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As mutações das relações midiáticas dentro do movimento social cineclubista1

Rose Kelly Araujo LIMA2

Clara Bezerril Câmara3

Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB

RESUMO

Esse texto, com base em um levantamento teórico, tem como objetivo apontar os usos
das mídias comunicacionais dentro do movimento social cineclubista. Parte-se em um
primeiro momento de uma reflexão sobre a teoria dos movimentos sociais aplicada para
compreensão do cineclubismo. Em seguida se faz uma análise das relações midiáticas
no contexto econômico e social desta classe organizada. E por fim apresenta o a
visibilidade mediada para compreensão aplicada no contexto cineclubista como uma
estratégia possível para difusão das suas ações. Esta reflexão se torna relevante diante
do compromisso com a problematização das contradições que envolvem a maneira de
agir e interagir trazidas com as mídias ao qual está submetido o cineclubista.

PALAVRAS-CHAVE: cineclubismo; visibilidade midiática; movimentos sociais;


comunicação.

O cineclube enquanto movimento social

O movimento cineclubista consolidou-se como elemento fundamental do “fazer”


cinematográfico, tornando-se um dos principais locais de discussão e reflexão do
cinema. A compreensão do cineclubismo enquanto movimento social popular se torna
admissível nesse trabalho, pois, de acordo com Peruzzo:

1
Trabalho apresentado para disciplina Estudos Avançados em Mídias e Cotidiano, vinculada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

2
Rose Kelly Araujo Lima. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa CACTO – Comunicação, Afeto, Cultura, Trabalho e Organizações. E-
mail: roseamoralima@gmail.com.br
3
?
Clara Bezerril Câmara. Orientadora ddo trabalho. Professora da disciplina Estudos Avançados em Mídias e
Cotidiano Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e doutoranda
em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: clara.knox@gmail.com

1
Movimentos sociais populares são articulações da sociedade civil constituídas
por segmentos da população que se reconhecem como portadores de direitos e
se organizam para reivindicá-los, quando, estes não são efetivados na prática.
Aqueles de base popular se organizam na própria dinâmica de ação e tendem a
se institucionalizar como forma de consolidação e legitimação social. Enquanto
forças organizadas, conscientes e dispostas a lutar, são artífices de primeira
ordem no processo de transformação social, embora um conjunto de fatores
(liberdade, consciência, união) e de atores (pessoas, igrejas, representações
políticas, organizações) se soma para que mudanças se concretizem.
(PERUZZO, 2013, p.162-163).

Os cineclubes surgiram no começo do século XX, “em meio ao processo de


legitimação cultural do cinema tendo como base a organização do público em torno da
arte cinematográfica, que, se em seu início foi um movimento restrito, a partir de 1950
irá se multiplicar e se organizar em instituições representativas de seus interesses”.
(SALES, 2015, pg. 1). Colpo, cita:

Os movimentos populares têm sua gênese em movimentos reivindicatórios e


libertários na luta em prol da vida, da justiça social e da pessoa humana. Polanyi
(2000) aponta para a década de 1960 e 1970, quando emergiram muitos
movimentos sociais, nomeadamente movimentos pelos direitos civis,
movimentos de mulheres, movimentos pela paz e movimentos ecológicos. O
que acontecia era a auto-organização da sociedade civil em resistência ao poder
burocrático exercido tanto pelos Estados como pelas grandes empresas
privadas. Naquele período, muitos ativistas e alguns pensadores políticos
estavam, de fato, convencidos de que os movimentos sociais eram agentes de
reforma que conseguiriam transformar e humanizar a sociedade moderna.
(COLPO, 2013, p.442).

Como marco de criação em que se constituem o surgimento das entidades


representantes e organizadoras deste movimento social, destaca-se a

2
FederaçãoInternacional de Cineclubes (FICC)4 , o Conselho Nacional de Cineclubes
(CNC) 5 e Federação Pernambucana de Cineclubes (FEPEC) 6 .
O cineclubismo se estabelece como movimento social popular, pois impulsiona
o diálogo em um local de socialização da população. Tomando como base o
entendimento de Peruzzo (2013), diante das várias categorias possíveis para
classificação dos movimentos sociais e considerando a realidade brasileira, poderia
classifica-lo como movimento político-ideológico, pois a rede cineclubista se estabelece
em prol da articulação de lutas por participação política, protestos por antagonismos
políticos, reivindicações por democratização, mudança de regime, entre outros.
Para Maria da Glória Gohn (2004, p-268-271) estes são os movimentos sociais
construídos decorrentes de conjunturas políticas de uma nação, assim como surgidos a
partir de uma ideologia, que geram fluxos e refluxos conforme as conjunturas políticas
de uma nação. Para Peruzzo (2013), esses movimentos sociais não ocorrem apenas em
momento conjuntural extremo de luta, mas podem emergir de manifestações públicas
espontâneas ou decorrer de movimentos sociais já existentes.
No Brasil através das conquistas obtidas pelo movimento cineclubista
organizado e por meio da ANCINE, se firma a Instrução Normativa n. 63, de 2 de
Outubro de 20077 , que define os cineclubes, estabelece normas para seu registro e dá
outras providências para eles. De acordo com o documento, o cineclube torna-se uma
alternativa, um local opcional de contraponto ao cinema comercial estabelecido. É um

4
Em 1947, num encontro realizado entre 15 e 19 de setembro, durante o Festival de Cannes, foi constituída a
Federação Internacional de Cineclubes (FICC). A FICC estabeleceu alguns princípios gerais e fundamentais: o
caráter não comercial dos cineclubes, o compromisso com o cinema independente e de experimentação, a disposição
de criar uma rede internacional de circulação de filmes. A federação também se propôs a participar ativamente das
relações internacionais no plano da cultura, através da ONU (Organização das Nações Unidas) e da UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), recém criadas, e, de fato, a FICC é um
órgão consultivo da UNESCO até os dias atuais. A Federação Internacional de Cineclubes conta com
aproximadamente 65 instituições representantes de cineclubes nos respectivos países que estão localizados. <
https://infoficc.wordpress.com/ >

5
A partir de 1959 passam a ser organizadas as primeiras Jornadas Nacionais de Cineclubes, congressos anuais e
bianuais, conforme a época, que constituem uma das mais importantes conquistas democráticas do movimento
cineclubista brasileiro. Além da expansão pelas capitais e mesmo por cidades menores os cineclubes passam a se
aproximar, se reunir. Surgem as primeiras iniciativas de organização, depois são criadas diversas federações estaduais
- que irão culminar, em 1961, na criação do Conselho Nacional de Cineclubes (CNC). A instituição desde o princípio
prima pela defesa dos cineclubes do território nacional brasileiro, pois estes estimulam o público a discutir o filme,
além de também discutir e refletir suas realidades através da projeção audiovisual. (LIMA, 2016, p.25)

6
Em 16 de Julho de 2008 ocorreu a fundação da Federação Pernambucana de Pernambuco (FEPEC). Durante a 4º
Assembleia Geral da FEPEC, realizada, em Recife, no dia 16 de dezembro de 2015, existia um número aproximado
de 104 filiados à entidade. < https://fepec.wordpress.com >

7
Acesso em 09 de agosto de 2021: https://antigo.ancine.gov.br/pt-br/legislacao/instrucoes-normativas-consolidadas/
instru-o-normativa-n-63-de-2-de-outubro-de-2007

3
local democrático de diálogo, de criação, de experiência do cinéfilo, do expectador, do
público.
É pertinente compreender o cineclubismo como uma potência de articulação
social e contribuição para organização de uma sociedade mais consciente, mais
presente, e mais critica, não apenas sobre o cinema, mas sobre tudo o que essa arte
possa envolver. Pode-se supor que o movimento social cineclubista não se subordinada
à economia, ao Estado e a mass media8 ,, na intenção de sustentar esse espaço de
autonomia política de comunicação e de voz para a população. “O cineclubismo
defende o diálogo político por meio da obra cinematográfica e da luta por novas formas
de criação/ apropriação estética do cinema”. (LIMA, 2016, p.49). As práticas
cineclubistas estão pautadas no exercício de exibir filmes regularmente, em território
previamente definido, para determinado público, com temática específica e curadoria
prévia, e após as exibições, são realizados debates com intuito de incitar a reflexão e o
dialogo entre os participantes da sessão. Estas organizações amparam e batalham por
políticas públicas que possam combater às violações de direitos à cidadania, incluindo o
de comunicar na prática.
Observando que existem objetivos em comum que unem as práticas
cineclubistas e delimitam suas ações, ao mesmo tempo, é possível detectar a relevância
da organização coletiva que impulsionou a criação de organizações políticas e
representativas desses sujeitos sociais.
É pertinente notar que o movimento cineclubista se modifica nos diferentes
momentos de sua trajetória secular com diferentes arranjos políticos, sociais e
econômicos. Vale salientar que as revoluções tecnológicas provocaram fortes guinadas
de direção, momentos de letargia e rearranjos qualitativos nos cineclubes. As fraturas
provocadas por tais impactos redefiniram modelos, posturas e rumos tomados pelo
exercício cineclubista, inclusive no que trata das novas maneiras de agir e interagir com
as mídias, e consequentemente altera as relações de trabalho e de visibilidade deste
coletivo no contexto social.

Breve histórico do movimento social cineclubista pernambucano

Durante os anos 1970, final da ditadura ou anistia, existiram no Brasil muitos


cineclubes. Em Pernambuco, destacamos as prática do Cineclube Vagalume e do
8
Neste trabalho se entende os mass media como sistemas organizados de produção, difusão e recepção de
informação, geralmente geridos por empresas especializadas no ramo de comunicação (WOLTON, 2004)

4
Cineclube Super 8, em Recife, e do Cineclube Leila Diniz, em Olinda. Nesses espaços
havia uma formação de lideranças e de fruição de ideais. As pessoas que lutavam e
resistiam àquele momento político vivenciado no país se encontravam nesses ambientes
para lutar, discutir e resistir à ditadura militar.

Ali se configurava um espaço de convergência e reflexão sobre o país. Os


cineclubes possibilitavam o acesso ao cinema, ao debate crítico, às questões políticas, e,
é claro, eram espaços de intercâmbio e sociabilidade. Se propunham a debater a arte
cinematográfica, exibir filmes que tivessem um compromisso político ou engajamento
ideológico. Era uma forma de reivindicar e denunciar as amarguras do país através da
arte. Foi um período de dificuldades no acesso à obras cinematográficas e equipamentos
de exibição (os formatos mais acessíveis eram a bitola 16mm e 35mm). A maioria dos
cineclubes recifenses recorria às distribuidoras, como a Distribuidora Nacional de Filme
(Dinafilme) e também à extinta Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima
(Embrafilme). Na maioria das vezes, os organizadores dos cineclubes tinham um custo
para locação dos filmes, ou até mesmo para transporte. Por este motivo, na maioria dos
cineclubes as exibições eram pagas. Existiam formatos distintos de contribuição: em
alguns a entrada era por dia de exibição, em outros havia carteirinha de sócio, mas
dificilmente as entradas eram gratuitas.

Na década de 1980, a crise econômica do país se alastrou acarretando na falta de


recursos e investidores para as atividades. Por conta disso, os cineclubes começaram a
se dissipar, os cinemas a fechar e, consequentemente, a produção nacional diminuiu
bastante.

No Recife, o final dos anos de 1980 é exatamente o final do formato antigo de


sala de cinema: as salas de bairro começaram a fechar nos anos 1960 e 1970, e as
últimas restantes encerraram suas atividades na referida década. O centro da cidade do
Recife tinha cinco salas de cinema, que eram as mais importantes da cidade: São Luiz,
Veneza, Moderno, Trianon e Art Palácio. Elas exibiam, na maioria das vezes, filmes
americanos. No bairro de Boa viagem abriram, em 1988, os três cinemas localizadas no
Shopping Recife, com formato de exibição de vídeo.

Por volta de 1988, a juventude pulsava e havia uma necessidade de construir


uma cinefilia, uma necessidade de ver filmes que não estavam sendo exibidos no

5
circuito comercial. É nesse período que destacamos a retomada do cineclubismo no
Recife, com a criação do “Cineclube Jurando Vingar”, localizado na Fundação Joaquim
Nabuco (FUNDAJ) do bairro do Derby, composto por nomes como Marcelo Gomes,
João Vieira Jr. e Kléber Mendonça Filho. Segundo os depoimentos, o cineclube durou
até o ano de 1992, aproximadamente.

No final dos anos de 1990, destacamos o surgimento do cineclube “Revezes”,


realizado na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), e no início dos anos 2000
o cineclube “BarraVento”, realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
na época constituídos por cineastas da nova safra pernambucana como Marcelo
Pedroso, Leo Sette, Juliano Dornelles, entre outros nomes.

Uma base para compreender as mídias comunicacionais no contexto cineclubista

O cineclube é uma organização reconhecida por sua potência perante a indústria


cinematográfica inserida na lógica neoliberal. Cineclubistas se estabelecem de acordo
com o contexto econômico-social-histórico de determinado território. Os anseios variam
inevitavelmente, sendo revestidos de algumas particularidades (exposição regular,
localidade, instrumentos e ferramentas, debates livre, autonomia política, etc). O fato é
que, de um modo ou de outro, cooperam com a formação de um público crítico, surgem
da vontade do convívio social, no qual seus membros são unidos pela vontade de ver e
debater cinema, e, alterar realidades, percepções, ações e formas de pensamento,
contribuindo para reforçar os laços sociais.
“A partir do nascimento da indústria gráfica na Europa dos séculos XV e XVI e
do desenvolvimento de diversos tipos de mídia eletrônica nos séculos XIX e XX, a
«combinação de interações» na vida social mudou” (THOMPSON, 2008, p. 20).
Compreender as mídias comunicacionais é um bom ponto de partida para refletir
a ação de todas as sociedades, afinal de contas os seres humanos se ocupam da produção
e do intercâmbio de informações e de conteúdo simbólico.
Os produtos simbólicos produzidos pela mídia interferem na constituição da
identidade de determinados grupos sociais. Estas identidades propiciam a transformação
do espaço comum, em função da apropriação de determinados espaços da cidade.
Percebe-se como as identidades que circulam na cidade têm influência e são
influenciadas por determinados espaço-temporal-comum. De acordo com Thompson “a

6
interação face-a-face é dialógica no sentido de que geralmente implica num fluxo
comunicativo e informativo de duas vias” (THOMPSON, 2008, p. 17). Neste
movimento de apropriação do espaço, pode-se considerar que, ao abrir novas
possibilidades de sociabilidade, de interpretação e interação, os cineclubistas
impulsionam a cidade, fazem com que esta se abra para o futuro por meio de suas
manifestações.
Dito isto, é possível defender que o cineclubismo estimula a profusão critica,
explicitando que “o espaço da recepção é o espaço de acordos e desacordos – espaço de
recriação – revelando as possíveis interpretações e usos de uma obra” (CLAIR, 2008.
p.168 ). Thompson comenta:

Ao utilizar as mídias comunicacionais podemos interagir com pessoas


que não compartilham do mesmo referencial espácio-temporal que nós
e a natureza de nossa interação será moldada pela diversidade das
características espaciais e temporais, e pela diversidade das
características do meio empregado. (THOMPSON, 2008, p.18)

Os cineclubes constituem espaços para ampliação do circuito de exibição


audiovisual. Além disso, são identificados como espaços para formação e socialização
de sujeitos críticos e contribuem para criação de políticas públicas em defesa do direito
do público 9 . Nesses ambientes, também, se faz possível o acesso à exibição de obras
não disponíveis no circuito comercial de exibição, o que possibilita a aproximação com
os realizadores e com a exibição das obras do circuito independente. “Ali são revelados
filmes que carregam universos estéticos diferenciados do padrão comercial”
(FERREIRA, 2010, p. 75).
Os cineclubes traçam sua própria programação fílmica e abrem espaço para
exibição da efervescência produtiva “iniciante”, “amadora” e independente. Ali é
possível ter acesso a obras clássicas, não disponíveis no meio comercial, indisponíveis
na internet, filmes censurados ou apenas exibidos nos circuitos de festivais
cinematográficos.

9
Para entender mais sobre o “direito do público” ver anexo 1 : em 18 de Setembro de 1987, a partir do congresso
realizado em Tabor, na República Tcheca, a FICC aprovou por unanimidade uma Carta de Direitos do Público,
chamada de Carta de Tabor.

7
Nesses espaços é possível assistir filmes que dificilmente seriam exibidos, pois
não estão inseridos no circuito de distribuição dos grandes grupos exibidores. O
professor Paulo Cunha registra uma exibição indiscreta acontecida no Recife:

Pois há um caso curioso, da época em que eu era estudante universitário, de


uma exibição aqui no Recife do filme do Glauber Rocha, sobre o Di Cavalcanti,
que tem esse nome gigante que eu não conseguirei me lembrar, mas é
conhecido como Di Glauber. Esse filme, de certa forma, circulava de maneira
escondida, subterrânea, porque a família do Di Cavalcanti desde o início proibiu
a exibição. Mas esse filme foi passado aqui num tipo de experiência assim de
algumas pessoas que sabiam e convidavam, ia todo mundo e assistia e
conversava sobre o filme. Pois é, em todos esses casos, o fundamento é o
fundamento cineclubista, certo? Juntam pessoas para ver um tipo de uma
proposta diferenciada e no final se debate sobre isso. Faz com que esse filme
viva além da projeção numa espécie de conversa, numa espécie de diálogo que
de certa maneira ilumina ainda mais a projeção, deixa a projeção ainda mais
interessante. (depoimento, 2012, p. 135)

Diante desse depoimento é pertinente afirmar que esses espaços contemplam e


complementam a circulação comercial dos filmes que estão fora dos padrões do circuito
comercial de exibição.

A visibilidade mediada: estratégia para difusão de ações cotidianas

Os cineclubes, em sua maioria, são desenvolvidos por grupos autônomos, que


buscam sair da informalidade, se autorregulamentam, e por terem um sistema de
autogestão acabam por se configurar como organizações.

8
A mídia pode ser entendida como um campo de interação com
interesses, posições e carreiras profissionais próprios, um campo que se
erigiu separadamente do campo político, mas que está entrelaçado a ele
de diversas maneiras. As organizações mediáticas estão todas elas, cada
uma à sua maneira, preocupadas em exercer um poder simbólico através
do uso das mídias comunicacionais de todo tipo. Enquanto algumas
dessas organizações interferem diretamente no campo político, elas não
coincidem com ele, já que normalmente são regidas por princípios
distintos e são orientadas para fins diversos.

No entanto, por vezes, desenvolvem suas práticas gratuitamente, muitas vezes,


sem nenhum tipo de financiamento, e consequentemente acabam desenvolvendo suas
atividades sem propósito lucrativo, por vezes, acarretando no enfraquecimento de
valores necessários para regulação profissional, corroborando para a construção de
relações de trabalhos “precarizadas”. Sob a ótica do circuito de exibição e manutenção
da profissionalização do audiovisual, o movimento cineclubista está passível de críticas,
uma vez em que essas ações, sob ponto de vista econômico, tendem a enfraquecer a
indústria do audiovisual.
Essas disputas pautam a necessidade de ampliação do debate sobre a
visibilização cineclubista, para compreender como os cineclubistas são vistos por eles
próprios, como são vistos perante a categoria profissional do audiovisual, para a
posteriori, se (re)posicionem e se localizem diante do mercado cinematográfico. “A
visibilidade mediada não é apenas um meio pelo qual aspectos da vida social e política
são levados ao conhecimento dos outros: ela se tornou o fundamento pelo qual as lutas
sociais e políticas são articuladas e se desenrolam.” (Thompson, 2008, p. 37).
Os cineclubes atuam em prol da democratização cultural, pois possibilitam
maior acesso do público a arte cinematográfica interferindo no cotidiano dos sujeitos
sociais e da cadeia produtiva do audiovisual. Pode-se enfatizar o empenho e
organização do movimento cineclubista no que tangência a efetivação, gestão e controle
das políticas públicas. Em Pernambuco, destacamos o fomento do Fundo
Pernambucano de Incentivo à Cultura – Funcultura que busca incentivar as diversas
formas de manifestação do setor audiovisual em Pernambuco e em 2021 destinou o
aporte de R$ 480.000,00 para categoria desenvolvimento do cineclubismo, onde cada

9
um dos 12 projetos a serem desenvolvidos terá valor máximo de até R$ 40.000,00
(quarenta mil reais) para sua realização integral.
Cientes desse potencial mobilizador enquanto rede de comunicadores que
produzem e distribui informação em movimento, os cineclubes se oferecem de maneira
explicitamente engajada com os movimentos contra-hegemônicos.
Em 2019 destaca-se o surgimento da rede Movimenta Cineclube 10 .. A iniciativa
em 2020, durante o período da pandemia, por meio do uso da internet e de outras
tecnologias digitais executou o projeto o Movimenta Lab. Com incentivo da Lei Aldir
Blanc  (2ª edição) a ação fomentou o desenvolvimento de práticas formativas (via zoom
+ obs) para comunidades desenvolverem seus projetos para o 15º Edital do Funcultura
Audiovisual. Como resultado desta prática, dos onze cineclubes  inscritos e vinculados à
rede, cerca de sete cineclubes avançaram da primeira fase de habilitados.

Graças à mídia, esse tipo de práticas e acontecimentos, até então ocultos,


ganharam um novo status, como algo público e, na verdade, como
acontecimentos politicamente explosivos; o que era invisível tornou-se evidente
para conhecimento de todos (THOMPSON ; 2008, p. 16)

Esses dados dimensionam o quanto é necessário incluir a reflexão a respeito de


como se dá a (re)configuração das mídias e das relações sociais do movimento social
cineclubista. Porém, para que esse debate possa acontecer é necessário que as
organizações cineclubistas dialoguem cada vez mais para a compreensão e aceitação das
condições de trabalho entre seus grupos.

Apontamentos

O entendimento da lógica midiática possibilita a percepção de suas principais


mutações. Aqui se considera a compreensão das configurações das práticas

10
Ver anexo 2.

10
cineclubistas e de como se articulam considerando a capacidade de transformação social
por meio das vivências em coletivo.
Observamos que o movimento cineclubista se deparou em diferentes momentos
de sua trajetória com novos arranjos políticos, sociais e econômicos. Além de
revoluções tecnológicas que provocaram fortes guinadas de direção. As fraturas
provocadas por tais impactos redefiniram modelos e corrigiram posturas e rumos
tomados pela prática cineclubista.
Neste texto as articulações da base teórica para pensar sobre a visibilidade
mediada e o movimento social cineclubista apontam para as contradições e para a
necessidade de ampliação do debate sobre a profissionalização e a organização
cineclubista.
Por fim, emerge nesse artigo a reflexão e o entendimento de que o
cineclubismo se constrói e se organiza na intenção de sustentar esse espaço de
autonomia política de comunicação e de voz para a população. Percebe-se que as
entidades representantes do movimento cineclubista têm papel decisivo no
desenvolvimento das politicas públicas por serem porta-vozes de indivíduos mediante
práticas de emancipação cultural.
Afirmar a concepção da classe cineclubista enquanto integrante da classe
trabalhadora cinematográfica que atua em prol da democratização dos direitos à
informação e da comunicação audiovisual é fundamental para a criação de uma nova
forma de entendimento de sociedade.

REFERÊNCIAS

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século XXI. In: MACEDO, F. e ALGES; G. (Orgs) Cineclube, Cinema & Educação. Londrina:
Práxis, Bauru: Canal 6, 2010. p. 7-25.

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de Pernambuco, Recife, 2010.

CUNHA, P. Memória do Cineclubismo Pernambucano. Entrevista in CRIBARI, Isabela


(Org.) [S. l.]: Nano Producoes LTDA., 2012, pp. 128-142.

11
COLPO, C. D. A Comunicação Organizacional Como Um Sistema Aberto Em
Recursividade Nas Organizações Comunitárias. Artigo publicado em 2013 no Congresso da
ABRAPCORP.

GOHN, M. da G. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos.


4.ed. São Paulo: Loyola, 2004.

LAPASSADE, G. Grupos, organizações e instituições. Rio de Janeiro: F Alves, 1989.

LIMA, R. K. A.; MONDAINI , M. Cinema e sociedade: as experiências dos cineclubes


Jurando Vingar, Revezes e Barravento no Recife. 2016. Monografia (Bacharelado).
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PERUZZO, C. Comunicação nos movimentos sociais: o exercício de uma nova perspectiva


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SALES, P. C. O movimento cineclubista brasileiro e suas modulações na recepção


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Acesso em: 10/08/2021.

12
Federação Pernambucana de Cineclubes. Disponível em: <
https://fepec.wordpress.com/apresentacao/ > Acesso em: 10/08/2021.

APÊNDICE

Anexo 1 - Carta Dos Direitos Do Publico Ou “Carta De Tabor”

13
Anexo 2 - https://www.brasildefatope.com.br/2019/04/26/em-pernambuco-
cineclubes-popularizam-cinema-e-debatem-temas-sociais

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