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ESTUDOS SOBRE A

CIDADE ANTIGA
Maria Beatríz Borba Florenzano
Elaine Farias Veloso Hírata
(orgs.)

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l"uIl
Modelos Teóricos sob re a Cidade
do Medkerràneo Antigo,

N o rb er to Luiz G u ar in ello2

oBJETrvo DESTE ARTTGo É epRpspNTAR ALGU-


MAS REFLExóEs sosne os MoDELos tsóRrcos DESENVoLVT-
Dos pARA sE pENSAR A CHAMADA "croeDB ,rNt:rcd'E soBRE AS
DTFTcULDADES TNERENTEs À renera DE ESTABELpcTn uvr orÁ-
logo entre o presente e suas demandas e um passado rem3oto, distante de nós
e muito diferente em termos do processo de consrituição e funcionamento de
sua vida social- Uma parte considerável dessas dificuldades advém da falta de
conceitos apropriados e da necessidade de balancear, numa mesma concepçâo,
o modo como os antigos se viam e o modo como desejamos vê-los a partfu de
nossos próprios pressupostos sobre o que fosse a realidade social.
Póliq* cidade-estadg 9*sidg_dç3lrligg-p-{-.q_-taê=q*c.o_nç9,lJ9s:çhe,vg-p,or meio dos
q-Hil'li*-qgg-gs&*rsiglee-eresua-cars[d"t"tair"*'"ntss-fu qea.*4ç-ái
ri
I

g:*:1g39":g:?l19_lg:glrS 99 1nggg...Embora sejam usados, muiras vezes, I

como sinônimos, possuem origens e nuances de significado que têm implicaçóes


importantes sobre o modo como entendemos a estrutura e a dinâmica das so- I
I
ciedades daquele passado. Representam , de certaforma,modelos distintos para .i
pensarmos as chamadas "sociedades antigas". t!
Antes de entraÍ na discussão específicadesses conceitos, faço algumas consi- I

t
deraçóes bem gerais. Tpd. qr.a"b a g"".
g"4ol q.tg".i+ 4" "^,
que permitem entendê-l a e co^parâ-l^
"q
com ouffas realidades que âpresentem os mesmos atributos. Os modelos podem
ser tomados como realidades concretas, que descrevem o essencial das sociedades
.estudadas, ou como abstraçóes gerais a pa*ir decertos aspectos, que funcionam

I. Texro apresentado originalmente no r simpósio do Labeca, em março de zooT.Foram efetuados


alguns ajustes nas referências a autores, mâs o rom coloquial da palestra foi manddo.
Professor de História Antiga do Departamenro de História/rrrcn-usp.

709
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2

f,

.u-

da Grécia e História-de
o estudo desse mundo em

ãffi#cd;i;d;; ; r.-EÍg!'se gwçv ehsqaril


depe:';t::",:

.,aoup"*rp*prrsÍuõ&tJu.'suns-u,"s'*4§:-^ffi ;
í di rli" rr., d" d""t id" tldl-4"-'. Ig:Iil'9I[§'?:EW*_'=--
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m abrangêgi*: g"-"-lg
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como eq u duãI á,e*'
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í^çari',Rom1,_gi.1^h_istória
nais: uma delas consi,- 1i=--*:*r..-i"* -- F *'**-- *--
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ffi ããa-rt"d, ããi ô usia-s-ç1fu $3q 9q nlemP o
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t JUtã tia ade grega e a cidade
'
*i:i*"-ryffi '.'t'u
S t t"t'ito dif"'" "t:'' ! : i "t",i
::ffff;il.",,.a"p'."üCÀq
ro mana se


guem

rrrããid, "-
Ênal do século xvrrr, o problema
.
"t'i"t'o
náo se .otoãur, que as cidades

N orber to Lui z Guar inello

770
cada qual com suâ própria
anrigas eram reconhecidas como Esados distintos,
romanos' carta-
histária, independentemente de sua arribuição étnica" gregos'
gineses, f"nícios e etruscos eram colocados
indisdntâmente' lado a lado' como
exemplos de constituiçóes antigas" E3T-:F'l do
xvIIr e as primeiras décadas
do xrx, essa multiplicidade começo.g-1;9r :l,fL;a4ina;
.or*.oi. liirtórii, "".iôíàir ""1â".rá** Éãq;ãt to a História romana parecía
'.'
aPresentar uma unloâ :á;ilãi_;ã como a história de uma uníca naçâo e de
,irr, ú.ri.o Estado, a história daGréciaP'oPot'@"
prrr bora se reconheça como
atá.rfara"
a Pluralidade. dl"Esta{s.
",":i
tornava quase imposríu"l * to"tt'uçáo de uma história
unifrcada daGrécia D't':!í
g :5gg Y' I'q !r"+&-P9§c9T9["-
çgnpo1 i,.,ç
5
ia- ru c
.qug §lu TjIt
ciaI 1

;; à; .on."U"" a" ãoao hit'óti' oolítica da Grécia' Os primeiros


""i;;;i"r; lwall e George
;;;i; cen-
suas histórias
Grote, reconheceram a dificuldade, mas náo a resolveram.
travâm-Seernnarrativaspolíticasconstruídasa-partirdo_quecon.sideraYam,ts
b
,.u". ."dtfltrt d".
,t ziam''assim' gmt 9-egÉe;1gi'a

no"- .-"-ro *i* r qrr


-"*ãã@Fd' "gt -,- P
4g
*à *j *tt"
"r
ras fontesr Homero, ffiãtã,Tucidid"t 9 4919fo"!1Quan-
ffi;,";.;r.;ã;-'á Estado

especíÊco, t la111gyeJgll
m em Thirlwall' nem em Grote há uma
: itttqr
;"@.g,"g",ousobreacidade-estadogrega,anáoser
ggl1_.gtud"11çáo i,rpliqa, {9-["-àq"l!qqadg§iq-49-P"!d§!!e§''+lngfl*l-
ã; t*r*;rá .ãÀo,,,'oã" f*"do p"t' ot to"flitoqd'-toti"é'd" Ú4. D"
modo geral - e nisso se pareciam com os Prlmelros nlstorlaclores
.rarr
l
ui11n ogtq& g'"go to* olhot -o1q
-r.tr,"d" G.Nrqbúr liYo*'t'"' -
,ror,p"@gl l-
i§-{e11,a!s' fosse pela
ffi;maaa, &-ü" p;lr!GgõõI'rú" g'"e'qpe §olqe

r.q'a,+ à,t*o'
ɧ*tr--"11gpúçaqiirt.lltt"t'Aperspectivaera'Pottanto'hllstoricista'
;;;àte;;G coqunlgue ljonstltulam'
íti'
oarticular, ou seia, pela sucessáo dos eventos
'--Xpr*i, a;;;;,a6õ ;6;;Húr.i, d" á;*"volvimenro da sgciolggja.e
essas
da ant.opologia, surgiram os primeiros -modelos especilc9s Py1 Pensar
,o.lêã#. eã1",r.ffii9uo.ll*ãtiiiei-õ i"mpo "r" q"e te 'rnPlãv'-;;à
iJ*lãl."oaa"r mais interessantes foi desenvolvido, num rápido
,Êãrrg6rr.i,
,rr.oiho, por K. Marx num capítulo de seus Fundamentos Para uma Crítica da
a Exploraçâo Capítalisti',
Economia Capitalista,intituladoiFormas que Precedem
-.+

cidade
áe fi5z,Nessetexto, de catâter bastante especulativo' Marx contr?P9e-a
antiga'.,co mo uma fo rma e sp ecíÊ." do
3i:"1"ttt:ll" p té -
l
i t'Í* 1|t*' 1o
qfu i:.iô-áãmundo

Modelos Teóricos sobte a Cídade do Meditertâneo Antígo

771
u.,lSryÍX$;.3T9.:t-tá!o'
I
u
conremporâneo, essas formas se caract erizatíampor-
co-
co,,' da terra' Na forma antiç"â'
4a.99rra'Naformaantrga'
\l
"rrt"ndào
"nt"ndido
ffiunidadetambém émééacor
acondiçáoprévia {qaEgpliaçáo
T
^,, aqul nos lnteressa, -
que --.- ..;

i\ daterca,mas aparece nâo na forma de uma coryg1iclglgsqP:r9ry-gC*1*


\\
L)
affi
.comun
"rr
*t
mas co mo,r- rr r o .,ãfr 1,1it- g,qié'd:.9-traL!-1$:*da
"
"
,"r sforços coletivos' O f11t1dryilllgre
,i, r de outras comun
§-enca
cidade é, assim, uma
ãíõüSlicas) é a gratde ta
çrrã íii*r. ffi"r,r" ã^ã" e, br." d, o.gr",zrça" Fafi -

) ;^f *r*WÍs,;§^lteZtejgtgp!à44çuIc44b-9s-!Luçy.LAqlbd3l-tgtr.o1tgvagà
conquis-
os Ã"ffio.àr.o-ggidade (inferiores e superiores,
dif"re.rcirçáo
"ntre
ffi)tDaíqueaterracomumseseparadapropriedadeprivada-
por que náo
A terra é apropríadaindividualmente e trabalhada individualmente,
.re.esrit, d" rabalhos .ol".i'o'' A to',ttt'id"d"

#'
::g{Íg:1ryre
rH'ü
tot'dição p'éuité r4q"'bto d'cqm'!i44-de9
Orrr r", Oroprietário p.irado a 'qq
indivíduo se relaciona.o-, tq!, e coq'êçoqoti&49 gPPo'O falo
ã; t' -"-bto do Estado' Passa Pela
o.;r;;;"
experiência do Estado, .or,àiçaop-té vi1gy,e !-e25y3fu9o-1qo-=diyina-(l çf&4"-)'
,ir,r-. eleã a6;úZ-;"q"isito para a continuidade da
comunidade é amaru!Çao-da igualdade entre seus membros, todos campone-
ses livres e auto-sufrci"r'rr"r.fl"' l'tatx,-
ff,--

na rnesma medida em que aumentam as-1'19=l!it :-"-:1"'l:=- '


-- nos modelos
ô.";;; d; Mrr", ap"r* A; .""r"r ,q""íffim-e"rór piãs".tt"t
até o Ênal dos anos
contemporâneos, permanqceu praticamenle.desconhecido
tg5oe,'ao"*",.ffia1hosimediatamenteposteriores. dt f'
f @s para â hisroriograha marxlsta,-fo_ =__.--.--
-/ ",' em
Estado, publicado
puDIlC
iedad.e Priuada e do ,
Ensels, História da Família, da
. ':tt,f
t-) @mavisãoantropo1ógicadaevoluçáohumana,uma
liú, da História.o do b9m-ep-,pglg]"-
:*:*:l
; 'oreiQ-
gr* ;*^".qm. p e qle- luLuqllary
;"ffi. *;;""".t"tq":, 4@'E;t'*' ao comércio' ao Êm das
relaçóes de exPloraçáo e
,
A cid'ade surge, assim, como um Estado' entendido
como agente
dorrrirr*ção-
ã" í.^ir*uo s

tltt"
om
@gr"orhrbiirntes m território' O texto de En-
que a historiografra marxista
gels anuncia, assim, os dois principais problemas

N orb er to Luiz G u ar in ello

772
enfrentaráno sécul«

'r,=!.ü;;i_=, ü:::Tiff::T,*lÍ::
pério) eã ãecã*ànre diÍiãurdadé
,.
ili:j:,".":::,*r
de ar;ra*
ou anres, para definir a1
l,rrr. a" .;;,, seu inrerior,
fundamentais
{asses frente ao Esrado.
Muiro mããfluentãs 6ãma;;;;;;;i;,
boraram modelos próprios
qrr rp"ir;;;;;.. distintos, eta_
para a" rid,^d"
para a pólis, como BurckJrard Fusrer de coulanges, ou
I. ^rnt;g^,como
r. A Cictad.e À;A;"d.
a.",rr$"r,
rso3Í aÉ fioje, considerad.
il;;;r;;. óoulrrg.r, como Marx, r p,rbti.ra, "_
com a dico rom ia gregos
comunidade re1iqiosá, b-asálá
ue rs u s
JÍ;--t, ;;;,* ;:ffi: j" :l:
r omanor, ur r.àn
núma UÉrA a;,r- ffi ,Ç indo-"r.opéi*.
Sú .;À;ô de ,üà.,gencia,inclui,;;;;rr"
indistintamenre, as cidades
q1s (toda qr'"lqr'"r"'-' deras) e , .iaraia" gre_
"
e não que rompãpori
Roili- Digo quà pi,ar"rerornper,
pe.mãã."m oi dõis rermos da equaçáo como
equivalentes. Coulanges, se fossem
dividena verdad.e,
pé?:!"0.u-nr.ru.,,'o-,"'.,'i"rffinl,'l:_ü_ü,*::í.1.ffi;i"j;
quãla c
r1g]'rrln:*k*rãei^;-;6ã,,q#- a;AZaaf;*.-;;ãl A1,,rr; a"
ãiiiffiám os mesmos rituáii _
confederação de famílias úma
e tribos _ à_o ,rã"6rr", e gue, por seu próprio
funda-
;:T:::ff:: "^:rJ-,1*rr.:,,r: "b,ot,r"_* teparticutares. cada cidade é rrm,
igrejaespecílica,emboraostundamen..ilüü,irJ"'.liài#+L1ffi
,lgdsl]3"'.S2p-J.ãcutã.ri;*:rt*r;;;.i..,,rr,rrrr;.:=,.
Hg*iiçs-1le;l*'d;íÉ#il*rr+::iijã;iiiifli;*rr,
proprlamente, a cidade aoarecc
j;
êm nla-^ ^..^-, r r.
comunirárior r_ . Os vínculos
progressivamenre e ,. .id"d"*i,,
rísticas d" ro.l"d"d.râquecem mem caracte-
d"
*-preanuncia .",, a",,j,11;"Í:::l;': :.:i[ffiT:r
_
b
",,, -"reriais, o que
Á Hstairi àa'c";,;,;;,';;, ',',
üijffi*",;kh;;ái, roi pubricada
oo.r,,o,"_",,_
reoz. sua primeira
:il;:ffi'#K:":': 1828
e
p".rr,,,ro-,r,.,menr" d".,o-' _

gqrygl5tor,.t.;i
,pois-menciona pólis ,""g
aplicado " ry 1ú,
.rp;ffi:;;.;êã hirróri,
,ri+*d_",dg
&_na,.o:-q_s9 dq-c-snqelto.e .
a; c.e.ir, ou anres, ao mundo
o + flu1c\frardr o'p;+-; grego em geral.
'"*'"
o primeiro a conseguir io,Irl +u" na hisroriogra'a-arema, pois foi
rirr""J". rá.q;à;"nre a uma demanda formurada
t776 pot F{erder, adadefrnição em
d. u_r,,fo, Ã^gr"g^de Estado,lou
grega de Estado', que corresp*otdgge anres, da,,idéia
u;ridade de sualgltura.
E éprecisamenre o
::l:i:: 1" o:ll' o'" p,"*.r"1,* C,r;.ã;;;a,a.;;;;;:J:,,, essenciat
"t*e*-.rli=*.EÉ,,
e um a com un idade,
r"
:IW. rGãi1ffi
n
, - Ê,t,do
ü9J.§lE1i.o-jo r"r*o.
dg Estaáó_lrego, um "o À*pãli, eã L;m J de 6 n iriva
p"qr"Ào Eiããà i'd"p"nderr",
",ru,ro indepen- .;;;;"r*
o'i1o
,, ;fi:::fj:,:",:T:'::::
"nação" gregacomo
""
1'
..a.. e, f"i" ;;;;*
um "'
mais ampras,
Irlars amplas, que abranges
abrangessem
sem a

Modelos Teóricos sobre a


Cidqde do Mediterrâneo
Antigo
113
ção" grega, o fato de ser dividida em pequenos Estados independentes, formados
por um núcleo urbano e seu território. Para Burckhardt, a*pél§ é_q-,
"q_q4r{ç
viva, que ultrapassa em muito a mera exlg.I§?g_ de_'§-qLn-úclqo_-urbano. A ela se
LSr-1=*g""t:. "fpírtr. "
r.q caráter dos
li"Àá;, q"e; d" rgó", üZiip"lã."r.ê iguais.
1caráter altamente generalizante, o desenvolvimento ã'iÃpãiãã"""
histórico das pólis é descrito,
essencialmente, pela oposiçáo entre Esparta e Atenas, no quadro geral da sucessão
das formas de governo: realeza, aristocracia, tiranía, democracia- Os elementos,
por assim d?"1-"1!"'i919! à pól p**
d"r"ir''
ç._TgjÉ1g1.1ll,!1tel
dominados e escravos. O, pG*rnrí"* eEl.g"s, é de-
.".illi{.j* df'glglyggtg!9l14ryt4g4ism_o _e
pglôTmffiêp*ãrulencia
_ política. Mas em Coulanges o declínio já se dá no período arcaico, enquanro em
,
/ PpUm modelo mais abrangente e generalízante, mgrygi" i"fuê"çia só r.
a_9_91qqist11y-c9dQ{ci.I

sentir na segunda metade do século


"r,
t e{t"tít*ir dr-C;h*,TÃgo, "-
d"
ú96, Agrárias na Antigüidade, p:ublicado em 1898, e um rexro denso
Relações
e complexo, retirado de um manuscrito e publicado posrumamerrte, em rgz+,
í -,, intitulado Á Crdrdr.O -"d"lo d"riu
-.'..',
. etraço aqui apenas as linhas que me parecem mais impgͧ: Em primeiro lu-
. d,.-
g"., o *od"lo_{" W"b"r é
t"
r' i "*r"-r-"r " gsg f1rilr, T"jr_._pjl.
contrário, ao mundo grego ou às cidades independenres, Náo apenas esrende

a história das cidades antigas até o Êm do Império Romano, mas considera-as
.a
t.\ mesmo essenciais para entender â esrrururâ do Império e as çâq!+§-4e-s.g.q {e-clí-
-_)-l
ti -
ã-aclo termo de modo a incluir uma imensqqám4 de tip_q,s dgsiskls,.da antiga à
-"dú;i e; m marcânte de seu modelo, ou de seus
sucessivos modelos, é a tentativa de unificar as relaçóes econômicas e de poder,
bem como a esfera dr úÉb"r,
.àériõ@densidadedemoradias,PreSençademercado,forta-
teza, centro do poder e sede da elite, sua tipologia permite diferenciar a posiçáo
especíÊca da cidade antiga no grande quadro compararivo que elabora. A cida-
d-ryrglÉ:gd"gl, como o é a cidade medieval, diferenciando-se do modelo
o.i".rt*l ,?ã,.r*
)alâc10. efltte a aÍIttga e a mals sutll. emborâ tenhâ
grandes implicaçóes. Para entendê-La é precíso olhar com mais detalhe o que
Weber denomina de cidade. Ao contrário dos autores que analisamos anterior-
-"rt",lMeb". r"g*" r-" lir podem ser rraçadas
na Or@máa Riqueza das Nações (,7 s"-
gens ia Alema (t8a4-úa6) de Marx e Engels. r,U crd.ade e o
\-
centro
".bánolqu
] ço rural,podendo ão--minâ-lo,

Norberto Luiz Guarinello

774
ser dominada por ele, ou mesmo apartâr-se do mundo rural. Esse ( u1n ponqo
crucial, que será retomado pela historiograÊa na segunda -"rrd" do século xx,
dando origem a un1 intcnso debare sobre a ci.lade anriga, como vcremos. Para
Weber, tanto a cidade antiga como a medieval sáo cidades burguesas, no sentido
de que se sobrepuseram e suprirniram es releçóes entre gentes arisrocráricas e
instituíram
-ã"
lr*a for-, de poder público. Para Weber, a cidade antiga é, acima
t"do, rurais, quq
11!vem-das rendas obtidas no campo
"E{"lgq-pf"pqr-.1,i1ior
ondea-pougo a po.3.:.Pll!_1n1 adominar a mão-de-obra escrava. Nesse sentido,
sãoicidades consumidoras,pois vivem da exploração do campo e náo precisam,
ao cônrrário das cidades medievais, desenvolver uma produção artesanai propria
para garantir seu abastecimento. D"Lt de oficio e a fra-
"g:glt*iad919rp9gfÇóes
queza de uma possível burguesia mercantil. Daí rambém o brilho extraordinário
da iuliúia ántrga, uma cuftura üi6ana, blseada na escravidáo rural, mas que de-
clina com o declínio da escravidão, que empobrece as cidades e conáuz, no Baixo
l,r,péri,o Romano, à ruralizaçào e ao lim do mtrndo anrigo.
De Thirlwall e Grote a Max Weber,,gd9:lfr§-9+1gr qle1ceggln:{1§ncia
na historiografia do sécu1o xx e, em certo sentido, ainda sáo peças de debate con-
rernpor-â-neô.De qualque. modo, a despeito do caráter abrangente desses modelos,
a discussáo sobre a cidade antigâ tendeu, até meados dos anos tg7o, a centrar-se
novâmente no âmbito mais restrito de uma Hisrória da Grécia. Para mencionar
apenas dois exemplos clássicàs e pârticularmcnre signiÊcativos, dentro de seus
respectivos âmbitos historiográÊcos, Vitor EIrenb,etg, num_artigo de rg3z, rea-
propriou-se daidéta de pólis de Burckh-ardt, transformando-a na unidade de sen-
,i4g i4l.l9.,1gfega, oLr seja, dando-lhe um conceúdo exclusivamente helênico,
para, náo !r7yd_q:i4,+1rlgnl9 1!:lignse; Gustave Gloq, 9,q !_Ç1fu!e G ega
sgr-
,lithl illuguradlpo.-r,Çor-rlanges, mas restringiu Tu alcance, es-
(1928), rerorroar
pe91Êc1mg1ry: 3e lryn{l*g-19g9 J49yaq9,lter!e1lg11{o-9e 1a !qtó1a de Atenas
como ponto culminante dessa história, gujo declínio marca rambéln seu Íim. É
verdade que as ênfases sào bem disrintas: Glorz cenrra-se na Í:ormação do Esrado
e em suâs insriruiçôcs, opondo oligarquia à d.*o.rrli, como âs duas formas prin-
cipais da pólis grega em seu apogeu; já Elrrenberg acenrua o carárer comunirário
das pólis gregâs, conro conjunro arivo de cidadàos, cujo auge só pode realizar-se
pela denrocracia. Tais diferenças sáo signiGcarivas, grosso modo, da formação das
radifóes nacionais, especíÊcas, sobre o estudo da chamada'tidade antígd',
É impossívelfazer mesmo que apenas um balanço geral da discussão hisro-
riogrâfrcano século xx. De rnodo geral, e bem simpliÍicadamente, po4eqlo_s_4iz-e1
que os vários modelos desenvoividos giraram em torno do peso correspondenre
dos rrês rerrnos, ou ângulos,-peios quãii a c;dãJe anrigã foi viJta e analisida:
pO_l§gard":"tQ;;+d.. É-bo,, pareçam quase sinô.,imos, e mesmo que
apareçam usados indistinramenre em diferentes texto_s,-c4daum desses reÍfiios
P9!lt1!9!991o_9! P!g1>.trt, que âfetam as diversas maneiras de se pensar as for-
mas de organizaçao social e política do mundo andgo.

Modelos Teórios sttbre o Cidade do Mediterrànea Antígo

115
nas para a (
3{l j,_f 'gygelmente,ote_rmoT3§"rrgl9g3-&.p-ef 99!11tori*4*o:gl4gltl Aqui o pro
ç-gt"-ç,or'-ç-"gg:p4çgg:ghg.,
"p-q
p. !9gf9l1q-e9s, nem a taduçio de um
na verdade,

termo antigo, mas a simples transPosiçáo de uma Palavra grega Para nosso v-o- direrràneo ,

Urv. O uso de pólis tende, assiim, a restringir-se ao mundo de fal.a 9u culgtra


íbulo.
caDulo.
LAU
lizaçáo pró
das socteda
l"gu " que-lhe c9.1!7ye,l9{-si úr
.o-p"rrçàà io* o"tor sociedades, talvez organizadas de modo semelhante, rremo, tre!:
mesmos ml
,L , no Mediterrâneo ântigo. Um dos grandes problemas no e!-rprego dessa deno-
min4ção é sua grande polissemia nas próprias fo11e-sg1egas. Como os rabalhos, prolerariad
.,.r I \1
exterior, a1:
'.i.,""]p'i,*iro@ois,maissistematicamente,deHansen
-#
.....1Qoo+)moStraram,pó1isaparec.'',d9.,@SlPafa d*lg9p.
riu" glpet-9 cglt{9]1lba+9, pera qe rgferir livro de E.
Í tg_
,v' li r.
h"llqgltg:lg"ltlglltó{o
rratía-1il
«e' @to dos s.ubmetido à entre cldâü
q"rra l"l. NãTisiãriãg-r"Ê, .orremporânea, no enranro, o rermo âssume uma .ié crlil, de
tonlor^çi L", --
Estado poc

i}ide sua d;fi;içao d" pólis como ull1cgllgnidade polírica cujo equilíbrio de- de governo
ãiiitr "Fáur"*
Ã""f"*ã""ça. +
"-, I Ci.i.i.ie (

n comunidade política traz algumas conseqüências importantes: enrendida como sgus eparel
t l

açáo dos cidadãos, a pólis Patece Pe.der,Por Yez a constiruiçá


qu,como Estado, reduz-iiidõãéãió-comüm a uma ontologia daaçao polídca rado condt
dos cidadãos, como aparece, de modo mais claro, na obra de Christian Meier, Ro*r,p*
sobretudo em seu O Nascimento da Política (rSSr), no qual a pólis, e o político pério, prod
que a pressupôe, aparecem como o centro davida, da identidade e da açáo. se aplicass

Mas o termo pólis associa-se, rambém, a um Processo de exclusáo, que re- náo é mais
produz, com poucas alteraçóes, uma ídéia jâ presente no próprio Aristóteles. A Por hrr
pólis é o conjunto dos cidadáos ativos, sendo as mulheres, os estranseiros, mesmo rende a flrr
e analisad;
"Oo.
Num livro, por ourros ângulos, bastante notável, Ás Origens do Pensamento Grego .1"§, cidade
5 / -
| '
^Í\" , (r962),J-B Verlrar,rt ploql.ra demonstrar que a razão_grqg4 é Êlha . Mas hegemonit
'
^-.eÀ -'autonomi
r.\'Ú' I sua pólis, que se diferencia das sociedades orientais pela ausência de um palácio
,"nt^liz^d*esoberano,éu-iqp-9f-.!§lft"q91lg;&-Fgq19-{ryry9ryry111-ex- -"roro E
,."iaãã, r.U".ã"lr r* a"-ã;;;"" *;flrr. ."- a aristocracia. os termos de- ;", h*.ó.
Ênidores das pólis gregas dizem respeito, táo-somente, às relaçóes entre cidadáos (]'".,
.ativosr o agó n, a palavra mediadora, a isonomia, a isegoria, um mesmo universo Processos
espirirual, uma mesma pedagogia do cidadáo. A pólis por excelência, a Atenas ipesar ü,
após Clísten es, aparece como um"universo
-
eo, sem hierarquia, sem dife- :lnrr os crir
renciaçâd'-Os escravos sáo cirados numa única nota de pási na, os metecos e odade...u
nao aParecem. tadas as nças de m, e o mesmo Esra,io.
'ru
exemP por n Murray em seu artigo"Cidades e a exclus;
Por
emThe G City from Homer to ,\lexanáer, em 1988. --'l-;1.
Já cidade-estado é um w ape' G
Norb erto Luíz Guar inello

tr6
nâs parâ a Gr(gfL 11q9,para outras regióes e sociedades do Medirerrâneo antigo.
Aqui o p.oúi"-, ."riJ" contehdo que se quer dar à palavra Estado, Não há,
"o
na verclade, uma defrnição própria, especíÊca, pari âg entidades esraçais do Vle-
diterrâneo antigo, que representavam sociedades camponesas, mas setrr a cenrra-
Lizaçio própria dos palácios orientais, nerr o domínio das relaçóes de linhagem
das sociecl.rdes rribais.le agricultores. Eduard Meyer, para cirar um exemplo ex-
tremo, tratava Atenâs em seu Evoluç,ro Ecornrnica da Antigíiiclade (r9o7-r9ro) nos
mesmos moldes que um Estado nacional, colr'r sLlâ indústria, sua burgucsie, e seu
proletariado (os escravos), colrr suâ balanç:r de pagarnentos derivada do comércio
exrerior, apresentando um desenvolvimento social e econômico semelhante ao
Ja. Europa moder111, .Ernborn cxótic.r, a i.íei.r foi rcronrada recenremenrc nun)
livro de E. Cohen, A Naçao Ateniense, publicado em 20ogr no qt,al procura_re-
rratar a soliêdáde ateniense como uma naçào, na qr-ral as diferenças de estatutos
ãntrâeidadaos, metecos, e escravos seriam irrelevanres. Uma verdadeira sociecla-
de civil, de indivíduos igrrris, nr Arenrs clássicr. A falra de clarcza da rroçáo de
Estado pode, ainda, levar a uma consideração excessivamente formal dos'órgãos
de governo'] como aparece, por exemplo, no clássico já citado de Gustave Glotz,
A Cidade Gregct, no qual:r cidade-estado é vista essencialmente pelo ângulo de
seus*3p-?.el_ll_9_:_il,lr-r-q-qStglels, nlagi9g111urls, assemblélas e tribula-is. A ênfase na
constituição e em suas alteraçóes como o fio narrativo da história das cidades-es-
tado conduz, muitas vezes,:r resultados paracloxais, O caso mais exemplar é o de
Roma, para a qual a seqüência de formas de govcrnol monarquia, repÍrblica, im-
périg, produlyry
!]::i i{911_{e conrinuidadg, como se rodas essas consriruiçóes
§ "di?..lgm ao rlesmo ârnbiro social. Ora, é óbvio que a hisrória do império
não é mais a histciria de Rorna, embora rruiras vezes seja tratada como tal.
Por Êm, a ênfase na noçáo de Estado, sem adequá-la às realidades anrigas,
tende a fortalecer o isolamento por meio do qual cada uma das cidades-esrado
é analisada, como se fbssem unidades isoladas, ou ainda a favorecer o estudo
das cidades hegemônicas, por que ir-rdependentes, ou independenres, por que
hegemônicas. O fim da cidade-estado tende, assim, a coincidir com o fim de sua
'âutonomial de sua independêr-rcia política, o que exclui, não apenas a grande
rnriãria das cidadcs que nuncr [orrm irrJep.,-rJ.nr"i, r]ras parre signiÍicariva áe
sua história, aqucla que sc deserrvolveu sob o Jonrinio nracedônico e româno.
Q termo cidade é, sem c1úvida, o mais amplo de todos e, por cenrrar-se nos
processos de urbanilaçáo, ralvez o mais útil do ponro_ de y1qt4 da a_rqqe_9logia,
apesar da conhecida dilicuidade, qLre remonta às próprias fonres anrigâs, de de-
Íinir os critérios mínimos e necessários para denominar um assentamento conlo
cidade, ou para associar uma forma de assentamento a uma forma de sociedade
ou Estado. Mas o principal problerna metodológico c19- _emprego do termo cidade
é a exclusáor39 g1g19lp{lig].-&_tg11!94g_gg1'-.gb ç9lq9:qpp__9p-e19g_elsgt-
Sgldg*ç14i4çjt,_rgi. Essa qr-restão é particularlnente relevante nos trabalhos de
Moses Finley, que retoma, a seu próprio modo, o conceiro weberiano de cidade.

Àforielo-ç ltrírlcos -çoüre t Cild,le


'1o
Nlc,literràneo Antigo

717
r \-)r erdsit"yg rgledq-.ggi119 dg9gpgl,.!x_9§q1o que parcialmenre, com as frontei-
rr. n"" r"rr{r- g- ú;t
J
faz isso à custa da
ryec1g1o 9om_qg9-e,nlp_Tga o rermo cidade. Este sempre tem
êm seus t"*to. o
m a. Cirarei aqui apenas dois
exemplos: em A Economia_.4ntrgÍ.p-qb*licado em rqza, Finley dedica-qm capítulo

antiga, núcleo urbano e campo (kbóra) eram conceirualmenre complemenrares e


inseparáveis- Na discussáo üente, no entânto, cidade e campo sáo radi-
. orrro W"b"., , .idrd.
"r,r-r
antiga é a sede de moradia da elire rural que vive da exploraçáo e das rendas do
campo- DAi tq.-
"".rça "
unidade de consumo.A idéia de cidade consumidora abriu um amplo, e ainda in-
ao uo.
Mas trata-se, a meu veg de um falso problema pois, com raras exceçóes, núcleo
urbano e território rural nunca se destacaram no Mediterrâneo antigo, como
depois acontecería, por exemplo, em muiras regiôes da Europa medieval. Meu
outro exemplo é retirado de uma das úldmas, e mais interessanres, obras de Fin-
-/ 11:

\ç l,y, Esçrauidao Antigq e ldrolggtet Mrdrrna, publicado


t98o-Fínley d"tenyolr"
"ry
* um interessante raciocínio sobre as causas do surgimento e do declínio de socie-
-\, s escravistas na Antisüidade.
Lr ele, o surgimento do escravismó está
tamente iacáo áa cidadania em algumas cidades como Arenas
q Rqq". A introdução maciça de escravos depen deu de uma demanda interna a

lidade de suprimento inrerno de Náo havia homens em Atenas i


. , derivada
deúvadadada história
hisrória dm
das pólis
pOli, d"':
e de
tl'f!1tol9g11' "
sua 9'
psicologial oI campesi""to À ssoal e sua terra e ganhara
taglbÉ- .id"d".ri4. Iso ."txor,
"
trabalhar para ourrem. A çry1ç51do-homem livfe numa sociedadq pré-industrial
lerror.r,-assim, ao estabelgcimento de uma sociedade escravista. O raciocín io élô-
gico e interessante. O problema aparece ce na descriçâo do declínio da escravidáo
escravjd;
iue Finley relaci10na â ncia da condicão de
çidadáo e à diminuiçáq de seus direitos, que o rornaram novamente disponível
atrabalhar para ourrem. O problema, obviamente, reside no fato de que os dois
termos da comparaçáo sáo completamente distinros- A escravidáo não declina
r'^L imbito de uma cidade,
no.*âmblto crdade, mas de um vasto
vasro império,
i para o qual a nocão de cida-
dania tinha, desde seu início, uma conoraçáo completa.""ià dirti"rr.
(\ §
inócuo. Falta
.,t>
ainda,-4 greu ver, r4rq4 teori4_qrais getal d3§ sociedades do Mediterrâneo anriso,
\ permita entendê-las em suas especihcid.ades, mas também propicie elemen--
que permrta
".r."rdêrm ".p".ifi.idr
t-
Para a reso-
ffiçá. ã;r*r p-Úemr.. É imptssível dar aqui um painel das pesquisas em curso,

N orberto Luiz Guarinello

n8
N[odelos -feóricr.s sobrc
o S,d!:do ]V[edíte rr,ineo Antigo
119

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