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Fig.

2 e 3

Fig. 1

OS ANIMAIS E SEUS SÍMBOLOS


ANTAGÓNICOS
Fig. 4 - Par de selos de 2 candarins do correio local de Shanghai
Jean-Pierre Mangin (1985).
Presidente da Academia Europeia de Filatelia
Membro da Academia Portuguesa de Filatelia

No número 98 do mês de Abril de 2001 referimos


longamente os diferentes síbolos de que os animais são
portadores. Vimos que desde tempos imemoriais, por
antropomorfismo, e com base nos traços de caracter tradi-
cionalmente atribuídos aos animais, os homens, os povos,
têm-se identificado com algum animal particular e tenta-
do captar em seu proveito toda a força simbólica associa-
da a esse animal.
Fig. 5 - Carta de 1885 expedida de Pekin para os USA. À partida foi
Mas convém não esquecer que o que é válido num local
franquiada com um selo de 3 candarins do Tipo “Grande Dragão”.
ou numa certa época pode ser totalmente diferente nou- Trata-se da primeira emissão oficial dos Correios Imperiais da China
tras épocas ou locais. (Imperial Customs Post). Esta carta transitou pela Repartição
É o que nos propomos agora demonstrar com o estudo da Japonesa de Shanghai.
simbólica, isto é, do conjunto dos símbolos associados a
três animais, a saber, o dragão, a serpente e o cavalo. todo poderoso imperador.
Aliás as primeiras emissões de Shanghai (Fig. 4) e da Chi-
O DRAGÃO na Imperial (Fig. 5) têm um dragão como motivo princi-
Para os cristãos o dragão é considerado como um símbolo pal.
demoníaco, a incarnação do Anticristo. São Jorge a ven- A fim de melhor analisar os símbolos que constituem a
cer o dragão é a representação iconográfica clássica desta simbólica da emissão Tipo “Grande Dragão” fizemos um
sensibilidade (Fig. 1). desenho (Fig. 6) que mostra que o dragão representado é
Pelo contrário, na tradição celta, o dragão é um possante um dragão do ar chamado “LUNG”. É o tipo de dragão
símbolo protector. Esta tradição tem sido perpetuada até mais popular na China.
aos nossos dias no País de Gales (Fig. 2 e 3). É um animal fantástico em cuja composição nada é deixa-
Mas é sobretudo na China que melhor se manifesta a opo- do ao acaso. Segundo eminentes sinólogos é constituído
sição entre a análise dos símbolos associados ao dragão pela soma das partes de maior simbolismo dos animais
na tradição judaico-cristã e a tradição popular no Extre- mais frequentemente encontrados na vida quotidiana dos
mo-Oriente. chineses, a saber:
Aí o dragão é considerado como o símbolo essencial do - a cabeça do camelo, símbolo da sobriedade;

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- os chifres do gamo, que, como qualquer cervídeo que
perde periodicamente os seus chifres que voltam a crescer
posteriormente, é muitas vezes assimilado à árvore da vida,
daí ser o símbolo da vitalidade. E de tal forma que os
cervídeos do Zoo de Pekin têm de ser protegidos a fim de
evitar que lhes cortem os chifres acabados de crescer, aos
quais, uma vez secos e reduzidos a pó, os chineses atribu-
em propriedades afrodisíacas;
- os olhos do coelho, símbolo da fecundidade;
- as orelhas da vaca, símbolo da abundância;
- o pescoço da serpente, símbolo da estabilidade e da paz
para os orientais;
- o ventre da rã, que era utilizada na China antiga para
obter a chuva. O principal simbolismo da rã está portanto
em relação directa com o seu elemento natural: a água
indispensável à vida;
- as escamas da carpa, peixe sagrado que simboliza a
Fig. 6 - Desenho de um selo do tipo “Grande Dragão”
coragem e a perseverança, símbolo da virilidade a carpa é
o símbolo dos rapazes;
- as garras do falcão, símbolo solar, sempre ascencional,
no plano físico, intelectual e moral;
- as patas do tigre, animal caçador que na Asia simboliza
o poder temporal forte adquirido pelas armas.
Além disso o dragão protege a “pérola da noite”, que é suposta
possuir virtudes miraculosas contra a doença. Os dois ramos
que saem da “pérola da noite” simbolizam os raios luminosos.
O dragão é o seu guardião.
A partir da discrição de todos os símbolos associados ao
dragão é fácil compreender que este animal fabuloso é a
resultante de uma muito longa tradição, de contos, lendas
Fig. 7 - Envelope patriótico emitido em 1862 pelos Nortistas. Os
Sulistas, simbolo do mal, são representados por uma serpente e tradições populares.
cascavel dominada por uma águia de cabeça branca, desde 20 de
Junho de 1782 adoptada pelo Congresso como símbolo oficial dos A SERPENTE
Estados Unidos. Os cristãos atribuem à serpente uma simbólica análoga à
que atribuem ao dragão. Para eles a serpente é o símbolo
do mal sob todas as suas formas. Numerosas peças
filatélicas refletem essa crença.
A serpente símbolo da paz para os Gregos e para os
Hindus.
É evidente que se os farmacêuticos e os médicos adopta-
ram a serpente nos seus caduceus é porque este animal
representava para eles algo diferente de um símbolo ma-
léfico.
Tal porvém da mitologia grega que conta que Hermes, ten-
do encontrado na Arcadia duas serpentes a lutar, separou-
as com a bengala em torno da qual elas se enrolaram
apaziguadas. Os Gregos derivaram daí o caduceu, símbo-
lo da paz. Notar que se o caduceu dos farmacêuticos tem
Fig. 8 - Inteiro Postal do México, ilustrado com uma águia segurando
duas serpentes, o dos médicos tem uma única (Fig. 10).
uma serpente no bico. É o símbolo nacional do México. Representa a As serpentes na religião hinduísta são consideradas, jun-
dualidade entre o Céu e a Terra e o combate travado entre o Bem e o tamente com os dois grandes Deuses Védicas VISHU e
Mal. Este símbolo tem origem numa lenda que conta que a antiga CIVA, como transportadoras do mundo ao qual assegu-
cidade de Technotilan, a actual Cidade do México, foi fundadda no
próprio local em que os Aztecas viram uma águia gigantesca levantar
ram a estabilidade. Daí a simbólica da paz que lhes está
voo com uma serpente no bico. Para os fãs da zoologia a águia associada nesta religião.
representada é um CARANCHO, nome local da CARACARA. É este símbolo da paz e da estabilidade, trazida pela pro-
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Fig. 11 - Inteiro Postal de GWALIOR (Estado Indiano).

Fig. 9 - Selo para encomendas postais dos “Messagers Nationaux”


(1890). O desenho deste selo para encomendas postais transportadas
dentro de Paris representa uma roda de triciclo e um caduceu. Este
serviço de transporte por ciclistas era, com efeito, especializado na
entrega de pequenas encomendas das farmácias intra-muros.

Fig. 12 - Retrato de Faraó com o “Némès”. Este está ornado com a


deusa Cobra ou “URAEUS”. Para os antigos Egípcios a cobra era o
símbolo do Alto Egipto. A deusa “URAEUS” era associada às
Fig. 10 - Caduceu dos médicos. representações do faraó, a quem tinha por missão proteger.

tecção da coroa britânica, que se quis representar neste


Inteiro Postal de GWALIOR, associando duas cobras à
efígie da Rainha Vitória (Fig. 11).

O CAVALO
Uma crença ancorada na memória dos povos europeus
associa o cavalo às trevas do mundo subterrâneo. Por
consequência, na sua qualidade de divindade soberana, o
cavalo conhece os caminhos da água e é suposto, tal como
Pégaso, o cavalo mágico, ter o dom de ser capaz de fazer
brotar fontes batendo no solo com os cascos (Fig. 13).
Senhor das águas subterrâneas, o cavalo pode também sim-
bolizar tudo o que se relaciona com a água em geral. As-
sim é o cavalo que puxa o carro de Neptuno, o Deus do
Mar (Fig. 14). São também cavalos que Britânia escolheu
para puxar o seu carro que emerge dos oceanos (Fig. 15), Fig. 13 - Pégaso, o cavalo mágico.

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Fig. 17 - O cavalo de sete cabeças e o carro do sol

sobre os quais estão disseminadas as suas possessões.


Animal das trevas para os povos europeus, o cavalo está
associado a símbolos totalmente diferentes nas mitologias
Fig. 14 - O carro de Neptuno.
grega e hinduista. Na origem Chotiniano, o cavalo torna-
se pouco a pouco ouraniano, de subterrâneo torna-se fran-
camente solar.
Para os antigos gregos eram cavalos que puxavam o carro
do sol e que lhe estavam consagrados. O cavalo era atri-
buto de Apolo na sua qualidade de condutor do carro so-
lar (Fig. 16).
O mesmo se passa na tradição hinduísta, onde um cavalo
de sete cabeças puxa o carro do sol. É o que surge em
diversas emissões do Estado do JAIPUR (Fig. 17).
Limitamo-nos voluntariamente ao dragão, à serpente e ao
cavalo, para demonstrar a existência de símbolos total-
mente opostos na simbólica associada a um mesmo ani-
mal, em função das épocas, das religiões ou dos locais em
Fig. 15 - O carro de Britânia estudo. Mas esta lista está longe de ser exaustiva. Apela-
mos portanto a uma grande prudência antes de afirmar que
um animal reflete um dado símbolo e unicamente esse sím-
bolo. É a esta mensagem de prudência que o nosso estudo
pretendia chegar.

BIBLIOGRAFIA
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain, «Dictionnaire des
Symboles», Robert Laffont
IRELAND, Philip W., «The Large Dragon», Editions Robson
Lowe Ltd

Fig. 16 - Apolo e o carro solar

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