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I Catequese 2019

Espiritualidade quaresmal I – o Jejum


Com a graça de Deus iniciamos este tempo especial de Quaresma em preparação
para a celebração da Páscoa do Senhor, e nesse caminho somos convidados a deixar
morrer o homem velho que há em nós e a ressurgir, com Cristo, o homem novo renascido
pela graça do Espírito Santo (Ef 4,22). Como recorda, já no I século, São Clemente de
Roma: “em cada geração o Senhor concedeu um tempo favorável de penitência a todos
os que a ele quiserem se converter” (Carta aos Coríntios 7).
A mãe Igreja nos oferece os elementos para nosso itinerário quaresmal; e já os
podemos encontrar na liturgia da Quarta-feira de Cinzas. Na oração inicial da Missa
de Cinzas, pela boca do sacerdote a Igreja reza: “Concedei-nos, ó Deus todo-poderoso,
iniciar com este dia de jejum o tempo da Quaresma, para que a penitência nos fortaleça
no combate contra o espírito do mal”.
Desta oração colhemos a primeira arma da espiritualidade quaresmal: o jejum –
reconhecido como sinal de penitência e de fortalecimento na luta contra o espírito do mal.
Jesus já havia falado sobre esse assunto com os seus discípulos ao ser perguntado sobre
uma dificuldade que eles tiveram em expulsar um demônio: “Quanto a esta espécie de
demônio, só se pode expulsar à força de oração e de jejum” (Mt 17, 21). A exortação é
clara e límpida: só com oração e jejum.
E para que servem os sacrifícios, especialmente esse de jejuar? A Igreja continua
nos ajudando a entender. Ainda na Quarta-feira de Cinzas, na oração que o sacerdote faz
sobre a oferta do pão e do vinho está escrito: “Oferecendo-vos este sacrifício no começo
da Quaresma, nós vos suplicamos, ó Deus, a graça de dominar nossos maus desejos
pelas obras de penitência e caridade, para que, purificados de nossas faltas, celebremos
com fervor a paixão do vosso Filho”. Ao escutarmos essa oração pensamos,
imediatamente, no sacrifício da Santa Missa, mas também podemos pensar no sacrifício
das nossas vidas, que com o pão e o vinho ofertamos no altar de Deus.
Em sua I Carta, São Pedro exorta: “e quais outras pedras vivas, vós também vos
tornais os materiais deste edifício espiritual, um sacerdócio santo, para oferecer vítimas
espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (I Pd 2, 5). Ofertamos o sacrifício do
nosso jejum e pedimos a Deus a graça de dominar os maus desejos – eis aí um dos frutos
de um jejum feito na oração e na comunhão com o Senhor: o domínio de nós mesmos, de
nosso instintos e de nossas vontades desmedidas. Saímos do centro, para dar lugar ao
Senhor e à sua Vontade.
O jejum que fazemos deve nos recordar que não somos autossuficientes, que não
nos bastamos a nós mesmos; lembra-nos de que somos necessitados, que em algum
momento da vida sentimos falta de algo – seja do alimento material sejam de outras coisas
(que podemos eleger para também jejuar nesse período quaresmal). O Papa São Leão
Magno exortava os fieis ao jejum, especialmente nesses quarenta dias de Quaresma,
dizendo que o jejum não deveria ser “somente reduzindo os alimentos, mas sobretudo
abstendo-se do pecado” (Sermão 6 de Quadragesima).
As cinzas que recebemos na celebração que abre a Quaresma dá-nos o tom daquilo
que devemos, espiritualmente, buscar nesse tempo de graça, como está em uma das
orações de bênção das cinzas, e que a Igreja reza:
“Deus de infinita bondade, que não desejais a morte do pecador mas a sua
conversão, ouvi misericordiosamente as nossas súplicas e dignai-Vos abençoar + estas
cinzas que vamos impor sobre as nossas cabeças, para que, reconhecendo que somos pó
da terra e à terra havemos de voltar, alcancemos, pelo fervor da observância quaresmal,
o perdão dos pecados e uma vida nova à imagem do vosso Filho ressuscitado, Nosso
Senhor Jesus Cristo, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo”.
Um segundo fruto do jejum, e das demais práticas ascéticas da Quaresma, é saber
quem e o que somos: pó da terra – feitos do barro (Gn 2,7). Reconhecer que somos filhos
de Deus, mas reconhecer ao mesmo tempo que somos frágeis, somos quebradiços, e
devemos ter cuidado com a nossa vida e com a vida dos nossos irmãos. Tomar consciência
de que nossa vida aqui, no espaço e no tempo não será eterna, mas se eternizará depois
daqui.
Ora, se nossa vida se eternizará depois daqui, cabe-nos perguntar: aonde ela será
eterna? Será eterna em Deus, no Outro por excelência. São Paulo nos diz: “Hoje vemos
como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em
parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido” (1 Cor 13,12) e São
João, evangelista: “Caríssimos, desde agora somos filhos de Deus, mas não se manifestou
ainda o que havemos de ser. Sabemos que, quando isso se manifestar, seremos
semelhantes a Deus, porquanto o veremos como ele é” (1 Jo 3,2).
Nosso Senhor, com o imenso desejo de nos salvar e de ver nossas vidas imersas
na sua própria vida, dá-nos os meios necessários para nossa conversão, para que possamos
nos assemelhar a Ele cada vez mais. Lembrava Bento XVI que o jejum “é o sinal externo
de uma realidade interior, do nosso compromisso, com a ajuda de Deus, de nos abstermos
do mal e de vivermos do Evangelho” (Audiência Geral, 09/03/2011).
O terceiro fruto das nossas penitências quaresmais deveria ser exatamente isso:
chegarmos a uma vida nova à imagem de Cristo Ressuscitado, sermos um com Ele – nas
palavras, nas ações, no contato com o Pai. Ele mesmo nos ensina a viver as práticas
quaresmais, como veremos no Evangelho do I Domingo de Quaresma, ao vencer as
tentações no deserto (prazer – ter – ser), ao vencer o espírito do mal.
Façamos, então, os esforços necessários para a santificação da nossa vida e da
vida daqueles com quem convivemos; encaremos todos os meios de mortificação que a
Igreja nos oferece como boa medicina divina para nossa saúde física, mental e espiritual,
como rezamos na oração depois da Comunhão, da Missa de Cinzas: “Ó Deus, fazei que
sejamos ajudados pelo sacramento que acabamos de receber, para que o jejum de hoje
vos seja agradável e nos sirva de remédio”.

Roma, 06 de março de 2019


Quarta-feira de Cinzas

Pe. Rafhael Silva Maciel


Padre da Arquidiocese de Fortaleza
Missionário da Misericórdia

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