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Mestre (1993) e doutor (1999) em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP). É professor associado da Universidade Federal do Maranhão, lotado no
Departamento de Sociologia e Antropologia (Desoc) e docente do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais (PPGCSoc). É membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), e
membro do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFMA.
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A partir das nações africanas que para cá foram trazidas, no corpo dos escravizados, temos hoje
segundo o amálgama em vigor o candomblé, umbanda, tambor-de-mina, batuque, xangô, baião
das princesas, canjerê, entre outras denominações.
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populações afro-brasileiras, cuja marca cultural pode ser vista pela manifestação
religiosa que é apresentada, tendo como gênese a religião de matriz africana, tra-
zida nos corpos dos escravizados(as) durante o suplício escravocrata.
Para dar início a esta discussão no espaço resumido que o texto oferece
(sem a intenção de aqui esgotá-lo), o faremos a partir dos aspectos relacionados
com a periferização das comunidades-terreiro da religião afro-brasileira no país.
Designa-se o termo comunidade-terreiro ao local onde acontecem as cerimônias
sagradas em louvor as divindades do panteão da religião afro-brasileira. A unifi-
cação dos termos nos dá a exata medida da complexidade existente na ritualística
encontrada seja no candomblé, tambor-de-mina, umbanda, etc. “Comunidades”
estariam vinculadas as atividades sociais ou religiosas executadas intramuros;
tudo que lá é feito possui a característica de o ser a partir do ponto de vista
coletivo, embora as ações individuais tenham um papel importante (o orixá é
individualizado, as oferendas são únicas...). O “terreiro” aproxima-se da noção de
território (profano ou sagrado), no qual estão assentadas as matrizes da família
ancestral, no qual as divindades “montadas” em seus filhos são homenageadas nas
festas públicas, refazendo assim a circularidade do mito fundador através do rito.
A comunidade-terreiro é o espaço da ambivalência, da assimetria.
que deverá conter as edificações como o espaço-mato. Desde fins do século XIX,
observamos que o crescimento das cidades e seu desenvolvimento têm proporcio-
nado a diminuição do terreno ocupado pelas comunidades-terreiro. Tal situação
tem acarretado problemas tanto da ordem social como ritual. Se por um lado
com o espaço diminuto as acomodações se tornam mais acanhadas, dificultando
o desenrolar do rito pelo povo-de-santo, há também dificuldades de lotação pelos
simpatizantes, principalmente nas cerimônias mais procuradas ou nos dias de mu-
danças bruscas na temperatura; por outro lado, sem a existência do local para o
recolhimento das ervas e plantas corre-se o risco de proceder mudanças rituais que
venham a desconfigurar os procedimentos herdados através da “família de santo”.
Devemos mencionar também a importância que deve ser dada aos locais
sagrados onde são depositadas as oferendas para as divindades, fruto das festas
públicas realizadas nas comunidades-terreiro. A existência de um local previa-
mente escolhido com essa função é condição sine qua non para a continuidade das
cerimônias religiosas afro-brasileiras. Os argumentos acerca deste assunto reves-
tem-se de essencialidade pelo momento no qual atravessa a sociedade brasileira,
que tem considerado a pertinência em preservar o meio ambiente. Certamente o
povo-de-santo deve ser instruído a “arriar” as obrigações nos locais estabelecidos,
porém retirá-los três dias depois, evitando que outros animais possam ingerir as
substâncias em estado de decomposição, criando assim uma espiral de contami-
nação. É, portanto necessário que as comunidades-terreiro estejam dialogando
constantemente com os setores públicos a fim de encontrar soluções viáveis que
possam contribuir com a resolução de possíveis problemas futuros. Resta-nos
indagar: estarão as comunidades-terreiro preparadas para suportar as mudanças
que estão sendo feitas na paisagem urbana das cidades contemporâneas, cuja ação
tende a colocar em risco a continuidade da religião afro-brasileira?
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A pesquisa foi apoiada ainda pela Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, Secreta-
ria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
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Este conceito pode ser resumido na seguinte formulação: “toda e qualquer prática empresarial,
política governamental ou semi-governamental, de cunho legislativo ou administrativo, ainda
que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser condena-
da por violação do princípio constitucional da igualdade material, se em consequência de sua
aplicação resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas
categorias de pessoas”. (GOMES, 2001, p. 24).
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Essa práxis tem colocado o povo-de-santo nas ruas das grandes e peque-
nas cidades, no movimento que se denominou de caminhada contra a intole-
rância religiosa. Pari passu a reflexão acerca do significado que as atitudes contra
a religião afro-brasileira possuem tem aumentado na mesma proporção que a
participação dos adeptos, simpatizantes desta e de outras religiões no movimento
deflagrado. A partir dessas ações, podemos perceber a espiral ascendente que se
forma na direção da consciência cada vez maior da importância que tem a religião
afro-brasileira no interior da cultura nacional. Recentemente, o movimento con-
tra a intolerância religiosa instituiu a campanha “quem é de axé diz que é!”, vi-
sando incentivar o povo-de-santo junto ao censo demográfico brasileiro de 2011,
a assumir-se como adepto do candomblé, da umbanda, do tambor-de-mina, da
pajelança, do xangô, do batuque entre outros.
The researcher Jaime Sodré, in the book that speaks of the sculptural
work of Mestre Didi mentions at one point as the condition of the Candomblé
religion, broadening their understanding and meaning beyond the ritual only. I
take the liberty of quoting this passage in an attempt that could reverberate in
our minds inviting us to share more and more.
Provided a mythical system, intends to interact in human actions, aiming at
the welfare of his spiritual point of view, having to do so, a theogony explaining
the actions of individuals in all his experience, addressing a month, providing
a future the manipulation of reality, giving men the possibility to believe in a
vibrant existence, far from a passive, richly creative, in constant update of their
potential. (SODRÉ 2006, p. 129).
Referências
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade: o direito
como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
LÜHNING, Ângela. Ewé: as plantas brasileiras e seus parentes africanos. In: CAROSO, Carlos;
BACELAR, Jéferson. (Orgs.). Faces da tradição afro-brasileira: religiosidade, sincretismo, anti-
sincretismo, reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. Rio de Janeiro: Pallas;
Salvador: Ceao, 2006.
BRASIL. Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial. Resoluções da II Conapir¸ 2009.
Disponível: <http://www.seppir.gov.br/publicacoes/iiconapir.pdf>. Acesso: 30 set. 2011.
SODRÉ, Jaime. Influência da Religião Afro-Brasileira na obra escultórica do Mestre Didi. Salvador:
Edufba, 2006.