se apaixonou
perdidamente. Passou a andar arrumada e perfumada, mesmo dentro de casa.
Serviu o jantar e ficou parada ao lado do médico, passados alguns minutos criou coragem e lhe pediu um atestado
médico. Ele estranhou o pedido e perguntou – Maria, pra que tu queres um atestado médico? – Baixou os olhos,
envergonhada, e disse: – o Sr. sabe que estou namorando?! Meu namorado quer casar, mas disse que só casa se eu for
virgem. Por isso, eu queria que o Sr. me desse um atestado de virgindade.
– Tu tá doida Maria! Tu foste casada por dez anos, teve um filho, depois ficou com um sujeito por não sei quanto
tempo e agora quer que eu te dê um atestado de virgindade? – Não posso fazer isto.
Ela não se deu por vencida e pediu, quase chorando, que ele a examinasse e desse o atestado, pelo amor de Deus.
O médico muito tranquilo com um sorriso no rosto disse que a examinaria, mas o máximo que poderia atestar era que
ela era uma mulher de pouco uso.

Benedito Lima
Pág. 20 | O Piaguí | Edição em Quarentena www. opiaguionline.wordpress.com

Diário em Quarentena
Por um apelo interior me recolho em pensamentos. Avalio minhas
prioridades no labirinto da vida, na falácia dos homens, na mentira dos
espertos. Mantenho a mente aberta e escuto o que me incomoda, o que
não quero ouvir, o que não quero seguir. Necessário, sempre. Como não?
Em meio ao caos da incerteza, das lideranças, das doenças e do
mundo, reflito porque somos uma das poucas espécies no mundo ani-
mal que dorme de barriga para cima. Não seria para que quando ao dor-
mir no relento, contemplássemos as estrelas? Não seria um sinal de que
o universo lá fora é tão vasto, que nossos problemas aqui nos tornam
insignificantes? Pois, enquanto brigamos por milímetros de terra, te-
mos trilhões de planetas para explorar, não seria para que observásse-
mos que há tantos lugares para estar, mas que somente unidos teremos
a oportunidade de visitar? Tantos a contemplar, tantos para habitar. A
ciência no mundo precisaria ser uma só, sem barreiras, sem idiomas,
sem países. Deveríamos ter um grande Hard Disk de livre acesso para
que pesquisadores alimentassem e coletassem livremente. Só assim,
realmente, nos projetaríamos ao universo. Talvez, nossa única chance.
Mas quando de pé, só olhamos para baixo, para o lado, para o
outro, para a vida do outro. Com foco no erro. Ninguém liga se 99%
deu certo, você será julgado por apenas 1% de erro. Para cima, quan-
do em pé, quase sempre temos o sol, que nos ofusca a visão, que nos
tira a razão. Somos seres noturnos, não tenho dúvidas, pois a noi-
te nos traz sempre a lua, as estrelas, o descansar. O renovar das
energias, o recarregar das baterias. Adoro a noite, é muito pessoal.
Vejo digladiadores, defensores da sabedoria do “vento”, que-
rendo impor ideias, ideologias, partido A, partido B. Quando o maior
ponto de discussão está a nossa frente; renda básica universal, ajudar
aqueles menos favorecidos, construir máscaras, respiradores de baixo
custo, promover encontros virtuais, ouvir música, falar de poesia, jan-
tar com a família todos os dias, limpar a casa, reunir roupas e coisas
que já não tem mais serventia para doar a quem precisa, ler o livro que
queria, ver fotos, ver filmes. Desligar a TV, se encantar com os bebes.
Rezar por aquele que partiu, pelos aflitos, pelos enfermos e enfermei-
ros. Aplaudir o gari, o eletricista, o médico, o maqueiro, o entregador.
Penso eu, que tudo que estamos vivendo é uma oportunidade es-
piritual que traz uma pergunta incessante e diária. Você quer continuar
aqui? Então estenda a mão, ajude o irmão, abra o coração. E quando
dormir de barriga para cima lembre! Somos insignificantes em meio a
imensidão e só iremos sair daqui se aprendermos a dar as mãos.

Rodrigo C. Ciarlini
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AÍRTON PORTO ALEXANDRE CÉSAR ALTEVIR ESTEVES

AMPARO CARVALHO ANA FERREIRA ANA FLÁVIA VALOIS

ANAILTON FONTENELE ANTÔNIO GALLAS ARTUR DE PAIVA

BENEDITO LIMA CARLOS PONTES CAROLINA E INGRID CIARLINI CARVALHO FILHO

CLAUCIO CIARLINI DALTRO PAIVA EDNA SANTOS EDUARDO DE MORAES

ELMAR CARVALHO FÁBIO BEZERRA F GERSON MENESES IVALDO CARDOZO


Pág. 22 | O Piaguí | Edição em Quarentena www. opiaguionline.wordpress.com

JAILSON JUNIOR JEFFERSON PORTUGAL JOSÉ LUIZ JOSIEL BARROS

JOSUÉ CALIXTO JOTA CUNHA KAROLINE DE CARVALHO LAIANE FONTENELE

LEONARDO SILVA LÍVIA MARCELI LÍVIA PESSOA MARCELLO SILVA

MARCIANO GUALBERTO MARIA DILMA PONTE MOISÉS SOUZA MORGANA SALES

PÁDUA MARQUES PAULO COSTA RODRIGO CIARLINI SOUSA FILHO

THAÍS FONTENELE TIAGO FONTENELE WILTON PORTO ZILMAR JUNIOR


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Os textos assinados neste impresso são de inteira responsabilidade de seus autores.


Imagens retiradas dos sites: www.pexels.com | www.pixabay.com
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