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Pempamsie

Pempamsie see bebirebe aho oden ne koroye

A unidade é a força. Esteja preparado. Fique atento.


Simbolo da prontidão, da persistência, resistência, bravura e coragem.

O ENSINO DA HISTÓRIA E CUL-


TURA AFRO-BRASILEIRAS E A TE-
MÁTICA RELIGIOSA: DILEMAS
ENFRENTADOS NA APLICAÇÃO
DA LEI No­10.639/03­1­­­­
Liliana Porto2

A abordagem da história e cultura afro-brasileiras, em es-


pecial da temática religiosa, na aplicação da Lei no10639/03 traz
uma série de dificuldades aos professores do ensino fundamental
e médio. Por um lado, pelo desconhecimento deste conteúdo, re-
sultante de processos de formação com currículos essencialmente
eurocentrados. Mas também devido à necessidade de enfrentar
contextos de preconceito conjugados que caracterizam o senso
comum brasileiro: preconceito racial, religioso, e o grande te-
mor à feitiçaria que perpassa nossa sociedade, e que se relaciona
tanto ao preconceito racial quanto religioso. Tendo em vista esta
situação, não caberia aqui fazer apenas uma retomada e esclare-
cimento sobre características das religiões afro-brasileiras – uni-

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1
Agradeço a Paulo Dias a leitura atenta e as sugestões que dela resultaram.
2
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (1992),
mestrado (1997) e doutorado (2003) em Antropologia pela Universidade de Brasília.
Atualmente é professora adjunto do Departamento de Antropologia da Universidade
Federal do Paraná. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropolo-
gia Rural (destaque para o estudo de Povos e Comunidades Tradicionais), Antropologia
das Populações Afro-Brasileiras, Cultura e Religiosidade Populares, Ações Afirmativas.
Atua principalmente nos seguintes temas: magia, comunidades quilombolas e faxinalen-
ses, relações raciais, patrimônio imaterial, catolicismo popular, cotas no ensino superior.

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verso complexo que não se restringe, como em geral se supõe,
a perspectivas unificadas do candomblé e da umbanda –, o que
responderia somente a parte da primeira das dificuldades acima
colocadas. É fundamental também refletir sobre o segundo dos
problemas levantados – a conjugação dos preconceitos racial e
religioso, perpassada pelo temor à magia – que gera resistências
e reações afetivas (muitas vezes intensas) tanto no corpo docen-
te quanto discente, impedindo até mesmo que as temáticas se-
jam abordadas. Ou, em alguns casos, levando a que a exposição
das dinâmicas das religiões afro-brasileiras tenha resultado opos-
to àquele visado – ou seja, que este conhecimento seja tomado
como reforço dos preconceitos religiosos e raciais preexistentes.

Foram as considerações acima que estimularam a redação
deste texto tal como se propõe. Nele, partimos de uma refle-
xão sobre as relações entre religião, magia e preconceito racial
no Brasil, fundamentais para que os professores compreendam os
dilemas e as resistências enfrentados ao se trabalhar com a temá-
tica no ensino fundamental e médio, bem como que possam ela-
borar estratégias para lidar com contextos específicos de sala de
aula. Em seguida, fazemos uma breve reflexão sobre as religiões
de matriz africana – com destaque para as religiões de orixás/vo-
duns, mas ressaltando também as especificidades das religiões de
origem banto3 – e a umbanda (pensada como uma religião sincré-
tica e brasileira, que contém em si importante diversidade inter-
na). Neste momento, as relações e divergências entre a umbanda
e o candomblé serão fundamentais. No entanto, não esgotamos
aí a análise, pois o universo do cristianismo também é essencial
para se pensar a influência africana na constituição e perfil atual
da religiosidade brasileira. Consideramos, portanto, a relevância
das irmandades religiosas de “homens pretos” – inclusive de seus

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ritos e festas que celebram os santos de devoção – na formação
do catolicismo nacional. Ao final, passamos às religiões neopente-
costais, a partir do modelo da Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD). Esta será abordada sob duas perspectivas: por um lado,
a maneira pela qual a “guerra santa” por ela preconizada reforça
o preconceito racial/religioso a que nos referimos e dificulta o
estudo das religiões afro-brasileiras; por outro, como o universo
afro-brasileiro é fundamental na constituição da IURD – que im-
porta (embora invertendo) vários símbolos e seu calendário ritual
(principalmente da umbanda), bem como os reitera e reconhece
sua eficácia. Esperamos que, desta forma, seja possível simulta-
neamente trazer informações necessárias e auxiliar na compre-
ensão dos contextos concretos de dificuldade enfrentados pelos
professores ao discutir a religiosidade afro-brasileira. Pois, apesar
do discurso prevalente, no senso comum, do país como caldeirão
cultural e marcado pela “democracia racial”, na prática, como se
explicitará, a visão construída do negro e de sua religião os vin-
cula a características não só desvalorizadas, mas também social-
mente condenadas. Sabemos, contudo, que a tarefa de questio-
nar ideias consolidadas ao longo de séculos não é nada simples4 .

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3
Como se esclarecerá ao longo do texto, estudiosos sobre negros do Brasil, inspira-
dos por Nina Rodrigues (1988), dividem-nos em dois grandes grupos de origens diver-
sas no contexto africano: sudaneses, provenientes da região subsaariana (África seten-
trional), e bantos, originários do centro-sul da África (África meridional). As religiões
de orixás vinculam-se ao primeiro desses grandes grupos – que, por sua vez, subdivi-
dem-se em várias nações distintas: dentre os sudaneses estão os nagô, jeje, mina, haus-
sás, malês, entre outros; dentre os bantos, angola, moçambique, congo, cabinda, etc.

A bibliografia presente no final do texto pode servir de guia para o esclareci-


4

mento e aprofundamento de questões levantadas ao longo dos tópicos seguintes.

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I. INTRODUÇÃO: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS RELA-
ÇÕES ENTRE RELIGIÃO, MAGIA E PRECONCEITO RACIAL
NO BRASIL
Nossa experiência com cursos de formação sobre história
e cultura afro-brasileiras para professores do ensino fundamental
e médio no Paraná indicam os empecilhos enfrentados pelos par-
ticipantes ao tentar levar para o contexto de sala de aula a temática
religiosa, principalmente quando o foco são as religiões afro-bra-
sileiras. Os relatos ouvidos apontam o desconhecimento do tema,
mas, principalmente, as resistências apresentadas por alunos, pais
e mesmo colegas professores e funcionários das instituições de
ensino. Sendo assim, é fundamental a todos que pretendem am-
pliar sua reflexão neste sentido a adoção de uma postura de fle-
xibilidade e a disposição de abrir mão de preconceitos e ideias
já estabelecidas como verdades (mesmo que temporariamente).
Em outras palavras, deixar de lado condenações racionais e mo-
rais, e tentar identificar de que maneira tais condenações foram
elaboradas, de onde partiram e como se sustentam. Não só reco-
nhecer a diversidade e complexidade inerentes ao mundo, mas
apostar no seu potencial em termos de abertura, ampliação de
nossa reflexividade e capacidade de pensar e agir. Com efeito, ou-
tros modos de ser e viver trazem consigo saberes diferenciados e
perspectivas interessantes sobre o cosmos, o ambiente, a socieda-
de em que vivemos, e sobre os quais podemos, também, intervir.

Tentando contribuir para a desconstrução de ideias pre-


conceituosas gestadas ao longo de toda a história nacional e
muito arraigadas, e a fim de considerar a situação complexa
enfrentada no cotidiano escolar quando se estudam as religi-
ões afro-brasileiras, gostaríamos de iniciar elencando algumas
questões que se colocam quando se pretende pensar a contri-
buição dos negros na formação do universo religioso brasileiro:

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Ao se falar na constituição e perfil da religiosidade nacional, é
importante partir da premissa de que não se está referindo a um
período específico em que esta teria sido gerada, ou mesmo a um
processo já concluído. Ao contrário, refletir sobre as influências
africanas no quadro religioso nacional exige que se considerem pro-
cessos históricos que remontam ao período colonial e se estendem
até os dias de hoje, apontando sistemas de dominação, segregação e
resistência ao longo deste tempo. Com efeito, a religiosidade bra-
sileira é tanto muito diversificada quanto dinâmica, está em cons-
tante reconfiguração. Reconhecer tal dinamicidade é fundamental
para se pensar a questão das religiões afro-brasileiras e de sua po-
sição no cenário religioso mais amplo. Principalmente quando o
foco é o sistema educacional, pois tanto professores quanto pais e
alunos reagem à temática de acordo com seus próprios contextos
sócio-culturais e religiosos. Citamos como exemplo relevante da
dinâmica contemporânea a propagação das denominações evan-
gélicas – com destaque para as neopentecostais e a demonização
explícita das religiões afro-brasileiras realizada por algumas de-
las –, que altera o quadro religioso atual de forma muito parti-
cular, estimulando o recrudescimento da intolerância religiosa;

Embora se usem termos gerais, como “influência africana”,


“religiosidade brasileira”, entre outros, faz-se necessário refor-
çar a multiplicidade do universo mágico-religioso no Brasil, bem
como dos grupos de negros que vieram para o país. É sempre
importante lembrar que os “negros”, vistos como categoria uni-
ficada, não são uma realidade africana, mas consequência do sis-
tema escravista – que reúne sob esta denominação e a condição
de escravos membros de povos que, no continente de origem,
são não só muito diferentes, mas também eventualmente desco-
nhecidos uns dos outros, ou mesmo rivais. E que possuem or-
ganizações sociais, pensamentos e comportamentos variados;

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No Brasil, há uma conjugação entre preconceito racial, pre-
conceito religioso e condenação moral da magia. Em outras
palavras, abordar a temática das religiões afro-brasileiras leva à
necessidade de enfrentar as constantes e muitas vezes veladas
acusações dirigidas a elas a partir de sua identificação com o uso
de magia maléfica – feitiçaria ou “magia negra”. Em outras pala-
vras, aciona-se como base para a compreensão um sistema clas-
sificatório que aproxima o catolicismo e as religiões cristãs em
geral do pólo “religião”, enquanto as religiões afro-brasileiras são
identificadas com o pólo oposto, moralmente condenado, da fei-
tiçaria ou “macumbaria”. Esta identificação, por sua vez, reforça
e é reforçada por uma perspectiva dicotômica do mundo, que
o divide em “bem” e “mal”. Estabelece-se, então, um ideal que
valoriza a estética e as práticas vinculadas a um modelo bran-
co como expressão do “bem”, enquanto a estética e as práticas
identificadas com os negros seriam identificadas com o “mal”5
. Enfrentar as dificuldades colocadas por este preconceito, que
se desdobra e reforça, é condição para que as influências africa-
nas no cenário religioso nacional sejam desvinculadas de qual-
quer condenação moral. Bem como que as religiões afro-brasi-
leiras possam ser conhecidas e respeitadas na sua especificidade.

Esta última questão, por sua vez, nos leva a iniciar nos-
sas reflexões a partir do lugar ocupado pelo “medo do feiti-
ço” no Brasil, como ressalta Yvonne Maggie (1992) no títu-
lo de seu livro. Com efeito, a prevalência deste temor entre
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5
Rita Fazzi (2004), em O Drama Racial das Crianças Brasileiras. Socialização en-
tre Pares e Preconceito, ao estudar escolas públicas do ensino fundamental em
Belo Horizonte, identifica três eixos de construção do racismo entre as crian-
ças, que refletem o que apontamos aqui: as ideias de que “preto é feio”, “ladrão é pre-
to” e “preto parece o diabo”. Em outras palavras, expressões que conjugam o esté-
tico ao comportamental e ao religioso, em todos os casos reforçando sua negatividade.

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praticamente todos os grupos sociais do país – independen-
te de origem étnica, social, cultural, econômica – se conso-
lida desde o período colonial e se estende até a atualidade.

No entanto, se é possível perceber o temor à feitiçaria em


praticamente todos os brasileiros, sua prática não é atribuída a
todos os grupos, mas as acusações se dirigem essencialmente a
não brancos – indígenas e negros – e, em alguns contextos, es-
pecificamente aos negros. Assim, em Os desclassificados do
ouro, Laura de Mello e Souza (1986), analisando as devassas
eclesiásticas ocorridas nas regiões das Minas entre 1721 e o prin-
cípio do século XIX, afirma, após analisar um dos casos descritos:
Excetuando-se este caso, onde surge com força o sobrenatural e
os pactos demoníacos, a tônica dos outros episódios de feitiçaria
é a cura e o misticismo de raízes africanas. O que transparece em
todos eles é uma certa dificuldade de integração ao meio social
por parte dos indivíduos que exercem essas práticas. Havia, por
um lado, o repúdio da sociedade: negros em sua grande maioria,
esses indivíduos traziam na cor da pele a presença de um mun-
do secreto e desconhecido, de que a feitiçaria era um dos ecos
ameaçadores. O africano podia ser escravo dócil e serviçal; mas
por detrás dessa aparência inofensiva escondia-se o protagonista
da rebelião e da revolta, o representante misterioso e traiçoeiro de
uma humanidade diferente e perigosa, o feiticeiro que subvertia
o mundo ordenado dos brancos e instaurava o caos (1986: 189).

Aqui, é importante ressaltar que tais devassas represen-


tam o registro das representações oficiais do catolicismo so-
bre a temática. São, neste sentido, a perspectiva do sistema
dominante branco e católico sobre a diversidade, consolidan-
do tal perspectiva e construindo o outro como intrinsecamen-
te ameaçador e vinculado ao “mal”. É a forma de ser no mun-
do católica e branca que atribui legitimidade aos sujeitos.

Acrescente-se, ainda, que não só as práticas religiosas de

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não brancos são desqualificadas e identificadas como feitiçaria,
mas também práticas semelhantes, realizadas por pessoas diferen-
tes, vão ser avaliadas de maneiras distintas. É o que aponta Mário
Sá (2010) ao analisar a documentação sobre a Devassa da Visi-
ta Geral da Comarca Eclesiástica de Cuiabá, ocorrida em 1785.
Neste texto, o autor indica como, embora o “medo do feitiço” seja
geral, não é possível dizer o mesmo sobre a “cor do feitiço”. Isto
pode ser percebido na análise dos perfis raciais de denunciadores e
denunciados, em que os primeiros são majoritariamente brancos,
mas também índios e pardos, enquanto os segundos principal-
mente índios, pardos e negros6 . Há uma incidência significativa
de denúncias de índios a outros índios aos visitadores, mas a pre-
dominância da acusação de negros por brancos. Além disso, Sá ob-
serva que “delitos” de mesmo tipo, como processos divinatórios,
são classificados de maneiras distintas quando os perfis raciais dos
denunciados são diversos: assim, enquanto adivinhações feitas por
brancos são definidas como magia – um “delito” mais brando –,
práticas semelhantes realizadas por negros constituem feitiçaria
– “delito” bem mais grave. Em outras palavras, interpretações dis-
tintas para ações semelhantes, orientadas pelo preconceito racial.

A situação de conjugação de preconceito racial e re-


ligioso permanece nos séculos posteriores. Lilia Schwarcz
(1988), ao analisar as imagens do negro presentes na impren-
sa paulista da segunda metade do século XIX, afirma que:
... nesses artigos que combinavam ironia com um grande “mau
gosto”, as práticas africanas eram descritas – assim como nos
diz Roger Bastide com relação ao negro na literatura brasi-
leira – ressaltando-se antes de tudo os estereótipos negati-
vos comumente empregados com relação ao negro: a feiti-
çaria, a violência, a degeneração, a imoralidade (1988: 110).
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A categoria bastardos também aparece, mas não é tão relevante numericamente nem para
nossa análise.

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Desta maneira, se dá continuidade à construção de uma
visão do negro como por princípio condenável tanto do pon-
to de vista moral (feiticeiro, praticante de “magia negra”7 )
quanto corporal (neste caso esteticamente – contrapondo-se
ao padrão de beleza branco, com “cabelo ruim”, “feio” – e hi-
gienisticamente – visto como “sujo”, alcoólatra, sexualmente
degenerado, etc.). Preconceito fundamental para a garantia de
manutenção da dominação branca, imposição de padrões de
comportamento e pensamento europeus, bem como legitima-
ção da presença negra nas camadas mais baixas da população.

Esta imagem da discriminação construída sistematicamente


nos jornais, por sua vez, transfere também à África os estereótipos
citados: o continente é retratado como bárbaro, incivilizado, atra-
sado, inferior, repleto de “monstruosas superstições”. Claramente
contrastante com a imagem de uma Europa esclarecida, civilizada,
rica e modelo para os demais, sobre a qual os artigos “funcionavam
como verdadeiros elogios das práticas imperialistas” (Schwarcz,
1988: 113). Neste sentido, é fundamental ressaltar o lugar que a
religiosidade negra ocupa na construção do quadro citado. Não
apenas a feitiçaria é tema dos jornais, mas retratada, por um lado,
como superstição e ignorância (negando sua eficácia), enquanto,
por outro, crueldade (com sua eficácia reconhecida e temida). No
segundo caso, curiosamente mais condenada quando dirigida aos
senhores de escravos, embora a crueldade da escravidão seja des-
considerada. As acusações de feitiçaria, além disso, normalmente
se vinculam à referência a “batuques” e outras práticas religiosas
dos negros. Uma síntese deste contexto é feita por Roger Bastide:
O branco não podendo compreender uma religião tão
diferente da sua, julgava-a “demoníaca” já que não era
cristã. O dualismo social se prolongou por conseguinte –

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justificando-se também – pela oposição entre as forças do
Bem, que iam de Deus ao senhor de engenho, e as forças
do Mal, que iam de Satã até os seus sequazes das senzalas
e dos mocambos. Assim, ele recuperou a “boa consciên-
cia”, e as danças místicas dos negros, ao redor de suas
pedras lavadas de sangue de animais sacrificados, torna-
vam válida, aos seus olhos, a distância social que manti-
nha entre si e eles. A definição de civilizações africanas
como diabólicas foi uma racionalização da brutalidade e
da falta de humanidade da escravidão (1985: 198-199).

A abolição e o advento da república não somente não


alteram o contexto delineado, mas em certo sentido o agra-
vam. A iminência do fim da escravidão – regime que fazia com
que as fronteiras entre brancos e negros ficassem bem esta-
belecidas8 – leva a que o grande contingente de população
negra do Brasil passe a ser um problema político e uma ques-
tão significativa para os grupos dominantes: como manter
seu espaço de prestígio e poder agora que o muro da escravi-
dão foi derrubado? A reafirmação do preconceito racial/re-
ligioso é uma resposta importante a esta pergunta das elites.

Esta situação é potencializada, por sua vez, pelo projeto
político republicano, marcado por uma proposta de moderniza-
ção, higienização e branqueamento do país. Neste sentido, a di-
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7
A expressão “magia negra” é ilustrativa da relação entre preconceito reli-
gioso e racial que estamos discutindo. A afirmação da existência na umban-
da de “mesa branca” (moralmente mais legítima) aponta na mesma direção.
8
O estabelecimento de uma sinonímia entre negro e escravo no Brasil – ex-
pressa, por exemplo, no risco constante enfrentado pelos negros livres e liber-
tos de se verem novamente sujeitos à escravidão por ação da autoridade poli-
cial ou de senhores de escravos (cf. Souza, 1986) – demonstra como a cor da pele,
durante o período escravista, é em si a garantia de uma divisão quase intransponível en-
tre brancos e negros. Em outras palavras, com o fim da escravidão se torna necessário
garantir essas divisões e o lugar privilegiado dos brancos através de outras estratégias.

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versidade cultural brasileira passa a ser vista como um empecilho
para a construção da identidade nacional visada, do que resultam
projetos de imigração europeia, intervenção no espaço urbano,
bem como criminalização de práticas populares – algumas delas
caracteristicamente negras, como o caso da capoeira. Com relação
à temática aqui abordada, pela primeira vez práticas vinculadas à
religiosidade afro-brasileira são criminalizadas no Código Penal
de 1890 (cf. Maggie, 1992, Schritzmeyer, 2004). No entanto, não
como criminalização à religião, mas como repressão à “magia” –
pois a constituição republicana de 1891 separava o Estado da Igre-
ja e garantia a liberdade religiosa no país. Assim, como ressalta
Schritzmeyer, os dispositivos do Código Penal republicano que in-
cidem sobre esta temática “concentram-se no Título III – Dos Cri-
mes contra a Tranquilidade Pública – Capítulo III – Dos Crimes
contra a Saúde Pública, especialmente nos arts. 156 a 158” (2004:
76). Estes abordam o exercício não autorizado da prática médi-
ca, dentária ou farmacêutica (Art. 156); a prática do espiritismo,
magia e seus sortilégios (Art. 157); o desempenho da atividade de
curandeiro (Art. 158). Oficializa-se, em outras palavras, o direi-
to policial de intervenção nos templos e cultos das religiões afro
-brasileiras, mas através de sua identificação com a magia. Que,
por sua vez, é lida como risco à saúde da população – pela junção
de perspectivas jurídicas e médicas que percebem em tais práticas
populares uma ameaça não só ao corpo dos cidadãos, mas ao cor-
po social da República. Podemos afirmar, em síntese, que a iden-
tificação da religiosidade afro-brasileira com a magia se torna aqui
estratégica, pois permite no ano seguinte afirmar a liberdade reli-
giosa sem, com isto, torná-la efetiva para as religiões dos negros.

Não é, portanto, por acaso que algumas das principais re-


ferências sobre os estudos do negro no Brasil produzidas no final

195
do século XIX e primeira metade do século XX o tenham sido
por médicos (Nina Rodrigues, Arthur Ramos). O primeiro de-
les explicitamente adepto das teorias científicas racistas predo-
minantes na época. As temáticas das diferenças evolutivas entre
raças, da miscigenação, das possibilidades de instaurar o “progres-
so” no país fazem com que o negro se torne um problema e, ao
mesmo tempo, um tema fundamental e legítimo de pesquisa no
advento da República. E embora posteriormente as teorias ra-
cistas sejam explicitamente abandonadas, modelos classificatórios
e de interpretação do contexto dos negros no Brasil construí-
dos por Nina Rodrigues se mantêm como quadro interpretati-
vo das manifestações de africanos e seus descendentes no país9 .

No final do século XIX, em O Animismo Fetichis-


ta dos Negros Baianos, Nina Rodrigues (2006) apon-
ta a prevalência do temor e da recorrência ao feitiço em toda
a sociedade baiana, em trecho que relaciona diretamen-
te o ser negro com a feitiçaria – contribuindo para a cons-
trução do vínculo entre preconceito racial e religioso:
Para nos servir da expressão de Tylor ou melhor da expressão con-
sagrada na Costa d’África, pode-se afirmar que na Bahia todas as
classes, mesmo a dita superior, estão aptas a se tornarem negras. O
número dos brancos, mulatos e indivíduos de todas as cores e ma-
tizes que vão consultar os negros feiticeiros nas suas aflições, nas
suas desgraças, dos que creem publicamente no poder sobrenatural
dos talismãs e feitiços, dos que, em muito maior número, zombam
deles em público, mas ocultamente os ouvem, os consultam, esse
número seria incalculável se não fosse mais dizer de modo geral
que é a população em massa, a exceção de uma pequena minoria
de espíritos superiores e esclarecidos que tem a noção verdadei-
ra do valor exato dessas manifestações psicológicas (2006: 116).

Além de deslegitimar a religiosidade negra, neste trecho


Nina Rodrigues recusa a importância dos negros em atividades de
atendimento e cura desenvolvidos por este grupo social desde que

196
aportaram no Brasil. Não somente sua cosmologia é desvalorizada,
mas também seu conhecimento sobre doenças e seus tratamentos
desconsiderados. E este é mais um aspecto relevante na invisibili-
zação da importância do negro para a constituição da religiosidade
brasileira, pois entre nós religião e cura sempre estiveram vincu-
ladas. Com efeito, processos de adoecimento e cura são caminhos
importantes nas dinâmicas de conversão e trânsito religioso no país.
A perspectiva sobre as práticas religiosas afro-brasileiras
presente nos ambientes de elite intelectualizados, no entanto,
não é exclusiva deles, como se pode perceber em texto do se-
gundo autor da época citado como uma das primeiras referên-
cias no estudo sobre o tema: João do Rio. O autor publica, em
1904, uma série de reportagens intituladas As Religiões do
Rio, na Gazeta de Notícias, com grande sucesso. Estas se ba-
seiam em investigações realizadas por ele com este fim, em que
visita as regiões da cidade em que as várias religiões são predo-
minantes e convive com adeptos e frequentadores. Dentre elas,
os textos intitulados “No mundo dos feitiços” têm um destaque
significativo. Neles, o jornalista faz afirmações que demons-
tram como o preconceito racial/religioso consolidado nos sécu-
los anteriores é uma realidade no início do século XX. Apenas
como exemplo, citamos um dos trechos em que ele se evidencia:
As iaôs10 abundam nesta Babel da crença, cruzando-se com a gente
diariamente, sorriem aos soldados ébrios nos prostíbulos baratos,
mercadejam doces nas praças, às portas dos estabelecimentos co-
merciais, fornecem ao hospício a sua cota de loucura, propagam a
histeria entre as senhoras honestas e as cocotes, exploram e são ex-
ploradas, vivem da crendice e alimentam o caftismo inconsciente.
As iaôs são as demoníacas e as grandes farsistas da raça preta, as ob-
sedadas e as delirantes. A história de cada uma delas, quando não é
sinistra pantomima de álcool e mancebia, é um tecido de fatos cru-
éis, anormais, inéditos, feitos de invisível, de sangue e de morte. Nas
iaôs está a base do culto africano. Todas elas usam sinais exteriores
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9
Apesar da postura racista, Nina Rodrigues produz trabalhos de grande qualidade, que
são referências ainda hoje – o que ajuda a compreender sua grande influência posterior.
10
Nome dado às mulheres que estão em processo de iniciação nos candomblés.

197
do santo, as vestimentas simbólicas, os rosários e os colares com as
cores preferidas da divindade a que pertencem; todas elas estão li-
gadas ao rito selvagem por mistérios que as obrigam a gastar a vida
em festejos, a sentir o santo e respeitar o pai de santo (2006: 35-36).

Aqui, de maneira muito mais grotesca que em Nina Rodri-


gues, em um texto de divulgação que se tornou best-seller pou-
co tempo após publicação em livro, os vários caminhos do pre-
conceito se explicitam. Primeiro, o texto está no capítulo sobre
feitiço. Além disso, vincula de maneira direta degradação moral,
degradação física, desonestidade, anomalia e selvageria às religi-
ões afro-brasileiras e seus membros. Não há um esforço de com-
preensão das dinâmicas próprias de tais religiões, de suas visões
de mundo, de seus ritos. A condenação antecede o conhecimento.

Mas se algumas destas ideias permanecem no senso comum
até os dias de hoje – fortalecidas, inclusive, pelo discurso de certas
igrejas neopentecostais – há uma modificação do contexto acadê-
mico em que os estudos sobre o negro ocorrem ao longo da primeira
metade do século XX. Distanciando-se da área médica e jurídica,
eles passam a se concentrar nas ciências humanas, e a adotar uma
postura muito mais relativista. Ilustrando esta mudança, Roger
Bastide (2001), já na segunda metade do século XX, afirma que:
... é preciso mostrar ainda que esses cultos não são um te-
cido de superstições, que, pelo contrário, subtendem
uma cosmologia, uma psicologia e uma teodiceia; enfim,
que o pensamento africano é um pensamento culto (:24).

No entanto, mesmo este autor, um clássico nos estudos


sobre “as religiões africanas no Brasil” (título de um de seus li-
vros) traça uma distinção entre a “tradição” e o uso (deslegitima-
dor) da magia – em geral vinculada aos bantos –, como é possível
perceber nos seguintes trechos, o primeiro deles falando de Exu:

198
Os candomblés tradicionais que se recusam a trabalhar
com a magia ou, segundo a expressão consagrada, “trabalhar
à esquerda”, tomam todo cuidado para não confundir Exu com
o diabo. Entre eles é que encontramos (...) a fisionomia ver-
dadeira dessa divindade caluniada (2001:165 – grifo meu).

Nas páginas precedentes deixamos de lado o problema da magia


porque nosso interesse é pelo candomblé, o qual constitui religião
e não magia. Mas também existem feiticeiros na Bahia (2001: 258).
O candomblé era e permanece um meio de controle social, um
instrumento de solidariedade e de comunhão; a macumba resulta
no parasitismo social, na exploração desavergonhada da credulida-
de das classes baixas ou no afrouxamento das tendências imorais,
desde o estupro, até, frequentemente, o assassinato (1988: 414).

Peter Fry (1998), ao comentar a obra do autor, afirma que:


Bastide se alia a Ramos, Landes e Carneiro em formular uma
visão da totalidade do campo das religiões afro-brasileiras em
que a “magia” é definitivamente classificada de indesejável e se-
parada da “África brasileira” que é “preservada” no culto aos ori-
xás no candomblé da Bahia, numa assepsia exemplar (:455).

O preconceito, muito mais que questionado, é deslocado,
deixando de incidir sobre os negros como um todo para reme-
ter aos “negros feiticeiros”, que são em geral identificados como
negros bantos. Pois, como dizem Fernando Brumana e Elda Mar-
tinez, “dizer ‘magia’ não é mais que assinalar a subalternidade de
um tipo de prática mística” (1991: 81). Assim, um modelo evolu-
cionista que afirma a superioridade dos sudaneses (proposto por
Nina Rodrigues11 ) impede o enfrentamento efetivo da perspec-
tiva discriminatória do negro, da concepção de que ele traz em si
uma inadequação moral e um risco social – que passam pela re-
ligião. E, embora nas últimas décadas a atuação intensa do movi-
mento negro e as perspectivas críticas cada vez mais elaboradas no
mundo acadêmico atuem em sentido de desconstruir tais precon-
ceitos, sua força é ainda muito marcante na sociedade brasileira.

199
Em suma, o processo de consolidação dos preconceitos
racial e religioso no Brasil, acima delineado, fornece o pano de
fundo para a interpretação das religiões afro-brasileiras na atua-
lidade, bem como da influência africana na constituição da reli-
giosidade brasileira. Sendo assim, torna-se fundamental conhe-
cê-lo para saber como lidar com ele. Tendo consciência de que:

Embora a tradição católica popular conte com vários elemen-


tos mágico-religiosos provenientes da península ibérica (e, poste-
riormente, dos imigrantes europeus) – como amuletos, imagens
de santos com poderes, benzeções, o temido Livro de São Ci-
priano, práticas que usam objetos consagrados pelo catolicismo
(como hóstias, por exemplo) a fim de atingir fins mágicos social-
mente condenados, etc. – a feitiçaria no Brasil foi identificada
com os não brancos, principalmente com os negros, e fortemen-
te condenada. Processo característico não apenas da expansão do
catolicismo, mas de várias religiões dominantes, que tendem a
construir a imagem das religiões dominadas como magia (deslegi-
timando-as) ou, no contexto cristão, vinculadas ao demônio (con-
denando-as moralmente). No caso das religiões afro-brasileiras, é
possível observar os dois mecanismos atuando ao mesmo tempo;

Consequentemente, o objetivo de abordar as religiões afro


-brasileiras no contexto escolar faz necessário desconstruir va-
lores e ideias muito consolidados no imaginário brasileiro, e
esta desconstrução deve ser ativa. Não basta falar das religiões
afro-brasileiras, mas é fundamental enfrentar a questão da ma-
gia – das acusações de feitiçaria – não através de sua negação,
____________________
11
Apenas como exemplo, o autor afirma que “... a história dos negros no Brasil (...) deve
discriminar melhor as nacionalidades dos escravos. Dentre estes, se não a numérica, pelo
menos a preeminência intelectual e social coube sem contestação aos negros sudaneses”
(1988: 37). Na medida em que os sudaneses predominariam na Bahia, enquanto os bantos
em outras regiões do país – como Pernambuco e Rio de Janeiro – não é por acaso, tam-
bém, que a Bahia, a partir desta perspectiva, se tornaria o lugar de referência para o estudo
da cultura negra nacional.

200
mas da reflexão sobre ela. Tendo sempre em mente que pro-
cessos mágicos marcam toda a religiosidade nacional – não
apenas a dos negros. Caso contrário, a mera apresentação da
estrutura e dinâmicas das religiões afro-brasileiras aos alunos
pode resultar no reforço do preconceito racial/religioso, e não
em uma maior abertura para a compreensão da diversidade12 .
Ou, então, na folclorização das religiões afro, sem que se per-
ceba que elas carregam cosmologias e práticas que estruturam
a perspectiva de mundo e o comportamento de seus membros;

Os caminhos para a desconstrução proposta não estão dados,


nem são óbvios. As reações contrárias a uma postura de maior
flexibilidade de pensamento com relação à temática religiosa no
Brasil são muitas – pode-se dizer, inclusive, que intensificadas nas
últimas décadas. Por outro lado, a ação do movimento negro, as
conquistas representadas por instrumentos legais como a Lei no
10639/03, a maior sensibilização de parte da população para a
necessidade de uma ruptura dos preconceitos e compreensão da
diversidade que marca o país permitem vislumbrar um horizonte
mais aberto e justo no futuro, que reconheça a multiplicidade como
um potencial, e não um problema. No entanto, para conquistá-lo,
impedindo que as diferenças se tornem desigualdade como no
presente, o caminho é longo e difícil. Mas é necessário trilhá-lo.

____________________
12
No Paraná, a transformação oficial, pela Secretaria Estadual de Educação, da “Semana da
Consciência Negra” em “Semana Cultural”, e a apresentação da cultura negra como algo
folclorizado – contribuições alimentares, danças, etc. – ou que remete ao passado (e em
especial à escravidão), mostra como o enfrentamento do preconceito racial no Brasil é
uma tarefa árdua, especialmente dificultada pelo “mito da democracia racial” que orienta
as concepções de senso comum sobre o tema. Assim, muitas vezes a “apresentação” da di-
versidade é uma estratégia de exotização e consequente estigmatização do outro. O risco
de que este processo se dê com relação à temática religiosa é, neste caso, ainda maior.

201
Para lidar com o preconceito racial/religioso, por sua vez, o co-
nhecimento da alteridade se torna fundamental. Assim, a seguir,
passamos a abordar alguns aspectos da influência africana no con-
texto religioso brasileiro, a partir de quatro itens: as religiões de
matriz africana; o catolicismo das irmandades negras e dos “san-
tos de preto”; a umbanda; a Igreja Universal do Reino de Deus.

202
II. AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA

Pensar as religiões de matriz africana, consideradas pelos


primeiros estudiosos do tema como religiões africanas modifica-
das, coloca a necessidade de reconhecer que o universo do qual
provêm os negros que são desterritorializados e escravizados no
Brasil é múltiplo. Com efeito, eles se originam de nações distin-
tas, situadas em amplas regiões da África e com culturas e costu-
mes diversificados. Além disso, ao chegarem ao Brasil, são levados
a áreas também distantes e diferenciadas, ocupadas por nações in-
dígenas específicas, exploradas por várias atividades econômicas –
o que leva a que as respostas e adaptações ao novo contexto sejam
também múltiplas. Apesar disto, há aspectos de proximidade en-
tre as religiões constituídas através da reinterpretação da tradição
africana em solo brasileiro, tais como: 1) serem religiões rituais;
2) seus ritos terem por base o estado de transe de parte dos adep-
tos, que incorporam os seres sobrenaturais; 3) os processos de
sagração se fundamentarem, entre outros aspectos, no sacrifício
animal (inclusive no sangue sacrificial), em banhos de ervas e ofe-
rendas alimentares; 4) ser dado lugar de destaque a consultas de
fiéis ao sagrado, seja através de processos divinatórios (jogo de
búzios, colar de Ifá) ou consulta direta com os seres sagrados (nos
casos banto, em que eles podem se expressar em português); 5)
sua cosmologia não ter por base a dicotomia bem x mal, mas apre-
sentar uma perspectiva rica da complexidade; 6) a cura ser um
aspecto importante da prática religiosa (sendo pensada de forma
ampla: tanto cura de doenças e males físicos quanto de problemas
de vida de ordem não física); 7) os processos de iniciação serem
complexos e marcados pelo segredo; 8) serem religiões de tradi-
ção oral. Acrescente-se, ainda, que os orixás (denominação nagô,
voduns para os jejes) estão presentes, com algumas distinções
de denominação, classificação e manifestação13 , em todas elas.

203
Para compreender como este panorama é constituído faz-
se necessário refletir sobre sua abordagem pelos pesquisadores,
desde as pesquisas de Nina Rodrigues iniciadas no final do sec.
XIX (cf. Rodrigues, 1988, 2006). Este autor, conhecido por suas
posturas explicitamente racistas (e muitas vezes sequer lido de-
vido a este fato), destaca-se pelo interesse genuíno na presença
africana e sua influência no Brasil da época. Além disso, propõe a
divisão dos negros que chegaram ao país em dois grandes grupos,
que reuniriam em conjuntos com certa homogeneidade as inú-
meras nações de onde estes provieram: os sudaneses – oriundos
da região subsaariana – e os bantos – originários do centro-sul
da África. Divisão esta que é acompanhada de uma valorização
dos sudaneses em detrimento dos bantos – estes últimos vistos
como mais “primitivos”, “atrasados”, etc. (cf. Rodrigues, 1988).

Tanto a classificação proposta por Nina Rodrigues quan-


to a ênfase dada aos sudaneses e sua tradição cultural marcarão
as análises posteriores da influência africana no Brasil, principal-
mente na temática aqui proposta. Assim, embora haja uma preva-
lência numérica da presença de bantos ao longo de todo o período
de entrada de escravos, serão as influências religiosas sudanesas as
mais destacadas e valorizadas. Um dos aspectos que pode ajudar a
compreender esta opção intelectual – que, em certa medida, im-
plica na legitimação de um modelo em detrimento de outro – é
a maior autonomia desta tradição em relação à banto, muito mais
permeável e flexível à influência tanto do catolicismo quanto das
religiões ameríndias, e mesmo de elementos constitutivos de uma
idéia de nação (como língua, personagens do imaginário nacional,
entre outros). Com efeito, embora tenha havido, ao longo do tem-
____________________
13
Apenas como exemplo, a incorporação no Tambor de Mina maranhense é descrita de
maneira muito mais discreta (sendo possível, inclusive, que uma vodunsi esteja em transe
de forma não evidente – cf. Ferreti, 1995) que o mesmo processo no candomblé baiano.

204
po, a identificação dos orixás com santos do panteão católico, a di-
nâmica das religiões de origem sudanesa permaneceu muito mais
autônoma e específica ao longo do tempo. Dentre estas religiões,
destacam-se o candomblé baiano, o xangô pernambucano, o batu-
que do sul, o tambor de mina maranhense – sendo o candomblé
a mais conhecida e estudada de todas elas, para o quê o lugar cen-
tral da Bahia nos estudos sobre o negro no país também contribui.

Quando se consideram as religiões de origem banto, a


própria ausência do registro de uma maior diversidade nos cultos
já demonstra o lugar subsidiário que ocupam no reconhecimento
da influência deste grupo na religiosidade nacional. Por um lado,
o candomblé angola e, principalmente, o candomblé de caboclo
baiano é abordado por Édison Carneiro (1991) como um tipo de
candomblé “menos legítimo” (e simultaneamente mais marcado
pela magia), em que a presença de entidades como caboclos e
pretos velhos, ou o uso do português como língua ritual (e não
uma língua africana), apontam certa “perda” do modelo inicial.
Mas o tratamento dado às macumbas carioca e paulista é o que
mais pode exemplificar aquilo que apontamos: a uma forte dis-
criminação geral da “macumba”, que é o termo mais frequente
quando se deseja identificar as religiões afro-brasileiras com a
magia maléfica, observa-se uma ausência de estudos mais apro-
fundados sobre tais manifestações religiosas. Estas são desvalo-
rizadas e normalmente apenas uma referência dos pesquisadores
para se pensar a origem da umbanda no país. Como exemplo,
Bastide (2001), ao descrever uma festa de iniciação, afirma que:
O candomblé de Joãozinho pertence à nação angola. Portanto, a uma
nação banta. Na verdade, os orixás dessa nação não diferem dos ori-
xás dos quetos ou dos jejes. Mas se a mitologia é a mesma, se o ritual é
comum, existe assim mesmo no canto, no ritmo, e na liturgia um cer-
to número de diferenças. A nação angola resiste menos às influências
estrangeiras que nascem do meio, brotam na nova pátria. Enquanto
os nagôs e os daomeanos permanecem fiéis à pureza africana, o ban-

205
to aceita com mais facilidade a linguagem dos portugueses em seus
cânticos festivos. E também não despreza os espíritos de caboclos.
Unem aos deuses de seus pais os deuses da terra adotiva. É verdade
que o sincretismo não é tão grande quanto na macumba... (:328).

Assim, enquanto o candomblé se torna o grande modelo


das religiões de matriz africana, a macumba passa a ser conde-
nada. Em certa medida, questiona-se o preconceito racial/reli-
gioso para no momento seguinte dirigi-lo a outro grupo social.

Tal contexto, contudo, em certa medida cria as condições


para sua reprodução, ao fazer das informações sobre o candomblé
baiano um conjunto articulado, coerente e consistente, enquanto as
pesquisas e registros sobre as macumbas são muito mais precários.
Por este motivo – embora sem concordar com a predominância
do primeiro em termos de legitimidade – abordaremos em maio-
res detalhes, a seguir, a estrutura de culto e a cosmologia do can-
domblé (que se aproxima das demais religiões de orixás/voduns).

Ao propor uma compreensão geral de tais religiões,


Carneiro (1991), em meados do século passado, identifica qua-
tro características gerais que as definiriam, apesar de suas es-
pecificidades. A primeira seria a incorporação, pelo fiel, da
divindade. Para entender tal incorporação e sua particulari-
dade – distinta das incorporações do espiritismo, da umban-
da e da pajelança – é importante ter em mente algumas carac-
terísticas da cosmovisão e da estrutura ritual destas religiões.

No candomblé, embora se reconheça a existência de uma
divindade suprema, Olorum14 , criador do céu e da terra, este
não possui representação, templos ou relação direta com os fiéis.
Estes se relacionam com os orixás, divindades que representam15
forças naturais personificadas, com características e estruturas de

206
personalidade específicas. Tais orixás podem ser masculinos ou
femininos, possuem relações familiares entre si, e sua mitologia
expressa os padrões de personalidade que representam . Os hu-
manos, por sua vez, estão vinculados a certos orixás a partir de seu
nascimento, podendo ser identificado, de forma ritual, seu orixá
de cabeça e um ou dois subsidiários – pressupondo-se que estes
representam características fundamentais dos sujeitos. A incorpo-
ração do orixá de cabeça é possível apenas para alguns fiéis (não
todos), sendo necessário para tanto um processo de iniciação que
implica em reclusão e a realização de vários rituais. Neste sentido,
pode-se afirmar que ocorre aqui um tipo de transe particular, em
que a manifestação consiste em uma maximização de característi-
cas de personalidade do fiel – na medida em que o orixá “dono de
cabeça” pode ser tomado como um classificador de sua persona-
lidade. Rita Segato (2005), ao estudar o xangô de Recife, propõe
mesmo pensar os orixás em relação com a teoria arquetipal jun-
giana. Outra característica fundamental deste sistema é sua mul-
tiplicidade e abertura: na medida em que os orixás possuem vá-
rias formas de ser, com aspectos tanto positivos quanto negativos,
não se propõe uma perspectiva dicotômica de mundo, onde bem
e mal seriam bem marcados16 . Esta divisão, imposta pelo cris-
tianismo, terá relevância somente com a formação da umbanda.

____________________
14
Utilizaremos, a seguir, as designações nagô, pois são as mais conhecidas. Faremos aqui,
além disso, somente uma breve descrição da estrutura geral do culto. Recomendamos
aos interessados na temática que recorram à bibliografia sugerida para se aprofundar, pois
sua complexidade impede desdobramentos mais longos em um texto geral como este.
15
No candomblé nagô baiano, os orixás mais conhecidos são: 1) masculinos – Oxalá, Ogum,
Xangô, Oxóssi, Oxumaré, Omolu, Ossaim; 2) femininos: Iemanjá, Iansã, Oxum, Obá,
Nanã; 3) gêmeos Ibeji. Também são de fundamental importância no panteão Exu (mensa-
geiro dos orixás), Ifá (oráculo), Iroko (gameleira). Há certa variedade entre os cultos aos
orixás, e em outras regiões do país (p. ex. Rio Grande do Sul ou Pernambuco) eles aparecem
em menor número. Além disso, embora haja certa correspondência entre as tradições nagô
e jeje, seus nomes diferem e há variações entre ambas.
16
Aqui, não queremos dizer que os adeptos do candomblé não possuam valores morais, mas
sim que reconhecem a complexidade do mundo, suas diversas possibilidades, bem como as
distinções entre as pessoas e formas diferenciadas legítimas de comportamento e interpre-
tação da realidade.

207
A relação com os orixás se dá através de um sistema ritual
complexo e que apresenta particularidades não só ao se levar em
conta as várias religiões citadas, mas também entre os templos
específicos de uma religião. Estes se configuram, em linhas gerais,
como “famílias rituais”, em que os processos de iniciação estabele-
cem hierarquias e relações de parentesco ritual entre os membros
– daí as denominações pai, mãe, filho de santo, tão comumen-
te utilizadas. Já os orixás estão presentes nestes espaços sagrados
através de seus “assentos”. Nestes, muito mais importantes que
suas imagens antropomórficas são os objetos sagrados em que se
localizam, e que são especialmente consagrados. A seus orixás,
os iniciados devem oferecer sacrifícios e obrigações, entre os
quais o sangue proveniente de determinados sacrifícios animais,
específicos para cada orixá. Animais estes que, posteriormen-
te, são preparados de maneira ritualmente definida e comparti-
lhados pelos membros do culto como alimento sagrado, junta-
mente com outros alimentos de origem vegetal. É este conjunto
ritual que leva a que a alimentação seja tão central no candom-
blé, e que a cozinha consista em um espaço sagrado relevante.

Apesar de serem vários adeptos “filhos” de um mesmo orixá,


a segunda característica ressaltada por Carneiro é de que as incor-
porações não são genéricas. Em outras palavras, cada fiel iniciado
desenvolve um orixá pessoal, ou seja, possui uma manifestação in-
dividual da divindade mais ampla. O que faz com que não seja pos-
sível que o orixá de uma pessoa se manifeste em outra, bem como
que possam ser comparadas e avaliadas manifestações individuais
de um mesmo orixá como sendo distintas – por exemplo, é possí-
vel considerar que o Xangô ou a Iansã de alguém é mais bonito ou
mais intenso que de uma outra pessoa. Ressalte-se, ainda, que mes-
mo para um único orixá pode haver representações diferenciadas,

208
como no caso de Xangô, que pode ocorrer como jovem ou velho.

Esta segunda característica distingue significativamente as


tradições sudanesa e banto. Em primeiro lugar porque, enquanto
na primeira delas a incorporação (quando ocorre) se dá primor-
dialmente por um único orixá, dono de cabeça do membro do
culto, na segunda as incorporações de um único membro em geral
são múltiplas, referindo-se aos vários tipos de entidades que com-
punham o panteão dos candomblés banto e das macumbas cario-
cas e paulistas17 – além dos orixás, caboclos, pretos velhos, várias
formas de Exu, entre outros (aspecto que ficará mais claro poste-
riormente, pois a macumba é uma das matrizes para a composição
da umbanda). Acrescente-se que, no caso do candomblé, as incor-
porações comumente se restringem aos momentos de culto e à
expressão corporal dos adeptos; não há comunicação verbal entre
os orixás e a assistência – para o que é um fator relevante o uso de
línguas africanas nos rituais. Já nas religiões banto, com sua maior
permeabilidade ao contexto brasileiro, a adoção do português leva
a que as entidades conversem com a assistência, o que permite a
realização de consultas diretamente com entidades incorporadas.

Tal diferença aponta no sentido da terceira característica


levantada por Carneiro, que ressalta a importância do oráculo – o
jogo de búzios ou colar de Ifá – no contexto das religiões de mo-
delo sudanês. Pois neste caso é o oráculo o principal veículo de
comunicação com o mundo dos orixás (ao longo do transe, não so-
mente a assistência não possui canal de comunicação com eles, mas
também o membro incorporado perde a consciência do contexto
ritual vivido). Através da consulta aos especialistas nos processos
____________________
17
A opção pelo uso do passado deve-se a que, com a formação da umbanda, as macum-
bas passam a integrar este novo contexto religioso, perdendo sua especificidade. São des-
critas, portanto, como elementos do passado formador da díade umbanda/quimbanda.

209
divinatórios, é então possível se comunicar com o sobrenatural
e, entre outros aspectos, receber orientações sobre obrigações e
atitudes rituais necessárias ou recomendadas para cada contexto.

A consulta aos búzios ou ao Ifá, por sua vez, pode implicar


na realização de práticas rituais que trazem a importância de uma
divindade fundamental no candomblé (e posteriormente na um-
banda, mas de uma maneira muito distinta): Exu. Intermediário
entre os orixás e os humanos, o Exu do candomblé é fundamental
na garantia do sucesso de qualquer cerimônia – pois que, como
mensageiro e auxiliar dos orixás, abre os caminhos e transmite
as mensagens a estes18 . É este lugar ocupado por Exu que faz
com que ele “coma primeiro” em todos os rituais do candom-
blé – ou seja, que as cerimônias sejam precedidas dos “despachos
para Exu” –, bem como que todas as casas de culto tenham um
assento específico para ele, normalmente fora do prédio central.
Em geral, Exu não possui “filhos” (em outras palavras, não é o
orixá de cabeça dos membros do culto). Consequentemente, não
incorpora, e a atenção que recebe dos adeptos está vinculada a
sua posição de mensageiro. No entanto, por um lado suas carac-
terísticas – irreverência, controle das encruzilhadas, sexualidade,
ambiguidade, papel de mensageiro entre mundos –, e por ou-
tro sua apropriação nas macumbas e atualmente na umbanda/
quimbanda levaram a que fosse identificado com o diabo cristão.

Novamente aqui há uma sensível diferença com re-
lação aos cultos com maior influência banto. Carnei-
ro ressalta que, em meados do século XX, somente as
macumbas haviam conservado as danças características
____________________
18
Bastide (2001) faz a seguinte afirmação sobre o caráter de Exu: “Vai praticar aberturas
entre os quatro reinos [humano, natureza, orixás, mortos], furar as paredes estanques que
os separam uns dos outros, fazendo-os, por seu intermédio, entrar em comunicação e asse-
gurando, assim, a união cósmica. Exu é, para nós, o elemento dialético do cosmo” (:172).

210
de Exu, além de terem realizado sua fusão com outros orixás –
como Ogum, Oxóssi e Omolu – e seu desdobramento em vários
tipos de Exus distintos. Neste processo, a divindade se tornou cada
vez mais identificada com os espaços e símbolos que contribuem
para sua relação com o diabo cristão: cemitérios, encruzilhadas,
doenças, cadáveres, magia e morte. Posteriormente, este desdo-
bramento será uma das bases da construção da “esquerda” na um-
banda, denominada quimbanda. Acrescente-se que, nestas, com
sua multiplicidade de incorporações, Exu, em suas diversas for-
mas, se integra ao universo das entidades passíveis de serem “rece-
bidas” pelos membros do culto. E, frente ao uso do português pe-
las mesmas, de manter contato direto com a assistência dos ritos.

A melhor compreensão do universo acima delineado exige


o conhecimento dos aspectos simbólicos e rituais destas religiões,
o que é possível através da leitura de inúmeros trabalhos dedi-
cados ao tema, alguns indicados na bibliografia abaixo. Ressalta-
mos a relevância de adquirir informações mais detalhadas sobre
a mitologia dos orixás, os processos iniciatórios e as obrigações
devidas por seus “filhos” a eles, o calendário ritual (incluindo as
festas), a organização social das casas de culto, a hierarquia dos
adeptos e suas motivações no estabelecimento e manutenção do
vínculo com o candomblé e as outras religiões de matriz africana,
as diferenças entre elas. Todos estes aspectos que devem ser pen-
sados como dinâmicos, e não como uma busca de algum modelo
original legítimo, que precise ser “resgatado” ou tenha se “per-
dido” ao longo do tempo. A proposta de “resgate” deve ser in-
terpretada, em si mesma, como um discurso político resultante
de um momento particular: veja-se, a título de exemplo, como
motivações para adesão ao culto podem variar, sendo recorrentes,
nas últimas décadas, histórias de estabelecimento de vínculo com
o candomblé por militantes do movimento negro, que vêem na

211
religião a afirmação de características mais genuinamente africa-
nas, o que não se colocava em momentos históricos anteriores.

III. O CATOLICISMO DAS IRMANDADES NEGRAS E DOS


“SANTOS DE PRETO”

Se, por um lado, os africanos que aportaram no Brasil ti-
nham, na constituição das religiões citadas no item anterior, uma
estratégia simultânea de manutenção de elementos de suas cul-
turas de origem, adaptação a um novo contexto (de opressão)
e resistência a ele – o que levou, inclusive, a identificações com
elementos católicos como mecanismos de invisibilização, para os
colonizadores, das crenças negras e garantia de possibilidade de
suas celebrações – por outro lado eles também se integraram ao
catolicismo de uma maneira particular, alterando a configuração
do próprio catolicismo brasileiro. Nas palavras de Bastide (1985):
O catolicismo negro foi um relicário precioso que a Igre-
ja ofertou, não obstante ela própria, aos negros, para aí con-
servar, não como relíquias, mas como realidades vivas, cer-
tos valores mais altos de suas religiões nativas (:179).

Neste sentido, Julita Scarano (1978) traça uma diferen-


ciação do contexto religioso negro nas regiões litorâneas e no
interior do país, ainda no período colonial. Segundo a autora,
enquanto no litoral era mais fácil manter as tradições religio-
sas de origem africana devido à constância do comércio atlân-
tico de escravos – que levava a que os negros brasileiros esti-
vessem em contato frequente com os africanos recentemente
chegados do continente natal –, em Minas, por exemplo, estes
ficavam como que ilhados no interior do país, e os vínculos se
tornavam cada vez mais fracos. Por isto, enquanto no litoral as
religiões de matriz africana ocuparam lugar de destaque, nas
Minas a forma mais comum para a perpetuação de tradições ne-

212
gras foi sua incorporação ao catolicismo, principalmente atra-
vés das irmandades leigas e de suas festas, crenças e cultos19.

Tal incorporação, por sua vez, se vinculava a um duplo pro-


cesso: por um lado, estratégias de propagação da religião oficial
pela administração da Colônia, que tinha no estímulo à formação
de irmandades leigas um instrumento relevante – principalmente
nas regiões de extração aurífera, em que havia a proibição da pre-
sença de ordens religiosas católicas20 –; por outro, a importância,
para os negros, da formação nas irmandades de um espaço de au-
tonomia e organização própria que destoava do contexto da escra-
vidão. Esta conjugação de interesses díspares fez com que houves-
se a formação de inúmeras irmandades negras ao longo de todo
o período colonial, reconhecidas oficialmente e com potencial
para instaurar suas próprias dinâmicas de devoção e celebrações.

Compreender a importância de tais irmanda-
des exige um conhecimento mínimo sobre o contexto que
as gerou. Este se vincula às relações entre Estado e Igre-
ja no período: assim, sendo o monarca português tam-
bém Grão-Mestre da Ordem de Cristo – ou seja, estando
poder temporal e espiritual unidos – cabia à Coroa o recolhimen-
to de dízimos, bem como os investimentos necessários à implan-
tação e manutenção do catolicismo na Colônia. Responsabilidade
que era ainda maior nas regiões de mineração aurífera, em que a
ausência de regulares impedia que as ordens religiosas assumis-
sem o custo de parte da catequização21 . Entretanto, a política
mercantilista e o recolhimento dos dízimos como um imposto
qualquer levavam a que houvesse uma contenção de recursos e
____________________
19
Bastide (1985) atribui a não permanência de religiões africanas em áre-
as mineradoras, por outro lado, às maiores chances de mobilidade social na re-
gião, fazendo com que a mentalidade do branco se tornasse mais atrativa

213
tentativa de atribuição dos custos da catequização a particulares.
O estímulo à formação de irmandades leigas foi importante estra-
tégia para atingir estes objetivos22 . Elas acabaram arcando com a
maior parte do ônus da propagação do catolicismo na área mine-
radora, pois se tornou sua responsabilidade cobrir todos os gastos
com a construção de seus altares, capelas e igrejas, de seus cemi-
térios, e com todo o tipo de obras assistenciais que realizavam em
benefício de seus membros – que iam desde a ajuda em casos de
crise financeira ou doença até o sepultamento e a garantia dos “su-
frágios” (missas que se mandava celebrar pela alma do irmão mor-
to). Assim, a metrópole se esquivava não apenas dos gastos com a
construção de templos e sustento de padres – sendo os capelães
e demais padres que celebravam quaisquer rituais para as confra-
rias por elas devidamente remunerados – mas também de uma
série de serviços sociais de assistência que seriam sua função23 .

____________________
20
Salles ressalta as distinções das irmandades no caso do litoral e da região mineradora,
embora seja aqui também importante deixar clara a presença de irmandades importantes
em várias das cidades litorâneas: “Dois fatores contribuíram para o caráter de classe dessas
corporações: o primeiro é que, sendo o Estado ligado à Igreja, isto determinou o interesse
daquela em estimular a eclosão das corporações; o segundo é que a estratificação social
do Brasil colônia se efetuou calcada na diferenciação interétnica da população, o que está
intimamente vinculado ao colonialismo e ao regime escravocrata. Neste sentido, foi com-
pletamente diferente a função social das irmandades em Minas e no litoral. É que ali havia,
para propagar a religião e exercer as suas funções sócio-econômicas, as grandes congrega-
ções religiosas, como os jesuítas e carmelitas. Em Minas, não as existindo, a Coroa tratou
de estimular as irmandades, a fim de – com elas e através delas – transferir ao próprio
povo, isto é, aos mineradores, comerciantes e escravos, os encargos tão dispendiosos de
construir os grandes templos, os cemitérios, etc. Todos os complexos e caros cerimoniais
do culto religioso eram, desta forma, transferidos à população. Em virtude disso, tanto à
coroa como ao clero interessava muito o desenvolvimento das ordens terceiras e confrarias.
A população, por sua vez, encontrava nestas corporações uma estrutura eficien-
te e legal, uma forma orgânica para expandir suas necessidades ou reivindicações co-
letivas. E então vemos as irmandades não só lutando umas contra as outras, como
também trabalhando para prestar aos seus filiados pronta e vária assistência. Com o
aumento do poderio econômico dessas corporações, a coroa começa a restringir os
seus direitos ou, pelo menos, as suas possibilidades de enriquecimento” (1963: 27).
21
O temor da metrópole de contrabando de ouro e pedras preciosas fez com
que ela proibisse a presença de ordens religiosas nas regiões de mineração.
22
As irmandades leigas já se encontravam presentes em Portugal, vinculadas às corporações
de ofício, e isto facilita a adoção do modelo na Colônia. No entanto, aqui passam a se rela-
cionar não com ofícios, mas com grupos raciais particulares.

214
No ambiente urbano que se compôs na região de extra-
ção aurífera, as irmandades foram não somente as principais or-
ganizações de propagação da fé católica, mas também os grandes
eixos da sociabilidade local. Praticamente todos os eventos so-
ciais coletivos e particulares de relevo – festas, celebrações re-
ligiosas, batizados, casamentos, sepultamentos, etc. – eram por
elas coordenados, e muitos deles ocorriam em seus espaços. Dis-
putas por questões aparentemente simples, como a ordem das
irmandades nas romarias, se tornavam fundamentais, na medida
em que definiam o status social dos grupos. No entanto, em uma
sociedade marcada pelas divisões raciais instauradas a partir da
escravidão negra, a constituição das associações e suas atividades
não se deram sem que tais divisões estivessem também nelas ins-
critas. Constituiram-se irmandades fundadas em clivagens étni-
co-raciais e sociais, que eram explicitadas em seus documentos
regulatórios – os compromissos. Assim, houve uma tendência a
que, com a formação de qualquer povoado na região das Minas,
fossem organizadas duas irmandades: a Irmandade do Santíssi-
mo Sacramento, composta por brancos e que normalmente ti-
nha o controle da Igreja Matriz, e a Irmandade de Nossa Senhora
do Rosário dos Homens Pretos, que reunia os negros libertos e
cativos. Posteriormente, com a diversificação das categorias so-
ciais dos moradores urbanos, estas poderiam se desdobrar em
várias outras irmandades – como de brancos vinculados a ofí-
cios ou grupos sociais específicos, negros libertos, pardos, cada
uma delas com seus respectivos santos de devoção e celebrações.

O estudo da documentação referente às irmandades (cf.


____________________
23
O exemplo mais claro deste último ponto são as Misericórdias, organizações re-
ligiosas leigas de elite que se responsabilizavam pela construção e funcionamen-
to de hospitais e atendimento da população carente. Elas se distinguem das irman-
dades, pois nestas a assistência era voltada diretamente aos irmãos e suas famílias.

215
Boschi, 1986, Scarano, 1978, Porto, 1998) indica como havia se-
gregação no caso das irmandades de brancos, que muitas vezes
explicitavam em seus compromissos não somente o controle da
ascendência de seus membros, mas também de suas relações fa-
miliares. O mesmo não ocorria nas irmandades de pretos, que na
maioria das vezes não somente não limitavam a filiação a um gru-
po racial específico, mas chegavam mesmo a prever a participação
de brancos em suas diretorias, principalmente em cargos que exi-
giam domínio da escrita e de conhecimentos financeiros – como
secretaria e tesouraria. Neste sentido, pode-se pensar a ambigui-
dade representada pelas irmandades dos “santos de preto”: por
um lado, foram uma forma de imposição da religião dominante
aos negros, inserindo-os, mas simultaneamente segregando-os,
no contexto mais amplo do catolicismo; por outro, permitiram a
formação de espaços de relativa autonomia dos negros, de legiti-
midade de agremiação e de auxílio mútuo, e de possibilidade de
celebração de suas próprias festas, missas, ritos sociais e fúnebres.

Com efeito, se a estruturação das irmandades era predefi-


nida pelo poder colonial, ao propiciar a reunião dos escravos em
situações de não trabalho, com grupos muito mais amplos que
aqueles vinculados a um único senhor, capazes de reunir recur-
sos próprios e investir na construção de templos (muitos com
características bem específicas) e realização de festividades, bem
como no auxílio de seus membros, estas instituições foram tam-
bém importante lugar de resistência e organização dos negros.
A opulência de vários de seus templos e festas fornece indícios
neste sentido. Bem como os relatos de conflitos internos às ir-
mandades de negros que resultaram, em alguns casos, na expul-
são dos membros brancos e adoção de normas que definiam a
exclusividade racial na participação (cf. Salles, 1963). Ou, ain-
da, as inúmeras histórias de apoio assistencial das irmandades

216
aos seus membros e, em certos casos, até mesmo da libertação
individual de alguns – embora, por outro lado, irmandades ne-
gras também eventualmente possuíssem seus próprios escravos.

Alguns santos específicos foram os oragos mais recorren-


tes das irmandades de negros do período colonial. Destaca-se,
como já indicamos, Nossa Senhora do Rosário, cuja devoção já se
encontrava presente na África, através da ação de catequese dos
dominicanos. Os demais santos são negros, como São Benedito
e Santa Efigênia. No caso de pardos ou libertos, há a devoção a
Nossa Senhora das Mercês – que teria sido responsável pela liber-
tação de escravos em Roma. Os festejos dedicados a estes santos
também foram (e continuam sendo em muitos casos) momentos
importantes na constituição de uma forma específica de catolicis-
mo negro e de resistência destes grupos. Pois, havendo orientação
da Igreja no período para que se aceitasse a inclusão de aspectos
da religiosidade negra e índia na religião católica, com o objetivo
de facilitar a conversão (desde que esses não entrassem em cho-
que com os preceitos básicos definidos pela cúpula eclesiástica),
vemos em tais festas a possibilidade destes grupos demonstrarem
concepções culturais próprias, embora muitas vezes travestidas.
Este é o caso dos reinados, que obtêm grande destaque em várias
partes da Colônia, em que reis negros – com grande prestígio
durante o ano em que vigora seu reinado –, ricamente vestidos,
saem às ruas para serem coroados, respeitados e admirados. Mui-
tas vezes acompanhados de cortejos em que o batuque era um ele-
mento presente e até mesmo central. Aqui, uma citação de Priore
sobre as festas dos reis do Congo parece muito ilustrativa:

217
... sublinhando a importância e a função que tais comemorações ti-
nham para a comunidade negra. Aparato, luxo e riquezas jamais so-
nhadas para esses segmentos, considerados tradicionalmente pela
historiografia como subalternos, enfatizam, como já dissemos, sua
capacidade de acumulação. Seu potencial político frente à comuni-
dade reafirmava-se, nesse momento, pela apresentação do que po-
deria parecer uma inversão completa: a sagração de um rei negro...
Mas é justamente essa capacidade de expor outras realidades que
devolvia a festiva dignidade aos negros e à sua cultura (1994: 83).

Aqui, vários aspectos se destacam: o coroamento de ne-


gros, nos moldes da realeza metropolitana, mas com elementos
característicos de sua tradição cultural – batuques, danças, con-
sumo de bebidas alcoólicas – possibilita tanto uma apropriação
do poder do dominador através da mimese, quanto marca um lu-
gar de não subordinação, de exposição pública do negro, coroado
rei, como eixo de festividade católica que o tem como centro e
é por sua irmandade organizada. Aos reinados se relaciona, ain-
da, a formação de várias “guardas” negras – os conhecidos ternos
de congo, moçambique, catupés, marujos, entre outros – com
seus capitães, suas dinâmicas peculiares e uma nova mimese dos
sistemas de dominação. Em alguns casos, os grupos de dança-
dores se tornam mais relevantes que o próprio reinado, fazen-
do com que os festejos passem a ser conhecidos como Congadas.
Acrescente-se que a estas festas se vinculam vários relatos que
apontam os negros como verdadeiros cristãos, preferidos pelos
santos, em oposição aos dominadores, que apesar de aparente-
mente os portadores da fé, não seguem os preceitos religiosos
fundamentais. E, ao trazerem para o centro do catolicismo, em
condição de igualdade com as festividades das irmandades de
brancos, as celebrações dos “santos de preto”, marcam no cato-
licismo suas especificidades e o transformam em seu conjunto.

O potencial das irmandades e festas de santos de devo-

218
ção dos negros transcende o período colonial e se propaga para
regiões de colonização posterior. Juliana Calábria (2008) aponta
como, em Uberlândia (assim como em outras regiões do Triângu-
lo Mineiro e Goiás, onde as festividades de “santos de preto” são
relevantes), as irmandades de negros e suas festividades datam
de finais do século XIX, e ocorrem em contextos muito distintos
daqueles do período de extração aurífera. Em outras palavras, a
tradição dos reinados e congadas fornece uma matriz que será
reinterpretada e adaptada de acordo com a situação do momen-
to, e que continua sendo reinterpretada até a atualidade – o que
em Uberlândia e região resultou na diminuição da importância
dos reinados e no crescimento e valorização da atuação dos vários
ternos. Assim como apontamos no caso das religiões de matriz
africana, observa-se a possibilidade de leitura destas tradições de
várias maneiras a partir do presente, inclusive como possibilidade
de afirmação da negritude por integrantes do movimento negro.

IV. A UMBANDA COMO RELIGIÃO BRASILEIRA



Embora a umbanda seja descrita como compondo o bloco
das religiões afro-brasileiras (e, ao abordarmos a Igreja Univer-
sal do Reino de Deus no próximo item, ela será incluída neste
bloco), juntamente com aquelas por nós denominadas de matriz
africana, optamos por distingui-la aqui das primeiras por alguns
motivos. Em primeiro lugar, enquanto as religiões de matriz afri-
cana se constituem ao longo de todo o período de chegada de
africanos no país (sec. XVI a XIX), a umbanda se forma no início
do século XX – ou seja, algumas décadas após a abolição da es-
cravatura e em um contexto republicano24 . Além disso, apesar
da clara relação com a macumba, o relato oficial do surgimento
da umbanda se vincula à expansão do espiritismo kardecista e a

219
não aceitação deste de que seus adeptos recebessem espíritos “da
terra”, como caboclos e pretos velhos. Esta narrativa, por sua vez,
já aponta que há outras matrizes religiosas fundamentais para a
constituição da umbanda, além da macumba: o espiritismo kar-
decista, o catolicismo, o ocultismo europeu e algumas religiões
indígenas. As duas primeiras matrizes, cristãs, trazem à umbanda
características fundamentais, que a afastam do contexto das reli-
giões de matriz africana anteriormente descritas, quais sejam: 1) a
adoção de uma perspectiva dicotômica de mundo, dividido entre
bem e mal (noções muitas vezes confundidas com “de Deus” e “do
diabo”); 2) a concepção de que o “bem” se intensifica com a práti-
ca da “caridade” (fazendo com que o atendimento ao público seja
um dos eixos da religião). Acrescente-se que, apesar de não haver
uma unanimidade sobre a interpretação do que define o bem ou
mal – sendo constantes as negociações dos adeptos em torno do
que pode ser identificado, principalmente, como “mal” – a estru-
tura se impõe e se expressa em várias das dicotomias constituintes
do culto – como mesa branca x esquerda, entidades batizadas x
não batizadas, guias x exus, entre outras25 .
Sendo assim, pode-se afirmar que a umbanda retoma vá-
rios elementos característicos das macumbas (também já religiões
sincréticas26 ), mas os resignificando e fazendo-os dialogar e se in-
serir em uma lógica de bases cristãs. Nas palavras de Renato Ortiz
(1988):
A síntese umbandista pôde assim conservar parte das tradições
afro-brasileiras; mas, para estas perdurarem, foi necessário rein-
terpretá-las, normatizá-las, codificá-las. Foi este o trabalho dos
intelectuais umbandistas: canalizar uma situação de fato para
constituir uma nova religião. Mas quem eram esses intelectuais?
____________________
24
É necessário ter em mente que este é o discurso oficial da criação de uma unidade que
não se observa na prática. Em vários casos, o que há é mais uma adoção da denominação
de umbanda por praticantes das antigas macumbas – como uma forma de se proteger da
repressão policial e reivindicar o direito à liberdade religiosa – que uma reconfiguração das
atividades dos grupos (sem, contudo, negarmos sua dinamicidade). A denominação ma-
cumba passa a ser utilizada apenas por agentes externos, como forma de discriminação.

220
Brancos e mulatos de “alma branca”, que reconstituíram as anti-
gas tradições com os instrumentos e os valores fornecidos pela
sociedade. Não estamos, pois, mais em presença de um culto afro
-brasileiro, mas diante de uma religião brasileira que traz em suas
veias o sangue negro do escravo que se tornou proletário (:33).


Se retomarmos as características da macumba levantadas
por Bastide (1988), isto se esclarece. Segundo o autor, seus su-
premos sacerdotes se chamavam embandas ou umbandas (kim-
bandas na Angola) – termos que dão nome tanto à nova religião
quanto a sua “esquerda”. Suas filhas, assim como no espiritismo,
também eram denominadas médiuns. Os grandes orixás, identi-
ficados com santos católicos, estariam presentes no panteão, mas
adorados em suas correspondentes imagens católicas, presentes
no altar dos templos – de maneira semelhante ao contexto um-
bandista contemporâneo.

Além disso, o panteão se estendia para várias outras ca-


tegorias, com potencial de desdobramentos múltiplos, sendo os
caboclos e pretos velhos manifestações constantes. Na umbanda,
este panteão vai ser concebido como “linhas”, em que semelhan-
ças entre as entidades vão fazer com que elas se identifiquem com
uma linha, mas também se diferenciem no interior dela. Linha
____________________
25
Esta adoção da perspectiva dicotômica, que traz a questão moral para o cerne da um-
banda, parece-nos um aspecto bastante delicado da religião. Embora a ambiguidade esteja
sempre presente nos processos de avaliação do bem x mal, o discurso dicotômico pos-
sibilita o reconhecimento de alguma legitimidade no que se refere às posturas que dis-
criminam a umbanda (e as religiões de matriz africana) através de sua identificação
com o mal. Se esta crítica não se coloca como pertinente no contexto das religiões de
matriz africana – não dicotômicas e não moralizantes –, em certa medida ela encontra
ressonância no modelo umbandista, pois opera com uma categoria fundamental para
tal modelo – que, ele mesmo, se divide entre bem e mal, “mesa branca” e “esquerda”.
26
A religião banto carioca que dá origem à macumba, predominante até o século XIX, é
denominada cabula. Magnani (1991) a caracteriza como mais permeável que as religiões
de origem sudanesa, tendo assimilado alguns orixás do candomblé e a estrutura de culto,
crenças e ritos dos caboclos catimbozeiros, práticas mágicas europeias e muçulmanas, santos
católicos e influências do espiritismo francês.

221
que se divide em falanges ou legiões, o que resulta em um poten-
cial de expansão ilimitado, podendo surgir novas entidades a qual-
quer momento – embora algumas sejam recorrentes em inúme-
ros terreiros (como, por exemplo, Caboclo Sete Flexas, Pai João,
Exu Tranca Rua, Maria Padilha, Zé Pelintra, etc.). Os orixás são a
representação de várias dessas linhas, mas a maior parte deles não
incorpora diretamente nos membros da religião. Também seria
forte a presença do culto aos mortos, que se configura como culto
às almas, comum na tradição banto, mas na umbanda claramente
dialogando com o culto aos espíritos característico do espiritismo
kardecista – no entanto, sem se limitar a espíritos “de luz” do kar-
decismo (sinônimo, na prática, de espíritos de brancos).

Vêm também dos cultos banto os processos de iniciação,


embora muito simplificados com relação ao candomblé, bem
como o caráter ritualístico da religião. A defumação, o consumo
de bebidas e fumo pelas entidades, a expressão destas em portu-
guês quando incorporadas, o toque de tambores, o uso de pontos
riscados são outras proximidades com as macumbas. E o desdo-
bramento da figura de Exu, que passa não apenas a ter perfil múl-
tiplo, mas a ser identificado com o diabo cristão. Uma entidade
que, em suas manifestações particulares (p.ex. Exu Caveira, Exu
Tranca Rua, Exu Sete Encruzilhadas, etc.), se incorpora regular-
mente nos adeptos e é fundamental para a parte da umbanda que
mais se identifica com uma magia maléfica, bem como com o
poder de enfrentar tal magia: a quimbanda ou “esquerda”. Exu
também adquire um correspondente feminino, a Pombagira,
estereotipada como prostituta, lasciva, amante dos prazeres, de
champanhe, de cigarros. Exu e Pombagira trazem, por sua vez,
um potencial importante de intervenção no mundo para os adep-
tos e clientes da umbanda, como estratégia de enfrentamento de
aflições e direcionamento da própria vida em sentidos desejados.

222
Mas, ao mesmo tempo, uma visão do mundo como conflituoso,
repleto de perigos, e em que ritos e mecanismos de proteção são
necessários.

O panteão umbandista representa o contexto brasileiro,
dando destaque privilegiado aos marginalizados: caboclos, pretos
velhos, crianças, marinheiros, ciganos, boiadeiros, cangaceiros,
baianos. A esquerda, por sua vez, traz um outro tipo de margi-
nalidade: malandros, criminosos, prostitutas, devassos, feiticeiros
expressos através dos sofredores/eguns, pombagiras, exus. Di-
versidade fundamental para a religião, pois, como indicam Bru-
mana e Martinez:
Diante de um Deus único e monolítico só existem duas possibi-
lidades: a submissão (qualquer que seja a feição que esta assuma)
ou a perdição. Os múltiplos poderes, nenhum deles tão forte
como para poder prevalecer sobre os demais, deixam uma mar-
gem de manobra pelo contrapeso entre as diversas entidades.
Nenhum poder é absoluto, sempre há limites para seu alcance.
(...)
...da vontade ou da natureza da entidade não pode des-
prender-se um código universal de respeito obriga-
tório. Assim, os objetivos do cliente não têm por que
submeter-se aos da entidade; sua heterogeneidade está pressu-
posta na oferenda como pagamento de serviços (1991: 259).

Se também na umbanda o processo de incorporação destas


entidades é a base do rito religioso, pode-se identificar aqui um
tipo de incorporação distinto, que mescla o transe espírita àquele
do candomblé. Por um lado, assim como no espiritismo – e em
contraposição ao candomblé – cada médium da umbanda incor-
pora várias entidades. No entanto, tais entidades não são espíritos
desencarnados de pessoas concretas, mas entidades representan-
tes de ideias mais abstratas (embora os adeptos afirmem que elas
tiveram uma vida terrena) e que se identificam como componen-
tes de linhas diferentes. Como exemplo, é comum que os mé-

223
diuns umbandistas incorporem um caboclo, um preto velho, uma
criança, um exu, um boiadeiro, uma pombagira, etc., vinculados
a eles a partir de sua iniciação religiosa. Acrescente-se, ainda, que
as entidades se expressam em português, o que traz um aspecto
fundamental para a estruturação da umbanda: a possibilidade de
que o sistema de “consultas” com as entidades se dê de maneira
direta, e que se torne o eixo dos ritos rotineiros. A religião con-
segue, portanto, reunir não apenas um número significativo de
adeptos, mas também uma clientela numerosa, que procura os
terreiros para assistir aos ritos, mas, principalmente, buscar so-
luções para problemas das mais diversas ordens. A clientela é tão
importante quanto os adeptos, pois:

O centro não pode funcionar sem clientes. No plano místi-


co, porque suas aflições são o motivo da presença dos Ori-
xás na terra; no plano profano, porque só sua afluência pode
dar vida ao terreiro (Brumana e Martinez, 1991: 207).

Neste sentido, outro aspecto da influência espírita que


marca a estrutura da umbanda é a importância atribuída ao aten-
dimento à clientela, a partir de uma valorização da “caridade”.
Assume, então, lugar de destaque a ideia de “trabalho”. Isma-
el Pordeus Jr., ao abordar o tema, afirma o uso recorrente “do
termo trabalho como expressão da imensa e complexa gama de
rituais praticados nessa religião. E, principalmente, o fato de os
próprios umbandistas considerarem trabalho e magia como sendo
um único fenômeno” (2000: 39). O termo adquire relevância ao
ponto de José Guilherme Magnani (1991) afirmar que, enquanto
o candomblé se constitui em um “teatro dos deuses”, a umbanda
se caracteriza como o espaço do “trabalho”.

O fato de se dirigir para o atendimento a uma clientela


que não possui vínculos mais estreitos com a religião – embora os

224
processos de atendimento e cura possam provocar estes vínculos
posteriormente –, traz um segundo aspecto importante relativo à
divisão da umbanda em umbanda e quimbanda: o problema da co-
brança por “trabalhos”. Neste sentido, a umbanda como primeiro
termo da divisão passa a ser valorizada não só por apontar para uma
maior distância dos rituais e da cosmologia afro-brasileiros, além
de trazer uma ideia moral do bem se contrapondo ao mal, mas tam-
bém por carregar uma perspectiva da importância do “trabalho” de
caridade, não remunerado. Assim, a quimbanda será simultanea-
mente condenada por ser mais “negra” – tanto do ponto de vista de
suas referências religiosas como de vínculo atribuído com a “ma-
gia negra” – e por ser mais voltada para o ganho financeiro. Nova-
mente, o preconceito não é enfrentado, mas deslocado para outro
grupo – neste caso, para uma parte marginal do mesmo grupo.

No entanto, a moralização e branqueamento propostos


por uma elite umbandista e articulados através da produção de
literatura e da organização de federações – com a promoção de
eventos e tentativa de instauração de uma unidade na umbanda
– não se concretiza de maneira eficiente. Não há, apesar dos es-
forços, sucesso no sentido de unificar as práticas dos inúmeros
terreiros espalhados pelo país, ou de reprimir a quimbanda como
indesejável e moralmente condenada. Segundo Patrícia Birman:
A umbanda mais praticada, que se dissemina sem nenhum contro-
le, é essa – misturada, que não dá importância à pureza, seja esta
de cunho moral, com a pretensão de impor códigos doutrinários,
seja de caráter ritual. Através da representação das diferenças re-
ligiosas como linhas possíveis e legítimas comandadas pelos espí-
ritos e orixás, torna-se sempre possível para o umbandista com-
por, somar, articular princípios diversos na sua prática (1985: 90).

Pordeus Jr. , no mesmo sentido, aponta que:

225
A umbanda relegou elementos dos mais significativos da cul-
tura afro-brasileira ao plano da quimbanda. Enviou o Exu para
a senzala, colocou-o em seu lugar, na magia negra. Apesar da
fachada umbandista, é a quimbanda que é sempre praticada
quando as coisas não funcionam bem ou nos estados de aflição.
Não tememos dizer que, ao longo de nossas pesquisas, a quim-
banda se revela a prática mais importante dos terreiros um-
bandistas (...). A quimbanda, como imagem refletida no es-
pelho, e o inverso da umbanda, ou ainda a sobrevivência da
memória negra através da rearticulação de Exu (2000: 79).

Vê-se, portanto, na umbanda uma ambiguidade que traz a
riqueza da religião e sua capacidade de penetração em todo o ter-
ritório nacional: uma incorporação da moralidade e da lógica cris-
tãs que, embora presentes no discurso e nos processos de avaliação
e construção de legitimidade interna dos vários grupos, não se
mostra absoluta. A diversidade, aliada a uma perspectiva que torna
a dicotomia complexa, permite a abertura para comportamentos
e desejos diferenciados, e uma negociação sempre possível entre
bem e mal. Além disso, a umbanda dialoga com o universo da re-
ligiosidade popular brasileira, em que o mundo é percebido como
repleto de perigos – estando a maior fonte deles nos contatos
próximos entre o humano e o sobrenatural27 –, os males são atri-
buídos a fatores externos, a inveja é uma das principais ameaças à
vida, ritos de proteção devem fazer parte do cotidiano. E a possi-
bilidade de intervenção no mundo traz um alívio às várias aflições
que permeiam as histórias das pessoas – sejam adeptos ou clientes.

Por fim, cabe ressaltar que a umbanda não apresenta dis-
curso condenatório de outros códigos religiosos. Na verdade,
o discurso condenatório é muito mais mobilizado internamen-
te, seja para contestar a atuação de pais ou mães de santo como
charlatães, seja para condenar moralmente suas ações (então
reconhecendo-as como eficazes). Não há, portanto, incompati-
bilidade entre ser católico e umbandista, na medida em que o

226
primeiro vínculo religioso estaria muito mais direcionado a
questões de salvação e ritos sociais consagrados, enquanto na
umbanda “o que realmente importa não são as doutrinas e sim
a ajuda que se pode obter” (Brumana e Martinez, 1991: 422).
É interessante observar que, no centro do Rio de Janeiro, seria
possível inclusive identificar várias igrejas de um “catolicismo de
umbanda” – em que a devoção a santos importantes no panteão
umbandista (como São Cosme e Damião, São Jerônimo, São Jor-
ge, São Cipriano, entre outros) se reúne ao culto às almas, e a
uma ritualística característica da umbanda (com o uso de velas
coloridas e pipocas juntamente com ex-votos, por exemplo). Es-
tas igrejas têm missas regularmente celebradas, e são aquelas da
região central da cidade que congregam público significativo.

____________________
27
No catolicismo popular paranaense há um exemplo muito ilustrativo desse perigo: um
dos dias mais temidos do ano, segundo relatos que ouvi em vários grupos rurais do es-
tado, é o 25 de março. Normalmente situado na quaresma, este dia se caracteriza por
uma abertura arriscada do mundo ao sobrenatural – com várias visagens povoando o co-
tidiano. Exige jejum, respeito, não trabalho, reclusão. Ao indagar o motivo de tal perigo,
recebi a resposta de que a data antecede em exatos nove meses o nascimento de Cristo.
Assim, um contato com o sagrado capaz de gerar a concepção de Maria, se é o funda-
mento do cristianismo, é também o exemplo de uma proximidade que se deve temer.

227
IV. O NEOPENTECOSTALISMO DA IGREJA UNIVERSAL
DO REINO DE DEUS (IURD)

Provavelmente, este seja o item que maior estranheza traz


neste texto, e deve provocar reações quanto à ideia de incorporar
a Igreja Universal do Reino de Deus como resultado da influên-
cia africana sobre a religiosidade brasileira. Afinal, a identifica-
ção das religiões afro-brasileiras simultaneamente com o feitiço
e o demônio é um dos principais eixos tanto do discurso quan-
to dos rituais da IURD, e uma das grandes estratégias de atra-
ção e conversão de adeptos. Ronaldo de Almeida (2009) afirma,
mesmo, que o foco da Igreja Universal não é o cristianismo e
uma perspectiva de salvação, mas sim os processos de libertação
(das entidades vinculadas, principalmente, à umbanda). O que
se expressa, inclusive, no título de um dos livros de autoria de
Edir Macedo, liderança máxima da IURD: Orixás, Caboclos e
Guias. Deuses ou Demônios?, cuja circulação já foi judicial-
mente proibida devido à incitação ao preconceito religioso que
traz. Pode-se dizer, portanto, que a IURD se dirige muito mais ao
enfrentamento de males (sejam físicos ou espirituais) deste mun-
do – assim como nas afro-brasileiras – que a uma ênfase na vida
após a morte. Há uma relação clara entre cura e conversão, tam-
bém muito presente naquelas religiões que elege como suas prin-
cipais opositoras28 . Acrescente-se que, ao fazer da demonização
das religiões afro-brasileiras um aspecto crucial, a IURD também
incorpora a simbologia, certos ritos e datas do calendário de tais
religiões. O transe (tanto a possessão por seres nominados segun-
do o panteão umbandista quanto o “batismo no Espírito Santo”)
passa a ser um elemento fundamental dos cultos. A sacralização
____________________
28
Cabe ressaltar que alguns crimes dos quais Edir Macedo foi acusado na década de
1990, como charlatanismo e curandeirismo (cf. Mariano, 1999, Almeida, 2009), são
também mobilizados nos processos de criminalização das religiões afro-brasileiras.

228
de objetos e a realização de ritos com eficácia mágica são compo-
nentes do calendário religioso – como o uso de óleos consagra-
dos, a passagem por corredores ou portais, a queima de roupas
e objetos, etc., com consequências diretas nas vidas dos que se
submetem a tais ritos. Acrescente-se, ainda, o lugar fundamental
ocupado pelo sacrifício – agora não mais pela mobilização do san-
gue sacrificial, mas das doações monetárias29 . Pontos de contato
mais ou menos próximos, que pedem uma análise aprofundada.

Antes, porém, de passar aos aspectos elencados logo aci-


ma, é importante compreender como se dá a demonização do
candomblé e da umbanda no discurso de Edir Macedo30 . Para
tanto, é necessário ter em mente uma característica da igre-
ja apontada no parágrafo anterior: o perfil mágico-religioso da
IURD, com ênfase no fornecimento de serviços religiosos de
cunho curativo e protetor, expresso na relevância que adquire o
processo de “libertação”. Há, assim, um deslocamento das origens
de diversos males enfrentados pelos sujeitos para a ação de ele-
mentos externos, os “demônios” que os possuem. Estes, por sua
vez, precisam ser melhor definidos, e é a partir de tal necessidade
que se mobiliza o preconceito racial/religioso prevalente na so-
ciedade brasileira e a relação direta que estabelece entre religiões
afro-brasileiras e feitiçaria31 . Em Orixás, Caboclos e Guias:
Deuses ou Demônios?, Edir Macedo (2000) explicita de que for-
ma estabelece tais relações em vários trechos, como por exemplo:
____________________
29
Esta relação entre sacrifício animal e monetário me ocorreu a partir de uma conver-
sa com o Prof. Edin Abumanssur, em que este falava do dinheiro na IURD como sacri-
fício que se assemelha aos pactos com o divino estabelecidos na religiosidade popular.
30
Embora esta também se estenda ao espiritismo e, de maneira distinta, ao catolicismo e ou-
tras denominações religiosas, o foco dos ataques são as religiões afro-brasileiras, e o diálogo
direto se dá com a umbanda.
31
Mariano (1999) afirma que: “Nos demais países em que está presente, a Universal adota a
estratégia de se contrapor às religiões locais, retraduzindo sua mensagem de acordo com as
matrizes simbólicas locais oponentes. Daí que em Portugal, por exemplo, ‘os demônios se
manifestam de forma diferente’ e com outros ‘nomes’, segundo o pastor Silvério Prazeres
Costa” (:136 – nota 31).

229
Quando os primeiros escravos chegaram ao Brasil, trouxeram com
eles as seitas animistas e fetichistas que permeavam seus países de
origem na África. Aqui, encontraram muita afinidade por parte
dos índios que tinham também uma forma de religião semelhan-
te, onde os espíritos dos mortos eram consultados e onde se fa-
ziam trabalhos para agradarem aos desencarnados ou deuses em
seus rituais, ora folclóricos, ora macabros. Para evitar atritos com
a Igreja Católica, os escravos que praticavam a macumba, inspi-
rados pelas próprias entidades demoníacas, passaram a relacio-
nar os nomes de seus deuses ou, para ficar mais claro, demônios,
com os santos da Igreja Católica. Assim, podiam escapar à gran-
de perseguição que a própria Igreja Católica moveu contra eles,
após a libertação dos escravos, por praticarem tais cultos (:44).

É interessante observar, neste texto do líder máximo da


IURD, como um discurso mais ameno vai se transformando em
um enunciado marcado pela condenação das práticas negras.
Assim, embora os índios sejam inseridos no contexto descrito,
eles logo desaparecem, e as seitas negras, inicialmente animis-
tas, fetichistas ou folclóricas, se transformam em rituais maca-
bros inspirados por demônios. Em outro momento do texto, ao
falar em trabalhos ou despachos feitos pelos “adeptos da feiti-
çaria”, reduz à magia as religiões afro-brasileiras, que passam a
ser um espaço povoado por feiticeiros. Feiticeiros estes que são
eficazes, responsáveis pela destruição não somente das vidas de
suas vítimas, mas também das pessoas que deles se aproximam.
Acrescente-se que a maneira como o autor descreve as supostas
formas de interferência dos demônios (identificados nominal-
mente com entidades da umbanda) no mundo humano intensi-
ficam o temor às religiões afro – pois não apenas a frequência
aos cultos, mas a mera convivência com adeptos destas religiões,
bem como a ingestão de alimentos produzidos por seus membros
(mesmo em contextos não rituais, como os acarajés das baianas)
podem colocar alguém em perigo. Além disso, pode-se herdar
a possessão por um “espírito demoníaco” de familiares, ou ser

230
atingido por ritos intencionalmente feitos por terceiros. Assim,
não basta se converter, mas é necessária uma verdadeira “guerra
santa” com o objetivo de combater as religiões a que se opõem.

Nesta guerra, por sua vez, há uma apropriação de vários


elementos simbólicos principalmente da umbanda. Assim, os ri-
tos de “libertação”, que ocorrem às sextas-feiras32 , têm como
eixo a incorporação dos presentes pelos “demônios” que os “pos-
suem” e são os responsáveis pelos problemas de suas vidas. Neles,
como descreve Almeida (2009), os fiéis não apenas entram em
transe e têm aqueles que os vitimizam e destroem suas vidas ex-
pulsos de seus corpos, mas estes precisam dizer seus nomes, que
são nomes de entidades da umbanda. Dentre elas, têm destaque
especial as entidades “de esquerda” – exus e pombagiras –, porém
estereotipados e “dominados” pelos pastores, de maneira muito
distinta àquela com que aparecem nos contextos umbandistas.

Acrescente-se que o calendário litúrgico da umbanda passa


a ser um guia para as atividades da IURD33 . Além da importância
atribuída à sexta-feira, Mariano (1999) e Almeida (2009) fazem
____________________
­
32
As sextas são dias com uma sacralidade especial nas religiões afro-brasileiras, como se
explicita no seguinte trecho de Silva (2007): “Os dias iniciais ou terminais da semana são
consagrados ao domínio do fogo, elemento transformador. Assim, segunda e sexta-feira são
dias consagrados a Exu, que sendo orixá dos caminhos e das passagens é cultuado nesses
dias liminares que circunscrevem as mudanças entre períodos de trabalho e de descanso.
Suas horas consagradas são as de mudanças de períodos, como a meia-noite. Por esse mo-
tivo, nesses dias e horário são feitas, preferencialmente, as giras de exus (ou dos guias da
esquerda) nos terreiros de umbanda, e lhes são entregues oferendas em locais de passa-
gens, como encruzilhadas e cemitérios. Sexta-feira também é o dia consagrado a Oxalá,
no candomblé. Por ser o orixá da criação que se veste de branco (e não recebe oferendas
com óleo de dendê ou sacrifício de sangue), Oxalá foi associado a Jesus ou às suas de-
nominações, como o Senhor do Bonfim na Bahia. Muitos iniciados se vestem de branco
neste dia e evitam comer carne vermelha, preferindo o peixe. Existe nessa associação uma
alusão ao tabu da quaresma ou da Sexta-feira Santa, dia em que Cristo foi crucificado, o
que torna essa data um dia de morte, mas também de esperança na ressurreição” (:237).
33
Extenso quadro das relações entre calendário católico, afro-brasileiro e da
Igreja Universal é apresentado por Silva (2007: 142-143). No mesmo capí-
tulo, o autor explora de maneira muito mais detalhada, também, as proxi-
midades simbólicas e estruturais entre a IURD e o universo afro-brasileiro.

231
referência à preocupação da igreja, por exemplo, com a aproxima-
ção do dia de São Cosme e Damião, em que há tradicionalmente a
distribuição de doces por membros das religiões afro-brasileiras.
A fim de que as crianças da membresia não sejam contaminadas –
já que a simples ingestão de alimentos vinculados a tais religiões
tem potencial deletério –, a IURD organiza, ela mesma, um even-
to infantil com a doação de guloseimas para suas crianças. E, ainda,
estão presentes nos ritos e produtos (com eficácia mágica) ofere-
cidos pela igreja ervas e óleos utilizados tanto nas religiões de ma-
triz africana e na umbanda quanto na religiosidade popular de ma-
neira mais ampla – como, por exemplo, a arruda (cf. Silva, 2007).

Mas, além de proximidades mais diretas, também é possí-


vel estabelecer analogias entre a perspectiva da Igreja Universal e
da umbanda. Com efeito, quando se pensa a relação da primeira
com o cristianismo, destacam-se pontos específicos: há a adoção
de uma perspectiva dicotômica do mundo, em que ao bem, iden-
tificado com o que “é de Deus”, se opõe o mal, “do diabo”; neste
mundo, por sua vez, embora o mal sempre ameace o cotidiano,
a força do bem é maior – sendo portanto legítimo e eficaz mobi-
lizar o nome de Deus (e, por extensão, de Jesus) para enfrentar
o mal –; tal processo, além disso, se sustenta e é reconhecido
através dos textos bíblicos, tornando-se a referência à Bíblia a evi-
dência da correção e sacralidade da “guerra santa” contra o mal.
No entanto, ao ter como foco a libertação, e não a salvação, há um
esvaziamento de noções como autocontrole, culpa ou pecado (cf.
Mariano, 1999). Com efeito, a fonte do mal é externa, sua mani-
festação (inclusive) corporal, o sofredor é uma vítima tanto dire-
tamente de seres sobrenaturais quanto da ação de outras pessoas
(que mobilizam tais seres). O contato do mundo humano como
o sobrenatural é constante e perigoso, e a alteridade é a expres-
são de tal perigo. A magia é eficaz, e assim como atos de magia

232
maléfica podem destruir a vida das pessoas, também é necessá-
rio realizar constantemente ritos mágicos de proteção – no que a
IURD teria uma função essencial para seus adeptos e clientela34.

Cito, aqui, um longo trecho de Almeida, em que o autor


sintetiza a importância do universo religioso afro-brasileiro (prin-
cipalmente a umbanda) na constituição não apenas da cosmologia,
mas também dos rituais da Igreja Universal do Reino de Deus:

... se o transe narrado já pertence à Igreja Universal, as entidades,


consequentemente, já fazem parte de seu universo. Ao adquiri-
rem autonomia nesse espaço, as entidades receberam atribuições
específicas, todas relacionadas a males concretos da vida. Segun-
do os pregadores, a pombagira, por representar uma prostituta e
por levar as pessoas ao homossexualismo, é a causadora da aids; o
preto-velho, por andar curvado, causa as dores na coluna; o exu
Tranca-Rua gera a miséria; os erês atingem fisicamente as crianças;
o exu da morte, por sua vez, motiva o suicídio. Em vez do diagnós-
tico de uma doença ou de qualquer desgraça, a igreja vem formu-
lando paulatinamente uma anatomia da possessão, ao conferir às
entidades atribuições em grande medida diferentes das registradas
no espaço de um terreiro. (...) O que demonstra a (re)simboli-
zação das entidades afro-brasileiras, ou melhor, sua incorporação.
Portanto, ao acreditar que está combatendo uma fé inimiga, a
Igreja Universal, na realidade, criou uma cosmologia de seres
malignos povoando seu inferno com as entidades. Logo, por um
sincretismo às avessas, a Igreja Universal acabou produzindo sua
pombagira, seu exu Tranca-Rua, sua Maria Padilha. (...) A guerra
travada consegue, dessa forma, conjugar um sincretismo inver-
tido com a ideia de pluralismo religioso. E, como consequência,
a Igreja Universal combate aquilo que, em parte, ajudou a criar.
Paradoxalmente, assim, a Igreja Universal ficou mais parecida com
sua inimiga. Mesmo sendo pentecostal, ela acabou se situando em
um meio caminho entre os evangélicos e as religiões afro-brasi-
leiras. (...) mais que um sincretismo às avessas, a Igreja Univer-
sal, em seu processo de constituição, elaborou, pela guerra, uma
antropofagia da fé inimiga. (...) Em resumo, muito mais que pela
oposição ou pelo contraste, a Igreja Universal rege seu proces-
____________________
34
Não é necessário ser um membro da IURD para se beneficiar de seus ritos mágicos e ses-
sões de libertação. Neste sentido, é possível observar mais um ponto de proximidade com
a umbanda, em que os templos são frequentados tanto por adeptos da religião quanto por
uma clientela de não adeptos. Em síntese, a IURD é também uma denominação que oferece
serviços mágico-religiosos que se definem como eficazes para uma clientela de não adeptos.

233
so de expansão por uma antropofagia religiosa, na qual as mais
diversas crenças podem ser negadas em seu conteúdo religio-
so original e, ao mesmo tempo, parcialmente assimiladas em
suas formas de apresentação e funcionamento (2009: 122-124).

De forma mais ampla, também aponta Silva (2007) que:


Se a evangelização e a libertação apregoadas pelas igrejas neo-
pentecostais, que se traduz num combate aos terreiros afro-bra-
sileiros, parece promover um aparente afastamento entre essas
instituições, beneficiando o crescimento das primeiras e a evasão
de adeptos dos segundos, além da degeneração da imagem pú-
blica destes, há em sentido inverso um entrelaçamento desses
campos que os aproxima (...). Esta afirmação parece consistente
ao observarmos que a produção literária, concepções religiosas,
uso da oralidade e do transe, cosmogonias, ritos e liturgias que
constituem a teologia neopentecostal da batalha espiritual pa-
recem fornecer uma “pedagogia” na qual o léxico e a gramática
do sistema combatido são aproveitados em benefício próprio.
Valer-se da lógica mágico-religiosa do outro parece ser o pri-
meiro passo para tentar garantir a operacionalidade dessa lógi-
ca quanto aplicada em seu próprio sistema, a partir de outros
pressupostos. A “inversão”, também sendo uma versão, só faz
sentido quando se conhece o que se inverte (: 255-256).

Este processo, por sua vez, não é tão distinto daque-


le observado nos contextos seja do catolicismo negro, seja
da umbanda – em que vários aspectos da religiosidade afri-
cana são incorporados, embora muitas vezes com uma re-
significação de seus elementos. Mas há, no entanto, uma di-
ferença fundamental: resulta do discurso da libertação e da
consequente “guerra santa” efetuados pela IURD o recrudesci-
mento do preconceito religioso – gerando, inclusive, ataques físi-
cos diretos a templos e membros das religiões afro-brasileiras35 .

____________________
35
Cabe apontar, como se explicita no livro Intolerância Religiosa. Impactos do Ne-
opentecostalismo no Campo Religioso Afro-Brasileiro, organizado por Vagner
Gonçalves da Silva (2007), que os adeptos das religiões afro-brasileiras não fo-
ram vítimas passivas de tais processos, mas, juntamente com associações do movi-
mento negro, se organizaram em sua defesa através de meios políticos e jurídicos.

234
Assim, ao incorporar aspectos das religiões afro-brasileiras
através de sua identificação com “o mal”, que deve ser extirpado, a
IURD contribui de maneira direta e violenta para consolidação da
relação inicialmente abordada neste texto entre preconceito reli-
gioso, preconcei preconceito racial, temor à feitiçaria e identidade
entre os três termos. Neste sentido, reforça (e, em certa medida,
recria) uma construção que se deu ao longo de toda a história nacio-
nal – exercendo influência muito mais abrangente que apenas sobre
seus membros (tanto no meio evangélico quanto não evangélico).

É importante ressaltar, ainda, que a “guerra santa” baseada
na importância atribuída à ação de demônios na vida das pesso-
as, a necessidade de investir em rituais de libertação e proteção,
a identificação do diabo com o universo religioso afro-brasilei-
ro não são exclusividade da Igreja Universal do Reino de Deus.
Tais ideias estão difundidas no interior de várias denominações
pentecostais – de maneira muito semelhante na Igreja Internacio-
nal da Graça de Deus. Vagner Silva (2007) afirma, inclusive, que:

A “demonização” das religiões afro-brasileiras propagada pelo


neopentecostalismo já estava presente em fases anteriores do
movimento pentecostal, como elemento da teologia da cura di-
vina. Sendo uma das partes constitutivas do ritual da benção
aos doentes, a cura servia para mostrar a vitória de Deus sobre
o demônio, geralmente identificado com a umbanda e o can-
domblé (...). Nesse período, entretanto, não se convocavam os
“exércitos de Cristo” para saírem às ruas para impedir ri-
tuais afro-brasileiros ou mesmo tentar fechar terreiros
como têm ocorrido nas duas últimas décadas (:195).
Esta identificação das religiões afro-brasileiras com o de-
mônio de maneira mais ampla também é explicitada em pesquisa
realizada entre evangélicos do Grande Rio de Janeiro em 1994 (cf.
Mariano in Silva, 2007), em que 95% dos entrevistados declara-
ram considerar candomblé e umbanda como religiões demoníacas.

235
Contudo, dentre as denominações de grande projeção nacional e
presença midiática, é na IURD que o ataque direto às religiões afro
-brasileiras tem maior centralidade, e toma sua forma mais agres-
siva. Analisar seu exemplo contribui para compreender como a
expansão das religiões evangélicas no país trouxe consigo a reati-
vação, fortalecimento e reconfiguração do preconceito racial/re-
ligioso36 . Mas, por outro lado, permite perceber como o diálogo
com as religiões afro-brasileiras e a mobilização do “medo do feiti-
ço” são elementos de evangelização importantes mobilizados por
certas denominações evangélicas. É possível, em suma, apontar tais
conformações do campo religioso evangélico brasileiro também
como resultados da influência da religiosidade africana no país.

Para finalizar, gostaríamos de propor uma perspectiva se-


gundo a qual os milhões de negros desterritorializados e arras-
tados para o Brasil através do violento sistema que resultou em
sua escravização, ao trazerem consigo sua cosmologia e suas prá-
ticas religiosas, fixaram uma matriz – múltipla e aberta – que,
ao longo da história, foi e é mobilizada e atualizada no processo
dinâmico de formação e transformação do campo religioso na-
cional. Matriz que, por outro lado, foi lida pelos grupos domi-
nantes como ameaçadora. O que gerou a contraparte da demoni-
zação e condenação moral das práticas religiosas negras e de sua
cosmologia. E resultou na conjugação de preconceito religioso,
preconceito racial e temor à feitiçaria que abordamos inicialmen-
te. Preconceitos que, também eles, passaram a ter uma estrutu-
____________________
36
Isto tem um efeito direto no contexto de salas de aula do ensino fundamental e médio.
Principalmente em áreas onde a presença evangélica é significativa. Alguns dados censi-
tários sobre a população paranaense são aqui interessantes: os evangélicos subiram de
16,16% da população paranaense em 2000 para 20,99% em 2010. Número ainda maior
entre os negros paranaenses, que de 18,71% de evangélicos em 2000 passaram para
25,48% em 2010. Dentre os negros evangélicos em 2010, por sua vez, 67,03% são pen-
tecostais (em 2000, o percentual de evangélicos que se declaravam pentecostais era signi-
ficativamente maior no Paraná: 77,91%). Já o número de adeptos negros declarados da
IURD é muito menos relevante: apenas 3,64% do total de evangélicos negros em 2010.

236
ra matricial, pois que constantemente remodelados para atender
a novas situações e permitir novos arranjos do campo religioso.

Neste contexto, o debate das religiões afro-brasileiras no


ambiente escolar não se dá como mera “informação” ou “esclareci-
mento” de alunos sem história. Ao contrário, ele mobiliza valores
fortemente arraigados. Assim, deve consistir em um processo de
negociação da possibilidade de diálogo, que muitas vezes é inviabi-
lizado por tais valores. Embora os caminhos para tanto não sejam
claros, cremos que vale a pena refletir e propor a reflexão sobre os
processos históricos que fixaram tais preconceitos – não através
de sua simples negação, mas da percepção de que elementos da
religiosidade nacional que são atribuídos aos negros (como o uso
da magia ou a experiência do transe), na verdade se espalham por
vários grupos sociais e religiosos. Além disso, é interessante que o
diálogo aponte não para aspectos isolados das religiões afro-bra-
sileiras, mas para a maneira pela qual estas elaboram perspectivas
de mundo complexas e saberes diversificados. O reconhecimento
de um cosmos que não se orienta apenas por uma racionalida-
de científica e não se reduz à visão maniqueísta de bem e mal,
mas legitima formas diferenciadas de ser, aponta neste sentido.

237
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242
ATIVIDADES

A partir do texto, responder às seguintes questões:

a.Como compreende a afirmação da autora de que no Brasil há uma rela-


ção entre preconceito racial e preconceito religioso que é perpassada pelo
temor à feitiçaria? Como tal relação se constrói ao longo da história?

b.Quais as proximidades e distâncias estruturais e de conteúdo


que identifica entre candomblé e umbanda? E entre a umbanda
e o neopentecostalismo da Igreja Universal do Reino de Deus?

c.Como o catolicismo das irmandades dos “santos de preto” possi-


bilita um espaço de autonomia e organização de negros no interior
do sistema religioso dominante? O que pensa sobre este tema?

243

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