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A

Lê o seguinte poema.

Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo,


E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcescível1 sempre.

Coroem-no pâmpanos2 ou heras. ou rosas volúveis,


Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta a flor como a ele
De Átropos3 a tesoura.

Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,


Que o seu sabor orgíaco4
Apague o gosto às horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes5.

E ele espera, contente quase e bebedor tranquilo,


E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo.
Odes de Ricardo Reis, Fernando Pessoa (notas de João Gaspar Simões & Luiz
de Montalvor), Lisboa, Ática, 1946 (imp.1994), p. 32.

1Imarcescível: duradouro, que não murcha ou fenece.


2Pâmpanos: hastes da videira cobertas de folhas e de frutos
3Átropos: uma das três moiras da mitologia grega, que regiam os destinos humanos.
4Orgíaco: festa em honra de Baco.
5
Bacantes: sacerdotisas de Baco.
1. Indica três aspetos que remetam para o caráter «clássico» da poética de Reis.
2. Identifica o recurso expressivo em «Que a abominável onda» (v. 19), explicitando o
seu valor.
3. Explicita a filosofia de vida defendida ao longo do poema, ilustrando a tua resposta
com elementos textuais.
B
Lê o seguinte poema.
Depus a máscara e vi-me ao espelho...
Era a criança de há quantos anos…
Não tinha mudado nada...

É essa a vantagem de saber tirar a máscara.


5 É-se sempre a criança,
O passado que fica,
A criança.

Depus a máscara, e tornei a pô-la.


Assim é melhor.
10Assim sou a máscara.

E volto à personalidade como a um términus de linha.


Fernando Pessoa, Poesias de Álvaro de Campos
(ed. Teresa Rita Lopes), Lisboa, Assírio & Alvim, p. 514.

4. Explicita a(s) dicotomia(s) presente(s) ao longo do poema.

5. Tendo em conta a questão da heteronímia pessoana, comenta o valor simbólico da


«máscara».
Grupo II
Lê atentamente o seguinte texto.

Síndroma de Peter Pan

Nasci nos anos 80. Faço parte de uma geração que já nasceu depois do PREC1, que viveu a
primeira infância com a entrada de Portugal na CEE e cresceu na década de ‘90, em que tudo parecia
correr bem: subsídios europeus, obras públicas, crédito bonificado à habitação e um fulgurante
otimismo de que no futuro ia ser ainda melhor.
A geração anterior vivera a ditadura e conhecia de perto a dureza da vida antes de Abril, num
país de muita miséria, emigração, Guerra Colonial e em que quase tudo acima da frugalidade era
luxo. Depois de Abril, a geração anterior foi tendo a oportunidade do emprego-para-a-vida e fez
5
tudo para preservar a estabilidade. A geração anterior cuidou sempre da poupança, primeiro para
comprar casa própria, depois para dar uma boa educação aos filhos e depois para garantir a velhice.
A geração anterior trabalhou sempre muito, confiando que para nós ia ser tudo mais fácil.
Ora, a crise económica de 2008 em diante e o regime austeritário que se seguiu vieram mudar
esse paradigma. E sem saber o que nasceu primeiro, entre tempos diferentes e tempos de crise, creio
que o espírito da minha geração não só é muito distinto do anterior como está marcado por uma
espécie de paradoxo existencial. (O berço que parecia ser de ouro, foi penhorado. E logo agora que
era a nossa vez.)
10
Somos a geração mais escolarizada de sempre. Temos os diplomas todos. Mas quando íamos
começar o emprego-para-a-vida, deixou de haver empregos-para-a-vida. A instabilidade transformou-se
em zeitgeist2 e muitos de nós resolveram surfar. Já que nos tornámos eternos estagiários, eternos
bolseiros, eternos precários, desdenhámos dos empregos-para-a-vida e passámos a (ter de) trabalhar
como freelancers. O desafio seduz, a liberdade de não ter horários também. […]
Por estudarmos até mais tarde, por não termos estabilidade, por querermos fazer o que gostamos
realmente (na lógica do se é para ganhar pouco e viver na corda bamba, é melhor fazer o que se
gosta), por não conseguirmos poupar (nem para a casa própria, nem para os filhos que não temos,
15 muito menos para a reforma que não existirá), desenvolvemos uma espécie de síndroma de Peter
Pan.
Somos «filhos» até mais tarde e vamos adiando a vida «adulta» como a observámos. Ganhamos
a vida como podemos, fazemos por ela, mas os tempos e etapas da nossa vida foram-se desfasando
da norma e da biologia. Adiamos os filhos até ao limite e vamos vivendo (em maior ou menor
conflito) com essa procrastinação, sentindo a pressão social e, pior ainda, o medo de mais tarde ser
tarde demais.
Em criança, acreditava que aos 30 ia estar tudo resolvido. E hoje, neste tempo de contradições
20 e tendo em mim os paradoxos existenciais da minha geração, acho que, se por um lado, vivemos
tempos desafiantes e que é bom descobrir novas possibilidades de vida, uma coisa é a instabilidade
que escolhemos para nós, sendo outra bem diferente a falta de alternativa que fez disparar
novamente a emigração. […]

Quando eu nasci, a taxa de natalidade era o dobro da que é hoje. Temos uma das mais baixas taxas
de natalidade da Europa (senão a mais baixa). E não é por nossa vontade. É mesmo porque, com a crise,
se instalou um novo paradigma e, hoje, sabemos bem que amanhã ainda pode ser pior.
Capicua, in Visão, 14 de abril de 2016 (disponível em http://visao.sapo.pt; consultado em fevereiro de 2017).

1 PREC: Processo Revolucionário em Curso: vaga de atividades levadas a cabo, após o 25 de Abril de 1974, pela
esquerda e pela extrema-esquerda com vista à conquista do poder de Estado.
2 Zeitgeist: termo alemão que significa as características genéricas de um determinado período de tempo. À letra: o

espírito do tempo.
1. A enumeração presente no primeiro parágrafo reforça a argumentação de que
(A) a conjuntura anterior a Abril era mais favorável à do final do século XX.
(B) tudo indiciava que a atual geração iria ter um futuro estável a todos os níveis.
(C) os ascendentes da atual geração não souberam aproveitar uma conjuntura positiva.
(D) a atual geração foi responsável por uma conjuntura favorável a todos os níveis.
2. A geração anterior à da autora do texto trabalhou muito
(A) para alcançar bem-estar e proporcioná-lo aos seus filhos.
(B) para sobreviver em tempos de crise.
(C) para manter o berço de ouro.
(D) para ultrapassar a austeridade da vida antes de Abril.
3. Ao afirmar-se que «desenvolvemos uma espécie de síndroma de Peter Pan» (ll. 24-25),
enfatiza--se a ideia de que
(A) esta geração sofre de doenças do foro psiquiátrico devido à conjuntura económica.
(B) a atual geração prolonga, perante a atual conjuntura, o seu estatuto de «filhos».
(C) esta geração é socialmente deslocada.
(D) a atual geração prolonga, por querer somente fazer aquilo de que gosta, o estatuto de
«filhos».
4. O adiamento atual da vida «adulta»
(A) contraria a procrastinação da idade de se ter filhos.
(B) permite a melhoria das condições de vida de cada um.
(C) vai de encontro àquilo que era socialmente habitual e ao relógio biológico.
(D) vai ao encontro daquilo que era socialmente habitual e ao relógio biológico.
5. Na frase «O berço que parecia ser de ouro, foi penhorado» (l. 14), a autora recorre a
(A) uma hipérbole.
(B) um oxímoro.
(C) uma metáfora.
(D) um eufemismo.
6. A repetição da expressão «A geração anterior», ao longo do segundo parágrafo, contribui
para a coesão
(A) referencial.
(B) frásica.
(C) interfrásica.
(D) lexical.
7. A situação descrita em «Somos a geração mais escolarizada de sempre» (l. 16) apresenta um
valor aspetual
(A) perfetivo.
(B) iterativo.
(C) habitual.
(D) genérico.
8. Classifica a oração sublinhada em «E sem saber o que nasceu primeiro […]»(l. 12).
9. Identifica o valor modal de «é bom descobrir novas possibilidades de vida» (l. 33).

10. Indica a função sintática do constituinte sublinhado em «se instalou um novo paradigma» (l.
38).

Grupo III
Relê atentamente o verso de Ricardo Reis, constante no texto A, do Grupo I.
«Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo»

Num texto bem estruturado, de duzentas a trezentas palavras, defende um ponto de vista
pessoal sobre a ideia exposta no verso transcrito.

Fundamenta o teu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustra cada
um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

Parte A
Lê o poema de Alberto Caeiro.

XXXIV
Acho tão natural que não se pense
Que me ponho a rir às vezes, sozinho,
Não sei bem de quê, mas é de qualquer coisa
Que tem que ver com haver gente que pensa...

Que pensará o meu muro da minha sombra?


Pergunto-me às vezes isto até dar por mim
A perguntar-me cousas...
E então desagrado-me, e incomodo-me
Como se desse por mim com um pé dormente...

Que pensará isto de aquilo?


Nada pensa nada.
Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?
Se ela a tivesse, seria gente,
E se fosse gente, tinha feitio de gente, não era a terra.
Mas que me importa isso a mim?
Se eu pensasse nessas cousas,
Deixaria de ver as árvores e as plantas
E deixava de ver a Terra,
Para ver só os meus pensamentos...
Entristecia e ficava às escuras.
E assim, sem pensar, tenho a Terra e o Céu.

PESSOA, Fernando, 2010, Poesia dos Outros Eus.


2.ª ed. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 63-64)

1 Considerando a primeira estrofe do poema, procede à caracterização do sujeito poético.

2 Clarifica o sentido dos versos 8 e 9, tendo em conta o contexto em que ocorrem.


e
3 Explicita o valor das interrogações retóricas utilizadas na última estrofe, relacionando-as com
o sentido do último verso, enquanto conclusão do poema.

4 Completa as afirmações seguintes, selecionando a opção adequada a cada espaço.


e
Regista as letras – (a), (b) e (c) – e, para cada uma delas, o número que corresponde à opção
selecionada em cada um dos casos.

Neste poema de Alberto Caeiro, são percetíveis várias características da escrita deste
heterónimo pessoano. De facto, o discurso poético pauta-se pelo uso de um tom (a) ,
recriando uma linguagem (b) de artifícios, que se harmoniza com a (c)
comunicativa das ideias apresentadas.

(a) (b) (c)

1. solene 1. despojada 1. complexidade


2. formal 2. repleta 2. ambiguidade
3. coloquial 3. dependente 3. simplicidade

Lê atentamente o poema que se segue.

5
Segue o teu destino
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos. 20
Vê de longe a vida.
Só nós somos sempre
Nunca a interrogues.
Iguais a nós próprios.
Ela nada pode
Suave é viver só.
Dizer-te. A resposta
Grande e nobre é sempre
Está além dos Deuses.
Viver simplesmente. 25
Mas serenamente
Deixa a dor nas aras1
Imita o Olimpo
Como ex-voto2 aos deuses.
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
PESSOA, Fernando, 2010. Poesia dos Outros Eus.
2.ª ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 164)

1. aras: altares destinados a sacrifícios; 2. ex-voto: objeto oferecido aum deus ou um santo, em cumprimento de um voto.

1 Nesta ode, como em muitas outras de Ricardo Reis, há um tom moralista, próprio de discursos
didáticos.
1.1. Identifica os elementos linguísticos que contribuem para esse tom.

2 Para fazer corresponder ao tom solene dos poemas uma linguagem adequada, Ricardo Reis
serve-se, com frequência, da anástrofe, alterando a ordem sintática habitual das frases.

2.1. Aponta duas marcas formais e/ou estilísticas que contribuem para o tom elevado do
poema.

Parte C

7 Ricardo Reis é, no universo pessoano, o poeta que desenvolve uma reflexão existencial

centrada na questão da morte.

Escreve uma breve exposição sobre a consciência e a encenação da mortalidade na poesia


deste heterónimo.
A tua exposição deve incluir:
– uma introdução ao tema;
– um desenvolvimento no qual refiras duas das formas como a mortalidade humana é
abordada na poesia de Ricardo Reis, fundamentando as ideias apresentadas em, pelo
menos, um exemplo
significativo de cada uma dessas formas;
– uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

Grupo II
Lê o texto.
Quando as árvores eram rainhas

A Idade Média não é apenas a época dos cavaleiros e das damas, dos servos e dos senhores,
dos torneios e dos reis. É, acima de tudo, o tempo da floresta e das árvores. Num dos seus
primeiros livros, Guerreiros e Camponeses, o grande medievalista francês Georges Duby
escreveu: «Até ao final do século XII, a proximidade de um vasto pano de fundo florestal ressoava
em todos os aspetos da civilização: a sua marca tanto pode ser encontrada nos temas dos
romances corteses como nas formas inventadas pelos decoradores góticos. Para os homens da
época, a árvore é a manifestação mais óbvia da natureza vegetal.»
A floresta, as suas formas, as suas criaturas, as suas lendas, as suas clareiras, mas também
a madeira como elemento omnipresente na vida quotidiana ocupam o espaço vital e o imaginário
do mundo medieval. Até ao ano 1000, como estudou a medievalista Ana Rodríguez, do Conselho
Superior da Investigação Científica (CSIC), o material de construção mais comum era a madeira
e não a pedra. [...]

Inspiração à sombra
A floresta é simultaneamente o local de todos os perigos, dos animais selvagens, dos
ataques (de bandidos), e um espaço de vida, com água e todos os recursos da Natureza, como
a caça. Por todas estas razões, constitui o refúgio ideal para marginais, como o bando de Robin
dos Bosques, outro dos grandes mitos medievais associados à floresta e às árvores. Além dos
5 seus mistérios, das suas feras e das suas solidões, as florestas também acolheram o amor cortês,
por vezes em segredo. [...]
O homem medieval explorou excessivamente os recursos da floresta, mas nunca conseguiu
esgotá-los, como aconteceria alguns séculos mais tarde com a revolução industrial. A floresta
era infinita e a madeira ocupava o centro da vida. [...]
10 Tolkien recorreu ao seu profundo conhecimento do mundo medieval para recriar, em O
Senhor dos Anéis, o poder das florestas com Fangorn e os seres que as habitam, os Ents,
aquelas árvores vivas que podem adormecer para sempre e parar de se mover, e que estão
constantemente à procura das mulheres Ents, que parecem ter desaparecido.
De facto, após a Idade Média, a floresta será sujeita a um processo constante de destruição
e exploração que terminará no século XIX com a Idade do Carvão, e as consequências que
conhecemos. A Idade Média é talvez o último período em que as árvores dominaram o mundo.
ALTARES, Guillermo, 2020. «Quando as árvores eram rainhas».
Courrier Internacional, n.º 296, outubro de 2020 (pp. 66-67)

1 O primeiro período do texto sugere que


(A) prevalece uma ideia estereotipada da Idade Média.
(B) a Idade Média foi um período de fortes contrastes sociais.
(C) a Idade Média se caracterizou por relações sociais desequilibradas.
(D) o texto irá abordar questões polémicas relativas à época medieval.

2 De acordo com o texto, na Idade Média, as florestas assumiam-se como


(A) espaços exclusivos do imaginário medieval.
(B) locais isentos de perigo.
(C) lugares de possibilidades múltiplas.
(D) espaços, predominantemente, arriscados.

3 A exploração das florestas na Idade Média reflete


(A) a preocupação ambiental que, desde cedo, assolou o ser humano.
(B) a indiferença humana em relação à finitude dos recursos naturais.
(C) uma utilização consciente dos recursos naturais.
(D) a preocupação em relação às gerações vindouras.

4 Ao referir a figura de Robin dos Bosques e a obra de Tolkien (O Senhor dos Anéis), o autor
(A) destaca a relevância das florestas no imaginário da Idade Média.
(B) realça a imprescindibilidade das florestas no processo de criação artística.
(C) valoriza o papel do ser humano em detrimento do papel da natureza.
(D) evidencia a influência das florestas na criação de universos míticos e ficcionais.

5 No contexto em que ocorre, o vocábulo «para» (l. 16) contribui para a coesão textual
(A) gramatical referencial.
(B) gramatical interfrásica.
(C) gramatical frásica.
(D) lexical por substituição.

6 Identifica o processo que esteve na origem da formação de cada uma das seguintes palavras:
a) «omnipresente» (l. 9);
b) «infinita» (l. 22).

7 Classifica a oração «que terminará no século XIX com a Idade do Carvão» (l. 28) e refere a
função sintática do elemento que a introduz.

Lê atentamente o poema que se segue.


Trapo
O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.
Antecipação? tristeza? coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.
Bem sei: a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser suscetível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Deem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros – isso tenho eu em mim.
Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? afetos? São memórias...


É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,


Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...
O dia deu em chuvoso.
PESSOA, Fernando, 2010. Poesia dos Outros Eus.
2.ª ed. Lisboa: Assírio & Alvim (pp. 387-388)

Apresenta as tuas respostas aos itens que se seguem de forma bem estruturada.

1 Relaciona o estado de espírito do sujeito poético com as condições meteorológicas referidas


na primeira estrofe.

2 Interpreta o sentido dos versos 8 a 13.

3 Explica a importância da referência às memórias da infância nos versos 20 a 27.

Lê o poema.
Ontem o pregador de verdades dele
Falou outra vez comigo.
Falou do sofrimento das classes que trabalham
(Não do das pessoas que sofrem, que é afinal quem sofre).
5 Falou da injustiça de uns terem dinheiro,
E de outros terem fome, que não sei se é fome de comer,
Ou se é só fome da sobremesa alheia.
Falou de tudo quanto pudesse fazê-lo zangar-se.

Que feliz deve ser quem pode pensar na infelicidade dos outros!
10 Que estúpido se não sabe que a infelicidade dos outros é deles.
E não se cura de fora,
Porque sofrer não é ter falta de tinta
Ou o caixote não ter aros de ferro!

Haver injustiça é como haver morte.


15 Eu nunca daria um passo para alterar
Aquilo a que chamam a injustiça do mundo.
Mil passos que desse para isso
Eram só mil passos.
Aceito a injustiça como aceito uma pedra não ser redonda,
20 E um sobreiro não ter nascido pinheiro ou carvalho.

Cortei a laranja em duas, e as duas partes não podiam ficar iguais.


Para qual fui injusto – eu, que as vou comer a ambas?

Fernando Pessoa, Poemas de Alberto Caeiro,


edição de Ivo de Castro, Lisboa, INCM, 2020, p. 66.

1. Clarifica a utilização do discurso parentético no verso 4.

2. Relaciona a interrogação final com a afirmação «Haver injustiça é como haver morte.» (verso
14).
3. Seleciona a opção de resposta adequada para completar as afirmações abaixo
apresentadas.

O poema apresenta as temáticas nucleares da poesia de Alberto Caeiro, uma vez que se
constata a _____________, nomeadamente nos versos 19 e 20 ao não questionar o facto de
uma pedra ser redonda e um obreiro não ser outra árvore qualquer. O eu nega a utilidade do
pensamento, adotando uma postura antimetafísica, evidente no _____________, quando faz
uma observação irónica.

A. rejeição de convenções e de racionalizações … verso 9


B. adoção de uma postura deambulatória e contemplativa … verso 14
C. rejeição de convenções e de racionalizações … verso 14
D. adoção de uma postura deambulatória e contemplativa … verso 9
PARTE C
7. Álvaro de Campos é o heterónimo que sintetizou em si diferentes vertentes do Modernismo.
Escreve uma breve exposição na qual comproves esta afirmação, baseando-te na tua expe-
riência de leitura dos textos deste heterónimo pessoano.
A tua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicites dois aspetos que comprovem a presença do
Modernismo na poesia de Álvaro de Campos;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
Grupo II
Lê o texto e as notas.

Cientistas conseguem «entrar» em sonhos e obter respostas


de quem dorme
Responder a perguntas de sim ou não ou fazer contas de somar não parece difícil – mas um
grupo de voluntários conseguiu fazê-lo enquanto dormia, ao ouvir e compreender indicações
que lhes eram dadas fora dos sonhos. Foi a primeira vez que se conseguiu estabelecer comuni-
cação nos dois sentidos, para dentro e fora do sonho: são «sonhos interativos», como se lê num
5 estudo publicado na revista científica Current Biology. «Mostramos que é possível aperceber-
mo-nos e responder a questões complexas durante o sonho, e que os sonhadores conseguem
responder corretamente a estas questões sem que soubessem previamente o que lhes seria per-
guntado», referem os investigadores.
O estudo foi feito em quatro laboratórios (nos EUA, Alemanha, França e Holanda), com
10 36 participantes. Os investigadores descobriram que estes sonhadores conseguiam fazer con-
tas simples de matemática (como «oito menos seis?»), responder a perguntas de sim ou não,
e distinguir estímulos sensoriais – tudo isto enquanto dormiam. Para responder, usavam mo-
vimentos nos olhos, sorrisos, movimentos do rosto ou até padrões similares ao código Morse
(no laboratório alemão).
15 Como explica o neurocientista Ken Paller ao Público, «as pessoas não conseguem falar ou me-
xer os seus corpos durante o sono REM», daí que os voluntários adormecidos tenham usado estes
sinais. O REM (rapid eye movement, movimento rápido dos olhos) corresponde à fase do sono
mais associada ao sonho em que, como o nome indica, os olhos se movimentam rapidamente.
Nesta fase, há paralisia de quase todos os músculos, mas o cérebro fica num estado ativo.
20 É como tentar falar com um astronauta noutro mundo, escrevem os cientistas. «Mas, neste
caso, o mundo é fabricado inteiramente com base nas memórias armazenadas no cérebro.»
Neste caso, os cientistas decidiram comunicar com pessoas que estavam num estado de so-
nho lúcido, um «fenómeno raro» em que é conservado algum grau de consciência ou controlo
consciente durante o sono. O filósofo grego Aristóteles foi um dos primeiros a escrever sobre
25 este tipo de sonhos. Segundo um estudo de 2016, cerca de 55% dos adultos dizem já ter tido
pelo menos um sonho lúcido na vida. Das três dezenas de participantes, um deles tinha nar-
colepsia1 e sonhos lúcidos frequentes. Outros tinham também sonhos lúcidos com frequência,
outros nem tanto – o critério era lembrarem-se de, no mínimo, um sonho por semana.
Há muito ainda por explicar no mundo científico dos sonhos. A própria memória que temos
30 dos sonhos é pouco confiável: «Quase tudo o que sabemos sobre sonhos baseia-se nos relatos
da pessoa já acordada e podem estar deturpados», com partes esquecidas, disse à revista Science
Karen Konkoly. Já se sabia que comunicar num sentido era possível – como integrar o som do
despertador no sonho –, mas noutros estudos a comunicação só era feita posteriormente, com
os participantes já acordados.
35
O estudo também dá a entender que é possível aprender durante o sono, já que os parti-
cipantes acordaram a saber informações externas ao sonho que não possuíam antes de ador-
mecerem. No futuro, este método pode ser útil para ajudar a tratar o trauma, a ansiedade e a
depressão.
Cláudia Carvalho Silva, in Público, (texto adaptado, com supressões,
consultado em https://www.publico.pt, em dezembro de 2022).

1
Narcolepsia: crise brusca e passageira de sono.
1. De acordo com o primeiro parágrafo, os «"sonhos interativos"» (linha 4) permitem

A. estabelecer, de forma inequívoca, uma comunicação unilateral definida.


B. comunicar de forma extremamente clara com quem está a dormir.
C. obter respostas que, antes da experiência, eram impossíveis de alcançar.
D. conhecer melhor os desejos e as expectativas de quem está a sonhar.

2. A comparação presente na linha 20 realça


A. a facilidade com que se consegue entabular uma conversação.
B. o caráter fantasioso dos relatos que os sonhadores faziam do sonho.
C. a semelhança entre o mundo onírico e a realidade física.
D. a analogia entre o relato do sonho e o contacto com alguém distante.

3. Do ponto de vista científico, os sonhos ainda necessitam de exploração, uma vez que
A. a memória que persiste do sonho nem sempre é confiável.
B. é uma área que ainda necessita de muitos estudos criteriosos.
C. os sonhadores poderão corrigir futuramente o que experienciaram.
D. os relatos são sempre fidedignos, mas nunca ficarão completos.

4. Em «Já se sabia que comunicar num sentido era possível» (linha 32), o pronome encontra-se
anteposto ao verbo porque está
A. integrado numa oração subordinante.
B. dependente de uma oração coordenada.
C. dependente de um advérbio.
D. integrado numa oração subordinada.

5. As orações subordinadas iniciadas por «que» na linha 32 e na linha 36 classificam-se como


A. substantiva completiva, no primeiro caso, e adjetiva relativa restritiva, no segundo.
B. adjetivas relativas restritivas, em ambos os casos.
C. substantiva completiva, no primeiro caso, e adjetiva relativa explicativa, no segundo.
D. substantivas completivas, em ambos os casos.

6. Identifica a função sintática desempenhada pelas expressões:


a) «o neurocientista Ken Paller» (linha 15);
b) «no cérebro» (linha 21).
7. Indica o processo de coesão textual assegurado pela reiteração do pronome indefinido
«outros» (linhas 27-28).

XXXIV
Acho tão natural que não se pense
Que me ponho a rir às vezes, sozinho,
Não sei bem de quê, mas é de qualquer coisa
Que tem que ver com haver gente que pensa…
5
Que pensará o meu muro da minha sombra?
Pergunto-me às vezes isto até dar por mim
A perguntar-me coisas…
E então desagrado-me, e incomodo-me
10
Como se desse por mim com um pé dormente…

Que pensará isto de aquilo?


Nada pensa nada.
15
Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?
Se ela a tiver, que a tenha…
Que me importa isso a mim?
Se eu pensasse nessas coisas,
20
Deixaria de ver as árvores e as plantas
E deixava de ver a Terra,
Para ver só os meus pensamentos…
Entristecia e ficava às escuras.
E assim, sem pensar, tenho a Terra e o Céu.
Fernando Pessoa, Poesia de Alberto Caeiro, Fernando Cabral
Martins (Dir.),
Lisboa: Assírio & Alvim, 2014, p. 117.

1. Indica duas características do sujeito poético a partir da leitura da primeira estrofe.

2. Explicita o sentido da interrogação “Que me importa isso a mim?” (v. 14), no contexto
em que surge.

3. Seleciona exemplos de linguagem oralizante, ao longo do poema.

4. Explica o sentido do último verso do poema, completando as frases.

O verso “E assim, sem pensar, tenho a Terra e o Céu” constitui a conclusão do poema,
completando os argumentos apresentados a partir do verso __a)__, relativamente ao que o
sujeito perderia ou ganharia pensando ou não pensando. Deste modo, __b)__ significaria
deixar de ver a realidade e substituí-la pelas construções abstratas do pensamento.
Contrariamente, não pensar permite que nada se interponha entre o seu olhar e a __c)__
das coisas do mundo.
Em suma, não pensar é libertar-se da subjetividade e ver o mundo, sentindo-se dono
da “Terra” e do “Céu”.

a) b) c)
1. 15 1. não pensar 1. verdade
2. 10 2. olhar 2. realidade
3. 5 3. pensar 3. mentira
GRUPO II
Lê o texto e consulta as notas.

A heteronímia
Terá sido por esta altura [1914] que Pessoa começou a colocar a criação de personalidades
literárias numa perspetiva mais ampla. Não como um mundo autónomo de individualidades, que
irrompiam ao ritmo da progressão interna e secreta do inconsciente, mas como peças de um
esquema mais geral.
Não como uma construção puramente analítica que servia para esquematizar a autoria de
muitos dos seus textos, mas como o resultado de um projeto ou programa estético com um
duplo alcance, criativo e teórico. Daqui para diante, cada vez mais, se torna impossível separar
o momento teórico do momento criativo. Tudo passa a ser, simultaneamente, formulação teórica
e ato criativo.
Segundo a famosa carta sobre a origem dos heterónimos, endereçada a Adolfo Casais
Monteiro em 13 de janeiro de 1935, foi exatamente no dia 8 de março de 1914 que nasceu o
“mestre” dos heterónimos: Alberto Caeiro.
Como é óbvio, como em todas as grandes descobertas, a heteronímia pessoana não era
fruto de um projeto consciente. Começou antes que o próprio Pessoa começasse a refletir
sobre ela. Era preciso, primeiro, despedaçar-se num “milhão de fragmentos”, para de seguida
se recompor – consciente e conscienciosamente, graças a uma espécie de condutor ou
5 maestro, de acordo com novos e mais expressivos padrões. Na duplicidade e no
desdobramento, Pessoa viu uma forma de liberdade poética, uma espécie de adubo que
impunha uma dinâmica no que era estável (o sedentarismo do poeta), desestabilizava os
estados mentais fixos e impedia-o de ficar prisioneiro de uma doutrina, libertando-se ao mesmo
tempo de compromissos e preconceitos.
10 Ao dar uma certa ordem às suas diferentes personalidades, aplicando-lhes um rótulo –
heterónimos –, Pessoa acomodava a assimilava, dentro de si uma imagem mais perfeita do
seu espírito magnético, que oscilava entre o risonho (ou humor irónico) e a angústia existencial
(não há contradição entre estas duas coisas, pelo contrário, complementares).
Como os entomólogos1 ou os botânicos, que tentam elaborar taxonomias2, Pessoa decidiu
15 organizar os seus pensamentos, necessariamente fadados ao fragmentarismo, à irregularidade
e à instabilidade, conferindo-lhes alguma sistematicidade. (…)
Neste sentido, os heterónimos funcionavam como uma defesa da sua alma, uma barreira
ou muralha com que delimitava o mundo e com que administrava a sua identidade (a
identidade, neste sentido, seria também um trabalho estético). Através dos heterónimos, com
Caeiro, Campos e Reis, Pessoa sentia-se como a rainha das abelhas, em segurança no centro
da colmeia.

João Pedro George, O Super-Camões, Biografia de Fernando Pessoa, Lisboa: D. Quixote, 2022, pp.
337-338.

1
Investigador do ramo da zoologia que estuda os insetos
2
Sistema de categorização.
1. Embora Pessoa, desde muito cedo, tenha criado figuras imaginadas que se dedicavam
à escrita, só a partir de 1914 começou
(A) a criar um mundo de individualidade.
(B) a construir um projeto heteronímico.
(C) a construir um mundo autónomo.
(D) a criar uma constelação de escritores que servia para esquematizar a autoria de
alguns dos seus textos.

2. A heteronímia pessoana
(A) foi fruto de um processo inconsciente.
(B) resultou de uma grande descoberta.
(C) foi consequência da escrita da famosa carta a Adolfo Casais Monteiro.
(D) resultou de um processo teórico.

3. Como qualquer investigador, Pessoa


(A) reduziu o seu pensamento ao fragmentarismo.
(B) conferiu irregularidade à instabilidade.
(C) teve necessidade de organizar as diferentes personalidades que foi criando.
(D) conferiu instabilidade à regularidade.

4. O último período do texto apresenta uma


(A) metáfora.
(B) personificação.
(C) hipérbole.
(D) comparação.

5. No contexto em que surge, a expressão “de personalidades literárias” (l. 1)


desempenha a função sintática de
(A) modificador do nome restritivo.
(B) complemento do adjetivo.
(C) complemento do nome.
(D) complemento oblíquo.

6. Indica a modalidade e respetivo valor modal presente na frase “Terá sido por esta altura
[1914] que Pessoa começou a colocar a criação de personalidades literárias numa
perspetiva mais ampla.” (ll. 1-2).

7. Divide e classifica as orações da frase “Começou antes que o próprio Pessoa


começasse a refletir sobre ela.” (l. 12).
8. Leia o poema.
XXXI
Se às vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
E cantos no correr dos rios...

É porque assim faço mais sentir aos homens falsos


A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.

Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes


À sua estupidez de sentidos...
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Porque só sou essa cousa séria, um intérprete da Natureza,
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma.
“O Guardador de Rebanhos”, in Poemas de Alberto Caeiro, Fernando Pessoa

(nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor),

Lisboa, Ática, 1946 (10ª ed. 1993).

1 Identifique a relação que se estabelece entre as duas primeiras estrofes.

2 Explicite o conceito de “homens falsos” (v. 5) e justifique a sua utilização.

3 Selecione as opções que completam corretamente as afirmações.


Neste poema, como em muitos outros, Caeiro expõe a sua a. ________, assumindo-se
como um verdadeiro b. ________ da Natureza, que capta pelos c. ________, não
precisando de ser interpretada de forma metafórica nem questionada, porque, no Universo,
nada há para questionar nem pensar. As coisas não necessitam de qualquer d. ________.

a. b. c. d.

1. recusa das sensações 1. intérprete 1. ouvidos 1. explicação


2. visão do universo 2. observador 2. sentidos 2. exemplificação
3. filosofia de vida 3. crítico 3. olhos 3. metafísica

PARTE C

“Pessoa costumava referir-se a Caeiro como ‘o guardador de rebanhos’ e como o ‘pagão’, ao


passo que dois de seus outros heterónimos famosos, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, eram,
respetivamente, o ‘estoico’ e o ‘sensacionista’”.
https://www.em.com.br,
consultado em janeiro de 2023.

6 Partindo da afirmação supra e das aprendizagens realizadas sobre os heterónimos, escreva


um breve texto expositivo, de 120 a 180 palavras, no qual apresente sucintamente as
caraterísticas que comprovem as palavras transcritas.
Grupo II
. Quando as árvores eram rainhas
A Idade Média não é apenas a época dos cavaleiros e das damas, dos servos e dos
senhores, dos torneios e dos reis. É, acima de tudo, o tempo da floresta e das árvores. Num dos
seus primeiros livros, Guerreiros e Camponeses, o grande medievalista francês Georges Duby
escreveu: «Até ao final do século XII, a proximidade de um vasto pano de fundo florestal ressoava
em todos os aspetos da civilização: a sua marca tanto pode ser encontrada nos temas dos
5 romances corteses como nas formas inventadas pelos decoradores góticos. Para os homens da
época, a árvore é a manifestação mais óbvia da natureza vegetal.»
A floresta, as suas formas, as suas criaturas, as suas lendas, as suas clareiras, mas também
a madeira como elemento omnipresente na vida quotidiana ocupam o espaço vital e o imaginário
do mundo medieval. Até ao ano 1000, como estudou a medievalista Ana Rodríguez, do Conselho
10 Superior da Investigação Científica (CSIC), o material de construção mais comum era a madeira
e não a pedra. [...]
Inspiração à sombra
A floresta é simultaneamente o local de todos os perigos, dos animais selvagens, dos
ataques (de bandidos), e um espaço de vida, com água e todos os recursos da Natureza, como
a caça. Por todas estas razões, constitui o refúgio ideal para marginais, como o bando de Robin
dos Bosques, outro dos grandes mitos medievais associados à floresta e às árvores. Além dos
seus mistérios, das suas feras e das suas solidões, as florestas também acolheram o amor cortês,
15
por vezes em segredo. [...]
O homem medieval explorou excessivamente os recursos da floresta, mas nunca conseguiu
esgotá-los, como aconteceria alguns séculos mais tarde com a revolução industrial. A floresta
era infinita e a madeira ocupava o centro da vida. [...]
Tolkien recorreu ao seu profundo conhecimento do mundo medieval para recriar, em O
20
Senhor dos Anéis, o poder das florestas com Fangorn e os seres que as habitam, os Ents,
aquelas árvores vivas que podem adormecer para sempre e parar de se mover, e que estão
constantemente à procura das mulheres Ents, que parecem ter desaparecido.
De facto, após a Idade Média, a floresta será sujeita a um processo constante de destruição
25
e exploração que terminará no século XIX com a Idade do Carvão, e as consequências que
conhecemos. A Idade Média é talvez o último período em que as árvores dominaram o mundo.
ALTARES, Guillermo, 2020. «Quando as árvores eram rainhas».
Courrier Internacional, n.º 296, outubro de 2020 (pp. 66-67)
1 O primeiro período do texto sugere que
(A) prevalece uma ideia estereotipada da Idade Média.
(B) a Idade Média foi um período de fortes contrastes sociais.
(C) a Idade Média se caracterizou por relações sociais desequilibradas.
(D) o texto irá abordar questões polémicas relativas à época medieval.

2 De acordo com o texto, na Idade Média, as florestas assumiam-se como


(A) espaços exclusivos do imaginário medieval.
(B) locais isentos de perigo.
(C) lugares de possibilidades múltiplas.
(D) espaços, predominantemente, arriscados.

3 A exploração das florestas na Idade Média reflete


(A) a preocupação ambiental que, desde cedo, assolou o ser humano.
(B) a indiferença humana em relação à finitude dos recursos naturais.
(C) uma utilização consciente dos recursos naturais.
(D) a preocupação em relação às gerações vindouras.

4 Ao referir a figura de Robin dos Bosques e a obra de Tolkien (O Senhor dos Anéis), o autor
(A) destaca a relevância das florestas no imaginário da Idade Média.
(B) realça a imprescindibilidade das florestas no processo de criação artística.
(C) valoriza o papel do ser humano em detrimento do papel da natureza.
(D) evidencia a influência das florestas na criação de universos míticos e ficcionais.

5 No contexto em que ocorre, o vocábulo «para» (l. 16) contribui para a coesão textual
(A) gramatical referencial.
(B) gramatical interfrásica.
(C) gramatical frásica.
(D) lexical por substituição.

6 Identifica o processo que esteve na origem da formação de cada uma das seguintes palavras:
a) «omnipresente» (l. 9);
b) «infinita» (l. 22).

7 Classifica a oração «que terminará no século XIX com a Idade do Carvão» (l. 28) e refere a
função sintática do elemento que a introduz.

Lê atentamente o poema que se segue.

Sofro, Lídia, do medo do destino.


A leve pedra que um momento ergue
As lisas rodas do meu carro, aterra
Meu coração.
5 Tudo quanto me ameace de mudar-me
Para melhor que seja, odeio e fujo.
Deixem-me os deuses minha vida sempre
Sem renovar
Meus dias, mas que um passe e outro passe
10 Ficando eu sempre quase o mesmo, indo
Para a velhice como um dia entra
No anoitecer.
PESSOA, Fernando, 2010. Poesia dos Outros Eus.
2.ª ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 166)

Apresenta as tuas respostas aos itens que se seguem de forma bem estruturada.
1 Analisa os sentimentos do «eu» expressos nos seis primeiros versos.
2 Relaciona o sentido dos versos 5-6 com o exemplo do «carro» (vv. 2-4).
3 Refere as normas de vida expostas nos versos 7 a 12, fundamentando a tua resposta com
referências textuais pertinentes.
4 Seleciona a única opção que, em cada um dos itens, permite obter uma afirmação adequada
ao sentido do texto.
4.1. O recurso à apóstrofe, no início do poema, confere ao texto
(A) um carácter persuasivo.
(B) um tom coloquial.
(C) uma dimensão demonstrativa.
(D) uma vertente didática.
4.2. A comparação com que termina o poema aproxima o envelhecimento do ciclo
«dia»/«anoitecer» para salientar a sua
(A) artificialidade.
(B) duração.
(C) naturalidade.
(D) imprevisibilidade.

4 Identifica a afirmação que descreve corretamente a estrutura formal do poema.


(A) Poema constituído por doze versos alexandrinos, com rima interpolada.
(B) Poema formado por doze versos, num esquema em que a cada três decassílabos se
segue um trissílabo.
(C) Poema composto por doze versos brancos, num esquema que faz suceder a cada
três
decassílabos um tetrassílabo.
(D) Poema constituído por doze versos, quatro deles tetrassílabos e os restantes
alexandrinos, com rima interpolada.
GRUPO II

PARTE A – LEITURA

Leia o texto.

Uma ferida aberta


no sentimento europeu
Sérgio Tréfaut faz o retrato de uma luso-
descendente que aderiu ao Estado Islâmico,
sem tentar encontrar explicações fáceis
para o inexplicável. A Noiva está nas salas
de cinema.

uma ferida aberta no sentimento eu-

10

É ropeu. Durante a expansão do Daesh,


na Síria e no Iraque, jovens europeus
abandonaram as suas famílias e o seu
conforto ocidental para combaterem
ao lado dos jihadistas. Ao mesmo tempo,
35
Em A Noiva, não há uma cena de guerra ou
sequer de aventura de percurso. Quando
chegamos lá, já tudo aconteceu. O olhar é-nos
emprestado por uma mãe, cujo filho, um jiha-
dista europeu, morreu na guerra. Ela tenta
partiram também jovens mulheres, as agora resgatar o seu corpo e confronta-se com
chamadas noi- a viúva, também ela europeia, luso-francesa,
vas da jihad, prontas a abraçar de uma outra jovem mãe de dois filhos e grávida do terceiro.
forma esta causa horrenda e criminosa. Tudo Filmando no Curdistão iraquiano, com no-
15 isto fazia as manchetes dos jornais há meia 40 tável qualidade fotográfica e enquadramentos
dúzia de anos, mas como, entretanto, acon- sóbrios, Tréfaut parece ter sempre como
teceu a pandemia e se reinventou a guerra na prioridade dar-nos um pedaço de realidade,
Ucrânia, parece estar muito, muito, lá atrás. levar-nos ao espaço, num registo quase docu-
Não está. mental (que é nitidamente onde se sente mais
Sérgio Tréfaut debruçou-se a fundo so- à vontade), feito de verdade e verosimilhança.
bre este abismo, na tentativa de compreen- Sentimo-nos como se estivéssemos lá. Pron-
der o inexplicável, ir além do choque e tentar tos a tirar as nossas conclusões ou impressões
mostrar as profundezas insondáveis da alma sobre a indecifrável personagem.
20
humana. De início, o realizador desenhou Tréfaut recusa explicações simplistas. E não
um projeto mais convencional, que quase nos dá nenhuma. Não desenha um monstro
poderia ser confundido com um filme de nem uma vítima. Deparamo-nos apenas com
aventuras. Abandonou a ideia e acabou por uma mulher, angustiada e angustiante, presa
construir um objeto mais inquietante, que entre dois mundos, para a qual não encontra-
reforça e levanta novas perguntas, em vez de mos saída.
dar propriamente respostas.

https://visao.sapo.pt, consultado em janeiro de 2023.


1 Para completar cada um dos itens 1.1 a 1.5, selecione a opção correta.
1.1 O filme lançado e realizado por Sérgio Tréfaut retrata uma situação que
A. continua a ferir o sentimento europeu.
B. está bem presente na mente dos franceses.
C. ocorreu com vários jovens portugueses.
D. levou inúmeros jovens europeus à morte.

1.2 Com este filme, o realizador pretendeu


A. compreender o comportamento humano.
B. incomodar e questionar os espectadores.
C. seguir o projeto de um filme de aventuras.
D. desmontar um abismo iniciado há seis anos.
1.3 O argumento do filme baseia-se
A. num conflito bélico ocorrido na Síria.
B. no sofrimento de uma mulher grávida.
C. no desaparecimento de um jovem jihadista.
D. no drama de uma mãe para resgatar o filho.
1.4 jovem viúva do jihadista morto é
A. curda. C. luso-francesa.
B. sírio-iraquiana. D. paquistanesa.
1.5 O autor do artigo considera que o filme
A. tem um registo dramático.
B. é quase um documentário.
C. não tem qualidade fotográfica.
D. apresenta demasiada ficção.
1.6 Os “que” utilizados nas linhas 2 e 25
A. são conjunções subordinativas nas duas situações.
B. são pronomes relativos nas duas ocorrências.
C. são, respetivamente, um pronome relativo e uma conjunção subordinativa.
D. são, respetivamente, uma conjunção subordinativa e um pronome relativo.
1.7 Quanto ao processo de formação, a palavra “lusodescendente” (ll. 1-2) foi obtida com
recurso à
A. derivação por conversão.
B. derivação não afixal.
C. composição morfossintática (palavra + palavra).
D. composição morfológica (radical + palavra).
1.8 O segmento sublinhado na frase “Ao mesmo tempo, partiram também jovens mulheres
(…) prontas a abraçar de uma outra forma esta causa horrenda e criminosa” (ll. 11-14)
exemplifica a modalidade
A. apreciativa.
B. epistémica com valor de probabilidade.
C. deôntica com valor de obrigação.
D. epistémica com valor de certeza.
1.9 O constituinte sublinhado em “Ela tenta agora resgatar o seu corpo” (ll. 35-36) contribui
para assegurar a coesão textual gramatical
A. referencial. C. interfrásica.
B. frásica. D. temporal.

1.10 O pronome pessoal presente em “levar-nos” (l. 44) desempenha a função sintática de
A. predicativo do sujeito. C. complemento indireto.
B. complemento direto. D. complemento oblíquo.

1.11 A frase “Tréfaut recusa explicações simplistas” (l. 50) configura um ato ilocutório
A. expressivo. C. assertivo.
B. diretivo. D. declarativo.

2 Classifique as orações.
a. "que aderiu ao Estado Islâmico” (l. 2)
b. “para combaterem ao lado dos jihadistas” (ll. 10-11)
c. “cujo filho, um jihadista europeu, morreu na guerra” (ll. 34-35)

3 Identifique a função sintática desempenhada pelos constituintes sublinhados em cada


segmento.
a. “A Noiva está nas salas de cinema” (ll. 4-5)
b. “tentar mostrar as profundezas insondáveis da alma humana” (ll. 22-24)
c. “O olhar é-nos emprestado por uma mãe” (ll. 33-34)

4 Reescreva as frases seguintes após pronominalizar os complementos sublinhados.


a. "Sérgio Tréfaut faz o retrato de uma lusodescendente” (ll. 1-2)
b. “Durante a expansão do Daesh, (…) jovens europeus abandonaram as suas famílias”
(ll. 7-9)

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