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Livro Dicionário Crítico Do Lazer Christianne Luce Gomes
Livro Dicionário Crítico Do Lazer Christianne Luce Gomes
organizadora
azer
gatória para aqueles que desejam aprofundar conheci-
mentos sobre o tema.
*4.*--\
Christianne Luce Gomes
(Organizadora)
DICIONÁRIO
CRÍTICO DO LAZER
Autêntica
opyright © 2004 by Christianne Luce Gomes
SUMÁRIO
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'ictor Bittow
levisão
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[ACAMPAMENTO] '11
10 [DICIONÁRIO CRÍTICO DO LAZER]
ANIMAÇÃO CULTURAL Já na perspectiva interpretativa, o animador atua como um "formador cultu-
ral". Como considera que as subjetividades são absolutamente diferentes e toda rea-
Essa expressão pode ser definida como uma das possibilidades de intervenção peda- lidade particular, entende que deve, sim, interpretar as necessidades do grupo, mas
gógica nos momentos de lazer. O termo "animação" é originário do grego "anima", apenas oferecer um conjunto de atividades, convidando as pessoas a tomar parte no
que, traduzido para a língua portuguesa, significa "alma". Define a peculiaridade de processo de reflexão. Acaba, assim, desconsiderando as tensões culturais que edu-
ação de um profissional que tem a cultura como foco e estratégia central de atuação. cam de forma restrita o gosto e funcionam mesmo como elementos impeditivos de
Epistemologicamente, parece-nos mais adequado do que outras expressões corren- um acesso mais amplo às diversas linguagens nos momentos de lazer. Além disso,
temente utilizados no Brasil, como recreação e ação cultural. crê que basta educar subjetividades para que a coletividade seja modificada, não
Algumas ressalvas, contudo, precisam ser feitas: a) a Animação Cultural não é percebendo que os indivíduos devem aprender e ser estimulados a construir ações
conjuntas. Nesse sentido, também acaba contribuindo modestamente para a cons-
exclusiva do âmbito do lazer; podemos, por exemplo, também pensar em ações dessa
trução de um novo modelo de sociedade. Essa é uma perspectiva muito encaminha-
natureza rio espaço escolar, algo que tem estado em voga nas recentes teorias peda-
da por museus e centros culturais, por exemplo.
gógicas que se aproximam dos Estudos Culturais; b) existem diferentes propostas de
Animação Cultural ligadas às peculiaridades do campo de intervenção, à visão de O animador cultural que atua a partir da perspectiva dialética pretende cons-
mundo, às intencionalidades e ao compromisso social do profissional de lazer; c) se truir uma democracia cultural. Entendendo que a realidade é complexa e historica-
não é a única possibilidade de atuação no âmbito do lazer, tem sido comumente abor- mente construída, percebe que é fundamental gerar movimentos comunitários. Não se
dada por estudiosos do assunto; d) é de alguma forma tematizada por várias disci- trata de impor uma programação nem somente convidar, mas gerar propostas em con-
junto com o público, a partir de seu envolvimento, crendo em estratégias de mediação
plinas académicas: Antropologia, Comunicação Social, Arte, Educação Física, Psico-
para ampliar o grau de compreensão e de vivências culturais do grupo. Espera que a
logia, Serviço Social, dentre outras.
comunidade envolvida possa paulatinamente desvelar os mecanismos e se empenhar
Existem muitas expressões que, mesmo preservando certas especificidades, se na sua emancipação. Por isso, acreditamos que esta perspectiva possa constituir uma
aproximam conceitualmente da Animação Cultural: promoção cultural, difusão cul- ação transformadora da sociedade.
tural, ação cultural, desenvolvimento cultural, dentre outras. Na França e na Espa-
Didaticamente, para que se compreenda melhor a natureza de intervenção do
nha, mais comumente, utiliza-se o termo Animação Sodocultural. Nesses países, existe animador cultural, podemos reconhecer três grandes padrões de organização cultu-
até mesmo uma formação, em nível superior, específica para a preparação do profis- ral que, obviamente, devem ser concebidos a partir da lógica de trocas e circularidade. A
sional, próxima da Educação Social. Já na Inglaterra, é corrente o uso da denomina- chamada "cultura erudita" é aquela relacionada a manifestações que historicamente se
ção Desenvolvimento Comunitário Sociocultural. organizam em escolas e/ou tendências que reúnem manifestações que apresentam carac-
José António Caride Gomez (1997) classifica as perspectivas de Animação terísticas em comum (barroco, surrealismo, por exemplo), reconhecidas por instituições
Cultural em três grupos: tecnológico, interpretativo e dialético. Na primeira pers- sacralizadas (museus, bibliotecas), nas quais se destacam grandes ícones (Rembrandt,
pectiva, o profissional atua como um "engenheiro cultural", verticalmente identi- Salvador Dali, por exemplo). Por estar de alguma forma ligada às classes dominantes,
ficando e implementando o que julga necessário para seu público, serh solicitar possui caráter normativo, estabelece padrões estéticos e suas instituições possuem certo
uma participação ativa deste na definição dos caminhos a seguir: o animador é o grau de prestígio e poder de decisão.
único responsável por descrever e prescrever ações e soluções. Compreende a rea- A chamada"cultura de massas" é a chave da constituição da sociedade do espetá-
lidade como genérica e o grupo como homogéneo, determinando hierarquicamente culo. Comumente são produções de caráter comercial denotado, de fácil acesso, de qua-
os comportamentos que devem ser observados. Por desconsiderar as subjetivida- lidade discutível, menos elaboradas do ponto de vista estético. Certamente temos que
des e deixar pouco espaço para a participação crítica dos indivíduos, julga-se que tomar cuidado com preconceitos, não reforçando a ideia de que somente o que vem da
nessa perspectiva há poucas possibilidades de contribuição para a superação da cultura erudita possa e deva ser valorizado. Mas também não podemos cair na apreen-
ordem social. É a mais comumente encontrada no âmbito do lazer nas atuações são simplista de que tudo é igual, cabendo às pessoas escolher o que acham de boa
dos "recreadores tradicionais". qualidade: há tensões culturais que devem ser cuidadosamente consideradas.
vivência fundamental para que os seres humanos melhor compreendam o que está FARIAS, Agnaldo. Arte brasileira hoje. São Paulo: Publifolha, 2002.
a seu redor. A arte não tem uma função, é uma função. Não se trata somente de JIMENEZ, Marc. O que é estética? São Leopoldo: Editora Unisinos, 1999.
pensar em uma educação pela arte, mas, fundamentalmente, em uma educação MELO, Victor Andrade. Educação estética e animação cultural. Licere. Belo Horizonte, v. 5, n. l, p. 101-
para a arte. 112,2002.
MELO, Victor Andrade; ALVES JÚNIOR, Edmundo de Drummond. Introdução ao lazer. São Paulo:
Para tal, então, como profissionais de lazer, devemos investir em processos de Manole,2003.
educação artística que, na verdade, se estruturariam como de educação estética. Al- SHUSTERMAN, Richard. Vivendo a arfe. São Paulo: Editora 34,1998.
guns parâmetros claros devem ser observados: a) a necessidade de superação do dis-
tanciamento entre a arte e a vida: tem uma existência concreta, expressa uma apre-
ensão acerca da realidade, não é menos importante do que outras formas de
BRINCADEIRA
conhecimento; em uma última instância, podemos falar da possibilidade de viver a
vida como uma arte; b) a necessidade de compreender com profundidade e ampli- São diversos os estudos, as questões, bem como as contradições que envolvem a com-
dão o papel e a função da arte: deve desencadear sensações naqueles que a procuram preensão do brincar e da brincadeira. Concepções distintas, usos, utilidades e sensi-
(ser experienciada corporalmente), não pode ser ascética, não é para poucos privile- bilidades divergentes; diferentes olhares sobre um conhecimento e uma experiên-
giados, é uma forma de expressão acessível a todos. cia que requerem, antes de tudo, ser tomados do ponto de vista de um fenómeno
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[BRINCADEIRA] 2
cantam a música que está sendo cantada na brincadeira e ficam sintonizadas com o
suas próprias relações como se, a priori, fossem capazes de resolver elas mesmas
que está sendo feito; há momentos em que elas também precisam ficar sozinhas an-
seus conflitos. As crianças sabem, sim, organizar-se, mas elas expressam as relações
tes que se disponham a estar com o grupo. Outras vezes é o contrário.
que conhecem; há tensões e relações de poder e muitas vezes vê-se reforçado justa-
É necessário, pois, atentar para a riqueza das relações que emergem em uma
mente algo que precisaria ser melhor trabalhado com as crianças na direção da cons-
brincadeira. Só é possível percebê-las no envolvimento; nem sempre se é capaz de
trução de suas relações e experiências. Como ressalta Benjamin (1984), a relação de
dar respostas imediatas e nem sempre é preciso assim fazer; o próprio desenrolar da
brincadeira evoca uma tarefa histórica: a da "orientação rigorosa", capaz de poten-
brincadeira, muitas vezes, apresenta as soluções necessárias. Por isso é necessário
cializar questionamentos às experiências e à vida, reconhecendo, no presente, possi-
clareza de intenções e dos lugares de adultos e de crianças. Brincadeira é coisa sé-
bilidades (esperança/utopia) de "libertar" o futuro de sua forma desfigurada.
ria? muitas vezes, parece que a importância da brincadeira, como lembra Wajskop
Brincadeiras dirigidas: as brincadeiras também são tomadas sob o ponto (1995, p. 22), só se evidencia mesmo quando, de alguma forma, está relacionada ao
de vista e estatuto de conhecimentos escolares que devem ser ensinados às cri- que histórica e comumente é reconhecido como "conteúdos","habilidades" ou "valo-
anças. Denominadas de brincadeiras dirigidas, acredita-se que exista uma ma- res" sociais ou escolares, justificando a presença e a possibilidade do brincar na edu-
neira "certa" de como as crianças devem brincar. Vê-se reforçada uma ideia de cação e em outros contextos.
que as crianças não sabem muitas brincadeiras ou não sabem brincar da ma- Dizer que o brincar e a brincadeira são coisas sérias reforça uma tentativa de
neira correta, o que inclui os gestos que devem fazer, as regras que devem respei- dar um estatuto de importância a partir da referência daquilo que o olhar adulto
tar e o comportamento que devem ter durante a brincadeira. O objetivo princi- considera importante, como o trabalho e a ciência; ou outros conhecimentos, como a
pal ressaltado para essas "atividades" é o de ensinar a brincadeira, mas não matemática, a leitura e a escrita, ou comportamentos disciplinados e considerados
necessariamente o de brincar. como adequados. O brincar, assim, adquire importância por subsidiar outras apren-
dizagens, mas não por seus temas, linguagem, tensões e suas relações específicas.
Brincar pelo brincar: buscando superar posturas que hierarquizam e/ou
Nem sempre a brincadeira do adulto é brincadeira para as crianças: às vezes os
secundarizam o brincar em relação a outras aprendizagens ditas escolares e procuran-
adultos criam uma circunstância chamando de brincadeira algo que para as crian-
do contrapor-se a uma ideia de "uso pedagógico" da brincadeira, lança-se mão de uma
ças não têm nada de brincadeira. As crianças fazem de tudo para se livrar dessa situa-
ideia abstrata e idealizada do brincar e da infância, na qual os conflitos e as tensões não
ção: dispersam-se e fazem bagunça; são ameaçadas, por exemplo, de não deixar fa-
são considerados nas relações. Sobressai uma concepção do brincar relacionada a uma
zer as brincadeiras seguintes caso não participem da brincadeira proposta. Essa é
ideia de relaxamento, prazer, distensão e autonomia individual.
uma situação extremamente paradoxal, e as crianças chegam a perguntar, no meio
da brincadeira, a que horas elas vão poder brincar.
Às vezes o brincar vira uma obrigação e deixa de ser brincadeira: a
brincadeira apresenta esse paradoxo, principalmente, para.a escola. Se, de um lado é A televisão também pode ser um tempo de brincadeira, mas precisa perma-
preciso afirmar que o brincar é sempre um convite, o que, muitas vezes, instaura nentemente de mediações. Em diferentes circunstâncias, as crianças são colocadas
uma contradição entre os tempos e espaços institucionais e os tempos e espaços dos em um lugar de extrema passividade, e a televisão parece ser utilizada como um
sujeitos, seus desejos e ritmos subjetivos, por outro, essa tensão também explicita objeto capaz de fazer, por ele mesmo, as mediações necessárias à sua apropriação. As
outro princípio e contradição permanente da brincadeira, que é sua dinâmica de crianças são colocadas diante do televisor como se qualquer coisa pudesse preen-
reconstrução e ressignificação permanente; a brincadeira ao mesmo tempo em que cher aquele momento. O uso da televisão não pode estar relacionado a mero preen-
se instaura como uma experiência coletiva de relação e significação, também é expe- chimento do tempo ou substituição das relações e interações humanas. Alguns pro-
gramas de televisão trazem representações absurdas das crianças, com o rótulo de
rimentada com sentidos profundamente distintos entre as diferentes pessoas que
programa infantil. Como exemplo, cito um quadro de um programa de uma apre-
brincam juntas, e até mesmo daquilo que foi colocado como foco prioritário. Há
sentadora que vem atravessando gerações, supostamente educando as crianças, mas,
muitas maneiras de participar de uma mesma brincadeira em um mesmo tempo e
sobretudo, gerando representações e expectativas de consumo: em um "clipe", a
lugar. Por exemplo, algumas crianças dizem que não querem ficar na roda com as ou-
apresentadora canta uma música que sugere movimentos corporais e conteúdos
tras crianças, mas quando "saem da brincadeira" ficam olhando as outras crianças,
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pela própria criança, único (porque nenhum ficava igual ao outro e porque traziam a (lógica do faz-de-conta), fornecendo representações manipuláveis de imagens com
marca autoral do seu criador), em que a criança reconhecia em seu conjunto os ma- volume, ao mesmo tempo em que possibilitaria a socialização e a integração
teriais com que foi produzido, despertando, com isso, sensações estéticas singulares, da criança ao universo codificado de determinada cultura. A propaganda, os
do brinquedo tradicional que traduzia os valores culturais, estéticos e espirituais do filmes publicitários de brinquedos caracterizariam o principal momento de encena-
grupo cultural ao qual a criança pertencia, contrapomos a visão do brinquedo in- ção de suportes de brincadeiras e situações lúdicas na TV.
dustrializado: feito de plástico, colorido produzido em série, em grande quantidade, Brougère supera a suposta dicotomia que apresento no início do texto. O brin-
produto pasteurizado, homogéneo, milhares de brinquedos iguais, traduzindo valo- quedo, de objeto de consumo destinado à criança, passa a ser visto como uma produ-
res culturais de um mundo globalizado. A parceria com a televisão potencializa ain- ção cultural dela, pois, traria a marca de uma relação ativa introduzida pela criança
da mais o valor atribuído ao brinquedo industrializado. Mal o desenho animado sur- com o objeto e com as imagens da TV. A brincadeira permitiria à criança passar de
ge nas telas da T V, encontramos réplicas de seus personagens principais à disposição uma situação de passividade diante da imagem da televisão para a atividade lúdica.
nas principais lojas do ramo, desde os shoppings até as bancas de camelos. As propa- Apesar das representações simbólicas estarem como que impregnadas no brinque-
gandas acentuam a possibilidade de a criança ter em casa o boneco do personagem do, elas constituem apenas a base a partir das quais produzem-se deslocamentos,
de seu programa preferido. O brinquedo estaria ganhando maior destaque na brin- transformações ou invenções.
cadeira do que a relação entre as crianças? Os modismos, a enorme quantidade de Refletir sobre a importância do brinquedo no brincar da criança nos instiga sair
brinquedos anunciados pela TV todo ano e a rapidez com que precisam ser renova- da posição cómoda das certezas, dos lugares comuns. Quando salto no vazio as certezas
das as relações entre a criança, a TV e os brinquedos, lembram o comportamento de se desfazem, o olhar tão convicto sobre a criança e seu brincar ganha fluidez, desman-
um esquizofrênico: a criança está presa a um ciclo, no qual é seduzida pelo anúncio cha-se no ar. Às vezes navegar entre as incertezas também desanima. Nesses momentos
do brinquedo e, uma vez de posse do objeto real, frustra-se com suas possibilidades, saio do computador e permaneço quieto, em silêncio. Das imagens que nesse texto res-
não condizentes com o produto anunciado nem com suas próprias necessidades, dei- gatamos sobre a criança e seu brincar uma se destaca emerge, ganha força, e acredito
xando-o de lado, para logo em seguida reiniciar o ciclo. que seja essa que me marcou profundamente nesses anos de trabalho com crianças, e
Brougère (1995), longe da imagem da criança consumista e aliciada pelos produ- também é aquela que faz me caminhar. São as reflexões propostas por Walter Benjamin
tos televisivos, inverte a lógica da relação criança e TV e vai nos propor que algumas sobre a criança, o brinquedo e a educação. Para o autor, a criança, na sua relação com os
imagens da televisão possuem elementos que podem ser integrados ao universo lúdico objetos, está sempre de prontidão para subverter a ordem estabelecida, invertendo a
da criança, às estruturas que constituem a base de sua cultura lúdica. E quais seriam ótica dos que a cercam. É na brincadeira e na eleição de seus brinquedos que a criança
essas estruturas? A luta, o confronto com o perigo, o socorro levado a alguém, a repro- nos revela sua visão de mundo. A criança apropria-se com interesse e paixão de tudo
dução de certas cenas do cotidiano. A criança, na sua relação com a televisão, não seria aquilo que foi abandonado pelos adultos, estando sempre pronta a nos mostrar outra
vulnerável às mensagens televisivas, mas estaria selecionando os conteúdos da TV, rea- possibilidade do real, de apreensão das coisas do mundo e da vida. Para ela, os objetos
tivando-os e se apropriando deles por meio de suas brincadeiras. A televisão não esta- se tornam um reino de enigmas e podem ser decifrados em diversas direções, nas quais
ria se opondo à brincadeira, pelo contrário, estaria alimentando-a, influenciando-a, es- cada objeto, pedra, flor, borboleta é o começo de algo, ao mesmo tempo em que faz
truturando-a. Ela estaria oferecendo às crianças referências únicas, uma linguagem parte de uma única coleção. O colecionador se mistura ao caçador, o único capaz de
comum. Sendo assim, em situações de brincadeiras coletivas, não existiriam dificulda- enxergar os espíritos presentes nas coisas (BENJAMIN, 1984).
des entre as crianças em proporem determinada brincadeira vinda da TV, uma vez que
todas as crianças potencialmente teriam acesso a ela, sendo ponto de partida comum.
Rogério Correia da Silva
satisfação via consumo de bens de lazer se dá pelas emoções proporcionadas pelo McCRACKEN, Grant. Cultura e Consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das
mundo dos objetos e das fantasias. atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.
Nestor Garcia Canclini (1995) chama a atenção para o fato de o consumo ter
ultrapassado as fronteiras clássicas da Economia, atingindo outras dimensões da vida
social. Considera o consumo como uma parte do processo comunicacional, como CONTEÚDOS CULTURAIS
alguma coisa que os indivíduos desejam transmitir mediante a aquisição de bens e
O conceito de cultura carrega uma dupla dimensão que deve ser compreendida de
serviços. Ou seja, o consumo é cultural e expressa a apreensão coletiva que as pes-
forma complexa, não linear. Podemos falar de um conjunto de normas, valores, hábi-
soas possuem sobre o ambiente no qual vivem. É, antes de tudo, uma aquisição sim-
tos que norteiam a vida humana em sociedade, nas suas mais diferentes especifici-
bólica que visa comunicar ao grupo social alguma mensagem. A cidadania já não se
dades, mas não devemos esquecer que elas se articulam com formas de organização,
constitui somente em relação a movimentos políticos e sindicais, mas, especialmen-
representações, sensibilidades. Assim, há uma relação entre aspectos éticos e estéti-
te, em processos de comunicação de massa e de consumo.
cos nas diversas formações culturais.
A Internet apresenta-se como um importante componente da comunicação Tendo em vista tal discussão, deveríamos considerar como "conteúdos cultu-
social na contemporaneidade, configurando um novo imaginário de relações de rais" qualquer dos elementos componentes desses campos: poderíamos estar nos re-
consumo e lazer. Nela, a diversão está diretamente associada ao consumo, seja por ferindo a valores, a sensibilidades e/ou a articulação entre ambos.
meio de banners, pop-ups e spams ou de sites específicos de vendas. A Internet
Contudo, correntemente no âmbito da discussão sobre o lazer no Brasil, tende-
pode ser um paradoxo, pois, apesar de virtual, materializa-se em variados produ-
mos a denominar como "conteúdos culturais" um conjunto de estratégias possíveis
tos e serviços, fortalecendo a globalização e pluralizando ainda mais o cotidiano de ser implementadas em programas de lazer, tendo em vista o alcance de determi-
dos cidadãos.
nados objetivos estabelecidos pelo animador cultural.de forma mais ou menos cons-
Em uma sociedade fragmentada como a contemporânea, a pluralidade de pro- ciente e crítica, associados ou não com seu público-alvo.
dutos implica um processo de entrelaçamentos entre diferentes estilos de vida e bens A utilização da expressão "conteúdos culturais" para designar as manifesta-
que os refletem. O processo de aquisição de produtos e serviços hoje transita pelo ções culturais é uma clara influência do pensamento do sociólogo francês Joffre Du-
campo do simbólico, dos sonhos despertados pelas expectativas das emoções que o mazedier no País, notadamente de sua classificação das atividades de lazer. É interes-
consumo pode vir a proporcionar: conhecimento, prazer, aceitação ou desejo. sante perceber como sua tipologia permanece bastante utilizada até os dias de hoje,
mesmo que parte significativa de seu pensamento tenha sido criticada no decorrer
Janete da Silva Oliveira
da década de 1980, muitas vezes de forma injusta e imprópria, diga-se de passagem.
Ricardo Ferreira Freitas Provavelmente, sua proposta de classificação permanece reconhecida por ainda dar
respostas convincentes às necessidades de concepção e programação de interven-
Bibliografia ções no âmbito do lazer.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro, Elfos; Lisboa: Edições 70,1995. Dumazedier procurou classificar as atividades de lazer segundo o interesse cen-
CAMPBELL, Colin. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. tral desencadeador de sua busca, o elemento principal que motivaria os indivíduos a
CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. procurá-las. Ao percorrer as diferentes motivações humanas, trabalhando com di-
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995. versas linguagens, estaríamos ampliando o alcance de nossa intervenção. Por certo,
HALBWACHS, Maurice. La classe ouvrière et lês niveaux de vie: recherches sur Ia hiérarchie dês contemplar as possibilidades de interesse não constitui uma dimensão suficiente
besoins dans lêssociétés industrielles contemporaines.Paiis: FelixAlcan, 1913. Para garantir um trabalho de qualidade; ela deve, todavia, ser considerada como
HAUG, Wolfgang Fritz. Crítica da estética da mercadoria. São Paulo: UNESP, 1997. urna preocupação importante para o profissional de lazer.
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70 [DICIONÁRIO CRÍTICO DO LAZER]
O bar, para além da sua função de comércio e abastecimento, passa a ser um Bibliografia
local de encontro, de convívio e também de veiculação de produções culturais, uma BIBLIOGRAFIA básica de lazer (Europa e Estados Unidos). Cadernos de Lazer l, São Paulo: Brasili-
vez que há um setor económico organizado em torno da produção e do consumo de ense/SESC, 1977, p. 60-64.
cultura. Nessa mesma lógica e considerando a atual valorização exacerbada do con- CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Recreação pública. Cadernos de Lazer 4. São Paulo: SESC, 1979,p. 29-36.
sumo de modo geral, os shopping centers também começam a figurar como equipa- CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. O que é lazer. São Paulo: Brasiliense, 1986.
mentos de lazer, abrigando, inclusive, salas de cinema, teatros e outros tantos equipa- DE PELLEGRIN.Ana. Os contrastes do ambiente urbano: espaço vazio e espaço de lazer. Disserta-
mentos menores dentro deles. ção (Mestrado). Campinas: Unicamp, 1999.
DUMAZEDIER, Joffre. Valores e conteúdos culturais do lazer. São Paulo: SESC, 1980.
Por fim, a rua, originalmente concebida como espaço de passagem e circula-
MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e humanização. Campinas: Papirus, 1983.
ção, e a escola, como lugar da educação formal, são, eventualmente, usadas como
REQUIXA, Renato. Sugestão de diretrizes para uma política nacional de /azer.São Paulo: SESC, 1980.
equipamentos de lazer nos fins de semana ou nos períodos de férias. Vale lembrar
que nem sempre isso se dá em razão de um planejamento, senão em virtude da difi-
culdade de acesso das pessoas aos equipamentos específicos. A caracterização da
rua como equipamento de lazer, por exemplo, não deixa de ser uma questão contro- ESPAÇO DE LAZER
versa para o Poder Público, uma vez que nas grandes cidades existem cada vez me-
nos espaços públicos vazios, há problemas de segurança e de transporte, e a rua, Termo genérico que diz respeito aos lugares em que se desenvolvem ações, ati-
muitas vezes, é o lugar que "sobra", a única opção de equipamento. vidades, projetos e programas de lazer de modo geral. Em contexto restrito, é possível
Os equipamentos de lazer fazem parte do desenho da cidade moderna, isto é, encontrar a expressão espaço de lazer sendo usada para designar um lugar específi-
são formas urbanas concretas sobre as quais operam forças de ordem económica e co ou para caracterizar determinado equipamento. Do ponto de vista mais amplo,
política. Dessa maneira, ao mapear uma cidade e os equipamentos de lazer que nela espaço de lazer refere-se a um dos aspectos de uma política de lazer. Diz respeito a
existem, contrastes urbanos diversos se fazem claros aos nossos olhos: áreas nas quais como se organizam os diferentes equipamentos em uma cidade, como são distri-
os equipamentos são abundantes, variados e bem conservados e áreas nas quais eles buídos, que tipo de possibilidades oferecem. Refere-se, também, aos espaços po-
são raros e malconservados, áreas de fácil acesso e áreas de difícil acesso, equipa- tenciais (vazios urbanos e áreas verdes, por exemplo), aqueles que podem vir a
mentos superlotados e equipamentos subutilizados. Enfim, há vários contrastes pos- transformar-se concretamente em equipamento de lazer. Em suma, a expressão
síveis de ser percebidos e que revelam que: 1) a lógica do capital se estende também espaço de lazer diz respeito a toda a rede de equipamentos de lazer, vazios urbanos
sobre a distribuição dos equipamentos urbanos em geral, inclusive os de lazer, ou e áreas verdes de uma cidade.
seja, a especulação imobiliária é, ao mesmo tempo, resultado e contribuinte dos dese- A exemplo do que ocorre com a temática dos equipamentos de lazer, o tema
quilíbrios espaciais gerados em vários setores; 2) a rede urbana de equipamentos de espaço de lazer também começa a ser tratado pelos estudiosos e pesquisadores da
lazer opera estreitamente ligada à dinâmica das outras redes de equipamentos, de trans- área em estreita vinculação com as políticas de lazer e com o planejamento do lazer
porte, de habitação, etc., o que deve ser levado em conta pela Administração Pública ao e, claro, com os próprios equipamentos de lazer. Seja em políticas ou em planejamen-
desenvolver o planejamento urbano. to, os aspectos espaço, tempo, atividade, animação, equipamento têm sido aborda-
A temática dos equipamentos de lazer continua sendo objeto de estudos e pes- dos como pontos fundamentais. Dessa forma, alguns dos autores que se dedicam à
quisas na área do lazer, exigindo, inclusive, contribuições de diferentes campos do temática do espaço de lazer são os mesmos que se dedicam às políticas e ao planeja-
conhecimento, tais como a geografia, a arquitetura, o urbanismo, a sociologia, a edu- mento; as questões relativas ao espaço aparecem em maior ou menor densidade de
cação e o turismo. Nos eventos académicos da área, tem sido comum a constituição acordo com a formação, com a especificidade e com os interesses de cada autor. Dentre
de mesas temáticas em torno do eixo lazer e espaço, onde se inserem os equipamen- os autores que em algum momento abordaram as questões relativas ao espaço de lazer
tos como um dos subtemas. de forma direta ou indireta, destacamos Joffre Dumazedier, Renato Requixa, Marlene
Yurgel, Thema Patlajan, Ethel Bauzer Medeiros, António Carlos Bramante, Nelson Car-
Ana De Pellegrin alho Marcellino, Heloísa Turini Bruhns.
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74 [DICIONÁRIO CRITICO DO LAZER]
artes, a propaganda, a publicidade, o jornalismo, o marketing, as relações públicas, a figurinos. Na França, o jovem Louis XIV se notabilizou como dançarino e assumiu como
educação e a política recorrem ao espetáculo e a seus recursos para se consolidar. alcunha o título de um dos personagens por ele levado à cena: o "Rói Solei!" (Rei Sol). Já
Assim, espetáculo pode assumir caráter de entretenimento, lazer, formação, educa- mais velho, o rei se afastou dos palcos e foi seguido pelo resto da corte em um movi-
ção, ideologia. mento que marcou o início da profissionalização da dança francesa: os nobres passa-
Muito antes do advento dos meios de comunicação de massa e das novas tec- ram a assistir aos espetáculos, agora não mais dançados por aristocratas.
nologias, o espetáculo já ocupava importante espaço na vida social e cultural de de- No século XVIII, o mestre de ballet Jean-Georges Noverre se afastou das dan-
terminadas sociedades. ças cortesãs e buscou inspiração no gestual do cotidiano para compor os célebres
A ideia de espetáculo como fenómeno feito por pessoal preparado (atores, dan- ballets d'action. Sob inspiração dos ares da Revolução Francesa que se preparava,
çarinos, mímicos), que acontece em um local específico (o teatro), para um público aboliu os trajes pesados, pomposos dos nobres e vestiu os dançarinos com roupas
que vai até lá para assistir a ele (a plateia), surgiu, no Ocidente, da Grécia Antiga, que facilitavam e valorizavam a movimentação.
embora em outras culturas, como a chinesa e a egípcia, também se explorasse o es- Ainda no universo das artes cénicas, a partir do século XVIII, a ópera se tornou
petáculo milenarmente. diversão popular, especialmente na Itália, na Alemanha e na França. A história da
ópera, no entanto, começou também na Grécia Antiga, no teatro. "As peças de Esqui-
Na Grécia Antiga, a noção de espetáculo reunia o que na Idade Moderna seria
lo, Sófocles e Eurípedes permanecem como alicerces do teatro no Ocidente. Desta
separado em dança, teatro, mímica, música, ópera, circo. Esse complexo ritual -
rica fonte da primitiva tragédia grega, desenvolveu-se a forma de arte por nós deno-
musiché - tinha origem religiosa no culto ao deus Dionísio (ou Baco para os roma-
minada ópera." (Di GAETANI, 1988, p. 21).
nos, posteriormente) com o intuito de homenagear para obter uma boa colheita e
celebrar para agradecer pela boa safra. O século XIX foi a época áurea - sob inspiração romântica - do ballet clássico
e da ópera. O ballet do século XIX teve como grande criador o francês radicado na
O espetáculo grego assumia a importante tarefa de formar a plateia, veiculando
Rússia Marius Petipa. A ópera teve como mais proeminentes representantes Giu-
mensagens, valores para públicos de milhares de pessoas. A tragédia grega possuía
seppe Verdi e Richard Wagner. Na metade do século XIX e princípio do século XX,
finalidade moral e ideológica, recorrendo, para isso, aos mitos da tradição oral. Hou-
desenvolveram-se formas mais simples de ópera cómica em vários países: eram as
ve época em que o Estado grego tomou para si a organização do teatro, instituindo
operetas. Nesse tipo de teatro musical, o texto ou roteiro é mais importante que a
concursos entre os poetas dramáticos. Desses, eternizaram-se especialmente Sófo-
música. Nasceram daí géneros como os musicais americanos da Broadway, inspira-
cles, Esquilo e Eurípedes. O espetáculo se popularizou.
ção para os musicais do cinema.
Os romanos não geraram trágicos como os gregos, mas espalharam casas de
O final do século XIX e o início do XX marcaram a busca por outras formas de
espetáculos por todo seu império - além do território hoje conhecido como Itália, expressão cénica por meio do corpo em movimento. Loie Fuller fez experimentos
pela Gália, Ibéria, África do Norte, Danúbio. Os romanos também aperfeiçoaram e com a luz em cena. Suas performances dançadas marcaram a busca de movimento
criaram máquinas e andaimes para obter recursos especiais para a cena. distinto daquele que o vocabulário do ballet clássico proporcionava. Isadora Dun-
Na Idade Média, após a queda de Roma, o teatro "pagão" foi proibido, pois o can, Bronislawa Nijinska, depois Martha Graham e Mary Wigman, de diferentes for-
espetáculo com intenção artística ou estética não foi considerado adequado. No seu mas e com distinas intenções, buscaram dançar outras danças, com corpos forma-
lugar, no entanto, a Igreja utilizou o drama litúrgico, os "autos", para catequizar. No- dos de modo diferente e resultando em espetáculos mais próximos do corpo urbano,
vamente, o espetáculo foi utilizado como recurso para veiculação de determinadas industrializado contemporâneo. A americana Isadora Duncan buscou dançar uma
mensagens, geralmente ligadas ao calendário litúrgico. "dança livre", livremente inspirada na Grécia Antiga, sem o virtuosismo do método
Com o Renascimento italiano, a inspiração na cultura greco-romana voltou à do ballet, com túnicas soltas no corpo e pés descalços. A alemã Mary Wigman foi
tona. Os espetáculos não-religiosos foram valorizados nos círculos aristocráticos. No expoente da dança expressionista alemã. No período entre a Primeira e a Segunda
universo da dança, a construção da noção de espetáculo levou séculos para se consoli- Guerras Mundiais, dançou mostrando dor, pessimismo.
dar. No Renascimento - especialmente na Itália e na França -, notabilizaram-se os ba- A noção de espetáculo e a sua relação com o entretenimento são questões que
les das cortes, peças de longa duração dançadas e vistas por nobres vestidos em ricos ocupam pensadores da área. No universo do teatro, uma questão sempre esteve
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78 [DICIONÁRIO CRÍTICO DO LAZER]
NOVERRE, Jean-Georges. Cartas sobre a dança. In: MONTEIRO, Mariana (Org.). Noverre, cartas so- de produção. Para tal, consolidava-se uma aliança entre Estado, poder jurídico e reli-
bre a dança. São Paulo: Edusp/Fapesp, 1998. gião, que passam a condenar e perseguir as práticas populares, dentre as quais os
KLEIST, Heinrich von. Sur lê théâtre de marionnettes. Paris: Mille et une Nuit, 1998. antigos jogos (obviamente não sem resistência daquelas camadas).
FEBVRE,Michèle. Danse contemporaine et théâtralité. Paris: Chiron, 1995. O esporte recém-sistematizado passa, então, a ser oferecido como uma diver-
são "apropriada" à população, como forma de substituição dos antigos jogos popula-
res condenados. A mesma população que vira a sua possibilidade de jogar subtraída
e perseguida passa a ter o "direito" de acesso ao espetáculo esportivo, fundamental-
ESPORTE mente concebido como consumo passivo, tanto no sentido da prática em si (não se
Existem duas tendências não necessariamente antagónicas quando nos referimos à podia jogar, somente assistir), quanto no sentido de interferir no desenvolvimento
definição das origens do esporte. Em uma delas, acredita-se que tal manifestação do campo que se gestava (não se tinha a possibilidade de participar da direção de
cultural já existia desde a Antiguidade, sendo identificada em jogos que eram prati- iniciativas e entidades representativas).
cados por povos diversos (chineses, egípcios, gregos, romanos, dentre outros) no No século XIX, o esporte rapidamente se difundiu por vários países, dialogando
decorrer da História. Na outra, procura-se entendê-lo como um fenómeno da com as culturas locais. Observam-se ressignificações nos seus sentidos, em razão das
modernidade que, mesmo apresentando similaridades técnicas com antigas prá- tensões comuns que se estabelecem no âmbito dos encontros culturais, mas pode-se ob-
ticas corporais, possui sentidos e significados bastante diferenciados daqueles jo- servar a manutenção de muitas de suas características originais. Esteve inserido nos pri-
gos "pré-esportivos". mórdios do desenvolvimento da cultura de massas e da sociedade dos espetáculos, ade-
A despeito das diferenças de concepção, não tíá como negar que desde o final quando-se às peculiaridades culturais da sociedade ocidental das transições do século
do século XVIII essa manifestação cultural apresenta características marcantes e XIX-XX, período denominado de Belle Époque em diversas localidades.
observáveis até os dias de hoje: a) se organiza em forma de clubes.federações, confe- Nesse momento, o esporte já era concebido como um estilo de vida pelas elites,
derações e outras entidades locais, nacionais e internacionais; b) possui um calendá- um sinal de status e distinção. O acesso aos clubes era permitido somente para pou-
rio próprio, já não mais sendo praticada estritamente de acordo com outros tempos cos. Ressalte-se que até esse momento ainda não estava definitivamente estabelecida
sociais; c) envolve um corpo técnico especializado cada vez maior (treinadores, pre- uma relação entre o esporte e o exercício físico. Aliás, durante muito tempo, alguns
paradores físicos, dirigentes, gestores,psicólogos, médicos, dentre muitos outros); d) até mesmo compreendiam a intensa movimentação física como prejudicial à saúde.
gera um enorme mercado ao seu redor, que extrapola até mesmo o que a princípio Na Europa, há similaridades entre o crescimento das preocupações com a "saúde
poderia ser considerado específico da prática esportiva. corporal" e o desenvolvimento do "esporte moderno" (basta lembrar a criação dos
É importante entender o processo de organização do "esporte moderno" para métodos ginásticos, já observáveis nos primeiros anos do século XIX), mas em ou-
que se possa compreender sua importância no século XX, notadamente como um tros países tal processo se deu em momentos posteriores (como no caso do Brasil).
dos principais produtos da indústria cultural, um dos mais procurados e acessados Não por acaso, em muitos países, inclusive no nosso, o turfe esteve entre os
nos momentos de lazer. Não é equivocado afirmar que o esporte foi uma das mais primeiros esportes a se organizarem. O turfe era bastante adequado ao novo modelo
influentes manifestações culturais do século passado. de sociabilidade que estava em desenvolvimento. Os hipódromos, instalações para a
No século XVIII, originou-se dos jogos populares apreendidos pelas public prática das corridas de cavalos, permitem que as pessoas assistam às apresentações
schools inglesas (escolas responsáveis por formar os filhos dos membros da bur- e sejam vistas, podendo ser divididas as arquibancadas de acordo com o poderio
guesia). Tais jogos tiveram seus sentidos completamente modificados, passando a económico. Era também adequado por estar mais próximo de uma realidade ainda
ser concebidos como estratégia "educacional", de controle corporal e de prepara- mais rural do que urbana. No mais, quem faz a atividade física é um animal, condu-
ção de lideranças. zido por um homem normalmente oriundo das camadas populares (o jóquei).
Ao mesmo tempo, entabularam-se iniciativas de controle das diversões das ca- O acirrar da relação entre o esporte e a atividade física se dá com o aumento
madas populares, cuja perspectiva era o forjar de uma nova cultura (articulação de das preocupações com a saneabilidade das cidades e com a saúde da população,
conjunto de valores e de sensibilidades) necessária à implantação do modelo fabril que se desenvolveram em muitos países dados os desdobramentos do avanço da
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elo entre o indivíduo e a realidade interior e entre a relação do indivíduo com a reali- Dessa maneira, considerando a vasta abrangência da relação eventos-lazer, as
dade externa ou compartilhada. Nesse aspecto, percebemos também que os eventos festas assumem relevante papel, uma vez que representam uma ação coletiva muito
organizados sempre foram verdadeiros panos de fundo para o mundo da magia, da peculiar que compreende situações determinadas e refletem uma ordem social
fantasia, do novo, do surpreendente. momentânea:
Como representações sociais, os eventos são imagens que condensam um con- - implica uma determinada estrutura social;
junto de significados; são sistemas de referência que permitem interpretar o que nos
- envolve uma clientela específica;
acontece e servem para classificar circunstâncias, interpretar a realidade cotidiana,
- aparece como uma interrupção do tempo social;
o conhecimento social. Os eventos compostos pela bagagem cultural se expressam
por códigos, valores e ideologias que fazem uma interface entre o homem e a socie- - articula-se em torno de um objeto focal;
dade. Representam o resgate do homem festivo, fantasioso, que redescobriu o pra- - trata-se de uma produção social que pode gerar vários produtos.
zer da celebração e da participação coletiva, substituindo todas as ferramentas,
Além de ser visualizado como um produto de consumo, um evento deve ser
indumentárias do seu dia-a-dia de trabalho pelo prazer, para utilizar esse momento da
considerado estratégico pelo seu poder de comunicação e marketing, demandando
fantasia e apresentar o que realmente gostaria de ser. O fato relevante é que as pessoas,
pesquisa, planejamento, organização, coordenação, controle, implantação e avalia-
ao "se produzirem" para ir a um evento, possibilita a si mesmas o direito à cartase, à
ção que venha convalidar seus objetivos e a plena satisfação do seu público-alvo.
liberação e a vivenciar outros papéis.
Os eventos pressupõem a presença do profissional ou de profissionais que irão
Os eventos são inicialmente imaginados e, mais do que a descoberta, retratam
programar as atividades inclusive do lazer. O evento assim entendido passa a ser um
um sonho, um determinado deslumbre. Para além que dos motivos evocados pelos
produto que deverá ser produzido adequadamente, levando em consideração es-
participantes para justificar seus deslocamentos, fica claro o equivalente simbólico
pecialmente seus objetivos e públicos.
de um rito de passagem. Somente depois é que o evento é vivido. E em último lugar,
no retorno, ele é recontado, comentado, ilustrado por fotos, filmes ou souvenirs, e Numa linguagem mais atual, considera-se um evento um conjunto de ativida-
brindes ganhos no encontro. des destinadas à otimização de ações profissionais em busca de resultados qualifica-
dos e quantificados com o público-alvo; seu organizador e profissional deve possuir,
Essas representações sociais vividas por meio dos eventos, por se expressarem
além do conhecimento e habilidades essenciais de administração e gerência, a criati-
através de sistemas cognitivos, têm uma lógica e uma linguagem particular e podem,
vidade para olhar velhos problemas sob novos ângulos e visão estratégica para bem
na realidade, ser estudadas e vistas sob essa ótica, apoiadas pelos vários comportamen-
utilizar os instrumentos e ferramentas disponíveis para sua realização.
tos e pelas relações sociais, que se estabelecem em configurações originais.
Assim, decorrente de um produto adequadamente concebido diante de um pro-
Nessas representações sociais programadas, vemos em jogo a ordenação, a
blema preestabelecido, aspectos organizacionais passam a desempenhar papel rele-
hierarquização da própria estrutura social em que grupos modelam representações
deles próprios e dos outros, favorecendo a compreensão e o funcionamento atual vante perante os aspectos de produção, instalação, realização e desmontagem.
daquela sociedade. Nessa revisão histórica e teórica, o que se confirma é o poder Nessa questão, os profissionais de eventos, principalmente os de eventos di-
social dos eventos, pela identidade cultural, e, ao mesmo tempo, como interlocutores rigidos ao lazer, exercem um papel relevante na conduta dessa nova sociedade ain-
do processo de mudança, pela possibilidade de articulações e manipulação dos valo- da em busca do lazer. Eventos culturais, educacionais, esportivos, lúdicos, recreati-
res socioculturais vigentes. vos e de animação se tornam cada vez mais necessários para o desenvolvimento de
Pelo exposto, a participação em um evento exprime uma dimensão mais pes- uma comunidade.
soal de ruptura em relação à vida habitual, sugerindo a ideia de uma passagem de Durante a organização dos eventos, processam-se contratações, estabelecem-se
um estado mental ou social dado, a um outro, mais valorizado, e vivido como outro. parcerias e, se necessário, terceirizações, especialmente quando se entende a necessida-
Nesses ritos de passagem se incluem: a expectativa do encontro, a chegada e agrega- de de execução de atividades específicas no contexto do evento, que, por sua natureza,
ção ao grupo e aos efeitos residuais provocados no indivíduo, após sua participação. requerem um tipo especial de habilidade, profissionalismo e conhecimento.
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nas relações sociais nas quais se inserem. A abordagem folclorista, tão questionada e espetáculo disfarça as desigualdades sociais, porém logo as denuncia através de um
arraigada à tradição e à estagnação, perde lugar. A festa estudada em seu processo mapeamento traçado no espaço social".
histórico, em sua realidade cultural, ressalta novos contornos para o entendimento Outros autores indicam, em seus estudos, questões também relevantes, como a
dos conteúdos culturais do lazer. transformação da festa rural em nacional, do jogo em competição, da festa em espe-
O livro Festa no Pedaço, escrito por Magnani (1984), torna-se clássico no es- táculo. Problematiza-se a participação de criadores, organizadores e executores da
tudo do tema. Esse estudo, mais do que a festa, abrange formas de entretenimento festa, e as ações de atores e expectadores. O cenário também se destaca, bem como
com que a população da periferia de São Paulo preenche o tempo e espaço de lazer. O relações entre lazer, trabalho e saúde. O sagrado e profano, a tradição e a inovação, o
autor coloca em destaque, por meio da pesquisa etnográfica, um assunto relegado tradicional e o moderno, as motivações e os interesses, a produção e o consumo, o
pelos estudiosos - o lazer. A partir da vivência do futebol de várzea, excursão de público e o privado, o autêntico e o dissimulado - todos problematizados buscando
farofeiros, bailes populares - forró, roda de samba,yz/«£ sou/-, circo, festa de ani- não a dicotomia entre os pólos, mas a complexidade das relações. Pesquisa-se a festa
versário e de casamento, concurso de violeiros, ele busca entender valores, modos de almejando compreender os significados atribuídos às ações de produtores e consu-
pensar e agir. Nesse estudo, revela ações que combinam rural e urbano, tradicional e midores, de participantes e espectadores - agentes sociais.
moderno, folguedos e indústria cultural, mostrando-nos que "mais relevante que la- Considerando a festa tempo/local de sociabilidade e de manifestação de lazer,
mentar a perda de urna suposta autenticidade [...] é tentar analisar as crenças, costu- tem-se indagado sobre os aspectos culturais com base em códigos de conduta e com-
mes, festas, valores e formas de entretenimento na forma em que se apresentam hoje, portamentos. A festa, tempo e espaço de vivência lúdica, é analisada como possibili-
pois a cultura, mais que uma soma de produtos, é o processo de sua constante recri- dade de vivência (ou não) do lazer criativo e crítico.
ação, num espaço socialmente determinado" (p. 18-19). Por meio de abordagens históricas, são destacadas transformações no proces-
Bruhns (1995), no Departamento de Estudos do Lazer da Unicamp, também so de institucionalização, urbanização e espetacularização da festa, em que interes-
desenvolve uma pesquisa importante - Futebol, Carnaval e Capoeira: as transi- ses políticos, culturais e sociais de diferentes instâncias do poder são mobilizados
ções entre os grupos sociais - posteriormente publicada com o título Futebol, car- para a sua (re)invenção, (re)edição e/ou (re)elaboração.
naval e capoeira (1998). Essa pesquisa motivou outros pesquisadores a se aventu- Abordar o corpo e sua gestualidade é uma ação recorrente nas pesquisas so-
rarem em um assunto hierarquicamente não muito bem situado entre os conteúdos bre a festa porque os principais centros de estudos no âmbito do lazer encontram-
do lazer, porque este se aproxima mais de valores contrários a ordem social vigente, se atrelados a escolas de educação física. Busca-se, assim, compreender corpos que
como vagabundagem, libertinagem, excesso, vadiagem, gratuidade e transgressão do dançam, consomem músicas e gestos padronizados, disputam provas no esporte
que de valores relacionados a ela, como produtividade e rendimento. rodeio, trabalham nas barracas e vivenciam festas/turísticas. As manifestações
Nesse trabalho, utilizando a abordagem cultural, a autora destaca a pluralida- corporais expressas por meio da dança, da marcha, do esporte, do jogo tornam-se
de das três manifestações estudadas, identificadoras do jeito de ser brasileiro, e que mediadoras na busca de significados de corpos que se divertem, trabalham, dan-
se inserem no universo lúdico brasileiro. Aqui, os sujeitos - que elaboram, produ- çam, consomem e celebram.
zem, representam - são identificados por ações e não a partir da estrutura. Entre A festa, prática cultural, é, da mesma forma, visualizada como um tempo-es-
interessantes argumentações desenvolvidas pela autora, destaco: a diversidade cultu- paço de educação, de disciplina, em que são pedagogizadas práticas da vida cotidia-
ral, ao trabalhar com a pluralidade da festa; as relações entre as manifestações estuda- na, mas também de reivindicação e de subversão. É discutida como mercadoria, prin-
das e a indústria cultural, discutindo a cultura de massa e a cultura popular e destacan- cipalmente quando atrelada ao turismo. Festa e turismo, práticas lúdicas, são
do as imbricações entre as mesmas; e as relações entre as categorias casa e rua. mercadorias de grande atrativo à indústria do entretenimento e, frequentemente, são
Ela também discute a não-oposição entre festa e cotidiano, enfatizando "os ele- abordados corno produtos económicos. Ao pesquisar a palavra festa na Internet, ve-
mentos controladores e disciplinadores envolvidos no tempo 'livre' e no tempo de rificamos que os itens encontrados estão localizados, essencialmente, em páginas de
trabalho", ambos "centrados no tempo cronometrado da vida". Divergindo da supos- empresas de turismo.de prefeituras municipais ou órgãos afins que têm como obje-
ta inversão dos papéis sociais na festa, a autora afirma que "o símbolo coletivo do tivo divulgar e vender o lugar e suas manifestações culturais. O objetivo é conquistar
consumidores. Essas festas populares aparecem aliadas a outros atrativos, como re- Bibliografia
servas naturais, museus, cultura local, hotéis, restaurantes e arquitetura. Porém, en- BEIRÃO, P. S. L. A questão da transdisciplinaridade no cenário mundial e as implicações para o lazer e
tre as festas encontradas, há festas e festas... Pois há diferentes consumidores bem a educação. In: Encontro Nacional de Recreação e Lazer, 13,2001, Natal, Anais... Natal: CEFET, 2001.
como opções e tipos de festa no mercado. BRUHNS, H. T. Futebol, carnaval e capoeira: as transições entre os grupos sociais. Campinas:
Departamento de Estudos do Lazer da Faculdade de Educação Física, UNICAMP, 1995. (Relatório final
Aqui, é interessante destacar um ramo do mercado que desponta com base,
de pesquisa CNPQ).
principalmente, em grandes festas nacionais: o infantil. Na festa de adultos, são pro-
BRUHNS, H. T. Futebol, carnaval e capoeira. Campinas: Papirus, 1998.
porcionados, simultaneamente, locais similares aos da festa principal, mas com ca-
CANCLINI, N. G. As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliensex1983.
racterísticas que atendem esse público específico, em dimensões e atrativos. Situa-
COLETÂNEAS de seminários "O lazer em debate", UFMG, Belo Horizonte, MG.
ção importante que demanda estudos, pois estão sendo gerados/educados novos
consumidores. COLETÂNEAS de congressos brasileiros de história do esporte, lazer e educação física.
COLETÂNEAS de encontros nacionais de recreação e lazer.
Percebe-se, desse modo, um lazer cada vez mais associado a bens e serviços
M AGNANI, J. G. C. Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade. São Paulo: Brasiliense, 1984.
disponibilizados pela indústria do entretenimento, em que consumir produtos, sím-
ROSA.M. C (Org.); PIMENTEL, G. G. de A.; QUEIRÓS, I. L. V. B. G. de. Festa, lazer e cultura. Campinas:
bolos e imagens torna-se a atividade principal. Entretanto, é importante ressaltar
Papirus, 2002.
que as pesquisas revelam que a vivência da festa não se restringe a essa faceta. Não se
pode generalizar.
Mesmo em grandes festas como o Círio de Nossa Senhora de Nazaré em Belém,
Oktoberfest em Blumenau, festa do peão em Barretos, carnaval no Rio de Janeiro e
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
festa do Divino Espírito Santo em Pirenopólis, em que se tem como característica Ao refletir sobre a formação de profissionais para atuar no âmbito do lazer, inicial-
tudo em grande dimensão, como o número de pessoas, a associação com o turismo, mente é necessário reforçar que o lazer se configura como um campo multidiscipli-
a programação, os patrocínios, os números económicos, a infra-estrutura e as atra- nar que possibilita a concretização de propostas interdisciplinares, por meio da par-
ções, temos que buscar as singularidades, pois, além da reprodutibilidade, a diversi- ticipação de profissionais com diferentes formações (Arte-Educação, Educação Física,
dade cultural permeia a experiência festiva. Pedagogia, Psicologia, Sociologia, Terapia Ocupacional, Turismo e Hotelaria, dentre
Destaca-se que a festa também é abordada, indiretamente, em estudos que pri- outros). Lamentavelmente, ainda se pensa que, para atuar na área, não é necessário
vilegiam outras temáticas relacionadas ao lazer, como políticas públicas. A festa - ter formação específica e aprofundada sobre o tema. Por isso, é preciso repensar os
comemoração, evento, data, encerramento -, como a oficina, a rua de lazer e o tor- pressupostos que encaminham a formação de profissionais e como ela está sendo
neio, é uma forma de intervenção em políticas de lazer voltadas para a cultura. processada em nosso contexto.
Como aponta Beirão (2001), o lazer é parte do processo de educação e da for- Segundo Werneck (2000), formar significa fecundar um conjunto de ideias e
mação da cidadania e as ações de políticas públicas mesmo que sinceramente dese- reflexões, criar possibilidades que nos retirem de posições acomodadas, mobili-
josas de apoiar atividades culturais ou esportivas, podem acabar disciplinando-as, zando e transformando o outro de alguma maneira. É uma maneira de nos colo-
manietando-as, tornando-as assépticas e mesmo desvirtuando-as. Para esse autor, carmos avessos às incertezas cristalizadas, com curiosidade e desejo de saber para
um caminho carreto é abordar cada caso de forma transdisciplinar, considerando os construirmos juntos o conhecimento. Nesse sentido, o desafio é agregar esforços
contextos cultural, social, económico, etc. para formar profissionais capazes de construir coletivamente ações teórico-práti-
Os pesquisadores do lazer começam a descobrir perspectivas de estudos ao arti- cas significativas sobre o lazer, a fim de não mascarar ou atenuar os problemas
cular festa e lazer. As abordagens ainda são incipientes, embora relevantes. Configura- sociais dos sujeitos envolvidos.
se, portanto, um tema que demanda importantes estudos e intervenções. A formação profissional no âmbito do lazer vem se concretizando, principal-
mente, a partir de duas perspectivas. A primeira se preocupa em formar um profis-
Maria Cristina Rosa sional mais técnico e tem como orientação primordial o domínio de conteúdos
quando mobiliza de maneira articulada todas as suas partes, fala-se de uma gestão modo a mobilizar em favor dos objetivos desejados. Ao contrário da pirâmide, a organi-
integrada (PEREIRA, 1955) zação em rede se espalha horizontalmente. Não há hierarquia de importância entre os que
a compõem. Há diferentes tipos de poder, diferentes tipos de responsabilidade e funções
ongo o ternpo,muitas formas de gestão foram desenvolvidas. Elas se diversi-
diversas. Mas todos os seus membros estão no mesmo nível, em termos de poder.
™e as instituições se complexificam. Vão da forma altamente centra-
4 as que incluem a flexibilidade na tomada de decisão, no aprimora- Rede, portanto, é um espaço de convergência de vários atores sociais, todos
as ec
|uipes e na valorização das capacidades humanas (SENGE, 1998). incompletos, que precisam tecer uma articulação de esforços diante de objetivos de-
r finidos, ou seja, potencializar recursos com e para um público comum. Rede, tomada
PU lico, por exemplo, a crise da estrutura burocrática de gestão públi-
como espaço aberto de complementaridade e cooperação com regulação, só pode
ca chegou ao seu ápice na década de 19go e desencadeou a reforma da estrutura do
ser, assim, respeitada se contemplar a intermediação da participação e do controle
Estado Moderno, em especjai ao que se referia ao model0 de gestão. Na mesma déca-
do público atendido. A ideia de rede consagra o princípio da descentralização de de-
da, o modelo neoliberal sobressaiu, formando a estrutura do Estado Mínimo. Parale-
cisão, entendida como o processo de transferência de poder de níveis centrais para
lamente, foi tomando corpo Um segundo modelo de gestão pública apelidado, no
periféricos, de modo a reestruturar o aparato central de decisão não para reduzi-lo,
Brasil, de Estado Gerencial,que os ingleses denominam Terceira Via (GIDDENS, 1999).
mas para torná-lo mais ágil e eficaz, democratizando a gestão por meio da criação de
Todos estes novos modelos partiam de uma premissa fundamental: o Estado deveria
novas instâncias de poder.
P PIOS de gestão empresarial e a adoção de valores gerenciais, de mer-
Nas organizações cada pessoa tem sua própria agenda. O gerente de marketing
cado, para definir a performance pública. Na última década do século XX, uma pro-
de um clube acha que a salvação da organização exige mais propaganda; o gerente de
funda crítica a esses modelos (tanto ao neoliberal quanto ao gerencial) foi se esbo-
vendas quer preços mais baixos dos serviços para o sócio; o gerente de P&D demanda
çando. Boaventura Santos, professor da Universidade de Coimbra acredita ser
mais recursos para a melhoria dos serviços existentes e para o desenvolvimento de
incompatível a reforma do Estado proposta à luz do princípio do mercado, local da
novos produtos. O problema é que se todos os gerentes fizerem bem a sua parte, assim
competição e da destruição do outro. Boaventura sugere o fortalecimento do poder mesmo o clube se dará mal. Os setores têm programas setoriais, mas pouco se preocu-
da sociedade civil, loCUs d0 diálogo entre interesses, da negociação coletiva e dos pam com a organização em si. O grande benefício do conceito de gestão integrada (ou
valores morais (SOUZA, I99g\
intersetorial) consiste em deslocar o foco, transferindo-o dos departamentos para os
p q e um gmp0 de pessoas ou de entidades se dispõe a trabalhar juntas, objetivos. Cada objetivo essencial, por exemplo - conquistar e reter clientes -, exige o
e erni trabalho integrado de vários setores. Cada vez mais, as organizações são desenvolvidas
inado objetivo, elas precisam se organizar: dividir responsa-
bihdades e funções, estabelecer regras de comunicação e decisão. O modo mais tra- como projetos de equipe interdisciplinares em vez de projetos setoriais.
dicional de nos organizarrnos é em pjrâmide. Organizar em pirâmide significa A gestão integrada pode se dar dentro da mesma organização, entre duas ou
que definimos resPonsabilidades e poder de decisão afunilando-os. Os níveis de res- mais organizações parceiras, além da participação direta dos usuários.
ponsabilidade se superpõem e se estabelece uma hierarquia de poder entre esses ní- Nesses modelos de gestão integrada, segundo Ricci (2001), não se governa por
veis. As pirâmides, ao concentrarem sempre mais poder à medida que se sobe nos departamento ou por serviço, mas por projetos elaborados em conjunto com o usuário
1S
> criam duas dinâmicas perversas: a da dominação e a da compe- que demanda as ações. Criam, assim, nova demanda em relação a qualificação dos pro-
tição. A dominação, para manter o poder; a competição, para chegar ao poder. fissionais que, de especialistas, passam a ser considerados polivalentes, articuladores
Or de várias áreas na construção de projetos integrados de atendimento de demandas.
V ganizaçã0 alternativa à organização em pirâmide, por meio da
qual esses problemas podem ser evitadoS) é a organização em rede (CASTELLS, 1999). Uma gestão de lazer em rede precisa superar os modos de gestão burocrático
A noção de gestão em rede tem se tornado figura obrigatória em todo discurso que indicamos acima por modelos mais interativos e participativos. Alguns indica-
sobre política social, seja nos setores públicos, seja nos setores privados. Rompendo dores apontam para um estilo participativo de administrar (ZINGONI, 2003), desta-
com o desenho hierarquizado e rígido da burocracia, o trabalho em rede se baseia cando algumas características como:
em uma visão sistémica do mundo Trabalhar em rede é perceber que todo ator A) Uma Organização do lazer que busca um estilo participativo de adminis-
- individual ou coletivo _ está inserido numa rede de sistemas para atuar de trar deve superar o centralismo das decisões. É preciso que os profissionais do lazer
A globalização não é mera ideologia. Trata-se de um processo real, multiface- ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 2000.
tado e paradoxal. Nas grandes cidades brasileiras, a globalização é facilmente perce- SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio
de Janeiro: Record, 2001.
bida na mídia e no consumo. Os meios de comunicação de massa e dirigida exerci-
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da
tam implacavelmente a propaganda de serviços e produtos que levarão a felicidade e
Universidade de São Paulo, 2002.
o conforto aos cidadãos, não importa onde eles estejam, já que os ingredientes da
SEVCENKO, Nicolau.A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa. São Paulo: Compa-
satisfação são os mesmos em qualquer continente: segurança, lazer e moda. Por esse
nhia das Letras, 2001. (Coleção Virando Séculos, 7)
motivo, multiplicam-se os shopping centers, os condomínios fechados e os edifícios
inteligentes. A globalização leva à valorização da individualização do cotidiano, dada
a possibilidade de se estar conectado a qualquer parte do mundo. O traiçoeiro senti-
mento de autonomia proveniente das novas tecnologias faz com que o indivíduo per- HOTÉIS DE LAZER
tença a tribos efémeras que afastam momentaneamente a solidão, mas fragilizam o
pathos de pertencimento a grupos sociais sólidos como a Igreja e o Estado. Cresce, São meios de hospedagem que estão voltados para atender turistas, tanto individuais
assim, o número de redes de diversas ordens em todo o planeta, provocando o fenó- quanto em grupo. Podem estar localizados em áreas urbanas ou rurais, em monta-
meno chamado por Maffesoli (2002) de "tribalização do mundo". Os movimentos de nhas, grandes centros turísticos, florestas, praias ou em outras zonas de interesse
reivindicações étnicas, o ressurgimento dos fanatismos religiosos e a proclamação turístico ou ecológico (CAMPOS; GONÇALVES, 1998). Possuem áreas de lazer voltadas aos
radical das especificidades culturais são alguns dos exemplos das novas comunida- esportes, atividades físicas, sociais, dentre outras. A maioria desses hotéis possui uma
des que surgem na pós-modernidade, concorrendo com outras mais efémeras, como equipe de profissionais com diversificadas formações para desenvolver progra-
aquelas formadas em chats da Internet. mações de lazer aos hóspedes, sejam estes crianças, adultos, terceira idade, dentre
de integração social. A racionalidade técnica seria, hoje, a racionalidade da própria ção de mensagens, próprio dos meios de comunicação de massa, dada a promessa de
gratificação sem esforço, faz com que os homens desejem aquilo mesmo que os do-
dominação. O declínio da razão crítica se cumpre com a própria racionalidade ins-
trumental em vigência. mina. Com efeito, ao proibirem a atividade intelectual e crítica do espectador, os meios
de comunicação de massa representam "a vitória da razão tecnológica sobre a verda-
Nesta "indústria cultural", o homem não passa de mero instrumento de traba-
de" (p. 129). E, assim, os valores humanos são substituídos em favor do interesse eco-
lho e de consumo, ou seja, objeto. Com efeito, as massas a quem ela se dirige, nas
nómico. Um exemplo recorrente para Adorno é o cinema. O que antes era um meca-
vozes do rádio e nas imagens do cinema e da televisão, não são anteriores a esta nismo de lazer, ou seja, uma arte, torna-se um meio eficaz de manipulação. Portanto,
indústria - elas são o seu efeito, a sua ideologia. A "indústria cultural" produz, a um pode-se dizer que a"indústria cultural" traz consigo todos os elementos característi-
só tempo, o produto e o seu consumidor. Trata-se, portanto, de um sistema que faz cos do mundo industrial moderno e nele exerce um papel específico, qual seja, o de
coincidir a produção de coisas com a produção de necessidades, um instrumento de portadora da ideologia dominante, que outorga sentido a todo o sistema. Com seus
domínio e integração social que configura, segundo Adorno e Horkheimer, uma nova produtos, a"indústria cultural"pratica o reforço das normas sociais, repetidas à exaus-
forma de despolitização da sociedade.
tão sem questionamento.
É nesse sentido que os meios de comunicação de massa representam a degra- Adorno e Horkheimer estão imbuídos de uma concepção da técnica que so-
dação da cultura, que, seguindo a lógica da indústria e da mercadoria, levam à derro- mente nela vê o processo de automatizar. Entendendo a história como fortalecimen-
cada os sujeitos autónomos, independentes. O exercício livre e crítico da razão en- to progressivo da razão técnica, que se perfaz com a perda do momento da revolução,
contra-se atrofiado por essa indústria que não é senão a outra face do trabalho só resta esperar por outro surto revolucionário. Enquanto ele não vem, a tarefa é re-
mecanizado. A "indústria cultural" se insere no amplo quadro de administração do fletir sobre a arte e a cultura e mostrar como elas lidam com formas de dominação.
tempo livre. Em outros termos, a organização do lazer, em razão da valorização do
A estética é o território privilegiado da análise adorniana. De acordo com o
capital, promove uma racionalização de procedimentos que expande a reificação da filósofo, a antítese mais viável para a sociedade é a arte; somente ela liberta o homem
esfera da produção e do mundo do consumo para o âmbito da vida imediata. Daí a das amarras dos sistemas e o coloca como um ser autónomo, um ser humano. Se
advertência de que a liberdade produzida no capitalismo não é senão esquecimento para a "indústria cultural" o homem é mero objeto de trabalho e consumo, na arte é
que imobiliza a consciência e a sensibilidade em um presente perpétuo, cristalizado um ser livre para pensar, sentir e agir. Adorno entende que a "indústria cultural" não
na cultura do supérfluo descartável. Na substituição veloz das mercadorias, o novo pode ser pensada de maneira absoluta: ela possui uma origem histórica e, portanto,
deteriora-se antes de envelhecer, garantindo, assim, o predomínio da astúcia do capi- pode desaparecer. No entanto, os trabalhos sobre a "indústria cultural" são permea-
tal e de sua valorização continuada mediante inovação permanente. dos por um forte pessimismo em relação à emancipação do homem, e aí nem mesmo a
Interessante notar que Karl Marx e Friedrich Engels já haviam escrito algo se- arte surge como antítese da ordem vigente, mas sim como uma afirmação do status
melhante no Manifesto do Partido Comunista, em 1848. O crítico social norte- quo. Utilizando o conceito de "cultura afirmativa" justamente para designar a perda
[INTERNET] 117
116 [DICIONÁRIO CRÍTICO DO LAZER]
Schwartz et ai. (1998) evidenciaram o uso da Internet como espaço atual de Tendo em vista essa gama de elementos que permeiam a utilização das novas
lazer, tendo em vista as características da sociedade contemporânea, que focaliza a tecnologias no âmbito do lazer, torna-se importante a reavaliação de valores concer-
procura de diversão e de interação social como os principais objetivos que motivam nentes à utilização da rede Internet como coadjuvante no processo de educação para
o acesso de usuários. o lazer, assim como um importante e emergente meio metodológico de desenvolvi-
A possibilidade de ampliação do espaço educacional sobre os valores do lazer mento de pesquisas académicas.
para além dos muros escolares, especialmente com a utilização da rede Internet, tam- Gisele Maria Schwartz
bém foi tema de outro estudo de Schwartz et ai. (2000), tendo em vista a perspectiva
de desenvolvimento nos níveis pessoal e social, enfatizando-se, inclusive, o espirito
de cidadania e de aquisição de direitos. Bibliografia
Uma das tarefas centrais desse veículo de comunicação, em relação à educação CAMARGO, L.O.L. O que é lazer. São Paulo: Brasiliense, 1986.
para o lazer, é a oportunidade oferecida aos mais variados tipos de pessoas de se DUMAZEDIER, J. Valores e conteúdos culturais ao lazer. São Paulo: SESC, 1980.
inteirarem sobre as diversas formas de usufruir um estilo de vida com maior nível MARCELLINO, N. C. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1987.
qualitativo e mais saudável, no qual as experiências podem ser escolhidas conforme SCHWARTZ, G. M., SILVA, R. L. Internet: uma perspectiva para o profissional na educação para o lazer
o interesse particular e com vínculo imediato ao enredo psicológico de cada indiví- In: ENCONTRO NACIONAL DE RECREAÇÃO E LAZER, 12; ENCONTRO LATINO-AMERICANO DE
RECREAÇÃO E LAZER.4,2000, Camboriú: Universidade do Vale do Itajaí. Anais... Camboriú, 2000. p.
duo, para que se tornem, de alguma forma marcantes e significativas, tendo em vista
492-498.
a possibilidade de especificidade dos focos nos custos e benefícios das novas pers-
SCHWARTZ, G.M.; SILVA, R.L.; ZANCHA, D.; FERREIRA, M.L.C. A Internet como espaço de lazer. In:
pectivas de opções.
SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, XXI, 1998, São Paulo, A«ais...São Paulo,
No âmbito das pesquisas académicas relacionadas ao lazer, a Internet tem fa- 1998, p. 135.
vorecido uma perspectiva de ampliação do universo instrumental, uma vez que essa SCHWARTZ, G.M.; SILVA, R.L.; Leisure Education through Web. In: WORLD LEISURE CONGRESS, 6,
tem se tornado uma ferramenta importante para a seleção de amostras específicas, 2000, Bilhão, Anais... Bilbao, 2000, p. 3-7.
ou como meio de aplicação de questionários e entrevistas, cujo alcance é ampliado SILVA, R. L., SCHWARTZ, G. M. Cultura midiática e esportes de aventura In: CONGRESSO DE EDUCA-
sem fronteiras. ÇÃO FÍSICA E CIÊNCIA DO DESPORTO DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA. 9,2002, São Luís,
MA., Anais..., São Luís, MA, 2002, p. 100.
Silva e Schwartz (2000) utilizaram a rede para selecionar e entrevistar indiví-
SILVA, R. L., SCHWARTZ, G. M. Gender, discrimination, lesbianism and leisure In: WORLD LEISURE
duos que se autodenominavam homossexuais, que pudessem auxiliar a compreen- CONGRESS, 6,2000, Bilbao, Anais... Bilbao, 2000, p. 46-47.
der as possíveis tendências discriminatórias relacionadas à participação social de VIVIANI, L. H. S. N., SCHWARTZ, G. M. A questão da violência e os jogos virtuais. In: CONGRESSO DE
algumas minorias, no caso os homossexuais, no contexto do lazer. INICIAÇÃO CIENTIFICA, XIV, 2002, Presidente Prudente: Unesp, Anais..., Presidente Prudente, 2002.
Viviani e Schwartz (2002) procuraram identificar, na visão de jogadores de jo- WERNECK, C. L. G. Brincando na Internet: uma análise sobre o imaginário presente nos bate-papos
gos virtuais, as principais diferenças de atitudes diante dos estímulos competitivos virtuais. Revista Licere. Belo Horizonte, v. 2, n. l, p. 74-90,1999.
no mundo virtual, evidenciando reflexões sobre adversários e parceiros virtuais e a
concepção de jogo envolvida nessas modalidades.
Em outros estudos de Silva e Schwartz (2002), a rede foi utilizada para selecio- LAZER - CONCEPÇÕES
nar indivíduos participantes de atividades de aventura na natureza, no sentido de
compreender melhor a relação homem-natureza. Considerando que a análise das diversas concepções de lazer recorrentes nesse cam-
Não se pode fazer do progresso humano e dos avanços tecnológicos apenas po de estudos é uma tarefa complexa, não se pretende, nesse texto, esgotar o assun-
vilões historicamente concebidos e situados, mas pode-se fazer uso deles, com a fi- to, mas sim contribuir para as reflexões sobre o pensamento de alguns autores que
nalidade de buscar soluções mais humanizadoras, evidenciando a informação e a aprofundaram conhecimentos sobre o lazer, emitindo conceitos sobre este objeto
orientação precisas como caminhos para um bom uso da tecnologia. de estudos.
Pensando o conjunto dessas referências e autores, parece haver uma crença no São esses aspectos, dentre outros, que diferenciam a postura de Marcellino
enriquecimento da personalidade humana por meio do lazer, como possibilidade de (1990). Em primeiro lugar, sua compreensão do duplo aspecto educativo do lazer
liberação das padronizações e automatismos e de adaptação a quaisquer circunstân- como veículo e objeto de educação. Depois, a consideração das suas potencialidades
cias adversas. Assim, o lazer tem, nessa concepção, um conteúdo psicológico (a com- para o desenvolvimento pessoal e social e para satisfazer necessidades também indi-
pensação e estabilização individual), e um conteúdo social (a readaptação e manu- viduais e sociais. E, sobretudo, na convicção de que "só tem sentido falar em aspectos
tenção da ordem). Além disso, por meio do lazer, espera-se uma progressiva educativos do lazer, se esse for considerado [...] como um dos possíveis canais de
transferência das responsabilidades referentes à educação, ao sucesso profissional, atuação no plano cultural, tendo em vista contribuir para uma nova ordem moral e
ao descanso e à autopromoção, sempre de forma equilibrada e em consonância com intelectual, favorecedora de mudanças no plano social" (p. 63-64). Concebido como
a ordem estabelecida, aos indivíduos e coletividades, o que indica, portanto, que esta um dos campos possíveis de contra-hegemonia, Marcellino reveste o lazer e sua rela-
corrente apóia-se numa visão burguesa e funcionalista da relação entre lazer e edu- ção com a educação de um conteúdo crítico, apostando no engajamento da socieda-
cação, colaborando para o funcionamento harmonioso da sociedade, do poder cons- de em direção a mudanças culturais, capazes de fazer com que a experiência do lazer
tituído e das relações de hegemonia. se torne mais rica e promotora do ser humano em si e, conseqúentemente, que as
pessoas tenham mais prazer de viver e a experiência do lazer possa se tornar mais
A estratégia da ação comunitária desenvolvida por Requixa (1973), outra pro-
posta importante no debate sobre lazer e educação, caberia bem na visão funciona- rica e promotora do ser humano em si mesmo. Opondo às abordagens funcionalistas
lista acima mencionada, não fossem as diferenças empregadas por Marcellino, em a sua compreensão do lazer-educação, o autor orienta a ação comunitária para os
meados da década de 1980, a essa metodologia. Cabe aqui, então, localizar as duas interesses dos trabalhadores, desenvolvendo toda uma experiência nesse campo com
compreensões acerca da ação educativa do lazer neste âmbito e discriminar a quais as políticas de esquerda e com os governos democrático-populares. Nesse aspecto,
É demasiado arriscado definir, com exatidão, o momento histórico em que o Todas as palavras acima, embora denotem sentidos imprecisos, guardam re-
lazer se configura na sociedade ocidental. A busca pela compreensão do passado é lação com o lazer nos contextos em questão. Até agora, nenhuma novidade além do
descanso, repouso. Os sinónimos e variantes do lazer são: folga e passatempo. THOMPSON, Edward P. Tempo, disciplina do trabalho e o capitalismo industrial. In: SILVA, Tomaz
Tadeu (Org.). Trabalho, educação e prática social. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
Obviamente, os significados de lazer apresentados Houaiss e Villar são mais
WERNECK, Christianne Luce Gomes. Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões
precisos e elaborados do que os sentidos encontrados nos dicionários dos séculos contemporâneas. Belo Horizonte: Editora UFMG/CELAR, 2000.
XVIII e XIX, uma vez que guardam relação com o nosso contexto atual, no qual a WERNECK, Christianne Luce Gomes. Recreação e lazer: apontamentos históricos sobre os saberes
palavra lazer já integra o vocabulário comum em muitas localidades. Todavia, os construídos e possibilidades de encaminhamento no contexto da educação física. In: WERNECK,
autores têm o mérito de acrescentar mais uma valiosa informação ao debate: o Christianne Luce Gomes; ISAYAMA, Hélder F. Lazer, recreação e educação física. Belo Horizonte:
registro da palavra lazer com esta grafia em um documento datado de 1619 - ou Autêntica, 2003.
seja, do início do século XVII, que pode ser visto como um período que precede as
civilizações industriais europeias, especialmente as "avançadas". Ademais, se "le-
zer" era a forma arcaica do vocábulo lazer, quer dizer que no século XIII já vinham
sendo anunciados alguns significados que são importantíssimos para o objeto de
LÚDICO
nossas reflexões.
Atualmente, o lúdico é uma palavra empregada no vocabulário corrente da língua
Concluindo, a discussão sobre o assunto não se esgota com essas ponderações portuguesa, mas o mesmo encaminhamento não é verificado em outras línguas que
iniciais, que sublinham a necessidade de entender o lazer em sua complexidade his- desconhecem este termo, tampouco os seus significados.
tórica, social, política, cultural e semântica, explicitando suas condições de realiza- Apesar de ser um vocábulo frequentemente utilizado em nossa língua, a com-
ção em nosso meio. Fica, assim, o convite para o desenvolvimento de outras reflexões preensão dos seus significados muitas vezes constitui um ponto obscuro. Como exa-
e pesquisas sobre a ocorrência histórica do lazer. mina Valter Bracht (2003), o lúdico é um termo amplamente utilizado nos estudos
Christianne Luce Gomes sobre o lazer no Brasil. Chama a atenção do autor não apenas a recorrência da
[LÚDICO] 145
144 [DICIONÁRIO CRÍTICO DO LAZER]
Como expressão de significados que tem o brincar como referência, o lúdico re-
MARKETING
presenta uma oportunidade de (re)organizar a vivência e (re)elaborar valores, os quais
se comprometem com determinado projeto de sociedade. Pode contribuir, por um lado, Historicamente, antes de 1930 as estratégias empresariais eram definidas com base
com a alienação das pessoas: reforçando estereótipos, instigando discriminações, in- na produção. As principais características desse modelo eram: uma demanda supe-
citando a evasão da realidade, estimulando a passividade, o conformismo e o consu- rior à oferta, produção artesanal (poucas unidades), toda a produção era consumida
mismo; por outro, o lúdico pode colaborar com a emancipação dos sujeitos, por meio e os preceitos da Revolução Industrial acelerando a produção.
do diálogo, da reflexão crítica, da construção coletiva e da contestação e resistência à
Entre as décadas de 1930 e 1950, ocorreu uma alteração no cenário mercadoló-
ordem social injusta e excludente que impera em nossa realidade.
gico. Foi um período conhecido como Era de Vendas. Nessa fase, houve: sinais de
Christianne Luce Gomes excesso de oferta, formação de estoques,produção industrial em série e técnicas agres-
sivas de venda. Essas características não ocorreriam por muito tempo. A precisão
industrial e a necessidade de agilizar os processos de distribuição e consumo eram
Bibliografia demandas latentes para as empresas.
ALVES, Vânia F.N. O corpo lúdico Maxakali; Segredos de um "programa de índio". Belo Horizon- Nesse contexto, surgiu a partir de 1950 a Era do Marketing. O início desse pro-
te: FUMEC-FACE,C/Arte,2003. cesso foi marcado por ações inovadoras, como: constatação dos desejos e necessida-
BRACHT, Valter. Educação física escolar e lazer. In: WERNECK, Christianne Luce Gomes; ISAYAMA, Hélder de do consumidor, maior valorização do consumidor e relações permanentes entre
Ferreira (Org.).Lazer, recreação e educação física.Belo Horizonte: Autêntica Editora,2003.p. 147-172. clientes e empresas. O foco principal dessas estratégias era a conquista e a manuten-
BRUHNS, Heloísa Turini. O corpo parceiro e o corpo adversário. Campinas: Papirus, 1993. ção dos clientes.
DEBORTOLI, José Alfredo O. Linguagem: marca da presença humana no mundo. In: CARVALHO, Alysson et ai. No Brasil, o marketing chegou pouco mais tarde. Entre 1950 e 1960, a orienta-
(Org.). Desenvolvimento e aprendizagem. Belo Horizonte: Editora UFMG/PROEX-UFMG, 2002. p.73-76. ção ainda era dirigida para vendas. Em 1954 a teoria do marketing chegou ao ambi-
DEBORTOLI, José Alfredo O. As crianças e a brincadeira. In: CARVALHO, Alysson et ai. (Org.). Desen- ente académico, com a disciplina "Mercadologia e Ação no Mercado". A partir de
volvimento e aprendizagem. Belo Horizonte: Editora UFMG/PROEX-UFMG, 2002. p.77-88.
1960, o marketing consolidou-se também no Brasil, com a entrada das empresas mul-
ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
tinacionais e a instalação do Shopping Iguatemi. Até aproximadamente 1970, houve
PEREIRA, Aurélio B. de Holanda. Lúdico. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2.ed. rev/ um uso intensivo e indiscriminado da teoria do marketing no Brasil (MIGUEL, 2002).
aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
A partir desse período, o marketing ganha cada vez mais espaço nas organiza-
GOMES, Christianne Luce. Significados de recreação e lazer no Brasil: reflexões a partir da análi-
se de experiências institucionais (1926-1964). (Tese, Doutorado em Educação). Belo Horizonte: ções. Hoje, muitas são as empresas que possuem um departamento de marketing.
Faculdade de Educação/UFMG, 2003. Mas a utilização desse conhecimento não é privilégio desses departamentos. A gran-
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1993. de tendência é a utilização do marketing integrado, que visa atingir objetivos como
MARCELLINO, Nelson C. Pedagogia da animação. Campinas: Papirus, 1990. ganhar mercado, dar lucro, melhorar a imagem, além dos objetivos sociais. Como
PINTO, Leila M.S.M. Lazer: Vivência privilegiada do lúdico. In: BELO HORIZONTE. Prefeitura Munici- todos os departamentos da organização promovem o atendimento a esses objetivos,
pal. Secretaria Municipal de Esportes. O lúdico e as políticas públicas: realidade e perspectivas. não é possível deixá-los por conta exclusiva do de marketing.
Belo Horizonte: PBH/SMRS, 1995, p. 18-26. Mas, então, o que vem a ser, de fato, o marketing? No senso comum, a primeira
SANTIN, Silvino. Educação física: da alegria do lúdico à opressão do rendimento. Porto Alegre: ideia que se tem a respeito é "divulgação". Essa compreensão não está equivocada,
Edições EST/ESEF, 1994.
mas incompleta e bastante limitada. Conceitualmente, busco apoio em Philip Kotler,
SILVA, Maurício Roberto. A exploração do trabalho infantil e suas relações com o tempo de lazer/lúdi- um dos principais estudiosos e autores deste campo. Kotler define o marketing como
co: quando se descansa se carrega pedra! Revista Licere.Zelo Horizonte, n.l, v.4,2001,p.9-21. "uma orientação da administração que pretende proporcionar a satisfação do cliente e
WERNECK, Christianne Luce Gomes. Recreação e lazer: apontamentos históricos no contexto da educa- o bem estar do consumidor, em um prazo longo, como forma de satisfazer aos objetivos
ção física. In: WERNECK, Christianne Luce Gomes; ISAYAMA, Hélder Ferreira (Org.). Lazer, recreação
e responsabilidades da empresa". O autor cita um outro conceito, elaborado por Lãs
e educação física. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 15-56.
Casas, que afirma que o marketing e uma área de conhecimento que engloba as
• A natureza faz parte da história, não cabendo voltar atrás para restabelecer DIEGUES, António Carlos. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo, Hucitec, 1996.
uma harmonia perdida, mas sim restabelecer uma relação com o estado da natureza LEIFF, Enrique.Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2000.
conforme a situação histórica. REIGOTA, Marcos. Meio ambiente e representação social São Paulo: Cortez, 1995.
Para completar esse quadro geral do mercado de trabalho em lazer, é oportuno árbitro esportivo 3.393 254,91 7,0
visualizar os diferenciais de remuneração e jornada de trabalho entre profissionais técnico esportivo 109.369 607,28 30,7
de distintos segmentos. Na Tabela 2, foram selecionadas algumas ocupações caracte-
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro: 2001.
rísticas do ramo de lazer e entretenimento no Brasil, mas sem circunscrever o levan-
tamento àqueles segmentos anteriormente referidos.
Em primeiro lugar, chama atenção não só a quantidade de técnicos esporti- Em suma, o mercado de trabalho em lazer, no Brasil, não só tem se expandi-
vos, músicos e artistas, mas também o número considerável de diretores de espe- do, como é bastante heterogéneo. Há, certamente, diferenças regionais que não foram
táculos e de comunicadores. Em segundo lugar, destaca-se a relativamente alta re- aqui explicitadas. Mas o importante é que são muito diversificados os campos de
muneração média mensal dos atletas profissionais (certamente, os altíssimos atuação profissional, nesse ramo, que se abrem para pessoas das mais diferentes for-
rendimentos da elite puxa a média para cima) e a baixa remuneração média dos mações académicas.
artistas de circo (que recebem rendimentos não monetários, principalmente ali-
Marcelo Weishaupt Proni
mentação e moradia), lembrando que o salário mínimo legal estava fixado em
R$ 180 na época. Por último, nota-se que a jornada média dos cinegrafistas ultra-
passava 45 horas semanais, ao passo que os árbitros esportivos trabalhavam apenas Bibliografia
7 horas por semana, em média.
MARCELLINO, Nelson (Org.) Lazer: formação e atuação profissional. Campinas: Papirus, 1995.
Vale a pena ressaltar as duas categorias profissionais mais numerosas nesse POCHMANN, Mareio. A década dos mitos. São Paulo: Contexto, 2001.
recorte. Os técnicos esportivos trabalhavam, em média, 31 horas por semana e ga- PRONI, Marcelo Weishaupt. O mercado de trabalho em serviços de lazer no Brasil. Anais do XV Enarel.
nhavam, em média, 3,4 sm por mês. Por sua vez, os músicos ganhavam 3,3 sm Santo André: Sesc, 2003.
mensais, em média, e trabalhavam apenas 23 horas por semana, em média. TRIGO, Luiz Gonzaga G. Filosofia da formação profissional nas sociedades pós-industriais: um
Mas, em geral, os primeiros exercem sua profissão durante o dia e os segundos no olhar para o além do tradicional: o caso do lazer e do turismo. Campinas: Unicamp, 1996. Mimeo.
período noturno.
turas subjetivas de percepção, favorecendo o caráter de integração (in)voluntária à HABERMAS, Jurgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio dejaneiro: Tempo Brasileiro, 1984.
cultura tecnicamente mediada. O imenso fluxo de estímulos em forma de mensagem MARCELLINO, Nelson C. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1987.
que é disponibilizado pelos meios eletrônicos e a velocidade com que vão se suce- RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo. Dicionário de comunicação. São Paulo: Ática, 1995.
dendo à frente do indivíduo provocam uma apreensão fragmentada e superficial da PIRES, Giovani De Lorenzi. Educação Física e o discurso midiático: abordagem crítico-emanci-
realidade, porque destituída dos elementos e do tempo necessário para a reflexão e patória. Ijuí: Ed. UNIJUf, 2002.
sua incorporação subjetiva como experiência. Assim, por constituir-se um conjunto RAMOS-DE-OLIVEIRA.Newton. Reflexões sobre a educação danificada. In: ZUIN, António; PUCCI,
Bruno; RAMOS-DE-OLIVEIRA, Newton. Educação danificada: contribuições à teoria crítica da
difuso de informações, não possibilita que o receptor se aproprie efetivamente da
educação.Petrópolis,São Carlos: Vozes,Ed.UFSCar, 1998.
realidade e possa agir sobre ela.
ZUIN, António Álvaro. Indústria cultural e educação: o novo canto da sereia. Campinas: Autores
A repetição massificada desse contato prejudicado com o real compromete a au- Associados, 1999.
tonomia da recepção e a qualidade da formação cultural produzida, gerando uma adap- WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 6 ed. Lisboa: Presença, 2001.
tação ao simplificado de tal modo que qualquer atividade que demande um esforço
maior de preparação, de leitura, de reflexão e de interpretação é sumariamente despre-
zada, porque impossível de ser compreendida em toda a sua plenitude/complexidade.
ÓCIO
A consolidação desse processo, especificamente em relação aos aspectos for-
mativos sensoriais e estéticos que a experiência lúdica pode promover, isto é, a sua Um dos fenómenos culturais mais antigos de que temos registro, durante a longa
progressiva substituição por tais vivências eletronicamente mediadas, gera uma história da humanidade, o ócio, assume diversas feições e significados origina-
banalização do lazer que passa a ser concebido como mero entretenimento pela dos de um tempo e lugar e pelas ações e relações humanas neles construídas.
Para compreendê-lo temos de percebê-lo em sua historicidade, apanhá-lo em movi-
mento, enxergá-lo como uma expressão dos diferentes modos de vida constituídos e
T cujos valores e normas envolviam a submissão ao poder do Estado e respeito aos
seus representantes.É nesse contexto que,segundo Munné (l980),o ócio assume um
como manifestação cultural que, permeada por valores e sentidos específicos, acaba aspecto recreativo, de divertimento de massa, deixando de ser um modo de vida para
por assumir características próprias, definindo-se como uma experiência destacada relacionar-se com descanso, recreação e meditação, formas de recompensa e prepa-
das demais atividades humanas. Somente assim, através da história, e recorrendo a ração para o próprio trabalho. Torna-se, assim, um tempo reservado à sua própria
ela, é possível apreender quais as tendências postas hoje para a vivência do ócio na ocupação, à medida que são inaugurados também novos modelos de diversão e pas-
sociedade contemporânea.
satempo, embalados pelas lutas sangrentas travadas nos circos violentos da antiga
Uma das primeiras manifestações do ócio pode ser vista na Grécia Antiga, onde Roma. Percebe-se, então, que neste momento, o ócio ganha uma feição instrumental,
aparece como um valor nobre, atitude inseparável de um modo de vida contemplati- uma vez que se buscava afirmar o poder e a misericórdia do Imperador mediante a
vo, ligado ao exercício da filosofia e da política, o que lhe dá lugar na composição do promoção de uma diversão violenta e dotada de um caráter controlador, que acaba
ideal educativo do período: a Paidéia. Do grego, ócio deriva de scholé, que significa gerando a brutalização dos indivíduos. Dessa maneira, o ócio, que até então signifi-
um estado de paz, de fruição criadora, condição para a sabedoria. Os cidadãos, isto é, cava liberdade, ainda que exclusiva para determinadas camadas sociais, converte-se
os homens considerados livres, eram aqueles que desfrutavam da vida na polis, já amplamente na própria não-liberdade.
que dispunham de todo o tempo social para dedicar-se ao incremento das capacida- Com a difusão do cristianismo e a queda do Império Romano, ao ócio são arti-
des humanas em si mesmas. Entretanto, a vivência desse estado de liberdade propor- culadas ideias ainda mais complexas e diferenciadas. Ao lado do ócio popular, que
cionado pelo ócio, ao passo que possibilitava uma ação intelectual destinada ao continua existindo como possibilidade de descanso e festa, ainda que supervisiona-
aprimoramento do espírito na sua forma pensante e a busca por valores supremos da pela aristocracia feudal e pelo clero, surge uma classe ociosa, nova significação
como o bem, o belo, a verdade, a justiça, a temperança e o bem-viver, supunha a isen- atribuída ao ócio, porém aliada a um espírito lúdico classista e a um estilo de vida
ção do trabalho, atividade considerada penosa, desprezível, menor ante a hierarquia cavalheiresco (MUNNÉ, 1980). A vivência dessa dimensão social pressupunha, de um
do universo, portanto, um serviço de escravos. Nesse sentido, embora a democracia lado, a abstenção do trabalho e, de outro, o cultivo de atividades livremente escolhidas,
ateniense represente a realização de uma grandiosa experiência cívilizadora em que como a guerra, a política, as justas e batalhas medievais, a religião e a ciência, de forma
o cultivo do ócio era uma virtude, por outro lado, a conservação dessa vida contem- que a dedicação às essas atividades passa a indicar elevada posição social, tanto pela
plativa significava a dominação, exclusão e domesticação de muitos que ali viviam e conotação negativa que o trabalho volta a assumir, quanto pela diferenciação de classe
produziam, com o seu trabalho, a existência de todos, pessoas às quais era reservada garantida por uma vida de ociosidade. Segundo Munné (1980), esse tempo gasto com
a tarefa exclusiva da servidão, com predomínio do trabalho tipicamente corporal. um "nada fazer produtivo" passa a representar riqueza e poder uma vez que o exercício
Como se observa, neste contexto, o ócio é expressão de uma experiência particular e de atividades improdutivas era sinal de que dispunham de todo o tempo para o apri-
demonstrativa da classe dos homens livres e representa, portanto, a liberdade possi- moramento e a exibição de suas habilidades e caprichos, o que leva ao entendimento do
bilitada pelo não-trabalho numa sociedade escravista verticalmente estratificada. ócio como ociosidade. Observa-se, assim, que a ostentação do próprio tempo livre e dos
Com a decadência da polis ateniense e a construção do Império Romano, as seus passatempos converte-se em sentido para o ócio, ou seja, ele conquista um signifi-
experiências relacionadas ao ócio são transformadas, alterando profundamente a sua cado em si mesmo, colaborando para uma nova redistribuição vertical do tempo soci-
inserção e expressão na sociedade. Se na Grécia Antiga o ócio era a antítese do traba- al, que passa a acompanhar, como demonstrativo de nobreza pessoal e familiar, a estra-
lho, em Roma, ele se configura num tempo liberado deste para o descanso da alma e tificação estabelecida pelo sistema socioeconômico.
a recreação do espírito (MUNNÉ, 1980). Para tanto, o trabalho deixa de ter uma feição De outro lado, como observa Werneck (2000), na Idade Média foram difundi-
negativa como antes e passa a representar dignidade, o que possibilita tanto ao ócio dos também conhecimentos, valores e normas respaldadas na existência de um Deus
como ao trabalho constituírem o modo de vida do homem completo. É que a conju- único, soberano, criador e castrador. Tanto é que as doutrinas pedagógicas do perío-
gação e o equilíbrio entre otium (ócio) e nec-otium (não-ócio, ou seja, negócio) do, baseadas numa concepção essencialista de homem, atribuíam à educação papel
e a conversão do ócio à atividade meio e do trabalho à atividade fim, tornam-se con- disciplinar, na tentativa de que os indivíduos não se deixassem corromper pelos pra-
dições fundamentais para a manutenção de uma sociedade obediente e mercenária, zeres da carne e pelo apego aos bens materiais, uma vez que a visão social de mundo
predominante na época pregava o reencontro humano com a sua verdadeira origem (LAFARGUE, 1999, p. 77). Entretanto, a despeito dos consistentes argumentos desenvolvi-
o reino celeste. Para isso, deveriam eles se dedicar à elevação do seu pensamento a dos pelo autor quando mostra que, diante dos modernos meios de produção, não havia
Deus e, conforme a dicotomia corpo/alma ou matéria/espírito que parece nos acom- necessidade de mais de três horas de trabalhos diários, podendo os trabalhadores, no
panhar desde aquele tempo, tudo que dizia respeito à vida na terra era entendido restante do tempo, dedicarem-se à preguiça, o que acaba prevalecendo, até pela neces-
como pernicioso e devastador do código moral pregado nas santas Escrituras, já que sidade de consumo das mercadorias geradas pelas crises subsequentes de superprodu-
esta - a vida na terra - não significava outra coisa senão, justamente, o exílio dos ção, é mesmo a restrição da atividade humana criadora à mera produção das suas con-
homens, o castigo e a punição resultante do pecado original. Nesse sentido, as dife- dições materiais de existência. E, no que se refere ao ócio, fica limitado, cada vez mais, a
rentes formas de ocupação do tempo, como o trabalho corporal, as festas, jogos, raras possibilidades de vivência cultural não circunscritas às normas e valores estima-
espetáculos, danças e comemorações, representavam um perigo à purificação da dos pela razão instrumental e pela lógica produtiva que se configurava.
alma e um desvio dos homens do caminho que os levaria ao encontro de Deus. Por É, então, a partir desse entendimento que encontramos a experiência do ócio
isso, à noção de ócio são associadas apenas as práticas relacionadas à contempla- confundida, já no Brasil, com a vagabundagem, o vício, a delinquência e a criminali-
ção, à oração e à elevação do espírito, porém, controladas e disciplinadas pela Igre- dade. Ao longo do século XIX e início do século XIX, observa-se em toda a Europa e
ja. Assim, retomando Werneck (2000), o ócio ganha um sentido de lícito, permiti- também no Brasil um processo de urbanização, modernização e industrialização
do, concedido, sendo o termo latino licere aquele que melhor representa a das suas maiores cidades, acompanhado ideológica e culturalmente do aburguesa-
manifestação do ócio nesse contexto.
mento da sociedade. Esse movimento, que promovia mudanças nas relações de tra-
A Reforma Protestante, o Renascimento e o amadurecimento do pensamento balho e diversão, bem como alterações profundas nos estilos de vida, hábitos, com-
liberal imprimiram novos contornos à manifestação do ócio. Munné (1980) salienta portamentos, significados culturais, implicou sobre a configuração do ócio uma
que, nos inícios do século XVIII, os homens de negócio vêem-se pressionados pelas atividade presente na vida cotidiana. Associado a um modo de vida ultrapassado,
ideias puritanas e pela necessidade de se dedicarem às indústrias em expansão, re- herdado da tradição colonial e preservado como um hábito relativo ao dia-a-dia nas
vestindo a existência do ócio de coloração assistencial, passando a ser vivenciado fazendas, passa a ser questionado e sua presença submetida às novas exigências da
pelas esposas, pelos filhos e pelos empregados vitalícios como expressão de ativida- produção e do progresso. Quem melhor demonstra as características assumidas pelo
des sociais, domésticas, passatempos moderados com aparência de dever, demons- ócio como vício e libertinagem ainda sob o capitalismo mercantil da Inglaterra pré-
trando que esses não eram vagos, e sim que estavam plenamente ocupados com um industrial é Thompson (1998). Segundo o autor, enquanto os homens detiveram o
tempo, embora nada lucrativo, mas dotado de alguma utilidade importante. Werneck controle de sua vida produtiva, o padrão de trabalho admitia e alternava momentos
(2000) também nota que a doutrina protestante impelia os homens a se entregarem de atividade intensa e de ociosidade. Entretanto, com o avanço da ética protestante e
inteiramente ao trabalho e às "boas obras", evitando o consumo supérfluo, as tenta- da internalização da disciplina do trabalho, o tempo torna-se uma mercadoria de-
ções degradantes da capacidade produtiva dos homens, bem como a vadiagem e os masiado preciosa para ser subestimada, de modo que os ritmos irregulares do traba-
prazeres pessoais. É nesse sentido que o ócio é confundido com preguiça, e essa é lho tiveram como resposta "a severidade das doutrinas mercantilistas quanto à ne-
identificada como "pecado capital". cessidade de manter os baixos salários para prevenir o ócio" (THOMPSON, 1998, p. 289).
Mas é, sem dúvida, de Lafargue (1999) a leitura mais original da ocorrência do Além disso, o autor revela a poderosa retórica tecida em torno do ócio e dos males
ócio ao longo do século XVIII e XIX. Tecendo críticas severas ao que ele chama de "dog- por ele causados ao trabalho e à formação social dos trabalhadores, trazendo à tona
ma ou religião do trabalho", que levava centenas de trabalhadores ao esgotamento de as intenções de tal discurso: condenar o gasto de tempo com passeios, compras, fes-
suas forças! físicas vitais, rebela-se contra o trabalho sacrossantificado pelos padres, tas, funerais, horas de sono e estimular o aumento do tempo e do ritmo de trabalho.
economistas e moralistas representantes da burguesia nascente - isto é, o trabalho No Brasil, é no final do século XIX e início do século XX que, buscando alcan-
alienado, insalubre, superexplorado - e invoca o "direito à preguiça" como possibilida- çar o posto das sociedades mais desenvolvidas do mundo, desenvolveu-se um proje-
de de libertação do proletariado francês da tortura, da prisão e da miséria, visando ao to de controle social que procurou banir as experiências não correspondentes à ma-
desenvolvimento das suas capacidades humanas em si mesmas, o que lhe permite nutenção da ordem e da disciplina necessários à lógica do trabalho no capitalismo
compreender que o ócio é uma atividade que "faz a vida bela e digna de ser vivida' nascente. É quando ao ócio são atribuídos valores como desordem, improdutividade,
debilidade corporal e perda de tempo. Como um hábito não circunscrito à esfera da Sabemos que o tempo livre e todas as atividades nele contidas compõem uma
utilidade e estranho aos padrões de comportamento culturalmente dominantes, o dimensão da vida humana em que a racionalidade produtiva penetra, se estende e se
ócio torna-se inadequado à sociabilidade da família burguesa e à formação moral perpetua, dificultando, cada vez mais, o efetivo exercício de ser livre. Ao passo que
dos novos trabalhadores, os quais passavam a assumir uma tarefa crucial no proces- assume uma nova conotação na vida cotidiana moderna, tendo seu sentido submeti-
so de produção e no desenvolvimento social almejado. Desse modo, o indivíduo do aos interesses do mercado e às forças hegemónicas do capital globalizado, abre
ocioso era identificado com vadio e, como tal, criminoso. Aquele que não tivesse uma espaços cada vez menores para a expressão dos verdadeiros desejos e necessidades
atividade económica regular e que, por isso, ficasse a vagar pelas noites das cidades, humanas. Quanto ao ócio, se suas possibilidades de expressão estão contidas em rá-
estava sujeito à aquisição de vícios destruidores do caráter, da higiene, dos bons cos- pidos e esporádicos momentos de não-liberdade, cujos significados e práticas tam-
tumes, da capacidade produtiva e da civilidade. Relacionando-se com o crime e com bém não se coadunam com aqueles incentivados pela sociedade atual, é possível ca-
a delinquência, o ócio torna-se inconciliável com o ideal de formação humana con- racteriza-lo, portanto, como uma expressão típica do mundo pré-capitalista, embora
veniente à racionalidade produtiva que orientava as relações de poder e dominação. persistente entre nós como uma idéia-força capaz de resgatar experiências anterio-
Percebe-se, então, que ele se configura numa prática incompatível com os códigos e res e formas de sociabilidade perdidas no tempo, mas que ainda permanecem no
significados valorizados pela ideologia em ascensão, de modo que todo tempo "deso- imaginário social. Dessa forma, a explicitação dos valores e dos significados cultu-
cupado" passa a ser entendido como possibilidade de subversão e, portanto, como rais alusivos à ordem social em vigor, que acabaram por subsumi-lo a uma série de
uma ameaça à ordem estabelecida. Aos poucos, as diferentes estratégias de combate novas atividades lúdicas - de recreação, de lazer -, aponta para uma tendência na
ao ócio que foram surgindo o conduziram a experiências clandestinas e improvisa- qual o ócio caminha para o seu completo esvaziamento, ainda que continue vivo na
das nas poucas horas de tempo livre que restavam aos trabalhadores, ocasionando memória coletiva por muito tempo. As indicações deixadas por Heller (2000), quan-
quase que a sua completa desaparição. do se refere à emergência e ao declínio dos valores que, ao longo da história, decor-
rem do estágio em que se encontram numa determinada sociedade, permitem com-
Esse é justamente o momento em que o ócio é substituído ou, pelo menos, in-
preender que, depois de perder o sentido para as relações sociais estabelecidas, o
corporado e suprimido por um conjunto de novas atividades lúdicas e recreativas
ócio pode não ter sido inteiramente aniquilado, mas só existe como possibilidade,
que passo a chamar, então, de lazer (MARCASSA, 2002). Isso significa que, a partir de
esperando ser novamente descoberto.
então, a tendência colocada para a manifestação do ócio como uma experiência pre-
sente, viva e significativa entre as esferas da vida cotidiana é de esvaziamento ou Mesmo assim, e apesar do destaque que vêm ganhando as apologias feitas ao
mesmo de extinção. Essa explicação parece ganhar consistência à medida que a raci- ócio na atualidade (DE MASI, 2001), não vislumbro para o futuro uma sociedade ba-
onalidade moderna e a lógica produtiva vão se tornando hegemónicas, atribuindo ao seada no ócio e nem acredito no ócio criativo como a grande saída para a libertação
tempo livre um caráter económico, mercantil, metódico, rígido e contabilizado, cuja humana em relação ao trabalho penoso e desumanizante. O trabalho, como princí-
máxima "tempo é dinheiro" acaba por transformar a experiência do ócio numa prá- pio ontológico, continua sendo o eterno metabolismo social entre o homem, a natu-
tica sem qualquer indicativo de valor. No entanto, observando a nossa realidade atu- reza e a produção cultural. Porém, é preciso que o trabalho deixe de ser fonte de
al, veremos que, embora espremido entre outras obrigações e atividades, com aspec- alienação para se transformar em fonte de realização humana, mudança essa que
to fugaz e cada vez mais esporádico, o ócio continua a se manifestar entre nós. Isso pode abrir ao ócio e ao tempo livre em geral uma gama enorme de possibilidades
porque, segundo Heller (2000), as diferentes esferas da vida cotidiana - a organiza- para a promoção e o enriquecimento humanos. E se experiências como o ócio já não
ção do trabalho e da vida privada, o lazer e o descanso, a atividade social sistematiza- correspondem à realidade de hoje é porque a cultura é dinâmica mesmo e as necessi-
da, o intercâmbio e a purificação - são heterogéneas e hierárquicas, variando com a dades humanas já ultrapassaram a própria capacidade de reação que o ócio, diante
estrutura social. Ou seja, determinadas esferas da cotidianidade podem ser valoriza- dos modos de vida constituídos, ainda pode demonstrar. De fato, não é de uma socieda-
das ou desvalorizadas de acordo com a situação geral da sociedade ou conforme a de baseada no ócio que precisamos, mas de uma forma de organização social em que
penetração da ideologia sobre o modo de ser e viver de indivíduos e grupos. Parece liberdade e necessidade sejam conjugados não segundo um arranjo funcionalista em
ser isso o que acontece com a manifestação do ócio hoje, mas em que medida ele vem que o tempo livre subsiste como manutenção do trabalho e reprodução social, muito
se materializando efetivamente em nossa sociedade? • menos acreditando que é possível resgatar a criatividade proporcionada pelo ócio
[Óciol 171
num trabalho que aliena e brutaliza, mas quando trabalho e tempo livre responde- antigo do Brasil nesse género. Eles ainda se subdividem em parques locais, regionais
rem às reais necessidades e interesses de todos.
e destinos:
• Os locais podem estar localizados em praças, praias e shoppings, ou seja, em
Luciana Marcassa locais de grande circulação de pessoas. Nesses tipos de parques, normalmente, há
Bibliografia
um tempo de permanência curta dos visitantes entre l e 5 horas aproximadamente.
DE MASI, Domenico. A economia do ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.
Sua área é limitada e normalmente são fechados. Ex: O parque da Xuxa, em São
HELLER, Agnes. Cotidiano e história. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
Paulo, localizado dentro de um shopping.
LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: Editora da UNESP; Hucitec, 1999.
• Os regionais geralmente são afastados dos centros urbanos e recebem não
MARCASSA, Luciana. A invenção do lazer: educação, cultura e tempo livre na cidade de São só a população local, mas visitantes de regiões adjacentes, principalmente nos finais
Paulo (1888-1935). Goiânia: Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, 2002. (dis-
sertação de mestrado). de semana e feriados. Possuem um número maior de atrações e, por isso, o tempo de
permanência dos visitantes é maior que nos parques locais, podendo chegar até a
MUNNÉ, Frederic. Psicossociología dei tiempo libre: un enfoque crítico. México: Tríllas, 1980.
um dia. São normalmente ao ar livre, a extensão de sua área é média. No Brasil, o
THOMPSON, Edward Palmer. Tempo, disciplina do trabalho e o capitalismo industrial. In: Costumes
em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Hopi Hari e o Wet and Wild, em Vinhedo/SP, são exemplos.
WERNECK, Christianne Luce Gomes. Lazer, trabalho e educação. Belo Horizonte: Editora da UFMG;
• Os parques denominados destinos ocupam mais do que um dia do visitante
CELAR.2000. e possuem um número maior de atrações do que os regionais. Atraem visitantes de
locais com distâncias maiores que 160 quilómetros ou duas horas de distância. Tendo
em vista o tempo maior de permanência de seus visitantes, esse tipo de empreendi-
mento depende dos meios de hospedagem. Por isso é comum os parque se localizarem
PARQUES próximos a redes hoteleiras ou mesmo como partes de resorts. Os parques de Walt
Disney, em Orlando, são exemplos (SALOMÃO,2000; WERNER; BOITEUAX, 2002).
São áreas extensas e delimitadas, podendo ter áreas verdes, com finalidade lúdica, educa- A Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), órgão do governo federal, apre-
cional e cultural. Tendo em vista a principal finalidade, a vivência do lúdico, os parques sentou - em um de seus estudos - uma classificação de Parques Temáticos, dividin-
têm sido denominados genericamente de "parques de diversões", por possuírem dife- do-os em específicos, aquáticos e parques de diversões. Nesse estudo, ao caracterizar
rentes equipamentos denominados "atrações", que variam desde os tradicionais "roda os parques brasileiros, aponta que "os parques temáticos ou de diversão fixos se utili-
gigante", "carrossel" e "montanha russa", até os equipamentos em que são utilizadas zam de temas diferenciados na ambientação física de suas atrações e têm como um de
modernas tecnologias mecânicas, elétricas, eletrônicas e informatizadas. seus objetivos mercadológicos o estímulo 'a atividade turística (1998, p. 160)." Essa de-
Não existe um consenso entre os autores nem entre as diversas organizações finição se aplica aos parques de entretenimento com temas e personagens específicos.
sobre a classificação quanto aos tipos de parques. A Associação Brasileira de Parques Salomão (2000, p. 80) critica a classificação da EMBRATUR, esclarecendo
de Diversões (ADIBRA) classifica os parques em fixos, aqueles com sedes perma- que há uma utilização equivocada do nome "Parque Temático" como rótulo geral
nentes, e móveis, parques itinerantes, que não possui uma sede num único local. para a definição desse mercado, em substituição ao mais adequado e abrangente,
Os parques de diversão fixos ainda podem ser classificados em: "Parque de Diversões". Completa o autor que, "mesmo sendo colocado o adjetivo
'específico' para identificar aqueles que, na verdade, possuem um tema", é uma
• Aquáticos: parques contendo piscinas, escorregadores, toboáguas, bóias, en-
classificação errónea.
tre outras atrações com o tema "água". Exemplos no Brasil; Wet'n Wild em SP e
Salvador, Beach Park em Fortaleza. Ao esclarecer o conceito de parques temáticos, Werner e Boiteuax (2002) subli-
nham que estes podem ser subdivididos em parques que possuem "personagem de
• Secos: aqueles que não apresentam atrações aquáticas (apesar de hoje já se conhecimento público", como a Disney World (EUA) e o Parque da Mônica (SP e
encontrar alguns parques secos que tenham atrações molhadas e vice-versa, sendo es- RJ), e aqueles que são baseados em "personagem vivo de forte presença na mídia",
tes denominados parques mistos). O Playcenterem São Paulo, capital, é o parque mais como o Parque da Xuxa (SP) e o Beto Carrero (SC e SP).
172
Os parques também podem ser analisados dependendo de outros fatores, como Atualmente, a cadeia de parques Walt Disney é a maior e mais lucrativa do mundo.
exemplifica Salomão (2000): Outras empresas também são importantes naquele país, como a Premier Parks,
- segundo o mixàe atrações (tipos de "brinquedos" oferecidos); a Busch Entertaiment, a Sea World, dentre outras.
- indoors ou outdoors (fechados ou ao ar livre); No Brasil, a instalação de parques temáticos, aquáticos e de diversões tem
- associados a outros empreendimentos (shoppings, resortsetc.). sido denominada de "indústria do entretenimento" ou "indústria de parques".
Essa indústria é recente aqui e o Estado de São Paulo lidera a oferta de parques. O
Existe ainda um tipo de parque, normalmente fechado, denominado de Fami-
Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDS), e os fundos de
ly Entertainment Center (FEC) ou Centro de Entretenimento Familiar. É um con-
pensão têm sido as mais importantes fontes de financiamento desse setor (BRUNO;
ceito recente, que surgiu nas últimas décadas, reunindo em um mesmo espaço várias
FRANZINO, 1999).
atrações para que toda a família pudesse se divertir. Esses tipos de parque normal-
mente são menores do que os outros, são indoors e oferecem equipamentos como A ADIBRA, fundada em 1989 por um grupo de empresários, tem o objetivo de
jogos eletrônicos, espaço de minigolf, bump-karts, boliches automáticos, brincadei- criar condições para que a indústria de parques se organize, se profissionalize e cres-
ras e jogos para crianças. No Brasil, a Estação Plaza Show, em Curitiba/PR é um ça no Brasil. Possui sede em São Paulo, capital, conta com 180 membros e com o
exemplo. Mas a Playland é o maior FEC do Brasil, criado pelo grupo Playcenter e apoio da International Association ofAmusement Parks and Aííracftons(IAPPA),
localizado sempre dentro de shooping centers. Segundo Trigo (2002), existem hoje a mais importante entidade internacional, com sede nos Estados Unidos. Na época
cerca de 50 playlands no Brasil. de sua fundação só existia um grande parque de grande porte no país, o Playcenter.
Com o apoio da ADIBRA e das linhas de crédito criadas pelos órgãos citados, vários
O surgimento dos parques é antigo. O primeiro parque foi o Baken, em Copen-
projetos de parques foram viabilizados.
hague, Dinamarca, criado em 1697. Mas o Tívoli, surgido também em Copenhague,
em 1843, é considerado o mais antigo e famoso parque do mundo, apontam Chon; Atualmente, segundo dados da ADIBRA, existem no Brasil 11 parques temáti-
Sparrowe (2003). Mesmo com essa origem europeia, foi nos Estados Unidos que os cos, 22 aquáticos, 30 de diversões, 27 móveis e 105 FECs.
parques se desenvolveram. Vários pontos positivos e negativos podem ser atribuídos aos parques de di-
As feiras, grandes exposições (no final do século XIX) e o desenvolvimento das versão. Quanto aos positivos, podem ser destacados, segundo Bruno; Franzini (1999):
empresas de transporte (início do século XX), principalmente as de bondes elétricos, o desenvolvimento turístico, económico e social da localidade, a geração de empre-
fizeram com que os parques de diversões tivessem um crescimento significativo na- gos, o investimento em infra-estrutura básica, trazendo conforto ao turista e benefi-
quele país. ciando a população local, e, ainda, opções de lazer para a comunidade.
Mas o marco dos parques foi a inauguração, na Califórnia, da Disneylândia, Um ponto positivo colocado pelas autoras que pode ser questionado é a não
em 1955. Walt Disney criou o primeiro parque temático do mundo a partir de per- exigência, pelos empresários, de parques da qualificação profissional de seus funcio-
sonagens de desenhos animados. Ao se inspirar no Tívoli, Walt Disney criou um nários. Com o crescimento do número de cursos técnicos e de graduação em Turis-
parque com uma série de cenários contíguos, onde as pessoas circulariam em teatros mo no País, bem como o surgimento dos cursos de graduação em lazer, não haveria
de imersão. O empreendimento foi considerado um sucesso. Seu criador utilizou con- motivo para se dispensar mão-de-obra especializada.
ceitos de sociologia, paisagismo, engenharia, tecnologia de comunicações, dentre ou- Quanto aos aspectos negativos, podem ser citados, segundo as autoras: a ne-
tros. Muitos empresários fracassaram ao tentar copiar a Disneylândia e sofreram gran- cessidade de grande capital, o alto custo dos equipamentos, as variações climáticas e
des perdas monetárias, mostra Salomão (2000). de sazonalidade, a atuação de muitos empresários de parques que desrespeitam as
Em 1971, Walt Disney inaugurou em Orlando, a Disneyworld, um complexo leis de proteção ao meio ambiente e ignoram o EIA/Rima (estudo de impacto ambi-
que conta hoje com quatro parques temáticos, três parques aquáticos, resorts tema- ental). A interferência na cultura, modificando os hábitos e costumes e o cotidiano
J
tizados e outras diversificadas atividades de lazer. Nesses parques, Walt Disney corri- da população local, também deve ser considerada aspecto negativo da instalação de
giu os erros do parque anterior e incluiu, mais uma vez de forma pioneira, o conceito parques. A utilização de formatos de empreendimentos que foram bem-sucedidos no
de fibras ópticas e sistemas computadorizados de grande porte. exterior não significa, necessariamente, que terá sucesso no Brasil. É necessário,
Os parques também podem ser analisados dependendo de outros fatores, corno Atualmente, a cadeia de parques Walt Disney é a maior e mais lucrativa do mundo.
exemplifica Salomão (2000): Outras empresas também são importantes naquele país, como a Premier Parks,
- segundo o mixde atrações (tipos de "brinquedos" oferecidos); a Busch Entertaiment, a Sea World, dentre outras.
- indoors ou outdoors (fechados ou ao ar livre); No Brasil, a instalação de parques temáticos, aquáticos e de diversões tem
sido denominada de "indústria do entretenimento" ou "indústria de parques".
- associados a outros empreendimentos (shoppings, resortsetc.).
Essa indústria é recente aqui e o Estado de São Paulo lidera a oferta de parques. O
Existe ainda um tipo de parque, normalmente fechado, denominado de Fami- Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDS ), e os fundos de
ly Entertainment Center (FEC) ou Centro de Entretenimento Familiar. É um con- pensão têm sido as mais importantes fontes de financiamento desse setor (BRUNO;
ceito recente, que surgiu nas últimas décadas, reunindo em um mesmo espaço várias
FRANZINO, 1999).
atrações para que toda a família pudesse se divertir. Esses tipos de parque normal-
A ADIBRA, fundada em 1989 por um grupo de empresários, tem o objetivo de
mente são menores do que os outros, são indoors e oferecem equipamentos como
criar condições para que a indústria de parques se organize, se profissionalize e cres-
jogos eletrônicos, espaço de minigolf, bump-karts, boliches automáticos, brincadei-
ça no Brasil. Possui sede em São Paulo, capital, conta com 180 membros e com o
ras e jogos para crianças. No Brasil, a Estação Plaza Show, em Curitiba/PR é um
apoio da International Assodation ofAmusement Parks andAttractionsilAPPA),
exemplo. Mas a Playland é o maior FEC do Brasil, criado pelo grupo Playcenter e
a mais importante entidade internacional, com sede nos Estados Unidos. Na época
localizado sempre dentro de shooping centers. Segundo Trigo (2002), existem hoje
cerca de 50 playlands no Brasil. de sua fundação só existia um grande parque de grande porte no país, o Playcenter.
Com o apoio da ADIBRA e das linhas de crédito criadas pelos órgãos citados, vários
O surgimento dos parques é antigo. O primeiro parque foi o Baken, em Copen-
projetos de parques foram viabilizados.
hague, Dinamarca, criado em 1697. Mas o Tívoli, surgido também em Copenhague,
em 1843, é considerado o mais antigo e famoso parque do mundo, apontam Chon; Atualmente, segundo dados da ADIBRA, existem no Brasil 11 parques temáti-
Sparrowe (2003). Mesmo com essa origem europeia, foi nos Estados Unidos que os cos, 22 aquáticos, 30 de diversões, 27 móveis e 105 FECs.
parques se desenvolveram. Vários pontos positivos e negativos podem ser atribuídos aos parques de di-
As feiras, grandes exposições (no final do século XIX) e o desenvolvimento das versão. Quanto aos positivos, podem ser destacados, segundo Bruno; Franzini (1999):
empresas de transporte (início do século XX), principalmente as de bondes elétricos, o desenvolvimento turístico, económico e social da localidade, a geração de empre-
fizeram com que os parques de diversões tivessem um crescimento significativo na- gos, o investimento em infra-estrutura básica, trazendo conforto ao turista e benefi-
quele país. ciando a população local, e, ainda, opções de lazer para a comunidade.
Mas o marco dos parques foi a inauguração, na Califórnia, da Disneylândia, Um ponto positivo colocado pelas autoras que pode ser questionado é a não
em 1955. Walt Disney criou o primeiro parque temático do mundo a partir de per- exigência, pelos empresários, de parques da qualificação profissional de seus funcio-
sonagens de desenhos animados. Ao se inspirar no Tívoli, Walt Disney criou um nários. Com o crescimento do número de cursos técnicos e de graduação em Turis-
parque com uma série de cenários contíguos, onde as pessoas circulariam em teatros mo no País, bem como o surgimento dos cursos de graduação em lazer, não haveria
de imersão. O empreendimento foi considerado um sucesso. Seu criador utilizou con- motivo para se dispensar mão-de-obra especializada.
ceitos de sociologia, paisagismo, engenharia, tecnologia de comunicações, dentre ou- Quanto aos aspectos negativos, podem ser citados, segundo as autoras: a ne-
tros. Muitos empresários fracassaram ao tentar copiar a Disneylândia e sofreram gran- cessidade de grande capital, o alto custo dos equipamentos, as variações climáticas e
des perdas monetárias, mostra Salomão (2000). de sazonalidade, a atuação de muitos empresários de parques que desrespeitam as
Em 1971, Walt Disney inaugurou em Orlando, a Disneyworld, um complexo leis de proteção ao meio ambiente e ignoram o EIA/Rima (estudo de impacto ambi-
que conta hoje com quatro parques temáticos, três parques aquáticos, resorts tema- ental). A interferência na cultura, modificando os hábitos e costumes e o cotidiano
tizados e outras diversificadas atividades de lazer. Nesses parques, Walt Disney corri- da população local, também deve ser considerada aspecto negativo da instalação de
giu os erros do parque anterior e incluiu, mais uma vez de forma pioneira, o conceito parques. A utilização de formatos de empreendimentos que foram bem-sucedidos no
de fibras ópticas e sistemas computadorizados de grande porte. exterior não significa, necessariamente, que terá sucesso no Brasil. É necessário,
assim, adaptar tais empreendimentos à nossa realidade, à cultura local, como foi 0 Bibliografia
caso do Wet and Wildem Salvador, observam as autoras. BRUNO, P. L.; FRANZINI, R. X. G. Os parques temáticos e a indústria do entretenimento. In: ANSARAH,
É importante destacar, ainda, outros aspectos negativos, como a grande formação M.G.R. (Org.) Turismo: segmentação de mercado. São Paulo: Futura, 1999.
de lixo, de sucatas em que se transformam os equipamentos quando esses empreendi- BOITEUX, B.; WERNER, M. Promoção, entretenimento e planejamento turístico. Série Turismo,
mentos não dão certo e vão à falência, trazendo outras agressões ao meio ambiente. São Paulo: Aleph, 2002.
CHON, K.; SPARROWE, R. Hospitalidade: conceitos e aplicações. São Paulo: Thomson Learning, 2003.
Mesmo sendo empreendimentos privados, outro ponto a ser questionado é a forma
de cobrança de ingressos e a obtenção do lucro pelos empresários desse setor. Muitos EMBRATUR. Estudo Econômico-financeiro dos meios de hospedagem e parques temáticos no
Brasil. FADE-UFPE, Brasília: 1998.
parques brasileiros, além do ingresso de entrada, têm cobrado pela utilização de seus equi-
SALOMÃO, M. Parque de diversões no Brasil: entretenimento, consumo e negócios. Rio de Janeiro,
pamentos, principalmente quando a pessoa é estudante e, por lei, tem direito a 50% de
Mauad (Coleção Cultura e Consumo), 2000.
desconto na entrada. Diversos parques aquáticos, também, somente liberam o uso de bói-
TRIGO, L.G. Viagem na Memória: guia histórico das viagens e do turismo no Brasil. São Paulo,
as e colchões infláveis após o pagamento de taxas extras. Nesses, ainda, se cobra pelo uso
2. ed., Editora do SENAC, 2002.
de armários no vestiário. Outras reclamações dos visitantes dizem respeito ao preço do
www.adibra.com.br, acesso em 15/10/2003.
estacionamento e alimentação no local. Os preços tendem a ser elevados, principalmente
nos parques regionais, afastados dos centros urbanos, em que os visitantes não têm ou-
tras opções próximas e dependem desses serviços ao visitar o parque.
Salomão (2000, p. 67) aponta, ainda, alguns pontos criticados por alguns teóri-
PLANEJAMENTO
cos que vêem os parques corno "momentos de extrema fragilidade e vulnerabilidade
intelectual dos visitantes que, ao rebaixarem seu senso crítico, acabam por absorver De maneira geral, o ato de planejar faz parte da rotina diária. Planejamos as ações a
informações das mais variadas fontes sem o devido questionamento". Isso criaria, ser desenvolvidas ao longo do dia, da semana, do mês. Estamos, a cada momento,
segundo alguns teóricos, uma visão distorcida da realidade desde a infância precoce, planejando como realizar a próxima tarefa ou atividade, seja no ambiente residenci-
evidencia o autor. Os parques da Disney são os mais criticados, por constituírem uma al, profissional, político, afetivo e, até mesmo, nos momentos de lazer.
poderosa força do imperialismo cultural norte-americano que distorcem a realidade
Inicialmente, o termo planejamento indica a ideia de se fazer algo para que se
tanto histórico-temporal quanto geográfica dos Estados Unidos. Salomão (2000, p.
possa implantar e colher os resultados no futuro. Para tanto, precisamos compreen-
67) considera os parques da Disney como "uma doença social, maquiavelicamente
der a necessidade de intervenção em uma dada realidade, seja para ampliar, modifi-
criada com fins de domínio comercial e cultural". Mesmo nos Estados Unidos,
muitos acreditam que os parques podem provocar a distorção da realidade histó- car ou melhorar os resultados previstos.
rica através de suas atrações, que mostram "os fatos como deveriam ter sido" e não Considerando a produção de conhecimentos sobre o assunto, encontramos di-
como "realmente foram". Isso ocorreu no Estado de Virgínia, quando a população versas aplicações para o termo planejamento. Esse tema vem sendo estudado por
local repeliu a ideia da criação de um parque Disney que contaria a história da inúmeras áreas, tais como administração, economia, geografia e turismo, dentre ou-
guerra civil americana. A sociedade local não aprovou o projeto do parque, pois tras, cada uma analisando e entendendo o planejamento conforme lhe convém.
ficou temerosa que houvesse distorção dos fatos importantes dessa parte da histó- Ruschmann (1996, p.66) afirma que o "planejamento, de forma geral, consiste
ria (SALOMÃO, 2000). em um conjunto de atividades que envolvem a intenção de estabelecer condições
Esse debate relembra, segundo Salomão (2000), o grande debate que ocorreu favoráveis para alcançar objetivos propostos."
sobre os males da televisão. Talvez a presença de um profissional do lazer com for- Assim, o planejamento implica, fundamentalmente, a ideia inicial e continu-
mação universitária consciente desses aspectos e de muitos outros pudesse desen- ada de um projeto, sobre como ele ocorrerá, e sobre quais os impactos gerados a
volver o senso crítico e criativo dos visitantes, sem deixar de lado o prazer de usu- partir das iniciativas propostas, em termos de resultados concretos. O planejamento
fruir essa organização de lazer. é também fruto de uma ideia com base no cenário atual e no ideal que se pretende
Olívia C. F. Ribeiro alcançar.
Sua elaboração é complexa. Para planejar, é necessário ter um diagnóstico pre-
Já o planejamento tático compreende os mecanismos que serão necessários
ciso sobre as condições holísticas do ambiente. Sua orientação é influenciada por
para que sejam atingidos os objetivos propostos no planejamento estratégico. As ati-
diversas variáveis, como tempo, espaço geográfico, recursos, gestão.
vidades são organizadas para a execução em médios prazos. Na hierarquia organiza-
Autores da geografia apresentam o conceito de planejamento da paisagem (lan- cional, os planejamentos táticos ocorrem nos níveis de gerência ou coordenação, con-
dscape planning), que surgiu em 1949 na conferência da União Internacional para a forme o organograma institucional. Em geral, na administração, é mais comum
Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais-IUCN (TURNER, 1983; apud PIRES, encontrarmos profissionais com habilidades táticas do que estratégicas. O domínio
1993). Nesse aspecto da paisagem, os especialistas distinguiram escalas de abordagem, do cenário mais amplo é restrito a poucos decisores.
utilizando os termos planejamento visual (amenity planning), planejamento local e
O planejamento operacional acontece no nível hierárquico organizacional
planejamento de sítio para propriedades pequenas; e planejamento físico e planeja-
de supervisão. É onde está, geralmente, o maior número de funcionários-colabora-
mento paisagístico para regiões com forte conotação conservacionista. (PIRES, 1993).
dores da organização, seja no ramo de produção ou prestação de serviços. É o dia-a-
O planejamento sustentável ganhou maior relevância nas discussões acerca do
dia da empresa. Ocorre em prazos curtos, bastante reduzidos. É como planejar a or-
património natural e em menor escala, inicialmente, do património histórico-cultu-
dem de importância das atividades e realizá-las conforme sua urgência e necessidade.
ral. A preocupação com a preservação e conservação patrimonial fez com que algu-
A organização, o ordenamento e a execução das tarefas diárias acontecem a partir de
mas iniciativas fossem repensadas, no intuito de poder realizar uma exploração me-
um planejamento operacional.
lhor, mais consciente e duradoura desses recursos, tanto por parte do turismo como
pela iniciativa privada, pelo setor público e por demais envolvidos. O planejamento No campo da administração, muitas são as empresas que elaboram seus pla-
pode contribuir sobremaneira para evitar danos ambientais, buscando o equilíbrio nejamentos com base na chamada "qualidade total", um mecanismo de sobrevivên-
entre os recursos envolvidos, como o meio ambiente natural, o meio ambiente modi- cia das organizações. Os processos administrativos ocorrem, em muitos casos, com
ficado e os valores socioculturais da comunidade, garantindo a preservação do pa- base nessa teoria. Cabe lembrar cinco dimensões constituintes da qualidade:
trimónio em questão para as gerações seguintes. - qualidade: é a qualidade intrínseca do produto/serviço;
Há ainda outras aplicações para o termo planejamento nas diversas ciências. No - custo: é a preocupação com o custo para executar o produto/serviço e com o
campo da administração, o planejamento pode ser realizado em três níveis: estratégico, preço de venda;
tático e operacional. Cada um desses níveis tem uma amplitude diferenciada. - atendimento ou entrega: é a dimensão da qualidade total referente à entrega
O planejamento estratégico tem origem no contexto militar. Mas, antes disso, no prazo certo, no lugar certo e na quantidade certa (logística);
houve o conceito de planejamento de longo prazo, em que Fayol já descrevia a impor-
- moral: preocupação com a ambiência do ser humano, como ambiente de tra-
tância da variável tempo no processo de planejamento. Entretanto, o tempo não é o
balho dos funcionários;
único elemento que interfere no planejamento, pois outras variáveis também são con-
sideradas em sua composição. Assim, a expressão "planejamento estratégico" expres- - segurança: integridade física das pessoas, internas ou externas à organização,
sa melhor a necessidade de elaborar estratégias para o melhor aproveitamento dos tanto na execução do trabalho como na utilização dos produtos/serviços da organização.
recursos existentes, em virtude do resultado que se espera alcançar. No contexto mi- É comum na contemporaneidade ouvirmos falar sobre "qualidade total". As
litar, estratégia é um termo entendido como a aplicação de forças em larga escala organizações buscam continuamente aprimorar, aperfeiçoar e adaptar seus produ-
contra o inimigo (PETROCCHI, 1998). tos e serviços às necessidades dos clientes, demandas e exigências do mercado e da
Petrocchi (1998), considerando o conceito empresarial, define estratégia como legislação. No contexto da "qualidade total", existe uma forma de sistematizar essa
um conjunto harmonioso e integrado de objetivos que são de importância funda- problemática. Trata-se do ciclo PDCA, cujas iniciais representam: Plan, Do, Check,
mental para a sobrevivência satisfatória, e em longo prazo, de uma organização. Action. Também conhecido como ciclo de Shewhart ou ciclo de Deming, dado a expressi-
Em suma, o planejamento estratégico é elaborado no mais alto nível hierárqui- va atuação do estatístico W. Edwards Deming no campo da administração. Deming afir-
co organizacional, compreendendo, geralmente, as mais importantes decisões, defi- mava que 85% dos problemas organizacionais são de responsabilidade da administração,
nindo objetivos gerais e trabalhando com longos prazos. enquanto somente 15% são dos funcionários, já demonstrando a necessidade e impor-
tância do planejamento para o sucesso e a sobrevivência das organizações.
í [DICIONÁRIO CRITICO pó LAZER!
O ciclo de Deming funciona com quatro fases e oito etapas, podendo ser visua- POLÍTICAS PÚBLICAS
lizado conforme o quadro a seguir:
A expressão "políticas públicas" somente pode ser entendida ao fazermos uma in-
FASE ETAPAS DESCRIÇÃO OBJETIVO cursão pelo significado dado ao termo "política". A política, nos diversos enfoques
que pode ter, seja como ciência ou arte, teoria ou prática, no senso comum ou na
1 Identificar o problema Definir c reconhecer sua
importância linguagem dos especialistas, refere-se ao exercício de alguma forma de poder, com
2 Observação Pesquisar características de suas múltiplas consequências. Contudo, relacionar a palavra política apenas ao
(P) PLAN- PLANEJAR forma ampla exercício do poder não designa a totalidade de sua abrangência. É necessário refle-
3 Análise Descobrir as causas tir sobre o que é exercer poder. Em poucas palavras, poderíamos afirmar que é um
fundamentais
processo pelo qual um grupo de pessoas, cujas opiniões ou interesses são a princí-
4 Plano de Ação Estudar plano para bloquear as pio divergentes, toma decisões coletivas que se tornam regras obrigatórias para o
causas
grupo e se executam de comum acordo.
(D) DO -FAZER
5 Ação Bloquear as causas fundamentais
Essa definição traz elementos que requererem uma análise à parte para apre-
6 Verificação Checar se bloqueio foi efetivado endermos a ideia. Em primeiro lugar, pressupõe que a definição dos objetivos de um
(C) CHECK VERIFICAR
? 0 bloqueio foi feito? Sim, prosseguir, Não, voltar à grupo, ou de uma sociedade, apresenta uma diversidade de opiniões. Dessa forma, será
etapa 2.
pela mediação dos conflitos, das divergências, quando não há consenso, que a política
7 Padronização Para evitar a repetição do aparecerá. Em segundo lugar, a política se relaciona com a maneira que as decisões
(A)ACTION-ATUAR problema
coletivas são tomadas, que pode ser pela persuasão, pela negociação, pela imposição ou
Refletir sobre o processo.
Considerar anomalias pendentes pelo estabelecimento de um mecanismo que leve à tomada da decisão final. A persua-
8 Conclusão e planejar trabalho futuro. são é a possibilidade de convencer todos sobre os méritos das propostas; a negociação
(In: Petrocchi, 1998)
implica um acordo entre opiniões díspares, na qual uma das partes cede às demandas
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro: 2001.
de seus adversários. Qualquer dessas alternativas de tomada de decisão coletiva é pou-
co edificante, pois subentende a decepção ou o sacrifício de princípios para obtenção
Em japonês, kaisen - melhoria contínua - é o objetivo maior da qualidade de vantagens políticas. A imposição implica um regime de exceção, quando as vontades
total, que ocorre com o ciclo PDCA. são exercidas pela coerção, pelo uso da força. Por fim, há o estabelecimento de um me-
Quando falamos de planejamento, não podemos desconsiderar, portanto, a im- canismo de tomada da decisão final que pode ser exercido pelo voto democrático, por
portância de prever os impactos causados com a utilização, apropriação e explora- assembleias populares ou, ainda, pela participação ativa da população em todas as ins-
ção dos recursos existentes, quer na esfera administrativa, laborai, geográfica, ambi- tâncias deliberativas, de um grupo ou de uma sociedade. Em terceiro lugar, uma vez
ental, turística, financeira, quer em todas possibilidades existentes. O planejamento adotada uma decisão, esta será considerada legítima pelo grupo em questão e ado-
deve buscar a sustentabilidade dos recursos, sejam ambientais, humanos, financei- tada como policy, programa de ação, distinguindo-se do termo politics, que em
ros ou outros, evitando sua extinção e garantindo a permanência e a perpetuação da geral é usado no sentido de política como dominação. Em quarto lugar, embora a
atividade na esfera que lhe for compatível. política seja inconcebível sem autoridade, pois na prática existe a necessidade de
impor as regras estabelecidas pelo grupo àqueles elementos que não as aceitam,
Daniel Braga Hubner fazendo-os as cumprir, essa faceta da política é detestável para as ideologias anar-
Fontes bibliográficas quistas e para algumas tendências do marxismo que pregam o fim da política ou o
de uma sociedade sem Estado.
PETROCCHI, Mário. Turismo: planejamento e gestão. Futura, São Paulo: 1998.
PIRES, Paulo dos Santos. Procedimentos para análise da paisagem na avaliação de impactos Dadas essas quatro características do exercício do poder ou da definição da
ambientais. In: Maia,2.ed.,PIAB, 1993. política, poderemos concluir que no mundo moderno o cenário principal desse
RUSCHMANN.DorisVandeMeene. Turismo e planejamento sustentável Campinas: Papirus, 1996. exercício seja o Estado, já que ele é a autoridade mais compreensiva que podemos
encontrar e, certamente, a instituição com maior capacidade de influenciar pela per- Assim, podemos conceituar política pública como toda atividade política que
suasão ou pela negociação, ou de estabelecer mecanismos de tomada de decisão fi- tem como objeto específico assegurar, mediante a intervenção do Estado, o funciona-
nal. Assim, muitos analistas relacionam a definição de política à ação do Estado. mento harmonioso da sociedade, suplantando conflitos e garantindo a manutenção do
Segundo Ribeiro (l998, p. 25),"em toda a sociedade há mecanismos estabe- sistema vigente. A princípio, entendeu-se que esta ação se dava prioritariamente direci-
lecidos, através dos quais as decisões públicas são formuladas e efetivadas. Na lin- onada as classes menos favorecidas da sociedade, contudo, a partir da forma interven-
guagem comum, diríamos que toda sociedade tem alguma espécie de governo [...]". cionista assumida pelo Estado, foi possível interpretá-las como políticas pensadas para
Claro que há diferentes tipos de governo e, consequentemente, de Estado no mun- atingir todas as camadas sociais. Obviamente, há modelos de Estado que tendem ao
do moderno. Podemos concluir, então, que o Estado moderno (sujeito ativo) nasce liberalismo e outros que tendem a um Estado mais coletivista e socializante.
da institucionalização do poder exercido sobre os cidadãos (sujeitos passivos). Além No Brasil, por se tratar de um país sob os moldes federativos, no qual há auto-
disso, o Estado moderno se estabeleceu como forma de romper e superar o Estado nomia política e ideológica entre as unidades da federação, as políticas públicas, às
absoluto (no qual quem mandava era o rei - soberano - que era obedecido pelos vezes, assumiram determinada direção ideológica na esfera nacional e outra nas es-
seus súditos).
feras estadual e municipal. Observando a história dessas políticas em território na-
O Estado moderno se estabelece numa sociedade dividida em classes. Nessa so- cional, veremos que já existiu, e talvez esteja presente hoje, Estado sob os moldes
ciedade, a classe que possuir maior poder financeiro, ideológico ou político proporá as liberal, neoliberal, social democrata e sob um modelo híbrido, que congrega formas
normas sociais. Mediante essa afirmação é possível pensar que há outras formas de distintas de democracia (representativa e participativa).
exercer o poder, além do político. Bobbio (1992,p.955) diz que "parece mais apropriado O entendimento do campo do lazer na qualidade de uma política pública, neces-
o critério de classificação das várias formas de poder que se baseia nos meios que serve sariamente, implica o enfrentamento das tensões causadas pela adoção de diferentes
o sujeito ativo para determinar o comportamento do sujeito passivo". modelos ideológicos de Estado que nem sempre ficaram transparentes. Outro ponto de
Com base nesse critério, Bobbio (1992) afirma que há três grandes classes de fundamental importância para quem vai se debruçar sobre os estudos de políticas pú-
um conceito amplo de poder: o poder económico, o poder ideológico e o poder polí- blicas de lazer no Brasil é tomar conhecimento de que, muitas vezes, há um delinea-
tico. O poder económico é exercido por quem detém os meios de produção, podendo mento teórico que sustenta a ação que não é condizente com a prática em questão.
através da posse desses bens determinar o comportamento de quem se encontra em As políticas públicas de lazer no Brasil podem ser consideradas como campo
condições menos favoráveis. O poder ideológico baseia-se na influência de ideias, de estudo (reflexão) ou como atividade exercida por autoridades ou agente social e
carregadas de valores, formuladas e difundidas por meio de certos processos. E o pelo Estado (intervenção). O lazer como política de intervenção, na realidade brasi-
poder político, que, no caso do Estado moderno, é exercido por aquela classe que leira, surgiu a partir do início do século XX, conforme afirmam Amaral (2001) e
conseguir deter os "aparelhos de estado", para usar uma expressão de Gramsci (1980). Marcassa (2002), quando se referem, respectivamente, à criação dos Jardins de Re-
Numa sociedade de desiguais, como a sociedade moderna, essas três formas de po- creio em Porto Alegre e dos Centros de Recreio em São Paulo.
der são usadas para mante-la.
Getúlio Vargas, na década de 1930, adotou a corrente mais ortodoxa do positi-
Entendendo que o Estado moderno é composto de diferentes instituições que vismo, criando o Estado Novo. O objetivo da sua política moderna era incorporar o
lhe dão forma, devemos pensar o que o Estado faz. Genericamente, podemos afirmar proletariado à sociedade, por meio de medidas de proteção ao trabalhador e sua famí-
que o Estado faz três tipos de coisas: elabora as leis, administra os negócios públicos, lia. Tal orientação teve rapidamente suas ações práticas no campo trabalhista da previ-
e aplica a lei a casos particulares. Temos, de forma simplificada, o funcionamento dência social e sindical, bem como alicerçou políticas de lazer. A orientação das políti-
dos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. O Estado moderno, desde sua cas públicas de lazer, daquele período em diante, alicerçou-se no liberalismo.
concepção, tem servido a interesses de determinada classe social. Na sua criação, Na década de 1970, durante o regime militar, além de o lazer ganhar espaço,
esteve fortemente ligado ao liberalismo político, ou seja, podia intervir na sociedade como política de intervenção, ganha força também como disciplina académica. Po-
a fim de garantir limitações, por exemplo, da autoridade dos patrões sobre os empre- rém, foi após a abertura política da década de 1980 que o lazer aparece como prática
gados, em relação às práticas de manipulação predatória do mercado. A este tipo de e como campo de estudo com conotações emancipatórias. Neste período, pela pri-
ação do Estado moderno denominou-se "políticas públicas". meira vez, a Constituição brasileira (1988) considera em sua letra de lei o lazer como
E"? rr*T.->T^T.i f.—
uma política pública. Diz a carta no Capítulo II, Dos Direitos Sociais, no art. 6°, que ainda carece do desenvolvimento de estudos comparativos sobre os diferentes modelos
"são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, de gestão, dos investimentos públicos e sua aplicação, dos impactos sociais dessas polí-
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desam- ticas, da coerência entre discurso e ação, da dimensão da representação individual do
parados, na forma desta Constituição" (BRASIL, 2002, p. 12, grifo nosso). No Título lazer e o impacto que pode ter sobre a construção coletiva dessas políticas.
VIII, Capítulo III, da Educação, da Cultura e do Desporto, na Seção III, do Desporto, o Por fim, cabe salientar que muitos textos divulgados, que se denominam estu-
lazer é tratado no art. 217, § 3°, da seguinte forma: "É dever do Estado fomentar dos de políticas públicas de lazer, não desmerecendo seu valor, são relatos de ex-
práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um observado: [...] periências de gestão, os quais não podemos caracterizar como análise científica.
O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social" (BRA- Silvia Cristina Franco Amaral
SIL, 2002, p. 132, grifo nosso).
A partir dessa atenção ao lazer, muitos governos (de diferentes esferas) dedica-
ram atenção especial à temática. A Frente Popular tem valorizado, principalmente Bibliografia
em seus discursos, o lazer como uma política pública de enorme relevância social, AMARAL, S. C. Políticas públicas de lazer e participação cidadã: entendendo o caso de Porto
contudo, como o modelo de Estado adotado é híbrido, ou seja, congrega duas formas Alegre. Tese (Doutorado), Campinas: Unicamp, 2003.
de democracia: representativa e participativa. Há uma acentuada valoração da parti- AMARAL, S.C. Espaços e vivências de lazer em Porto Alegre: da consolidação da ordem burguesa à busca
cipação da população no processo de concepção, operacionalização e acompanha- da modernidade urbana. CBCE. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 23, n. l,p. 109-123.
mento das políticas públicas e, assim, o que ocorre é que as demandas por políticas AZEVEDO, J.M.L.A Educação como política pública. Campinas: Autores Associados, 2001.
públicas de lazer, em geral, estão sempre em último lugar, quando aparecem. BOBEIO, N., MATTEUCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário de política. 5a ed.: Brasília:UNB e SP: Im-
Além disso, com a abertura política, houve uma onda de denúncias contra o prensa Oficial, 2000, v. I-II.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de. outubro de 1988.
modelo de Estado Providência. Os "novos" políticos culparam os direcíonamentos
Obra Coletiva da Editora Saraiva com a colaboração de António Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina
dados as ações do Estado, durante os períodos anteriores, pela sua falência e apre-
Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. São Paulo: Saraiva, 2002.
sentaram como alternativa a adoção do modelo neoliberal. No campo analítico das GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
políticas públicas, autores como Afonso (2000) e Azevedo (2001) afirmam que o Es- . Maquiavel, a política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
tado demonstrou uma falsa expansão das políticas públicas sociais no momento que LAFARGUE.P. O direito à preguiçado Paulo: HUCITEC.Unesp, 1999.MARCASSA,Luciana.A in-
aparentam andar juntos neoliberalismo e Estado mínimo, contudo esses mesmos venção do lazer- educação, cultura e o tempo livre na cidade de São Paulo (1888-1935). Disser-
autores dizem que nunca o Estado foi tão forte e interventor. Em consequência, como tação (Mestrado). Goiânia: UFG, 2002.MARCELLINO,N. Lazer e esporte: políticas públicas. Campi-
em todos os setores das políticas públicas tal expansão não se traduziu num aumen- nas: São Paulo: Autores Associados, 2001.
to de investimento, mas sim no aumento do poder do Estado como regulador das MILLER.David.Httric/opédiaíie/pemamientopo/írico.Alianza, 1987.
práticas ditas descentralizadoras. O resultado é que há pouco investimento estatal e MORAES,R. Brasil, política. Estruturas, conjunturas e conjecturas.Campinas: IFCH.Unicamp, 1999.
muito controle sobre os negócios da iniciativa privada. No campo do lazer, o Estado ROJEK.C. Capitalism and leisure. New York, USA: TavistockPublication, 1985.
se desresponsabiliza sobre as políticas públicas diretas, contudo, ele estabelece leis STIGGER, M. P. Administração de parques públicos e democracia: um estudo de caso na área de
de incentivo fiscal, investimentos diretos em empreendimentos privados.Cresce o la- políticas públicas para um lazer numa perspectiva democrática. Rio de Janeiro: Mestrado em
zer como mercadoria de consumo e como entretenimento. Educação Física, Universidade Gama Filho, 1992.
É um esforço temporário e único empreendido para alcançar determinado ob- O Marco Lógico é um instrumento muito útil para a elaboração, análise e ge-
jetivo. É um produto ou serviço único, não repetitivo e que envolve uma previsão, ao renciamento de projetos. É um método se construção coletiva dos principais parâ-
metros de um projeto - objetivos gerais, objetivo do projeto, resultados imediatos,
mesmo tempo, a um certo grau de incerteza na sua realização (PMBOX, 2000).
atividades, indicadores e premissas. O Marco Lógico baseia-se no método científico
Temporário significa que tem um início e um fim, ou seja, com duração prefi-
de pesquisa social, estruturando os projetos sobre uma cadeia de hipóteses sobre
xada, delimitada. Único, porque, mesmo tendo elementos repetitivos, não muda sua relações de causa e efeito envolvidas no enfrentamento da problemática em questão.
condição exclusiva por qualquer razão.
Cresce a cada dia o número de organizações de lazer (nas áreas de cultura,
Segundo o PMBOX (2000), um projeto termina quando seus objetivos propos- turismo, esporte etc.) que realizam sua ação e obtêm recurso por meio de projetos.
tos são alcançados, diferentemente das operações continuadas (não projetos) que Cresce também o número de instituições que financiam projetos de lazer com fins
são trabalhadas contínua e repetitivamente, sem previsão definida de término. É um sociais, oferecem capacitação e prestam assessoria na área. Por outro lado, o próprio
trabalho normalmente realizado por pessoas que vão consumir horas, estão limita- nível de exigência geral quanto à qualidade da ação é, hoje, maior do que nunca. É
das por prazo, custos e escopos e precisam ser planejadas, programadas e controla- notável também o interesse recente da opinião pública e da mídia sobre projetos so-
das sob a égide da eficiência. cioculturais. Por isso tudo, torna-se fundamental, para as atividades de lazer, inter-
Nas últimas quatro décadas, houve amplo desenvolvimento de metodologias venção organizada com melhores possibilidades de atingir seus objetivos.
que subsidiam o planejamento, a gestão e a avaliação de projetos de investimento Numa época em que os recursos destinados à área social são escassos e as
empresarial, que alcançou, inclusive, complexos modelos matemáticos. O PMBOX é demandas são, em contrapartida, elevadas, a exigência de uma gestão eficaz, eficiente e
uma dessas metodologias de gerenciamento de projetos considerada como a fórmu- efetiva dos projetos e programas sociais torna-se categórica. Para isso, no entanto,
la para o sucesso dos projetos mercadológicos. é necessário o desenvolvimento de uma cultura voltada para a elaboração e o
monitoramento.que compreenda tais processos não apenas como instrumentos de de- determinados previamente (PNUD). Monitores y evaluación orientados a Ia obtención de
finição de metas e acompanhamento de cronograma e fluxo de caixa, com vista à cap- resultados." (Manual para los administradores de programa. Nueva York, 1997, p. 99).
tação de recursos e posterior prestação de contas aos financiadores, mas sim como - "Projeto é um conjunto ordenado de recursos e ações para obter um propósito
excelentes ferramentas de aperfeiçoamento no processo de tomada de decisão da ges- definido. Esse propósito será atingido em um tempo e com um custo determinado." (OIT.
tão dos projetos. Nesse sentido, a atenção das agências financiadoras tem se voltado Guia básicapam lapreparaáón de perfiles de proyectos. (Buenos Aires, 1991,p. 6).
para a efetividade das ações, e não apenas para a eficiência e a eficácia no cumprimento - "Um projeto é uma tarefa inovadora que possui um objetivo definido, deve ser
das metas. Importa saber se, além de uma utilização eficiente dos recursos, as ações con- cumprida em um determinado período, em uma região concreta e para um grupo de
tribuíram para uma mudança positiva na situação-problema enfocada pelo projeto. beneficiários e procura resolver problemas específicos ou melhorar uma situação . A
Todo projeto tem como resultado a prestação de serviços específicos ou a pro- principal tarefa é capacitar as pessoas e as instituições para trabalhar com indepen-
dução de determinados bens. Portanto, quando se pensa em projeto, pensa-se tam- dência e resolver autonomamente os problemas surgidos ao terminar a fase da ajuda
bém em planejamento. Mas em que um projeto se diferencia de outros tipos de pla- externa. (GTZ: ZOOP resumido. Eschborn, s.f., p. 2).
nejamento, como o planejamento estratégico de uma organização? - "Um projeto é um conjunto autónomo de investimentos, atividades, políticas
Um projeto deve ser visto como o instrumento pelo qual a organização im- e decisões institucionais ou de outra natureza, desenhado para atingir um objetivo
plementa sua gestão estratégica. Portanto, as mudanças e os aprimoramentos pos- específico de desenvolvimento em um período determinado, em uma região concre-
síveis e idealizados se concretizam na concepção e na execução dos projetos. Em ta e para um grupo predefinido de beneficiários, que continua produzindo bens e/ou
última instância, o conjunto de projetos é a "cara" da organização e de seus colabo- cumprindo serviços após finalizada a ajuda externa, e cujos efeitos permanecem após
radores, ou seja, o projeto traz a identidade para todos que dele participa (ANSOFF; terminada sua execução."(MAE-SECIPI. Metodologia de Ia evaluación de Ia Co-
MCDONNELL, 1993). operadón Espanola. Madrid, 1998, p. 97).
Projetos, portanto, não existem isoladamente. Eles só fazem sentido à medida Patrícia Zingoni
que fazem parte de programas e/ou políticas mais amplas. Isto é, tanto no setor público
como no setor não governamental, podemos identificar três níveis de formulação das
Bibliografia
ações: a) o nível dos grandes objetivos estratégicos de ação (a política), b) um nível
ANSOFF, H. Igor, MCDONNELL, Edward J. Implantando a administração estratégica. 2. ed. São Pau-
intermediário em que as políticas são traduzidas em linhas mestras de ações temáticas
lo: Atlas, 1993.
e/ou setoriais (programas); e c) o nível das ações concretas, delimitadas no tempo, no
BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO. Evaluación: una herramienta de gestión
espaço e pelos recursos existentes que possam realizar os programas e as políticas, ou
para mejorar el desempeno de los proyectos. [s.I.]: BID/Oficina de Evaluación, 1997. Mimeo.
seja, os projetos. A grande vantagem dos projetos é o fato de eles colocarem em práticas
COHEN, Ernesto; FRANCO, Rolando. Avaliação de projetos sociais. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
as políticas e programas na forma de unidades de intervenção concreta.
DEUTSCHE, GESELLSCHAFT Fur & Technische Zusammenarbeit. Planejamento de projetos orien-
Por fim, citaremos algumas definições de projeto encontradas na literatura e tado por objetivos. Método ZOPP, F. W Bolay; tradução Markus Brose, Recife, 1993.
em alguns órgãos de cooperação técnica. São apenas uma parte de um universo bem
GUIA do Conjunto do Conhecimentos de Projetos (PMBOX Guide). Edição 2000. Project Ma-
mais amplo, mas que, de uma maneira geral, seguem o conceito da ONU, de 1984:
nagement Institute, Four Campus Boulevard, Newtown Square, PA 19073-3299 EUA.
- "Um projeto é um empreendimento planejado que consiste num conjunto de
atividades inter-relacionadas e coordenadas para alcançar objetivos específicos den-
tro dos limites de um orçamento e de um período de tempo dados" (ONU, apud
COHEN; FRANCO, 1999, p. 85).
QUALIDADE DE VIDA
Outras definições:
- "Projeto é uma intervenção durante um prazo determinado que pressupõe Expressão amplamente utilizada a partir da década de 1980, quando se intensifica-
um conjunto de atividades planejadas e interrelacionadas para atingir objetivos ram as pesquisas relacionadas à questão da pobreza, da exclusão ao consumo e da
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desigualdade social em todo o planeta. As demandas que suscitam tal intensificação da militância católica, em ações humanitárias localizadas, principalmente, em pon-
provêm, em parte, de iniciativas governamentais, em face da necessidade de funda- tos nevrálgicos de concentração da pobreza no mundo.
mentar e estabelecer prioridades para a implantação de programas de políticas pú- Em 1990, a ONU criou, por meio de uma comissão destinada a mapear a questão
blicas, mas há que se considerar a importante participação das organizações do ter- da desigualdade social no mundo, o índice de Desenvolvimento Humano (IDH), esta-
ceiro setor (ONGs), que, além de também usar e demandar pesquisas dessa natureza, belecendo variáveis fixas, que vêm sendo validadas até hoje. Esse índice trata com as se-
têm importante papel na divulgação do tema, fazendo-o chegar com mais frequência guintes variáveis: educação, longevidade e renda. Em cada uma dessas variáveis inci-
às mídias e, a partir daí, ele é redimensionado em variados sentidos (polissemia). dem alguns indicadores, que costumam variar em razão de aspectos culturais e regionais.
Na década de 1990 essa polissemia já permite vários usos para o termo: fala-se A complexidade, a relatividade e a amplitude dos fatores que se podem relacionar
em qualidade de vida quando se debate o problema da cidadania, de como ela é afe- à pesquisa no campo da qualidade de vida tornam recomendável que se trabalhem
tada pela pobreza e pela miséria, nesse caso em sintonia com o mote das pesquisas e sempre com equipes interdisciplinares, seja para o planejamento, seja para o trabalho
programas humanitários. Fala-se de qualidade de vida quando se discute os serviços e de campo e, fundamentalmente, para a análise dos dados e informações obtidos.
os equipamentos que uma cidade ou província disponibiliza aos seus habitantes. Rela- No Brasil, foi no rastro do processo de democratização da sociedade desenca-
ciona-se o tema a vida saudável, qualidade de alimentação e nutrição, acesso de deter- deado a partir do final da década de 1970 que o debate sobre a qualidade de vida se
minado grupo ou sociedade a certos bens de consumo ou, mesmo, a espaços e produtos intensificou. A regionalização e a municipalização dos atributos políticos e administra-
destinados ao lazer, ao turismo ou ao consumo de bens culturais. tivos também contribuiu para que algumas administrações municipais começassem a
subsidiar seus planos da ação com metas relacionadas à ampliação da qualidade de
Frequentemente o uso da expressão qualidade de vida é associado a grupos
vida. Das referências genéricas do IDH/ONU, pensado originalmente para pesquisas de
dotados de aptidões especiais, tangenciando o tema da inclusão social. Nesse caso, o
grande porte, relacionado a países e macro-regiões, deriva o índice de Desenvolvimen-
debate se concentra na criação de programas relacionados ora a equipamentos que
to Humano Estadual (IDH-E), desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Económicas e
tornem possível a utilização do espaço urbano por pessoas portadoras de deficiências,
Sociais (IPEA), em nível nacional, e o índice de Desenvolvimento Humano Municipal
ora à expansão do mercado de trabalho e à questão da responsabilidade social e ética
(IDH-M), desenvolvido em São Paulo (Polis) e em Minas Gerais (Fundação João Pi-
empresarial, ora, ainda, à busca de constituir legislação em favor da inclusão social.
nheiro - FJP/MG), que amplia e particulariza certos indicadores, tendo como referên-
No campo da pesquisa em ciências sociais, o tema da qualidade de vida traz cia a escassez ou abundância de dados previamente disponíveis, as necessidades de
consigo uma inesgotável discussão sobre os mais adequados indicadores e variáveis alcance das pesquisas ou de seus objetivos. Esses índices foram elaborados, sobretudo,
a ser investigados, mas pode-se falar de um consenso quanto à necessidade de esta- a partir de dados secundários disponibilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de
belecer índices capazes de nortear os estudos e também quanto à importância de Geografia e Estatística (FIBGE), no intuito de possibilitar leituras mais minuciosas das
combinar métodos quantitativos com métodos qualitativos de análise, dada a com- condições de vida das populações em diferentes territorialidades urbanas. Destacam-
plexidade do tema. Ademais, é importante destacar que o tema da qualidade de vida se assim, para efeitos informativos, os trabalhos desenvolvidos em Curitiba, São Paulo e
envolve a lida com inevitáveis imprecisões relativas aos prazeres, aos aspectos sim- em Belo Horizonte, por adotarem conceitos e metodologias diferenciadas.
bólicos que se acoplam ao consumo e aos hábitos, à flexibilidade dos usos dos espa- Curitiba foi a primeira cidade brasileira a desenvolver essa experiência. Seu tra-
ços e objetos disponíveis e à adaptabilidade do ser humano às situações que se lhe balho intitulado Medição do Nível de Vida da População de Curitiba data de
acometem, seja na condição individual, seja na coletiva. 1985, elaborado com dados de 1980. Foi implementado mediante convénio da Secretaria
Historicamente, antes mesmo de o tema ganhar sua atual denominação, a abor- de Estado de Planejamento (SEPL), do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de
dagem académica do problema da qualidade de vida remonta aos estudos e ensaios Curitiba (1PPUC) e do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Económico e Social
do Padre Lebret, na década de 1960. Desde então, a ideia de trabalhar em linhas quan- (IPARDES). O método utilizado foi o Genebrino ou das Distâncias, elaborado pela ONU
titativas e qualitativas já se fazia presente: o autor falava em pesquisar o nível de e adaptado à realidade brasileira. A partir dessa metodologia desenvolveu-se o índice
vida, usando métodos quantitativos e os estilos de vida, bem como referências Sintético do Nível de Vida e os índices parciais das diferentes necessidades da popu-
qualitativas. Esses estudos ligam-se historicamente aos trabalhos das pastorais e lação (alimentação, habitação, saúde, educação, transporte coletivo, entre outras).
Em São Paulo o Núcleo de Seguridade e Assistência Social da Pontifícia Uni- social (população com mestrado e doutorado). Esses trabalhos desenvolvidos em
versidade Católica (PUC) de São Paulo, com a participação de consultores e agentes Belo Horizonte têm como diferencial o cálculo de indicadores específicos, tais como
populacionais, sob orientação da Diocese de São Paulo, desenvolveu o Mapa, de Ex- os relativos à garantia de segurança alimentar, de acesso à assistência jurídica, de
clusão/Inclusão Social da cidade, em 1996. Para a configuração do Mapa foram ela- acesso à previdência social e outros. Essas informações estão mapeadas para toda a
borados índices de Exclusão Social Interdistrital (IEXI) e índices de Discrepância cidade, representando um verdadeiro Atlas Social da Cidade.
Interdistrital (IDI), conforme a distribuição diferenciada de autonomia, qualidade
Os índices relativos à qualidade de vida têm sido muito úteis aos estudos do
de vida, desenvolvimento humano e equidade da população dos 96 distritos em que
lazer e se aproximam cada vez mais desse campo, à medida que se torna cada vez
a cidade de São Paulo está dividida desde 1990.
mais importante considerar indicadores referentes ao tempo-livre, ou à medida que
Finalmente, em Belo Horizonte, foram desenvolvidos dois trabalhos a partir o lazer vai sendo associado à plenitude da prática da cidadania.
de parceria da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte com a Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC Minas). O primeiro, denominado índice de Quali-
Euclides Guimarães
dade de Vida Urbano de Belo Horizonte (IQVU-BH), procurou dimensionar e Vera Lúcia Alves Batista Martins
qualificar os serviços urbanos, públicos e/ privados, disponibilizados às 81 unidades
de planejamento, conceituadas como os diferentes espaços em que se dividiu a capi-
tal mineira, para fins de planejamento. Foram selecionadas 10 variáveis (abasteci- Bibliografia
mento, assistência social, cultura, educação, esportes, habitação, infra-estrutura, FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Condições de vida dos municípios de Minas Gerais - 1970,1980 e
meio ambiente, saúde, serviços urbanos e segurança) e 72 indicadores, totalizando 1991. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1996.
5.382 informações, que compõem o Banco de Dados do índice. Esse instrumento MARTINS, Vera Lúcia A. B. O indisfarçável peso da exclusão social: Mapa de exclusão social de Belo
está sendo utilizado para monitorar as políticas públicas da PBH, tais como o orça- Horizonte- MG - Brasil: instrumento de gestão de políticas sociais. In: PRIMERAS JORNADAS DE PO-
LÍTICAS SOCIALES DEL MERCOSUR. Anais... Buenos Aires - Argentina, mayo de 2000.
mento participativo ou a bolsa escola. Possibilita comparar as necessidades e carên-
NAHAS, MARTINS et ai: O índice de qualidade de vida urbana de Belo Horizonte: um processo de
cias desses diversos espaços mencionados, dimensionando os recursos a serem inves-
geração de indicadores sociais. In: Cadernos de Ciências Sociais - PUCMinas. Belo Horizonte, v. 5,
tidos em cada local. Em decorrência de seu caráter de instrumento destinado a
n. 8, dez. 1997, p. 88-109.
monitoramento de políticas públicas, será calculado periodicamente. Até o momento NAHAS, MARTINS, V. L. A. B. O índice de qualidade de vida urbana para Belo Horizonte: a elaboração
foi calculado duas vezes: em 1994, com dados de 1992 e em 1999 com dados de 1996. de um novo instrumento de gestão municipal. In: 19".ENANPAD - Encontro Nacional de Pós-Gradu-
O segundo trabalho desenvolvido na capital mineira foi o Mapa de Exclusão/ ação em Administração. Anais... João Pessoa, Paraíba, 1995.
Inclusão Social de Belo Horizonte, para as mesmas UPs já mencionadas. Esse mapa NAHAS, MARTINS et. ai. Q mapa da exclusão social de Belo Horizonte: metodologia de construção de
:onsta de três instrumentos: o primeiro, índice de Vulnerabilidade Social (IVS) que, um instrumento de gestão urbana. In: Ciências Sociais- PUC Minas, v. 7, n. 10, jul. 2000.
J partir de cinco dimensões de cidadania (ambiental, cultural, económica, jurídica e PELIANO, Ana Maria T. M.: O mapa da fome: subsídios à formulação de uma política de segurança
iegurança de sobrevivência), analisa o processo de exclusão/inclusão social da cida- alimentar. Documento de Política, n. 14-15,17. Brasília: IPEA/APLAN, 1993.
le. Cada uma dessas dimensões foi subdividida em variáveis e estas em 11 indicado- Polis. Soo Paulo: como reconhecer um bom governo? O papel das administrações municipais na
melhoria da qualidade de vida. n. 21. São Paulo: Publicações Polis, 1995.
'es qualitativos e quantitativos, que dimensionam a situação social da Urbe Belo-
lorizontina. O segundo instrumento, denominado índice de Assistência Social (IAS) PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO- PNUD* Desarrollo humano:
informe 1992. Colômbia: Tercer Mundo, vários anos.
irocura mensurar as políticas sociais destinadas a mitigar as situações de maior
RODRIGUES, Maria Cecília P. O desenvolvimento social nas regiões brasileiras. Rio de Janeiro: Ciência
xclusão social. É calculado a partir de oito indicadores georreferenciados que repre-
Hoje. v. 13, n. 76, p. 39-45-set. 1991.
entam os atendimentos dos serviços de política pública da cidade. Já o terceiro ins-
SIMÕES; NAHAS, MARTINS, ESTEVES: O índice de qualidade de vida urbano de Belo Horizonte- IQVU-
rumento, denominado Representações Especiais, caracteriza-se como símbolo mar-
BH como instrumento de gestão municipal: produção e elaboração de novos indicadores. In: Encontro
ante dos processos de exclusão (trabalho infantil, analfabetismo da população, Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais, Económicas e Territoriais e III Con-
loradores de rua e população moradora em domicílios improvisados) e inclusão ferência Nacional de Geografia e Cartografia, v., l- 27-31 de Maio/1996- IBGE- Rio de Janeiro- Brasil.
) nn T.Ay.F.pl
SLIWIANY, Regina, índice sintético do nível de vida. Instituto Paranense de Desenvolvimento Eco- das consciências e dos saberes sobre o corpo e seus cuidados, sobre as práticas cor-
nómico e Social. Curitiba: IPARDES, 1987. porais e sua importância para a sociedade da época. Com o objetivo de educar as
SLIWÍANY, Regina M. Estatística Social -como medir a qualidade de vida. Curitiba: Araucária Cultural, 1987. novas gerações sobre os melhores hábitos para o alcance da saúde do corpo, a me-
SPOSATI, Aldaíza. Mapa da exclusão/inclusão social da cidade de São Paulo. São Paulo, EDUC, 1996. dicina social penetra o ambiente escolar e promove a sua higienização, alterando
IPARDES. Fundação Edson Vieira. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Económico e Social: Me- as feições e atribuições da escola tradicional existente até então. Isso lhe confere
dição do nível de vida da população de Curitiba em 1980 - Curitiba, Abril/1987. nova responsabilidade diante do desejado progresso social, ideal que passa a fun-
LEBRET. Manual de encuesta social. Madrid: Rialp, 1961. damentar a direção pedagógica das atividades ali realizadas, agora transformadas
KING, Desmond. O Estado e as estruturas sociais do bem estar em democracias industriais avançadas. em instrumentos para o alcance do vigor físico, o aumento da capacidade de tra-
Novos Estudos. CEBRAP, n. 22, out. 1988. balho, o aprimoramento da raça, a higiene das mentalidades e a superação do ar-
CROCKER, David: Qualidade de vida e desenvolvimento: o enfoque normativo de Senn e Nusbaumm. caico, da indolência e da decadência moral.
LtfflNova.n.31,1993.
Nesse projeto de formação e intervindo sobre a saúde biológica e social da
população, a recreação já aparece como importante instrumento pedagógico, cuja
orientação era disciplinar o corpo no sentido de que, no tempo livre, não se flexibili-
zasse com a preguiça. Ela se configura como estratégia de controle dos tempos, espa-
RECREAÇÃO ços e práticas realizadas na escola, sobretudo nos momentos vagos entre as ativida-
des obrigatórias. Segundo Costa (1999, p. 183) "a finalidade explícita deste controle
Embora não seja a pretensão deste texto enfocar o debate sobre a recreação sob o do tempo era de não deixar margem à ociosidade. O ócio induzia à vagabundagem, à
prisma exclusivo da Educação Física, quando se busca apanhar seu desenvolvimento capoeiragem e aos vícios prejudiciais ao desenvolvimento físico e moral". Observa-
histórico, a relação intrínseca que estabelece com essa área se revela notoriamente. se, então, que a recreação era uma forma de "educação física", cujo intento era de-
Desse modo, é possível afirmar que a recreação é prima próxima da Educação Física. marcar o corpo higienizado e o corpo relapso do indivíduo colonial, demarcação essa
Alguns autores chegam a dizer que, no Brasil, o desenvolvimento de práticas recrea- que deveria constituir a subjetividade burguesa em formação.
tivas foi responsável pela criação dos cursos de formação profissional em Educação Na verdade, buscava-se disciplinar o tempo de modo que todas as atividades es-
Física no País (WERNECK, 2000; MELO, 2003). Talvez por isso seja ela uma das ativida- colares seguissem um ritmo lógico de funcionamento, desde a duração e a frequência
des mais reconhecidas no campo, embora também uma das mais polémicas, confu- do regime alimentar, as horas de sono, as atividades intelectuais e até mesmo o recreio.
sas e ardilosas. Assim, para compreendê-la, torna-se fundamental"fazer um passeio Além disso, cada uma dessas atividades era rigorosamente organizada, pois não se ad-
pela História, buscando percebê-la nos diversos aspectos em que pode ser focaliza- mitia desperdícios ou perda de tempo. Na perspectiva do máximo proveito e conveni-
da, bem como dos significados que a ela foram atribuídos, configurando seu conteú- ência, à recreação cabia "estimular o corpo e o espírito mediante a escolha seleta das
do e sua forma, sua realização, seu sentido e seu lugar na sociedade. brincadeiras, exercícios e distrações" (COSTA, 1999, p. 183). Por meio de atividades lúdi-
No Brasil, é possível dizer que a recreação está intimamente relacionada à pró- cas, jogos e exercícios ginásticos, os limites entre trabalho e tempo livre, obrigação e
pria história da educação, da escola e, especialmente, do ensino público primário. diversão eram tecidos e revestidos pelas noções de utilidade e recompensa, que come-
Sua ocorrência, porém, pode ser observada ao longo de todo o século XIX, contexto çam a ser forjadas pela prática da recreação e acionadas já nas primeiras lições da edu-
em que aparece como componente de um modelo educativo que ficou conhecido cação infantil. É o que afirma, mais uma vez, Costa (1999, p. 184): "a recreação deveria
:omo médico-higienista. Tal modelo disseminou ideias e programas a respeito da servir à recuperação das energias gastas no trabalho. [...] O ócio se inseria no circuito
saúde, da aquisição de hábitos higiénicos, da atenção sobre a infância e do bem- da obrigação. Também ele tinha que ser disciplinado, e dele só deveriam usufruir os
:star físico e moral, desenvolvendo um projeto de controle corporal da população que se submetessem ao trabalho". Desse modo, a dimensão utilitária de tempo e a
Jrasileira que visava modificar os comportamentos e os modos de vida herdados organização adequada das atividades recreativas, quando são assimiladas pela esco-
Ia tradição colonial. Essa ação educativa/corretiva invade o cotidiano doméstico, a la e pelo pensamento educacional, indicam que a recreação responde a interesses
:scola, as relações sociais, familiares e culturais, realizando uma profunda reformulação político-ideológicos importantes, uma vez que produz uma distinção racional das
obrigações profissionais, sociais, familiares, escolares e os diversos tipos de diversão, a importância sobre o jogo e a ginástica como componentes fundamentais da for-
sendo estes últimos entendidos como instrumentos de compensação diante das novas mação da personalidade, da civilidade, da disciplina e da liberdade, uma vez que a
exigências do mundo do trabalho e da sociedade liberal e capitalista que se configurava disposição corporal era um antídoto eficiente contra a fadiga e a degradação física e
(MARCASSA.2002).
moral. À pedagogia cabia gerar uma nova forma de sociabilidade que permeasse toda
Assim, sob os preceitos da ordem, da disciplina e do comportamento saudá- a dimensão cultural. Sendo assim, tanto para jovens como para adultos, os exercícios
vel incorporados à escola, a recreação manifesta-se como coadjuvante do processo corporais e a recreação organizada desempenhavam papel moralizador e cívico, vis-
educativo para o alcance da melhor forma de recuperação das forças para o retor- to que mediavam a aquisição do gosto por atividades moderadas, arrefecendo as ener-
no ao trabalho, incluso aí o trabalho escolar, a diminuição da delinquência e a ocu- gias corpóreas e os anseios juvenis por conta da curiosidade provocada pela prática
pação adequada do tempo livre, fazendo-se protagonista da construção da harmo- da "Educação Physica", capaz de propiciar o hábito da higiene, do equilíbrio psicos-
nia e do progresso. E tamanho era o "dever civilizador" das atividades escolares social, do bom comportamento e do controle de si mesmo. Mas enquanto Azevedo
que ele acaba justificando não só a efervescência de movimentos políticos e sociais (1920), um dos maiores representantes do movimento escolanovista, prossegue na
pela instrução da população brasileira, como também reforçando, cada vez mais, a defesa da Ginástica Sueca como a forma ideal para o emprego do tempo livre e ocu-
prática da recreação como estratégia de controle do tempo livre, tanto dentro, como pação útil do corpo e da mente, Teixeira aposta nas finalidades da recreação, alegan-
fora da escola. do que a vivência de jogos e brincadeiras responde melhor às aspirações e interesses
Desse modo, se num primeiro momento da história da educação no Brasil a das crianças. Como efeitos esperados, os jogos de recreio deveriam moldar a perso-
recreação foi um importante recurso disciplinar destinado à educação infantil, pos- nalidade e o caráter infantil, bem como educá-las para que soubessem regular adequa-
teriormente, pode ser vista também como uma atividade responsável pela formação damente o curso de sua vida. Entretanto, conforme observa Werneck (2003, p. 25), por
moral e cívica de jovens e adultos. Essa mudança foi provocada pela emergência de meio das atividades recreativas, "o controle é dissimulado em um suposto clima de
certas tendências político-pedagógicas que ganharam o cenário educacional brasi- 'espontaneidade' e 'liberdade' proporcionado pela vivência do jogo que, como uma
leiro durante as três primeiras décadas do século XX. Representando a vitória do 'receita', colabora com o processo de reprodução cultural" (p.25). Nesse sentido, as
otimismo pedagógico sobre o entusiasmo pela educação, a chamada Escola Nova condutas de ensino, as experiências científicas e a recreação mostram-se organiza-
introduziu as ideias de uma escola renovada e estimulou a discussão sobre a quali- doras, disciplinadoras e benéficas à manutenção da vida cooperativa da classe e da
dade do ensino, reivindicando a especialização e a modernização das questões peda- "comunidade", indicando que o programa de atividades lúdicas escolares, neste mo-
gógicas. Porém, com base numa "neutralidade científica", submeteu a luta política mento, seguia uma perspectiva funcional que visava à modificação dos hábitos coti-
pela instrução ao âmbito técnico-instrumental e à qualificação didático-metodoló- dianos dentro e fora da escola. Resumindo-se num conjunto de jogos de regras e
gica da educação escolar. Aprofundando o debate sobre Tradição versus Modernida- envolvendo diversas outras atividades corporais, a recreação afirmava seu caráter
de e inserindo a lógica da ciência nas questões educacionais, o pensamento escola- instrumental, inculcando ideias, valores e saberes que engendravam a formação de
novista encarrega-se de combater os problemas atinentes às dificuldades da vida sujeitos adaptados às situações geradas pelas novas relações de trabalho, contribuin-
mediata como resposta às causas urgentes da estabilização e do progresso; seu obje- do para a consolidação da ordem burguesa e capitalista.
:ivo era colaborar na formação dos melhores hábitos mentais e morais comprometi- Observa-se, então, que a recreação na perspectiva escolanovista era um impor-
los com as demandas da sociedade em mudança. A "escola progressiva", nos termos tante recurso para a aquisição de hábitos e conhecimentos que visavam orientar crian-
lê Teixeira (1933, p. 1), é a escola em que as atividades se processam com o máximo ças, jovens e adultos no modo com "empregar utilmente o tempo de lazer e diversão"
lê oportunidades para isso; seu fim é o homem educado: "aquele que sabe ir e vir (TEIXEIRA, 1933, p. 65), canalizando suas energias, promovendo a disciplina e o con-
om segurança, pensar com clareza, querer com firmeza e executar com tenacidade, trole, desenvolvendo o gosto pelas atividades corporais e pelo comportamento sau-
' homem que perdeu tudo que era desordenado, informe, impreciso, secundário em dável, o que reforça, mais uma vez, as ideias de pragmatismo e instrumentalização
ua personalidade, para tê-la definida, nítida, disciplinada e lúcida".
historicamente vinculadas à prática da recreação no Brasil. E é com essa mesma co-
Sob a influência do pragmatismo norte-americano de John Dewey, a Es- notação que a recreação foi estendida aos primeiros equipamentos públicos de
ola Nova proclama a reformulação dos métodos de aprendizagem, renovando lazer, por meio dos recém-criados centros de recreio que se desenvolvem a partir da
anos de 1920 em todo o País, paralelamente às políticas de urbanização e moderni- entendida como instrumento de organização dos lazeres reforça saberes e práticas
zação das grandes cidades. A primeira iniciativa foi realizada em 1926, na cidade de que vão além do espírito lúdico, da espontaneidade, da manifestação dos interesses
Porto Alegre, e liderada por Frederico Gaelzer, para quem o Serviço de Recreação da criança ou da "bem-intencionada" educação física e moral. Ela denota interesses
Pública tinha como objetivo ocupar adequadamente as "horas de lazer" dos jovens, de classe, reproduz valores hegemónicos, forja subjetividades, inculca princípios, de-
evitando que eles se sujeitassem à delinquência e à ociosidade (GAELZER, 1979). De- sejos e necessidades que mantêm correspondência com os ideais da sociedade capi-
pois, pode-se observar iniciativa semelhante na capital paulista, com a criação, em talista. E não por acaso, é com essa mesma configuração que a recreação é integrada
1935, do Serviço Municipal de Jogos e Recreio, coordenado por Miranda (1984), para aos cursos de formação em Educação Física, compondo seu universo académico e
quem os centros de recreio, além de equacionar o problema higiénico, recreativo e seu campo profissional. Exemplo disso era a existência, até bem pouco tempo atrás,
educacional, eram necessários à ordem social e municipal, uma vez que a recreação de uma disciplina responsável pelas questões relacionadas à Educação Física, Re-
era capaz de promover a saúde física e mental do cidadão exausto nas metrópoles creação e Jogos. Acreditava-se, por todas essas relações historicamente construídas,
devido aos múltiplos contratempos provocados pela vida moderna. É durante a ges- que a recreação era propriedade da Educação Física, um conteúdo ou atividade a ser
tão de Miranda que são implantados os Parques de Jogos, com seus programas de desenvolvido sob a responsabilidade dela. Marinho (1981, p. 34), catedrático intelec-
Parques Infantis e Clubes de Menores Operários. No que se refere a este último, des- tual da área, destinou obras inteiras ao estudo das relações entre educação física e
taca-se a preocupação com a formação da força jovem de trabalho no sentido da sua recreação, concebendo esta última como "a atividade física ou mental a que o indiví-
preparação e integração ao mercado de trabalho cada vez mais industrializado e com- duo é naturalmente impelido para satisfazer a necessidades físicas, psíquicas ou so-
petitivo. É com esse propósito, então, que em 1943 foi criado o Serviço de Recreação ciais, de cuja realização lhe advém prazer", o que significa que sua conotação como
Operária do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Segundo Werneck (2003), atividade vem prevalecendo no campo.
nesse contexto, o aproveitamento adequado das "horas de lazer" do trabalhador tor- Depois dele, outros estudiosos também deixaram referências importantes so-
nava-se uma condição sem a qual os repousos assegurados por lei ao operário não bre a recreação para a área da Educação Física. É o caso de Teixeira e Figueiredo, que,
poderiam atingir seus objetivos. Nesse sentido, embora a não ocupação ou a utiliza- na década de 1970, dedicam-se à sistematização das questões concernentes à recre-
ção "inadequada" do tempo livre continuasse se configurando como um problema ação, contribuindo para a proliferação dos "manuais" ainda muito utilizados nesse
social ameaçador à lógica capitalista, nesse momento ela ganha significados bem campo. Localizados desde uma perspectiva compensatória e utilitarista do lazer
mais profundos do que aqueles pregados pelos médico-higienistas e pelos escolano- (MARCELLINO, 1987), afirmam ser função da recreação, além do emprego adequado do
vistas. Não mais como mero recurso disciplinar gerador de corpos e mentes saudá- tempo livre, a recuperação da força de trabalho, o que, por sua vez, resulta em bene-
veis, obedientes e controlados, nem como uma atividade útil para a organização e fícios para a própria indústria, pois que "o operário descansado, restaurado, saudá-
emprego apropriado do tempo livre; agora, o sentido que recai sobre a recreação vem vel, contente e alegre, sentir-se-á feliz e assim, produzirá muito mais e certamente
ao encontro da pretensão maior da sociedade do capital, qual seja, o controle absolu- mais barato" (TEIXEIRA E FIGUEIREDO, 1970, p. 58).
to de todas as dimensões da vida humana, dentro e fora do trabalho. Nessa perspec- É desse período a obra prima de Medeiros (1975, p. 131), na qual introduz as-
tiva, a recreação responde, como um conjunto de atividades operacionais, como con- pectos psicológicos à vivência da recreação. Segundo a autora, o que caracteriza as
teúdo a ser desenvolvido no tempo/espaço de lazer, à necessidade de reposição, atividades de recreação é a atitude ou disposição mental do executante, "marcadas
manutenção e preparação da força de trabalho, ou melhor, como fenómeno submeti- sempre pela livre escolha da pessoa que com elas preenche as suas horas vagas, vi-
do à lógica da política e da economia do trabalho. sando unicamente à alegria intrínseca a tais ocupações". Gaelzer (1979, p. 59) tam-
Para Sussekind, Marinho e Góes (1952, p. 17),"a organização dos lazeres é um bém destina parte de seus estudos ao tema da recreação, concebendo-a como "uma
desejo elementar e uma necessidade essencial da vida do homem que trabalha: con- experiência na qual o indivíduo participa por escolha, devido ao prazer e à satisfa-
tribui para o desenvolvimento físico, intelectual e social do trabalhador; tem impor- ção pessoal que obtém diretamente dela. Atividade recreativa é atividade que não
tância capital no bem estar, na saúde e na educação do trabalhador. A melhoria do seja conscientemente executada com o propósito de obter recompensa além da
nível educacional do trabalhador, sua maior integração social, seu equilíbrio bioló- mesma, proporcionando ao homem um escape para as suas forças físicas, criado-
gico, são, portanto, os três grandes objetivos da recreação". Como se vê, a recreação ras, e na qual ele participa por desejo íntimo e não por compulsão externa". Estas
duas autoras relacionam as dimensões da atitude e da subjetividade à prática da COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999.
recreação de forma inovadora para o período. GAELZER, Lenea. Lazer: bênção ou maldição? Porto Alegre: Sulina: URGS, 1979.
MARCASSA, Luciana. A invenção do lazer: educação, cultura e tempo livre na cidade de São
Daí em diante, outros autores surgiram, e a recreação foi ganhando novos sen-
Paulo (1888-1935). Goiânia: Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás. Dissertação
tidos e conotações, embora as modificações operadas na dinâmica social já exigis- (Mestrado), 2002.
sem um repensar do lugar ocupado por ela até então. É a partir da década de 1970 MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1987.
também que, com a emergência dos estudos provenientes da sociologia do lazer, a MARINHO, Inezil Penna. Educação Física, recreação e jogos. 3. ed. São Paulo: Brasil Editora, 1981.
recreação perde importância diante do destaque dado a esse fenómeno. E, enquanto
MEDEIROS, Ethel Bauser. O lazer no planejamento urbano. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1975.
ao lazer foram associadas características e funções internamente articuladas às esfe-
MELO, Victor Andrade de. Lazer e educação física: problemas historicamente construídos, saídas pos-
ras da cultura, do trabalho e da vida cotidiana, a concepção de recreação que perma- síveis: um enfoque na questão da formação. IN: WERNECK, Christianne Luce Gomes e ISAYAMA, Hél-
neceu, como bem chama a atenção Werneck (2003), reforçou a ênfase sobre o seu der Ferreira. (Orgs). Lazer, recreação e educação física. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
caráter técnico e operacional prevalecente até os dias de hoje. Assim, ao contrário de MIRANDA, Nicanor. Organização das atividades de recreação. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984.
apontar uma saída definitiva para a prática da recreação, o mais importante é pro- SUSSEKIND, Arnaldo, MARINHO, Inezil Penna; GÓES, Oswaldo. Manual de recreação: orientação
blematizar e ampliar a nossa compreensão sobre ela. dos lazeres do trabalhador. Rio de Janeiro: Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio/ Serviço de
Recreação e Assistência Cultural, 1952.
Nesse sentido, cabem algumas interrogações: Até que ponto é possível recupe-
rar o sentido lúdico e criativo contido nas origens etimológicas do termo recreação? TEIXEIRA, Anísio. Educação progressiva: uma introdução à filosofia da educação. São Paulo:
Editora Nacional, 1933.
Seria possível superar o enfoque técnico-instrumental que incide sobre a atividade
TEIXEIRA, Mauro Soares; FIGUEIREDO, Jarbas Sales de. Manual teórico-prático de recreação para
recreativa em si, mesmo sabendo que toda atividade (e a recreação não foge à regra)
todos. São Paulo: Obelisco, 1970.
promove e denota valores, concepções e interesses político-sociais? E ainda que com-
WERNECK, Christianne Luce Gomes. Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões
prometida com uma orientação política-ideológica crítica, em que medida é possível
contemporâneas. Belo Horizonte: CELAR: UFMG, 2000.
construir novas referências ou metodologias que levem em conta a experiência e a
. Recreação e lazer: apontamentos históricos no contexto da educação física. In: WERNE-
apropriação de práticas culturais de modo articulado aos saberes teórico-práticos CK, Christianne Luce Gomes; ISAYAMA, Hélder Ferreira (Orgs.). Lazer, recreação e educação física.
que as fundamentam? Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
Observando os diferentes contextos socioculturais, tudo indica que a cultura
lúdica integrante da construção de saberes, das formas de sociabilidade, das mani-
festações festivas advém não da recreação, mas dos jogos e brincadeiras que, em qual-
quer tempo e lugar, são expressões de desejos e necessidades humanas. Por isso, tal- RUA DE LAZER
vez seja necessário compreendermos que na atualidade a recreação se converteu e se
consolidou como um saber-instrumento que foi apropriado pela escola, pelo lazer, Evento de curta duração que, geralmente, varia de quatro a oito horas e constitui um
pela família, pela igreja, pelo esporte, enfim, pelas diferentes instituições sociais que espaço adaptado para a vivência de atividades relacionadas aos diferentes conteúdos
fazem dela uma manifestação com conteúdos, características e qualidades ajustáveis deste fenómeno histórico chamado lazer.
aos diferentes contextos e situações sociais. Cabe a nós refletirmos se é assim que a Apesar da escassa bibliografia existente sobre o tema, sabe-se que esse tipo de
recreação deve permanecer entre nós, ou quais as possibilidades que temos de cons- evento se faz presente na sociedade brasileira há pelo menos quatro décadas, desde a
truir novas e ricas experiências pedagógicas envolvendo a recreação. implementação da Campanha Ruas de Recreio, instituída pela Portaria ministeri-
al n° 3, de 6 de janeiro de 1958. Criada com o objetivo de promover atividades recre-
Luciana Marcassa ativas orientadas em ruas e praças dos centros urbanos, tal campanha passou a ser
Bibliografia largamente adotada em todo o País. A proposta tinha o intuito de divertir e relaxar os
AZEVEDO, Fernando de. Da educação physica: o que ela é, o que tem sido, o que deveria ser. 2. ed. participantes e privilegiava, para isso, as atividades físico-esportivas, visto que o con-
São Paulo: Melhoramentos, 1920. texto histórico da época apontava para uma forte associação entre aquele conteúdo,
a recuperação da força de trabalho do operariado e a manutenção da saúde, conside- campos e áreas verdes, em espaços privados de fins comerciais e residenciais, ou seja,
rada primordial para o desenvolvimento industrial de uma nação. As atividades, con- grande parte dos locais destinados à vivência do lazer é reservada, hoje, para o privi-
troladas por monitores quanto ao uso do tempo, do local e dos equipamentos utiliza- légio de poucos. É também inegável e latente a necessidade da formulação de políti-
dos, eram planejadas previamente, com base em um modelo único adotado para todas cas que caminhem no sentido da ampliação, qualificação e democratização dos es-
as Ruas de Recreio realizadas pelo órgão promotor, ou seja, não havia na época a paços existentes. Todavia, sabe-se também que "não é a aparelhagem que determina
preocupação de considerar as particularidades regionais, tampouco de inserir as co- a cultura e o lazer, e também não é ela que detém a capacidade de tornar a vida mais
munidades no processo organizacional do evento - os participantes se restringiam à humana" (WERNECK, STOPPA e ISAYAMA, 2001).
vivência das atividades oferecidas. A insuficiência de equipamentos de lazer não é necessariamente um indicador
Mais de quarenta anos depois, mesmo tendo passado por algumas modifica- da impossibilidade de vivência de seus conteúdos culturais. Uma Rua de Lazer é
ções, o modelo ainda é adotado com o objetivo de desenvolver eventos organizados um claro exemplo de como uma via pública destinada originalmente ao tráfego de
por órgãos públicos, empresas privadas, instituições de terceiro setor e empresas con- veículos e de pedestres pode ser utilizada como uma quadra de peteca, um ateliê, um
sideradas organizações mistas, como o Serviço Social do Comércio (SESC). palco ou tantos outros espaços que nossa criatividade permita construir. Da mesma
Considerando as diferentes áreas de interesse que integram o lazer, podemos forma, é perfeitamente possível adaptar outros locais existentes nas comunidades para
perceber o amplo leque de possibilidades que se abre quando da programação de que eles possam também constituir pontos de encontro e convívio humano, que facili-
atividades para uma Rua de Lazer. É importante que o respeito a essa diversidade se tem o desenvolvimento pessoal e social dos cidadãos por meio das práticas de lazer.
efetive mediante a inclusão de práticas variadas, de modo a estimular os participan- Outro aspecto importante a ser observado é o grau de envolvimento das comu-
tes a experimentar diferentes alternativas e a optar por aquelas que mais lhes agra- nidades solicitantes no processo de organização do evento. Com base nesse critério,
dam, buscando, assim, um atendimento integral de qualidade. Todavia, a diversifica- Oliveira (2003) aborda dois modelos bastante distintos: a"Rua de Lazer Tradicional"
ção de conteúdos tem implicações diretas na operacionalização do evento, e a "Rua de Lazer Solidária".
determinando, por exemplo, a quantidade de pessoal, a sua distribuição nas diferen- A Rua de Lazer Tradicional é semelhante ao modelo inicial da Campanha Ruas
tes atividades, o espaço mínimo necessário e o tipo de material que será utilizado. de Recreio no que diz respeito à restrição de participação das comunidades atendidas,
Para fins de organização, uma Rua de Lazer geralmente é subdividida em seto- que se limitam a vivenciar as atividades oferecidas sem, no entanto, se envolverem no
res, que podem ser entendidos como espaços específicos onde se concentra determi- processo de elaboração, que é de exclusiva responsabilidade dos órgãos executores. Esse
nada atividade. Os critérios que guiam essa divisão passam tanto pela predominân- modelo, apesar de rígido e pouco democrático, é ainda amplamente utilizado.
cia de interesses e aspirações que direcionam a escolha dos participantes por uma ou Elaborado como uma alternativa à forma tradicional, o segundo modelo - Rua
outra prática, quanto pelas necessidades relativas à infra-estrutura do evento. Al- de Lazer Solidária - situa-se em um contexto político muito diferente daquele em que
guns exemplos de setores são: brinquedos infláveis, atividades esportivas, cama elás- surgem os primeiros eventos nesses moldes. Esta proposta foi elaborada na Prefeitura
tica, atividades artísticas, jogos de mesa e salão, jogos populares, apresentações, água, Municipal de Belo Horizonte, em meio a uma administração democrática de governo,
lanche e som. No caso das chamadas "ações integradas", o número de setores é natu- preocupada com a valorização da participação popular nos processos decisórios. O
ralmente maior e a organização mais complexa. Muito comuns atualmente, elas reú- modelo vem sendo adotado no município desde 1998 e tem como diretriz central a
nem, além das atividades de lazer, outros serviços de diferentes naturezas, como cor- busca de um maior envolvimento das comunidades no processo de organização das
tes de cabelo, stands de confecção de documentos de identidade ou carteiras de Ruas de Lazer por elas solicitadas. Tal mudança de perspectiva está intimamente asso-
trabalho, distribuição de mudas de plantas, medição de pressão, etc., contando com a ciada à necessidade de se reconhecer o usuário de programas sociais como cidadão e à
participação de colaboradores diversos. associação da cidadania à efetiva participação dos sujeitos nos processos de elabora-
Uma importante característica das Ruas de Lazer é a adaptação temporária de ção, implementação e condução das políticas. Assim, as Ruas de Lazer Solidárias cons-
espaços. É verdade que o crescimento dos centros urbanos veio acompanhado de um tituem modelos mais flexíveis de organização, nos quais as comunidades são convida-
processo de especulação mobiliária e da consequente transformação de espaços pú- das a se tornarem parceiras do Poder Público, compartilhando as responsabilidades
blicos, que antes eram destinados especificamente à vivência do lazer como praças, pelo sucesso do evento mediante a distribuição e do desempenho de papéis. O principal
objetivo desse processo é promover a educação dos indivíduos para maior autonomia cão a respeito de seus direitos, de modo a contribuir efetivamente para o alcance de uma
em relação às práticas de lazer, estimulando a sua participação em vivências mais crí- sociedade mais justa. Nessa perspectiva, o lazer deixa de ser simples instrumento destina-
ticas, criativas e conscientes, mediante a formação de lideranças mobilizadoras. do ao descanso e ao divertimento e torna-se palco de atuação política, do qual emergem
Observando uma Rua de Lazer, podemos, a princípio, ter uma avaliação com- valores questionadores da sociedade e caminha-se no sentido de uma nova ordem. Assim,
pletamente positiva desse evento, visto que realmente é possível enxergar de forma as políticas de lazer não devem se restringir a políticas de atividades, mas contemplar
nítida no rosto dos participantes a alegria e a satisfação por estarem envolvidos nas também questões referentes aos espaços e equipamentos, à ordenação do tempo na soci-
atividades oferecidas, e isso, sem dúvida alguma, é um mérito inquestionável dessas edade pós-industrial, dentre outros condicionantes dessas práticas.
ações. No entanto, é preciso analisá-las com maior cautela. Em meio a políticas de lazer realmente comprometidas com a efetivação de
Sabe-se que o lazer é um direito social, instituído pela Constituição brasileira direitos, é possível trabalhar as Ruas de Lazer em outra perspectiva, associando-as,
desde 1988 (art. 217, parágrafo III). A partir desse fato, podemos entender a necessida- por exemplo, a programas de lazer contínuos. Dessa forma, elas não serão meros even-
de da formulação de políticas sociais que caminhem no sentido da afirmação desse tos descontextualizados - estarão situadas em ações preocupadas em promover o
direito, pois a sua vivência por parte dos indivíduos é fator condicionante da existência bem-estar social.
da cidadania, entendida aqui não como mera questão geográfica, mas como a concreti- Virna Carolina Carvalho Munhoz
zação dos direitos constitucionais - o que envolve, dentre outros aspectos, o acesso aos
bens produzidos por uma nação e a possibilidade da livre participação nos processos
de formulação das políticas que configuram diariamente o País. Bibliografia
MARCELLINO, Nelson Carvalho (Qrg.). Políticas públicassetoria is de lazer: o papel das prefeituras.
Dada a importância das políticas públicas sociais, acrescenta-se que elas de-
Campinas: Autores Associados, 1996.
vem ter como objetivos assegurar o bem-estar social por meio da melhoria da quali-
MELO, Marcelo Paula de. Políticas públicas de esporte/lazer em São Gonçalo/RJ: uma análise crítica da
dade de vida da população e conquistar crescentes níveis de integração, especial-
mente dos grupos socialmente excluídos. atuação da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SEMEL). Licere: revista do Centro de Estudos
de Lazer e Recreação/EEF/UFMG. Belo Horizonte, v. 4, n.l, p. 80-95,2001.
Logo, se observado o caráter efémero e esporádico das Ruas de Lazer, percebe- OLIVEIRA, Rita Márcia de. Ruas de lazer solidárias: ampliando perspectivas de participação. 2000.
remos que, mesmo na perspectiva solidária, elas têm ação muito limitada no que diz 32 f. Monografia (Curso de Especialização em Lazer) - Escola de Educação Física, Universidade Fede-
respeito ao alcance desses objetivos. É preciso que se criem estratégias de interven- ral de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000.
ção que tenham reflexos sociais significativos e permanentes na vida das pessoas. RIOS, Terezinha Azeredo. Formação para a cidadania: gesto de bem e beleza. Ciclo de Conferências
Apesar de reconhecermos as Ruas de Lazer como espaços de vivência lúdica, deve- da Constituinte Escolar, Belo Horizonte, n. l, p. 33-35, jan. 2000.
mos ter em mente que um único dia de alegria não é satisfatório, pois, quando as WERNECK, Christianne Luce G.; STOPPA, Edmur António; ISAYAMA, Hélder Ferreira. Lazer e mer-
atividades são encerradas e os materiais recolhidos, a vida das comunidades volta ao cado.Campinas: Papirus,2001.112 p.
que era antes e os problemas que as afetam não tiveram suas proporções diminuídas.
Portanto, esses eventos atuam hoje mais no sentido do assistencialismo e menos na
perspectiva da afirmação do lazer como direito social.
Não devemos ser radicais a ponto de afirmar que é necessário abolir as Ruas de SERVIÇOS DE LAZER
Lazer do cenário nacional. Conforme dito anteriormente, elas constituem espaços de
convivência, de reprodução e transformação das manifestações culturais, tendo, por- No mundo contemporâneo, tem aumentado a importância económica das atividades
tanto, o seu valor. Apenas é preciso conferir-lhes novos significados. denominadas genericamente como "serviços", que se caracterizam por oferecer pro-
As políticas públicas de lazer devem se preocupar com a oferta de programas con- dutos intangíveis, intransferíveis, não-estocáveis e por apresentarem contato direto
tínuos, que facilitem a vivência dos diferentes conteúdos desse fenómeno histórico não entre produtor e consumidor.
apenas durante um dia, mas ao longo de todo o ano, buscando a participação cidadã na As inúmeras atividades que se encaixam nessa definição podem ser agrupa-
formulação e no controle desses programas e, acima de tudo, conscientizando a popula- das em quatro categorias: serviços produtivos (bancos, seguradoras, imobiliárias,
tras instituições do terceiro setor, os clubes esportivos com melhor infra-estrutura, KON, Anita. Sobre as atividades de serviços: revendo conceitos e tipologias. Revista de Economia Políti-
as principais casas de espetáculo, a rede hoteleira mais moderna, os shopping cen- ca, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, abr./jun., 1999.
ters. Seria inviável listar todos os equipamentos existentes. TRIGO, Luiz Gonzaga G. Turismo e qualidade: tendências contemporâneas. Campinas: Papirus, 1993.
O maior desafio é firmar uma ética da solidariedade e uma prática de co-res- Essa é uma área que apresenta uma multiplicidade de campos de ação, que
ponsabilidade entre as políticas públicas do primeiro setor, o dinamismo e os recur- envolve diretamente mudanças sociais e requer um profissional capaz de promo-
sos materiais, humanos t técnicos do segundo, e o espírito de luta, a sensibilidade e a ver a integração e facilitar os processos de inclusão social, desenvolver atividades
criatividade do terceiro setor em prol do desenvolvimento humano e socialmente de geração de emprego e renda ou ainda ter a capacidade de fomentar o bom apro-
sustentado. O papel proativo do terceiro setor deve estar a serviço da redefinição do veitamento do tempo livre transformando o ócio em produção criativa por meio
desenho das políticas públicas governamentais, procurando transformá-las em po- de práticas físico-desportivas, artístico-culturais, recreação, entretenimento e fol-
líticas de parceria entre Estado, mercado e sociedade civil em todos os níveis, com a clore. Portanto, o mercado de trabalho está demandando um profissional que dê
incorporação das organizações de cidadãos em suas fases de elaboração, execução, um caráter mais sistemático a programas sociais a partir de uma intervenção pla-
monitoramento, fiscalização e avaliação. nejada, integrada e sustentada, quer no setor público, iniciativa privada, quer no
terceiro setor. Diante desse quadro, o profissional da área de lazer que queira atuar
O campo da gestão é considerado um dos espaços centrais para o avanço das
no terceiro setor tem um amplo mercado de trabalho que, no entanto, ainda não
organizações do terceiro setor que incorporaram a noção de bem público e de cida-
está totalmente delimitado, pois depende da consciência social e cidadã de gover-
dania à formação, implementação e avaliação de suas ações, conciliando a visão dos
nos, empresários e população em geral.
mecanismos de mercado, da política, do social e do constitucional. A gestão social
empreendida pelo terceiro setor trabalha para a construção da cidadania em uma Cássio Avelino Soares Pereira
-i cc-rripl 77Ç
Fontes bibliográficas TRABALHO
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS (2000). Debate público: lazer, trabalho e quali-
dade de vida. Belo Horizonte, 2000. A história da realização dos seres sociais, ao longo de seu processo de desenvolvi-
CARDOSO, Ruth. Fortalecimento da sociedade civil In: IOSCHPE, Evelyn (Org.). Terceiro Setor: de-
mento histórico-social, sabemos, objetwa-se mediante a produção e reprodução
senvolvimento social sustentado. São Paulo: Paz e Terra, 1997. da existência humana. Para a realização da produção e reprodução da existência
FERNANDEZ, Rubem César. Privado porém público: o terceiro setor na América Latina. Rio de humana, os indivíduos iniciam um ato laborativo básico, desenvolvido por meio do
Janeiro: Relume-Dumará, 1994. processo de trabalho.
FERRAREZI, Elizabete. OSCIP - Organização da sociedade civil de interesse público: a lei É a partir do trabalho, em sua realização cotidiana, que o ser social distingue-
9.790/99 como alternativa para o terceiro setor. Brasília: Comunidade Solidária, 2000.
se de todas as formas pré-humanas. É por demais conhecida aquela passagem de
FRANCO, Augusto de. O que está por trás da nova lei do terceiro setor. In: OSCIP. Organização da O Capital, em que Marx diferencia o pior arquiteto da melhor abelha: arquiteto
sociedade civil de interesse público: a lei 9.790/99 como alternativa para o terceiro setor. FER-
RAREZI, Elizabete. Brasília: Comunidade Solidária, 2000.
"obtém um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador e,
portanto, idealmente. Ele não apenas efetiva uma transformação da forma da maté-
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (2000). Educação profissional: referências curriculares nacionais
da educação profissional de nível técnico l lazer e desenvolvimento social. Brasília: MEC, 36 p.
ria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objeto, que ele sabe que
determina, como lei, espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar
OFFE, Claus. Reforma do Estado. In: NABUCO,Maria Regina; NETO, António Carvalho (Orgs.)Relações
de trabalho contemporâneas. Belo Horizonte: IRT - Instituto de Relações do Trabalho da Pontifícia sua vontade" (MARX, 1983, p. 149-150).
Universidade Católica de Minas Gerais, 1999. Em outras palavras, o ser social, dotado de consciência, tem previamente con-
PEREIRA.CássioA.S.As organizações do terceiro setor no desenvolvimento das políticas de turismo e cebida a configuração que quer imprimir ao objeto do trabalho no ato de sua realiza-
de lazer. In: Turismo em análise. São Paulo: USP/ECA, v. 15, n. 2, nov. 2004.
ção. No trabalho, o momento distinguidor, essencialmente separatório.é constituído
PEREIRA, Cássio Avelino S. Turismo e lazer: tendências para o terceiro milénio. In: Licere. Belo Horizon- pelo ato consciente que, no ser social, deixa de ser um mero epifenômeno da repro-
te: Centro de Estudos de Lazer e Recreação (GELAR). Escola de Educação Física da UFMG, v. 3, n. l, 2002.
dução biológica. Ao pensar e refletir, ao externar sua consciência, o ser social se hu-
PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro:
Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996. maniza e se diferencia das formas anteriores do ser social.
REVISTA EXAME. Guia de Boa Cidadania Corporativa. São Paulo. Edição 754,2001. Foi isso que permitiu a Lukács (1978,p.8) fazer esta síntese: "O trabalho é um
REVISTA IBEROAMERICANA DO TERCEIRO SETOR. Projeto Cultural do Instituto Yacare. Brasí- ato de por consciente e, portanto, pressupõe um conhecimento concreto, ainda que
lia: Edição única, 2002. jamais perfeito, de determinadas finalidades e de determinados meios".
SEMINÁRIO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Filantropia: marco legal e a universalização O trabalho mostra-se, então, como momento fundante de realização do ser so-
de direitos. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002.
cial, condição para sua existência; é, por isso, ponto de partida para a humaniza-
TEODÓSIO, Armindo dos Santos de Sousa; RESENDE, Graziele Andrade. Desvendando o Terceiro Se- ção do ser social. Não foi outro o sentido dado por Marx ao afirmar: "Como criador
tor: trabalho e gestão em organizações não-governamentais. In: Relações de trabalho contemporâ-
de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existên-
neas. Maria Regina Nabuco e António Carvalho Neto (orgs.). Belo Horizonte: IRT - Instituto de Rela-
ções do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 1999. cia do homem, independentemente de todas as formas de sociedade, eterna necessi-
VOIGT, Léo. Proteção social no Brasil: política públicas e terceiro setor. In: Seminário O poder públi- dade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, vida
co e o terceiro setor. Belo Horizonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 2001. humana". (MARX, 1983, p. 50)
VOLPI, Mário. O desafio do relacionamento entre o poder público e sociedade. In: Seminário O poder Por meio do processo de trabalho, com seu desenvolvimento na história huma-
público e o terc eiró setor. Belo Horizonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 2001. na, "tem lugar uma dupla transformação. Por um lado, o próprio homem que traba-
lha é transformado pelo seu trabalho; ele atua sobre a natureza;'desenvolve .as potên-
cias nela ocultas' e subordina as forças da natureza 'ao seu próprio poder'. Por outro
lado, os objetos e as forças da natureza são transformados ,em meios, em objetos de
trabalho, em matérias-primas etc". (LuKAcs, 1978, p. 16)
Á n-tn f^r,f*r:^^ .
estranhamento do trabalhador em seu objeto se expressa de maneira que quanto
Esse processo de transformação recíproca faz com que o trabalho social se con-
mais o trabalhador produz tanto menos tem para consumir, que quanto mais valo-
verta em elemento central do desenvolvimento da sociabilidade humana.
res cria, tanto mais se torna sem valor e sem dignidade, que tanto melhor formado
Agora precisamos introduzir outro elemento analítico importante. Quando se
o seu produto, tanto mais deformado o trabalhador, que tanto mais civilizado o
estuda o trabalho humano, é fundamental resgatar a distinção feita por Marx entre
seu objeto, tanto mais bárbaro o trabalhador, que quanto mais poderoso o traba-
trabalho concreto e trabalho abstraio. Em suas palavras, "todo trabalho é, por um
lho, tanto mais impotente se torna o trabalhador, que quanto mais rico de espírito
lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa quali- o trabalho, tanto mais o trabalhador se torna pobre de espírito e servo da nature-
dade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstraio gera o valor das mer- za". (MARX. In: FERNANDES, 1983, p. 152).
cadorias. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem
Desse processo de trabalho na sociedade capitalista tem-se como resultante a des-
sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho con-
realização do ser social. Desenvolve-se um trabalho que se desefetiva em seu processo de
creto útil, produz valores de uso" (Marx, 1983, p. 53).
trabalho. O resultado do processo de trabalho, o produto, aparece ao trabalhador como
De um lado, tem-se o caráter útil do trabalho, intercâmbio metabólico entre um ser alheio e estranho ao produtor. Tem-se, então, que essa realização efetiva do traba-
os homens e a natureza, condição para a produção de coisas socialmente úteis e lho aparece como desefetivação do trabalhador. (MARX. In: FERNANDES, 1983, p. 149).
necessárias. Trata-se, aqui, do momento em que se efetiva o trabalho concreto, o Esse processo de alienação do trabalho (que Marx também denomina estranha-
trabalho em sua dimensão essencialmente qualitativa. mento) não se efetiva apenas no resultado - a perda do objeto -, mas abrange também
Deixando de lado o caráter útil do trabalho, sua dimensão concreta, resta-lhe o próprio ato de produção, que é o efeito da atividade produtiva já alienada.
ser apenas ser dispêndio de força humana produtiva, física ou intelectual, soci- Se o produto é o resultado da atividade produtiva, resulta que esta encontra-se
almente determinada. Aqui aparece a dimensão abstraía do trabalho, o trabalho também estranha ao trabalhador. Nas palavras de Marx: "no estranhamento do obje-
abstraio, no qual desaparecem as diferentes formas de trabalho concreto, que, se- to do trabalho só se resume o estranhamento, a alienação na atividade mesma do
gundo Marx, reduzem-se a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abs- trabalho" (MARX. In: FERNANDES, 1983, p. 152-153).
traio. Neste último caso, trata-se de uma produção voltada para o mundo das mer- O que significa dizer que, sob o capitalismo, o trabalhador não se satisfaz no
cadorias e da valorização do capital. O trabalho encontra-se envolto em relações trabalho, mas se degrada; não se reconhece, mas se nega."Daí que o trabalhador só
capitalistas que alteram em grande medida seu sentido histórico original. se sinta junto a si fora do trabalho e fora de si no trabalho. Sente-se em casa quan-
Se podemos considerar o trabalho como um momento fundante da sociabilida- do não trabalha e quando trabalha não se sente em casa. O seu trabalho não é,
de humana, como ponto de partida do processo de seu processo de humanização, tam- portanto, voluntário, mas compulsório, trabalho forçado. Por conseguinte, não é a
bém é verdade que na sociedade capitalista o trabalho torna-se assalariado, assumindo satisfação de uma necessidade, mas somente um meio para satisfazer necessida-
a forma de trabalho alienado. Aquilo que era uma finalidade básica do ser social - a des fora dele" (MARX. In: FERNANDES, 1983, p. 153).
busca sua realização produtiva e reprodutiva no t pelo trabalho - transfigura-se e trans- Em seus Extraías de Leitura sobre]. MUI, onde pela primeira vez apresenta
forma-se. O processo de trabalho se converte em meio de subsistência, sendo que a o significado da alienação, Marx afirma: "Meu trabalho seria livre projeção exterior
força de trabalho torna-se, como tudo, uma mercadoria especial, cuja finalidade vem a de minha vida, portanto desfrute de vida. Sob o pressuposto da propriedade privada
ser a criação de novas mercadorias objetivando a valorização do capital. (em troca) é estranhamento de minha vida, posto que trabalho para viver, para con-
Desfigurado em seu sentido primeiro, de criação de coisas úteis, o trabalho torna- seguir os meios de vida. Meu trabalho não é vida". (MARX, 1978, p. 293).
se meio, e não"primeira necessidade" de realização humana. Na formulação oferecida por O trabalho como atividade vital, verdadeira, sofre um enorme processo de re-
Marx, constata-se que "o trabalhador decai a uma mercadoria", torna-se"um ser estranho dução: "Uma vez pressuposta a propriedade privada, minha individualidade se torna
a ele, um meio da sua existência individual". (MARX. In: FERNANDES, 1983, p. 147 e 158). estranhada a tal ponto, que esta atividade se torna odiosa, um suplício e, mais que
Como expressão da realidade capitalista, da sociedade regida pelo valor de atividade, aparência dela; por consequência, é também uma atividade puramente
troca, tem-se a dialética da riqueza e miséria, da acumulação e privação, do possui- imposta e o único que me obriga a realizá-la é uma necessidade extrínseca e aciden-
dor e do despossuído. Ainda conforme Marx, "segundo leis da Economia Política o tal, não a necessidade interna e necessária" (1978, p. 299).
Desse modo a alienação como expressão de uma relação social fundada na pro-
priedade privada e no dinheiro apresenta-se como "abstração da natureza específica, uma relação entre coisas. "A igualdade dos trabalhos humanos assume a forma ma-
pessoal" do ser social que "atua como homem que se perdeu a si mesmo, desumaniza- terial da igual objetividade de valor dos produtos de trabalho; a medida do dispêndio
do"(1978, p. 278). O trabalhador, diz Marx, sente-se livremente ativo em suas funções de forças de trabalho do homem, por meio de sua duração, assume a forma da gran-
animais (comer, beber, procriar etc.) e em suas funções humanas sente-se como um deza de valor dos produtos de trabalho; finalmente, as relações entre os produtores,
animal. O que é próprio da animalidade se torna humano e o que é próprio da humani- em que aquelas características sociais de seus trabalhos são ativadas, assumem a
dade torna-se animal. (MARX, 1983, p. 154).
forma de uma relação social entre os produtos de trabalho" (MARX, 1983, p. 71).
Alienado e estranhado diante do produto do seu trabalho e do próprio ato de Portanto, tem-se a prevalência da dimensão abstraía do trabalho, subordinando
produção da vida material, o ser social torna-se um ser estranho diante dele mesmo: e reduzindo sua dimensão concreta, de trabalho útil. Disso resulta o que Marx deno-
o homem estranha-se em relação ao próprio homem. Torna-se estranho em relação minou de o caráter misterioso ou fetichizado da mercadoria: ela encobre as dimen-
ao género humano. (MARX, 1983, p. 158).
sões sociais do próprio trabalho, mostrando-as como inerentes aos produtos do tra-
Não se verifica o momento de identidade entre o indivíduo e o género humano, balho. Mascaram-se as relações sociais existentes entre os trabalhos individuais e o
mas o seu contrário, visto que nas sociedades regidas pelo capital "o valor de uso (o trabalho total, apresentando-as como relações entre objetos coisificados: "Não é mais
produto do trabalho concreto) não serve para a satisfação das necessidades. Ao in- nada que determinada relação social entre os próprios homens que para eles aqui
verso, sua essência consiste em satisfazer as necessidades do não-possuidor. Ao tra- assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas" (MARX, 1983, p. 71). Na
balhador torna-se indiferente o tipo de valor de uso por ele produzido, não tendo vigência do valor de troca, o vínculo social entre as pessoas se transforma em uma
com ele nenhuma relação. O que desenvolve para satisfazer suas necessidades é, ao relação social entre coisas: a capacidade pessoal transfigura-se em capacidade das
contrário, expressão do trabalho abstraio: trabalha unicamente para manter-se, para coisas. Trata-se, portanto, de uma relação reificada entre os seres sociais.
satisfazer as meras necessidades 'necessárias'." (HELLER, 1986, p. 54). A racionalização própria da grande indústria capitalista moderna tende, ao ser
Na concretude do capitalismo, tem-se, portanto, que "tudo é'reificado'e as rela- movida pela lógica do capital, a eliminar as propriedades qualitativas do trabalha-
ções ontológicas fundamentais são postas de cabeça para baixo. O indivíduo, con- dor, pela decomposição cada vez maior do processo de trabalho em operações parciais,
frontado com meros objetos (coisas, mercadorias), quando seu 'corpo inorgânico' - operando-se uma ruptura entre o elemento que produz e o produto desse trabalho.
'natureza trabalhada' e capacidade produtiva externalizada - foi dele alienado. Não Este, reduzido a um nível de especialização, que acentua a atividade mecanicamente
tem consciência de um'ser pertencente a uma espécie'..., em outras palavras, conver- repetida. E essa decomposição moderna do processo de trabalho, de inspiração taylo-
te-se um ser cuja essência não coincide diretamente com a sua individualidade". rista,"penetra até a'alma' do trabalhador". (LUKÁCS, 1975, p. 129)
(MÉszAROS,1981,p.76)
Portanto, podemos dizer que, se por um lado, o trabalho é uma atividade hu-
A atividade produtiva, dominada pela fragmentação e isolamento capitalista, mana central na história humana, em seu processo de sociabilidade, posteriormente,
no qual os homens são atomizados, não realiza adequadamente a função de media- com o advento do capitalismo, deu-se uma transformação essencial, que alterou e
ção entre o homem e a natureza, reificando e coisificando o homem e suas relações. complexificou o trabalho humano. Marx utilizou de dois termos distintos (em in-
Em lugar da consciência de ser social livre e emancipado, tem-se o culto da privaci- glês) para melhor caracterizar essa dimensão ampla do trabalho: work e labour.
dade, a idealização do indivíduo tomado abstratamente. (Mészáros.p. 76-77) O primeiro termo (work) é mais dotado de positividade, sendo por isso uma expres-
Operou-se, portanto, uma metamorfose básica no universo do trabalho huma- são mais aproximada da dimensão concreta do trabalho, que cria valores socialmen-
no sob as relações de produção capitalistas. Ao invés do trabalho como atividade te úteis e necessários. O segundo termo (labour) expressa a dimensão cotidiana do
vital, momento de identidade entre o indivíduo e o ser genérico, tem-se uma forma trabalho sob a vigência do capitalismo, mais aproximada à dimensão abstrata do
de objetivação do trabalho em que as relações sociais estabelecidas entre os pro- trabalho, ao trabalho alienado e desprovido de sentido humano e social.
dutores assumem, conforme disse Marx, a forma de relação entre os produtos do O trabalho entendido como work seria expressão de uma atividade genérico-
trabalho. A relação social estabelecida entre os seres sociais adquire a forma de social, voltada para a produção social de valores de uso, sendo, por isso, o momento
da predominância do trabalho concreto. Em contrapartida, ao usar o termo labour, a
230 [DICIONÁRIO CRÍTICO DO LAZER]
ênfase está voltada para as atividades estranhadas e fetichizadas, que configuram o
trabalho assalariado. Os autores e as autoras
A desconsideração dessa dupla dimensão presente no mundo do trabalho,
que lhe dá complexidade, vem permitindo que muitos autores entendam equivo-
cadamente a crise da sociedade do trabalho abstrato como expressão da crise da Ana De Pellegrin - Bacharel licenciada em Educação Física, Mestre em Educação Físi-
sociedade do trabalho concreto e, desse modo, defendam equivocadamente o fim ca, área de concentração Estudos do lazer, pela Unicamp. Atualmente está cursando o Doutorado
do trabalho.
em Educação também na Unicamp, área de concentração História, Filosofia e Educação. Possui arti-
gos publicados sobre as relações entre Lazer e espaço e entre Lazer, educação e educação física.
E-mail: adpellegrin@uol.com.br
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do Lazer e Doutoranda em Pedagogia do Movimento - Estudos da Corporeidade, pela Faculdade de
ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?São Paulo: Cortez/Unicamp, l995. Educação Física da Universidade Estadual de Campinas-SP. Trabalha atualmente com técnicas de for-
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Grijalbo, 1975. y Ia conciencia dei proletariado. In: Historia y Conciencia de Clase. Diretora da Canton Eventos e Cultura. E-mail: canton_eventos@uol.com.br
Cássio Avelino Soares Pereira - Mestre em Ciência Política pela UFMG. Diretor do
Centro de Pesquisa e Planejamento do Turismo - CPTUR. Contato: (38) 3221-7876. E-mail:
cassioavelino@hotmail.com.br
Denise da Costa Oliveira Siqueira - Professora dos Cursos de Pós-Graduação e de Heloísa Turini Bruhns - Professora livre docente do Departamento de Estudos do Lazer-
graduação em Comunicação da UERJ. Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Mestre em FEF/Unicamp. Autora dos livros: O corpo parceiro e o corpo adversário e Futebol, carnaval e capo-
Ciência da Informação (ECO/UFRJ). Especialista em Sociologia Urbana (IFCH/UERJ) e graduada em eira (Papirus). Organizadora dos livros: Conversando sobre o corpo; Viagens à Natureza e Olha-
Comunicação (FCS/UERJ). Pesquisa o universo da comunicação e da arte, especialmente as artes céni- res Contemporâneos sobre o turismo (Papirus); Introdução aos Estudos do Lazer (Unicamp);
cas. E-mail: dcos@uerj.br Lazer e Ciências Sociais (Chronos); Temas sobre Lazer, O corpo e o lúdico, Enfoques contempo-
râneos sobre o lúdico e Representações do lúdico (Autores Associados), Turismo, Lazer e Nature-
za (Manole). E-mail: luabola@uol.com.br
Edmur António Stoppa - Graduado em Educação Física pela Unisa. Mestre e doutorando
em Educação Física, na área do lazer, pela Unicamp. Professor do Centro Universitário Claretiano, das
Faculdades Integradas de Guarulhos e membro do Grupo de Pesquisa de Lazer da Facef/Unimep. Autor Janete da Silva Oliveira - Mestranda em Comunicação Social pela Universidade do Esta-
do livro Acampamentos de Férias e co-autor dos livros Lazer e mercado e repertório de atividades do do Rio de Janeiro. Graduada em Ciências e Económicas e também em Relações Públicas. Especialis-
de recreação e lazer, todos pela Editora Papirus. E-mail: stoppa@osite.com.br ta em Pesquisa de Mercado e Opinião Pública pela mesma instituição. E-mail: jan@uerj.br
Euclides Guimarães - Sociólogo pela UFMG e Mestre em Comunicação e Cultura pela João Luís de Araújo Maia - Doutor em Sociologia - Universite de Paris V (Rene Descar-
UFRJ. Professor da PUC-Minas nos cursos da área de Comunicação, lecionando as disciplinas de Histó- tes) em 1993. Atualmente é Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e realiza o
ria da Arte e Sociologia da Comunicação. Trabalha com Teorias Contemporâneas em Cursos de Pós- Pós-Doutorado no PACC da UFRJ. Coordena projeto de pesquisa sobre questões relacionadas à cidade
graduação. Professor colaborador do Curso de Especialização em Lazer da UFMG. E-mail: e à comunidade. Líder de grupo de pesquisa no CNPq - Grupo CAC: comunicação, arte e cidade. É
euclides@pucminas.br editor da revista Logos e da Revista Contemporânea, ambas do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da UERJ. Atua na área de Comunicação, com ênfase em Teoria da Comunicação. E-mail:
jmaia@msm.com.br
Fernanda Pizzi - Produtora editorial (graduada na Escola de Comunicação da UFRJ). Mes-
tranda em "Novas Tecnologias e Cultura" do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UERJ.
Integrante do "Núcleo de Pesquisa sobre Ciberculturas"(CiberIDEA - UFRJ). E-mail: ferpizzi@rio.com.br José Alfredo Oliveira Debortoli - Professor na Escola de Educação Física, Fisioterapia
e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutorado em Educação - PUC Rio.
Autor de publicações sobre a infância, a brincadeira e o ensino de educação física para crianças.
Giovani De Lorenzi Pires - Licenciado e Mestre em Educação Física pela UFSM e Dou-
E-mail: dbortoli@eef.ufmg.br
tor em Educação Física/Ciências do Esporte pela Unicamp. Professor adjunto do Departamento de Edu-
cação Física da UFSC e coordenador do Grupo de Estudos Observatório da Mídia Esportiva/NEPEF/
UFSC. E-mail: giovanipires@cds.ufsc.br Luciana Marcassa - Graduada em Educação Física pela Unicamp, Mestre em Educação
pela UFG, Professora da Faculdade de Educação Física da UFG, Pesquisadora vinculada ao GTT/Lazer
do CBCE com interesse na área de teoria e história do lazer. E-mail: lu.marcassa@uol.com.br
Gisele Maria Schwartz - Licenciada em Educação Física (EEFUSP). Mestre em Educa-
ção Física (FEF/Unicamp) e Doutora em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento Humano
(IPUSP). Coordena o LEL - Laboratório de Estudos do Lazer, do DEF/IB/UNESP - Rio Claro. Profes- Marcelo Weishaupt Proni - Economista, mestre em Ciências Económicas pela Uni-
sora nos cursos de graduação em Educação Física e pós-graduação em Ciências da Motricidade na camp e doutor em Educação Física na Unicamp. É autor do livro A metamorfose do futebol
Unesp - Rio Claro, na linha de pesquisa Estados Emocionais e Movimento. É autora de diversos (lE/Unicamp, 2000) Co-organizador do livro Esporte: história e sociedade (Autores Associados,
2002) e coorganizador do livro Trabalho, mercado e sociedade: o Brasil nos anos 90 (Ed. Unesp, Atua na formação de educadoras de creches e professores das escolas indígenas há 10 anos.
2003). Atualmente, é professor do Instituto de Economia da Unicamp. E-mail: mwproni@eco.unicamp.br E-mail: roget@uai.com.br
Maria Cristina Rosa - Licenciada em Educação Física (UFV).Mestre em Educação Física/ Ronaldo Helal - Professor da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado
Área Estudos do Lazer, Doutoranda em Educação (UNICAMP). Organizadora do Livro Festa, Lazer e do Rio de Janeiro. Doutor em Sociologia pela New York University. Co-autor de A Invenção do País do
Cultura (Papirus) e autora de outras publicações sobre o lazer. Professora da Universidade Federal de Futebol: mídia, raça e ic/oiatria(Mauad,2001),co-organizadorde A Sociedade na Tela do Cinema:
Ouro Preto (UFOP). Email: mariacristinarosa@bol.com.br imagem e comunicação (E-Papers, 2002); autor de Passes e Impasses: futebol e cultura de massa no
Brasil (Vozes, 1997) e de O que é sociologia do esporre (Brasiliense, 1990). E-mail: rhelal@uerj.br
Maria Inês Galvão Souza - Mestre em Ciência da Arte, Licenciada em Educação Física.
Professora do Curso de Bacharelado em Dança/ Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coreógrafa Sérgio Dorenski Dantas Ribeiro - Licenciado em Educação Física pela UFS. Professor
e intérprete da Companhia de Dança Helenita Sá Earp. Coordenador do Núcleo Dança, Cultura e do Departamento de Educação Física da UFS e aluno do Curso de Mestrado em Educação Física do
Sociedade do Grupo de Pesquisa Lazer e Minorias Sociais (www.lazer.eefd.ufrj.br). E-mail: Centro de Desportos/UFSC. Membro do Grupo de Estudos Observatório da Mídia Esportiva - NEPEF/
inesgalvao@bighost.com.br
UFSC. E-mail: dorenski@bol.com.br
Olívia Cristina Ferreira Ribeiro - Licenciada em Educação Física pela Unesp - Uni- Silvana Vilodre Goellner - Doutora em Educação. Professora na Graduação e Pós-Gra-
versidade Estadual Paulista - Rio Claro/SP. Especialista em Lazer e Recreação e Mestre em Estudos do duação do Curso de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora do
Lazer pela Unicamp - Universidade Estadual de Campinas. Docente na Universidade Anhembi-Mo- Centro de Memória do Esporte da ESEF/UFRGS e Pesquisadora do CNPq. Atualmente coordena o Gru-
rumbi/SP nos cursos de Graduação em Lazer e Indústria do Entretenimento, Hotelaria e Turismo. Do- po de Estudos sobre Cultura e Corpo (GRECCO). Entre suas publicações destaca-se Bela, maternal e
cente no SENAC/SP na Graduação em Turismo e Hotelaria e nos cursos de Pós-Graduação em Lazer e feminina: imagens da mulher na Revista Educação Physica (Editora Unijuí, 2003) e Corpo, gé-
Administração Hoteleira. E-mail: oliviarib@uol.com.br nero e sexualidade, livro organizado juntamente com Guacira Louro e Jane Neckel (Vozes, 2003).
E-mail:goellner@terra.com.br
Patrícia Zingoni - Mestre em Educação pela Universidade São Marcos/SP. Assessora de
Gerência de Projetos Especiais da Prefeitura de Belo Horizonte. Coordenadora Pedagógica do Projeto Silvia Cristina Franco Amaral - Professora do Departamento de Educação Motora -
Criança Esperança em Belo Horizonte. Membro do Centro de Estudos de Lazer e Recreação - Celar/ Faculdade de Educação Física - Unicamp. Doutora em Educação Física - Estudos do Lazer - Faculda-
UFMG. E-mail: zingoni@terra.com.br de de Educação Física da Unicamp com estudos realizados na área de Políticas Públicas de Lazer. Auto-
ra de artigos em periódicos científicos nacionais e internacionais. E-mail: scfa@omega.fef.unicamp.br
Ricardo Antunes - Professor Titular de Sociologia do Trabalho no IFCH/Unicamp. Publi-
cou os livros: Os Sentidos do Trabalho (Boitempo); Adeus ao trabalho?(Cortez l Editora Unicamp, Valquíria Padilha - Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp - Doutorado "sanduíche"
publicado também na Itália, Espanha, Argentina, Venezuela e Colômbia); A rebeldia do trabalho (Edi- realizado na Université de Bourgogne, Dijon, França. Mestre em Sociologia pela Unicamp. Especialis-
tora da Unicamp); O novo sindicalismo no Brasil (Editora Pontes); Classe Operária, Sindicatos e ta em Recreação e Lazer pela Unicamp. Autora do livro Tempo livre e capitalismo: um par imperfei-
Partido no Brasil (Editora Cortez.); O que é sindicalismo? (Brasiliense), dentre outros. Coordena a to, Campinas: Alínea, 2000. Endereço eletrônico: valpadilha@terra.com.br
Coleção Mundo do Trabalho (Boitempo) e colabora em revistas e jornais nacionais e estrangeiros.
Email: rantunes@unicamp.br
Vânia de Fátima Noronha Alves - Graduada em Educação Física (UFMG). Especialis-
ta em Lazer (UFMG) e em Educação Física escolar (PUCMG). Mestre em Educação (UFMG). Douto-
Ricardo Ferreira Freitas - Doutor em Sociologia pela Universidade Paris V/Sorbonne, randa em Educação (USP). Professora de Lazer e Recreação no Curso de Turismo e Gestão em Hotela-
Mestre em Comunicação pela UFRJ e graduado em Relações Públicas pela UERJ. Professor adjunto da ria da FACE/FUMEC. Autora do livro O corpo lúdico Maxacali: segredos de um "programa de
Faculdade de Comunicação Social da UERJ. Autor do livro Centres commerciaux: iles urbaines de Ia índio (FUMEC-FACE, C/ Arte). E-mail: vanialnoronha@hotmail.com
postmodernité, editado pela L'Harmattan, Paris. Organizador da coletânea Desafios contemporâne-
os em comunicação, editada pela Summus, São Paulo. Email: rfreitas@uerj.br
Vera Lúcia Alves Batista Martins - Graduada em Sociologia e Política e em Adminis-
tração Pública pela UFMG. Mestre em Administração (CEPEAD/UFMG). Especialista em: Desenvolvi-
Rogério Correia da Silva - Professor do ensino fundamental. Mestre em Educação mento Económico (CEPAL/ILPES); Administração (Fundação João Pinheiro/Universidade de Colum-
(UFMG) e Brincante, pesquisou sobre a presença da televisão nas brincadeiras de crianças. bia); Ecologia Urbana (PUC-Minas/Universidade de Bolonha); Política Social (UNB) e Relações
Internacionais (PUC-Minas). Professora Adjunta dos Cursos de Relações Internacionais e de Tu-
rismo na PUC-Minas. Autora de artigos sobre qualidade de vida, exclusão social e política social.
E-mail: velumar@globo.com