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Por entre os termos empregados na teoria literária, são raros os que servem
para designar noções tão diversas como o “fantástico”. Até os estudos de Todorov,
a crítica se referia ao gênero como correspondendo a toda narrativa de fatos que
não pertenciam ao mundo do real, contrariando a realidade que nos cerca. Essa
definição abrangente servia, tanto para descrever os acontecimentos que o autor
apresentava como imaginados ou sonhados, quanto os que eram apresentados
como reais, mas que não poderiam ocorrer no nosso mundo, e sobre os quais o
escritor deixava pairar a ambigüidade a respeito de sua natureza.
Uma das dificuldades para a compreensão do termo “fantástico” provém das
diferentes concepções filosóficas do final do século XVIII, que atribuíam a ele
sentidos diversos, bem como as diferentes traduções que tiveram nas línguas
européias as palavras a ele correlacionadas. Em francês, italiano e espanhol, por
exemplo, a palavra “fantasia”, termo vinculado ao universo do “fantástico”,
corresponde de modo geral ao sentido alemão, hegeliano e romântico, que
designava a faculdade mais alta e criativa. Enquanto isso, “imaginação” – do alemão
Einbildungskraft – remete à faculdade de menor entidade, ou seja, aquela que
desenvolve uma atividade puramente combinatória. Ora, em inglês, dá-se
exatamente o contrário, e a designação dos dois termos se inverte completamente,
contribuindo para a dificuldade de sua conceituação, uma vez que este poderia
recobrir qualquer nova acepção que estivesse em relação com o imaginário.
(CESERANI, 1999, p. 15-6) Na França, por volta de 1830, quando os românticos se
apropriam do termo tentando desvinculá-lo da tradição gótica, eles o reinvestem
com um sentido radicalmente novo, ao mesmo tempo em que o substantivizam: a
partir desta época, para os românticos franceses, “o fantástico” estará
definitivamente associado ao nome de E.T.A. Hoffmann, embora não tenha sido ele
les ouvrages qu´elle aime à créer. Telle est celle de l´auteur du ‘Diable
amoureux’. (MILNER, in CAZOTTE, 1979, p. 9)
escrita fantástica, por exemplo, não há, neste tipo de narrativa, nada que nos
permita adiantar chaves de interpretação que possam ser acionadas previamente
capazes de orientar a leitura. Assim, o gênero, conjunto de regras e normas que
informam o leitor sobre uma chave provável de interpretação de um texto, se
constitui então uma instância, tanto do ponto de vista da sua composição, quanto
da sua recepção, que lhe assegura uma “comunicação social”, pela função
mediadora que exerce entre a obra e o seu público. No caso do fantástico, o leitor é
levado à hesitação porque, diferentemente do pacto com esse leitor estabelecido
pela fórmula “Era uma vez...”, por exemplo, o fantástico se caracteriza, por um
lado, pela verossimilhança, o que lhe garante as condições de leitura aceitáveis pela
cultura, mas, por outro, esta narrativa vai deslocar ao longo da progressão da
leitura a expectativa do leitor, que acaba familiarizando-se também com essa nova
narrativa, e criando parâmetros de leitura que se traduzem no reconhecimento do
“gênero”.
Por esta razão, se não houver verossimilhança, não haverá o improvável ao
qual o fantástico deve sua existência. A antinomia constitutiva da literatura
fantástica tem a função de sustentar uma “aparência” de verdade que serve de
suporte para o improvável, de maneira que este preserve sua capacidade de
comunicação, segundo as marcas daquilo que é culturalmente aceitável e
reconhecível. Neste caso, não se trata de “desvio estético”, tal qual o formula Jauss
(1978), mas da impossibilidade de atribuição de um sentido à maneira do realismo,
ou seja, através da estratégia da designação de um referente pertencente ao mundo
do leitor, assim como à maneira do “maravilhoso”, no qual o pacto com o leitor
supõe a aceitação do universo sobrenatural criado pela ficção.
Na verdade, o fantástico não pode ser enfeixado em uma categoria literária
monolítica, porque ele supõe um conjunto de gêneros, sub-gêneros e categorias que
a ele se vinculam – e com os quais tem em comum a recusa do real por parte do
autor -, tais como o “sobrenatural” e o “irreal”, que remetem mais especificamente
ao conto de fadas ou ao maravilhoso, assim como ao horror, e, mais
modernamente, à ficção científica; o “mistério”, associado a um gênero bem
definido que é o romance policial; o “absurdo”, que define uma categoria particular
do fantástico com relação à sua temática e introduz uma ruptura total com os
valores do nosso mundo, que é negado em sua totalidade. Segundo Todorov, todos
estes elementos podem estar presentes naquilo que ele define como fantástico, mas
não são suficientes para identificá-lo como tal, pois o acontecimento desagregador
não poderá apontar para nenhuma explicação, seja ela da ordem do “sobrenatural”,
ou resultado de uma explicação “racional”. No caso do mistério, a solução é o
esclarecimento do fato estranho através de uma justificativa lógica e racional; no
caso do sobrenatural ou do absurdo, não existe a hesitação entre o real e o
sobrenatural, mas exclusão da possibilidade de uma explicação racional.
Entendemos então que o fantástico, independentemente das categorias de modo ou
de gênero, se funda na impossibilidade de solução, seja ela da ordem do “natural”,
ou da ordem do “sobrenatural”: é a incompatibilidade entre estas duas ordens que
Referências Bibliográficas
BELLEMIN-NOËL, Jean. “Notes sur le fantastique” (textes de Théophile Gautier).
In Littérature, nº 8, dez/1972. Paris: Larousse.
_______. “Des formes fantastiques aux thèmes fantastiques”. In Littérature, nº