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Organizadores

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Redação e reportagem
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SÉRIE NOVAS DIRETRIZES

Volume 1
Perfis no jornalismo
Narrativas em composição
Marta Maia

Volume 2
Hiperinfografia
A visualização da informação jornalística mais sofisticada
William Robson Cordeiro
TÓPICOS EM JORNALISMO
Redação e reportagem
Universidade Federal de Santa Catarina

Reitor
Ubaldo César Baltazar

Pró-Reitora de Pós-Graduação
Cristiane Derani

Diretor do Centro de Comunicação e Expressão


Fábio Luiz Lopes da Silva

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo


Rita de Cássia Romeiro Paulino

Conselho Editorial da Editora Insular


Dilvo Ristoff
Eduardo Meditsch
Jali Meirinho
Jeférson Silveira Dantas
Nilson Cesar Fraga
Pablo Ornelas Rosa
Sergio Ricardo Ferreira Mota
Waldir José Rampinelli
Angela Zamin
Reges Schwaab
(organizadores)

TÓPICOS EM JORNALISMO
Redação e reportagem

Série Novas Diretrizes


Volume 3

Florianópolis

2021
Editora Insular
TÓPICOS EM JORNALISMO
Redação e reportagem
Angela Zamin, Reges Schwaab
(organizadores)
Série Novas Diretrizes
Diretor Samuel Pantoja Lima
Conselho Consultivo Editor
Adriana Amado (Universidad Argentina de la Empresa – UADE) Nelson Rolim de Moura
Celso Schröder (PUCRS-Fenaj)
José Carlos Camponez (Universidade de Coimbra) Projeto gráfico e Editoração
Liziane Guazina (UnB) Silvana Fabris
Marta Regina Maia (UFOP)
Rafael Bellan (UFES) Revisão
Rogério Christofoletti (UFSC) Carlos Neto
Roseli Fígaro (USP)
Sylvia Moretzsohn (UFF/Universidade do Minho) Projeto e execução da capa
Eduardo Cazon

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo, SP)
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes - CRB-8 8846
Z24t Zamin, Angela; Schwaab, Reges (org.).
Tópicos em Jornalismo: redação e reportagem / Organizadores: Angela Zamin e Reges Schwaab; Prefácio de Rogé-
rio Christofoletti – 1. ed. – Florianópolis, SC : Editora Insular, 2021.
372 p. (Novas Diretrizes, v. 3)
E-Book: 1,9 Mb; PDF.
ISBN 978-85-524-0220-6.
1. Jornalismo. 2. Redação. 3. Reportagem. I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.
CDD 070.4
21-30281152 CDU 070

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO


1. Jornalismo.
2. Jornalismo (imprensa).

TÓPICOS EM JORNALISMO: REDAÇÃO E REPORTAGEM


ZAMIN, Angela; SCHWAAB, Reges (org.). Tópicos em Jornalismo: redação e reportagem. 1. ed. Florianópolis, SC:
Editora insular, 2021. (Novas Diretrizes, v. 3). E-Book (PDF; 1,9 Mb). ISBN 978-85-524-0220-6.

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Aos nossos professores.
Sumário
Prefácio...................................................................................................13
Rogério Christofoletti

Apresentação..........................................................................................19
Angela Zamin, Reges Schwaab

Princípios e etapas da produção


Pauta........................................................................................................25
Thaís Furtado

Apuração................................................................................................35
Reges Schwaab

Dados | Uso de dados na apuração.....................................................43


Marcelo Träsel

Fontes......................................................................................................53
Cláudia Herte de Moraes

Entrevista como método......................................................................61


Reges Schwaab

Redação...................................................................................................71
Ana Cristina Spannenberg e Nuno Manna

Edição.....................................................................................................83
Luiz Antônio Araujo

Fact-checking.........................................................................................91
Taís Seibt

Gêneros jornalísticos
Nota.......................................................................................................103
Angela Zamin e Reges Schwaab
Notícia...................................................................................................109
Luciana Menezes Carvalho

Reportagem..........................................................................................115
Felipe Boff

Entrevista..............................................................................................121
Alexandre Maciel

Perfil......................................................................................................127
Marta Maia

Editorial................................................................................................133
Andréa Franciéle Weber

Carta ao leitor......................................................................................137
Luiz Antônio Araujo

Coluna...................................................................................................141
Eduardo Ritter

Crítica...................................................................................................147
Everton Cardoso

Crônica.................................................................................................153
Marta Maia e José Carlos Fernandes

Release..................................................................................................161
Mirian Redin de Quadros

Jornal | Revista
Jornal.....................................................................................................169
Hila Rodrigues

Jornal-Laboratório...............................................................................177
Adriana Bravin
Jornal universitário.............................................................................187
Everton Cardoso e Felipe Ewald

Revista...................................................................................................195
Frederico de Melo Brandão Tavares

Revista-laboratório..............................................................................205
Karina Gomes Barbosa

Revista universitária............................................................................215
Luciane Treulieb e Maurício Dias Souza

Projeto editorial e gráfico.................................................................. 221


Angela Zamin

Títulos...................................................................................................229
Viviane Borelli

Legenda.................................................................................................237
André Carvalho

Editorias | Seções | Abordagens especializadas


Política..................................................................................................249
Hila Rodrigues

Economia..............................................................................................255
Maria Lucia de Paiva Jacobini

Local | Cidades.....................................................................................261
Luiz Antônio Farias Duarte

Internacional........................................................................................271
Angela Zamin

Esporte..................................................................................................281
Eduardo Ritter
Cultura..................................................................................................287
Sérgio Luiz Gadini

Educação...............................................................................................295
Cláudia Herte de Moraes

Saúde.....................................................................................................303
Ana Cláudia Peres

Ciência..................................................................................................309
Verônica Soares da Costa

Meio ambiente.....................................................................................317
Roberto Villar Belmonte

Rural......................................................................................................323
Ângela Cristina Trevisan Felippi

Segurança pública................................................................................331
Lara Nasi e Anelise Dias

Comportamento e tendências............................................................341
Sílvia Lisboa

Tecnologia | Mundo digital................................................................347


Stefanie Carlan da Silveira

Gastronomia e alimentação...............................................................353
Dayane do Carmo Barretos

Autores e autoras................................................................................359
Prefácio

Nem manual nem enciclopédia

Uma profissão se forja a partir de alguns elementos básicos: co-


nhecimentos técnicos específicos, um punhado de valores, um grupo
de pessoas que se ocupe daquilo e alguma expectativa de outras pes-
soas sobre aquele fazer. Funciona mais ou menos igual para médicos,
mecânicos, advogados, professores, bombeiros...
Se você está lendo este livro, é muito possível que se interesse por
comunicação ou que tenha escolhido seguir a carreira de jornalista.
Não importa, valem as mesmas regras. Embora esta não seja uma
profissão tão antiga quanto a de Hipócrates, foi necessário juntar os
ingredientes acima para que se reconhecesse no jornalismo uma ati-
vidade única, distinta e socialmente útil. Só se faz jornalismo usando
técnicas apropriadas para buscar, conseguir e extrair informações.
Também há jeitos particulares para tratar esse material bruto e con-
vertê-lo em produtos que serão distribuídos a um número grande de
indivíduos. Esses produtos terão formatos próprios, mas terão algo
em comum: o objetivo principal é afetar/tocar as pessoas e aumentar
o grau de conhecimento ou informação que elas têm de um assunto,
acontecimento, personagem ou situação, por exemplo.
Portanto, já temos um grupo de pessoas a que se dirige o jorna-
lismo, e outro grupo daqueles que se ocupam de fazê-lo, conforme
alguns procedimentos.
Dominar esses conhecimentos técnicos ajuda alguém a se tornar
jornalista, mas não é o suficiente. É preciso também um punhado de
valores, que funcionam como princípios e modos de ver a vida, as
pessoas, o que fazemos e o que nos cerca. Não é só uma maneira de
enxergar as coisas, mas também uma forma de se colocar no mundo,
de se posicionar diante de escolhas e de circunstâncias desafiadoras.

13
Sem esses valores, a execução desses fazeres será só repetição mecâ-
nica, algo que outros seres podem fazer, inclusive coisas inanimadas,
como máquinas.
Voltemos um pouco no tempo. Conhecemos Hipócrates não
apenas porque era um notável praticante da medicina na Grécia
antiga, mas porque ele deixou um texto que revela alguns dos mais
importantes valores para quem exerce essa profissão. Embora tam-
bém impressionem outras obras descritivas do velho médico, é o
Juramento de Hipócrates que todos os estudantes de Medicina de-
clamam em suas formaturas até hoje. E lá se foram quase 2500 anos!
O juramento é, na verdade, uma afirmação da medicina como uma
prática humana que deve incansavelmente buscar o bem-estar das
pessoas, reduzir o sofrimento delas e postergar suas mortes, muito
embora saibamos de como isso é inevitável. O Juramento de Hipó-
crates é um documento ético para aquelas pessoas que escolheram
atuar na medicina. Por isso, é uma placa que sinaliza para onde se
deve ir, como se comportar, o que priorizar.
É evidente que os médicos atuais têm outros instrumentos para
se orientar eticamente, como códigos de conduta, guias corporati-
vos, normas do conselho classista ou determinações do Ministério
da Saúde. A vida se tornou mais complexa nos últimos 2500 anos e
foi necessário tornar mais sofisticados também essas balizas morais.
O mais importante é entender que, sem esse punhado de valores,
a medicina não seria o que é hoje, pois a noção de “cuidado”, tão
imprescindível nessa profissão, não é uma instrução técnica apenas.
O cuidado é uma preocupação ética, pois considera a relação entre
médico e paciente, e leva em conta a responsabilidade profissional do
primeiro e a vulnerabilidade do segundo, entre outros fatores.
Então, não é exagerado dizer que em certas profissões a técnica
e a ética estão muito relacionadas e se influenciam mutuamente. Na
medicina é assim; no jornalismo, também. Se você ainda está lendo
este livro (e espero que esteja!), vai perceber isso facilmente.
Ao longo de todo este Tópicos em Jornalismo: Redação e Repor-
tagem, a preocupação com explicações didáticas está ancorada no
exercício ético, atento, responsável e compromissado desta profissão

14
que vem sendo tão maltratada por muitos (dentro e fora das reda-
ções). O livro é uma vigorosa forma de reafirmar o jornalismo como
prática profissional, prestação de serviço à sociedade e conjugação de
caráter e convicção.
Eu adoraria dizer que o livro é um belo manual de jornalismo,
desses mais antigos que a gente encontra em sebos, verdadeiramente
devorados por traças e pouco manuseados por leitores. Os estaduni-
denses gostam muito desse tipo de literatura e eles publicam manuais
de todo tipo, inclusive da nossa profissão. (Notou que já te incluí
na categoria?). Mas não, este livro não veio pra substituir nenhum
handbook, alertam os professores Angela Zamin e Reges Schwaab,
que organizaram o volume. Astutos como bons repórteres, eles es-
truturaram esta obra em verbetes que se reagrupam em seções. Cada
verbete leva a um conceito, prática ou procedimento importante na
área, o que faz com que o território do jornalismo se espalhe em mui-
tas direções. A astúcia dos organizadores está em nos proporcionar
uma visão dessa coisa-chamada-jornalismo que não se esgota em si
mesmo, e isso nos faz querer explorar mais e mais essa paisagem.
Você pode ler este livro de forma não linear, por exemplo, ado-
tando uma outra ordem ou sequência. Pode também pular algumas
partes (menos este prefácio, por favor!) ou só acessar o volume para
consultas esporádicas. Ainda acho que ler a obra completa é a melhor
relação custo-benefício, mas oferecer um livro em tópicos dá uma li-
berdade invejável, não é mesmo?
A estruturação deste livro em verbetes me fez pensar também no
clássico enciclopedismo francês, aquele esforço iluminista de reunir
o conhecimento humano que estava espalhado e desorganizado. (É
possível que você imagine já ter lido algo semelhante na carta de in-
tenções do Google, mas os franceses chegaram antes...). Quando re-
cebi os originais deste Tópicos em Jornalismo: Redação e Reportagem,
deixei escapar: já temos uma enciclopédia de jornalismo pra chamar
de nossa. Mas não também. Os organizadores nem mencionam esse
desejo, o que revela outra qualidade de seu trabalho: a despreten-
são. Não porque o livro seja apequenado e modesto ou sem qual-
quer ambição, não. Em mais de 400 páginas, o livro reúne textos de

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importantes pesquisadores brasileiros que explicam, dimensionam e
expandem noções da prática da reportagem e da redação jornalística
que servem de alicerces para esta atividade. O empreendimento é
gigante, mas seus organizadores não permitiram que ele se tornasse
um resultado presunçoso, vaidoso e autocelebrativo. (No jornalismo,
isso é bem comum, infelizmente. Observe, mas tente não reprodu-
zir...).
Nem manual nem enciclopédia, este livro é um gesto de rigor,
sensibilidade e curiosidade autêntica, elementos necessários para
irrigar a prática diária do jornalismo. Afinal, uma reportagem sem
rigor não é boa; uma reportagem insensível é desumana; e uma re-
portagem que não surgiu a partir de uma verdadeira vontade de sa-
ber mais sequer pode ser assim chamada.
Nas próximas páginas, há muito o que saber, conhecer e reco-
nhecer. Há uma verdadeira procissão de verbetes sobre como melhor
apurar, entrevistar, editar, escrever, titular e embalar conteúdos em
diferentes formatos, gêneros e linguagens. Há também caminhos e
atalhos para transitar mais confiante entre temas, áreas e editorias.
Você vai perceber que os textos não disparam apenas comandos frios
ou desinteressados. (Lembre-se: este não é um guia para configu-
rar seu smartphone). Cada verbete sinaliza como fazer, mas também
aponta como pensar, questionar, inferir e sentir jornalisticamente, o
que pode ajudar na experiência de ser jornalista. Sendo bem sincero,
antecipo que isso não se aprende apenas lendo este livro (nem um
manual ou mesmo uma enciclopédia), mas passando por um lon-
go e contínuo processo de formação, apoiado em teoria, prática e
reflexão. É por isso que as pessoas usam a expressão “exercício pro-
fissional”. Pois tem a ver com exercer, exercitar, repetir, errar, refazer,
acertar, revisar, melhorar, aperfeiçoar e outros verbos mais, todos no
gerúndio.
O jornalismo é um esporte coletivo, algo feito por humanos,
com humanos e para humanos. Por isso, o erro faz parte do seu
DNA. (Você nem precisa desse livro para saber disso, certo?). Mas
sejamos francos: a humanidade não criou um serviço profissional

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de abastecimento de informações melhor que o jornalismo. (Não, as
redes sociais e os grupos no seu celular estão muito longe de fornecer
noticiário confiável, contínuo e responsável). Mesmo apresentando
tantos problemas, o jornalismo não pode ser descartado imediata-
mente pela sociedade, pois o que colocaremos no lugar? Se são nu-
merosas, as imperfeições podem ser corrigidas com tempo, energia
e disposição genuína.
Este livro pode ajudar também, pois auxilia a compreender me-
lhor o cotidiano da nossa profissão e, quem sabe, contribui para evi-
tar os erros já cometidos. Se não é um manual ou uma enciclopédia,
este livro pode funcionar como uma bússola ou mapa. O caminho é
por sua conta. Vire a página para a jornada começar.
Rogério Christofoletti
Pandemia de Covid-19, setembro de 2021.

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Apresentação

Compreender o processo de formação


para além da técnica

O conjunto de textos aqui reunidos sintetiza gestos que, no pul-


sar cotidiano do jornalismo, permitem pensar de que forma nos
constituímos como repórteres. Nunca foram poucos, e seguem sendo
muitos, os desafios para quem aceita o convite para assumir um lugar
de narrador do seu tempo, de contador das histórias que precisam
ser contadas. Em meio a um cenário exigente, permeado de ataques
de todo o tipo ao jornalismo e aos jornalistas, podemos encontrar
neste livro uma defesa generosa e alentadora para que o percurso
de formação na reportagem seja vivido de forma plena, em especial,
pelo recorrente apelo aos aspectos éticos da profissão e à compreen-
são profunda da dimensão humana do ofício, ao que é intrínseco ao
encontro com o outro nesse exercício.
O presente livro toma forma também porque as práticas jorna-
lísticas, a sua compreensão crítica e o seu lugar social não andam
descolados na universidade. Os cursos de Jornalismo devem ser um
espaço privilegiado para a atuação refletida, vigilante e atenta ao
contemporâneo e às suas emergências. Um lugar do conhecimento
técnico com sentido, da aplicação prática que requer seu atravessa-
mento pelo gesto da alteridade, da observação das singularidades
em conexão com a experiência partilhada coletivamente. É central,
ainda, a capacidade de experimentação, para que alimentemos uma
conexão real com o que nos rodeia.
As elaborações sobre os distintos tópicos que fazem parte da
compreensão sobre redação e reportagem aparecem aqui pela con-
tribuição de quarenta pesquisadores de instituições de ensino supe-
rior ou organizações distintas, públicas e privadas, envolvidos dia-
19
riamente nos processos de ensino e de produção, em disciplinas de
redação, de técnicas de reportagem, de jornais e revistas laboratoriais
ou espaços profissionais. Nenhum dos verbetes, nem mesmo a totali-
dade do livro, tem o objetivo de substituir manuais e textos clássicos.
Ao contrário, princípios, elementos basilares e conceituações caras
ao exercício do jornalismo, assim como seus autores de referência,
estão aqui mencionados e indicados, dessa forma, reforçando o con-
vite para que nunca abandonemos o ideal de solidez na formação,
sempre abertos ao processo contínuo de estudo que a prática profis-
sional requisita.
A temporalidade e o formato do livro também refletem um mo-
mento histórico vivenciado por nós, quando o modelo presencial de
ensino precisou ser rapidamente substituído pelo contexto remoto
ou virtual devido à pandemia da Covid-19, com isso, garantindo se-
gurança e respeito aos protocolos sanitários e ao ideal de proteção
coletiva. O acesso a textos de referência bem como as exigências de
adaptação de procedimentos, mantendo a preocupação com a apren-
dizagem, impulsionaram o convite, a cada uma das pessoas envol-
vidas neste projeto, para que pudéssemos dar corpo a um material
guiado pelo objetivo de contribuição a professores e estudantes de
jornalismo. Linguagem, estrutura e acesso ao livro foram pensados
por essas perspectivas. Por isso, além da versão impressa, trabalha-
mos com um e-book de circulação aberta, permitindo que ele seja
adotado por todos que se sentirem convidados a explorar as propo-
sições oferecidas.
O livro está organizado em quatro partes. Na primeira, Princí-
pios e etapas da produção, constam os verbetes que buscam dar conta
das etapas que se entrelaçam na processualidade da reportagem, mé-
todo de excelência do jornalismo. Da pauta à edição, passando por
entendimentos sobre a apuração, as fontes, a entrevista, a redação e a
edição, agregando, ainda, a necessidade de compreensão sobre o uso
de dados e a dinâmica do fact-checking. Na segunda parte, Gêneros
jornalísticos, apresentamos compreensões-chave sobre os formatos

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textuais mais corriqueiros e suas exigências, pensando, especialmen-
te, na sua adoção pelas produções laboratoriais. São eles: nota, no-
tícia, reportagem, entrevista, perfil, editorial, carta ao leitor, coluna,
crítica, crônica e release.
Na mesma via, na terceira parte, Jornal e Revista, trabalhamos
com tópicos de compreensão desses dois lugares de produção, co-
meçando por sua dimensão editorial geral e chegando às suas ca-
racterísticas na produção laboratorial ou como veículo jornalístico
dentro das instituições de ensino. A seção acolhe ainda discussões
sobre projetos editorial e gráfico e os elementos gráfico-editoriais tí-
tulo e legenda. Por fim, na quarta parte, Abordagens especializadas,
editorias ou seções, reunimos um conjunto de verbetes que expõe
orientações para reportagens sobre esses temas ou para espaços es-
pecializados em pautas específicas sobre: Política, Economia, Local/
Cidades, Internacional, Esporte, Cultura, Educação, Saúde, Ciência,
Meio Ambiente, Rural, Segurança Pública, Comportamento/Ten-
dências, Tecnologia/Mundo Digital, Gastronomia e Alimentação.
Em todos os textos, termos grifados em bold indicam a existência de
um verbete dedicado a ele no livro.
Como organizadores, registramos nosso agradecimento sincero
a cada autor e autora, cujas generosidade e disposição em escrever,
mesmo em meio ao contexto tão desafiador da pandemia, muito nos
honraram. É motivo de alegria, do mesmo modo, encontrar acolhida
no convite ao prefácio, bem como receber pareceres rigorosos e posi-
tivos, permitindo o privilegiado espaço para a publicação e a circula-
ção a partir da Série Novas Diretrizes, da prestigiosa Editora Insular,
fundamental nos estudos em jornalismo. Nosso reconhecimento e
respeito a cada pessoa que contribuiu nas diferentes etapas de cons-
trução do livro.
Esperamos que as elaborações ofertadas sejam ponte para pen-
sar de forma dinâmica e complexa o exercício profissional. Que cada
verbete possa gerar debates entre os sujeitos da formação, impulsio-
nar reflexões abertas sobre nosso fazer, como convite ao aprofunda-

21
mento e ao inescapável compromisso ético, essencial ao jornalismo,
tema recorrente em todos os verbetes.
Boa leitura.

Angela Zamin
Reges Schwaab
Universidade Federal de Santa Maria
Resto – Laboratório de Práticas Jornalísticas (CNPq/UFSM)
Fredrerico Westphalen, RS, julho de 2021.

22
Princípios e etapas
da produção
Pauta

Thaís Furtado

A pauta jornalística é uma proposta, ou o planejamento da pro-


dução de uma notícia, uma reportagem, ou uma cobertura jornalís-
tica mais ampla. Para além do jornalismo, o uso da palavra pauta é
bastante comum. Utiliza-se o termo para se referir a um assunto, ou
a uma listagem de assuntos. Por exemplo, fala-se de temas que estão
em pauta na atualidade, ou da pauta de uma reunião. No jornalismo,
o conceito se aproxima desses significados cotidianos – por ser uma
indicação de um ou mais assuntos –, mas tem particularidades. Para
se planejar uma edição de um jornal, uma revista, um programa de
rádio ou um telejornal, organiza-se uma lista de pautas dos “[...] fatos
a serem cobertos no noticiário e dos assuntos a serem abordados em
reportagens, além de eventuais indicações logísticas e técnicas [...]”
(Lage, 2001, p. 34).
Nesse caso, a pauta da edição serve para organizar o trabalho
de todos os repórteres na redação, planejar escalas de equipes e pre-
ver despesas. Se uma pauta específica exige que o repórter faça uma
viagem, por exemplo, todo o custo desse deslocamento precisa ser
previsto. Além disso, a pauta de uma edição de um telejornal, por
exemplo, garante que haverá material suficiente e atualizado para que
ele esteja no ar na hora certa. A mesma lógica serve para os outros
meios. Cada repórter fica responsável por uma ou mais pautas dessa
listagem que é organizada nas redações de acordo com a periodici-
dade de cada veículo. Nas publicações on-line, o planejamento do dia
a dia não é tão rígido, pois se trabalha com atualizações constantes.
As coberturas multimídias, no entanto, exigem uma produção prévia
mais detalhada.

25
Portanto, chama-se de pauta o planejamento de uma edição1
completa, mas também cada um desses itens que será transformado
em conteúdo jornalístico por um repórter. “Ele dirá ‘a minha pauta’
[...]” (Lage, 2001, p. 34). Nesse caso, o repórter estará falando do fato
pelo qual ficou responsável por apurar. Mas uma pauta não é apenas
uma indicação de temática ou acontecimento a ser investigado. É um
texto que será mais ou menos aprofundado dependendo da extensão
do material a ser produzido. Nilson Lage (1993, p. 47, grifo do autor)
diz que “a distância entre reportagem e notícia estabelece-se, na prá-
tica, a partir da pauta, isto é, do projeto de texto”.
A pauta de uma notícia breve no rádio, ou de uma nota de jor-
nal, por exemplo, poderá ter apenas poucas linhas com indicações
sobre o acontecimento a ser investigado. Muitas vezes são fatos já
programados ou rotineiros, como as condições do trânsito, variações
do clima, ou o acompanhamento do treino de um time de futebol.
“Há, também, uma diferença grande entre pautas quentes, suítes
(continuações de uma reportagem)2 e pautas mais frias (especiais,
que não precisam sair no dia seguinte, em geral exclusivas)” (Sousa
Pinto, 2009, p. 68). Nas primeiras, como estão relacionadas a fatos
mais urgentes e debatidos no momento, não é preciso dar muitos
detalhes. Nas pautas atemporais, é preciso contextualizar mais.
A pauta de uma reportagem deverá ser completa, contendo vá-
rios itens que orientarão o repórter sobre como fazer sua apuração.
Isso porque a reportagem, por ser mais aprofundada que a notícia,
exige um planejamento maior. É importante destacar que a pauta
pode ser proposta por um editor – ou jornalista com função seme-
lhante na redação – ou pelo próprio repórter. Se o editor é quem
sugere, cabe ao repórter que ficou responsável por ela cumpri-la, ou
1 Neste caso, edição se refere ao conjunto de exemplares de um jornal em um mesmo dia
(por exemplo, a edição de domingo), ou ao telejornal de um dia específico, seguindo a
mesma lógica para os demais meios. A palavra edição também é utilizada no jornalismo
para denominar o processo por meio do qual o conteúdo jornalístico chega à sua forma
final.
2 O jargão jornalístico suíte vem do francês, suite, que significa seguimento. Trata-se de
notícia ou reportagem que terá como conteúdo o desdobramento e atualização de um
fato já noticiado pelo veículo no dia anterior.

26
seja, transformá-la, por meio de apuração, em uma notícia ou re-
portagem utilizando as indicações do editor. Já se a sugestão é do
repórter, ele terá a tarefa de convencer o editor de que aquela pauta
é realmente boa.
Para isso, muitas vezes, o repórter precisa fazer uma pré-apura-
ção do tema, apresentando informações consistentes para justificar
sua proposta. Se o editor concordar que se trata de uma boa pauta,
ela é aprovada, e o repórter pode, então, começar o trabalho de apu-
ração. Portanto, se o repórter nunca sugerir pautas, ele sempre ficará
responsável apenas por matérias que não foram pensadas por ele.
Para Ana Estela Sousa Pinto (2009, p. 59), sugerir pautas “é o exer-
cício mais importante – e talvez o mais difícil – que todo aspirante
a jornalista deve fazer”. Por isso, é preciso estar atento aos aconteci-
mentos do mundo e às tendências contemporâneas. Existia nas reda-
ções a função do pauteiro,3 que tinha como tarefa exclusiva sugerir
pautas. Hoje esse posto está em desuso, e pensar em pautas passou a
ser responsabilidade de todos os jornalistas.
De acordo com Lage (2001, p. 29), a pauta “[...] institucionali-
zou-se, a princípio, nos magazines”, sendo a revista Time a pioneira.
Isso porque as revistas, por terem uma periodicidade mais longa e
não precisarem cobrir os fatos do dia a dia, precisam planejar deta-
lhadamente como abordarão cada temática. O autor afirma que, no
Brasil, a pauta foi introduzida nas redações dos jornais a partir da
década de 1970.
Quando a modernização do jornalismo brasileiro se generali-
zou, a partir de São Paulo, na década de 1970, a pauta foi in-
troduzida por toda a parte, junto com as técnicas de redação, a
programação gráfica das páginas e os procedimentos gerenciais
que caracterizam a imprensa industrial moderna. (Lage, 2001,
p. 32).

3 “Pauteiro é o jornalista que chega mais cedo ao jornal, em geral de madrugada, lê todos
os jornais do dia e produz a pauta [...] do dia do jornal, com as matérias possíveis, os
eventos mais marcantes, assim como sugestões” (Travancas, 1993, p. 25). Na maioria das
redações, esse cargo não existe mais com esse nome, e suas atividades foram assumidas
por outras funções.

27
Hoje, as redações têm a sua rotina organizada. Normalmente,
são realizadas reuniões de pauta – com periodicidade que varia de
acordo com o veículo –, nas quais cada jornalista faz sugestões para
discussão do grupo. Nas grandes redações, cada editoria faz a sua
reunião, e as sugestões são depois discutidas entre os editores. Essa
prática faz com que os repórteres acabem ficando excluídos das deci-
sões finais. É importante, portanto, que fique claro que pautas “caem”.
Ou seja, o repórter não deve tentar cumprir à força o que foi pla-
nejado. “Pautas caem quando não é possível realizá-las: ou estavam
erradas, ou o que previam não aconteceu por algum motivo, ou não
se consegue apurá-las com os recursos disponíveis” (Lage, 2001, p.
34, grifo do autor).
Por ser um planejamento, a pauta pode ser pensada como o pri-
meiro passo do caminho a ser trilhado pelo repórter. Mas existe uma
particularidade nesse passo: para redigir uma boa pauta, “é necessá-
rio que o jornalista primeiro se afaste um pouco do fato para conse-
guir, posteriormente, aproximar-se dele. Ou seja, é preciso que ele
possa pensar sobre o que será tratado” (Furtado, 2013, p. 152). Nesse
sentido, o filósofo Michel Foucault4 ajuda a compreender esse movi-
mento quando define pensamento como aquilo “[...] que permite a
alguém dar um passo para trás [...]”. A partir desse olhar, é possível
pensar a pauta como um passo para trás que o jornalista deve dar
para refletir sobre o acontecimento que vai cobrir e, só depois, na
apuração, seguir em frente.
“As sugestões de pautas podem ter vários pontos de partida. E
todos os grandes nomes da área são unânimes em dizer que as me-
lhores vêm sempre de fora da redação” (Silva Júnior, 2005, p. 30).
Mário Sérgio Conti (s/d, p. 76) diz que dirigir a revista Veja, onde
foi diretor de redação, era, entre outras tarefas, “dividir os fatos e
seres do universo, passados e presentes, em duas categorias: os que
rendem matéria e os que não”. Aos poucos, isso vai se tornando há-

4 Em entrevista concedida a Paul Rabinow em 1984. “Polemics, Politics and Problematiza-


tions”. In Essential Works of Foucault, edited by. v. 1 “Ethics”. The New Press: 1998, pp.
381-390. [Tradução nossa].

28
bito para todo bom jornalista, e muitas ideias de pautas acabam sur-
gindo da própria observação do cotidiano. Os acontecimentos que
possuem valor-notícia5 (Traquina, 2008) serão percebidos pelo jor-
nalista como se tivesse “óculos particulares” para selecionar os fatos
do mundo (Bourdieu, 1997).
Entretanto, não é essa a única forma de as pautas surgirem. Elas
podem vir do público – por meio dos diferentes canais6 que os veí-
culos mantêm para se comunicar com ele –, e das fontes, principal-
mente aquelas que são fixas e de confiança do repórter. Também é
comum os jornalistas se pautarem pela mídia tradicional e pelas re-
des sociais. Nesse caso, existem alguns riscos. O primeiro é conside-
rar, sem checar, que o que está sendo veiculado é verdadeiro. É preci-
so sempre conferir as informações com mais de uma fonte confiável
antes de sugerir uma pauta a partir de um fato divulgado na mídia. O
outro problema de a mídia pautar a própria mídia é que se cria uma
repetição de conteúdos em vários veículos. Por isso, o jornalista deve
estar atento a pluralidade de fatos, provenientes de diferentes lugares
e fontes. Quando uma ideia surgir através da internet, é preciso lem-
brar que “a rede é imbatível em termos de quantidade de informação.
Mas tenha claro que nem sempre é o recurso mais rápido e nem sem-
pre se pode confiar no que está lá” (Manual..., 2018, p. 98).
As pautas podem chegar também a partir de releases enviados
por instituições, organizações ou outras fontes. Uma grande redação
recebe diariamente dezenas de releases informando acontecimen-
tos programados. A assessoria de imprensa de uma prefeitura, por
exemplo, enviará release aos veículos informando sobre a inaugura-
ção de uma obra para que ela seja noticiada. Quando um escritor
lança um novo livro, também é comum que sua assessoria convide os
5 [Nota dos organizadores] A qualidade dos acontecimentos ou da sua construção jor-
nalística, que indicam seu potencial para ser notícia. Atributos que orientam a seleção,
a hierarquia e os modos de abordagem, ou seja, relacionados à origem, ao tratamento
narrativo e à visão sobre os fatos, considerando fundamentos como o interesse público.
6 Os veículos recebem do público e-mails, cartas, telefonemas, além do envio de sugestões
por meio das redes sociais. Algumas empresas têm também um Serviço de Atendimento
ao Consumidor (SAC), ou até uma editoria específica de atendimento ao leitor, no caso
dos impressos.

29
jornalistas, por meio de um release, para uma entrevista coletiva do
autor. Cabe ressaltar, no entanto, que um release deve ser compreen-
dido como uma sugestão que deve ser avaliada. “Sempre desconfie
de releases e pesquisas. Use-os como fontes de pauta, não como pauta
em si. Antes de sugerir a pauta, todos os dados devem ser checados”
(Sousa Pinto, 2009, p. 64).
Por fim, pautas também surgem a partir do que “[...] se chama
no jornalismo de ‘gancho’, um evento específico que torna novo algo
que é atemporal” (Furtado, 2013, p. 152). Por exemplo, se uma cele-
bridade divulga que está doente, os jornalistas podem usar esse gan-
cho para fazer uma reportagem sobre essa doença. Se uma novela
trata da temática do racismo, um repórter pode sugerir uma repor-
tagem sobre racismo. Mas, como lembra Sousa Pinto (2009, p. 70),
“cuidado para não forçar o gancho, ou seja, sugerir como mote para
pauta algo que não tem relação direta com seu tema”.
Não existe uma estrutura específica que deve ser seguida para a
construção de uma pauta. Como ela será compartilhada entre cole-
gas de equipe, normalmente tem uma redação informal. É possível,
no entanto, pensar em um roteiro para a redação de uma pauta com-
pleta de uma reportagem. Comece criando um título. “Se você não
consegue dar um título para sua pauta, ela ainda não é uma pauta,
mas um tema ou uma pré-pauta”, ensina Sousa Pinto (2009, p. 69).
Em seguida, escreva de forma clara e objetiva sobre o que será a re-
portagem. Definir a pauta em uma pergunta, hipótese ou objetivo é
uma maneira bastante eficaz de fazer isso. Depois, deixe claro qual
o enfoque específico. Não é possível abranger tudo sobre um tema.
Sousa Pinto (2009, p. 69) afirma que “a boa reportagem é a que trata
de maneira mais abrangente um assunto bem delimitado, e não a que
trata de forma limitada um assunto abrangente”.
Contextualizar o tema é o próximo passo. Se o editor apontar
referências, links, pesquisas, fatos já conhecidos, facilitará o trabalho
do repórter. Se for o repórter quem estiver sugerindo, ajudará a con-
vencer o editor. Indique fontes, se possível já com os contatos. Que
pessoas específicas devem ser ouvidas? Por exemplo, um pesquisa-

30
dor de uma universidade renomada, um psicólogo especialista no
tema, o diretor de uma empresa, ou o prefeito da cidade onde ocor-
reu um fato. Mas na pauta também pode constar fontes que exempli-
fiquem o que será contado. Uma pessoa que vivenciou uma situação,
alguém que comprou um produto que será mencionado, ou que vive
no lugar apresentado. Esses são os cases (casos), ou personagens que
humanizam a história que se contará na reportagem. Há ainda fontes
documentais que podem ser citadas.
Escreva sugestões de perguntas para as fontes. Elas ajudam a
compreender a razão de essas fontes terem sido escolhidas. Na apu-
ração, elas servirão apenas como um guia. Outras perguntas surgirão
na hora da entrevista e outras podem, com a apuração, se tornarem
desnecessárias. Se você trabalhar em um veículo impresso ou on-line,
diga como a reportagem poderá ser ilustrada. É importante que tenha
fotos? De quem ou de quais lugares? Nas pautas de rádio, você pode
incluir o planejamento da captação de áudio, se for necessário. “Já as
de televisão lembram, pelo detalhe, as de revista: é que, neste caso,
as matérias costumam envolver alguma produção e incluem dados
relacionados com a captação de imagens” (Lage, 2001, p. 38). Se você
trabalhar em uma redação multimídia, indique se é importante fazer
um vídeo, disponibilizar o áudio de uma entrevista, um infográfico,
ou uma galeria de fotos, por exemplo. Além de tudo isso, quando o
editor redige a pauta, ele indica a previsão do tamanho da reporta-
gem, a data de entrega e outras informações logísticas que orientarão
o trabalho do repórter.
Por fim, é fundamental saber para o que as pautas não servem:
para engessar o repórter. Como qualquer planejamento, ela deve ser
compreendida como um roteiro que ajuda na organização do traba-
lho. Mas é somente na hora da apuração que o que estava previsto se
confirmará ou não. O repórter pode descobrir que o melhor enfoque
não era o imaginado, a melhor fonte não era a selecionada, ou até que
o fato não existe. Nesse caso, é necessário recalcular a rota. Por isso,
repórter e editor precisam se comunicar durante todo o processo.

31
Além disso, muitas novas pautas surgem justamente quando se está
fazendo uma apuração. E todo o trabalho começa novamente.

Indicações de leitura

Livro
BRUM, Eliane. O olho da rua: uma repórter em busca da litera-
tura da vida real. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2017.
O livro reúne reportagens que a jornalista Eliane Brum escreveu
entre 2000 e 2008 para a revista Época. Ao final de cada reporta-
gem, ela apresenta um texto comentando um pouco os bastidores da
produção, apontando, inclusive, erros que acredita que cometeu e,
portanto, provocando reflexões sobre cuidados que o jornalista pre-
cisa tomar desde quando está pensando a pauta. No final da segunda
edição do livro, há também um posfácio da autora refletindo sobre o
fazer jornalístico.

Podcast
VIDA de Jornalista – Alguns episódios do podcast Vida de Jorna-
lista, apresentado e produzido pelo jornalista Rodrigo Alves e que faz
parte da Rádio Guarda-Chuva, por tratar dos bastidores do jornalis-
mo, pode contribuir para o entendimento da construção de pautas.

Produções laboratoriais
SEXTANTE – a revista Sextante é produzida por estudantes que
estão no final do curso de Jornalismo da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). Nela, é possível conferir reportagens
que foram produzidas a partir de discussões em aula, com pautas
pensadas pelo grupo a partir de um tema gerador.
HUMANISTA – o portal Humanista também é construído pelos
alunos que estão no penúltimo semestre do curso de Jornalismo da
UFRGS, mas com pautas exclusivas sobre Direitos Humanos.

32
Referências

CONTI, Mario Sérgio. Dirigir a Veja. In: Jornalismo é... Associação Brasileira
de anunciantes (ABA) e Associação Brasileira de Imprensa (ABI). s/d.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão, seguido de A influência do jornalismo
e Os jogos Olímpicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jorna-
lística. Rio de Janeiro: Record, 2001.
LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 1993.
FURTADO, Thaís. O aprofundamento como caminho da reportagem de re-
vista. In: TAVARES, Frederico de Mello B.; SCHWAAB, Reges. A revista e seu
jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 149-160.
MANUAL da redação: Folha de S. Paulo: as normas de escrita e conduta do
principal jornal do país. São Paulo: Publifolha, 2018.
SILVA JÚNIOR, Roberto Aparecido Mancuzo. A pauta no jornalismo e sua
importância. Revista de Estudos da Comunicação, v. 6. Curitiba: Editora
Champagnat, 2000.
SOUSA PINTO, Ana Estela. Jornalismo diário: reflexões recomendações
dicas exercícios. São Paulo: Publifolha, 2009.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: a tribo jornalística – uma co-
munidade interpretativa transnacional. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2008.
TRAVANCAS, Isabel Siqueira. O mundo dos jornalistas. São Paulo: Sum-
mus, 1993.

33
Apuração

Reges Schwaab

A notícia e a reportagem exigem rigor no manejo dos dados,


checagem e confirmação das informações colhidas pelo repórter. Do
mesmo modo, requisitam trabalho dedicado com a diversidade de
aspectos que envolvem cada história ou acontecimento. A arquite-
tura de um texto de qualidade começa a ser desenhada na pauta,
é complexificada no contato com as fontes e no desenrolar das en-
trevistas, sendo consolidada, enfim, por uma edição criteriosa. A
sustentação do processo e seu resultado dependem de uma boa apu-
ração, “a espinha dorsal do trabalho jornalístico”, define Luiz Costa
Pereira Junior (2006, p. 73). A apuração nunca sai de cena. E sua
realização, com honestidade, é uma exigência ética irrevogável.
O trabalho do repórter se dá por aquilo que é verificável, cons-
truindo uma narrativa que, guiada pelo interesse público e pela plu-
ralidade, transcenda a um jogo de versões e de declarações diversas.
Não há receita única, porém é evidente a exigência de um esforço
metódico, detalhista, genuinamente curioso e atento. O repórter não
se intimida diante do emaranhado de fios que se misturam na rea-
lidade cotidiana. Ele procura, com cautela, por meio da observação,
da pesquisa e da escuta, passar do espaço dos indícios, das evidências
ou das afirmações para um lugar com maior solidez, destramando
os nós e costurando interpretações possíveis. A apuração é, então, a
condição básica para a existência do relato jornalístico, o que demar-
ca o lugar específico desse relato em comparação a outras narrativas
possíveis sobre a realidade, como a ficção.
Em estudo clássico, Walter Lipmann (1922 [2008]) defende que
o jornalismo deveria aspirar a constituir um método disciplinado
comum e validado, inspirado por um espírito científico. A argumen-
tação considera que as notícias são complexas, escorregadias até.
35
A despeito de não ser manuseável por um princípio matemático, o
exercício de exame detalhado, baseado em provas e na verificação,
seria a chave para a disciplina que o ofício requer, assim, permitindo
que a boa reportagem seja exercida. Ao comentar tais afirmações,
Bill Kovach e Tom Rosentiel (2003) entendem estar aí o princípio de
profissionalismo, antídoto ao estilo supostamente neutro de redação
dos jornais, que, sem verificação completa, não elimina a turbidez ao
narrar. Os autores apostam na disciplina da verificação como garan-
tia de objetividade no manejo da informação. Postulam, portanto,
que o método original é objetivo, não o jornalista. E complementam
tal proposição considerando que a ênfase na objetividade do método
convida a reconhecer que nossa humanidade e nossos impulsos sub-
jetivos podem ser investigados por meios objetivos.
A apuração é o coração do método que caracteriza a reportagem
e constitui-se na ideia de um campo jornalístico. Materiais docu-
mentados, checados e organizados são os marcadores que sustentam
o relato que se pretende oferecer. Em sentido lógico é requisitado que
o repórter compreenda a história que deseja contar, sendo capaz de
estruturar, pelo embasamento construído previamente, uma matéria
com potencial de esclarecer seus leitores. Um mapeamento comple-
to sobre o tema ou a personagem, no exercício rigoroso da busca e
coleta de informações, é o que permitirá uma matéria relevante e
pertinente, assim como o respeito ao trabalho do repórter, validando
seu testemunho. Sem apuração ampla, à medida que a pauta requi-
sita, não há sustentação nem condições de exercitar a escrita; sequer
somos capazes de redigir uma nota breve.
Em termos práticos, por mais crível que seja a fonte, o exercí-
cio da apuração não permite aceitar, de antemão, qualquer declara-
ção sem que ela seja checada com mais fontes, ou confrontada com
documentos e outras versões. Trata-se de uma obrigação. Precisão,
rigor e checagem não significam ignorar diversidade de leituras e
pluralidade de vozes, ou optar por versões de fontes oficiais ou es-
pecializadas1 em detrimento do testemunho de outras pessoas en-
1 Sobre fontes, ver o verbete específico nesta mesma seção do livro.

36
volvidas, como uma vítima, por exemplo, simplesmente acatando a
resposta de uma autoridade como fechamento do tema, sem esgotar
possibilidades e contradições. A cautela deve ser companheira. Ao
não checar a veracidade ou a sustentação das declarações, damos
passos rumo a uma armadilha perigosa. O jornalismo é, a todo o
momento, foco da investida de interesses diversos. E, quando isso
ocorre, não é fruto de uma ação guiada por um ideal coletivo e pú-
blico de quem busca fazer valer seu interesse pessoal. Como em todo
fazer, a clareza de princípios e os balizadores éticos da profissão são a
resposta. Publicar uma matéria requer uma segurança só possível de
alcançar pela apuração criteriosa.
Dois elementos são prejudiciais ao processo, a timidez e, prin-
cipalmente, a preguiça, que se misturam ao componente temporal
da rotina acelerada de produção no jornalismo diário; e são impe-
dimentos para o exercício pleno da atividade jornalística. A falta de
interesse e de disposição em explorar todos os contrapontos, bem
como de levar à risca a necessidade de checagem, não combinam
com os pressupostos da reportagem, a ponto de nos permitir pro-
duzir apenas um rascunho do que poderia ser uma boa reporta-
gem. Diariamente, lemos textos que têm sua origem em pautas de
grande potencialidade, porém não consolidadas plenamente por
pressões diversas, além da não apuração completa. Ocorrem quan-
do, por exemplo, preferimos somente o telefone ou a internet em
lugar do encontro presencial, do testemunho local e da observação,
ou quando acatamos declarações protocolares ao invés de exercitar
mais dedicadamente a entrevista. Ou, ainda, quando, em virtude de
constrangimentos internos e externos, evidentes ou sutis, o trabalho
jornalístico sofre intervenções editoriais ou empresariais. Diante da
censura, do assédio, da violência contra jornalistas, da autocensura
ou até de uma edição que modifica aspectos levantados pelo repór-
ter, os argumentos de defesa possíveis estão, justamente, no material
angariado por meio da investigação bem conduzida pelo desenrolar
da apuração.

37
Os guias e manuais de reportagem nos mostram que a apura-
ção metódica é a única garantia de que um repórter não fique refém
de fontes ou de versões estreitas sobre acontecimentos ou proble-
máticas. Ao não apurar todas as possibilidades, para tanto, buscan-
do distintas fontes e documentos, o jornalista apenas aceita o que
foi oferecido, sem questionamentos. O repórter renuncia ao olhar
crítico e simplesmente transporta declarações para o seu texto, algo
socialmente danoso. Isso é perceptível quando não esgotamos o que
uma fonte ou uma personagem tem a dizer, não exploramos deixas
e nuanças que se desvelam durante as entrevistas2, ou tomamos as
declarações de uma pessoa para falar de atitudes de outra. Podemos
lembrar aqui da regra das três fontes, ou seja, uma informação deve-
ria ser validada com, ao menos, duas outras fontes.
Receber documentos ou pistas, ter acesso a determinadas fontes
ou a declarações em off obrigam o repórter a redobrar seus cuidados
com a checagem. Tais situações podem esconder jogos políticos ou
de interesses. O único beneficiário, ao final, deveria ser o leitor. Por-
tanto, não basta confiança na fonte. Como alertam Cleide Floresta
e Ligia Braslauskas (2009), omitir informações sobre a origem dos
dados ou comprar versões das fontes é extremamente arriscado. As
autoras exemplificam: se temos uma denúncia contra um político,
“é preciso dizer se ela partiu de pessoas ligadas a ele, da oposição ou
mesmo de amigos e familiares” (2009, p. 55). Com transparência, a
origem das informações e os cotejamentos feitos no processo devem
estar relatados no texto.
Com a diversidade de recursos on-line para levantamento de da-
dos, as possibilidades de pesquisa se expandem, sem, todavia, que
esses recursos tomem o lugar do encontro, da entrevista atenta e da
sondagem in loco. Há complementações e interdependências entre as
duas vias que garantem uma apuração mais consistente. Segue válida
a célebre provocação do jornalista Ricardo Kotscho: “lugar de repór-
ter é na rua”. Devemos utilizar a internet como aliada, mantendo a

2 A situação de entrevista é explorada em outro texto desta seção do livro.

38
vigilância sobre a confiabilidade da informação levantada nessa via.
Bases de dados confiáveis e sites oficiais são o caminho mais seguro.
Ainda assim, é fundamental recordar que tudo deve ser verificado. A
potencialização dos recursos digitais não tem correspondência exa-
ta com o aprimoramento do fazer jornalístico, por isso a checagem
permanente é regra, estando presente até a revisão final das matérias.
No contexto vigente é crucial obter proficiência no uso de dados na
apuração, sabendo consultar, contrapor e interpretar achados, pla-
nilhas e bases de informação bruta, bem como incorporar o meca-
nismo de fact-checking em todas as etapas do processo de produção
da reportagem.3
Além de dados e fontes digitalmente acessíveis, personagens,
arquivos, acervos e documentos históricos nem sempre estarão
disponíveis on-line, o que exige uma dose extra de curiosidade e
paciência para tessitura da trama necessária. Somente a pesquisa
pormenorizada permite ir além do óbvio, inclusive, na condução de
entrevistas que sejam marcadas por um espírito de relevância e de
valorização do diálogo, com o real interesse em perguntar e ouvir, e
não em mera atitude de “colher aspas” a favor e contra de maneira
automática.
Cabe ainda ressaltar que a entrevista está para a apuração como
a apuração está para a entrevista. São gestos interligados a tal pon-
to que podemos dizer que uma requisita a outra ininterruptamen-
te, nunca estão descoladas, mas em relação de retroalimentação. E
é essa redundância entre ambas, com a sua perfeita comunhão, que
permite fazer uma matéria acontecer. O repórter apura, enquanto
entrevista; e entrevista para desenvolver a pleno sua apuração.
Declarações, documentos, blocos de anotações, gravações e tro-
cas de mensagens formam, aos poucos, uma intensa cartografia. E
quando esse exercício ocorre com dedicação, é dotado de uma pe-
culiar beleza. Do caos de grandes quantidades de informações, e de
uma desordem natural, assentada aos poucos, no andar do proces-

3 Importante ampliar a compreensão sobre os dois elementos citados com a leitura dos
verbetes específicos.

39
so, surge o verdadeiro repórter, aquele capaz de conceber um texto
condizente com a complexidade do tema que decide abordar. Gestos
de percurso e resultado estão além da obrigação, são propulsores e
frutos da dedicação intrínseca ao exercício da profissão. E exigem
ética, energia, atenção, tempo e disposição para uma investigação ge-
ralmente exaustiva, capaz de proporcionar a compreensão necessária
para a aventura da escrita que queremos alcançar. Maiores curiosida-
de e disposição em explorar de maneira pormenorizada os meandros
da pauta resultam em um texto com detalhamentos relevantes, com-
pleto e atraente. E acentuam o papel social do trabalho jornalístico
como narrativa de referência.
Podemos até pensar que a publicação de uma reportagem é o
ponto final da apuração. Aqui, todavia, emerge outro sentido para o
próprio termo. A compreensão da apuração abarca seu pulsar no co-
ração do exercício diário do jornalismo. Ou seja, um repórter nunca
para de apurar, seja porque está construindo uma matéria específica,
seja porque algo despertou seu interesse, aguçou sua curiosidade jor-
nalística, ou pelo surgimento de derivações de uma primeira matéria
ou notícia. No instante seguinte, as primeiras anotações vão para seu
bloco; e a ideia de alguma possível nova pauta ou recorte de aborda-
gem começa a configurar-se. A apuração é o método e é a rotina, é
a constituição de uma coreografia, de um movimento fluído e har-
monioso que tira proveito do ritmo. E é, ao mesmo tempo, o próprio
ritmo que decidimos dançar.

Indicações de leitura

DANTAS, Audálio. Tempo de reportagem. São Paulo: Leya, 2012.


LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jorna-
lística. Rio de Janeiro: Record, 2001.
LIPMANN, Walter. Opinião pública. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
MANUAL da Redação: Folha de S. Paulo: as normas de escrita e conduta
do principal jornal do país. Folha de S. Paulo, 22 ed. Barueri, SP: Publifolha,
2021.

40
OSORIO VARGAS, Raúl Hernando. El reportaje como metodología del
periodismo: una polifonia de saberes. Medellín: Editoria Universidad de
Antioquia, 2017.
SODRÉ, Muniz. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimen-
to. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
TCHÉCKOV, Anton Pávlovitch. Um bom sapato e um caderno de anota-
ções: como fazer uma reportagem. São Paulo: Martins, 2007.

Referências

KOVACH, BILL; ROSENTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo: o que os


jornalistas devem saber e o público exigir. São Paulo: Geração Editorial, 2003.
PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa. Apuração da notícia: métodos da investiga-
ção na imprensa. 3 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
BRASLAUSKAS, Ligia e FLORESTA, Cleide. Técnicas de reportagem e en-
trevista em jornalismo: Roteiro para uma boa apuração. São Paulo: Saraiva,
2009.

41
Dados | Uso de dados na apuração

Marcelo Träsel

O jornalismo guiado por dados (data-driven journalism), ou jor-


nalismo de dados, pode ser definido como a aplicação de técnicas da
informática e das ciências sociais à produção de notícias e repor-
tagens. Seus produtos principais são tabelas, gráficos, infográficos,
mapas, aplicativos de consulta a bancos de dados, animações intera-
tivas, entre outros. Embora a maior parte das técnicas dessa especia-
lidade jornalística esteja focada nas fases de apuração e investigação,
podemos incluir muitos processos de checagem e a visualização de
informação entre as atividades relacionadas ao jornalismo guiado
por dados.
Podemos resumir a abordagem do jornalismo guiado por dados
da seguinte maneira: em lugar de se entrevistar pessoas, se entrevis-
tam bases de dados (Träsel, 2014, 2018). Em geral, essas bases tomam
a forma de planilhas eletrônicas, nas quais os atributos de popula-
ções, empresas, cidades, transações comerciais e muitos outros tipos
de fenômenos são descritos em valores quantitativos ou qualitativos.
Por meio de filtros e fórmulas, os repórteres “perguntam” e as plani-
lhas respondem com informações contidas nos dados.
Este tipo de trabalho jornalístico se diferencia do jornalismo
investigativo por ser, como o próprio nome sugere, “guiado” pelos
dados, em lugar de se basear em testemunhos, vigilância de pessoas
suspeitas de envolvimento em crimes, análise de documentos, situa-
ções forjadas pelo repórter, câmera escondida, entre outras aborda-
gens detetivescas. Os resultados de uma investigação em bases de
dados muitas vezes são o próprio acontecimento e assumem o papel
de fios condutores da narrativa.
Com uma simples consulta ao portal de transparência do gover-
no federal, por exemplo, a repórter Sônia Filgueiras (2008) descobriu
43
que ministros como Orlando Silva e Matilde Ribeiro vinham usando
seus cartões corporativos para gastos pessoais – desde uma tapioca
até compras em free-shops. A ministra acabou deixando o governo e
o caso engendrou a instalação de uma Comissão Parlamentar de In-
quérito. Em lugar de entrevistar uma testemunha, no escândalo dos
cartões corporativos, bastou entrevistar uma base de dados aberta
a qualquer cidadão e descobrir um pequeno conjunto de números
para abalar a República.
Embora consultas a bases de dados – como portais de trans-
parência pública de governos estaduais ou a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-
tica (IBGE) – e o trabalho com números não sejam incomuns nas in-
vestigações jornalísticas tradicionais, no jornalismo guiado por da-
dos os números assumem o protagonismo. Outra diferença é que se
costuma lidar com uma quantidade de registros eletrônicos na casa
dos milhares ou milhões, enquanto as investigações tradicionais,
sem o auxílio de técnicas da informática, normalmente se restrin-
gem a uma quantidade de registros manuseáveis por seres humanos.
Um exemplo de dados cuja análise por seres humanos seria im-
praticável foi a reportagem do BuzzFeed que identificou sobrevoos
de espionagem dentro dos Estados Unidos lançando mão de um
algoritmo de aprendizado de máquina (machine learning) treinado
para identificar esse tipo de aeronave: “Essas descobertas não vieram
de dicas passadas por fontes anônimas, mas do treinamento de um
computador para reconhecer aviões espiões conhecidos, que depois
foi lançado sobre grandes quantidades de dados de rastreamento
de voo” (Aldhous, 2017, tradução livre). Características de 20 mil
aviões, como o modelo, fabricante, código do transponder, altitude,
velocidade e duração de voos, entre outras, foram descritas e compa-
radas pelo algoritmo com os dados de cem aeronaves espiãs do FBI já
conhecidas. Com isso, o computador foi capaz de identificar outros
aviões com características semelhantes, operados pelos militares e
FBI, como seria de se esperar, mas também por polícias municipais
e empresas prestadoras de serviços para agências de segurança na-

44
cional. Mesmo uma redação inteira mobilizada para este fim seria
incapaz de lidar com essa quantidade de dados sem o auxílio da in-
formática.
O mais antigo precursor do jornalismo guiado por dados é o
“jornalismo de precisão”, termo cunhado por Philip Meyer (1973). O
repórter recebeu uma bolsa-prêmio para estudar Ciências Sociais em
Harvard entre 1966 e 1967 e produzir um guia de técnicas científicas
para jornalistas. Ainda em 1967 ele teve oportunidade de aplicar seu
conhecimento na cobertura da revolta racial na cidade estaduniden-
se de Detroit, quando, por meio de uma parceria com a Universidade
de Michigan para aplicação de questionários nos bairros conflagra-
dos e o uso de um computador para o tratamento estatístico, a re-
portagem demonstrou que o racismo era uma das principais causas
da revolta.
O pioneiro do jornalismo guiado por dados resume a aborda-
gem da seguinte maneira:
Em vez de partir de uma base de convicções pessoais, ideologia,
ou sabedoria convencional, podemos partir de esforços siste-
máticos e intensivos de descoberta de dados. Tal sugestão pode
parecer um apelo reacionário por um retorno ao velho ideal de
objetividade, mas há uma diferença: em vez de reportar pontos
de vista contraditórios por seu valor de face, poderíamos fazer
um esforço para determinar o quanto eles valem. Não é neces-
sário virar as costas para a interpretação. É necessário reduzir o
tamanho do salto entre os fatos e as interpretações e encontrar
uma base factual mais sólida da qual saltar. (Meyer, 1973, p. 13,
tradução livre)
O jornalismo de precisão, por um lado, ajudaria repórteres a
evitarem a interferência de vieses cognitivos e preconceitos no de-
senvolvimento de suas pautas, ao mesmo tempo em que, por outro
lado, ofereceria a esses profissionais maior independência em relação
às suas fontes, as quais, mesmo quando bem intencionadas, são víti-
mas da capacidade mental limitada de todo ser humano – e, muitas
vezes, as fontes operam com má fé e distorcem fatos de acordo com

45
suas próprias agendas. Usando informações obtidas sistematicamen-
te a partir de bases de dados, os jornalistas poderiam questionar as
declarações de políticos e funcionários públicos a respeito da gestão
dos recursos estatais, por exemplo, sem depender de dicas oferecidas
por alcaguetes ou documentos vazados.
Na década de 1970, computadores eram equipamentos caros e
gigantescos, de modo que seu uso foi incipiente até o início do pro-
cesso de informatização das redações. Mesmo nos Estados Unidos,
onde teve início a era do computador pessoal, o tipo de jornalismo
conhecido na década de 1980 como Reportagem Assistida por Com-
putador (RAC) foi relativamente raro, pois exigia habilidades pouco
disseminadas nas redações e iniciativa dos próprios jornalistas. Um
dos primeiros repórteres brasileiros a usar um computador foi Fer-
nando Rodrigues, que mantém desde 1998 um banco de dados sobre
candidatos a cargos públicos (Poder360, s.d.). Seu colega de Folha de
S. Paulo José Roberto de Toledo produziu na mesma época, a partir
de indicadores coletados por pesquisadores da PUC-SP, o caderno
especial Raio X SP (1995), que comparava dados socioeconômicos
entre os bairros da capital paulista.
O jornalismo baseado em dados ganhou tração no final da dé-
cada de 2000, com a adoção de políticas de transparência pública
em cada vez mais países ao redor do mundo. Em 2011, o governo
de Dilma Rousseff promulgou a Lei de Acesso à Informação (Brasil,
2011) e fundou a Open Government Partnership, iniciativa que reúne
países como Estados Unidos, África do Sul, Noruega e Indonésia.
Além disso, organizações de direito privado como Banco Mundial e
organizações não governamentais (ONGs) passaram a disponibilizar
bases de dados na Web. Paralelamente, surgiram alternativas gratui-
tas ao editor de planilhas Microsoft Excel, como o LibreOffice Calc
e o Google Spreadsheets. Os aplicativos também se tornaram menos
complexos e acessíveis a pessoas com letramento digital básico. Ao
perceberem o potencial das bases de dados para a obtenção de “fu-
ros”, muitos jornalistas passaram a buscar capacitação nessas ferra-

46
mentas, para se valerem da Lei de Acesso à Informação e dos portais
de transparência pública.
De fato, um dos aspectos mais atraentes no jornalismo guiado
por dados é o relativo nivelamento na capacidade de investigação
que ele propicia entre redações de diferentes portes. Desde a déca-
da de 2000, os portais de transparência pública podem ser usados
por qualquer cidadão brasileiro. Um repórter dispondo de conexão
à internet e de um aplicativo de edição de planilhas eletrônicas pode
coletar e analisar dados com as mesmas técnicas, esteja ele em São
Paulo, Boa Vista ou Alegrete. As competências em matemática e in-
formática são os principais requisitos – embora se deva reconhecer
que elas não são distribuídas de forma equânime entre as redações e
jornalistas brasileiros.
O processo da reportagem guiada por dados pode ser dividido
em coleta, limpeza, análise e publicação. Uma pauta focada em da-
dos pode nascer de uma curiosidade do repórter, de uma dica, da
necessidade de verificar alegações de autoridades, ou da divulgação
de uma base de dados. Instituições como o IBGE atualizam periodi-
camente suas diversas coleções de indicadores e comparações entre
os números novos com os antigos é uma pauta rotineira. Noutras
ocasiões, a suspeita de uma infração leva o repórter a coletar dados
diretamente em portais de transparência. O aspecto principal nessa
primeira etapa é avaliar a credibilidade da fonte e compreender a me-
todologia usada pela instituição para a produção das bases de dados,
porque números em uma planilha não correspondem perfeitamente
a algum fenômeno da realidade.
Dados não são neutros. Toda base de dados é construída a partir
de premissas teóricas, as quais levam à escolha de uma metodolo-
gia em detrimento de outras. As fragilidades da metodologia ditam
quais interpretações se pode e não se pode fazer a partir de uma
base de dados. Sobretudo quando se lida com dados produzidos por
governos e empresas, é preciso questionar quais agendas políticas e
econômicas podem estar por trás de um determinado instrumen-
to de pesquisa. Reproduzir números acriticamente é o mesmo que
47
publicar declarações de um acusador sem ouvir o acusado, ou um
release na íntegra. Por outro lado, muitos institutos de pesquisa ado-
tam critérios diferentes para transformar conceitos abstratos em da-
dos, sendo o desemprego um caso típico: se o IBGE considera um
trabalhador informal como ocupado, o Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) o considera em
situação de desemprego oculto pelo trabalho precário, enquanto o
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) leva em
conta apenas os trabalhadores com carteira assinada. Os indicadores
produzidos por essas instituições podem gerar panoramas muito di-
ferentes sobre o mercado de trabalho no Brasil.
O segundo passo, a limpeza da base de dados, talvez seja o mais
estranho às técnicas jornalísticas tradicionais. Ele envolve verificar a
consistência dos registros e a eliminação de duplicatas, identificação
de erros ou lacunas, converter os dados para um formato adequado,
entre outras ações. Uma vírgula inserida no lugar errado pela pessoa
responsável por lançar números no sistema pode distorcer signifi-
cativamente os resultados das análises e levar o jornalista a cometer
equívocos graves. Aplicativos podem auxiliar na tarefa de limpeza,
mas o senso crítico do repórter é fundamental nesta etapa, para per-
ceber, por exemplo, que um total de R$ 2 bilhões em bens declarados
à Justiça Eleitoral por um candidato a vereador em São Domingos do
Azeitão provavelmente foi um erro de preenchimento. Nesse tipo de
caso, é necessário buscar outras fontes para corroborar a informação.
As análises mais comuns em redações buscam descobrir a fre-
quência, valor mais alto, valor mais baixo, variação percentual, mé-
dia, mediana, desvio-padrão e outros atributos comuns de bases de
dados. O cruzamento entre bases de dados de origens diferentes é
uma das mais importantes formas de análise, pois tem o potencial de
gerar conhecimento novo para a sociedade. Doações de campanha
registradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) podem ser cru-
zadas com quadros societários de empresas disponíveis na Receita
Federal, por exemplo, para identificar os interesses por trás de um
determinado candidato. O uso de métodos estatísticos mais sofis-

48
ticados é raro. Um caso foi o do jornal O Estado de S. Paulo que,
através de uma regressão linear multivariada, mostrou em 2013 a as-
sociação entre analfabetismo dos pais e a mortalidade infantil (Maia;
Toledo; Burgarelli, 2013).
Os resultados da análise formam o nexo da narrativa a ser cons-
truída para a publicação, cujo formato dependerá do tipo de suporte.
A web oferece recursos para visualizações de dados e animações inte-
rativas sofisticadas e o impresso tem tradição em infografias. O rádio
impõe grandes desafios para a comunicação de séries de números,
devido à ausência do apoio visual. A televisão exige uma elaboração
criteriosa para se apresentar uma grande quantidade de dados, mas
os obstáculos são transponíveis: a BBC produziu um documentário
sobre estatísticas em 2010 e um trecho mostrando a evolução de in-
dicadores de saúde global durante 200 anos se tornou popular na web
(Joy, 2010). Faz parte da etapa de publicação também a divulgação
das bases de dados originais usadas pela reportagem, para que os lei-
tores possam verificar os resultados por si mesmos, e uma nota téc-
nica explicando a metodologia adotada para interpretar as análises,
mas poucas redações observam esta boa prática de transparência.
Embora os resultados das análises de dados possam constituir
um acontecimento em si mesmas, o ideal é que elas sejam o ponto de
partida para uma apuração tradicional, na qual as pessoas ou insti-
tuições implicadas pelos dados apresentam suas versões, especialis-
tas comentam as descobertas e cidadãos envolvidos de alguma forma
no tema dão seus testemunhos. Como alerta o jornalista e professor
Paul Bradshaw (2018), “uma experiência pessoal sem dados é apenas
uma anedota; dados sem um estudo de caso são apenas uma estatís-
tica”. O jornalismo guiado por dados não exime os repórteres de “en-
fiarem os pés no barro”, nem deveria ser um incentivo ao “jornalismo
sentado” (Neveu, 2006). Por outro lado, as redações contemporâneas
sofrem com a escassez de mão de obra e recursos para investigações
em campo. Nesses casos, uma reportagem baseada em dados pode
ser a melhor alternativa para a imprensa cumprir sua função como
o quarto poder.

49
Indicações de leitura

Livros
DADER, José Luis. Periodismo de precisión: via socioinformática de descu-
brir notícias. Madrid: Sintesis, 2014.
GARCIA, Ricardo; ROSA, Maria J. V.; BARBOSA, Luísa. Que número é
este? Um guia sobre estatísticas para jornalistas. Lisboa: Fundação Francisco
Manoel dos Santos, 2017.
GRAY, Jonathan; BOUNEGRU, Liliana. The Data Journalism Handbook 2.
Maastricht: European Journalism Centre, 2019.
HUNTER, Mark Lee. A investigação a partir de histórias: um manual para
jornalistas investigativos. Brasília: Unesco, 2013.
SILVERMAN, Craig; PERLMAN, Merril (orgs.). Manual de verificação: um
guia definitivo para a verificação de conteúdo digital na cobertura de emer-
gências. Maastricht: European Journalism Centre, 2014.
WHEELAN, Charles. Estatística: o que é, para que serve, como funciona. Rio
de Janeiro: Zahar, 2016.

Websites
ASSOCIAÇÃO Brasileira de Jornalismo Investigativo
CENTRO Knight para o Jornalismo nas Américas
CURSO de Estatística Básica DEST/UFPR
DATA Journalism
ESCOLA de Dados
FIQUEM Sabendo
LAGOM Data
PRÊMIO Cláudio Weber Abramo
SIGA os Números
THE NEW Precision Journalism
VOLT Data Lab

Referências

ALDHOUS, Peter. We trained a computer to search for hidden spy planes.


This is what it found. BuzzFeed, 7 ago. 2017.
JOY of stats, the. Dirigido por Dan Hillman. Londres: BBB Four, 2010. 1 ep.
(60 min.).

50
BRADSHAW, Paul. FAQ: Can data journalism improve the world?. Online
Journalism Blog, 1 dez. 2018.
BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a infor-
mações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37
e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositi-
vos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Brasília, Edição extra, p. 1, 18 nov. 2011. Seção 1.
FILGUEIRAS, Sônia. Gasto com cartão é recorde na gestão Lula. O Estado de
S. Paulo, 13 jan. 2008, p. A4.
MAIA, Lucas de A.; TOLEDO, José R.; BURGARELLI, Rodrigo. Mortalidade
infantil está diretamente associada à falta de estudo dos pais. O Estado de S.
Paulo, 26 ago. 2013, p. A13.
MEYER, Philip. 1968: A newspaper’s role between the riots. Nieman Reports,
jun. 1968.
MEYER, Philip. Precision Journalism: a reporter’s introduction to social
science methods. Bloomington: Indiana University Press, 1973.
NEVEU, Erik. Sociologia do jornalismo. São Paulo: Loyola, 2006.
PODER360. Políticos do Brasil. Brasília: s.d.
RAIO X SP. Folha de S. Paulo, 26 nov. 1995. Caderno especial.
TRÄSEL, Marcelo. Jornalismo guiado por dados: aproximações entre a identi-
dade jornalística e a cultura hacker. Estudos de Jornalismo e Mídia, v. 11, n.
1, p. 291-304, 2014.
TRÄSEL, Marcelo. Hacks and hackers: the ethos and beliefs of a group of
Data-Driven Journalism professionals in Brazil. Revista Famecos, v. 25, n. 1,
2018.

51
Fontes

Cláudia Herte de Moraes

Uma definição ampla e direta de fonte jornalística pode ser: pes-


soa, documento ou instituição que tenha dados e informações sobre
determinado assunto específico, de interesse público, relevante para
o trabalho jornalístico. Por isso, entendemos que “as fontes são um
fator determinante para a qualidade da informação produzida pelos
meios de comunicação” (Santos, 1997, p. 28).
A fonte jornalística é elemento central, da pauta à finalização do
texto. Na pauta e na apuração, deve ser procurada a partir de sua
pertinência na abordagem do assunto a ser reportado. Na redação
do texto/conteúdo em qualquer mídia, as informações prestadas pela
fonte são incluídas em citações diretas (entre aspas, em sonoras ou
entrevistas) e/ou em citações indiretas (compondo a descrição ou
explicação dos fatos).
As principais fontes utilizadas são as oficiais (Santos, 1997) que
são também consideradas confiáveis e tendenciosas (Lage, 2001).
Para chegar à descrição dos fatos, a maioria dos jornalistas prefere
acessar fontes primárias (ou testemunhais), pois além de um rela-
to mais fidedigno, podem trazer detalhes dos acontecimentos já que
presenciaram atos ou fatos que são objeto da reportagem. As fontes
secundárias são geralmente utilizadas para ilustrar, analisar, comen-
tar, explicar, justificar algum fato já apurado pelo jornalista. Neste
último grupo se encontram, por exemplo, especialistas ou fontes não
oficiais, que trazem um contraponto ou comentário sobre a notícia
e até mesmo outros meios de comunicação, como auxiliares na pre-
paração de uma pauta. O Manual da Redação da Folha de S. Paulo
(2001, p. 38), normatiza que um jornal não pode constituir fonte ex-
clusiva de outro para uma informação.

53
Entre tantas tipificações sobre fontes jornalísticas, Aldo Schmitz
(2011) condensa e descreve o seguinte quadro, com as fontes classi-
ficadas por: Categoria (primária e secundária); Grupo (oficial, em-
presarial, institucional, individual, testemunhal, especializada e de
referência); Ação (proativa, ativa, passiva e reativa); Crédito (identi-
ficada e anônima); Qualificação (confiável, credível e duvidosa).
A cada pauta, a busca pela fonte tem como objetivo trazer as
informações mais relevantes na construção daquela história específi-
ca, para a qual o jornalista necessita de dados e informações valida-
das, bem como de uma variedade de aspectos e opiniões que levem
à melhor compreensão do acontecimento pelo leitor. Geralmente, na
rotina do profissional, a escolha das fontes se dá por alguns crité-
rios, entre os principais: a autoridade (fontes oficiais e de relevância/
autoridades), a produtividade (possibilidade de obtenção das infor-
mações em quantidade e qualidade necessárias à pauta) e a credibili-
dade (transferindo credibilidade à própria informação) (Gans, 1979
apud Santos, 1997). Normalmente, as fontes que reúnem tais carac-
terísticas são as mais presentes no noticiário.
Como regra geral, em nome da transparência, o jornalista deve
identificar as fontes, trazendo “credibilidade e fiabilidade da infor-
mação difundida” (Fidalgo, 2000, p. 329). Por isso, não é aconse-
lhável o uso de fontes indeterminadas (por exemplo, nas expressões
“fontes confiáveis”, “observadores”, “conhecedores do assunto” etc.
(Santos, 1997).
Especificar a fonte o quanto possível traz uma precisão ao tex-
to, validando a apuração da informação. Desta forma, apenas em
situações excepcionais utilizam-se as fontes anônimas. Também há
o chamado off the record que “Designa informação de fonte que se
mantém anônima” (Manual..., 1996). Nestes casos, a fonte repassa
uma informação solicitando que a mesma não seja utilizada/publi-
cada ou que não seja nominada sua origem. Em estudo sobre os có-
digos deontológicos europeus, Joaquim Fidalgo (2000, p. 326, grafia
original) indicou consensos entre os mesmos, nos quais destacamos
dois pontos relacionados ao nosso tema: “a questão do respeito do

54
jornalista para com as fontes e da correcção no tratamento com elas;
a questão da protecção das fontes (sigilo)”.
Assim, do ponto de vista ético e legal, o jornalista tem o direito
de não revelar suas fontes, quando necessário, para proteção própria
ou de outras pessoas ou seguindo o interesse público. O Código de
Ética dos Jornalistas Brasileiros (Fenaj, 2007) prevê como direito do
jornalista o resguardo do sigilo da fonte e como dever não colocar
em risco a integridade das fontes. O direito de informar e manter
sigilo da fonte está salvaguardado na Constituição Federal (Brasil,
1988), no seu Art. 5º, inciso XIV: “assegurado a todos o acesso à in-
formação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exer-
cício profissional”. Em votação sobre a matéria no Supremo Tribunal
Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes declarou que:
O sigilo constitucional da fonte jornalística impossibilita que
o Estado utilize medidas coercivas para constranger a atuação
profissional e devassar a forma de recepção e transmissão da-
quilo que é trazido a conhecimento público. (STF, 2019).
Além disso, a Fenaj (2007) também indica como prioritário que
o jornalista tenha o dever em ouvir o maior número de pessoas e ins-
tituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente
aquelas que são objeto de acusações. Por outro lado, o jornalista deve
ter em mente que todas as fontes têm seus interesses, portanto, é seu
dever avaliar a qualidade e veracidade de toda e qualquer informação
colhida, especialmente daquelas que são recebidas, ou seja, que che-
gam ao profissional por meio de assessorias ou por vontade da pró-
pria fonte, por vazamentos ou “dicas” de diferentes agentes sociais.
Manuel Pinto (2000) destaca a relação entre fontes e jornalistas,
que buscam um ou mais objetivos nesta interação. As fontes têm in-
teresse em: obter visibilidade e atenção midiática; marcar temas na
agenda pública; angariar apoios a ideias, produtos ou serviços; pre-
venir ou reparar prejuízos; neutralizar interesses concorrentes; criar
uma imagem pública positiva. Por outro lado, os jornalistas buscam:
obter informações inéditas; confirmar ou desmentir informações; dis-
sipar dúvidas no decorrer da apuração de uma pauta; lançar ideias e

55
debates; fornecer avaliações e recomendações de especialistas; atribuir
credibilidade e legitimidade às informações já colhidas na reportagem.
Desta forma, é importante lembrar que: “As fontes remetem para posi-
ções e relações sociais, para interesses e pontos de vista, para quadros
espácio-temporalmente situados” (Pinto, 2000, p. 278, grafia original).
Portanto, se a fonte mostra aspectos positivos da sua organiza-
ção e protege segredos, para o jornalista o que importa é revelar a
realidade desta organização, tanto os pontos fortes quanto os fracos
(Santos, 1997). Nesta relação – jornalistas e fontes – há uma negocia-
ção para os temas que interessam a uns e outros. Desta forma, dois
agentes sociais produzem a atualidade jornalística: o jornalista que
conduz o processo e as fontes “[...] que funcionam como auxiliares
no relato, sem, contudo, deixar de insinuar posições, relações e inte-
resses” (Zamin, 2011, p. 251).
A importância das fontes para o jornalismo é ainda mais intensa
quando, em reportagens aprofundadas, são os fatos em que a parti-
cipação ou envolvimento pessoal – antes mesmo que de instituições
sociais – é mais valorizada. São personagens tomados como essen-
ciais para a elucidação de fatos, testemunhas ou agentes diretos. Em
outros casos, nas coberturas sobre ocorrências de grande impacto,
tragédias em diferentes áreas – sociais, ambientais, econômicas –, a
fonte testemunhal trará aspectos de humanização ao texto, com de-
talhes e nuances que os números frios de estatísticas não conseguem
traduzir. Analisando a cobertura de catástrofes, Márcia Amaral
(2016) sugere que fontes autorizadas, testemunhais e experts podem
ser usadas para fornecer as provas de veracidade às notícias, seja na
designação do fato/na reconstituição (geralmente por testemunhos)
ou na explicação do mesmo (especialistas).
No jornalismo investigativo, a importância da procura das fon-
tes é ainda maior, pois geralmente, para se chegar a temas controver-
sos de forma aprofundada, é necessário confrontar diferentes ver-
sões. No manual de reportagem investigativa da Unesco, Mark Lee
Hunter (2013) chama a atenção para a possibilidade de o jornalista
recuperar inúmeros dados e informações com acesso às chamadas

56
“fontes abertas”, como por exemplo, banco de dados de diferentes
instituições, usuários de internet que produzem conteúdos, fóruns
e grupos especializados, publicações acadêmicas, agências e biblio-
tecas governamentais, relatórios e comunicados de imprensa, orga-
nizações nacionais e internacionais. A lista é crescente, e há muitos
dados que podem auxiliar na investigação jornalística de inúmeros
temas de interesse público. Após a apuração destes dados, o jornalis-
ta modifica sua relação com as fontes, pois “‘É a diferença entre dizer
‘O que aconteceu?’ e dizer ‘Foi isso que aconteceu, não foi?’” (Hunter,
2013, p. 32).
A consulta às fontes faz parte da rotina do jornalista, especial-
mente durante a apuração de reportagens, porém em vários momen-
tos o jornalista busca “cultivar boas fontes”, uma atitude indicada
para que o profissional mantenha contato frequente com diversas
e diferentes pessoas que eventualmente possam ter informações re-
levantes que serão, depois, checadas e apuradas. Portanto, é funda-
mental manter um relacionamento de respeito com todas as pessoas
e organizações, públicas e privadas, que fazem a informação de rele-
vância circular na sociedade.
Ao relatar os fatos em notícias e reportagens, o jornalista busca
precisão ao atribuir dados clara e corretamente às fontes consultadas.
A menção correta e justa faz parte da criação e manutenção de cre-
dibilidade do jornalista junto às suas fontes de informação. O jornal
Folha de S. Paulo indica, entre outras condutas, evitar proximidade
demasiada com as fontes, manter cordialidade e respeito, informar as
intenções da pauta e registrar a conversa sempre que possível (Ma-
nual..., 2021).
Para Nilson Lage (2001), a maior parte dos conflitos éticos entre
jornalistas e fontes se dá em relação à distinção entre o que é público
e o que é privado. Como regra geral, exceto em casos excepcionais,
todo cidadão tem o direito de privacidade na vida privada, assim
como tem o dever da publicidade na vida pública. Diante de pressões
oriundas de alguma fonte, o valor a ser preservado é a verdade dos
fatos, pois:

57
[...] se existe algo progressista no mundo, positivo em termos
históricos, esse algo é a verdade. Sua omissão ajuda a frustrar
as boas políticas e a produzir, a longo prazo, desesperança [...].
(Lage, 2001, p. 45).
Cabe lembrar ainda que, na apuração e ao tratar com as fontes
na tarefa crucial da entrevista, o jornalista deve manter o cuidado
ético de tratamento digno, independente da condição ou atividade
de seu interlocutor, em atuação consoante aos direitos fundamentais
assegurados pela Constituição. Além disso, saber ouvir com atenção
é uma das qualidades mais produtivas da reportagem, na medida em
que qualifica o diálogo e – desta forma – melhora a qualidade da
informação obtida, em nome do interesse público.

Indicações de leitura

MAROCCO, Beatriz. Reportagens de ideias, uma contribuição de Foucault ao


jornalismo. Galáxia, n. 18, p. 168-179, 2009.
MOREIRA, Tiago Emanuel. Agência de notícias como fontes no jornalismo
online generalista: os casos do Jornal de Notícias, Correio da Manhã, Diário
de Notícias, Diário Digital e Portugal Diário. 2011. 121 f. Dissertação (Mestra-
do em Jornalismo), Universidade Fernando Pessoa, Porto, 2011.
SCHMITZ, Aldo Antonio. As fontes nas Teorias do Jornalismo. Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação, 33., 2010, Brasília. Anais .... Caxias
do Sul: Intercom, UCS, 2010.

Referências

AMARAL, Márcia Franz. Fontes testemunhais, autorizadas e experts na cons-


trução jornalística das catástrofes. Líbero, n. 36, p. 43-54, 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 out. 1988.
Brasília, 1988.
FIDALGO, Joaquim. A questão das fontes nos códigos deontológicos dos
jornalistas. Comunicação e Sociedade, v. 14, n. 1-2, p. 319-337, 2000.
FENAJ. Código de ética dos jornalistas brasileiros. 2007.
HUNTER, Mark Lee. A investigação a partir de histórias: um manual para
jornalistas investigativos. UNESCO Publishing, 2013.

58
LAGE, Nilson. Teoria e técnica de reportagem, entrevista e pesquisa jorna-
lística. 2001.
MANUAL de Produção Folha de S. Paulo. 1996.
MANUAL da redação: Folha de S. Paulo. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2001.
MANUAL da redação: Folha de S. Paulo: as normas de escrita e conduta do
principal jornal do país. 22. ed. Barueri, SP: Publifolha, 2021.
PINTO, Manuel. Fontes jornalísticas: contributos para o mapeamento do
campo. Comunicação e sociedade. v. 14, n. 1-2, p. 277-294, 2000.
SANTOS, Rogério. A negociação entre jornalistas e fontes. Coimbra: Minerva,
1997.
SCHMITZ, Aldo. Fontes de notícias: ações e estratégias das fontes no jorna-
lismo. Florianópolis: Combook, 2011.
STF. Ministro Gilmar Mendes garante sigilo da fonte a jornalista Glenn
Greenwald. 2019.
ZAMIN, Angela. Meios-fonte nas páginas de internacional de O Estado de S.
Paulo. Galáxia, n. 22, p. 250-261, dez. 2011.

59
Entrevista como método

Reges Schwaab

A entrevista fundamenta todo o trabalho do repórter e toma


forma por um conjunto de gestos que marcam as especificidades da
apuração jornalística. Ela acontece quando unimos uma escuta, uma
sondagem e uma curiosidade genuínas, que se entrelaçam para o de-
senvolvimento da pauta; no registro de histórias, de testemunhos e
de interpretações sobre o nosso tempo e o que nele acontece. A en-
trevista é fundamental para um bom texto, seja no formato de nota,
de notícia, de reportagem. A depender da personagem ou do tema,
pode ser publicada com maior espaço, no formato de entrevista,1
geralmente, em destaque nos jornais e nas revistas. Uma entrevista
pode combinar o frescor de um encontro casual, a entrega de uma
conversação aberta e o rigor de uma investigação metódica, sempre,
alicerçada em uma atitude cooperativa, pois depende de ambos: per-
sonagem e jornalista; entrevistado e entrevistador.
Para Beatriz Sarlo (2010, p. 13), a entrevista é o espaço “da voz e
da autenticidade”, com efeito de proximidade sobre o que está longe
e demarcada pelos ecos do testemunho. A complexidade do seu fazer
toca nossa sensibilidade. Como repórteres, ter contato com o cora-
ção das histórias que queremos contar é desafiador, toma-nos imensa
energia. Preservar a marca da generosidade em ouvir é o que permi-
tirá chegar até a fronteira da acolhida, particularmente, em relatos
de sofrimento e de dor. Outras vezes, seremos pegos pela imprevisi-
bilidade da narrativa das histórias pessoais, jogando nossa prepara-
ção prévia ao solo. Por isso, nenhum traço dos procedimentos para
manejar a entrevista se sobrepõe aos aspectos humanos e sensíveis
do encontro entre sujeitos.

1 Ver sobre o gênero textual “entrevista” na próxima seção do livro.

61
Nas palavras do jornalista José Castelo (2007), uma entrevista
exige que o repórter seja capaz de ouvir e suportar a presença im-
prevista do outro, o que inclui surpresas e até a desarmonia de suas
ideias: “Chegar de mãos vazias e aceitar o que me dão. Entregar-me,
em vez de esperar que o outro se entregue. Desarmar-me, ainda que
seja para encontrar o que não desejo encontrar” (Castelo, 2007, p. 17).
O sentido do “esvaziar-se” aparece também na reflexão da jor-
nalista Eliane Brum (2012, p. 77), para quem é necessário deixar-se
“possuir pela história do outro”; “Me mostra teu mundo” (p. 79), “Me
conta” (p. 77), esses são exemplos do começo do diálogo com as per-
sonagens de suas matérias. “Porque o que a pessoa me mostra – e
o que ela não me mostra – são coisas importantes para começar a
entender como ela entende o mundo. [...]. Então eu tenho que des-
cobrir como aquela pessoa enxerga o seu mundo” (Brum, 2012, p.
79). Para Eliane Brum, propor a primeira pergunta direcionada não
permite esse gesto de adentrar e ser preenchido pela história. A jor-
nalista reconhece que há distinções na natureza de cada matéria, que
delineiam a atitude de perguntar, desde que as questões não sejam
uma tentativa de controle da fala do outro. É preciso dar passo para
que o sujeito conte, proponha fios para a tessitura da conversação, o
que não retira a exigência de completar todo percurso de uma apura-
ção. Nesse sentido, a pergunta, quando surgir, não destoará do ritmo
com o qual está sendo tecido.
Quando fazemos as mesmas perguntas para os mesmos sujeitos,
colocamo-los, sempre, nos mesmos lugares. Toda prática jornalística
é marcada por escolhas, quem iremos ouvir, o que e como iremos
perguntar. Abrir-se para uma escuta permite alguma brecha para tra-
balhar a partir de uma perspectiva que não seja somente a nossa. Nos
manuais e textos técnicos sobre reportagem e entrevista, vemos que
a escolha das fontes ou das personagens está associada à pauta. Em
um olhar crítico, temos de pensar se essa eleição de fontes não está,
outra vez, apenas reproduzindo lugares socialmente determinados
para tais sujeitos, levando-nos a dar eco a estereótipos e modos de
narrar não abertos à riqueza da experiência humana.

62
Quando nos limitamos ao famoso “ouvir os dois lados”, corremos
o risco de burocratizar o processo e esvaziar o resultado. O ideal é
que a pluralidade seja a diretriz para fugirmos de convenções e do
senso comum, além de driblar a falta de disposição em ver o caráter
multifacetado dos acontecimentos. Na prática diária, vamos manejar
distintos tipos de entrevista, que vão ocorrer segundo seu objetivo,
a temporalidade de produção e o formato de publicação. No factual,
para uma nota ou uma notícia, conversas breves para checagem de
dados, inclusive, mediadas por alguma tecnologia, são usuais. Por
vezes, a distância geográfica, ou a necessidade de obter informações
preliminares, antes de uma apuração in loco, justificam esse modo de
operação. A reportagem, a grande reportagem e o perfil, entretanto,
são modalidades que não podem prescindir da escuta refinada. E, em
muitos casos, a personagem em si é a razão da entrevista, o que requer
tempo alargado em busca de um registro de vida e de pensamento.
Na apuração, quando realizamos entrevistas, aspectos do nosso
método estão próximos de outras áreas. Basta lembrar que a entre-
vista é parte do fazer de diferentes campos. Ela está na seleção de
candidatos a uma vaga de emprego, no censo demográfico e, princi-
palmente, no universo acadêmico, sendo fundamental nas Ciências
Humanas e Sociais, com distintas aplicações na Psicologia, na Socio-
logia, na Antropologia. Sarlo (2010, p. 119, tradução livre) infere que
a investigação jornalística tem objetivos distintos da ciência, porém
há parentesco na proposta de “reconstruir um acontecimento ou
uma história, dar conta de casos exemplares, encontrar uma verda-
de”.2 Conhecer esses diferentes usos dispõe mais possibilidades para
sua compreensão como “instrumento de excelência da investigação
jornalística” (Sarlo, 2010, p. 119, tradução livre), muito além de um
contato para obter informação que não dispomos ou colher “aspas”
para a matéria.
A interação humana, sabemos, é território do sensível, espaço
múltiplo no qual serão conjugados os propósitos de informar, regis-

2 Aqui temos de pensar não em uma verdade, mas em versões, em leituras sobre o real, que
nos permitem refletir sobre nossa sociedade.

63
trar, interpretar, refletir ou mesmo entreter. Cremilda Medina (2008)
detalha quatro níveis de ampliação dos propósitos da entrevista jor-
nalística. Temos a dimensão técnica, que começa com uma pauta
bem estruturada e um bom repertório do próprio repórter, ou seja,
visão social, política e cultural, sensibilidade e atualização para lidar
com a pauta e com as fontes. O segundo nível é o da valorização do
compromisso com a comunicação coletiva, e significa a consciên-
cia sobre a observação mútua no processo de diálogo, a construção
da aproximação e a confiança recíproca.3 Do contrário, teremos um
texto que mostra apenas o que poderia ter sido uma boa entrevista.
A segurança do repórter está ancorada na polidez, no bom ma-
nejo do assunto e na escuta atenta, que valoriza, inclusive, o hesitar e
o silêncio. Vitor Necchi (2013) lembra, por exemplo, que carregamos
o ímpeto de dizer algo na pausa do entrevistado, ou quando ele fica
sem saber o que responder: “o impulso de completar uma frase ou
interpretar o que é dito tolhem o raciocínio e o fluxo de ideias” (Nec-
chi, 2013, p.171). Com a intervenção apressada, podemos alterar o
caminho escolhido para a resposta.
O terceiro nível proposto por Medina (2008) é o da possibili-
dade do trabalho criativo. Guiado pela sensibilidade, o repórter não
deixa escapar as atitudes corporais, a ambiência, o uso da lingua-
gem por parte do entrevistado. Na mesma linha, Necchi (2013, p.
170) defende que o repórter deve especular “o entorno, os detalhes,
as geografias, os ambientes, as atitudes, as texturas, as minúcias que
um olhar apressado embrutecido deixa escapar”. Isso terá resultados
visíveis para o leitor do texto.
Investigar acontecimentos e personagens é ver um potencial de
perenidade na entrevista em profundidade, transformando-a em
“um registro histórico do sujeito que se dispõe a partilhar sua vida
e seu pensamento” (Necchi, 2013, p. 162). No quarto nível apontado
por Cremilda Medina (2008), os propósitos da entrevista se comple-
3 Como recorda Medina (2008, p. 30), o jornalista pode ser visto como “um invasor, um
perturbador da privacidade”, ou “aquele que deturpa o que as pessoas dizem”. Mesmo em
uma situação de empatia, existe uma dinâmica de bloqueio e desbloqueio na conversa-
ção. Construir habilidades para a conversa permitirá desarmar desconfianças.

64
tam na sua capacidade de abrir quadros de referência sobre os sujei-
tos no social. É um processo de decifração no diálogo que não pres-
cinde de apuração metódica, de checagem e confrontação de dados.
Nas classificações de referência, as entrevistas são tomadas como
de rotina (especialmente para notas e notícias), ou caracterizadas
por circunstâncias mais alargadas de realização, no acionamento de
testemunhas, de figuras públicas, de vozes especializadas e/ou de ci-
dadãos cujas falas expressem o singular dentro da experiência huma-
na universal. Podem ocorrer durante um encontro breve ou serem
estendidas por horas. Em outras situações, motivam vários encon-
tros até o resultado esperado. A conversação é ocasional ou dialogal,
marcada por um viés informativo, opinativo ou de personalidade,
o que modifica o tom e a maneira de condução. O contato com os
entrevistados é individual (por vezes, exclusivo para aquele jornalis-
ta) ou coletivo, com distintos profissionais em cena, algo comum na
política e no esporte.
Se possível, antever o momento da entrevista é crucial para ter-
mos suficiente informação no que tange ao tema ou à pessoa. Um
roteiro flexível de perguntas pode ser útil, mas não deve engessar
o processo. A boa preparação permite mais atenção aos gestos e às
reações do entrevistado, podendo propor mudanças na condução da
conversa. Em matérias investigativas, especialmente no contato com
fontes habituadas a conceder entrevistas, caberá ao repórter manter
o controle do processo para que a reportagem se complete, além de
“não perder a paciência e a capacidade de ouvir”, relembra Necchi
(2013, p. 170). O entrevistado também quer a nossa parcela de coo-
peração: atenção na escuta e honestidade no objetivo e na utilização
do material. Nossas perguntas devem ser claras, apresentadas uma
de cada vez. A entrevista jornalística não se caracteriza por um deba-
te conflituoso ou um interrogatório, o que jamais significará ser con-
descendente ou não ser incisivo. Mas confrontar opiniões ou decla-
rações requer informação de base e atenção à fala, o que pode gerar,
em alguns casos, a necessidade de nova entrevista ou contato. Dados
ou afirmações devem ser checadas antes da publicação, mesmo que

65
isso exija voltar às fontes já consultadas e cotejar versões, como pre-
coniza o Manual da Redação (2021) da Folha de S. Paulo.
O mesmo Manual recomenda gravar as conversas, permitindo
que as falas sejam reproduzidas com fidelidade e segurança jurídi-
ca. Vamos encontrar recomendações de uso de dois gravadores ou
até dois dispositivos diferentes. As fontes também podem gravar a
entrevista para seu registro pessoal. É crucial tomar notas, sempre, e
o mais detalhadamente possível. Elas são nossa garantia em caso de
problemas técnicos com a gravação e a chave para um bom planeja-
mento da escrita, permitindo uma visão ampla da apuração. Além
disso, as notas poupam tempo quando precisamos localizar determi-
nada fala ou dado. E mais: valem como documento.
Sobre o uso do gravador e das notas, há estilos de atuação e si-
tuações específicas que devem ser considerados. A depender da per-
sonagem que entrevistamos, o uso do gravador pode inibir a fluidez
da conversa. Devemos avaliar com cuidado. Aqui também é útil a
clareza sobre o fato de a voz não ser usada, a não ser para nossa segu-
rança no registro, no momento da escrita, o que muitas vezes tran-
quiliza a fonte – isso ocorre quando a entrevista será para jornal ou
revista impressa. As anotações, se possível, devem ser mantidas, ou
escritas imediatamente após a conversa, para que o registro não seja
prejudicado.
Há entrevistados que se sentem desconfortáveis com repórteres
que nada anotam, o que pode sugerir descaso ou excesso de con-
fiança na memória ou no gravador. Em outros casos, a depender da
fonte, acontece o contrário, as notas podem ser mecanismo de ini-
bição tal qual o gravador. Devemos lembrar que a atitude atenta do
repórter é significativa para o engajamento da fonte no diálogo.
Se estivermos gravando, ao pararmos o registro, a conversa ge-
ralmente segue. Nesse caso, se a informação oferecida é off the record,
é necessário atuar conforme os balizadores éticos da profissão e ter
claros os princípios editoriais da organização jornalística, manejan-
do a situação com cautela. Pelo menos outra fonte confiável, inde-
pendente da primeira, deve também confirmar a informação que

66
recebemos. O off the record, quando solicitado pela fonte, deve ser
respeitado. Cabe ao repórter apurar a informação antes da decisão
de publicar.
Ao iniciarmos na aventura da entrevista, a insegurança ou a
pouca experiência precisam ser compensadas com preparação e éti-
ca, o que se estende ao ato de entrevistar por telefone, serviços de
mensagem instantânea, e-mail ou videochamadas. O contato requer
clareza sobre a pauta e as razões do convite. Muitas vezes, há descon-
fiança em relação a estudantes de jornalismo, porém nada justifica
uma atitude desrespeitosa das fontes. Mesmo que nossa atuação es-
teja em construção, a autonomia que movimenta o fazer do repórter
precisa ser experimentada em seus sabores – o êxito na conversa– e
dissabores – a negativa de entrevista ou a pouca colaboração.
O uso da tecnologia na entrevista promove facilidades e dilemas,
nem sempre diferentes da situação presencial. Em contatos telefôni-
cos ou por meio de ferramentas digitais, é comum que as perguntas
sejam solicitadas antes do aceite definitivo ao convite. Não é algo re-
comendável e é preciso avaliar como contornar cada situação. Depois
do aceite, em uma entrevista mediada por tecnologia, como o e-mail,
é necessário pensar a melhor estratégia e suas possíveis consequên-
cias. Um número grande de questões enviadas de uma só vez pode
gerar desistência ou demora na resposta. Às vezes, para estimular
uma lógica de conversa, podemos trabalhar com séries de perguntas,
enviadas, sucessivamente, a partir das respostas. O tempo da apu-
ração não é o tempo do entrevistado, que também tem sua rotina e
atender-nos pode não ser sua prioridade no momento.
Outras vezes, há o aceite e a conversa ocorre presencialmente,
mas a fonte pede para ler a matéria antes da publicação, o que não
é aceitável. A concessão da entrevista não pode estar condicionada
a uma exigência desse tipo. É usual, todavia, consultar a fonte sobre
trechos específicos ou pedir sua revisão quanto a informações delica-
das ou de difícil contextualização. Jamais devemos enviar nossa ma-
téria completa para aprovação das fontes. O texto é nosso trabalho,
resultado de esforço intelectual.

67
Outra situação que gera reação de algumas fontes é o uso não
literal de declarações ou a supressão da menção direta a uma fonte
que, tendo-nos atendido, espera ver seu nome citado na matéria. Esse
detalhamento deve estar claro no processo de apuração e no contato,
especialmente se notarmos a expectativa surgir na conversa. É o que
acontece quando há muitas fontes sendo consultadas, e várias entre-
vistas podem ocorrer em nossa apuração. As informações coletadas
estarão no texto, mescladas aos dados de outras fontes, incluindo as
documentais, porém não necessariamente em citações literais, entre
aspas.
Seja qual for a modalidade, é central o manejo ético e adequado
das declarações dadas pelos sujeitos, a reprodução honesta e fiel do
que foi perguntado e respondido, o que não elimina a possibilidade
de edição, bem como a utilização de aspas na identificação da fala e
no emprego cuidadoso de verbos e expressões que encaminham as
declarações.
Mesmo que consideremos válidas as pontuações técnicas, temos
de saber que o domínio de procedimentos da entrevista só faz senti-
do se guiado pela dimensão humana do trabalho que realizamos, ou
seja, pelo fato de estarmos imersos em uma situação de comunicação
e de partilha. Sem o aceite do convite ao encontro, em alternar o falar
e o ouvir, a travessia não se completa. Por isso, vamos ler argumentos
como o de José Castelo (2007, p. 170), ao defender que as melhores
entrevistas são aquelas “em que você aceita se surpreender”.
A entrevista ou as sucessivas entrevistas caracterizam a rotina de
toda a vivência de apuração. Ela não tem a existência determinada
pelo momento de sua realização; sua semente está na preparação; seu
florescimento começa no instante no qual o encontro tem lugar; e
ela não acaba ao desligarmos o gravador ou ao fecharmos o bloco de
notas. A entrevista está mesclada ao processo completo que resultará
no texto a ser publicado. Seu desenvolvimento como método, assim
como sua expressão estética, exige a comunhão entre a observação, a
escuta do outro e a escrita. Do mergulho no diálogo, emerge a narra-
tiva que iremos propor, o próximo passo na aventura da reportagem.
68
Encontrar a chave para os gestos que devem demarcar a entre-
vista, bem como o tom respeitoso e produtivo da conversa, é algo
que demanda tempo, esforço e experimentação. E só ocorre quan-
do compreendemos as responsabilidades social e ética do exercício
jornalístico, a necessidade de planejamento de cada reportagem e a
compreensão da sua fundamentação, bem como a essência do diálo-
go entre sujeitos. Saber contar histórias, portanto, depende de saber
ouvir histórias.

Indicações de leitura

BRUM, Eliane. A vida que ninguém vê. Porto Alegre: Arquipélago Editorial,
2006.
BRUM, Eliane. O olho da rua. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2017.
CAPUTO, Stella. G. Sobre entrevistas. Teoria, prática e experiências. Petrópo-
lis: Vozes, 2006.
BRASLAUSKAS, Ligia e FLORESTA, Cleide. Técnicas de reportagem e en-
trevista em Jornalismo. São Paulo: Saraiva, 2009.
LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jorna-
lística. Rio de Janeiro: Record, 2001.
MARIANO, Agnes. Eliane Brum e a arte da escuta. Em Questão, v. 17, n. 1,
2011, p. 299-313.
MAROCCO, Beatriz. Entrevista: na prática jornalística e na pesquisa. Porto
Alegre: Libretos, 2012.
MÜHLAUS, Carla. Por trás da entrevista. Rio de Janeiro: Record, 2007.
PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa. Apuração da notícia: métodos da investiga-
ção na imprensa. 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010.

Referências

ARFUCH, Leonor. La entrevista: una invención dialógica. Buenos Aires:


Paidós, 2010.
BRUM, Eliane. Eu sou uma escutadeira (entrevista). In: MAROCCO, Beatriz.
O jornalista e a prática – entrevistas. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos,
2012, p. 71-92.

69
CASTELLO, José. A literatura na poltrona. Rio de Janeiro: Record, 2007.
MANUAL da Redação: Folha de S. Paulo: as normas de escrita e conduta do
principal jornal do país. 22. ed. Barueri, SP: Publifolha, 2021.
MEDINA, Cremilda. Entrevista: o diálogo possível. 5. ed. São Paulo: Ática,
2008.
NECCHI, Vitor. Entrevista em revista: a eternização do diálogo e a percep-
ção do mundo traduzida em respostas. In: TAVARES, Frederico de Mello B.;
SCHWAAB, Reges. A revista e seu jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013, p.
161-175.

70
Redação

Ana Cristina Spannenberg e Nuno Manna

Finalizada a apuração da pauta previamente aprovada chega


– enfim! – o momento de sistematizar as informações levantadas e
dar a elas um ordenamento. É a chamada “redação jornalística”. Em
jornalismo, quando você ouve a palavra redação, ela pode significar
várias coisas. Pode ser esse processo de construção do conteúdo, mas
também podem ser as diferentes estruturas textuais tradicionalmen-
te adotadas (também conhecidos como “gêneros textuais”) e, ainda, o
espaço físico no qual os profissionais realizam suas produções. Aqui
nosso foco será o primeiro sentido, da redação como uma parte da
rotina produtiva da profissão.
Mas por que o jornalismo precisa de rotina? Quem nos explica é
o pesquisador português Nelson Traquina (2005, p.193): “o conheci-
mento de formas rotineiras de processar diferentes tipos de ‘estórias’
noticiosas permite aos repórteres trabalhar com maior eficácia”. É
como toda rotina, se você sabe que pela manhã vai acordar, escovar
seus dentes, tomar café e trabalhar, não será preciso, a cada dia, parar
para planejar o que fazer. É uma forma de otimizar o tempo, que é
sempre curto.
Agora você pode estar se perguntando: qual é a rotina de um jor-
nalista? Há muitas propostas diferentes e até uma corrente de pes-
quisadores que estuda apenas esse processo (veja nas nossas dicas
algumas leituras sobre o chamado newsmaking), mas em geral elas
envolvem os momentos de coletar a informação, selecionar o que é
mais ou menos relevante e organizar esses dados para apresentá-los
ao público, o momento que nos interessa aqui. Porém, precisamos
fazer uma ressalva sobre a tal divisão da rotina produtiva que, como
toda classificação, é simplificadora. As etapas que se percebem com
mais frequência podem, a depender do veículo e das circunstâncias
71
de produção, ocorrer de modo concomitante ou, até mesmo, ser su-
primidas.
Na etapa da redação a intenção é transformar o conjunto de in-
formações isoladas que foram coletadas em um todo consistente, que
carregue em si a construção da realidade tal como o veículo a per-
cebe. Afinal, como afirma Traquina (2005), os jornalistas nada mais
fazem do que “contar estórias”. Essa apresentação é feita sempre com
uma intencionalidade específica, vinculada à linha editorial de cada
jornal ou revista. Compreendida essa etapa, é hora de executá-la.
Lembra daquelas dezenas de filmes de jornalistas que você as-
sistiu? A cena clássica mostra o repórter de volta à redação após rea-
lizar diversas entrevistas, sentado em frente ao computador (ou, em
filmes mais antigos, da máquina de escrever) despejando todas as
informações com fúria sobre o teclado, sempre regado com uma –
ou várias – xícaras de café. Lembrou? Agora esqueça! Na vida real o
texto jornalístico é muito mais fruto de um planejamento racional do
que de “inspiração”, como alguns filmes fazem acreditar.
A redação, em geral, começa com a apuração finalizada, pois
assim é possível visualizar os dados levantados e fazer uma melhor
organização do material. O primeiro passo para escrever com se-
gurança é fazer um esboço do que se pretende. A formalização do
esboço vai depender da brevidade do texto e também do tempo de
produção. Uma nota pode ser feita apenas com um esquema mental,
mas uma grande reportagem exige um planejamento mais bem es-
truturado, que indique onde entram as informações levantadas com
cada fonte – seja ela humana ou documental – e preveja os ganchos
que vão amarrar os fios da história a ser contada.
Você pode estar se perguntando, como devo fazer isso? Imagine
que você esteja produzindo uma grande reportagem sobre o corte de
verbas para a educação superior e o impacto que ele terá na sua cida-
de. Você levantou dados estatísticos, entrevistou mais de dez fontes e,
agora, com tudo em mãos, precisa começar a escrever. O esboço des-
sa produção fictícia, poderia iniciar assim: 1) abrir com o relato da
Fulana, sobre a dificuldade em conseguir atendimento médico para

72
seu bebê, pois os postos de saúde do seu bairro, que funcionam com
pessoal da universidade, foram fechados; 2) seguir para a história
do Beltrano sobre como precisou trancar o curso da universidade
e começar a trabalhar depois que a bolsa foi cortada; 3) na sequên-
cia, incluir trecho da entrevista do reitor informando o percentual
de redução do orçamento daquele ano e como isso impacta nas dife-
rentes frentes de atuação da universidade no município. A partir daí
você poderia ir desdobrando as informações levantadas, incluindo
subtítulos, informando as diversas linguagens (textual, imagética) e
estabelecendo relações a fim de dar ao conteúdo uma linha narrativa,
afinal, você está contando uma história, lembra?
Mas antes de começar a escrever, é preciso ter clareza sobre al-
gumas definições gerais a partir das quais seu texto será construído:
quanto à abordagem geral, que pode ser mais didática ou mais es-
pecializada, por exemplo; quanto ao tom, que pode gerar um texto
sóbrio, sarcástico, dramático etc.; quanto ao investimento nos ele-
mentos narrativos, que pode ou não aprofundar em caracterizações
de sujeitos, tempos, espaços e da própria história contada; quanto à
estrutura do texto, que pode adquirir uma condução mais conven-
cional ou experimental; entre outros aspectos relevantes que dizem
respeito ao estilo do texto.
Todas essas definições devem levar em consideração o contexto
jornalístico imediato no qual o texto está inserido, que envolve: a
mídia, seja jornal, revista, livro, website, mídia social etc.; o veículo,
considerando que cada um possui sua identidade editorial específica,
incluindo suas diferentes seções e editorias internas; e o seu público
ou públicos, que é o interlocutor com quem se pretende estabele-
cer um vínculo comunicativo. Observar cada um desses elementos
é fundamental desde a concepção da pauta e dos procedimentos da
apuração, mas ganha implicação concreta crucial no texto pelas di-
ferentes formas de conduzir a redação, levando em conta as escolhas
que se mostrarem mais apropriadas no momento.
Além disso, devemos nos atentar para a configuração geral dos
grandes gêneros jornalísticos. Antes de discuti-los, é preciso expli-

73
car que existem diversas classificações e não há um consenso.1 Para
os pesquisadores da linguagem, o jornalismo, como um todo, é en-
tendido como um gênero entre diversos tipos de discursos de uma
sociedade. O que ocorre é que, com a prática cotidiana, o jornalismo
foi produzindo diferenciações entre os textos e estabelecendo outros
gêneros ou subgêneros. O jornalismo nasce opinativo, com a inven-
ção da tipografia e a necessidade de discutir temas polêmicos, como
a reforma protestante, por exemplo. A partir do século XIX, o jorna-
lismo passa a distinguir informação e opinião e demarca espaços e
características que permitam ao leitor identificar quando o conteúdo
é um fato ou um comentário a respeito do fato. Um dos motivos para
essa separação é tentar fugir da censura prévia. Mas, possivelmente,
a principal causa é econômica, pois na lógica de uma nascente indús-
tria da notícia, uma aparente isenção garantiria um maior número
de leitores. Somente no século XX, após o final da Segunda Guerra
Mundial e todas as transformações técnicas e sociais que o mundo
sofria, surge a demanda por informações com maior profundidade,
que dá origem ao jornalismo interpretativo, gênero híbrido, pois
mescla o relato e o comentário.
E como os gêneros afetam as suas decisões na hora da redação do
texto? De muitas formas! Caso seu texto seja informativo, você pre-
cisará evitar, ao máximo, inserção de comentários e juízos a respeito
dos fatos e das falas das fontes, numa busca por objetividade da sua
linguagem. Já se o texto for opinativo será necessário construir sua
argumentação, o que significa apresentar uma opinião e sustentá-la
com fatos, dados, entrevistas ou outro tipo de informação que auxilie
no processo de convencimento do seu leitor. Por fim, se o que você
estiver fazendo for um texto interpretativo, o objetivo será apresentar
ao leitor o maior número de informações possíveis, não apenas para
que ele compreenda o que está sendo exposto, mas para que pos-
sa, também, produzir sua própria interpretação a respeito. Cada um

1 As discussões sobre gênero são intensas entre diferentes pesquisadores e não pretende-
mos entrar nelas nesse texto. Caso você queira saber mais, listamos algumas obras de
referência sobre o tema nas nossas indicações.

74
desses três grandes gêneros funciona como um guarda-chuva que
abriga diferentes formatos, chamados de “gêneros textuais”.
As diretrizes para a redação de um texto devem levar em consi-
deração a diversidade de gêneros textuais do jornalismo, tais como
a nota, a notícia, a reportagem, a entrevista, o perfil, o editorial, a
coluna, a resenha crítica, a charge, a crônica, entre outros (consulte
a seção dedicada a eles neste livro). Conhecer as especificidades for-
mais da construção de cada um desses textos é fundamental, uma vez
que tais especificidades não são arbitrárias, mas fundadas em neces-
sidades e propósitos concretos.
Assim, por exemplo, imagine que o fato é uma pesquisa que
desenvolveu um novo tratamento para uma doença. Ele pode gerar
um texto informativo relatando como, onde, quando e por quem foi
realizado o estudo, além de explicar brevemente como se dá o tal
tratamento. Pode também render um texto opinativo sobre o investi-
mento em pesquisa no Brasil, discutindo o impacto dele nos atendi-
mentos do Sistema Único de Saúde (SUS) e no desenvolvimento da
indústria nacional. E, ainda, pode dar origem a um texto interpreta-
tivo, como uma reportagem, que apresente a história de uma pessoa
a ser beneficiada com o novo tratamento, detalhe passo a passo como
ele será desenvolvido e entreviste os pesquisadores, assim como ges-
tores de saúde, para informar em quanto tempo ele poderá estar dis-
ponível aos pacientes.
Mesmo dentro de cada gênero, que seja em uma nota, existem
virtualmente infinitas possibilidades de se construir uma narrativa
ou uma argumentação sobre um tema. Devemos compreender as
convenções não como fôrmas dentro das quais encaixamos nossa
escrita, mas como marcos que tomamos como referência no nosso
trabalho. Precisamos reconhecer que qualquer convenção jornalís-
tica é uma construção cultural, e que elas não se formaram arbitra-
riamente. Os contornos dos diferentes tipos de texto, ou as “receitas”
recorrentes para a estruturação da redação – como o uso do lide para
a notícia, na clássica construção de um texto que responde às per-
guntas o quê? quem? quando? como? onde? por quê? – são fruto da

75
história de um jornalismo industrial e da modernização nas grandes
redações. Nesse sentido, ainda que estejamos em outro momento,
tais estratégias visam organizar e otimizar o trabalho, e garantir a
circulação do processo em modo coletivo – o que, inevitavelmente,
promove certa impessoalidade do empreendimento.
Ainda que seja nossa tarefa nos situarmos dentro dos marcos
convencionais da prática jornalística, é também nosso dever, sempre
que possível, buscar formas de aprimorá-la e transformá-la. E pensar
“fora da caixinha” é fácil quando simplesmente achamos que pode-
mos fazer as coisas do nosso jeito; mas o fato é que quaisquer trans-
gressões das regras serão muito mais consequentes e interessantes
se dominamos tais regras e jogamos com elas. Quando temos – ou
criamos – uma oportunidade para imprimir maior criatividade em
nossa redação, o próprio processo criativo se torna mais potente se
estamos conscientes de quais escolhas estão sendo feitas, e com que
implicações.
Todo jornalista quer poder imprimir sua marca no texto que
produz. E existem formas diferentes de fazer com que isso aconteça.
Cada vez mais frequente, por exemplo, é a construção de textos em
primeira pessoa, que narram histórias não apenas pela perspectiva
explícita do repórter, mas que fazem do próprio repórter um per-
sonagem de sua narrativa. Tal recurso pode ser muito interessante,
mas também pode ser apenas um exercício vazio de exibicionismo se
isso não trouxer uma contribuição efetiva para a matéria. É também
recorrente um desejo de construir um texto mais “literário”. Mas o
que isso significa? Pois “literário” pode dizer do aspecto reflexivo dos
textos de Svetlana Aleksiévitch, do debochado de Joel Silveira ou até
do bizarro de Hunter Thompson, e pode, até, simplesmente significar
um texto desnecessariamente rebuscado.
Por isso, o modo mais interessante para redigir um texto consis-
tente, com claro propósito e “fora da caixinha” – ou mesmo “dentro
de uma caixinha”, mas com muita dignidade! – é perguntar-se, do
início até o fim da escrita: que história estou contando? (para casos
mais tipicamente narrativos, como uma reportagem), ou que argu-

76
mento estou construindo? (para casos expositivos, como um artigo
de opinião), e qual é a melhor forma de fazê-lo? Mesmo os formatos
mais fechados guardam possibilidades para bons trabalhos, e mesmo
as normas mais demarcadas (como as regras previstas em um ma-
nual de redação) são periodicamente revistas.
Existe ainda um conjunto de preocupações no processo de criação
de um texto que não dizem respeito apenas à observância de conven-
ções formais dos textos, mas a um compromisso transversal do traba-
lho no jornalismo com a ética. E se os cuidados éticos atravessam todo
os processos da profissão, precisamos nos atentar para sua incidência
também na redação. A escrita jornalística, afinal, possui um vínculo
referencial com a realidade material que não pode ser rompido ou me-
nosprezado. Deixemos claro: um texto não é nunca um reflexo da rea-
lidade, o jornalismo não é um espelho do mundo, e uma informação
não é algo naturalmente disponível que o repórter simplesmente colhe
para inserir em seu texto. As teorias da linguagem não nos deixam
esquecer que ela não é um canal neutro, mera transmissora de mensa-
gens, e que quando dizemos que o jornalismo informa algo, existe aí
um caráter criador e performativo no nosso texto.
A informação, nesse sentido, é “um construto, uma organização
das relações forjadas pela ação jornalística e que passam a existir na e
por causa da informação” (Manna, 2014, p. 69, grifos do autor). Ama-
durecer uma consciência sobre isso significa justamente aumentar a
nossa responsabilidade sobre a escolha que fazemos a cada palavra
escrita – ou omitida. E é por isso que a redação jornalística não é um
trabalho de criação desprendido, como pode ser o da ficção, porque
ele tem o compromisso de ser feito em diálogo direto e franco com
o mundo onde nos situamos, de onde nasce cada pauta e para onde
cada matéria será oferecida. É no comprometimento sério e transpa-
rente com esse processo que se ampara a legitimidade do jornalismo,
e não em discursos românticos sobre seu papel e importância (como
aqueles mesmos filmes gostam de exaltar).
No meio desse dilema, emerge uma complexa discussão sobre a
objetividade jornalística. Essa é uma ideia que se institui na história

77
do jornalismo quando os jornais buscam se despolitizar, separando
o relato dos fatos e a opinião sobre eles, como já explicamos. Não é
coincidência que isso ocorra no século XIX, período em que as des-
cobertas científicas estavam em alta. Nesse momento, acreditava-se
que o jornalismo poderia traduzir fielmente os acontecimentos do
mundo, bastando seguir as técnicas adequadas. Hoje esse pensamen-
to é bastante questionado, e a discussão é interminável, justamente
porque todo texto estará fundado em escolhas e juízos de valor: não
é insignificante se uma matéria se refere a um indivíduo preso como
“um jovem que portava drogas” ou “um traficante”, e não é por acaso
que, em nossa sociedade, o segundo termo é frequentemente mais
usado quando se trata de jovens negros de periferia. E quanto a isso,
devemos estar cientes das consequências do que escrevemos.
Já quanto à veracidade das informações, trata-se de garantir
que tudo o que está sendo afirmado pode ser comprovado, porque
é nessa presunção que o jornalismo se ampara, e porque é isso que
resguarda o trabalho de um jornalista de possíveis acusações de frau-
des. Por isso, todo cuidado é pouco com o tratamento das falas das
fontes, dos dados numéricos e com a clareza do que se está dizendo.
Nesse sentido, vale ressaltar a importância de manter as informações
em um contexto que não distorça sua intenção original e evitar o uso
de declarações pinçadas apenas para confirmar a hipótese defendida
pelo texto.
O jornalista David Nasser, personagem clássico no anedotário da
imprensa brasileira, se notabilizou por inventar falas de fontes anô-
nimas e, até mesmo, por sugerir declarações prontas para persona-
lidades públicas conhecidas, como relata seu biógrafo Luiz Maklouf
Carvalho (2001). Esse caso extremo, hoje relatado como exemplo do
que não fazer, ainda ocorre cotidianamente quando jornalistas en-
trevistam pessoas apenas para “encaixar” seus relatos em uma ideia
de texto previamente definida. Ao conferir esse tratamento às falas
dos entrevistados, a pessoa deixa de ser tratada como sujeito, para
ser apenas um personagem, um tipo social que se encaixa em uma
narrativa pré-formatada.

78
O mesmo ocorre com dados estatísticos e outras informações
que, quando retiradas do contexto ou apresentadas com redação di-
ferente podem trazer uma leitura distinta – e, às vezes – até inversa
do fato. Assim, por exemplo, imaginemos que estamos tratando do
resultado de uma pesquisa que identifica um crescimento do número
de pessoas ocupadas no país, porém em condições precárias de tra-
balho. Ela pode ser noticiada como uma “queda do desemprego” ou
como um “avanço da precarização do trabalho no Brasil”. Ambas são
leituras possíveis, mas as duas oferecem uma leitura parcial do fato,
pois escolhem mostrar apenas uma das suas facetas.
Parece muita coisa para se preocupar no momento de escrever
uma matéria, certo? E é. O jornalismo tem um impacto social enor-
me e a responsabilidade sobre suas informações deve estar presente
em todos os momentos da produção. Mas lembra quando explicamos
que o jornalismo é sempre uma produção coletiva? Após concluída
a redação, a produção segue para o momento da edição, no qual o
conteúdo passará por outros olhares, o que poderá dar mais tranqui-
lidade quanto às decisões tomadas ou, até, exigir revisões. Mas isso é
assunto para o próximo tópico.

Indicações de leitura

Rotinas produtivas e outras teorias do jornalismo


GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista
do jornalismo. Porto Alegre: Tchê, 1987.
GOMIS, Lorenzo. Teoría del periodismo. Cómo se forma el presente. Barce-
lona: Paidós, 1991.
KUNCZIK, Michael. Conceitos de jornalismo: Norte e Sul: Manual de reda-
ção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: Porque as notícias são como
são, v. 1. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2005a.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo. A tribo jornalística – uma co-
munidade interpretativa transnacional, v. 2. Florianópolis: Insular, 2005b.
WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins
Fontes, 2003. (Coleção Leitura e Crítica).
Gêneros jornalísticos
79
BELTRÃO, Luiz. A imprensa informativa. Técnica da notícia e da reporta-
gem no jornal diário. São Paulo: Folco Masucci, 1969. (Coleção Mass-Media,
v.1).
BELTRÃO, Luiz. Jornalismo interpretativo: Filosofia e técnica. Porto Alegre:
Sulina, 1976.
BELTRÃO, Luiz. Jornalismo opinativo. Porto Alegre: Sulina, ARI, 1980.
MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro. 2. ed. Petrópo-
lis, RJ: Vozes, 1994.
SEIXAS, Lia. Redefinindo os gêneros jornalísticos: proposta de novos crité-
rios de classificação. Covilhã, Portugal: Livros LabCom, 2009.

Redação de textos informativos


ERBOLATO, Mário. Técnicas de codificação em jornalismo: redação capta-
ção e edição em jornal diário. 5. ed., 6. reimp. São Paulo: Ática, 2004.
LAGE, Nilson. Linguagem jornalística. 7. ed. São Paulo: Ática, 2002.
LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 2002.
LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jorna-
lística. São Paulo: Record, 2001.

Redação de textos opinativos


CITELLI, Adilson. O texto argumentativo. São Paulo: Spicione, 1994.
VARGAS, Natividad Abril. Periodismo de opinión: claves de la retórica pe-
riodística. Madri: Sintesis, 1999.

Redação de textos interpretativos


COIMBRA, Oswaldo. O texto da reportagem: um curso sobre sua estrutura.
São Paulo: Ática, 2004.
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como exten-
são do jornalismo e da literatura. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.
SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas
sobre a narrativa jornalística. 3. ed. São Paulo: Summus, 1986.
WOLFE, Tom. Radical Chic e o Novo Jornalismo. Barcelona: Anagrama, 1975.

Correção textual, ortografia e gramática

GARCIA, Luiz. O Globo – Manual de Redação e Estilo. 28. ed. São Paulo:
Globo, 2001.

80
MARTINS FILHO, Eduardo Lopes. Manual de redação e estilo do Estado. 3.
ed. São Paulo: O Estado de S. Paulo, 1997.

Dicas de uma redação mais atenta a temáticas socialmente sen-


síveis
THINK OLGA. Minimanual do jornalismo humanizado: Violência contra a
mulher, v.1. [s.l.]: Think Olga, 2016.
THINK OLGA. Minimanual do jornalismo humanizado: Pessoas com defi-
ciência. v. 2. [s.l.]: Think Olga, 2016.
THINK OLGA. Minimanual do jornalismo humanizado: Racismo, v. III.
[s.l.]: Think Olga, 2016.
THINK OLGA. Minimanual do jornalismo humanizado: Estereótipos noci-
vos, v. IV. [s.l.]: Think Olga, 2017.
THINK OLGA. Minimanual do jornalismo humanizado: LGBT*, v. V. [s.l.]:
Think Olga, 2017.
THINK OLGA. Minimanual do jornalismo humanizado: Aborto, v. VI.
[s.l.]: Think Olga, 2017.
THINK OLGA. Minimanual do jornalismo humanizado: Jornalismo espor-
tivo, v. VII. [s.l.]: Think Olga, 2018.

Referências

CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras criadas: David Nasser e O Cruzeiro. São


Paulo: Senac São Paulo, 2001.
MANNA, Nuno. O que é informação? In: LEAL, Bruno Souza; ANTUNES,
Elton; VAZ (orgs.). Para entender o jornalismo. Belo Horizonte: Autêntica,
2014. p. 67-76.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: Porque as notícias são como
são, v. 1. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2005.

81
Edição

Luiz Antônio Araujo

Edição é, em sentido amplo, preparação de textos, imagens, ta-


belas, listas e outros materiais de interesse do leitor para publicação
ou veiculação em meios impressos, eletrônicos ou digitais. Designa
também a forma particular como um produto jornalístico é apre-
sentado em um determinado âmbito temporal, geográfico ou de
suporte material ou técnico, no sentido de versão (edição das 10,
edição nacional, edição digital, edição compacta).
O termo não é exclusivo do universo do jornalismo: aplica-se a
livros, folhetos, panfletos, anúncios, comunicações públicas, vídeos,
áudios, fotografias, publicações on-line e outros artefatos. A palavra
vem do latim editionis, “publicação de textos, partituras etc., produzi-
dos por quaisquer sistemas de compor, imprimir ou gravar” (Cunha,
1982, p. 284), da mesma raiz do adjetivo inédito (inedictus, inedicta,
inedictum). Editar é preparar algo para ser publicado, ou seja, oferta-
do ao público, razão pela qual apenas excentricamente é utilizado no
contexto da escrita, do registro ou da comunicação privados.
“Forma extrema do livro” (Anderson, 2008, p. 60), o jornal her-
dou do antepassado não apenas o espírito expresso em estilos e for-
matos, mas as técnicas de produção. Edição, antes de designar uma
parte ou aspecto específico da manufatura de jornais, dizia respeito a
toda a atividade de feitura de impressos. Nos séculos XVI e XVII, os
fazedores de corantos e gazetas, primeiras encarnações da forma jor-
nal, eram negociantes como Jacob Függer (Natali, 2004), advogados
como Denis de Sallo (Wikipedia, s/d) ou religiosos como Johann Rist
(Superinteressante, 2018).
Efêmeros, urgentes, destinados ao consumo imediato e sôfrego,
nem por isso os jornais podiam ignorar os 200 anos de experiência

83
editorial acumulada desde que Johannes von Guttenberg trouxera a
lume em Mainz, Alemanha, os primeiros preciosos exemplares de
sua Bíblia. Não se partia do zero: imprimir um jornal, assim como
imprimir um livro, implicava, antes de tudo, acomodar um determi-
nado número de palavras numa certa extensão de papel. À medida
que as técnicas de composição de textos e de impressão se sofistica-
vam, novas variáveis entraram em cena: tipologias, colunas, fios e,
finalmente, já no século XIX, ilustrações e fotografias. Muito tempo
se passou até que a atriz brasileira Vera Gertel, estagiária na editoria
de Internacional do jornal Última Hora, em 1968, visse com perple-
xidade o secretário de redação, Mário Rolla, depositar uma página
diagramada em sua mesa e dizer: “Três de nove”:
Que diabo de código seria aquele?
Saí em busca de primeiras páginas impressas penduradas no
“pau” e contei os títulos. Só podia ser aquilo. Títulos de maté-
rias com três linhas de nove batidas cada uma. Ufa! Acertei um
título de primeira página para a matéria internacional. Fiquei
na profissão. (Gertel, 2013, p. 180).
Qualquer edição, seja de jornal, de revista, de livro ou de qual-
quer outro construto, implica adequar conteúdo a espaço físico ou
virtual, mas nem por isso se resume a uma operação matemática. Se
edição é todo o processo de produção de uma obra (Ribeiro, 2010),
edição jornalística compreende uma compreensão ampla da natu-
reza da notícia e do jornalismo, dos princípios, da linha editorial,1
da história, do estilo e dos padrões éticos do veículo, do contexto
histórico e cultural em que é oferecido ao público e, finalmente, da
coleção caótica de fatos, atitudes, crenças e modos de pensar e agir
que constituem aquilo a que chamamos atualidade. Editar é fazer es-
colhas, reza a antiga frase feita das redações. É atribuição do editor
decidir não apenas quais informações encontrarão seu caminho até
o público por meio do jornal ou da revista e quais serão deixadas

1 Linha editorial é o conjunto de valores de natureza jornalística e extrajornalística (ideo-


lógicos, econômicos, políticos) de um veículo jornalístico, aplicado à publicação de notí-
cias. Ver mais em Melo (2003) e Neveu (2006).

84
de lado, mas quais acontecimentos reais ou potenciais deverão ser
acompanhados ou investigados pela equipe; quais conteúdos serão
complementados por fotos, infográficos, boxes,2 pequenos textos
opinativos, artigos de colaboradores, links para conteúdos similares
e assim por diante; quais coberturas serão apresentadas nos espaços
nobres da página, da editoria ou da edição; e, finalmente, em se tra-
tando de editores responsáveis pelo conjunto do veículo, quais notí-
cias ocuparão o espaço dominante na capa, que corresponde ao es-
paço nobre em termos de visibilidade e hierarquização de conteúdo.
Editar não se limita a decidir sobre seleção e apresentação de
textos jornalísticos. Implica intervir no próprio texto, sugerindo di-
ferentes ângulos ou enfoques, alterando a hierarquia dos elementos
da notícia ou reportagem, solicitando ao repórter que acrescente,
suprima ou aprofunde um determinado aspecto do que foi apura-
do, chegando mesmo à substituição de palavras ou expressões. É do
editor a palavra final sobre o que será ou não publicado, a partir de
critérios técnicos e editoriais de natureza jornalística.
Na história da atividade jornalística, a função de editor antece-
de a de repórter. O aparecimento de profissionais especializados em
buscar notícias, que podem passar a maior parte do tempo em cam-
po e comparecer apenas ocasionalmente à redação, ocorre apenas
na metade do século XIX. A era dos repórteres célebres – William
Howard Russell, Henry Stanley, Mark Kellogg, Nellie Bly, Winston
Churchill – coincide com a massificação da circulação dos jornais
no rastro das novas tecnologias de impressão, da alfabetização em
massa e da primeira onda da globalização. Não poucos políticos,
dos britânicos Winston Churchill e Boris Johnson ao italiano Benito
Mussolini, do russo Leon Trotsky à americana Sarah Palin, do bra-
sileiro Marcio Moreira Alves ao colombiano Ernesto Samper, foram
repórteres na juventude.

2 Box (do inglês box, caixa) é um elemento editorial constituído basicamente por uma uni-
dade independente de texto de tamanho variado (desde uma nota de caráter ilustrativo
e informativo até uma reportagem) destacado por meio de moldura com fio, retícula ou
outra característica gráfica que a destaque do restante da página. Tem a função de com-
pletar ou detalhar o texto principal.

85
O século XX, dando vazão a uma tendência esboçada no XIX,
foi o século da reportagem, não por acaso a profissão dos alter egos
de super-heróis como Super-Homem e Homem-Aranha. Vida real e
cultura de massas deram as mãos quando o escândalo de Watergate
originou o longa-metragem Todos os homens do presidente, de Alan
J. Pakula, o mais popular filme sobre jornalismo já feito, com Dustin
Hoffmann e Robert Redford no papel da dupla de repórteres Carl
Bernstein e Bob Woodward, responsáveis pela cobertura que culmi-
nou na renúncia do presidente estadunidense Richard Nixon. O re-
conhecimento público fez com que o poder e a influência atribuídos
a esses profissionais fossem grandemente exagerados. Na vida real,
Bernstein escapou por pouco de ser demitido do The Washington
Post ao embarcar na cobertura de Watergate – suas peripécias in-
cluíam ter deixado um carro do jornal estacionado em local proibido
(Bernstein; Woodward, 2014). Por mais influentes e prestigiosos que
sejam, repórteres têm um raio de ação necessariamente limitado. Sua
aura, quando existe, reflete-se sobre os veículos para os quais traba-
lham, mas a missão de ligar e desligar as luzes no começo e ao final
de cada jornada é dos editores.
Muito da produção teórica do jornalismo trata especificamente
de edição, deixando em segundo plano outros aspectos da ativida-
de. É o caso do modelo ou abordagem conhecido como Gatekeeping,
esboçado por David White (1950) a partir da contribuição de Kurt
Lewin (1947). Com base em uma pesquisa de campo realizada junto
a um editor da seção internacional de um jornal de cidade média dos
Estados Unidos, que recebeu no estudo o codinome de Mr. Gates
(Sr. Portões, em inglês), White reuniu elementos para sustentar que
a publicação ou o descarte de notícias de agências internacionais de-
pendiam fortemente de preferências subjetivas daquele profissional.
Seu artigo sugere que o fluxo de notícias, da produção e distribuição
pelas agências até os leitores, esbarra num ponto crítico ou cancela
operado pelos chamados porteiros (gatekeepers), dos quais Mr. Gates
era um representante emblemático. Embora distintos pesquisadores
tenham tecido críticas a essa abordagem, incluindo o fato de pres-

86
tar pouca atenção a repórteres e outros profissionais que participam
do processo de produção da notícia, ela continua a se provar uma
das mais influentes no campo dos Estudos de Jornalismo. Tentando
abarcar o jornalismo de conjunto, White contribuiu para elucidar o
poder concentrado nas mãos dos editores-porteiros.
Alguns anos depois da publicação do artigo de White, Warren
Breed, professor de Sociologia da Tulane University, na Louisiana,
tentou responder à questão sobre como organizações jornalísticas
conseguiam manter orientações conservadoras apesar de contar em
suas equipes com uma maioria de empregados de visão política pro-
gressista. Ex-repórter do Oakland Post Enquirer, da cadeia de jornais
de William Randolph Hearst, ele ficara impressionado com a man-
chete “Queimem o professor vermelho” (“Grill the red professor”) em
uma das publicações do ex-patrão. No artigo Controle social na re-
dação (1955), Breed apresentou uma descrição mais complexa dos
processos decisórios nos jornais do que aquele mostrado por White.
A organização jornalística, segundo Breed, era dividida entre publi-
shers (responsáveis últimos pela linha editorial), executivos (encarre-
gados de gerenciar equipes e dar forma às edições diárias) e empre-
gados (repórteres e outros profissionais de escalão mais baixo). Uma
dialética matizada tensionava as relações entre essas três posições na
hierarquia das redações: como empregado, o jornalista tende a abrir
mão de seus valores individuais em favor daqueles professados pela
empresa para a qual trabalha. Depende do emprego para a própria
sobrevivência e é pressionado pelo tempo, fator chave na produção
da notícia que desencoraja longos debates e disputas em torno das
decisões a tomar.
A esse conformismo coercitivo, somam-se outros, relacionados
à ideologia profissional: muitas vezes, o executivo, função que cos-
tuma ser exercida por jornalistas experientes em redações de jornal,
ocupa uma posição de padrinho e mentor dos empregados mais jo-
vens. Lealdade, gratidão e admiração profissional reforçam os laços
entre superiores e subordinados. Por outro lado, Breed assinala os
pontos fortes dos repórteres na luta por fazer valer seus pontos de

87
vista: são eles, em última instância, que estão em contato com a no-
tícia onde ela está acontecendo (os editores, no mais das vezes, têm
apenas um conhecimento de segunda mão a respeito dos fatos); se
os editores optam por engavetar determinada informação, correm
o risco de que ela seja publicada pela concorrência; normalmente, a
linha editorial é ampla e difusa, ficando sujeita a mais de uma inter-
pretação, facilitando desvios em favor da visão dos repórteres.
Como atividade especializada, a edição pode exigir ou privile-
giar habilidades distintas a depender da área, também chamada de
editoria, a que diz respeito. Edição de política, por exemplo, exige co-
nhecimento a respeito da história e da atualidade política do país, da
região e da localidade coberta pelo jornal, visão geral dos principais
atores individuais e partidários, atenção a debates no interior dos go-
vernos e dos parlamentos. Embora a política seja uma área sensível,
atraindo grande interesse e fornecendo a maior quantidade de man-
chetes para os jornais, essa editoria dificilmente é a mais vibrante
num veículo. Esse lugar tende a ser ocupado pela chamada editoria
de cidade, metrópole ou cotidiano, afeita a setores mais próximos do
leitor comum, como saúde, educação, trânsito, serviços, assistência
social, clima e, por vezes, segurança pública. Normalmente, a edi-
toria de cidade é a maior do jornal em número de repórteres, sua
equipe é a mais experimentada em investigação e coberturas longas
e difíceis no terreno. Mais uma vez, pode-se mencionar o exemplo de
Watergate: Woodward era repórter de política, mas Bernstein atuava
em cidades. Em seguida, situam-se as demais editorias: economia,
cultura, ciência e tecnologia e, normalmente como um caso à parte
ou um “jornal dentro do jornal”, esportes.
Editar, em suma, é dar rosto e personalidade ao conteúdo jor-
nalístico. Leitores valorizam a percepção do momento, o matiz, o
sabor inconfundível, a diferença. A edição da New Yorker sobre o 11
de Setembro não é apenas um compilado de reportagens e artigos
opinativos: é uma mirada particular sobre o tempo e a história. Não
são apenas textos jornalísticos que contam histórias. Capas, exten-
sões de coberturas, cadernos, recursos visuais e eletrônicos, ima-

88
gens também o fazem. A edição constitui, assim, uma modalidade
de metajornalismo: é a atividade capaz de fornecer e enfatizar novos
e variados sentidos àqueles que atravessam o corpo do jornal.
Jornais e revistas laboratório, como instrumentos de aprendiza-
gem e formação profissional, são espaços privilegiados para o exercí-
cio da edição. Cabe aos que ocupam essa função, sejam professores,
estudantes ou ambos, compartilhar com a equipe uma compreensão
comum sobre a linha editorial do jornal ou da revista, orientar e su-
pervisionar a apuração, a redação e a diagramação, fechar o espelho
ou boneco da publicação, produzir capa e editorial (carta do editor
ou carta ao leitor, no caso de revista) e acompanhar o processo in-
dustrial ou gráfico de produção da publicação. Devem sobretudo os
editores de jornais e revistas laboratório estimular os estudantes a
refletir sobre o conjunto do processo de produção do jornal ou da
revista, propiciando compartilhamento de impressões, opiniões e ex-
periências sobre cada etapa do trabalho.

Indicações de leitura

ABRAMO, Claudio. A regra do jogo. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
ERBOLATO, Mário. Técnicas de codificação em jornalismo. São Paulo:
Ática, 2001.
NOBLAT, Ricardo. A arte de fazer um jornal diário. São Paulo: Contexto, 2012.

Referências

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. São Paulo: Companhia


das Letras, 2008.
BERNSTEIN, Carl; WOODWARD, Bob. Todos os homens do presidente.
São Paulo: Três Estrelas, 2014.
BREED, Warren. Social control in the newsroom: a functional analysis. Social
Forces, v. 33, n. 4, p. 326-335, 1955.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portugue-
sa. São Paulo: Lexicon, 1982.
GERTEL, Vera. Um gosto amargo de bala. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 2013.

89
LEWIN, Kurt. Frontiers in group dynamics II: channels of group life; social
planning and action research. Human Relations. 1 nov. 1947.
MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo. 3. ed. Campos do Jordão, SP:
Mantiqueira de Ciência e Arte, 2003.
NATALI, João Batista. Jornalismo internacional. São Paulo: Contexto, 2004.
NEVEU, Éric. Sociologia do jornalismo. São Paulo: Loyola, 2006.
RIBEIRO, Ana Elisa. Edição. In: MELO, José Marques de. Dicionário Inter-
com de Comunicação. São Paulo: Intercom, 2010.
SUPERINTERESSANTE. Como surgiram as revistas? 4 jul. 2018.
WHITE, David Manning. The Gatekeeper: a case study in the selection of
news. Journalism & Mass Communication Quarterly. 1 set. 1950.
WIKIPEDIA. Denis de Sallo.

90
Fact-checking

Taís Seibt

Fact-checking, ou checagem de fatos, em tradução livre, é um


termo usado para se referir tanto a uma etapa de produção de repor-
tagens quanto ao texto jornalístico que confirma ou desmente uma
informação já publicada anteriormente em outros espaços midiáti-
cos, como perfis e páginas em redes sociais, entrevistas coletivas e
pronunciamentos oficiais de pessoas públicas. Geralmente, as publi-
cações no formato de fact-checking usam selos, também chamados
de etiquetas, que marcam o grau de precisão do conteúdo verificado,
podendo variar não só entre “verdadeiro” ou “falso”, mas também
“distorcido”, “impreciso”, “sem contexto”, “exagerado”, “subestimado”,
“contraditório” e outras classificações de acordo com os padrões edi-
toriais de cada site ou agência de checagem de fatos.
A inspiração do fact-checking como formato jornalístico vem do
próprio processo de produção jornalística, já que verificação é um
dos elementos do jornalismo, conforme Bill Kovach e Tom Rosenstiel
(2004). Desde as primeiras décadas do século XX, conferir os dados
apurados é um ritual necessário no fechamento de uma reportagem.
A revista New Yorker é conhecida por ter um departamento de fact-
-checking encarregado de verificar informações fornecidas pelas fon-
tes consultadas pelo repórter antes da publicação. O documentário
Voyeur,1 inspirado no livro-reportagem de Gay Talese, mostra os bas-
tidores desse processo em uma sequência em que o renomado repór-
ter é questionado pelo fact-checker sobre determinada informação.
No Brasil, a redação do The Intercept tem um departamento de-
dicado à verificação e um manual de checagem para garantir a con-

1 Lançado em 2017, o filme está disponível na plataforma de streaming Netflix. O livro-re-


portagem O Voyeur (Companhia das Letras, 2016), de Gay Talese, está à venda em formato
impresso e digital.

91
ferência dos dados citados no texto antes da publicação. Na maioria
dos veículos, contudo, cabe ao próprio repórter fazer a verificação
antes de entregar o texto ao editor ou mesmo oferecer ao editor as
confirmações necessárias, quando solicitado. Também por compro-
misso ético, o repórter não pode abrir mão da verificação, já que a
busca pela verdade dos fatos é um dos princípios deontológicos do
jornalismo. A partir da percepção de veículos, jornalistas e leitores,
Gisele Reginatto (2019) chegou a 12 “finalidades do jornalismo”, sen-
do uma delas, verificar a veracidade das informações. Para Kovach
e Rosenstiel (2004, p. 113), é a disciplina da verificação “que separa
o jornalismo do entretenimento, da propaganda, da literatura ou da
arte”.
No ecossistema contemporâneo de mídias digitais, onde publi-
car conteúdos já não é um domínio exclusivo de profissionais da im-
prensa, a verificação se tornou um diferencial ainda mais importan-
te. Não só por se debruçar sobre o que já está publicado, mas também
por se utilizar de recursos como a indicação de hiperlinks para as fon-
tes consultadas no corpo do texto, os conteúdos de fact-checking são
muito adaptados à linguagem da internet. Fact-checkers costumam
dizer que não existe checagem sem hiperlinks, até pelo compromisso
ético com a transparência quanto à escolha das fontes e aos métodos
de checagem preconizados pela International Fact-checking Network
(IFCN). Dessa forma, o ambiente digital favoreceu o crescimento do
fact-checking enquanto formato jornalístico, um texto que expõe o
processo de apuração.
É interessante que a disciplina da verificação e o princípio da
transparência estão interligados. Como Kovach e Rosenstiel (2004,
p. 127) já haviam pontuado, a transparência “[...] mostra o respeito
dos jornalistas por seu público. Permite a este julgar a validade da
informação, o processo pelo qual essa mesma informação foi obtida
e os motivos e preconceitos do jornalista que a transmite”. Repre-
sentado à risca pelo formato de fact-checking, o crescimento des-
sa prática e as exigências de verificação impostas pelo cenário de
desinformação, pressionam para que outros formatos jornalísticos

92
mais tradicionais também se apropriem de técnicas da checagem de
fatos, expondo fontes e processos de apuração no texto final de uma
notícia ou reportagem. Dessa forma, um novo paradigma jorna-
lístico (Charron; Bonville, 2016) pode estar em ascensão, o “jorna-
lismo de verificação” (Seibt, 2019), que “já não produz observações
iniciais, mas exerce uma função cuja ênfase é verificar, interpretar
e dar sentido à enxurrada de texto, áudio, fotos e vídeos produzida
pelo público” (Anderson; Bell; Shirky, 2013, p. 43).
Por essa perspectiva, a checagem de fatos não se limita à atri-
buição de uma etiqueta de “verdadeiro” ou “falso”, prescinde também
de contextualização, por isso a exposição de fontes e métodos é uma
exigência. Assim, o “jornalismo de verificação” seria um tipo jorna-
lístico que se diferencia não só por verificar o que já está público, mas
também por deixar-se verificar pelo público (Seibt, 2019), através da
transparência do método de apuração.
Conteúdos de fact-checking se tornaram mais presentes na
imprensa brasileira principalmente a partir de 2018, quando hou-
ve grande mobilização tanto de iniciativas independentes como de
veículos da mídia tradicional em torno da verificação de discursos
durante a campanha eleitoral para a Presidência, contudo os primei-
ros sites e agências especializadas em checagem de fatos surgiram no
Brasil em 2014. A experiência do Chequeado, site argentino de che-
cagem de fatos que recebeu, em 2013, o prêmio Gabriel García Már-
quez, um dos principais reconhecimentos em jornalismo na América
Latina, inspirou a criação dos projetos pioneiros: Cristina Tardáguila
manteve o blog Preto no Branco, no jornal O Globo, onde era editora
de Política, e Natália Viana instituiu a seção Truco na Agência Públi-
ca, da qual é diretora. Em ambos, o foco era verificar o que diziam os
candidatos na disputa presidencial de 2014.
Em 2015, Tardáguila deixou O Globo e fundou a Agência Lupa.
No mesmo ano, surgiu o site Aos Fatos, liderado pela jornalista Tai
Nalon. O Truco suspendeu as atividades em 2018, enquanto Lupa
e Aos Fatos seguem ativos e são iniciativas de referência na prática
de fact-checking, com projetos premiados no Brasil e no mundo. As

93
duas iniciativas são reconhecidas pela IFCN, rede internacional de
checagem de fatos que estabelece princípios éticos comuns às ini-
ciativas certificadas, promove boas práticas entre os fact-checkers
(verificadores de fatos) da rede e realiza encontros anuais. Os cinco
princípios éticos da IFCN são: transparência em relação à metodo-
logia; transparência na escolha das fontes; transparência quanto ao
financiamento; política pública de correções; apartidarismo.
Desde 2018, membros da IFCN mantêm parcerias com plata-
formas de mídia social, como Facebook e Twitter, para verificar con-
teúdos virais que circulam nesses espaços. A classificação dada pelos
fact-checkers é exibida aos usuários, conforme os critérios de cada
plataforma, e pode interferir no sistema de recomendação da rede de
forma a reduzir a circulação de conteúdos falsos ou enganosos. A co-
laboração com verificadores de fatos começou após a repercussão do
depoimento de um ex-funcionário da consultoria Cambridge Analy-
tica sobre o potencial impacto de campanhas de marketing em plata-
formas de mídia social em processos como o plebiscito pela saída do
Reino Unido da União Europeia, conhecido como Brexit, e a cam-
panha para presidente dos Estados Unidos que elegeu o republicano
Donald Trump, em 2016. Trump, aliás, foi um grande propagador
do termo “fake news”,2 a princípio associado a conteúdos enganosos
– ou “notícias falsas” – mas que restou banalizado ao ser frequente-
mente associado a conteúdos legítimos, muitas vezes jornalísticos,
que o desagradavam ou contrariavam seus interesses. O discurso foi
imitado por líderes políticos em outros países, inclusive no Brasil.
Com impulso dos sistemas de recomendação de conteúdo nas
plataformas de mídia social – os algoritmos –, usuários são impacta-
dos por mensagens tendenciosas ou mesmo enganosas semelhantes
a outros conteúdos curtidos ou compartilhados anteriormente por
aquele usuário, o que estaria criando “bolhas” de informação. Há
maior exposição àquilo que cada um de nós mais gosta nas redes so-
2 O termo “fake news” e sua tradução livre “notícia falsa” vem sendo amplamente refutado
por jornalistas e pesquisadores da área porque, pelos princípios éticos do jornalismo, o
que é falso não pode ser notícia, já que a notícia pressupõe a busca pela verdade (Veja o
verbete “notícia”).

94
ciais e isso cria realidades paralelas, moldadas muitas vezes por cren-
ças e opiniões ao invés de fatos. Etiquetar informações de acordo com
o grau de veracidade que elas apresentam e mostrar as evidências que
sustentam essa classificação foi uma das respostas do fact-checking a
esse ambiente de “pós-verdade”, em que “fatos objetivos têm menos
influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a
crenças pessoais”, conforme definiu o Dicionário Oxford em 2016.
Nesse ambiente, crescem as ondas de “desinformação” ou a “de-
sordem informacional” (Wardle; Derakhshan, 2017), cujas definições
e implicações para a democracia e o jornalismo ainda estão sendo
investigadas. Em 2020, com a pandemia do novo coronavírus, hou-
ve uma enxurrada de conteúdos enganosos ou distorcidos nas redes
sociais, dando origem a outro neologismo: “infodemia”. Segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), a partir de John Zarocostas
(2020), trata-se de: “Um excesso de informações, algumas precisas e
outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações
confiáveis quando se precisa” (Organização Panamericana de Saúde,
2020, p. 2). Com velocidade de propagação comparável à de um ví-
rus, a infodemia poderia potencializar a pandemia. Nesse contexto,
as agências de checagem de fatos foram amplamente mobilizadas em
projetos de verificação, inclusive com parcerias transnacionais, para
desbancar conteúdos falsos que viralizaram na internet.
Apesar da relação íntima entre fact-checking e conteúdos digi-
tais, a origem desse texto jornalístico remonta aos anos 1980, nos
Estados Unidos. De acordo com Lucas Graves (2016), que estudou
as iniciativas pioneiras da checagem de fatos nos Estados Unidos em
sua tese de doutorado em Columbia, a eleição do republicano Ro-
nald Reagan foi marcada por desinformação. Durante a campanha,
Reagan afirmou que “[...] as árvores causavam mais poluição do que
os automóveis e que havia mais petróleo no Alasca do que a Arábia
Saudita” (Graves, 2016, p. 56, tradução livre). Uma edição do Colum-
bia Journalism Review, de 1986, chegou a afirmar que as conferências
de imprensa na Casa Branca, com Reagan no poder, haviam se con-
vertido em fóruns de “imprecisão, distorção e falsidade”. O Washin-

95
gton Post teria sido, segundo Graves, o primeiro jornal a desafiar os
“fatos” do presidente, pois quando Reagan assumiu o cargo, o Post
passou a publicar barras laterais ao lado do noticiário com pequenos
extratos analíticos expondo as distorções do discurso presidencial.
A escala de imprecisão dos políticos alcançou níveis ainda mais
críticos em 1988, quando o também republicano George Bush (o pai)
concorreu pela primeira vez com Michael Dukakis, do Partido De-
mocrata, que acabou derrotado. Graves (2016 p. 57, tradução livre)
relata que, “depois dessas eleições, jornalistas e críticos de mídia ar-
gumentaram que a cobertura da imprensa tinha ficado irrelevante ao
colocar foco nos discursos e documentos políticos, ignorando o ví-
cio, a verdade distorcida, o ‘clima de guerra’ que absorveu o dinheiro
dos candidatos e talvez tenha decidido o resultado nas urnas”.
Dessa forma, a campanha de 1988 ofereceu protótipos para as
peças de adwatch3 se multiplicarem na televisão e nos jornais nas
prévias de 1992, tornando-se conhecidas informalmente como “cai-
xas da verdade” (do inglês, truth boxes). É aí que surge a equipe de
fact-checking da CNN, liderada por Brooks Jackson. Nos meses finais
da corrida eleitoral de 1992, foi ao ar a seção Campaign’92 Reality
Check, quadro que verificava o que diziam os candidatos na pro-
paganda eleitoral. Mais tarde, em 2003, Jackson criou o primeiro
site independente de fact-checking, o FactCheck.org, com apoio da
Universidade da Pensilvânia e do Anneberg Public Policy Center. O
lançamento da plataforma veio acompanhado de outras iniciativas
em jornais e canais de televisão, conforme Graves (2016), a ponto
de 2004 ser apontado como “o ano do fact-check”, com esforços de
Washington Post, The New York Times, Los Angeles Times, ABC News
e outros pequenos jornais.
O PolitiFact seria gestado nesse mesmo período, mas se firmou
no ciclo eleitoral seguinte, em 2007, com o propósito de se estabe-
lecer como um site de fact-checking em tempo integral. Criado por

3 Lucas Graves (2016, p. 59) usa o termo adwatch para se referir à checagem dos comuni-
cados de campanha. Literalmente, ad refere-se à propaganda e watch pode ser traduzido
como “vigiar”.

96
Bill Adair, do Tampa Bay Times, o Politifact.com recebeu um prêmio
Pulitzer de jornalismo em 2009, pela cobertura das eleições de 2008,
vencidas pelo democrata Barack Obama. Nos anos seguintes, diver-
sas iniciativas proliferaram naquele país e cruzaram fronteiras até se
unirem para formar a IFCN. De acordo com o último levantamento
do Duke Reporters’ Lab, em 2020, havia 308 projetos ativos de checa-
gem de fatos no mundo todo.
Quanto às ferramentas e recursos necessários à checagem de fa-
tos, é preciso diferenciar a prática de fact-checking dos processos de
debunking, que se tornaram comuns no ecossistema de mídia digital.
O debunking é também uma prática de verificação, que busca des-
bancar boatos e falsidades propagadas como se fossem informações
verdadeiras, o que pode incluir imagens fora de contexto (quando a
legenda de uma foto sugere uma situação que não corresponde ao
registro original, por exemplo), republicação de conteúdos antigos
como se fossem atuais, manipulação de fotos e vídeos (para incluir
ou excluir uma pessoa de um registro, por exemplo) ou mesmo peças
totalmente fabricadas.
Recursos de busca reversa de imagem na internet são fortes alia-
dos, pois permitem ao fact-checker verificar se há registros anteriores
da mesma imagem em outros contextos. Google Images, Bing e Ti-
nEye são os mais utilizados. A verificação de vídeos manipulados é
mais complexa, mas o YouTube DataViewer ajuda a rastrear registros
por meio de pesquisa reversa por frames, e o site Frame by Frame
exibe vídeos em super câmera lenta, tornando mais evidentes even-
tuais cortes ou montagens. Detalhes sobre os tipos de desinformação
e como checar podem ser encontrados no site postarounao.com.br.
Já o fact-checking, que é baseado na checagem de declarações de
pessoas públicas, depende muito mais de boas práticas de apuração
jornalística do que de ferramentas tecnológicas. O trabalho começa
pela seleção de frases, que devem atender a critérios objetivos de ve-
rificação. Não são checáveis frases que contenham expressões gené-
ricas, conceitos amplos, juízos de valor, tendências de futuro ou que
manifestem opiniões.

97
Podem ser verificadas frases que contenham números, estatísti-
cas, comparações ou que façam referência a datas, decisões legais e
outras informações que possam ser comprovadas com base em fon-
tes públicas, preferencialmente oficiais. O fact-checker irá buscar os
registros disponíveis, perseguindo sempre a fonte primária, se possí-
vel em dados abertos, sem tratamento ou mediação de terceiros, para
conferir a precisão do que foi dito.
A classificação seguirá as etiquetas e critérios de aplicação de
cada agência de checagem e o texto da verificação apresentará todas
as fontes consultadas para que o leitor possa seguir o mesmo percur-
so e chegar à mesma conclusão. Assim, quem checa o checador é o
público, pois os rastros de verificação fazem parte do texto final de
uma checagem de fatos.

Indicações de leitura

Conheça o site da IFCN e assine a newsletter para ficar por den-


tro das novidades do fact-checking.
Veja quais são e onde estão as iniciativas de fact-checking ao re-
dor do mundo neste mapa do Duke Reporters Lab.
Assista ao documentário Voyeur e veja como se dá a checagem
antes da publicação de uma reportagem.
Acompanhe o trabalho da Agência Lupa e do Aos Fatos, as prin-
cipais organizações de fact-checking do Brasil.
Visite o site postarounao.com.br e baixe o e-book para saber
mais sobre os tipos de desinformação e como checar.

Referências

DERSON, C.; BELL, Emily; SHIRKY, Clay. 2013. Jornalismo Pós-Industrial:


adaptação aos novos tempos. Revista ESPM, São Paulo, n. 5, ano 2, p. 30-89,
p. 30-89, abr./maio/jun. 2013.
CHARRON, Jean; BONVILLE, Jean. Natureza e transformação do jornalis-
mo. Florianópolis: Insular, 2016.

98
GRAVES, Lucas. Deciding what’s true: the rise of political fact-checking in
american journalism. New York: Columbia University Press, 2016.
KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo. São Paulo:
Geração Editorial, 2004.
ORGANIZAÇÃO Panamericana de Saúde. Entenda a infodemia e a desinfor-
mação na luta contra a Covid-19. 2020.
OXFORD Learner’s Dictionaries. Post-truth. [em linha].
REGINATO, Gisele. As finalidades do jornalismo. Florianópolis: Insular,
2019.
SEIBT, Taís. Jornalismo de verificação como tipo ideal: a prática de fact-
-checking no Brasil. 2019. Tese (Doutorado em Comunicação e Informação),
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.
WARDLE, Claire; DERAKHSHAN, Hossein. Information disorder: Toward
an interdisciplinary framework for research and policy making. Council of
Europe Report [em linha]. 27 set. 2017.
ZARACOSTAS, John. 2020. How to fight an infodemic. The Lancet, v. 395, p.
676, 29 fev. 2020.

99
Gêneros
jornalísticos
Nota

Angela Zamin e Reges Schwaab

Denomina-se nota um tipo de texto jornalístico que se caracte-


riza pela sua brevidade e concisão. Trata-se de uma notícia sucinta,
de pequena extensão. Quanto à estrutura, mantém apenas os dados
mais relevantes, que, normalmente, respondem às seis questões bá-
sicas do relato jornalístico – o quê? quem? quando? como? onde? por
quê? – e apresenta título igualmente conciso. Quanto à apresenta-
ção, nos impressos, se dispostas lado a lado, precisam ter o mesmo
número de linhas. Quando assinadas, a preferência é pelas iniciais
do repórter ou sigla da agência de notícia, após o ponto final. Essas
especificidades, contudo, devem ser mais bem detalhadas no projeto
gráfico de cada meio.
Alguns jornais e revistas optam por apresentar um conjunto
de notas em seções específicas, como a Radar, da revista Veja, por
exemplo. Outros não estabelecem de antemão um lugar de ocorrên-
cia fixo, sob uma rubrica, mas geralmente as agrupam a partir de
uma tema geral ou de subtemas específicos no interior de uma edi-
toria. Há, ainda, os que a utilizam como recurso para “preencher” a
mancha gráfica de uma página (na “sobra” de espaço, usa-se notas).
Nota, nota informativa, notas breves ou notas de interesse huma-
no são algumas das designações apresentadas nas diversas tentativas
de classificação dos gêneros jornalísticos (Chaparro, 1998; Gargure-
vich, 1982; Melo, 2003; Seixas, 2009). No Brasil, emprega-se a deno-
minação nota. Na América hispânica, nota informativa ou breve. Na
Espanha, las breves ou la información escueta [informação concisa],
las brevísimas e la cuña [a cunha]. Na França, le filet, la brève e l’écho.
Segundo o levantamento do peruano Juan Gargurevich (1982),
entre os hispanofalantes usa-se a expressão nota informativa. Toda-

103
via não há um consenso. Na Colômbia, por exemplo, a notícia con-
cisa é nomeada como breve. Esse tipo de texto não oferece análises.
Em seu manual, o jornal catalão La Vanguardia (Camps et al.,
2004, p. 34, tradução livre) apresenta los breves como “elementos que
coletam notícias de forma resumida”. Esse gênero informativo deri-
vado da notícia precisa trazer “todos os elementos mínimos para a
compreensão da informação” (p. 34). Já las cuñas, conforme o Libro
de Estilo de El País (2004, p. 42, tradução livre), é um “tipo de no-
tícia curta concebido como um recurso opcional para o ajuste das
páginas e serve para assuntos de importância muito secundária ou
mesmo anedótica”. Contudo nem as notas breves e brevíssimas nem
as cunhas podem ser redigidas de modo telegráfico; não se suprime
artigos ou preposições.
Na França, segundo a jornalista Yves Agnès (2002, tradução li-
vre), la brève é uma nota curta que responde sucintamente – mas
especifica – às questões de referência: quem?, o quê?, onde?, quando?
e, na medida do possível, como? e por quê?. Muito perto dela situa-se
le filet, que também responde às questões básicas do jornalismo, mas
desenvolve informações e esclarecimentos (incluindo o como e o por-
quê). Quanto ao tamanho, le filet é maior em extensão que la brève.
Lia Seixas (2009, p. 53) faz a ressalva de que “l’écho, também curta e
com o mesmo formato da nota, trata, ao invés de material informa-
tivo, de uma anedota, livre de indiscrição, portanto, aproximar-se-ia
do que aqui se entende por boato”.
O pesquisador francês Jacques Mouriquand (2015), em L’Écritu-
re journalistique, afirma que o gênero le filet é vizinho de la brève, e
responde ao quem?, quando? e onde?, bem como às questões como?
e por quê?. Ainda, que le filet não comporta comentário pessoal do
jornalista.
No Brasil, emprega-se a expressão nota para designar textos
jornalísticos com finalidades distintas nem sempre de caráter infor-
mativo; às vezes, são menos informativas e mais interpretativas e de
opinião. As colunas de notas, de base argumentativa, assinadas por
colunistas (ver coluna nesse livro), são um desses usos. Nelas, pri-

104
vilegiam-se alguns pontos como índices de modalização, palavras e
expressões avaliativas, operadores argumentativos, figuras de lingua-
gem e discurso de outrem. Publicadas com regularidade, as colunas
de notas são apresentadas em uma unidade independente de texto,
em boxe destacado do restante da página, por meio de moldura. No
jornalismo político é recorrente a presença de colunas de notas, a
exemplo da Coluna do Estadão, do jornal O Estado de S. Paulo, ou
da Painel, da Folha de S. Paulo, que aparecem na página inicial da
editoria de política (na Folha nomeada de Poder). Revistas sema-
nais e jornais regionais também fazem uso de colunas de notas na
editoria de política. Outro uso se dá nas páginas de colunismo social,
compostas a partir de notas breves sobre pessoas e entretenimento.
De caráter informativo, igualmente, há usos distintos. Um deles
equivale à proposição de José Marques de Melo (2003, p. 65) de que a
nota “corresponde ao relato de acontecimentos que estão em proces-
so de configuração e por isso é mais frequente no rádio e na televi-
são”. Para o pesquisador, a distinção entre nota, notícia e reportagem
encontra-se justamente na progressão dos acontecimentos.
Além do rádio1 e da televisão,2 a nota é também mais frequente
na internet, quer em portais de notícias, quer em redes sociais. Isso
se deve também ao fato de que esses meios têm maior capacidade de
acompanhar um acontecimento, enquanto ele está desenrolando-se
e relacioná-lo a outros, que o antecederam, a partir de hiperlinks. So-

1 “A nota, no jargão radiofônico, significa um informe sintético de um fato atual, nem sem-
pre inconcluso. Suas características principais são o tempo de irradiação, sempre curto
[...] e as mensagens transmitidas mediante frases diretas” (Barbosa Filho, 2003, p. 90).
2 Nos telejornais, identifica-se a predominância de dois formatos de nota: a simples, pelada
ou seca e a coberta. Na primeira, o apresentador lê a notícia sem a inserção de imagens,
enquanto a nota coberta traz as imagens referentes ao fato exposto pelo apresentador, são
formadas por cabeça + off (do apresentador) + imagens do acontecimento. Identifica-se
um terceiro formato – mais comum em programas esportivos – que é a nota ilustrada.
Nesse modelo, a narração de um texto pelo repórter é acompanhada de imagens que,
apesar de trazer os personagens envolvidos, não são as do acontecimento narrado, mas
ilustrativas. Encontramos ainda a expressão nota pé que se refere à aparição do apresenta-
dor na finalização das reportagens, após a exibição de um VT; é uma nota complementar
que ratifica um lugar de autoridade e imprime sentido ao enunciado do repórter. Está
presente na organização mais clássica da notícia televisiva: cabeça + off + passagem +
sonoras + nota pé.

105
nia Parrat (2008) afirma que, entre os gêneros usuais da imprensa es-
crita, a notícia se adapta sem problemas ao digital, principalmente as
notas. De acordo com a pesquisadora espanhola, “esses textos curtos,
que dão um relato conciso dos fatos, costumam vir acompanhados
da possibilidade de ampliação das informações neles contidas, para
que o usuário interessado em aprofundar o faça por meio de links”
(2008, p. 95, tradução livre).

Lobby por subsídio Inadimplência no cartão


Apple, Amazon, Microsoft e Pela primeira vez na série his-
Google, entre outros consumido- tórica do Banco Central, iniciada
res vorazes de chips, estão se unin- em março de 2011, a inadimplên-
do aos maiores fabricantes, como cia no cartão de crédito, de 4,2%,
a Intel, para criar o lobby Aliança em março último, igualou-se à
por Semicondutores dos EUA, e média da pessoa física, que inclui
pressionar o Congresso a aprovar crédito consignado, pessoal, aqui-
o projeto de lei CHIPS for Ame- sição de veículos, cheque especial
rica – para o qual o presidente Joe e arrendamento mercantil. O setor
Biden propôs um investimento de de cartões apresentou expansão
50 bilhões de dólares. “O finan- de 17,3% no primeiro trimestre
ciamento robusto do CHIPS Act ante um ano, para 558,3 bilhões
ajudaria o país a construir a capa- de reais, de acordo com balanço
cidade adicional necessária para divulgado pela Associação Brasi-
ter cadeias de abastecimento mais leira das Empresas de Cartões de
resilientes, garantindo que tecno- Crédito e Serviços. O segmento
logias críticas estarão disponíveis totalizou 6,5 bilhões de transações
quando precisarmos delas”, defen- no período, alta de 11,8% na mes-
de uma carta do grupo. ma base de comparação.

Os impressos igualmente empregam notas tanto para assuntos


inacabados como – sobretudo – para se referir a algo já aconteci-
do, sempre de modo conciso. As revistas, pela periodicidade (sema-
nal ou mensal), empregam-nas apenas nesse último caso. As notas
transcritas, anteriormente, retiradas da seção Capital S/A, da revista
Carta Capital (Ano XXVI, n. 1157, 19 maio 2021, p. 45), exemplifi-
106
cam esses usos. Importante acrescentar, ainda, que muitos jornais do
interior apresentam notas na composição de suas páginas tanto para
abordar fatos locais como assuntos de maior abrangência. Os exem-
plos, a seguir, foram retirados do Jornal da Manhã (Ano 48, n. 9, 24
abr. 2020, p. 11), de Ijuí/RS.

Produção do setor mineral BC vai divulgar dados


cresce 15% agregados pré-Copom
A produção comercializada O Banco Central informou
do setor mineral no Brasil alcan- ontem, por meio de sua asses-
çou 227 milhões de toneladas no soria de imprensa, que passará a
primeiro trimestre deste ano, com divulgar as estatísticas agregadas
um aumento de 15% na compa- compiladas a partir das respostas
ração com o mesmo período de quantitativas ao questionário pré-
2020. De janeiro a março de 2021, -Copom. O questionário, enviado
o setor faturou R$70 bilhões, o que às instituições financeiras antes
representa alta de 95% frente aos da reunião do colegiado, serve de
R$36 bilhões obtidos no primeiro base para a decisão do BC sobre a
trimestre do ano passado. Selic (a taxa básica de juros).

Importante considerar que a decisão sobre o que gera uma nota,


uma notícia ou uma reportagem tem por base tanto os valores-no-
tícia3 que permeiam a seleção de um acontecimento e o processo de
produção como aquilo que cada gênero textual pode oferecer.

Indicações de leitura

COUTINHO, Iluska. Colunas jornalísticas de notas: representação na im-


prensa. In: MOTTA, Luiz Gonzaga (org.). Imprensa e poder. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2002. p. 275-298.

3 Valores-notícia podem ser compreendidos no jogo entre o julgamento humano sobre


a significação social e a presença dos acontecimentos no noticiário, argumenta Pamela
Shoemaker (2014). Josenildo Guerra (2014), por sua vez, debate sua caracterização como
critério de seleção operado pelo jornalista para reconhecer e editar fatos noticiáveis, bem
como pela ideia das regras práticas do exercício profissional. Os valores-notícia não fun-
cionam de modo isolado e são variáveis.

107
EMERICH, Davi. O beijo de Mangabeira: o jornalismo político das colunas de
notas. In: MOTTA, Luiz Gonzaga. (org.). Imprensa e poder. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2002. p. 261-274.
GOMES, Itania Maria Mota (org.) Gênero televisivo e modos de endereça-
mento no telejornalismo. Salvador: EDUFBA, 2011.
LOPEZ, Débora Cristina; MATA, José Henrique da. Os gêneros jornalísticos e
sua aplicação no radiojornalismo. Lumina, v. 3 n. 1, jun. 2009.
RINGOOT, Roselyne; ROCHARD, Yvon. Proximité éditoriale: normes et
usages des genres journalistiques. Mots. Les langages du politique, n. 77, p.
73-90, mar. 2005.

Referências

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couverte & Syros, 2002.
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mas em áudio. São Paulo: Paulinas, 2003.
CAMPS, Magí et al. (eds.). Libro de redacción La Vanguardia. Barcelona: La
Vanguardia Ediciones, 2004.
CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além mar: percursos e
géneros do jornalismo português e brasileiro. Santarém, Portugal: Jortejo, 1998.
EL PAÍS. Libro de Estilo. 19. ed. Madrid: Ediciones El País, 2004.
GARGUREVICH, Juan. Géneros periodísticos. Quito: Editorial, 1982.
GUERRA, Luiz Josenildo. Uma discussão sobre o conceito de valor-notí-
cia. In: SILVA, Gislene; SILVA, Marcos Paulo da; FERNANDES, Mario Luiz
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Insular, 2014. p. 39-49.
MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jorna-
lismo brasileiro. 3. ed. rev. e ampl. Campos do Jordão, SP: Mantiqueira, 2003.
MOURIQUAND, Jacques. La gamme des genres journalistiques. In: L’Écritu-
re journalistique, Paris: Presses universitaires de France, 2015. p. 58-82.
SHOEMAKER, Pamela. Prefácio. In: SILVA, Gislene; SILVA, Marcos Paulo da;
FERNANDES, Mario Luiz (orgs.). Critérios de noticiabilidade – problemas
e aplicações. Florianópolis: Insular, 2014. p. 15-18.
PARRAT, Sonia. Géneros periodísticos en prensa. Quito: Editorial “Quipus”,
CIESPAL, 2008.
SEIXAS, Lia. Redefinindo os gêneros jornalísticos. Proposta de novos crité-
rios de classificação. Covilhã: LabCom Books, 2009.

108
Notícia

Luciana Menezes Carvalho

Para quem começa a atuar no jornalismo, uma das dúvidas mais


comuns diz respeito ao que é e como se produz uma notícia. Seja
enquanto formato do gênero informativo, ou de um ponto de vista
mais conceitual, trata-se de matéria-prima do jornalismo. Mas como
definir o que é ou o que pode ser notícia? Sem notícia, possivelmente
nem haveria jornalismo ou jornalistas. Portanto, definir a notícia é,
também, definir o próprio jornalismo.
Notícia é, basicamente, um tipo específico de texto jornalístico que
expõe um fato atual, novo, de interesse público, e que é escrito de modo
objetivo. A notícia está ligada fundamentalmente aos fatos, embora nem
todo fato possa virar notícia, e nem o fato em si seja a notícia.
A notícia não espelha a realidade porque as limitações dos seres
humanos e as insuficiências da linguagem o impedem. Por isso,
a notícia contenta-se em representar parcelas da realidade, in-
dependentemente da vontade do jornalista, da sua intenção de
verdade e de factualidade. (Sousa, 2020, p. 3).
Assim, por mais que a notícia seja um relato sobre um aspecto
da realidade, construída de modo objetivo e com base na verdade, ela
dá pistas, também, sobre as circunstâncias de sua produção (qual a
ideologia do jornalista ou do veículo que a publicou, por exemplo).
Portanto, não é a realidade em si, mas o produto de uma construção
que é perpassada pela cultura profissional e ética dos jornalistas, pela
linha editorial das empresas, pelos interesses das fontes e pelo con-
texto político e social. Essa é uma perspectiva construcionista, que
reconhece que as notícias, por mais verídicas e objetivas que sejam,
não são neutras e nem um espelho da realidade, mas fruto de um
conjunto de relações (Traquina, 2005).

109
Nesse sentido, a notícia não apenas informa, podendo também
transformar – tanto o público quanto a sociedade. Adelmo Genro
Filho (2004) trouxe uma grande contribuição ao propor que a no-
tícia deve ir além do que é pregado pela aclamada frase “o homem
mordendo o cachorro”. Notícia não se trata apenas daquilo que foge
à normalidade por ter menor probabilidade de acontecer, mas prin-
cipalmente do que pode, a cada dia, ajudar a construir a história.
A notícia, assim, seria feita de fatos que se aproximam de uma
universalidade, de um conjunto de acontecimentos que mostra uma
dada realidade social – para ser notícia, o fato deve ter importância e
significado social, ou seja, ser de interesse público.
Quem seleciona o que irá virar notícia é chamado, nas teorias
do jornalismo, de gatekeeper, o “porteiro” que escolhe o que entra ou
não no noticiário. O conceito também se relaciona com a função de
transformar os fatos selecionados em notícias com maior ou menor
destaque. O jornalista que atua como gatekeeper (não necessaria-
mente o editor, pois o repórter também seleciona o que poderá ser
noticiado) terá que identificar, dentre os inúmeros fatos que aconte-
cem toda hora, aqueles que merecem virar notícia. Essa escolha não
será meramente pessoal, mas de acordo com a cultura profissional do
jornalista, o veículo, o público ao qual é destinado o produto, o con-
texto social vivido, e o trabalho de apuração (pesquisa, observação,
entrevistas). Nesse processo de seleção, entram em jogo os denomi-
nados valores-notícia e critérios de noticiabilidade.
Os valores-notícia estão relacionados a características dos fatos
em si, como a proximidade, o conflito, a tragédia, ou a simples curio-
sidade do acontecido (Silva, 2005). O fato de ser mais noticiado o
número de mortos que o de recuperados da covid-191 é um exem-
plo da tragédia como valor-notícia. A tragédia é mais notícia do que
aquilo que deveria ser o “normal” porque, além de despertar maior
curiosidade, mostrar o que está errado deveria ajudar na solução dos
problemas, na volta à “normalidade”.

1 Doença causada pelo novo coronavírus, Sars-Cov-2, que levou à pandemia mundial em
2020.

110
Os critérios de noticiabilidade são mais ligados ao modo como
cada veículo de imprensa seleciona os fatos e os transforma em no-
tícia. Se o jornalista trabalha para uma rádio, jornal, site, blog ou
emissora de TV, mudam os critérios para definir o que é ou não pas-
sível de virar notícia, ainda que algumas características devam ser
universais – notícia tem que trazer o novo e ser verdadeira, sempre.
Muda, ainda, a forma de expor os acontecimentos, de acordo
com o meio em que circula a informação. Além disso, cada veículo
tem sua linha editorial, seus próprios critérios para definir o que será
ou não notícia, o que terá mais destaque ou será tratado de forma
secundária. Por isso, alguns jornais ou emissoras são mais “sensacio-
nalistas” e preferem noticiar aquilo que gera maior “interesse do pú-
blico”, não necessariamente o que deveria ser de “interesse público” –
ou seja, mais universal e capaz de operar transformações no mundo.
A notícia faz parte do gênero informativo, que se institucionali-
zou a partir do século XIX, na separação entre opinião e informação
nos jornais. Esse gênero inclui também a nota, a reportagem e a
entrevista (Melo, 2000). No gênero informativo, não só os critérios
para definir que fatos podem virar notícia são levados em conta, mas
também a forma de expor os fatos é específica. Na tradição anglo-
-saxônica, que se tornou a predominante no Ocidente, a notícia, as-
sim como a nota, é redigida com linguagem objetiva.
Na redação da notícia, usa-se sempre o impessoal, sem a primei-
ra pessoa do singular ou do plural. Sua principal técnica é a pirâmide
invertida, em que os elementos mais importantes estão no começo.
Também é fundamental que se responda às perguntas-chave do lide
(ou lead, em inglês), o primeiro parágrafo da notícia: o quê? quem?
quando? onde? como? por quê? Se uma nota pode conter apenas um
parágrafo, a notícia desenvolve os elementos do lead, destacando
aquele que é o mais importante.
Nilson Lage (1993) reforça que a notícia não narra, mas expõe os
fatos, pois não se trata de gênero literário, em que os acontecimentos
são contados em ordem cronológica. O uso da pirâmide invertida
é uma estratégia para captação dos leitores, baseada na oralidade,

111
no nosso modo de contar as coisas no dia a dia, que em geral parte
do mais importante. “Se considerarmos a tradição oral, mais antiga
e mais corrente, veremos que a ordenação dos eventos por ordem
decrescente de importância ou interesse é bem mais comum do que
a temporalidade da sequência” (Lage, 1993, p. 20). Não começamos
a contar a morte do gato pelo momento em que ele subiu no telhado,
costumamos contar o fato principal de início.
Daí a notícia ter perdido o denominado “nariz de cera”, em que
o redator deixava para trazer a novidade ao final. Desde que o jorna-
lismo se industrializou e precisou se adaptar aos tempos modernos, a
notícia passou a ser curta, objetiva, rápida, com os principais fatos já
no título e primeiras linhas. Influência, também, do telégrafo.
Tecnologias que vieram depois, como o rádio, a televisão e a
internet, ajudaram a transformar a notícia. Se, nos primórdios do
jornalismo, as notícias podiam ser atualizadas uma vez por semana,
hoje, na era digital, uma notícia de um minuto atrás pode ser consi-
derada velha. O valor da atualidade se torna ainda mais importante.
Só pode ser notícia o que traz novidade, de fato, para o público.
Com a potencialização da velocidade na produção da notícia,
alguns veículos jornalísticos chegaram a dar prioridade à rapidez em
detrimento da qualidade, na internet. Assim, publicar primeiro se
tornou mantra para alguns portais e sites noticiosos. No entanto, esse
paradigma não se sustenta, visto que a notícia correta e bem apura-
da confere credibilidade ao veículo. No suporte digital (atualmente,
além dos sites na internet, também os aplicativos), agregam-se à notí-
cia características como hipertextualidade, interatividade, multimi-
dialidade/convergência, memória, personalização e instataneidade/
atualização contínua (Palacios, 2003).
Os princípios da apuração se mantêm, com a ampliação das
fontes de pesquisa diante das bases de dados. A técnica de redação
da pirâmide invertida não se perde, embora, com os links, possam
ser adotadas outras técnicas, como a pirâmide deitada, proposta por
João Canavilhas (2007), em que a leitura se dá em camadas hierár-
quicas pré-estruturadas.

112
Após mais de 20 anos do jornalismo digital (web ou ciberjorna-
lismo, dependendo da perspectiva teórica), a notícia converge no im-
presso e no digital. Apesar de ter sido decretada há décadas a morte
dos jornais em papel, eles persistem, ainda que com dificuldades. A
maioria sai diariamente na versão impressa, que traz mais análise e
contextualização, enquanto na versão digital atualiza as notícias em
tempo real e conta com presença nas plataformas de redes sociais,
onde o público comenta e compartilha os links, ajudando na circu-
lação.
Na internet, a notícia mantém sua importância, sendo tema das
conversações que movimentam as plataformas digitais. Na era da
pós-verdade, há grupos que contestam os fatos noticiados e promo-
vem a desinformação. Mas, o jornalismo reage por meio das editorias
e agências voltadas para a checagem e a verificação de fatos, em que
declarações e dados são, por meio de apuração aprofundada, coloca-
dos à prova. Cada vez mais, a notícia baseada nos fatos é necessária,
tanto para combater uma pandemia como para desmentir políticos.

Indicações de leitura

Publicação
NOTICIABILIDADE – Dossiê Temático II. Revista Observatório, Tocantins,
v. 4, n. 4, 2018.

Vídeo
O QUE é notícia?. [S. l.]: Instituto Palavra Aberta, 5 maio 2020. 1 vídeo (4
min). YouTube.

Referências

CANAVILHAS, João. Webjornalismo: Da pirâmide invertida à pirâmide


deitada. In: BARBOSA, S. (org.). Jornalismo digital de terceira geração. Co-
vilhã: LabcomBooks, 2007. p. 23-36. (Coleção Estudos em Comunicação).
GENRO FILHO, Adelmo. Questões sobre jornalismo e ideologia. Estudos em
Jornalismo e Mídia, v. 1, n. 1, p. 164-167, 2004.

113
LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 1993.
MELO, José Marques de. Jornalismo: compreensão e reinvenção. São Paulo:
Saraiva, 2000.
PALACIOS, Marcos. Ruptura, continuidade e potencialização no jornalismo
on-line: o lugar da memória. In: MACHADO, Elias; PALACIOS, Marcos.
Modelos do jornalismo digital. Salvador: Calandra, 2003. p. 15-36.
SILVA, Gislene. Para pensar critérios de noticiabilidade. Estudos em Jornalis-
mo e Mídia, v. 2, n. 1, p. 95-107, 2005.
SOUSA, Jorge Pedro. Por que as notícias são como são? Construindo uma
teoria da notícia. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, 2002.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo, porque as notícias são como
são. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2005.

114
Reportagem

Felipe Boff

Reportagem é o relato jornalístico mais elaborado, com texto mi-


nucioso e envolvente, que aprofunda o conhecimento sobre determi-
nado assunto. Dedica-se àquilo que a notícia não deu conta de narrar
ou explicar completamente e a tudo que exige uma investigação jor-
nalística extensa e cuidadosa. Cabe à reportagem reconstituir o pas-
sado (para elucidar causas), esquadrinhar o presente (para ampliar
informações) e indagar o futuro (para antecipar consequências).
É na reportagem que o jornalista realiza plenamente a missão de
contar histórias. E pode, ainda, imprimir um estilo pessoal ao texto.
Afinal, como diz Ricardo Kotscho (1986, p. 14), “cada história é uma
história, e merece um tratamento único”. A forma narrativa refinada
é o que primeiro chama atenção, e por isso a reportagem é conside-
rada “o lugar por excelência da narração jornalística” (Sodré; Ferrari,
1986, p. 9). Mas os traços distintivos do gênero aparecem ao longo
de todo o processo jornalístico. A começar pela pauta: afinal, o que
vale uma reportagem?
De largada, é preciso dizer que a reportagem também deve
responder as questões básicas do relato jornalístico – o quê? quem?
quando? como? onde? por quê? –, porém a seu modo, dando mais
atenção ao como? e ao por quê? (Furtado, 2013, p. 149). Não raro,
uma informação pouco explorada em uma notícia ou mesmo a fre-
quência com que algo aparece nos jornais dá origem a uma repor-
tagem. Entretanto, enquanto a notícia trata do urgente (aquilo que
deve ser conhecido imediatamente), a reportagem trata do emergen-
te (aquilo que vem despertando interesse, de que já se “ouviu falar”,
mas que ainda não está claro).
Um dos primeiros aspectos a serem considerados na pauta é a
complexidade do assunto. É preciso saber de antemão se ele pode
115
ser explorado mais a fundo, ou, como se diz nas redações, se “rende”
uma reportagem. Outro pré-requisito é que ele não seja muito pe-
recível. Uma situação que pode se resolver ou alterar rapidamente,
a qualquer momento – por exemplo, um caso na iminência de ter
uma decisão judicial –, torna-se mais difícil de ser abordada pela
reportagem, que não pode ficar “velha” rápido demais, ou não terá
valido o esforço.
É que a reportagem ambiciona sempre ser um relato jornalístico
mais duradouro. E, como não tem o prazo de validade exíguo da no-
tícia, ganha muitas possibilidades de pauta. “Nenhum tema é alheio à
boa reportagem. Toda a vida humana está aqui” (Lewis, 2008, p. 11).
Ela não se limita ao que acaba de acontecer. Pode tratar de algo que
aconteceu há muito tempo e que merece ser lembrado, ou mesmo do
que ainda não aconteceu, mas que já pode ser projetado. Esse mar de
oportunidades, porém, pede que a pauta da reportagem tenha um
ângulo. Não basta escolher um assunto, é precis o definir antes o
foco da reportagem, indicando o que ela espera descobrir e como
pretende contar aquela história.
De modo geral, faz-se reportagem sobre temas, fatos, pessoas e
lugares. Quando o ponto de partida é um tema, a reportagem tende
a ser do tipo interpretativo, envolvendo mais pesquisa e entrevistas
com fontes especializadas do que saídas a campo. Quando é sobre
um fato ou acontecimento (um fato muito importante, que tem gran-
de impacto e se desdobra em outros fatos relevantes), privilegia a
apuração no local do ocorrido, as fontes testemunhais e a observação
direta do repórter. Quando é sobre pessoas, se o foco for apenas em
uma ou em um grupo específico, pode ser chamada de perfil. Lu-
gares também podem ser “perfilados” ou ligados a um tema – por
exemplo, a migração em massa para determinado país.
A reportagem interpretativa é predominante nas revistas sema-
nais de informação, enquanto a factual aparece com maior destaque
em revistas de periodicidade mensal. Nos jornais, ambas são mais
frequentes em edições especiais, cadernos temáticos ou edições de
fim de semana, quando o público tem mais tempo para ler. Na in-

116
ternet, navegando à parte da velocidade constante do noticiário, a
reportagem ganha um espaço que pode até ser mais generoso, já que
não há a limitação física do papel.
O processo de apuração da reportagem também é distinto. Em
relação às fontes, há dois pressupostos: quantidade e diversidade.
Como se propõe ao aprofundamento, a reportagem exige um núme-
ro consideravelmente maior de entrevistas do que a notícia. Requer,
também, que mais pontos de vista sejam ouvidos. As entrevistas são
mais longas, sem a pressa do fechamento, e preferencialmente pre-
senciais.
Nas reportagens factuais, ir ao local dos eventos que se pretende
relatar é fundamental. Não se deve fazer esse tipo de reportagem so-
mente por telefone, e-mail ou rede social. É preciso “sujar o sapato”,
conhecer bem o lugar, observar as pessoas em ação. Não é à toa que
Eliane Brum (2008, p. 14) define a reportagem como “aquela que vai
para a rua se arriscar a ver o mundo”. As melhores reportagens são
mesmo aquelas em que o repórter testemunha os fatos, conseguindo
aplicar à narrativa essa riqueza sensorial que só o método presencial
de apuração proporciona. Assim ele pode descrever com precisão
locais, pessoas, falas, diálogos, sons, cheiros e até gostos, se for o
caso. Na reportagem, as fontes também merecem tratamento espe-
cial. São como personagens – quanto mais bem definidos, melhor.
O trabalho de apuração pode ainda incluir fontes documentais
(pesquisa em arquivos) e bases de dados (geralmente, acessadas de
modo on-line). A essa altura, já está claro que a reportagem necessita
de um prazo bem maior para ser produzida. “A reportagem é uma
longa travessia que contraria as práticas e os limites de tempo sempre
estritos da notícia”, assinala Luiz Cláudio Cunha (2009, p. 19). E isso,
claro, reflete-se também na escrita.
Com um grande volume de informações, a reportagem corres-
ponde naturalmente a um texto mais extenso. O grande desafio, no
entanto, é elaborar um relato jornalístico atraente, que prenda a aten-
ção do leitor até o fim. Para isso, o repórter tem à disposição inú-
meros recursos narrativos (inclusive técnicas literárias, por exemplo,

117
para a caracterização de personagens) que o libertam das amarras
do padrão noticioso. O texto de uma reportagem não hierarquiza as
informações na forma da pirâmide invertida,1 das mais importantes
para as menos importantes. Sua lógica é a da narrativa de uma histó-
ria, com começo, meio e fim. Assim, não começa com um lead,2 mas
com uma “abertura”, na qual o principal objetivo é despertar o inte-
resse de quem lê. Aliás, esse estímulo começa antes, no título, que
não é informativo como o da notícia. Ele deve comunicar o assunto
e sinalizar o ângulo de abordagem, mas de modo criativo, convida-
tivo, quase sempre com poucas palavras. Há que se lembrar que esse
título vai “pesar” mais na página, não só por ser curto, mas porque a
reportagem sempre pede tratamento gráfico especial.
A liberdade de estilo na escrita, ainda que sujeita aos parâme-
tros editoriais de cada veículo, é característica da reportagem. Seu
texto pode ser mais descritivo, argumentativo, lírico ou dramático
(com foco narrativo na ação e nos diálogos), ou ainda misturar esses
recursos. Pode até ser um relato em primeira pessoa, reservado a
casos especiais (por exemplo, quando o repórter participa da ação).
Sua estrutura narrativa é planejada cuidadosamente para manter o
interesse do leitor ao longo de toda a história, como em um filme ou
em um conto. A edição é igualmente meticulosa, incluindo revisão
atenta do texto e das informações e, se necessário, reescrita. Tudo
isso confere à reportagem uma identidade estilística, uma marca de
autoria que não está presente no texto noticioso. Kotscho (1986, p.
76-77) ressalta que cada reportagem deve ser escrita “com o cuidado
de quem está fazendo um livro”.
E, de fato, muitas reportagens viram livro. Os melhores textos
costumam ser republicados em antologias, que atestam a perenidade

1 Técnica que ordena o texto como uma pirâmide de cabeça para baixo, da base (com-
posta pelas informações principais) para o topo (informações complementares), a fim
de assegurar que o mais importante apareça primeiro no texto da notícia. Ver mais em:
Nascimento e Prado (2009).
2 Ou “lide”, na versão aportuguesada. Técnica que determina que o texto da notícia deve
começar respondendo a seis questões essenciais: quem? o quê? quando? onde? como? e por
quê?. Ver: Moreira et al. (2020).

118
que essa forma jornalística é capaz de atingir, como em Fama e Ano-
nimato, de Gay Talese, e Repórteres, organizado por Audálio Dantas.
E a reportagem também pode ser pensada e produzida diretamente
para ser publicada em livro, como Abusado, de Caco Barcellos. É o
livro-reportagem, que expande e notabiliza o gênero a ponto de ser
classificado como literatura de não ficção.
Por todas essas características, podemos dizer que a reportagem
é uma prática de fronteira, em que o Jornalismo se mistura à Histó-
ria, à Sociologia, à Literatura, entre outras áreas do conhecimento.
Isso não significa, porém, que ela possa se afastar das obrigações éti-
cas próprias do jornalismo. Afinal, como lembra Jon E. Lewis (2008,
p. 9-10), “a melhor reportagem é a verdade, nada mais que a verdade,
refletida no talento linguístico do jornalista”.

Indicações de leitura

Livros
WALSH, Rodolfo. Operação Massacre. São Paulo: Companhia das Letras,
2010.
WOLFE, Tom. Radical Chique e o Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2005.

Arquivos e websites dedicados à reportagem


REVISTA Realidade: arquivo da revista na Biblioteca Nacional
PORTAL Brio
TAB Uol

Referências
BARCELLOS, Caco. Abusado: o dono do morro Santa Marta. 4. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2003.
BRUM, Eliane. O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida
real. São Paulo: Globo, 2008.
CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor: o sequestro dos uruguaios: uma
reportagem dos tempos da ditadura. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 2009.
DANTAS, Audálio. Repórteres. 2. ed. São Paulo: Senac, 1998.

119
FURTADO, Thaís. O aprofundamento como caminho da reportagem de
revista. In: TAVARES, Frederico de Mello B.; SCHWAAB, Reges (orgs.). A
revista e seu jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 149-160.
KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem. São Paulo: Ática, 1986.
LEWIS, Jon (ed.). O grande livro do jornalismo: 55 obras-primas dos melho-
res escritores e jornalistas. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.
MOREIRA, Nádia M. L. M. et al. Princípios e técnicas para a prática da
redação jornalística [recurso eletrônico]. Porto Alegre: SAGAH, 2020.
NASCIMENTO, Patrícia C. do; PRADO, Magaly (orgs.) Técnicas de redação
em jornalismo: o texto da notícia, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2009.
SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas
sobre a narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986.
TALESE, Gay. Fama e Anonimato. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

120
Entrevista

Alexandre Maciel

A entrevista jornalística, quando entendida como resultado final


de uma técnica, um gênero textual, é apresentada nos jornais e nas
revistas de duas maneiras. Pode ser o relato ordenado de uma plura-
lidade de vozes, estruturado com declarações múltiplas, em forma de
discurso direto e indireto, na notícia ou reportagem. Ou o destaque
às declarações completas e editadas jornalisticamente, de uma per-
sonalidade com algo importante a dizer sobre determinado tema, no
formato escrito de perguntas e respostas.
Para José Marques de Melo (2006), que classifica a entrevista
como um gênero informativo, o conceito não pode ser confundido
com uma técnica de apuração dos fatos e deve ser definido como
um “relato da alteridade” direcionado ao coletivo. Assim, o repór-
ter, como mediador, cumpre o papel de intérprete do receptor, orga-
nizando, em um discurso jornalístico, as impressões dos chamados
“agentes da cena jornalística”, os “protagonistas do acontecer”, ou
seja, as fontes ou personagens.
Ao tratar das formas de apresentação das entrevistas no jornalis-
mo impresso, Nilson Lage (2001, p. 84) aponta como as declarações
costumam ser trabalhadas no processo de edição. Quando tratado
como notícia, o conjunto de proposições dos entrevistados devem,
segundo o autor, ser ordenadas “da mais relevante para a menos re-
levante” e intercaladas com informações que detalham o fato, “pro-
curando alternar discurso direto e indireto”. Entende-se por discurso
direto a transcrição curta de frases exatas das fontes, enquanto o in-
direto permite substituir palavras, escrevê-las de outra maneira, mas
“mantendo o sentido da fala do entrevistado”.
Lage (2001, p. 85) também cita o formato da entrevista de per-
guntas e respostas, conhecido como pingue-pongue, alertando que
121
ela pode “parecer a mais fácil e fidedigna, mas isso é uma ilusão”. A
transcrição completa do áudio original do entrevistado, escolhido por
sua autoridade em determinado assunto, já demanda tempo e traba-
lho. Depois, é preciso organizar a fala em um texto escrito, “o que
envolve supressão de redundâncias, repetições”, além de acrescentar
explicações, em colchetes, sobre as reações específicas da fonte.
Já Cremilda Medina (2008, p. 8), para quem a entrevista jor-
nalística permite uma “interpenetração informativa” que buscaria
quebrar “isolamentos grupais, individuais e sociais”, classifica-a no
campo do gênero textual por seus objetivos: espetacularizar o entre-
vistado ou compreendê-lo mais profundamente. No primeiro caso,
frisa o modelo do perfil, que pode revelar personagens pitorescos,
inusitados, ou tons, mesmo que sutis, de condenação ou de “ironia
intelectualizada”. No segundo, Medina (2008, p. 15-18) nomeia ou-
tros cinco subgêneros: conceitual, enquete, investigativa, confronta-
ção ou perfil humanizado.
A preocupação com a pluralidade das vozes, que deve estar pre-
sente desde a pauta, pode ser expressada textualmente na elaboração
de perfis humanizados. Esses modelos abrem espaço para universos
de personagens que não costumam ter as suas opiniões valorizadas
no jornalismo factual, a não ser em casos de tragédias, crimes ou
acidentes. Organizados como um relato de histórias de vida, os de-
poimentos em forma de perfil, das fontes chamadas de comuns, mas
que na verdade são protagonistas do cotidiano, tem o poder de gerar
nos leitores um processo de identificação. Aquela trajetória de vida,
muitas vezes exemplar, mas invisível, incentiva a empatia, a autorre-
flexão e até mudanças de postura e atitudes.
Em um contexto histórico, Luiz Beltrão (1969, p. 175) já classifi-
cava a entrevista do tipo pergunta e resposta como um gênero espe-
cífico, criado, segundo suas pesquisas, pelo repórter Horace Greeley,
do Herald Tribune, de Nova Iorque, no final do século XIX. Os exem-
plos mais clássicos do formato pingue-pongue na imprensa brasi-
leira, ainda existentes, são as Páginas Amarelas, da Veja, as Páginas
Vermelhas, da IstoÉ e da tpm, e as Páginas Negras, da Trip. Nos dois

122
primeiros casos, o espaço é nobre, logo no início da revista, porém
com um rigor de edição que reduz as perguntas e as respostas ao for-
mato mais curto e direto possível. Mas também se tornou famoso e
influente o estilo despojado adotado pelo semanário alternativo Pas-
quim, nos anos 1970. As entrevistas do jornal procuravam manter a
fala literal de personalidades polêmicas como Leila Dinis, com todos
elementos coloquiais, inclusive palavrões, estes, porém, substituídos
por símbolos gráficos.
Outra publicação que manteve por muito tempo um padrão
internacional de entrevistas pingue-pongue, inclusive com exímios
entrevistadores no Brasil, como o jornalista e escritor Ruy Castro,
foi a Playboy (Rivoiro, 2005), que chegou a criar um manual para os
seus repórteres as executarem de forma meticulosa. Na sua regra 8,
a única que trata da edição, menciona-se que o “talento do jornalista
está em saber como editar, tornando a entrevista legível”. Importante
lembrar que se tratava da transcrição de entrevistas de cerca de 150
perguntas, que duravam mais de um encontro e variavam de oito a 60
horas de material gravado. Na mesma regra 8, a Playboy aconselha-
va que, se fosse necessário, seria preciso desdobrar, resumir, juntar
trechos da longa fala original, colocando tudo “em uma ordem coe-
rente, já que isso quase nunca acontece durante a entrevista propria-
mente dita”. Também vale menção histórica às entrevistas pergunta
e resposta da revista Caros Amigos, com questionamentos de vários
entrevistadores, buscando explorar diversos aspectos da vida de en-
trevistados de renome no campo da política e das artes. O curioso é
que as respostas ocupavam longos parágrafos, o que não é tão usual.
Para fins didáticos, vale destacar como dois manuais de reda-
ção tratam da entrevista como relato. Em sua mais recente edição, de
2021, o Manual da Redação da Folha de S. Paulo (2021, p. 99) detalha
o formato pingue-pongue, recomendando-o apenas para “circuns-
tâncias especiais”, classificadas como aquelas em que o entrevistado
ou o assunto que ele trata “está em evidência inequívoca”. Acrescenta
que, nesse tipo de apresentação ao leitor, a “transcrição deve ser fiel,
mas não necessariamente completa”. Recomenda, entretanto, que

123
seja preservada “a ordem original em que as perguntas foram feitas”
e que se elabore, sempre, um texto introdutório contendo a “declara-
ção de maior impacto, breve perfil do personagem,1 principais temas
abordados e dados sobre a entrevista (como foi feita, local e data, por
exemplo)”. Quanto ao modo mais comum de apresentação textual
das declarações coletadas, em notas, notícias ou reportagens, o Ma-
nual da Redação da Folha (2021, p. 163) pondera que as falas entre
aspas “devem ser usadas com parcimônia, apenas para demarcar de-
claração textual de grande impacto”.
Ao tratar de opiniões coletadas a partir de entrevistas, o Manual
de redação e estilo do jornal O Globo (1992, p. 28) faz um alerta no
campo da ética: “Qualquer coisa que alguém diz a um repórter é no-
tícia de fundamental importância na opinião do declarante. Cabe ao
jornalista não se impressionar com isso”. Portanto, na hora de elencar
declarações ao longo de um texto, segundo o manual, o jornalista
deve se perguntar se quem falou tem autoridade, ou seja, se “é re-
conhecido especialista no assunto, parte legítima no debate, teste-
munha confiável no acontecido” (Garcia, 1992, p. 32). Também se
orienta retirar do texto final “frases ou personagens que só repitam o
que os outros disseram”. O manual considera o formato de “pergun-
tas e respostas em sequência” como uma fórmula que “garante maior
fidelidade, assim como maior facilidade de leitura”, devendo ser uti-
lizado em todas as entrevistas longas e até mesmo, quando possível,
nas mais curtas.
No jornalismo impresso, o repórter trabalhará na maior parte
das ocasiões com a organização das falas coletadas na forma de dis-
curso direto e indireto. Orienta-se a transformação do discurso, sem
aspas, para informações mais gerais, que situem os contextos dos
acontecimentos. Aspas funcionam melhor quando aparecem de for-
ma mais curta e direta, em geral com frases que expressem sentimen-
tos, opiniões e posicionamentos específicos. Boa parte da qualidade

1 Importante não confundir o que se chama de perfil do personagem, no caso uma breve
apresentação da fonte que terá seu discurso apresentado na forma de pergunta e resposta,
do gênero textual perfil.

124
do texto jornalístico, na notícia ou na reportagem, vem da habilidade
de saber articular os discursos, tanto conferindo ritmo ao texto como
garantindo a abertura do debate para o leque mais amplo possível
de vozes que possam tratar com autoridade ou força testemunhal de
determinado acontecimento.
Seja no formato de discursos intercalados em uma matéria ou
de pergunta e resposta, o cuidado ético deve ser a base para a edição
das declarações obtidas. O estudante deve estar atento às formas de
organizar e hierarquizar os discursos coletados desde os primeiros
exercícios que pratica nesse sentido na universidade, até suas publi-
cações em contextos de experiências laboratoriais. Antes de interca-
lar os discursos em um texto noticioso, deve-se prestar atenção se as
frases não foram tiradas de contexto, ou encaixadas, na simulação
de um debate entre várias vozes diversas, na tentativa forçada de se
provar uma teoria inicial.

Indicações de leitura

CAPUTO, Stella. G. Sobre entrevistas. Teoria, prática e experiências. Petró-


polis: Vozes, 2006.
PINTO, Ana Estela de Sousa. Jornalismo diário: reflexões, recomendações,
dicas, exercícios. São Paulo: Publifolha, 2009.
SQUARISI, Dad; SALVADOR, Arlete. A arte de escrever bem. São Paulo:
Contexto, 2005.

Referências

BELTRÃO, Luiz. A imprensa informativa: técnica da notícia e da reportagem


no jornal diário. São Paulo: Folco Masucci, 1969.
GARCIA, Luiz (org.). Manual de redação e estilo: Jornal O Globo São Paulo:
Globo, 1992.
LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jorna-
lística. Rio de Janeiro: Record, 2001.
MANUAL da redação: Folha de S. Paulo: as normas de escrita e conduta do
principal jornal do país. 22. ed. Barueri, SP: Publifolha, 2021.
MEDINA, Cremilda. Entrevista: o diálogo possível. São Paulo: Ática, 2008.

125
MELO, José Marques de; ASSIS, Francisco (orgs.). Gêneros jornalísticos no
Brasil. São Bernardo do Campo, SP: Universidade Metodista de São Paulo,
2010.
MELO, José Marques de. Gêneros de comunicação massiva. 2006. (Notas de
aula).
PÁGINAS AMARELAS. Veja. São Paulo: Abril.
PÁGINAS NEGRAS. Trip. São Paulo: Trip Editora e Propaganda.
PÁGINAS VERMELHAS. tpm. São Paulo: Trip Editora e Propaganda.
RIVOIRO, Luiz (org.) As 30 melhores entrevistas de Playboy [agosto de
1975 – agosto 2005]. São Paulo: Abril, 2005.
TODA mulher é meio Leila Diniz. O Pasquim, Rio de Janeiro, n. 22, 20 a 26
nov.1969.

126
Perfil

Marta Maia

O interesse pela vida das pessoas atravessa séculos, afinal vive-


mos em sociedade, o que indica a primazia do aspecto interativo em
nossas ações cotidianas. E o jornalismo, como uma das principais
mediações, assume um papel proeminente nesse contexto narrativo.
Biografias, perfis, obituários, reportagens, entre outras histórias de
interesse humano circulam diariamente pelos mais variados supor-
tes. É possível dizer, portanto, que o perfil tem assumido um lugar
central nessas produções. Mas o que seria um perfil?
Em livro lançado em 2020, defini perfil como uma “composição
textual discursiva do sujeito a partir de determinadas angulações que
traduzem as perspectivas adotadas na escolha do perfilado, na capta-
ção e na edição” (p. 52). Esse conceito indica que o formato mantém
uma forte relação com o caráter seletivo da produção, já que muitas
histórias são contadas a partir de algum acontecimento específico na
vida de alguém, mas muitas outras aparecem por conta da capacida-
de de observação de repórteres ou de editores e editoras.
Outro aspecto importante a ser ressaltado é que, historicamente,
os perfis têm seu espaço garantido nas revistas jornalísticas como as
estadunidenses The New Yorker, criada em 1925, e Esquire, de 1933.
Inclusive, o termo Perfil (profile em inglês) foi usado pela primei-
ra vez pelo editor da The New Yorker, Harold Ross, por sugestão do
repórter James Kevin McGuinness. Entretanto, não podemos nos
esquecer de Plutarco, Homero, entre outros que já escreviam sobre
pessoas há muitos séculos. Mas isso é história para outro momento.
Jornalistas como Lillian Ross, John Hersey, Truman Capote,
Joseph Mitchell, David Remnick, entre outros, são nomes de refe-
rência quando comentamos sobre perfis. Assim como Gay Talese,
conhecido por ter produzido um perfil que está entre os mais lidos
127
e comentados do mundo: “Frank Sinatra está resfriado”, publicado
na revista Esquire, em 1966. O diferencial desse texto é que o cantor
não foi entrevistado por Talese, que conseguiu captar informações e
impressões da imensa equipe de Sinatra, além de pessoas próximas,
durante seis semanas de intenso trabalho. Tudo isso bancado pela
própria revista.
No Brasil, um exemplo relevante, também dos anos 1960, foi
a revista Realidade, periódico mensal de reportagens, que mante-
ve uma seção fixa, denominada “Perfil”, durante muitos anos. Para
quem quiser conhecer um pouco mais sobre os tipos de perfis produ-
zidos por jornalistas como José Hamilton Ribeiro, Mylton Severiano,
Roberto Freire, Luiz Fernando Mercadante, basta ler o livro de José
Salvador Faro (1999), Realidade, 1966-1968: tempo da reportagem na
imprensa brasileira.
O Jornal da Tarde também não pode ficar de fora desse breve
histórico. Criado e idealizado por Mino Carta em 1966, com o en-
cerramento de suas atividades em 2012, o veículo, conhecido pela
inovação na linguagem e na diagramação, publicou perfis emblemá-
ticos, já que contou em seus quadros com jornalistas como Mino
Carta, Marcos Faerman, Cremilda Medina, Fernando Morais, Luís
Nassif, entre outros.
Mas não foi somente nos veículos do chamado mainstream que os
perfis conseguiram ser publicados. Durante o período da ditadura mi-
litar no Brasil (1964-1985) surgiram diversos veículos com propósitos
alternativos e com elevada produção sobre narrativas de pessoas, co-
nhecidas ou anônimas, como o Pasquim (1969), Opinião (1972), Mo-
vimento (1975), Em Tempo (1977), Lampião da Esquina (1978), entre
outros mais de 150 títulos criados nesta época (Kucinski, 1991).
Vale dizer que, em 2021, os perfis ampliaram seu espaço em to-
dos os suportes comunicacionais, com destaque para os blogs, que
podem expressar um lugar de maior liberdade de angulação, assim
como o processo editorial de livros (impressos ou digitais), que, mui-
tas vezes, garante autonomia e diversidade temática, seja em antolo-
gias, coletâneas ou material específico produzido para esse fim.

128
A escrita sobre outra pessoa envolve questões que extrapolam
qualquer tipo de prescrição técnica. Mesmo tendo todo o cuidado
com processos básicos de produção jornalística, como pauta bem
estruturada, pesquisa verticalizada, cruzamento de dados, entrevis-
tas, diversidade de fontes, entre outros, em muitos casos, as histórias
pessoais dificultam a checagem dos dados; é quando entram em cena
aspectos subjetivos que devem ser observados com atenção e cuida-
do, visto que estamos falando sobre pessoas.
Se os sujeitos têm espaço nos diversos meios de comunicação é
porque, como diria Paul Ricoeur (2010, p. 129), “as vidas humanas
precisam e merecem ser contadas”. Esse mesmo autor, referência nos
estudos sobre narrativas, argumenta que estamos atravessados por
mediações e que as histórias nos chegam, em especial, pela lingua-
gem, a partir de símbolos já pré-estruturados no ambiente social, que
são configurados pela ação humana (não somente pelo sujeito, mas
também pelo agenciamento dos fatos), mas que só podem ser conhe-
cidos quando encontram o leitor, que pode ressignificar o mundo
pela narrativa.
O processo relacional que se faz necessário para que as histórias
possam ser configuradas envolve a alteridade, ou seja, aquilo que é
semelhante e diferente nessa relação comunicativa. Ao ter uma ação
empática com a pessoa entrevistada, jornalistas terão condições de
lidar com as diferenças e ter assim mais possibilidades de produzir
narrativas menos reducionistas. Tzvetan Todorov (1993, p. 128) ar-
gumenta que o diálogo é a melhor maneira para se conhecer o ou-
tro: “é falando ao outro (não dando-lhe ordens, mas dialogando com
ele), e somente então, que reconheço nele uma qualidade de sujeito,
comparável ao que eu mesmo sou”.
Ao falar sobre outra pessoa, acabamos, de certa forma, falando
sobre nós mesmos. Nessa perspectiva, é possível recorrer ao histo-
riador Alexandre de Sá Avelar (2012, p. 71) quando, ao refletir sobre
escrita biográfica, alerta sobre o risco de se “emoldurar” uma pessoa
por intermédio de uma individualidade fixa, coerente, unitária, visto
que vivemos “em meio a uma pluralidade de identidades, referências,

129
locais [...] Os vários aspectos de uma vida não são suscetíveis a uma
narração linear, não se esgotam numa única representação, na ideia
de uma identidade”. O que reflete a dimensão dinâmica das relações
sociais e o aspecto vivo das experiências.
As questões apresentadas até este ponto indicam a necessidade
do cuidado para com o outro e apontam ainda a complexidade dessa
tarefa, tanto que o jornalista peruano Julio Villanueva Chang (2010,
documento eletrônico) argumenta que a produção de um perfil en-
volve uma atividade árdua que “pode exigir um trabalho superior a
qualquer outro gênero de jornalismo: a obsessiva busca por pistas de
um detetive, a visão em escala de um historiador, a dúvida metódica
de um ensaísta, a clareza de um professor, o instinto narrativo de um
escritor”. Sempre com a devida atenção para que a vida de alguém não
apareça amparada em clichês, o que pode reforçar preconceitos e este-
reótipos. Vale aqui relembrar o poeta Manoel de Barros, quando ele,
sabiamente, diz que não gosta “de palavra acostumada” (1996, p. 71).
Para finalizar, é possível apontar então alguns cuidados e algu-
mas dicas para a produção de perfis, compreendendo que não há
regras absolutas quando se trata de narrativas. É preciso conduzir as
entrevistas, compreendendo a importância da alteridade e empatia
nesse processo, respeitando os “silêncios” e os conflitos dos entrevis-
tados, com a devida habilidade de observar tudo que ocorre durante
o contato.
Com o material captado em mãos, parte-se para a escrita, que
deve levar em consideração a singularidade de cada pessoa no sen-
tido de se evitar a generalização. A escrita pode seguir de maneira
fluente, sem muitas regras e amarras. Vale ainda mostrar, sempre que
possível, os bastidores do processo de produção, com recursos de
transparência que podem aparecer ao longo do texto ou ao seu fi-
nal, como um making of; dessa forma “além de estarmos contribuin-
do para uma cultura comunicacional mais democrática e inclusiva,
conseguimos assim refletir sobre o nosso próprio fazer jornalístico”
(Maia, 2020, p. 128). Tendo como base o tripé ética, técnica e estética,
devemos ter sempre em mente que todo ser humano pode e merece

130
ser perfilado. A redação de um perfil deve envolver conhecimento,
sensibilidade, sensualidade e coragem, afinal a linguagem tem o po-
der de criar novas maneiras de ver o mundo e afetar pessoas.

Indicações de leitura

Livros de perfis
BARROS E SILVA, Fernando. Tempos instáveis: o mundo, o Brasil e o jorna-
lismo em 21 reportagens da piauí. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
BORGES, Robinson; KLINKE, Angela (orgs.). À mesa com o Valor: 50 perso-
nalidades São Paulo: Apicuri, 2015.
BRUM, Eliane. A vida que ninguém vê. Porto Alegre: Arquipélago Editorial,
2006.
BRUM, Eliane. O olho da rua. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2017.
CASTELLO, José. Inventário das sombras. Rio de Janeiro: Record, 1999.
DIEGUEZ, Consuelo. Bilhões e lágrimas: A economia brasileira e seus atores.
São Paulo: Portfolio-Penguin, 2014.
FERNANDES, José Carlos. A vida é perto: perfis de quem passa na calçada.
Curitiba: Gazeta do Povo, 2015.
MARSIGLIA, Ivan. A poeira dos outros: um repórter na casa da morte e mais
19 histórias. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2013.
MORAES, Fabiana. Nabuco em pretos e brancos: um olhar dialético sobre
o abolicionista e o racismo de um país onde o status embranquece negros.
Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana; Jornal do Commer-
cio, 2012.
PAIVA, Fred Melo. Bandido raça pura: e outros 35 perfis de ilustres mais ou
menos virtuosos, notáveis anônimos, cães, ratos, urubus e coisas supostamen-
te inanimadas. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2014.
WERNECK, Humberto. Vultos da República: os melhores perfis da Revista
Piauí. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

Referências

AVELAR, Alexandre de Sá. Escrita da história, escrita biográfica: das possi-


bilidades de sentido. In AVELAR, Alexandre de Sá; SCHMIDT, Benito Bisso
(orgs.). Grafia da vida: Reflexões e experiência com a escrita biográfica, São
Paulo: Letra e Voz, 2012.

131
BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996.
CHANG, Julio Villanueva. O crítico de pessoas. O Globo. Rio de Janeiro,
Prosa online, 3 jul. 2010.
FARO, José Salvador. Revista Realidade, 1966-1968: tempo da reportagem na
imprensa brasileira. Canoas: Editora da ULBRA/AGE, 1999.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da impren-
sa alternativa. São Paulo: Edusp, 1991.
MAIA, Marta. Perfis no jornalismo: narrativas em composição. 1. ed. Floria-
nópolis, SC: Editora Insular, 2020. (Série Novas Diretrizes, v.1).
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa: a intriga e a narrativa histórica, v. 1. São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Pau-
lo: Martins Fontes, 1993.

132
Editorial

Andréa Franciéle Weber

Com relação à função social do editorial, já na década de 1980,


Luiz Beltrão chamava a atenção para o papel político dos editoriais,
como um lugar para colocar assuntos na pauta coletiva de discussões
e também para pressionar o poder público em certas direções. Essa
pressão poderia ser tanto no sentido de perceber as reivindicações da
coletividade como no de coagir o Estado para a defesa de interesses
dos segmentos empresariais e financeiros que o veículo representava.
Por isso, os editoriais costumavam ocupar um espaço privilegiado na
diagramação e ser escritos por profissionais experientes e conectados
com a linha ideológica e os interesses do veículo (Beltrão, 1980).
Para José Marques de Melo (2003), o editorial estrutura-se se-
gundo uma angulação temporal que exige continuidade e imediatis-
mo. Assim, seu conteúdo costuma girar em torno de temas atuais e
de repercussão, que propiciam a continuidade da discussão, seja em
editoriais seguintes, seja em outros gêneros textuais jornalísticos ou,
mesmo, em outras esferas sociais. Porém, um breve olhar sobre os
veículos jornalísticos atuais, revela que o conteúdo de um editorial
pode variar significativamente de veículo para veículo. Alguns usam-
-no como uma espécie de apresentação da edição e outros como um
lugar de discussão política pesada. Há veículos que publicam vários
editoriais por edição e outros que sequer incluem esse gênero textual
em suas publicações.
Em termos de gêneros jornalísticos, o editorial é situado na esfe-
ra opinativa, ao lado de gêneros textuais como a coluna, a crítica e a
crônica (Melo; Assis, 2016). Nesse sentido, ele poderia ser chamado
de opinião editorial, isto é, a opinião dos editores aos leitores. É no
texto editorial que o jornal sai de forma explícita de uma condição
de imparcialidade (reivindicada na seção de notícias) e assume ter
133
posições acerca dos mais diversos temas de concernência pública
(Montalverne; Marques, 2015). Cabe ressaltar, contudo, que abrir
mão da imparcialidade em um texto jornalístico não configura falta
de ética, sempre quando o veículo deixe claro ao leitor que aquele
conteúdo tem caráter opinativo. Sobre essa questão, o Código de Éti-
ca dos Jornalistas Brasileiros (Fenaj, 2007) apenas faz a ressalva de
que “a opinião manifestada em meios de informação deve ser exerci-
da com responsabilidade” (Capítulo III, Art. 10).
Como dito anteriormente, o editorial costuma ser escrito por
profissionais experientes e conectados à ideologia e interesses do
veículo, sejam eles proprietários, diretores, editores ou jornalistas. É
importante entender que o editorial não traz a opinião do “dono” do
veículo, mas de um grupo dominante. Ou, como diria Melo (2003),
trata-se da opinião das forças que mantêm a instituição jornalística,
as quais envolvem proprietários, jornalistas, acionistas, anunciantes,
leitores, entre outras. Por registrar um posicionamento institucional,
o editorial não costuma trazer a assinatura de um autor, como outros
gêneros textuais jornalísticos de caráter opinativo. Não podemos di-
zer, no entanto, que o editorial não tenha autor (como se fosse anô-
nimo), mas sim que seu autor é o próprio veículo.
Pensando na produção textual, inicialmente, é preciso reforçar
que texto opinativo em jornalismo não significa apenas exposição
de opinião (“pensamos que”, “gostamos de”, “não concordo com”, “re-
pudiamos X”), mas sim um trabalho elaborado de interpretação dos
fatos agregado de uma intenção persuasiva, isto é, de argumentos
consistentes para convencer o público da legitimidade daquela in-
terpretação.
Na estrutura do editorial, não usamos o lead,1 que é típico dos
textos informativos (nota, notícia), mas uma base dissertativa, que
se organiza em introdução, tese, argumentos e conclusão. Para sus-
tentar nossa opinião, recorremos a exemplos, comparações, dados e
outros argumentos que convirjam para a tese que queremos defen-

1 Abertura da notícia; responde questões como o quê? quem? quando? como? onde? por
quê? (Lage, 2010).

134
der. No léxico, usamos diversos operadores argumentativos, alguns
adjetivos, além de substantivos capazes de produzir juízos de valor.
Com relação ao agente do texto, editoriais podem usar a segunda
pessoa do plural (“Nosso entendimento não mudou”, “Seguimos aten-
tos ao desfecho da tragédia”), quando se busca enfatizar os autores,
isto é, marcar no texto que se trata da opinião do veículo e de uma
opinião coletiva. Já estruturas na voz passiva sem sujeito explícito
(“Não se descarta que as vacinas de deteriorem”, “A informação tem
sido ansiosamente esperada”) ou a indeterminação do sujeito (“Po-
de-se visualizar um aumento futuro nas tarifas”, “Hoje, reclama-se de
tudo”) podem ser usadas quando se busca atenuar as marcas de au-
toria, deixando o texto mais impessoal e, com isso, mais próximo do
padrão dos gêneros textuais informativos.
Os editoriais costumam ter títulos e, em alguns casos, subtítu-
los. A titulação desse gênero textual deve priorizar características
instigantes e criativas, capazes de estimular a leitura. Embora infor-
mações importantes possam estar condensadas no título, essa prática
é mais flexível nos editoriais do que nos gêneros de caráter informa-
tivo. Seguem alguns exemplos:
“Sem empolgação” (Folha de São Paulo, 15 abr. 2015).
“O espectro da crise hídrica – As variações climáticas são uma
realidade incontornável. Em princípio, está afastado o risco maior de
um apagão, mas a pressão na conta de luz é inevitável” (O Estado de
S. Paulo, 13 abr. 2021).
“A mordaça da impunidade” (Zero Hora, 13 fev. 2013).
“Nosso futuro passa pelas eleições” (Folha do Noroeste, 29 jun.
2012).

Indicações de leitura

BARICHELLO, Júlia; MISTURA, Rebeca; BERTOL, Sônia; BERTONCELLO,


Wagner. Jornalismo opinativo: uma análise dos gêneros opinativos no jornal
Folha de São Paulo. Congresso de Ciências da Comunicação da Região Sul,
20., 2019, Porto Alegre. Anais.... Porto Alegre: Intercom, 2019.

135
BERTASSO, Daiane. Jornalismo de revista e ethos discursivo: as imagens de
si nas capas e nos editoriais de Veja, Época, IstoÉ e CartaCapital. 2014. Tese
(Doutorado em Comunicação e Informação), Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.
MANUAL da redação: Folha de S. Paulo: as normas de escrita e conduta do
principal jornal do país. 22. ed. Barueri, SP: Publifolha, 2021.
QUÉ es y cómo se escribe un editorial periodístico. National Geographic
España, 22 mar. 2021.

Referências

BELTRÃO, Luiz. Jornalismo opinativo. Porto Alegre: Sulina, 1980.


FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas. Código de Ética dos Jornalistas
Brasileiros, 2007.
LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. 6. ed. São Paulo: Ática, 2010.
MELO, José Marques. Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalis-
mo brasileiro. Campos do Jordão, SP: Editora Mantiqueira, 2003.
MELO, José Marques; ASSIS, Franscisco. Gêneros e formatos jornalísticos:
um modelo classificatório. Intercom – Revista Brasileira de Ciências da
Comunicação. São Paulo, v. 39, n. 1, p. 39-56, jan./abr. 2016.
MONT’ALVERNE, Camila; MARQUES, Francisco P. J. Almeida. A opinião
da empresa no jornalismo brasileiro: um estudo sobre a função e a in-
fluência política dos editoriais. Estudos em Jornalismo e Mídia, v. 12, n. 1,
jan./jul. 2015.

136
Carta ao leitor

Luiz Antônio Araujo

Carta ao leitor é a denominação atribuída pelo jornalismo de


revista, notadamente pelas revistas brasileiras de informação geral,
ao texto que expressa a opinião institucional da publicação, homó-
logo ao editorial no jornalismo impresso diário. Ocupa espaço fixo
e definido a cada edição, em posicionamento nobre e de visibilidade
privilegiada na paginação, normalmente próximo de seções chave
para leitura e catalogação, como índice, carta do leitor e expediente.
Pode ser assinada – por exemplo, pelo diretor de redação ou pelo
editor-chefe, casos em que pode receber o título de carta do editor
– ou não, sem que isso altere suas características e função: a de texto
opinativo destinado a explicitar o posicionamento da revista e, por
consequência, da empresa ou instituição que a publica.
A diferenciação entre informação e opinião no jornalismo é
chave para a noção de gênero jornalístico (Erbolato, 1979; Beltrão,
2006; Melo, 1985, 2003, 2009; Seixas, 2009; Temer, 2009), ainda que
a rigidez da divisão e sua pertinência para operações classificatórias
sejam alvo de importantes críticas (Chaparro, 2003; Moraes, 2007).
A emergência dos chamados gêneros informativo e opinativo é nor-
malmente situada no século XIX (Melo, 2010), com o surgimento
do moderno paradigma do Jornalismo de Informação (Charron; De
Bonville, 2016). À opinião do veículo ou da empresa jornalística está
associado um formato particular, o editorial (Melo, 2009), caracteri-
zado por traços como impessoalidade, topicalidade, condensabilida-
de e plasticidade (Melo, 1985).
Número considerável de autores designa como editorial o texto
que expressa a opinião institucional da revista (Ali, 2009; Bertasso,
2014; Boff, 2013). O primeiro a sugerir que a carta ao leitor ou carta
do editor constitui uma particularidade no universo das formas jor-
nalísticas é José Marques de Melo:

137
O editorial é um gênero quase que exclusivo da imprensa ou,
mais precisamente, dos jornais. Nas revistas, o editorial aparece
com mais frequência nos periódicos culturais ou políticos, pois
as revistas de informação geral recorrem às ‘cartas dos editores’,
mais próximas daquilo que poderíamos chamar de merchandi-
sing jornalístico do que de expressões opinativas. (Melo, 1985,
p. 84, grifo do autor).
A referência ao “merchandising jornalístico” (Melo, 1985, p. 84)
assinala um traço notável da carta ao leitor: a temática. Enquanto o
editorial trata usualmente de tema, notícia ou tópico associado ao
noticiário diário, o objeto da carta ao leitor costuma ser o próprio
conteúdo da revista. Ao pesquisar 48 textos desse tipo nas revistas
Veja, Época, IstoÉ e CartaCapital, de 2012, Daiane Bertasso (2014)
identificou a reportagem principal de capa como tema da maioria
dos exemplos analisados nas duas primeiras publicações (58,3%
de Veja e 66,6% de Época) e de parte significativa nas duas últimas
(16,6% de IstoÉ e 25% de CartaCapital). Outro tema preferencial das
cartas ao leitor é o padrão técnico e ético do jornalismo praticado
pela publicação, que permitiria distinguir “o que é o ‘bom jornalis-
mo’ e o ‘mau jornalismo’” (Bertasso, 2014, p. 92).
Inspiradas pelas revistas semanais de informação, revistas labo-
ratório brasileiras costumam adotar o formato da carta ao leitor a fim
de apresentar reportagens ou temas (no caso de edições temáticas).
Esses textos podem ser assinados ou não, e sua autoria pode caber
a alunos ou professores. Em qualquer caso, a produção da carta ao
leitor é parte integrante do trabalho de edição da revista, sendo reco-
mendável que os(as) responsáveis por sua redação tenham uma visão
do conjunto da publicação.

Indicações de leitura

CARTA, Mino. O castelo de âmbar. Rio de Janeiro: Record, 2000.


SEVERIANO, Mylton. Realidade: história da revista que virou lenda. São
Paulo: Insular, 2013.
VILAS BOAS, Sérgio. O estilo magazine: o texto em revista. São Paulo: Sum-
mus, 1996.

138
Referências

ALI, Fatima. A arte de editar revistas. São Paulo: Companhia Editora Nacio-
nal, 2009.
BELTRÃO, Luiz. Teoria e prática do jornalismo. Adamantina, SP: FAI, São
Bernardo do Campo, SP: Cátedra Unesco/Metodista de Comunicação para o
Desenvolvimento Regional, 2006.
BERTASSO, Daiane. Jornalismo de revista e ethos discursivo: as imagens de
si nas capas e nos editoriais de Veja, Época, IstoÉ e CartaCapital. 2014. Tese
(Doutorado em Comunicação e Informação), Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.
BOFF, Felipe. Muito além do editorial: a revista e suas opiniões. In: TAVARES,
Frederico de Mello B.; SCHWAAB, Reges (orgs.). A revista e seu jornalismo.
Porto Alegre: Penso, 2013. p. 189-202.
CHAPARRO, Manoel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além mar. São Paulo:
Summus Editorial, 2008.
CHARRON, Jean; DE BONVILLE, Jean. Natureza e transformação do jor-
nalismo. Florianópolis: Insular, 2016.
ERBOLATO, Mário. A técnica de codificação em jornalismo. Rio de Janeiro:
Vozes, 1979.
MELO, José Marques de. A opinião do jornalismo brasileiro. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1985.
MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jorna-
lismo brasileiro. Campos do Jordão, SP: Mantiqueira, 2003.
MELO, José Marques de. Jornalismo: compreensão e reinvenção. São Paulo:
Saraiva, 2009.
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Anais ... Caxias do Sul: Intercom, UCS, 2006.
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cia da opinião no jornalismo. Colóquio Internacional sobre a Escola Latino-
-Americana de Comunicação, 11., 2007, Pelotas. Anais .... Pelotas: Celacom,
UCPel, 2007.
SEIXAS, Lia. Redefinindo os gêneros jornalísticos: proposta de novos crité-
rios de classificação. Covilhã: LabCom, 2009.
TEMER, Ana Carolina Rocha Pessôa. Gêneros e gêneros: apontamentos teóri-
cos sobre os conceitos e sua atribuição ao jornalismo feminino. Comunicação
& Sociedade, São Bernardo do Campo, ano XXX, n. 51, pp. 177-200, jan./jun.
2009.

139
Coluna

Eduardo Ritter

No jornalismo, a coluna é um texto, ou conjuntos de textos, que


se enquadra no gênero opinativo, considerando a proposta de classi-
ficação de gêneros jornalísticos apresentada por José Marques Melo
(2012): informativo, opinativo, interpretativo, utilitário e diversional.
Apesar de ter uma história ambígua, contemporaneamente o termo
“coluna” é utilizado para denominar um espaço fixo em um veículo
jornalístico, que pode ser ocupado por um autor, instituição ou pode
ser relativo a um tema específico. Por exemplo: uma personalidade
conhecida em determinada área pode assumir uma coluna opinativa
dentro de uma editoria específica, bem como é possível o veículo
manter uma coluna com um título temático fixo com autores convi-
dados que conheçam o assunto, ou ainda, uma instituição pode ter
um espaço para divulgação de textos opinativos de seus representan-
tes ou colaboradores.
Conforme ressalta Melo (1994), na coluna o texto opinativo
pode abranger diversos estilos narrativos, que vão desde o comentá-
rio até a crônica ou a resenha. Às vezes a coluna também ganha um
sentido de seção, como por exemplo, no caso das colunas sociais, que
podem ocupar uma página inteira de uma edição de jornal ou revis-
ta. Outra definição possível é: “A coluna é a seção especializada de
jornal ou revista publicada com regularidade, geralmente assinada,
e redigida em estilo mais livre e pessoal do que o noticiário comum”
(Melo, 1994, p. 136). Claro que, contemporaneamente, essa logística
também ocupa seu espaço na internet e até mesmo em veículos que
trabalham com mídia sonora e audiovisual. Um importante elemen-
to para diferenciar a coluna de outros textos opinativos é a periodi-
cidade, ou seja, diferentemente do artigo, vai existir um espaço de

141
tempo regular entre uma publicação e outra. Em outros termos, a co-
luna pode ser diária, semanal, quinzenal, mensal e assim por diante,
enquanto que o artigo de opinião e outros tipos de textos opinativos
vão ser contribuições esporádicas.
Outra característica marcante da coluna é a sua amplitude e in-
finitas possibilidades. Diferentemente do editor ou do repórter, o co-
lunista não precisa necessariamente ser jornalista por formação. Há
casos em que um economista se torna colunista de finanças em sites,
revistas ou jornais, em outros um ex-jogador comenta sobre futebol e,
em um terceiro, um político aborda os bastidores das instituições pú-
blicas. Há também inúmeros exemplos de jornalistas experientes que
atuaram anos como repórteres e que passaram a ocupar colunas em
veículos sobre os mais variados temas. Nos Estados Unidos, Hunter
Thompson (1937-2005), criador do Jornalismo Gonzo, após trabalhar
como repórter que vai ao local dos acontecimentos em coberturas jor-
nalísticas nos anos 1960, 1970 e 1980, passa a escrever colunas so-
bre assuntos variados nos anos 1990 e início dos anos 2000. Quando
Thompson morre, em 2005, ele vinha atuando como colunista do site
esportivo ESPN. Já no Brasil, Paulo Francis (1930-1997) é um exem-
plo de repórter que após anos de trabalho em redações assume colu-
nas tanto escritas como faladas nos espaços jornalísticos do país.
A coluna também se destaca no jornalismo especializado. Mui-
tos jornais impressos, por exemplo, não abrem mão da coluna social,
definida por Mário Erbolato (1981, p. 37) como “uma seção na qual
se registram aniversários, noivados, batizados, casamentos, bailes,
viagens, novas diretorias de clubes, conferências, almoços e janta-
res e as clássicas visitas à nossa redação”. Nas editorias, os colunistas
também são facilmente encontrados, como os colunistas de política,
economia e internacional. Especialmente em jornais do interior es-
ses especialistas são valorizados por dar uma direção ao que o leitor
deve pensar sobre determinado assunto e para saber o que está acon-
tecendo na sociedade local.
Luiz Amaral (2001) destaca a influência europeia e americana
no colunismo brasileiro. O autor lembra que as revistas francesas da

142
virada do século XIX para o século XX exploravam muito bem o
gênero, bem como os jornais americanos do início do século XX.
No entanto, para o autor, no Brasil a coluna passou a ser uma se-
ção obrigatória no jornalismo nacional. “Qualquer jornal brasileiro
que se preze, seja ele da Capital ou do interior, cultua o colunismo
e tem o seu colunista” (Amaral, 2001, p. 154). Melo (1994), por sua
vez, recupera o conceito de “olimpismo moderno”, do sociólogo, an-
tropólogo e filósofo Edgar Morin, argumentando que a atração que
o colunismo desperta no público é resultado dos artifícios ofereci-
dos para alimentar o mecanismo psicossocial da projeção que é feita
pelos leitores aos colunistas, compensando as suas frustrações diá-
rias. “Como nem todos têm oportunidades e condições para atingir
o cume da pirâmide social, os cidadãos barrados economicamente
no portão do paraíso burguês contentam-se em idolatrar seus mi-
tos, projetando-se nas suas realizações” (Melo, 1994, p. 141). Essa
perspectiva passa a ser também uma crítica aos jornalistas que so-
nham em se tornar celebridades midiáticas através da profissão e,
mais especificamente, do colunismo. Para o jornalista iniciante que
pretende atuar no jornalismo opinativo, no entanto, Amaral (2001)
aconselha calma, pois a experiência e um amplo repertório de leitura
são fundamentais, tanto para auxiliar no conteúdo quanto no estilo
e vocabulário narrativo.
Contemporaneamente, Luiz Caversan (2009) apresenta dois ti-
pos de colunistas. O primeiro é formado por jornalistas de carreira
que após um período trabalhando com jornalismo informativo con-
quista a condição de dizer o que pensa. “Ou seja, seus méritos como
repórter, redator ou mesmo editor, suas qualificadas fontes de infor-
mação e sua senioridade permitiram que ele conquistasse um espaço
fixo no veículo em que trabalha” (Caversan, 2009, p. 76). Estando na
ativa, a coluna permite ao jornalista escrever nesse espaço opinativo
informações que ficaram de fora da reportagem ou ainda dizer o
que pensa a respeito do que apurou ou testemunhou. Apesar disso,
o autor não descarta a utilização de jovens talentos que se destacam
cedo nesse espaço, podendo apresentar resultados positivos ou de-

143
sastrosos. “Tanto para tornar-se um quanto para sobreviver como
tal, além de alcançar um alto índice de leitura, o profissional precisa
ter o respaldo de quem decide os que podem e os que não podem
dizer aquilo que pensam no jornal” (Caversan, 2009, p. 77).
O segundo tipo de colunista apresentado por Carvesan (2009)
é aquele que atua como colaborador fixo do veículo. Na maior parte
dos casos, trata-se de pessoas reconhecidas no mundo intelectual,
político, esportivo, econômico, científico etc. Nessas situações, além
de compartilhar conhecimento, os autores também agregam prestí-
gio ao meio de comunicação por conta do reconhecimento do públi-
co sobre a sua legitimidade na área de atuação.
A coluna muitas vezes se caracteriza por trazer informações
inéditas ou especulações, obtidas de maneira exclusiva pela rede
de contato do colunista. Enquanto no texto informativo o repórter
raramente consegue fazer alguma projeção sem citar a fonte, o co-
lunista tem a liberdade de dizer o que pensa sobre os assuntos e o
que acha que vai acontecer. “A coluna tem como espaço privilegiado
os bastidores da notícia, descobrindo fatos que estão por acontecer,
pinçando opiniões que ainda não se expressaram, ou exercendo um
trabalho sutil de orientação da opinião pública” (Melo, 1994, p. 137).
Enquanto na notícia o critério “novidade” ou “novo” é fundamental,
na coluna isso nem sempre acontece. Um colunista pode, por exem-
plo, discorrer sobre uma temática qualquer, como o gosto por via-
jar, a saudade de um artista que morreu há algum tempo tempo ou
um livro publicado há mais de um século. O livro Escritores negros
(2020), do professor e jornalista Tom Farias, por exemplo, traz uma
coletânea de textos escritos para colunas publicadas em veículos de
referência abordando a atuação de jornalistas e escritores negros no
jornalismo e na cultura brasileiros.
Ao longo do século XXI, com a ampliação do espaço jornalístico
no mundo on-line, o espaço do colunismo cresceu. Enquanto no jor-
nalismo impresso há a limitação física para a utilização de colunistas,
nos portais da internet as possibilidades são multiplicadas infinita-
mente. No entanto, isso não quer dizer que qualquer um pode ser

144
colunista, pois cada veículo adota o seu próprio critério para incluir
jornalistas ou colaboradores nos seus quadros de colunistas.

Indicações de leitura

COUTINHO, Iluska. Colunismo e poder: representação nas páginas de


jornal. In: Laboratório de Comunicação da Universidade da Beira Interior,
Portugal, 2007.
MELO, José Marques de (org.). Gêneros jornalísticos: teoria e práxis. Blume-
nau, SC: Edifurb, 2012.
MOTTA, Luiz Gonzaga (org.). Imprensa e poder. São Paulo: Imprensa Ofi-
cial; Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.
TRAVANCAS, Isabel. A coluna do Ibrahim Sued: um gênero jornalístico. Re-
vista Brasileira de Ciências da Comunicação. São Paulo, v. XXIV, n 1, jan./
jun. 2001, p. 109-122.

Referências

AMARAL, Luiz. Técnica de jornal e periódico. Rio de Janeiro: Tempo Brasi-


leiro, 2001.
CAVERSAN, Luiz. Introdução ao jornalismo diário: como fazer jornal todos
os dias. São Paulo: Saraiva, 2009.
ERBOLATO, Mário. Jornalismo especializado: emissão de texto no jornalis-
mo impresso. São Paulo: Atlas, 1981.
FARIAS, Tom. Escritores negros: crítica e jornalismo literário. Rio de Janeiro:
Malê, 2020.
MELO, José Marques de. Panorama diacrônico dos gêneros jornalísticos. In:
MELO, José Marques de (org.). Gêneros jornalísticos: teoria e práxis. Blume-
nau, SC: Edifurb, 2012.
MELO, José Marques de. Opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1994.

145
Crítica

Everton Cardoso

Crítica é um tipo de produção jornalística que apresenta a apre-


ciação do autor ou da autora a respeito de um produto, produção,
obra, espetáculo, evento ou acontecimento do campo da produção
cultural. Classificada em geral como um tipo de texto opinativo
(Melo, 2003), mais recentemente vem se apresentando em diversos
formatos – como vídeos, podcasts, postagens e cards –, sobretudo a
partir das possibilidades abertas pelo ambiente digital e pelas redes
sociais. Por seu acentuado caráter pessoal, não tem estrutura ou es-
tilo muito definidos e, especificamente no caso brasileiro, com fre-
quência se aproxima bastante da crônica.
Escrita ora por especialistas, ora por jornalistas – sobretudo
aqueles especializados em temas culturais –, articula-se ao redor do
objeto analisado, mas sempre a partir da experiência do autor ou au-
tora da crítica. Nesse sentido, cumpre simultaneamente uma função
de cobertura ou registro dos acontecimentos do campo da produção
cultural e de seus produtos e também de análise, participando da
construção da história cultural (Golin; Cardoso, 2010).
As críticas surgiram na imprensa nacional ainda no século XIX,
quando o jornalismo de um modo geral estava muito ligado à lite-
ratura e era produzido essencialmente por intelectuais e escritores.
Geralmente, esses textos ocupavam a parte inferior das páginas dos
jornais, o que lhes rendeu a designação de “rodapé”. Quando da tran-
sição para os anos 1900, a crescente profissionalização do trabalho
jornalístico foi segmentando a produção e fez com que esses textos
passassem a figurar predominantemente em seções dedicadas à cul-
tura – editorias, cadernos ou suplementos. Mesmo com uma redu-
zida importância e espaço limitado nos periódicos desde o final do
século XX, a apreciação de obras de arte e objetos culturais tem tido
147
relevante importância, influindo até mesmo nos rumos da produção
cultural.
No contexto brasileiro atual, há espaços para o gênero em jor-
nais diários de circulação nacional – como Folha de S.Paulo, Valor
Econômico (São Paulo) e O Globo (Rio de Janeiro) – e de alcance
regional – caso do Jornal do Comério (Porto Alegre) –, além de pu-
blicações mais especializadas – por exemplo, Cult (São Paulo), Con-
tinente (Recife), Rascunho (Curitiba) e Caju (Rio de Janeiro).
Em geral, a pesquisa sobre esse gênero textual enfatiza a pessoa
do crítico ou crítica como elemento central do texto, alguém capaz
de fazer uma leitura privilegiada da cultura decorrente de uma ob-
servação criteriosa e sensível (Medina, 2007). O que se percebe fre-
quentemente nos textos críticos, porém, é uma lógica muito próxima
daquela de gêneros mais noticiosos, na qual há uma ênfase nos fatos
e uma tendência de se apagarem marcas de pessoalidade de autores e
autoras no texto – sejam elas mais evidentes, como o uso de primeira
pessoa, sejam elementos mais sutis (Cardoso, 2007).
Questão a se pensar a partir disso é a noção de cultura que se
opera no jornalismo cultural e na crítica – tanto por determinar as
temáticas e pautas quanto por influenciar nas abordagens. Histori-
camente, esse conceito herda noções bastante restritas e ligadas ao
ideal iluminista, que a associa a uma ideia de acúmulo de saberes
com vistas a um tipo de civilização, e ao Romantismo, que circuns-
creve esse conceito às letras, artes e humanidades. Ainda que mais
recentemente os estudos antropológicos tenham alargado essas de-
finições para englobar toda a produção simbólica humana, o jorna-
lismo segue muito ancorado nos ideais que traduzem um processo
cumulativo e de refinamento permeado pelas lógicas do consumo
pautadas pela industrialização da produção cultural. Alinha-se, por-
tanto, a uma noção restrita e dominante, o que tem efeito tanto sobre
a seleção dos objetos analisados pela crítica quanto sobre os modos,
critérios e parâmetros de valoração.
O potencial de uma crítica, pelo contrário, está justamente em
desafiar esses limites – ou limitações, talvez – e buscar outros mo-

148
dos de esmiuçar os objetos culturais. É fundamental pensar sobre
o quanto a geografia e a temporalidade do jornalismo cultural mui-
tas vezes são restritivas – em geral a noção de “programação cultu-
ral” está bastante circunscrita ao que acontece nas regiões centrais
de grandes cidades e ancorada na agenda de eventos do momento.
Exemplos de manifestações culturais que escapam a essas definições
são o carnaval, o funk, os slams, os zines e mesmo os festejos popu-
lares. Não é producente, no entanto, apenas aplicar a esses objetos
um olhar elitista e que busca neles a aproximação com valores tipica-
mente superiores segundo as hierarquias sociais.
Desde as últimas décadas do século XX, não cabe mais aos pen-
sadores a postura até então vigente, a de legisladores, ou seja, de um
lugar de autoridade legitimada e prepotente que determina como as
coisas devem ser. O novo contexto exige a postura de intérprete, de
alguém que, muito mais do que definir, aponta na direção de senti-
dos múltiplos e de questões em aberto (Baumann, 2010). Nesse sen-
tido, a apreciação proposta por uma crítica não coloca as coisas em
categorias definitivas, estanques e binárias – ruim ou bom, gostar ou
não gostar, por exemplo.
Uma boa análise parte de uma obra e, a partir dela, articula uma
série de reflexões, mobilizando referências, estabelecendo relações
e buscando levantar elementos relevantes desse objeto em diálogo
com sua história, com o campo da produção cultural, com autores ou
autoras e mesmo com o contexto social mais amplo. Busca, portanto,
esmiuçar os muitos sentidos de uma obra: aqueles propostos pela au-
toria, os possíveis pela leitura individual e os que estão relacionados
ao contexto. Neste último aspecto, especificamente, há uma dupla
relação com o tempo: o da produção – do momento em que a obra
foi pensada e realizada por um ou uma artista – e o da fruição – por
exemplo, atualizando os sentidos de uma obra histórica segundo pa-
râmetros contemporâneos.
Para dar forma à crítica, portanto, narração e descrição detalha-
das são movimentos fundamentais. É preciso, por isso, ter como nor-
te valores já bastante consagrados pelo jornalismo, como a precisão,

149
a relevância e a concretude. Diante de uma obra, é preciso atentar
para tudo que, depois, no momento da leitura, vai ser capaz de re-
produzir a experiência do autor ou autora da crítica. Num espetáculo
musical, por exemplo, estar atento às músicas apresentadas (quantas,
em que ordem), às falas, gestos e atitudes dos e das artistas em cena,
à iluminação, ao figurino, às reações da plateia, ao ambiente da sala e
mesmo a outros elementos abre possibilidades de se criar um ‘clima’
no texto que seja capaz de transportar quem lê para a experiência
cultural com o apuro informacional que confere credibilidade ao
texto. Logicamente, nem todos os elementos podem ser abordados,
é preciso estabelecer uma hierarquia e, assim, escolher o que entra e
com que importância. O objetivo é, a partir de um conjunto de ele-
mentos, oferecer uma síntese.
A dimensão ética da atuação como crítico ou crítica também é
questão relevante. Considerando que o material de apreciação vei-
culado na imprensa influi sobre a percepção pública da obra, é claro
que artistas e produtores estão atentos ao que se publica, o que pode
criar constrangimentos a quem escreve - ainda que isso não deva ser
algo considerado por quem produz a análise. Por outro lado, há que
se ter ciência da responsabilidade contida no ato de se ter um ponto
de vista amplificado pela circulação e pelo impacto propiciados pelo
jornalismo. Isso não quer dizer tolher-se ao escrever, mas a forma de
redação é fundamental para traduzir não exatamente um julgamento
categórico e irrefutável, mas sim uma impressão individual que é,
antes de tudo, apenas uma das muitas possíveis.

Indicações de leitura

Jornais e revistas
Dentre os principais espaços de crítica de literatura, pode-se destacar o Suple-
mento Pernambuco, que surgiu como suplemento do Diário Oficial daquele
estado e, atualmente, é uma publicação independente
Na crítica de artes visuais, pode-se destacar a revista Caju, sobretudo pela
visão expandida do campo artístico que apresenta.

150
Publicações
A profícua atuação do Itaú Cultural na discussão sobre crítica resultou numa
série de obras tratando do tema, das quais destacam-se duas:
LEITE, Aluizio (coord.). Deslocamentos críticos. São Paulo: Itaú Cultural;
São Paulo: Babel, 2011.
MARTINS, Maria Helena (org.). Rumos da crítica. São Paulo: Senac; São
Paulo: Itaú Cultural, 2000.
Entre as muitas coletâneas e análises de trabalhos de críticos, o de Marcelo
Coelho mostra uma abordagem jornalística:
COELHO, Marcelo. Crítica cultural: teoria e prática. São Paulo: Publifolha,
2006.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e intérpretes: sobre modernidade, pós-


-modernidade e intelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
CARDOSO, Everton. Crítica de um enunciador ausente: a configuração da
opinião no jornalismo cultural. Em Questão, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 299-
314, 2007.
GOLIN, Cida; CARDOSO, Everton. Jornalismo e a representação do sistema
de produção cultural: mediação e visibilidade. In: BOLAÑO, César; GOLIN,
Cida; BRITTOS, Valério (orgs.). Economia da arte e da cultura. São Pau-
lo: Itaú Cultural; São Leopoldo: Cepos/Unisinos; Porto Alegre: PPGCOM/
UFRGS; São Cristóvão: Obscom, 2010. p. 184-203.
MEDINA, Cremilda. Leitura crítica. In: LINDOSO, Felipe (org.). Rumos [do]
jornalismo cultural. São Paulo: Summus: Itaú Cultural, 2007. p. 32-35.
MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo. 3. ed. Campos do Jordão, SP:
Mantiqueira, 2003.

151
Crônica

Marta Maia e José Carlos Fernandes

De todas as definições para a crônica, a mais festejada é a de An-


tonio Candido, expressa já no título do texto “A vida ao rés do chão”
(1979), por ironia, uma apresentação algo despretensiosa de um vo-
lume da coleção “Para gostar de ler” – vitorioso projeto editorial de
incentivo à leitura, capitaneado pela editora Ática. Candido apresen-
ta uma seleta de composições assinadas por Carlos Drummond de
Andrade, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga e Fernando Sabino.
Pode-se afirmar que falou à altura do quarteto, do qual era, acre-
dita-se, leitor, a exemplo de toda a geração que consumiu jornais e
revistas estilo magazine1 entre os anos 1950 e 1980.
Pesa na popularidade desse escrito, por certo, o nome de Candi-
do – que dispensa apresentações. Em seu Formação da literatura bra-
sileira (1975) – um dos livros da biblioteca básica para se entender
o país – investiga, na forma sociológica, a importância dos gêneros
fáceis, leves e divertidos na conquista de leitores, tarefa exigente num
país de escolarização precária, inserção difícil no mundo da cultu-
ra elaborada, circulação de livros lenta e elitista. Se Braga e outros
foram tão cultuados, resta concluir, com base em Candido, que en-
contraram comensais dotados de grande apetite e em cujo paladar
caíram com gosto. A crônica, em certo sentido, é um prato preparado
para o Brasil – uma boa história contada, um saber dividido com as
tramas da conversa, uma visita generosa à graça cotidiana.
Sobre sua forma, escreve o jornalista e cronista Joaquim Ferreira
dos Santos (2007, p. 17):

1 No jargão jornalístico, revistas “estilo magazine” são as que, à maneira das lojas de depar-
tamento, oferecem informações que costumam estar à margem das notícias, como ma-
térias de moda e comportamento, humor e colunismo social. São exemplos as clássicas
Fon-Fon, Cruzeiro, Manchete e Senhor.

153
[...] a crônica está no detalhe, no mínimo, no escondido, naquilo
que aos olhos comuns pode não significar nada, mas, puxa uma
palavra daqui, “uma reminiscência clássica” dali, e coloca-se de
pé uma obra delicada de observação absolutamente pessoal. O
borogodó está no que o cronista escolhe como tema. Nada de
engomar o verbo. É um rabo de arraia na pompa literária. Um
“falar à fresca”, como o bruxo do Cosme Velho pedia.
Passível de ser lida e verbalizada em saraus, servida com canapés
e ponches – à moda de parte dos romances da segunda metade do
século XIX – o gênero encontrou aqui terreno fértil para se tornar
uma espécie de preferência nacional, ao lado do carnaval, do samba
e do futebol. A percepção de que a crônica ocupava um pódio foi
registrada por José Marques de Melo no estudo, por muito tempo
insuperável, A opinião no jornalismo brasileiro (1985). Mas se é Melo
que dá solidez à crônica, transferindo-o de gênero menor a gênero
jornalístico, é Candido quem traduz a alma dessa forma de escrita,
como que consolidando, em “A vida ao rés-do-chão”, muito do que se
dizia e se diz sobre o tema.
Nada lhe escapa. A sensibilidade da crônica lhe parece, metafo-
ricamente, desenhada. Destaca-lhe a destreza em captar o cotidia-
no e a “despretensão humanizadora”. Afirma que ao se apropriar das
miudezas, distancia-se das ambições literárias, aproxima-se da fala,
quebra a empáfia das monumentalidades, devolvendo aos leitores a
noção da escala – medida sem a qual estaríamos mergulhados em
neuroses. Com laço de fita, Candido afirma que esse “gênero desim-
portante” – ainda que não com essas palavras – está, em algumas
penas, perto da perfeição. Depois segue o baile, descrevendo os per-
cursos históricos que levaram a crônica a ser o que é, dos folhetins a
Machado de Assis e a Olavo Bilac, chegando aos Sabinos e demais.
Raro grande autor que não a tenha praticado: Ponha-se na lista Ce-
cília Meirelles, Mário de Andrade ou o contemporâneo Bernardo de
Carvalho. A força desse formato é tamanha que consegue até romper
com categorizações esquemáticas, como nos fala o jornalista e escri-
tor José Castello (2007a, p. 98): “A crônica se tornou o lugar da expe-

154
riência, um laboratório; o espaço sem forma, para o qual os velhos
gêneros confluem, já sôfregos, já deformados por um século inteiro
de agonia e suspeitas”.
Outros autores – muitos deles cronistas – se ocuparam de defi-
nições não menos ilustrativas, ainda que não acadêmicas. São exem-
plos Lourenço Diaféria e Ruy Castro, este criador de uma metáfora
sob medida para o gênero. A crônica seria o equivalente à “hora do
recreio, à produção de biscoitos” (Castro, 2016, p. 2). A crônica é
para alimentar a fome imediata. No meio da guerra de nervos do
noticiário – o equivalente a uma prova de Matemática ou de análise
sintática – desponta como um refresco, tomado com os amigos, sen-
tado na mureta da quadra de basquete. Naqueles poucos minutos,
cabe o melhor da vida, as possibilidades criativas da preguiça, como
tão bem definiu Roland Barthes (2012).
Como a crônica narra o cotidiano, em geral, sua linguagem é
simples; “texto rápido, mas não apressado”, adverte Diaféria (1986,
p. 19). O conteúdo, bem autoral e livre, pode ser composto por me-
mórias, histórias corriqueiras, desabafos, reclamações, indignações,
e até com aquilo que parece ser o nada, como um dia chuvoso. Aliás,
são muitas as crônicas que falam sobre a falta de assunto que acome-
te o cronista, mas aí basta dar uma rápida saída na rua para encon-
trar, como já nos contou Cristiane Segatto (2013), um abraço de um
grupo de enfermeiras que estavam fazendo um exercício proposto
pela professora e, pronto, o texto emerge.
Podemos dizer que a crônica não tem fronteiras, está entre o
jornalismo e a literatura, mas está entre a antropologia e a história,
entre muitas outras áreas do conhecimento; um formato intercam-
biante. Como argumenta José Castello (2007b, p. 2), a crônica “não
tem compromisso com a verdade dos fatos, que baliza o jornalis-
mo, nem com império da imaginação, que define a literatura”. Afinal,
“tudo só vivido seria monótono; tudo só imaginado seria cansativo”
(Santiago, 2016, p. 51). Ela se encontra nos jornais e revistas, mas
também acha seu espaço nas inúmeras coletâneas publicadas, que
vão desde autores como Machado de Assis, Lima Barreto, José de

155
Alencar, João do Rio, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, Carlos
Heitor Cony, Otto Lara Resende, entre tantos outros.
Ainda que o Brasil não tenha deixado de ser uma usina de cro-
nistas, a exemplo de Antônio Prata e de Tati Bernardi, para citar ape-
nas dois expoentes do século XXI, dos anos 1990 em diante o gêne-
ro passa por uma mutação, ou hibridização, termo epifânico usado
para explicar fenômenos em trânsito. Numa negação da tradição dos
cronistas maiores do gênero menor – justo os de quem Candido se
ocupa –, os novos cronistas tenderiam a rejeitar a efemeridade, con-
fundindo-se aos articulistas.
A condição de “lanche”, de “riso fácil”, de olhar poético e risível
para as pessoas e as coisas, passou a contar com um concorrente: a
opinião com ganas de acertar e enquadrar. Nesse cenário, uma pe-
quena flor que nasce na calçada, presa fácil para o cronista, se torna
um argumento ingênuo, quando não imoral, sendo substituído por
ingredientes mais apimentados, oriundos do artigo, do comentário
ou mesmo do ensaio. Entre outros, o alerta vem do jornalista Marce-
lo Coelho (2015) – expert em jornalismo cultural – ao questionar os
perigos de a crônica levar-se a sério demais.
É certo que o hibridismo garante a convivência de elementos
típicos da fala – próprios da crônica – com os truques dos demais
gêneros de opinião. A questão é saber a que preço. À medida em
que as crises políticas, econômicas e sociais do Brasil se acirraram,
mais a crônica parece a perigo; a ponto de, no calor da hora, a partir
de 2018, boa parte dos cronistas brasileiros a terem declarado um
“gênero sequestrado”. Teria a crônica sido calada pela gravidade dos
fatos? Ou encontrado um novo “híbrido” – o comentário político de
caráter humorístico? Nesse cenário, autores como Gregorio Duvivier
e Flávia Boggio emergem como sátiros, cuja prosa bebe nas fontes
dos melhores cronistas.
Desses impasses, pode-se deduzir ou que a crônica só pode ser
pura em tempos de relativa estabilidade. Ou que o tempo se encarre-
gou de modificá-la para sempre. Assim como teorias e costumes do
século XIX e XX que só existem se acompanhados de outras narra-

156
tivas – a psicanálise e o marxismo, por exemplo – a crônica só pode
existir amparada pelo noticiário e pela sociologia. Essa última opção
não seria uma boa notícia. Mesmo neste cenário de crise, o certo é
que não conseguimos ficar distante dessa nossa vida comezinha; e a
crônica, essa velha e boa companheira, insiste em nos manter vivos,
aproveitando cada momento em particular. Bons e ruins. Tanto é que
durante o período de pandemia da Covid-19, inúmeros livros foram
lançados com toda dor e alegria que o cotidiano suporta.
Podemos então, como sinal de desencargo, recorrer a um dos
maiores cronistas que, inclusive, perdeu um prestigiado emprego por
causa de uma crônica.2 Diaféria (1986), contrariando a própria reali-
dade (atitude típica de um bom cronista), sempre insistiu na longevi-
dade do formato: “Vão acabar os engraxates, os homens-do-realejo e
o amolador-de-faca”, mas não a crônica. Ele ainda diz que “o cronista
(e a cronista) também tem todo o direito de alimentar a ilusão huma-
na”. Alimento para qualquer horário, podemos complementar.
Assim como a crônica assume essa dinâmica de composição hí-
brida, não há como apontar caminhos definidos para a sua escrita.
Como cada história pede um tipo de texto, sugerimos, sobretudo,
uma abordagem ética, narrada com linguagem viva, arejada, fluente,
transgressora e adversa aos clichês. Alertamos que o uso desse últi-
mo item pode impedir sua comunicação, dado que o aprisionamento
da linguagem em chavões e frases feitas comprometem a livre recep-
ção e interpretação por parte do leitor.
Precisamos acrescentar, ainda sobre o encontro entre texto e re-
ceptor, que a crônica, uma narrativa de caráter humano, só se com-
pleta, de fato, quando chega ao leitor (Diaféria, 1986). É ele quem

2 O jornalista acabou sendo preso, por cinco dias, por causa da crônica “Herói. Morto.
Nós.”, publicada na Folha da Manhã, em 1977, que narrava o gesto heroico de um sargen-
to do Exército que pulou em poço de ariranhas (no zoológico de Brasília) para salvar um
garoto de 14 anos. O garoto sobreviveu, mas o sargento não. Entre outros trechos bem
fortes, Diaféria escreveu: “Prefiro esse sargento herói ao Duque de Caxias”. O jornalista
sofreu um processo que gerou muitas controvérsias, afinal ele foi julgado pela Justiça
Militar e acabou sendo condenado por oito meses de detenção. O advogado recorreu ao
STF, que reformou a sentença do Superior Tribunal Militar e, em 12 de fev. de 1980, o
escritor foi absolvido.

157
garante a existência e a sobrevivência dos textos publicados e cons-
trói sentidos, contribuindo assim para a configuração de um mun-
do compartilhado, no qual o coloquial aproxima escritor e leitor de
maneira produtiva e perene. Por esse viés, é lícito dizer que enquanto
houver humanidade haverá crônica.

Indicações de leitura

BARBARA, Vanessa. O louco de palestra. São Paulo: Companhia das Letras,


2014.
BERNARDI, Tati. Depois a louca sou eu. São Paulo: Companhia das Letras,
2016.
BRAGA, Rubem. A traição das elegantes. São Paulo: Global, 2019.
CONY, Carlos Heitor. Quase antologia. São Paulo: Três Estrelas, 2018.
DUVIVIER, Gregorio; RIBEIRO, Maria; SÁ, Xico. Crônicas para ler em
qualquer lugar. São Paulo: Todavia, 2019.
PRATA, Antônio. Nu, de botas. São Paulo: Companhia das Letras,
2013.
SÁ, Jorge de. A crônica. 6. ed. São Paulo: Ática, 1999.
SABINO, Fernando. O homem nu. São Paulo: Record, 1984.
TEZZA, Cristovão. A máquina de caminhar. São Paulo: Record, 2016.
VERISSIMO, Luis Fernando. O melhor das comédias da vida privada.
São Paulo: Objetiva, 2004.

Referências

BARTHES, Roland. O grão da noz. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1975. (v. 1 e 2).
CANDIDO, Antonio. Crônica, um gênero brasileiro. Suplemento Literário
Rascunho, Curitiba, set. 2007,
CANDIDO, Antonio. A vida ao rés-do-chão. In: ANDRADE, Carlos Drum-
mond et al. Para gostar de ler: crônicas. Ática: São Paulo: 1979.
CASTELLO, José. A literatura na poltrona. Rio de Janeiro: Record, 2007a.
CASTELLO, José. Crônica, um gênero brasileiro. Suplemento Literário Ras-
cunho, Curitiba, set. 2007, p. 2, 2007b.

158
CASTRO, Ruy. Impossível comer pirâmides. Folha de S. Paulo. São Paulo, 2
mar. 2016. p. 2.
COELHO, Marcelo. Notícias sobre a crônica. In: CASTRO, Gustavo de. GA-
LENO, Alex. Jornalismo e literatura: a sedução da palavra. 2. ed. São Paulo:
Escrituras, 2015.
DIAFÉRIA, Lourenço. A crônica: algumas considerações em cima do coti-
diano. In: PROENÇA FILHO, Domício (org.). Literatura brasileira: crônica,
teatro, crítica. São Paulo: Norte, 1986.
MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1985.
SANTIAGO, Silviano. Machado: romance. São Paulo: Companhia das Letras,
2016.
SANTOS. Joaquim Ferreira dos (org. e intr.). As cem melhores crônicas bra-
sileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
SEGATTO, Cristiane. A campanha das enfermeiras e a necessidade diária de
surpresa. Época, set. 2013, documento eletrônico.

159
Release

Mirian Redin de Quadros

O termo release – frequentemente também grafado como reli-


se – é uma abreviação da expressão em língua inglesa press release,
que em uma tradução simplificada pode ser compreendido como um
“lançamento para a imprensa”. Elisa Ferraretto e Luiz Artur Ferraret-
to (2009, p.70) nos oferecem uma definição mais abrangente, apre-
sentando o release como:
Material de divulgação produzido pela assessoria de imprensa
e destinado aos veículos de comunicação. Deve ser escrito em
linguagem jornalística e segundo critérios essencialmente da
área, embora não tenha a pretensão de ser aproveitado na ínte-
gra como texto final. De modo geral, a função básica do relise é
levar às redações notícias que possam servir como material de
apoio ou sugestão de pauta, propiciando solicitações de entre-
vistas ou de informações complementares.
O release, portanto, é um conteúdo jornalístico, elaborado por
profissional da comunicação, preferencialmente jornalista ou rela-
ções-públicas, atuante em assessoria de imprensa ou de comunica-
ção, direcionado para outros jornalistas. O objetivo deste gênero
textual é chamar a atenção da mídia para a organização, instituição
ou personalidade, visando a conquista de um espaço de divulgação
gratuita do assessorado ou de acontecimento a ele relacionado, no
formato de notícia.
Apesar de sua definição original – press release – contemplar
conteúdos de diferentes linguagens – áudio, vídeo ou fotografia, por
exemplo – convencionou-se, conforme observa Jorge Duarte (2009),
que o release se refere ao texto elaborado em formato de matéria jor-
nalística. Redigido em acordo com as técnicas jornalísticas tradicio-

161
nais, contudo, o release é mais específico do que uma notícia institu-
cional – ambos produtos de assessorias de imprensa. Enquanto esta
pode voltar-se tanto ao público interno de uma organização, como a
parceiros externos (entre eles a própria mídia), o release é produzido
de forma a despertar, prioritariamente, a atenção de jornalistas que
atuam nos veículos de imprensa. Compreender essa diferenciação de
foco e objetivo do texto é crucial para a redação de um bom release
– aquele capaz de gerar mídia espontânea e, preferencialmente, posi-
tiva para o assessorado.
Mas, como deve ser redigido um bom release? Antes de anali-
sarmos as características textuais do release, é pertinente refletirmos
brevemente sobre sua origem e de que forma este gênero textual se
insere na rotina produtiva do jornalismo praticado na imprensa.
Foi o ex-jornalista norte-americano Ivy Lee, conhecido como
o “pai das Relações Públicas”, que em 1906 redigiu um documento
que apontava princípios para a atuação das ainda então incipientes
assessorias de imprensa na produção e divulgação de notícias sobre
instituições e organizações com vistas a alcançar a opinião pública,
por meio da imprensa. Por mais que essas notícias pudessem ser mo-
tivadas por interesses políticos ou mercadológicos, Lee defendia que
elas fossem produzidas seguindo valores essenciais ao jornalismo,
tais como a objetividade, a veracidade, a exatidão, a transparência e o
interesse público (Duarte, 2009).
Lee já compreendia, naquele princípio de século XX, a relevân-
cia do jornalismo para a construção da imagem de uma organiza-
ção. Para Basílio Sartor (2008), diferente da visibilidade gerada por
uma peça publicitária, a notícia que dá destaque a determinada or-
ganização transfere-lhe a confiabilidade do próprio veículo de co-
municação. “Por meio de uma matéria jornalística conquistada pela
assessoria, quem está dizendo algo sobre a organização é o veículo,
identificado pelo senso comum como ‘espelho da realidade’” (Sartor,
2008, p. 135).
Em pouco tempo as assessorias de imprensa e a prática de pro-
dução de releases se espalhou pelo mundo e foi sendo adotada, no

162
Brasil, especialmente por governantes interessados em dar visibilida-
de às suas ações. Durante os anos da Ditadura Militar (1964-1985), a
prática se acentuou e, somando-se à censura aos órgãos de imprensa
e ao jornalismo “chapa-branca”, acabou mal vista pelos profissionais
da imprensa. A reabertura democrática, a liberdade de imprensa e
o novo cenário econômico dos anos 1980 só contribuíram para au-
mentar a cisma em relação aos conteúdos produzidos e dissemina-
dos pelas assessorias de imprensa, cada vez mais presentes também
no setor privado. O volume de releases que passaram a ser recebidos
nas redações jornalísticas cresceu a ponto de ganhar alcunha pró-
pria: releasemania (Lima, 1985).
É da desconfiança nascida nesse período que vem a recomenda-
ção explícita no Manual da Redação da Folha de S. Paulo (2011, p. 25,
grifo nosso): “Para evitar a difusão inconsequente de ganchos cons-
truídos ou notícias ‘plantadas’, o jornalista deve ser crítico em relação
a assessorias de imprensa, press releases, boatos, pronunciamentos
oficiais, declarações descontextualizadas [...]”. Nas redações de veí-
culos de imprensa, onde a priori o trabalho do jornalista é movido
pelo interesse público, o release é interpretado como uma sugestão de
pauta, de onde deve ser extraída sua essência e separados os “interes-
ses estreitos” de quem o emite (Lima, 1985). O release, desta forma,
dificilmente é publicado em seu formato original, especialmente em
meios de comunicação de maior porte, servindo como subsídio para
a produção de uma notícia ou a realização de uma entrevista. Com
o enxugamento das redações ou em veículos menores, entretanto, a
publicação do texto na íntegra não é incomum.
Sabendo, então, que o release é o conteúdo produzido por asses-
sorias de imprensa, distribuído gratuitamente visando a geração de
mídia espontânea em veículos jornalísticos, e que se trata de um pro-
duto que não goza da melhor reputação junto às redações, seja pelos
interesses dissimulados ou pelo excesso, voltemos a nossa pergunta
inicial: como escrever um bom release?
Para Duarte (2009, p. 290), “o bom assessor de imprensa apre-
senta a informação de maneira embalada, prêt-a-porter, pronta para

163
uso ou, pelo menos, para facilitar o trabalho da redação”. Isso porque
o bom assessor conhece a rotina de produção dos veículos jornalís-
ticos, os prazos, as pressões e constrangimentos que conformam a
atuação dos jornalistas. Um bom release, assim, é aquele que facilita
a vida do repórter, que lhe desperta a atenção para uma boa pauta
e oferece subsídios suficientes e confiáveis para a produção de uma
notícia.
A redação do release, dessa forma, deve ser precedida pela iden-
tificação da pauta. Nem sempre um fato que o assessorado deseja
divulgar é de interesse da imprensa. Duarte (2009) aponta como
principais critérios para o aproveitamento dos releases o interesse
público, seu caráter de novidade, a disponibilidade de dados e fontes,
a exclusividade e a adequação ao veículo ou editoria.
Definida a pauta, a redação do release deve primar pela clareza
e objetividade. O título precisa ser chamativo e direto, preferencial-
mente contendo um verbo de ação. O lead deve ser conciso, baseado
em pelo menos quatro das questões básicas – o quê? quem? quando?
e onde?. É esse fragmento de texto que irá determinar se o release
poderá vir a ser aproveitado. Pressionado pelo deadline, hoje prati-
camente contínuo, o jornalista na redação dificilmente vai dar con-
tinuidade à leitura de um release que começa mal: “São as principais
informações do texto colocadas juntas que estimulam a leitura do
material até o fim”, ensinam Cláudia Carvalho e Léa Reis (2009, p. 4).
A sequência do texto, estruturado de acordo com o modelo da
pirâmide invertida, deve explorar bem os ganchos entre os parágra-
fos que sucedem o lead, desenvolvendo o como? e o por quê? por
meio de dados, estatísticas, contextualizações e argumentos con-
sistentes, inclusive por meio de declarações de fontes, devidamente
identificadas entre aspas. É preciso resistir à tentação e à pressão pelo
uso de adjetivos desnecessários, evitando, também, jargões, pontos
de exclamação, voz passiva, ordem indireta e orações intercaladas
(Duarte, 2009).
A clareza e a exatidão das informações é outro aspecto impor-
tante. Datas, horários, endereços e outras informações relevantes

164
precisam ser checadas exaustivamente e apresentadas de forma que
não gerem dúvidas. Da mesma forma, fontes mencionadas no texto
do release precisam ser identificadas por nome e sobrenome, além da
função ou cargo que ocupam na organização. Erros ou informações
equivocadas podem prejudicar a credibilidade da assessoria e do as-
sessorado.
A maior parte dos manuais de assessoria de imprensa reco-
menda que o release não seja extenso, não ultrapassando uma lau-
da.1 Deve ser identificado adequadamente, com informações sobre
a organização ou instituição que o emite, bem como a assinatura do
profissional responsável por sua redação com dados para contato.
Em caso de envio de conteúdos complementares como fotografias
ou outros recursos multimídia, é importante que os mesmos sejam
acompanhados de sugestões de legenda, identificação de autoria e
data.
Redigir um bom release, portanto, demanda do profissional de
assessoria de imprensa o domínio das técnicas de redação jornalís-
tica. Mas não somente isso. Conhecer as rotinas de produção e com-
partilhar valores caros à profissão, como a ética, a verdade e o inte-
resse público, são também essenciais para que o bom release alcance
seus objetivos.

Indicações de leitura

COLPO, Caroline Delevati. Release/Relise. In: SCHEID, Daiane; MACHADO,


Jones; PÉRSIGO, Patrícia Milano (orgs.). Estrato de Verbetes: dicionário de
comunicação organizacional. Santa Maria: Facos-UFSM, 2018, p. 119.

Referências

CARVALHO, Cláudia; REIS, Léa Maria Aarão. Manual prático de assessoria


de imprensa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

1 [Nota dos organizadores] No jornalismo, lauda se refere a uma página padronizada


(formato do papel, margens, fonte, corpo, espaçamento das linhas), com determinada
quantidade de texto. Embora existam diferentes medidas de lauda, todas estabelecem a
contagem de linhas e de toques, ou seja, de caracteres de produção textual.

165
DUARTE, Jorge. Release: história, técnica, usos e abusos. In: DUARTE, Jorge
(org.). Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia: teoria e práti-
ca. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 286-305.
FERRARETTO, Elisa Kopplin; FERRARETTO, Luiz Artur. Assessoria de
imprensa: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Summus, 2009.
FOLHA DE S. PAULO. Manual de Redação. 17. ed. São Paulo: Publifolha,
2011.
LIMA, Gerson Moreira. Releasemania: uma contribuição para o estudo do
press-release no Brasil. São Paulo: Summus, 1985.
SARTOR, Basílio Alberto. Assessoria de imprensa e visibilidade: a imagem-
-conceito das organizações no incontrolável domínio da notícia. Conexão –
Comunicação e Cultura, Caxias do Sul, v. 7, n. 14, p.127-139, jul./dez. 2008.

166
Jornal | Revista
Jornal

Hila Rodrigues

Jornal é um produto noticioso elaborado por profissionais de mí-


dias impressa, eletrônica e on-line, organizado a partir da divisão de
conteúdos temáticos que afetam, de múltiplas e distintas maneiras,
as experiências de vida das pessoas. Durante séculos, o jornal foi um
meio de comunicação absolutamente dependente da impressão em
papel, possibilitada pelo gravador alemão Johanes Gutenberg, inven-
tor da tipografia móvel que permitiu a revolução da imprensa – con-
siderada um dos mais importantes eventos do segundo milênio. Na
atualidade, jornais podem ser acessados também pela internet, pela
televisão e pelo rádio. Edições impressas ainda são disponibilizadas
por assinatura, ou em bancas de revistas, livrarias, estabelecimentos
comerciais e mesmo em meio ao trânsito, onde alguns exemplares
costumam ser oferecidos.
A palavra jornal, originária do latim diurnalis, relaciona-se, no
âmbito da atividade jornalística, àquilo que se diz respeito ao dia a
dia das populações, às coisas e acontecimentos do mundo. Na con-
dição de produto cultural que nasce das necessidades sociais, como
já observava Otto Groth em seu Die unerkannte Kulturmacht (1966
[O poder cultural desconhecido, 2011]), possui, entre suas principais
singularidades, a periodicidade – que pode ser diária, semanal, men-
sal, bismestral etc., a depender dos objetivos e particulares de cada
meio impresso destinado ao compartilhamento de informações, opi-
niões e conhecimento (Groth, 2011; Marhenke, 2006). Durante mui-
to tempo, os sinônimos mais conhecidos para jornal foram tablóide,
informativo e gazeta. Seja referindo-se a um formato, caso do tablói-
de, ou à função, caso de informativo e gazeta, o significado era um
apenas: jornal é um meio de comunicação que informa e entretém
as pessoas.
169
Da gênese do jornal, para recorrer ao termo utilizado por Jor-
ge Pedro Sousa (2008) em seus estudos sobre a história do jorna-
lismo no ocidente, fazem parte não apenas o fenômeno da litera-
tura – e suas contribuições no percurso formativo dos indivíduos
–, mas também produções históricas como as actas romanas (folha
noticiosa exposta nas colunas do Fórum de Roma diariamente, com
informações de cunho político, comunicados oficiais e notícias acer-
ca de festejos, nascimentos e mortes) e as crônicas da Idade Média,
berços da reportagem. A história registra, ainda, as cartas e relatos
de viagens que já circulavam nas cidades medievais, além das folhas
volantes e avulsas do período do Renascimento.
Compreender a função de um jornal, portanto, demanda a com-
preensão dos usos da leitura pelas sociedades. Asa Briggs e Peter Burke
(2004) assinalam, por exemplo, que as publicações do início da era
moderna europeia já obedeciam a duas categorias básicas: informa-
ção e instrução moral. À medida que as sociedades se desenvolviam
– tanto sob o aspecto socioeconômico, quanto político e cultural –, as
populações percebiam a importância de obter mais conhecimentos so-
bre episódios relacionados à cidade, ao país e às regiões para além das
fronteiras. Havia ali uma noção, e uma aspiração latente, relacionada à
sobrevivência por meio do aprendizado proporcionado pela informa-
ção. Forte indício desse aspecto estava na grande produção e crescente
consumo dos chamados livros de referência, como “dicionários, enci-
clopédias, tabelas cronológicas, gazetas e uma série de volumes sobre
‘como fazer’, a respeito de assuntos tão variados como agricultura, boas
maneiras, culinária e caligrafia” (Briggs; Burke, 2004, p. 74). Havia ain-
da uma imensa quantidade de sermões impressos, assim como nume-
rosos ensaios a respeito de virtudes então consideradas indispensáveis
às esposas, ao comerciante, ao trabalhador etc.
Mas a maneira como o jornal influenciou e influencia o percur-
so dos sujeitos e da coletividade está ligada também – e sobretudo
– aos desafios sociais impostos pelas transformações do mundo. O
século do advento da tipografia é o século de uma intensificação im-
pressionante das atividades comerciais, que passam a se estender por

170
lugares antes não imaginados, ganhando em alcance e sofisticação.
Paralelamente há um aumento da alfabetização, que passava a ser
condição para o ingresso do cidadão em alguns dos segmentos do
mundo dos ofícios. Todo indivíduo, toda família, classes trabalha-
doras, políticos, donos de estabelecimentos comerciais, profissionais
liberais estavam sujeitos a mudanças de toda ordem, o que implica
instabilidade. A informação já revelava, ali, seu caráter vital, impres-
cindível. Nesse cenário, como observa Sousa (2008, p. 75), havia não
só uma disposição para o acolhimento das notícias, mas “matéria-
-prima informativa suficiente para sustentar o aparecimento dos pri-
meiros jornais ‘eminentemente jornalísticos’”.
São aspectos que, ainda hoje, demarcam a concepção do jornal
como ferramenta para obtenção de informação, mas também como
dispositivo construtor de sentidos que acionam debates essenciais à
formação educacional e cultural dos indivíduos (Mouillaud, 2012).
Desde o século XVII o termo informação aparece ligado à ideia de
inteligência, como Briggs e Burke (2004) sublinham em Uma história
social da mídia. Outra palavra – educação – era assimilada como ins-
trução, ao passo que o vocábulo entretenimento era descrito como
passatempo, recreação ou diversão. Há uma explicação para isso.
Desde o mundo antigo, educação e entretenimento relacionam-se às
academias e às bibliotecas – e também às atividades teatrais e aos
jogos. O verbo informar (do latim informare) significa originalmen-
te (tanto em inglês, to inform, quanto em francês, informare) não
apenas o ato de relatar acontecimentos, mas também o de “formar
a mente” (2004, p. 193). Na língua portuguesa ocorre algo similar:
informar também significa transmitir ensinamentos e instruir. Por
isso a literatura registra, já a partir do século XVIII, um movimento
crescente de valorização e apreciação da informação pelas socieda-
des, especialmente nos círculos políticos e científicos. Eram comuns,
por exemplo, as leituras em voz alta feitas durante o café da manhã
ou entre os colegas de trabalho – imagem recorrente acionada pelos
pesquisadores que se debruçaram sobre a história do jornal. Era o
começo de uma comunidade de leitores fiéis.

171
Contudo, é fato que o jornal, como meio de comunicação prio-
ritariamente informativo, emerge efetivamente no século XIX. Essa
imprensa, com suas folhas, permitiu que as pessoas se conectassem
ao compartilharem as angústias da guerra, os avanços científicos e
tecnológicos, as conquistas da humanidade, as novidades culturais,
os movimentos literários. Estava tudo ali. Palavras e fotografias.
Quando trata do que nomeou como “jornalismo na maioridade”, re-
ferindo-se a esse século, Jorge Pedro Sousa (2008) delimita esse tem-
po histórico do jornal e da imprensa a partir de alguns eventos deter-
minantes: a emergência e o fortalecimento do capitalismo a partir da
revolução industrial (quando a sociedade passa a apreciar e a recor-
rer à ciência, e também às tecnologias em desenvolvimento); a me-
lhoria do nível educacional e ascensão social da população (incenti-
vadas por um mercado de trabalho em busca de pessoas com maior
grau de instrução, o que estimulou a expansão do ensino básico) e a
ampliação da participação política a partir de ações democratizantes
(que contribuíram não apenas para a incorporação dos cidadãos nos
processos decisórios que dizem respeito à gestão pública – principal-
mente a partir do sufrágio universal para homens maiores de idade
–, mas também para a emergência de movimentos reivindicatórios
de rua por direitos e liberdades).
As descobertas geográficas, antropológicas e biológicas na Áfri-
ca e na Ásia também inspiravam as pessoas, bem como a ascensão
econômica do Japão e a expansão territorial dos EUA (processos que
estimulavam a circulação contínua de textos e imagens). Além disso,
havia o engendramento das ideologias responsáveis pelas batalhas
travadas do século XX – que resultam do fomento do nacionalismo a
partir da consolidação dos estados, contribuindo, por exemplo, para
a geração dos atos de racismo e antissemitismo, notícias que marcam
esse período. Os jornais impressos – mas, posteriormente, também
o rádio e a TV – é que disseminaram todos os acontecimentos rela-
cionados à emergência do conservadorismo liberal nas classes mé-
dias urbanas e, ao mesmo tempo, o agravamento das desigualdades
sociais e as precárias condições de vida da classe operária (elemen-

172
tos propulsores de reivindicações enraizadas ora em perspectivas
socialistas, ora na social democracia, mas também no anarquismo).
Por meio dos repórteres, as populações se tornaram cientes dos con-
flitos armados decorrentes da sofisticação das tecnologias militares
(capazes de destruir a vida de milhares de pessoas em questão de
minutos), além das guerras civis e outros conflitos envolvendo dis-
putas territoriais e postos de poder (Lage, 2011; Sousa, 2008). Outro
marco importante, aqui, é o estabelecimento de relações de interesse
de cunho financeiro e ideológico entre as empresas de jornalismo
e os detentores de poder político e econômico (o que descortina a
perspectiva do jornalismo como um negócio pautado no lucro e que,
desta forma, desafia os compromissos sociais assumidos pela im-
prensa dentro dos preceitos éticos e morais presentes no ideário do
jornalismo em sua origem).
Os elementos constituintes de um jornal agrupam-se em três
universos básicos que o caracterizam: o da escrita, o da imagem/vi-
sualidade, e o da distribuição e ordenação de elementos gráficos. No
clássico Técnicas de codificação em jornalismo (1978 [2001]), o pro-
fessor da PUC-Campinas e redator de O Estado de S. Paulo, Mário
Erbolato, (1919-1990), já situava, no universo da escrita, as enuncia-
ções formuladas a partir de relatos informativos, mas sempre atra-
vessados por exercícios descritivos e interpretativos. Esse lugar – o
da escrita – é o revelador dos gêneros variados que constituem um
jornal: a notícia, a entrevista, a reportagem, o editorial, a crônica
e os artigos, entre outras possibilidades. Mas não apenas. Os escritos
próprios do jornalismo são também lugares originários de um dizer
peculiar – um dizer que, inspirado nas mensagens dos antigos telé-
grafos, pretende-se objetivo em sua forma de estruturar o relato (fun-
dado no conceito da pirâmide invertida, que organiza os fatos pela
ordem decrescente de importância) e capaz de revelar, já na abertura
do texto (chamada de lead ou lide), o que aconteceu, como aconteceu,
com quem, onde, quando e por quê (Lage, 2011), O segundo univer-
so, o da imagem/visualidade, costuma revelar – seja nas fotografias,
ilustrações ou figuras outras – expressões, sentimentos, ambientes e

173
contornos que envolvem personagens, lugares, situações e cenários,
o que enriquece a narrativa. O terceiro universo, assim, é aquele que
organiza a distribuição desses componentes, e constitui-se do dese-
nho da informação nos espaços disponíveis (muitas vezes articulado
a outros itens, tais como histórias em quadrinhos, tirinhas, cartoons
e charges, além de infografias). No caso da mídia eletrônica (rádio e
TV) e da internet, são organizados os textos, as cenas e áudios gra-
vados – conforme hierarquização previamente estabelecida, também
orientada pelos valores-notícia, ou seja, pelos critérios que norteiam
não apenas o processo de seleção de um acontecimento como produ-
to noticioso, mas também o seu grau de importância.
Todos esses elementos se distribuem em seções – chamadas de
editorias – onde as notícias são dispostas de acordo com o conteú-
do abordado: política, economia, local/cidade, cultura e entrete-
nimento, esporte, internacional e opinião. O Correio Braziliense
ou Armazém Literário – primeiro jornal brasileiro, ainda que im-
presso em Londres, no formato de um grande livro – já guardava
uma divisão dos relatos noticiosos por assunto. A ideia era facilitar
a localização de certos temas. O acesso às histórias de cada editoria
proporciona ao público aquilo que Luiz Costa Pereira Júnior (2010,
p. 125) chamou de “aventura do conhecimento percorrido”. Narrar,
nessa perspectiva, equivale a conhecer o universo de cada editoria
(pois “narrar” e “conhecer”, como ele assinala, são verbos originários
da mesma matriz: gnâ, que é “saber” no sânscrito hinduísta, deu ori-
gem a duas formas no latim: gnarus, aquele que conhece, e “narrãre”,
aquele que torna conhecido. Assim, as notícias narradas em cada se-
ção do jornal não se limitam a informar, mas a nortear o indivíduo,
apontando escolhas e caminhos quando contam o que está acon-
tecendo. Era essa, a propósito, a perspectiva de Robert Park (1940
[2008]) ainda na primeira metade do século XX, quando vislumbrou
a notícia como conhecimento.
A produção de um jornal, por sua vez, se dá a partir de três mo-
vimentos centrais: a captação e checagem de dados e informações
(apuração), a escrita desses material captado (redação) e a compo-

174
sição e organização desses elementos no espaço disponível1 (edição).
Orientado pela pauta, o primeiro movimento, o da apuração, en-
volve a investigação do fato a partir do acionamento das fontes e
da realização de entrevistas, seguida da checagem das informações
obtidas. O segundo movimento, o da redação, compreende a elabo-
ração da notícia escrita e exige o domínio da linguagem jornalística,
com seus preceitos e particularidades. O terceiro, a edição, abrange o
planejamento da publicação – processo que demanda a reprodução
e organização das notícias, compondo o formato final do material
a ser veiculado. O desafio da produção jornalística, nesse percurso,
é assegurar relatos interessantes e atrativos a despeito dos desafios
impostos pelas rotinas de trabalho nas redações, que nem sempre
garantem ao repórter tempo suficiente para a apuração de uma boa
matéria nem espaço satisfatório para explorar todas as possibilidades
da narrativa proposta.
Seja como for, é importante observar que, na condição de pro-
duto noticioso que oferece relatos de acontecimentos cotidianos
capazes de gerar outros acontecimentos – e de construir novas rea-
lidades –, todo jornal precisa ser guiado por rigorosos princípios éti-
cos. Tanto o ideário desse produto, quanto seu processo de feitura,
encontram-se ancorados a códigos de ética destinados a assegurar a
divulgação de informação correta baseada no interesse público, no
direito à liberdade de imprensa e na responsabilidade social. Nesse
contexto, os principais desafios estão na esfera dos esforços para que
nem fontes nem relatos sejam corrompidos, e para que a sensibili-
dade e capacidade de escuta dos profissionais de imprensa possam
contribuir para a humanização das histórias contadas.

Indicações de leitura

BALZAC, Honoré. Ilusões perdidas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

1 Importante sublinhar que o espaço disponível nos jornais se define não só pela possibi-
lidade de inserção da notícia naquela edição, mas também pela compatibilidade dessa
notícia com a estrutura editorial, ou seja, com a ideologia do jornal (Berger, 2002).

175
CITELLI, Adilson et.al. Dicionário de comunicação: escolas, teorias e auto-
res. São Paulo: Contexto, 2014.
SCHERER, Marta E.G. Imprensa e Belle Époque – Olavo Bilac, o jornalismo
e suas histórias. Palhoça: Unisul, 2002.
WAINER, Samuel. Minha razão de viver: memórias de um repórter. São
Paulo: Planeta, 2005.
WHITE, Ted. Jornalismo eletrônico: redação, reportagem e produção. São
Paulo: Roca, 2008.

Referências

BERGER, Christa. Toda a notícia que couber, o leitor apreciar e o anunciante


aprovar, a gente publica. In: MOUILLAUD, Maurice; PORTO, Sérgio Dayrell
(orgs.). O jornal: da forma ao sentido. 2. ed. Brasília: Editora da Universidade
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176
Jornal-Laboratório

Adriana Bravin

Quando falamos de jornal-laboratório é preciso indagar a qual


experiência com esta prática laboratorial nos referimos. Isto porque,
assim como o próprio jornalismo afeta e é afetado pelas transforma-
ções que ocorrem na sociedade, sendo desafiado permanentemente
a repensar-se e a reinventar-se, o jornal-laboratório acompanha tais
mutações, convidando professores e estudantes à atualização cons-
tante dos modos de ensinar e experimentar o fazer jornalístico.
Por isso, já não cabe mais abordar o jornal-laboratório pensando
somente na experiência de produção de um veículo impresso feito
por estudantes de Jornalismo. Como pondera o professor Eduardo
Meditsch (2014, documento eletrônico), no atual momento de trans-
formação “isso significa ter como norte o jornalismo digital, a con-
vergência multimídia e as novas formas de circulação da informação
na sociedade, como as redes sociais, que estão redefinindo o papel
do Jornalismo”.
É no jornal-laboratório que estudantes irão se aproximar das
múltiplas realidades da sua futura profissão, por intermédio dos
exercícios de pauta, apuração, redação, edição, produção audiovi-
sual, sonora, infográfica, fotográfica e outras atividades relacionadas
aos campos do jornalismo impresso e do webjornalismo. Todas as
habilidades e competências desenvolvidas pelos e pelas estudantes
ao longo do curso convergem para esse espaço de aprendizagem que
deve oportunizar rotinas de trabalho e experiências concretas, de
responsabilidade e ética jornalística, semelhantes às que serão en-
frentadas na vida profissional.
A questão dos prazos (deadline), as hierarquias entre as funções
exercidas na redação do jornal-laboratório, o compromisso com a
verdade, com a qualidade da informação e com o público leitor de-
177
vem ser vivenciados nesse espaço de construção coletiva. Por meio
dessa vivência, estudantes submetem aptidões, habilidades e conhe-
cimentos teóricos à prática integrada laboratorial, sendo orientados
ética, conceitual e tecnicamente por docentes.
Ele congrega, portanto: planejamento da prática jornalística;
aproximação às problemáticas que envolvem a profissão, incluindo-
-se discussões sobre a responsabilidade ética do e no fazer jornalísti-
co; visão total sobre as etapas dos processos de produção jornalística;
compreensão global sobre a organização e administração da infor-
mação, incluindo-se promoção, circulação e consumo; aprendizados
sobre crítica e autocrítica no trabalho em equipe; e um caráter ex-
perimental para que possa funcionar como espaço de pesquisa, re-
produção, renovação ou inovação do jornalismo (Anunciação, 2013;
Vieira, 2002; Lopes, 1989; Melo, 1984).
O jornal-laboratório assume variados formatos, estilos e gêneros
textuais em função das políticas editoriais adotadas por seus pro-
dutores (professores, estudantes, direção das escolas de Jornalismo)
que, por sua vez, definem o público (comunidade) a quem se dirige
(interna ou externamente ao ambiente universitário). Na década de
1980, docentes reunidos no VII Encontro de Jornalismo Regional,
ocorrido na Faculdade de Comunicação de Santos (SP), assim o de-
finiram:
O jornal laboratório é um veículo que deve ser feito a partir de
um conjunto de técnicas específicas para um público também
específico, com base em pesquisas sistemáticas em todos os âm-
bitos, o que inclui a experimentação constante de novas formas
de linguagem, conteúdo e apresentação gráfica. Eventualmente,
seu público pode ser interno, desde que não tenha caráter insti-
tucional. (Lopes, 1989, p. 50).
Esse conceito reflete a preocupação não só com a aplicação de
técnicas, mas com a própria criação e (re)invenção do Jornalismo
por meio da experimentação, sem perder de vista a quem se destina
o produto laboratorial – com a ressalva de evitar o caráter institucio-

178
nal para não se converter em “cavalo de troia”.1 Importante reforçar
que o jornal-laboratório não tem caráter mercadológico nem visa
interesse comercial, e muito menos servir “de assessoria ou veículo
de propaganda para o grupo que ocupe em determinado momento a
gestão administrativa da universidade ou outras instâncias acadêmi-
cas (associação docente, colegiado, comunidade estudantil, departa-
mento, etc.) (Anunciação, 2013, p. 39-40).
Foi somente a partir do final da década de 1970 que a prática
do jornal-laboratório passou a ser obrigatória na formação de futuros
jornalistas (Resoluções 3/1978 e 2/1984, do Conselho Federal de Edu-
cação). Hoje, ela integra o sexto eixo – práticas laboratoriais –, das
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de Jorna-
lismo aprovadas em 2013, e objetiva levar estudantes de Jornalismo a
“adquirir conhecimentos e desenvolver habilidades inerentes à profis-
são a partir da aplicação de informações e valores” (Ministério, 2013).
Projetado como atividade culminante da formação em jorna-
lismo, a partir de um conjunto de disciplinas de caráter teórico e
prático que o precedem, o jornal-laboratório funciona como “teoria-
-prática em movimento” (Lopes, 1989, p. 36) e favorece que os e as
estudantes reflitam, sobre meios e métodos de apuração jornalística,
por exemplo, que resultam do dia a dia da produção e que fornecem
a metodologia de ensino de tais práticas, conforme explica, a seguir,
Toni Scharlau, professor orientador do jornal-laboratório Comunica-
ção, da Universidade Federal do Paraná:
[...] qual é o significado de uma entrevista por telefone, por que
a gente faz a entrevista por telefone, por que a gente não faz
ao vivo, o que o e-mail tem como suporte, até que ponto ele
pode ser usado ou deve ser evitado, enfim, todas as questões
que envolvem a ideia de produção jornalística e a forma como
as pessoas refletem sobre a sua própria produção. (Anunciação,
2013, p. 240).

1 Expressão usada pelo professor José Marques de Melo para referir-se a jornais-laborató-
rios que privilegiavam “interesses de comunidade docente, da própria comunidade estu-
dantil e quase sempre da administração universitária” (Lopes, 1989, p. 55).

179
Decisões sobre enquadramentos, posicionamentos críticos e os
dilemas éticos que envolvem o exercício da profissão também são
debatidos nessa que é mais que uma disciplina obrigatória, sendo a
chance para que estudantes tenham muitas vezes a primeira vivência
com as complexas realidades que permeiam a profissão. Um exem-
plo está na reflexão necessária sobre como proceder eticamente em
situações reais, como a ocorrida durante o processo de produção do
Artefato, da Universidade Católica de Brasília:
Um estudante propôs como pauta passar uma noite em um al-
bergue social do Areal, região no entorno da universidade, para
relatar o que ocorre no local. Dois alunos passaram 24 horas
no albergue sem se apresentarem como repórteres, levando o
dilema sobre a adequada identificação do jornalista para a sala
de aula. (Gomes Barbosa; Carvalho, 2014, p. 63-65).
Assim como na vida profissional, desafios apresentam-se o tem-
po todo durante o processo de produção laboratorial e devem ser en-
carados como oportunidades de aprendizado, levando ao debate so-
bre as implicações éticas da profissão, como o uso do off the records,2
conforme relatado por estudantes durante a produção do Lampião,
da Universidade Federal de Ouro Preto.
Um dos maiores desafios dessa edição foi lidar com o Off. Por tra-
tar de assuntos tabus (crimes, vícios, poliamor), os repórteres se
depararam com fontes que ou não queriam falar ou não queriam
se identificar. Procuramos várias alternativas, sabendo da impor-
tância de apresentar a fonte de informação ao leitor. Decidimos
que alguns casos continuariam em Off para preservar a fonte de
constrangimentos. Mas outras precisavam ser identificadas e ne-
cessitavam de um esforço maior do repórter para sair do sigilo.
(Lima et al., 2016, p. 7).
O jornal-laboratório também pode ser o espaço da crítica à pró-
pria prática jornalística, possibilitando que, ao pautar temas que fa-
zem parte de uma agenda pública, estudantes refaçam o percurso do
2 Sobre off the record, ou simplesmente off, ver verbetes “entrevista como método” e “fon-
tes”.

180
trabalho dos veículos de comunicação em coberturas que alcança-
ram maior visibilidade e apresentaram falhas.
Na edição de maio de 2004, O Ponto escancarou no alto da pá-
gina de mídia o título “A imprensa errou feio”, referindo-se à
cobertura do assassinato do morador do Edifício Juscelino Ku-
bitschek (JK) Jair Olimpo Júnior. A reportagem criticou a atitu-
de da imprensa mineira, que tachou uma pessoa suspeita como
autora do crime. (Werkema, 2005, p. 50).
O primeiro passo na criação de um veículo laboratorial é ela-
borar o seu projeto ou planejamento editorial. Ao traçar aspectos
como missão, visão, valores, objetivos, público, linha editorial, lin-
guagem, editorias, seções, formatos de texto, e funcionamento (in-
cluindo-se periodicidade e circulação) orienta-se todo o processo de
produção, tornando claro o “para quem” esse veículo é feito e como
se definirá o que será notícia nesse jornal-laboratório.
Assim, elementos fundamentais no projeto editorial são: perfil de
público, periodicidade e circulação. O veículo laboratorial, como o es-
paço da reflexão e da prática da atividade jornalística, deve priorizar a
relação com seu público leitor, pois “o aluno só trabalha num contexto
real se tiver um público definido”, como sublinha Dirceu Lopes (1989,
p. 173). A periodicidade funciona como fator de influência na fideliza-
ção do público, uma vez que este habitua-se a ler o jornal ou acessá-lo
na internet, e participa de sua produção, por meio de comentários,
críticas, denúncias, sugestões. A depender das condições institucionais
(orçamento), a periodicidade determina quantas edições impressas
por ano ou semestre, e com que intervalo serão produzidas; no caso
dos veículos on-line, informará sobre a frequência de atualização do
site, blog, das publicações em redes sociais ou canais.
A circulação diz respeito à área de abrangência do veículo em
consonância ao público e/ou comunidade alvo (interna ou externa
à universidade), e prevê como se dará a distribuição física; já em re-
lação aos veículos online, acrescenta-se formas de ser localizado no
ciberespaço, com o uso, por exemplo, de agregadores de conteúdo.
Mas quem determina a linha editorial do jornal-laboratório? Pro-
181
fessores ou estudantes? Como se resolveriam as divergências? Um
conselho editorial? Quem iria compor esse conselho? A partir de
pesquisa realizada com professores de jornalismo de todo o país, Lo-
pes (1989, p. 51-52) aponta, em sua tese de doutorado, que alunos e
professores determinavam o conteúdo e a forma da publicação.
Das etapas do processo de produção jornalística – pré-produ-
ção, produção (pauta, apuração, composição, edição), disponibili-
zação/publicação, consumo e pós-produção – a edição configura-se
como a realização do planejamento editorial e por definir forma e
conteúdo do que será disponibilizado/publicado. Enquanto nas eta-
pas que a antecedem os processos de seleção, recortes e escolhas de
angulações – no tratamento do conteúdo textual, sonoro ou visual
– são direcionados a um dos elementos que compõem o todo (uma
reportagem, uma sonora ou uma infografia), na etapa de edição de-
fine-se quais elementos devem ser considerados no conjunto e em
diálogo com as demais linguagens, além de sua disponibilização em
diferentes plataformas.
Essas decisões implicam em uma necessária negociação com as
equipes envolvidas no processo – reportagem, fotografia, ilustração,
diagramação, sonora, audiovisual, web, mídias sociais – e exigem
toda uma preparação dos estudantes-jornalistas tanto com relação
ao conteúdo teórico sobre linha editorial, a intenção e a ética de
quem edita, até “conceitos envolvendo os filtros internos e externos
que interferem na edição, como pauta, repórter, dono do jornal, o
próprio editor, anunciante e mesmo a fonte de informação” (Lopes,
1989 p. 37). Nessa linha de reflexão, a edição deve considerar, para
além do texto escrito,
[...] quais as melhores fotografias para compor o relato textual
no jornalismo impresso? Infográficos podem complementar as
informações? E, caso sejam necessários, quais são os dados que
deverão constar e qual seria a melhor representação gráfica?
Quais hiperlinks deverão ser considerados na narrativa on-li-
ne e de que modo deve ser concebido o texto multimidiático
na internet? Dentre as imagens e sons disponíveis, quais são os

182
mais adequados para utilização na televisão e/ou na internet?
Quais imagens devem ser selecionadas e por quê? [...]. (Alza-
mora, 2018, p. 75).
O jornal-laboratório assume atualmente caráter convergente ou
híbrido em sua produção (Anunciação, 2013), transitando entre edi-
ções impressa e on-line, com integração de linguagens em uma mes-
ma plataforma digital e presença em perfis em redes sociais, como
Facebook, Twitter e Instagram. Ele também está presente, por meio de
suas produções, em canais do Youtube e Spotify e utiliza tecnologias
de transmissão de conteúdos on-line (streaming), além de proporcio-
nar espaço para experimentações em lives (ao vivo) conduzidas por
estudantes, nas redes sociais, o que ampliou seu espaço de produção,
circulação e o contato com seu público leitor.
Convergência entendida, aqui, como a integração de ferramen-
tas, de espaços e de métodos de trabalho de modo a distribuir os
conteúdos jornalísticos em múltiplas plataformas, considerando, to-
davia, as especificidades de linguagem de cada uma delas” (Soster,
2011). Esse conceito ajuda a entender as transformações provocadas
com o surgimento da internet e a incorporação de tecnologias digi-
tais da comunicação às dinâmicas dos processos jornalísticos. As-
sim, “o jornal-laboratório no contexto da convergência engloba um
conjunto de produtos que viabiliza o exercício e a experimentação
de processos de produção jornalística na universidade” (Anunciação,
2013, p. 41).
Experiências com diferentes linguagens ou matrizes integradas
– textual, sonora e visual – em laboratórios de jornalismo estão em
curso, inovando tanto na forma de pensar o percurso formativo do
estudante quanto na busca e aplicação de soluções para o ensino e a
prática jornalística convergentes.3 Surgem novas dinâmicas no pro-
3 Exemplos são a Beta Redação, do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (Unisinos), e o Lampião Digital, do curso de Jornalismo da Universidade Fe-
deral de Ouro Preto. Em 2018, Beta Redação recebeu o Prêmio José Lutzemberger de
Jornalismo Ambiental e o Prêmio de Direitos Humanos da OAB/RS na categoria uni-
versitária (Gadret et al., 2020). O Lampião vem, desde 2012, sendo premiado, regional e
nacionalmente, no prêmio Expocom, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinas

183
cesso de apuração que inclui o aprendizado sobre a natureza do fato
para permitir que ele oriente a escolha da linguagem e do formato
adequado para a narrativa e não o contrário. Considerações sobre a
composição da página e o design da informação na internet, a edi-
ção, a disponibilização do conteúdo no formato Longform4 aliam-se
ao aprendizado de novas funções, como a coordenadoria ou edito-
ria de mídias sociais, e ao uso de ferramentas do marketing digital,
como as métricas do Google Analytics e técnicas de SEO.
Os desafios estão postos pelo próprio campo jornalístico em sua
intensa dinâmica de transformações e reinvenções. O cenário inova-
dor (e renovador) do jornal-laboratório, em sua interface com o jor-
nalismo digital, convoca estudantes e docentes a pensarem o conteú-
do produzido, distribuído e consumido sob diferentes configurações
midiáticas, mas, principalmente, convoca à cooperação vista como
uma técnica “[...] ou proposta pedagógica na qual os estudantes aju-
dam-se no processo de aprendizagem, atuando como parceiros entre
si e com o pro fessor, com objetivo de adquirir conhecimento sobre
um dado objeto. A cooperação como apoio ao processo de aprendiza-
gem enfatiza a participação ativa e a interação tanto dos alunos como
dos professores” (Campos et al., 2003 apud Soster, 2011, p. 237).

Indicações de leitura

CAMPUS, jornal-laboratório do curso de Jornalismo, UnB


CONTRAPONTO, jornal-laboratório do curso de Jornalismo, PUC-SP
IMPRESSÕES, jornal-laboratório do curso de Jornalismo, UFC

em Comunicação (Intercom). Recebeu duas vezes, em 2013 e 2018, o Prêmio Délio Ro-
cha de Jornalismo de Interesse Público oferecido pelo Sindicato dos Jornalistas de Minas
Gerais, categoria Impresso Estudantes.
4 O Jornalismo de Formato Longo (Long form journalism), ou Longform, volta-se para
grandes reportagens multimídia ao privilegiar narrativas mais longas e aprofundadas,
de dimensões verticais ou horizontais, que incorporam elementos textuais, sonoros, au-
diovisuais, slideshows, infografia on-line no corpo da matéria. Alguns autores afirmam
tratar-se de gênero específico do webjornalismo, herdeiro da grande reportagem do jor-
nalismo impresso. O Longform ficou mais conhecido a partir da publicação de Snow Fall,
uma grande reportagem multimídia produzida pelo The New York Times, em 2012. Ver
mais em: Longhi (2014) e Longhi e Winques (2015).

184
JORNAL do Campus, Universidade de São Paulo
LAMPIÃO, jornal-laboratório do curso de Jornalismo, UFOP
OUTROLHAR, jornal-laboratório do curso de Jornalismo, UFV
PROJÉTRIL, jornal-laboratório do curso de Jornalismo, UFMS
SAMAMBAIA, jornal-laboratório do curso de Jornalismo, UFG
UNIPAUTAS, jornal-laboratório do curso de Jornalismo, UniRitter

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Anais... São Paulo: Intercom, 2016.
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consumo. In: Encontro Nacional Compós, 24., 2015. Brasília. Anais... Brasília:
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Observatório da Imprensa, Edição 787, Interesse Público, 25 de fevereiro de
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185
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO.
Resolução nº 1, de 27 de setembro de 2013 – Diretrizes Curriculares Nacio-
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na era da convergência: conceitos, metodologias e estudos de casos no Brasil.
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262 p. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação), Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2002.
WERKEMA, Rafael. Jornal Laboratório: uma proposta editorial crítica. Belo
Horizonte: Universidade FUMEC/ Faculdade de Ciências Humanas, 2005.

186
Jornal universitário

Everton Cardoso e Felipe Ewald

Jornal universitário é um tipo de veículo de comunicação pú-


blica ligado a uma instituição de ensino superior, principalmente
universidades públicas, e mantido por ela. Realizados por equipes
que incluem jornalistas e outros profissionais e também estudantes
– bolsistas e estagiários –, esses periódicos utilizam-se de formatos
como reportagens, perfis, entrevistas e artigos para tratar de temá-
ticas ligadas às atividades das universidades – notadamente o ensi-
no, a pesquisa e a extensão –, mas também tendem a trazer assuntos
mais gerais da atualidade que interessem às comunidades a que se
dirigem – estudantes, técnicos e professores ligados às instituições,
prioritariamente, bem como a comunidade externa.
São publicações que têm diferentes periodicidades e formatos –
sobretudo impressos e digitais – e que diferem substancialmente de
boletins, house organs, sites e outros projetos de viés mais noticioso,
imediatista e voltados à divulgação das atividades mais cotidianas
das organizações a que pertencem. Também são diferentes dos jor-
nais-laboratórios mantidos pelos cursos de Jornalismo, elaborados
no âmbito de disciplinas e atividades acadêmicas, visto que os perió-
dicos universitários têm um fim informacional jornalístico, mesmo
que haja um sentido pedagógico em geral articulado em razão da
atuação de jornalistas em formação nas equipes – em alguns con-
textos, trata-se, de fato, da única oportunidade de experiência com o
jornalismo dedicado à ciência para esses estudantes.
Atualmente, os principais exemplos desse tipo de publicação
com atividades regulares são o Beira do Rio (UFPA, Belém), o Co-
nexão UFRJ (Rio de Janeiro), o Jornal UFG (Goiânia), o Jornal da
Unicamp (Campinas), o Jornal da USP (São Paulo) e o Jornal da
Universidade (UFRGS, Porto Alegre). É recorrente entre esse gru-
187
po, conforme reportagem realizada pelo Jornal da Universidade em
setembro de 2020 (Ortega; Lima, 2020), a pretensão de conectar a
ciência, a universidade e a sociedade, divulgando a produção acadê-
mica, o que realça o objetivo de se constituir fonte confiável de infor-
mações sobre as instituições de ensino superior. Também sinalizam
como objetivos fazer a divulgação da ciência em linguagem acessível,
tratar temáticas com abordagem mais aprofundada e perene e pro-
mover o debate de ideias e a reflexão crítica sobre temas de interesse
da sociedade.
Como cada instituição de ensino tem uma estrutura organiza-
cional própria, os jornais universitários estão vinculados a setores
com organogramas e status diferentes – em geral denominados as-
sessorias, coordenadorias ou secretarias de comunicação. Em razão
disso, a estrutura de produção, o formato, o prestígio e o grau de au-
tonomia dessas publicações podem variar significativamente. Alguns
indícios de autonomização com relação à gestão institucional são a
existência de equipe dedicada exclusivamente, regimento próprio,
conselho editorial, ombudsman ou a publicação de documentos que
versem sobre o projeto, seus objetivos e valores, além de uma criação
aprovada e chancelada em instâncias universitárias superiores (como
os conselhos).
Consistem em ferramentas de construção de imagem institucio-
nal, servindo como veículos de relações públicas concretizados por
projeto, técnicas e produções que os inserem no campo jornalístico.
Fogem, portanto, do que se costuma chamar de jornal “de gabinete”
ou “chapa branca”, visto que seu enfoque está mais voltado para a
instituição universitária, o ideal que ela representa e os valores que
a ela se pretende atrelar – tais como conhecimento, ciência, cultu-
ra, desenvolvimento, inovação e justiça social. Sendo assim, consti-
tuem-se como meio de fixação da memória desse ente público e de
seus modos de se construir e comunicar cotidianamente (Luz, 2020).
Como veículos de comunicação pública que são, esses jornais
devem ser norteados pelo interesse público, ou seja, são agentes do
campo comunicacional que, por não terem vínculos ou fins comer-

188
ciais, pautam-se por valores e temáticas que, ao causarem debate na
esfera pública, contribuem para o desenvolvimento social e para a
consolidação da democracia (Weber, 2017; Koçouski, 2012). Distan-
ciam-se, portanto, da ideia de propaganda institucional, quando um
canal ou veículo está atrelado demais à gestão da instituição pública
e voltado aos interesses dos ocupantes desse cargo.
Inseridos no serviço público por seus vínculos com as universi-
dades públicas, também servem como forma de prestação de contas
à sociedade, pois tratam tanto de informações mais concretas – como
ações e atividades – quanto de uma ideia mais difusa do impacto da
academia enquanto ambiente de reelaboração, organização e convi-
vência de diferentes formas de saberes sobre o mundo a partir da
abordagem do conhecimento científico.
Entre os potenciais desses veículos também está a possibilidade
de formação de uma comunidade partilhada, pois promovem rela-
ções comunicacionais mais duradouras e constantes com o público
que está de alguma forma vinculado à instituição universitária e, a
partir disso, traçam uma linha comum de temáticas que passam a
integrar a esfera pública de debates. São, portanto, dispositivos que
concretizam uma rede de comunicação articulada a partir do jorna-
lismo desenvolvido no âmbito desse projeto editorial.
Uma dimensão importante da relação com o público leitor é que
os corpos docente, discente e técnico das universidades desempe-
nham diversos papéis nesse processo: são fontes de pauta; são fontes
de informação no processo de reportagem, oferecendo seus pon-
tos de vista sobre acontecimentos e temáticas por meio de opiniões,
depoimentos e análises desenvolvidas em entrevistas; e são dissemi-
nadores do conteúdo veiculado junto a suas redes de contatos e in-
teresses. Sendo assim, é como se esses jornais trabalhassem “com” a
comunidade e ao mesmo tempo “para” ela (no sentido de tomá-la
como grupo de leitores e leitoras imaginados) e “sobre” ela (ainda
que não exclusiva ou diretamente).
Essas relações com as comunidades universitárias são estabele-
cidas em dois níveis: pessoal e institucional. No primeiro caso, tra-

189
tam-se daquelas entre jornal e indivíduos, sejam eles de que perfis
forem. No segundo, a relação está mediada por cargos e posições
dentro da instituição, o que faz com que o processo de produção
jornalística possa ser atravessado por relações de força e pelo poder
exercido pela hierarquia. É necessário, por isso, que a equipe jorna-
lística esteja atenta a essas contingências e as tenha em conta durante
os processos produtivos – e que a gestão superior garanta a indepen-
dência da equipe.
A relação com o público externo que orbita ao redor dessas uni-
versidades de diversas maneiras também se constitui em desafio im-
portante. Tratar de temáticas de interesse da instituição, gerar inte-
resse da comunidade interna e ainda assim ter circulação e impacto
entre pessoas que têm vínculos mais indiretos com a esfera acadê-
mica são, portanto, objetivos que devem ser equacionados pelas pu-
blicações. Essa dinâmica entre o que está fora e dentro da instituição
tem de ser elemento central na elaboração do projeto e mesmo nas
atividades diárias – o que se refletirá na definição de pautas e abor-
dagens, por exemplo.
Predominantemente, o corpo de leitores e leitoras é composto
por pessoas com elevado nível de escolarização – desde quem in-
gressa na graduação até profissionais de alta formação – e de faixas
etárias diversas, a partir de 17 anos. Ainda que o público universi-
tário tivesse historicamente perfis socioeconômicos, étnico-raciais e
geográficos mais delimitados – sobretudo as classes médias urbanas
e brancas –, esses veículos vêm buscando, em consonância com as
transformações geradas, sobretudo pelas políticas de cotas, ampliar
espaços para a diversidade e representatividade não só do ponto de
vista dos temas e das abordagens, mas também das pessoas entrevis-
tadas e convidadas a colaborar.
A ligação direta com uma universidade ocasiona a essas publica-
ções um compartilhamento de valores: ao mesmo tempo que se be-
neficiam do prestígio da instituição, participam da construção desse
mesmo valor por meio do discurso que acaba contribuindo para a
formação da imagem pública da instituição de ensino superior. É,

190
pois, um empréstimo de mão dupla que torna essa relação bastante
singular e, por isso, plena de nuances e complexidades, já que está
atravessada por intenções e desejos individuais e coletivos.
A proximidade com o campo acadêmico gera um dos grandes
desafios dessas publicações. O acesso mais direto às chamadas “fon-
tes qualificadas” – pesquisadores e especialistas nos mais diversos
temas ou ocupantes de posições de poder – muitas vezes faz com
que esses indivíduos se sintam autorizados a usar suas expectativas
e seu capital institucional como justificativas para reivindicar o di-
recionamento do discurso jornalístico. Negligencia-se, dessa forma,
o potencial da imprensa e da ação de jornalistas enquanto agentes
habilitados para observar e investigar situações, personalidades e ce-
nários para depois traduzir isso como interpretações que sintetizem
uma leitura da realidade que transcenda as crenças individuais e se
realize enquanto comunicação voltada para o interesse público.
Para concretizar essa relação com a instituição universitária e
expressar seus valores, os jornais universitários dedicam espaço sig-
nificativo à reportagem em suas diversas nuances. Como são veícu-
los cujas periodicidades são mais espaçadas – semanais, quinzenais,
mensais ou trimestrais –, esse gênero permite abordagens temáticas
que ao mesmo tempo traduzam uma ideia de atualidade mais ex-
pandida – menos imediatista que a do ciclo diário –, “sobrevivam”
durante o período de circulação daquela edição específica e ainda
deem ao público uma leitura menos apressada. Ainda, esse tipo de
texto coincide com valores da instituição universitária, como o apro-
fundamento e a pluralidade de pontos de vista.
Dentro desse gênero, ganha destaque o jornalismo de ciência,
um tipo específico de abordagem que é antes de tudo jornalística,
por seguir os princípios e procedimentos desse campo, e não as hie-
rarquias da produção científica. Seu compromisso é com o público,
não com cientistas. A reportagem de ciência tem como foco o impac-
to social e potencial transformador da produção acadêmica e busca
pautar-se pelo ponto de vista de leitores e leitoras, ou seja, toma des-
cobertas e análises produzidas por especialistas do campo científico

191
e as processa jornalisticamente de modo a resultar em uma produção
que demonstre ao público a real importância de experimentos e ati-
vidades – que muitas vezes aparentemente não têm uma utilidade ou
aplicabilidade imediata. Em termos hierárquicos, portanto, os resul-
tados e a discussão destes se sobressaem com relação a autoria, insti-
tuições envolvidas e metodologias dos trabalhos, propiciando assim
um debate mais próximo dos interesses sociais que transcendem o
ambiente acadêmico e suas lógicas.
Há que se ter em mente, porém, que as conclusões científicas são
sempre temporárias – no sentido de que podem ser superadas por
novas descobertas – e relativas – pois dependem de fatores e con-
textos –, mas que tendem a ser simplificadas pelo senso comum em
formatos binários – como verdade ou mentira, bom ou ruim. Desa-
fio para esse tipo de jornalismo, portanto, é justamente acertar esse
tom: tornar a ciência de possível compreensão para o público em sua
linguagem e também em suas formas e lógicas, mas sem deixar de
abordá-la como o fenômeno complexo que é, com limitações e con-
tradições que também a tornam rica.
Esses periódicos também abrem espaço para alguns formatos
jornalísticos mais pontuais. Nesse escopo, estão matérias de divul-
gação científica cujo formato difere da reportagem por se centrarem
em apenas um projeto específico e por pautarem-se essencialmente
pelo olhar e pelas análises de pesquisadores envolvidos diretamente.
Também, nesse sentido, dão espaço para a agenda cultural – sobre-
tudo em razão de uma ação extensionista focada na cultura desem-
penhada por essas instituições com relativo protagonismo em seus
contextos.
Há lugar, ainda, para artigos e entrevistas como modos de dar
visibilidade ao pensamento e a vozes importantes tanto do mundo
acadêmico quanto externas a este, mas que podem contribuir para o
debate público. Esses tipos de produções, assim, acabam por formar
importantes redes de circulação de conhecimentos especializados.

192
Indicações de leitura

Jornais universitários
Dois trabalhos acadêmicos que tratam de jornais universitários e seus enfo-
ques:
GOMES, Romulo Fernando Lemos. Jornalismo científico ou promoção
institucional? Análise das regularidades discursivas no jornalismo científico
da UFMA, IFMA e UEMA. Dissertação, (Mestrado), Programa de Pós-gra-
duação em Cultura e Sociedade, UFMA, São Luís, 2013.
GUARALDI, Bibiana Rodrigues. Jornais universitários: um estudo sobre
experiências contemporâneas nas cinco regiões do Brasil. Trabalho de Con-
clusão (Graduação), Comunicação Social: Jornalismo, UFRGS, Porto Alegre,
2013.

Comunicação pública
Sobre comunicação pública de modo mais amplo, recomenda-se duas obras
bastante abrangentes a respeito do tema e que oferecem reflexões importantes
para se pensar sobre e se fazer jornais universitários:
DUARTE, Jorge. Comunicação pública: Estado, mercado, sociedade e inte-
resse público. São Paulo: Atlas, 2009.
WEBER, Maria Helena; COELHO, Marja; LOCATELLI, Carlos (orgs.).
Comunicação pública e política: pesquisa e práticas. Florianópolis: Insular,
2017.

Referências

KOÇOUSKI, Marina. Comunicação pública: construindo um conceito. In:


MATOS, Heloiza (org.). Comunicação pública: interlocuções, interlocutores
e perspectivas. São Paulo: ECA/USP, 2012.
LUZ, Ana Javes. O JU e a memória pública da Universidade. Jornal da Uni-
versidade, Porto Alegre, 24 set. 2020.
ORTEGA, Anna; LIMA, Bárbara. Jornais universitários pautam debates na
sociedade e vão além da divulgação. Jornal da Universidade, Porto Alegre, 24
set. 2020.
WEBER, Maria Helena. Nas redes de comunicação pública, as disputas pos-
síveis de poder e visibilidade. In: WEBER, Maria Helena; COELHO, Marja;
LOCATELLI, Carlos (orgs.). Comunicação pública e política: pesquisa e
práticas. Florianópolis: Insular, 2017.

193
Revista

Frederico de Melo Brandão Tavares

A revista, antes de ser jornalística, é um produto editorial. Sem-


pre que se tem em mãos, ou diante dos olhos, um conjunto de páginas
impressas – grampeadas, coladas ou costuradas –, ou um conjunto
de seções estruturadas em uma tela e sob um mesmo nome de perió-
dico, reunidas sob a chancela do estilo magazine (Vilas Boas, 1996),
é preciso pensar que duas questões estão reunidas e se entrecruzam:
uma especialidade e uma trajetória histórica. E ambos os aspectos
permitem contextualizar e situar a revista como um produto genuíno
de informação, cultura, serviço e/ou entretenimento.
A particularidade da revista, ou seja, aquilo que a difere frente
a outros produtos editoriais e, ao mesmo tempo, a caracteriza, tem
como um dos princípios de singularização o significado da palavra
que a define. O termo é apontado como vindo do inglês review, ori-
ginado do latim revidere (ver de novo). Como meio de comunicação,
é comum, em inglês e francês, o uso do termo magazine. Etimolo-
gicamente, diz Tavares (2011), podemos tomar o termo “revista” 1)
pelo sentido dos elementos que o compõem, 2) verbalizando-o, ou,
então, 3) buscando sua filiação. Se dividida – “re-vista” – ou verbali-
zada – “revistar” – a palavra sugere o seguinte significado: uma ação
de ver de novo, de verificação, de exame, de interpretação.1 Fátima
Ali (2009, p. 19) também relembra essa origem: “a palavra ‘revista’
vem do inglês ‘review’, que quer dizer, entre outras coisas, ‘revista’,
‘resenha’ e ‘crítica literária’”. Segundo a autora, a palavra “review” era
comum em várias revistas literárias inglesas, sendo tais publicações
modelos imitados em todo o mundo nos séculos XVII e XVIII. “Daí

1 Frederico Tavares e Christa Berger (2009) apontam tais significações para o termo re-
vista, assim como também aparecerá a designação no Pequeno Dicionário Brasileiro da
Língua Portuguesa (Ferreira, 1985, p. 1058).

195
a origem da palavra ‘revista’ na língua portuguesa” (p. 19). Na Ingla-
terra, nos Estados Unidos e em outros países de língua inglesa, “[...]
revista é chamada de ‘magazine’, que vem da palavra árabe ‘al-mah-
azen’, que significa ‘armazém’ ou ‘depósito de mercadorias variadas’”
(p. 19). Diferente do livro, em geral de caráter monotemático, diz Ali,
“a revista apresenta uma variedade de assuntos. De mesma origem é
a palavra francesa ‘magazin’, que, além de revista, significa ‘loja de
departamentos’” (p. 19).
A partir de tais definições, a revista, como produto, pode ser
considerada um tipo de repositório, um grande espaço no qual se
aloca uma infinidade de assuntos, com viés mais amplo ou especia-
lizado, falando para um grande público ou para públicos específi-
cos. A segmentação, por exemplo, muito além de mercadológica,
acompanha a revista desde os seus primórdios, nos séculos XVI e
XVII, quando o termo revista apareceu na nomeação de periódicos
europeus e estadunidenses. Na concorrência com os jornais e os li-
vros, “seus antecessores” históricos, a revista sempre se posicionou
como uma espécie de meio-termo, variando entre periodicidades
mais alargadas e perfis de conteúdos que iam da política à literatura,
passando por assuntos domésticos e variedades cotidianas em geral.
Rafael Fortes (2010, p. 1083), na Enciclopédia Intercom de Comuni-
cação, afirma que o uso principal do termo “revista” está associado a
[...] publicações periódicas impressas em formato tabloide,
embora, também, possa referir-se à versão online e a títulos
encontrados exclusivamente na internet. Há revistas mensais,
semanais, quinzenais, bimestrais e com outras periodicidades.
Circulam através da venda avulsa em bancas e do envio a as-
sinantes e ao público de distribuição dirigida (no caso de pu-
blicações especializadas, técnicas ou institucionais, destinadas
a sócios e clientes de entidades e empresas e a especialistas e
técnicos de certas áreas). No sentido lato, são revistas produ-
tos diversos como: história em quadrinhos, palavras cruzadas,
periódicos científicos, suplementos dominicais (encartados em
jornais), de conteúdo erótico etc.

196
Fortes (2010, p. 1083) ainda ressalta que do ponto de vista infor-
mativo, o “veículo” pode variar bastante as pautas, aprofundando-as
em matérias extensas, “característica viabilizada em parte pela me-
nor ‘urgência’, se comparado com a produção jornalística em mídias
que obedecem a uma periodicidade mais curta (rádio, televisão, im-
pressos diários)”.
O editorial da primeira edição da Revista Brasileira, periódico
nacional criado no final do século XIX, período histórico do flores-
cer da imprensa no Brasil, caracterizava a revista como publicação
singular e já indicava as bases que viriam, no século XX, a consolidar
este produto no cenário editorial e também jornalístico. No texto di-
zia-se: “a Revista, transição racional do jornal para o livro, ou antes
laço que prende esses dois gêneros de publicação, afigura-se-nos por
isso a forma natural de dar ao nosso povo conhecimentos que lhe
são necessários para ascender à superior esfera no vasto sistema das
luzes humanas” (Revista Brasileira, 1879, p. 6, grifo original).
No rol dos produtos impressos, ao longo de mais de dois séculos,
até a chegada de outros formatos “de revista”, ela ocupou e “encarnou”
um lugar próprio. Mais que um intervalo entre dois outros produtos
(livro e jornal), a revista assumiu um perfil específico, ganhando um
espaço no imaginário da produção cultural (revistas culturais, artís-
ticas, literárias etc.), midiática (jornalística, principalmente) e insti-
tucional (em organizações públicas e privadas). Criar uma revista,
inventar uma revista, produzir uma revista: todas elas tornaram-se
ações que carregam uma compreensão sobre um formato e uma prá-
tica, um saber e um fazer.
A escritora e intelectual argentina Beatriz Sarlo fundou e dirigiu
por trinta anos a revista cultural-literária Punto de Vista (1978-2008).
A publicação é um marco naquele país e possui até hoje repercus-
são no meio intelectual. Sua circulação, dentre tantas na Argentina
e no mundo, demonstra como a assimilação da revista na sociedade
tornou-se algo não apenas útil e específico (um tipo de produto),
como algo também assimilado e cotidianamente incorporado pelas
pessoas, consumidores, produtores e leitores em geral. Em texto clás-

197
sico, ao tomar as revistas como projetos editoriais coletivos, Sarlo
(1992, p. 9, grifos da autora, tradução livre) afirma a existência de um
“espírito” da revista, que indica os propósitos que acompanham sua
natureza e diferença editorial:
“Publiquemos uma revista” significa “uma revista é necessária”
por razões diferentes da necessidade que os intelectuais desco-
brem nos livros; pensa-se que a revista possibilita as interven-
ções [editoriais e sociais] exigidas por uma conjuntura [do pre-
sente], enquanto os livros costumam refletir com questões de
médio ou longo prazo. Nessa perspectiva, “vamos publicar uma
revista” significa “vamos fazer política cultural”, vamos cortar o
nó de um debate estético ou ideológico com o discurso.
Numa espécie de função “consensual” ocupada por cada pro-
duto editorial no contexto social e midiático, cabe às revistas, mais
que contar o que acontece no mundo – função primeira da imprensa
diária –, comentar, opinar, reportar e interpretar sobre assuntos va-
riados, buscando uma visão mais aprofundada dos temas e fatos que
envolvem o ser humano (sejam eles naturais ou sociais). Dessa for-
ma, pode-se dizer, seus conteúdos “armazenam” informações mais
substanciosas e menos pontuais. “Uma revista tem uma cobertura
mais aprofundada do que outros veículos de notícias e lida com in-
formações mais atemporais, geralmente sobre tendências e questões.
Requer o que geralmente chamamos de temas, em vez de “notícias
duras” (Johnson; Prijatel, 2007, p. 5, tradução livre). Bento de Abreu
(2009, p. 34) complementa essa dimensão editorial e afirma uma
ideia de revista a partir de sua materialização em publicações espe-
cíficas:
Cada revista possui suas características próprias, que são o re-
sultado da linha editorial adotada para cada publicação em fun-
ção de um determinado assunto e do seu público de interesse.
Também, fazem parte desse contexto a definição dos aspectos
formais, tais como o formato, tipo de papel, número de páginas,
tratamento visual gráfico e a abordagem estética que os conteú-
dos terão em suas páginas. Ou seja, a revista é o resultado dessa

198
mistura de linguagens que se interlaçam, como textos, imagens,
tipografia, cores, texturas, alinhamento, diagramação, contraste
e ordenação.
A evolução deste produto, na segunda metade do século XX foi,
sem dúvida, um dos fatores cruciais para que a ideia de um “jornalis-
mo de revista” (Scalzo, 2004) se consolidasse e criasse características
próprias. No Brasil e em todo o ocidente global, principalmente, o
surgimento de muitos títulos e a produção destes em escala indus-
trial, associado a características materiais, linguagens e práticas jor-
nalísticas, afinou a ligação do produto com audiências e temáticas
que passaram a ser exploradas de maneira estratégica e direcionada,
configurando uma montagem jornalística (Vogel, 2013) para pen-
sarmos este meio e sua relação circular com o tempo e a sociedade.
Assim, se há uma diferenciação entre jornalismo generalista e
jornalismo especializado e, também, elementos que os unem, na re-
vista é possível pensar as imbricações entre um e outro de maneira
específica. A revista, mesmo advinda do contexto jornalístico em ge-
ral, compondo-o, também é produto “autônomo”, com aspectos que
são “só seus”. Um meio que traz consigo, portanto, uma mescla de
características jornalísticas, editoriais e propriamente “revistativas”
(Tavares, 2011); sendo que tais características atuam, diretamente,
no tipo de produção que se realiza ali. Na trama de seus processos e
pilares constituintes, ela articula uma série de arranjos e estratégias
(comunicativas e midiáticas) que a diferencia de outros produtos jor-
nalísticos, não só tecnológica, mas também materialmente (Tavares,
Schwaab, 2013).
Uma revista jornalística, de informação semanal ou mensal e es-
pecializada, sem dúvida, materializa e atualiza as características do
próprio produto, ao mesmo tempo em que, a partir dele, se molda.
Se, por um lado, a prática e os contornos da linguagem orientam um
jornalismo “de revista” (Benetti, 2013); por outro, é o conjunto de
tais práticas, aliado a uma ambiência comunicacional, institucional
e discursiva (Schwaab, 2013) mais ampla, envolvida por contextos
comunicacionais, sociais, históricos, mercadológicos e culturais, que

199
faz com que, em cada publicação informativa, exista um jornalismo
“revistativo” (Tavares, 2011), ou seja, um jornalismo signatário e re-
presentante de uma ampla complexidade editorial.
As questões históricas (presente, passado e futuro), os sentidos
que cercam a noção de revista – os saberes que a cercam – e suas
consequentes concretizações no tempo são uma espécie de porta de
entrada para pensar a sua produção, o seu fazer. A revista deve ser
vista, por isso, como “totalidade em movimento”, dotada de uma or-
ganicidade que dimensiona, em uma só edição de um título ou em
um conjunto delas, uma coleção inteira, uma maneira de ser edito-
rial. “Ser revista” refere-se a um conjunto de fatores/facetas entrecru-
zadas por complexas relações.
Cada título de revista (seja qual for a sua natureza) funciona em
diálogo com a sociedade (contexto) para a qual ela se volta (e dela “se
origina”), mas também em interlocução com suas diretrizes e expec-
tativas enquanto veículo de comunicação. Assim, sua sequencialida-
de periódica explica uma produção orientada para a manutenção de
uma identidade editorial e, consequentemente, para sua reafirmação
de acordo com uma periodicidade. Estrutura-se, portanto, uma du-
ração editorial que é tanto uma realização ao longo do tempo, quan-
to uma maneira de existir (Tavares, 2021). Nesse sentido, a duração
lida com um presente no qual a revista se insere e segue com ele em
uma concomitância; que lida com um futuro, no qual o “próximo”
exemplar, a edição “seguinte”, revela um compromisso de apreensão
de assuntos que competem àquela publicação. Assim, cada edição se
oferece como um “todo” que esgota o que deve ser dito para o mo-
mento e sobre o momento, ainda que se concentre em temas e não
apenas fatos, pois é o tempo da narrativa e em narrativa que compõe
suas lógicas de relatar o mundo (Tavares, 2021).
No liame dessa duração, encontram-se passados que se entre-
cruzam de distintas maneiras: o que aconteceu na sociedade e o que
habita a publicação como memória (em seu fazer e em seu “esto-
que” de conteúdos). Pretéritos que se atualizam a cada edição e que
corporificam a densidade de suas páginas: uma revista não é apenas

200
um conjunto de folhas, mas um emaranhado de conexões e passa-
gens invisíveis, sentidos e temporalidades em movimento. É por isso
que olhar para sua extensão temporal não requer uma compreensão
(apenas) quantitativa ou linear (uma espécie de tempo acumulado na
soma de cada número publicado), mas o reconhecimento de afeta-
ções qualitativas que projetam sobre a efemeridade ou a longevidade
de um periódico em uma mesma escala de leitura e interpretação.
No caso de revistas impressas, tais objetos nascem ligados a um
imperativo de posse (tê-los é possuir uma história em mãos) e com-
pletude (tê-los é somar partes a um todo narrativo – histórico e edi-
torial – que deve ser sempre completado e contemplado). Não à toa,
algumas das edições que possuem a chancela do testemunho ou da
recordação também recebem o nome de “edições de colecionador”.
São elas artefatos que compõem um conjunto maior de outras edi-
ções e que dele ou nele se destacam. Cada edição de revista, portanto,
carrega consigo um gesto paradoxal – de ausências e presenças (Ta-
vares, 2021), cujas dinâmicas refletem e ao mesmo tempo constituem
um projeto editorial como proposta e como ação.
Como resultado de um projeto editorial, as revistas acabam por
reunir aspectos formais e materiais, além de, em cada título, reuni-
rem um perfil temático, um público específico e assuntos seleciona-
dos, constituindo um compósito que revela e permite, no tempo, que
a identidade de um mesmo título se firme. Há revistas centenárias e
revistas que duraram tão só uma edição. Das que existem há anos,
mundo afora, muitas possuem versões impressas e digitais, outras
migraram completamente para o digital, bem como algumas nasce-
ram já longe do papel (Natansohn, 2013). Revistas “exclusivamente”
digitais, que lidam com texto e imagem fixa, englobando também
recursos multimídia, tentam manter aspectos da matriz revistativa
impressa, principalmente numa espécie de olhar editorial que faz jus
a preceitos temáticos e segmentação de público, bem como orien-
tam-se por uma dinâmica de publicação respeitando temporalidades
mais alargadas. No entanto, não se pode dizer, hoje, qual o futuro
desse formato e até que ponto ele se consolidará com aspectos intei-

201
ramente próprios. É nesse viés que pensar a revista a partir do título
da publicação e como este chancela um “todo” de conteúdo e con-
sumo (um circuito comunicacional específico), ainda parece ser um
caminho possível para compreender e nomear esse meio/produto.

Indicações de leitura

Livros
ABRAHAMSON, David. The American Magazine: research perspectives and
prospects. Ames: Iowa State University Press, 1995.
ABRIL. A revista no Brasil. São Paulo: Editora Abril, 2000.
BUITONI, Dulcília Shroeder. Mulher de papel: a representação da mulher na
imprensa feminina brasileira. 2. ed. São Paulo: Summus, 2009.
CAÑO, Juan. Revistas: una historia de amor y un decálogo. Madrid: Editorial
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COHN, Sérgio (org.). Revistas de invenção: 100 revistas de cultura do moder-
nismo ao século XXI. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2011.
CONTI, Mário Sérgio. Notícias do Planalto: a imprensa e o poder nos anos
Collor. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
CRESPO, Regina (org.). Revistas en América Latina: proyectos literários, po-
líticos y culturales. Coleción Miradas del Centauro. México Distrito Federal:
Ediciones y Gráficos Éon; UNAM, 2010.
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vos para iPad da revista Wired e Katachi. Covilhã, Portugal: LabCom Books,
2016.
LESLIE, Jeremy. Novo design de revistas. Barcelona: Gustavo Gili, 2003.
LUCA, Tânia R. de. Leituras, projetos e (re)vistas(s) do Brasil (1916-1944).
São Paulo: Editora Unesp, 2011.
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do editor da Veja e da Abril. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
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em tempos de República, São Paulo (1890-1922). São Paulo: Edusp; Fapesp;
Imprensa Oficial do Estado, 2001.
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periódica en la Argentina (1917-1927). Buenos Aires: Catalogos Editora, 1985.
VIU, Antonia. Materialidades de lo impreso. Revistas latinoamericanas
1910-1950. Santiago: Metales Pesados, 2019.

Websites
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HEMEROTECA Digital Brasileira
AHIRA: Archivo Histórico de Revistas Argentinas – Coleções Digitais de
Periódicos na Argentina e no Mundo

Referências

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perspectiva dos estudos da cultura visual. Canoas: Ed. ULBRA, 2009.
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TAVARES, Frederico de Mello B.; SCHWAAB, Reges (orgs.). A revista e seu
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SARLO, Beatriz. Intelectuales y revistas: razones de una práctica. In: América:
Cahiers du CRICCAL, n. 9-10, p. 9-16, 1992.
SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
SCHWAAB, Reges. Revista e instituição: a escrita do lugar discursivo. In:
TAVARES, Frederico de Mello B.; SCHWAAB, Reges (orgs.). A revista e seu
jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 58-75.
TAVARES, Frederico de Mello B. Movimientos del tiempo en revistas: dura-
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DELGADO, Verónica (org.). Exposiciones en el tiempo: revistas latinoameri-
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TAVARES, Frederico de Mello B; SCHWAAB, Reges. Revista e comunicação:
percursos, lógicas e circuitos. In: TAVARES, Frederico de Mello B.; SCH-
WAAB, Reges (orgs.). A revista e seu jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013.
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TAVARES, Frederico de Mello B. Ser revista e viver bem: um estudo de
jornalismo a partir de Vida Simples. 2011. Tese (Doutorado em Ciências da
Comunicação), Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2011.
TAVARES, Frederico de Mello B.; BERGER, Christa. Revista (Verbete). In:
Ciro Marcondes Filho. (org.). Dicionário da Comunicação. Paulus: São Pau-
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VILAS BOAS, Sérgio. O estilo magazine: o texto em revista. São Paulo: Sum-
mus, 1996.
VOGEL, Daisi. Revista e contemporaneidade. In: TAVARES, Frederico de
Mello B.; SCHWAAB, Reges (orgs.). A revista e seu jornalismo. Porto Alegre:
Penso, 2013. p. 17-26.

204
Revista-laboratório

Karina Gomes Barbosa

A revista-laboratório é um dos espaços laboratoriais de ensino-


-aprendizagem mais prevalentes nos cursos de Jornalismo. Segundo
dados de 2013, respondem por 45% das publicações laboratoriais
impressas produzidas nos cursos de Jornalismo ou Comunicação
(Soster; Tonus, 2013, p. 15), atrás apenas dos jornais-laboratórios,
presentes em 88% dos cursos. Os dados refletem um cenário já mo-
dificado, pois dinâmico, e certamente nos últimos anos têm cresci-
do também os laboratórios de convergência em jornalismo, focados
em veículos hipermidiáticos e digitais. Ao contrário dos jornais-la-
boratórios, contudo, as revistas-laboratórios pouco têm sido objeto
de reflexões acadêmicas, conforme aponta Aline Dalmolin (2013, p.
294, grifo original): “Inexistem, em nosso corpus, teses e dissertações
voltadas a pensar o ensino sobre o jornalismo de revista no País”.1
Em anos recentes, o número de estudos acerca das práticas pe-
dagógicas laboratoriais em revistas no ensino de Jornalismo tem au-
mentado gradualmente (Farias, 2010; Romero et al., 2017; Aguiar;
Gomberg; Aucar, 2018; Santos; Gomes Barbosa; Tavares, 2021). Um
panorama que se torna mais povoado se incluirmos os trabalhos que
apresentam as produções em jornalismo laboratorial de revista para
a premiação anual da Intercom, a Expocom, que reconhece iniciati-
vas pedagógicas de diversos âmbitos da Comunicação.
É perceptível, porém, que essa lacuna ainda se desdobra na di-
ficuldade de uma ampla revisão conceitual, visto que a maioria dos
estudos tem como enfoque experiências pedagógicas específicas. Os
estudos reconhecem a importância da revista-laboratório na forma-
ção em Jornalismo, mas se afastam de defini-la, optando, no lugar
1 O levantamento abarca o período entre 1987 e 2010, a partir de trabalho feito por Frede-
rico de Mello Brandão Tavares em 2007.

205
disso, em acionar a discussão epistemológica sobre revista. Em outra
linha, muitas discussões tratam do caráter laboratorial e da dimen-
são experimental da revista-laboratório, sem um mergulho episte-
mológico em suas especificidades.
Na visão de Marli dos Santos e Mônica Peceguer Caprino (2007,
p. 90), o ensino de jornalismo de revista deve se ancorar no que con-
sideram características básicas do veículo: “linguagem, reportagem
e apresentação visual”. As autoras apontam ainda que as disciplinas
voltadas ao ensino da produção de revistas não estão presentes em
muitas matrizes curriculares, e, quando existem, costumam situar-se
nos semestres finais dos cursos, onde “a proposta é o desenvolvimen-
to e a evolução das técnicas de reportagem e de texto” (2007, p. 97).
Em outros contextos ainda, se materializam apenas como Trabalhos
de Conclusão de Curso.2
Fabrício Marques (2013a, p. 273), ao discutir a experiência pe-
dagógica da revista-laboratório Múltipla, do Centro Universitário de
Belo Horizonte, opta por uma abordagem da revista-laboratório que
“destaque a ênfase na edição e nas práticas laboratoriais”. De acordo
com ele, essa interface daria conta de responder aos desafios impos-
tos pela cultura da convergência ao fazer jornalístico de revista. O
autor defende o espaço laboratorial dedicado ao ensino-aprendiza-
gem do jornalismo de revistas como “um espaço de liberdades, que
possibilite ao aluno cultivar um olhar especializado em pensar a re-
vista de modo crítico e criativo” (2013a, p. 275).
Ao apresentar a experiência da revista-laboratório Campus Re-
pórter, da Universidade de Brasília, Márcia Marques e Dione Oli-
veira Moura (2009, p. 205) classificam a prática do laboratório de
ensino-aprendizagem como “jornalismo mochilão” ou “impregnada
pelo espírito pujante de jovens em plena formação profissional”, que
carregam as experiências aprendidas em sala e das partilhas feitas no
processo de produção coletiva. O modelo empreendido no conjunto

2 Focamos, aqui, apenas nas revistas produzidas dentro de disciplinas, por considerarmos
que revistas executadas como Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) não possuem a
característica laboratorial.

206
de disciplinas que produzem a revista organiza “um complexo nar-
rativo que envolve a edição do texto em relação de interdependência
com o design visual, a cobertura fotojornalística e o compromisso,
precípuo, de oferecer uma narrativa jornalística ética e de profun-
didade” (2009, p. 207). As características em foco são, portanto, a
grande reportagem, a apuração de fôlego e os tempos alargados de
produção.
Tais discussões constituem pontos de partida importantes para
uma aproximação à definição de revista-laboratório, que demarcam
também as temporalidades em que estão inseridos. Algumas das
experiências relatadas nos estudos apontados já não existem ou se
modificaram profundamente de lá para cá, comprovando também a
dinâmica diacrônica das práticas pedagógicas do ensino laboratorial
de revistas e o caráter, por vezes, efêmero dessas iniciativas.
A partir dessas considerações e levando em conta não apenas as
reflexões desses autores, mas também a tradição dos debates acerca
do jornalismo laboratorial, centrados sobretudo nos jornais-labora-
tórios, bem como as recentes discussões sobre experiências pedagó-
gicas no país, podemos nos acercar de uma possibilidade de conceito.
As revistas-laboratórios, assim, tratam-se de veículos laborato-
riais com projetos editoriais e gráficos, público-alvo e periodicidade
definidos, dedicados ao aprendizado e à prática crítica da linguagem,
dos arranjos produtivos e da materialidade do suporte, funcionando
como espaços coletivos de experimentações verbo-visuais e momen-
tos de preparação para a atuação profissional, atentos às temporali-
dades específicas do fazer revista, às demandas da convergência e à
relação com as comunidades com as quais se propõem a dialogar.
Dedicam-se tanto ao produto laboratorial quanto aos proces-
sos que culminam na publicação deste, com distintas abordagens, e
nesse sentido a reflexividade das atividades executadas e a ênfase na
atuação ética devem ser fundamentos de sua prática pedagógica. Em
muitos casos, operam como conclusão da formação em jornalismo.
Desse modo, representam um mergulho no exercício da reporta-
gem, a atenção aos processos de apuração e edição, a exploração da

207
fotografia e do planejamento visual e o adensamento da relação entre
texto escrito e visualidades.
O caráter laboratorial da produção de revistas no ensino de Jor-
nalismo fica demarcado ainda pelas Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para o Ensino de Jornalismo (Brasil, 2013, p. 5), que instituem
seis eixos formativos. Destes, o sexto trata justamente da prática la-
boratorial, cujo objetivo é “adquirir conhecimentos e desenvolver ha-
bilidades inerentes à profissão a partir da aplicação de informações
e valores”. De caráter integrativo em relação às competências e aos
conhecimentos desenvolvidos ao longo da graduação em Jornalismo,
as disciplinas desse eixo podem desenvolver produtos diversos, com
“projetos editoriais definidos e orientados a públicos reais, com pu-
blicação efetiva e periodicidade regular”. Entre eles, as DCNs citam
as revistas – ainda que a mesma normativa inste os cursos de Jorna-
lismo a levarem em conta o ambiente de convergência em que “o jor-
nalismo impresso, embora conserve a sua importância no conjunto
midiático, não seja a espinha dorsal do espaço de trabalho, nem dite
as referências da profissão” (2013, p. 2).
Fica claro que as diretrizes que orientam a formação em Jorna-
lismo dão destacado valor às relações entre universidade e comuni-
dade, e demonstram a importância do eixo laboratorial nesse pro-
cesso. Isso significa que em suas concepções, as revistas-laboratórios
devem dar atenção especial aos públicos aos quais se voltam. En-
quanto os jornais-laboratórios muitas vezes conseguem estabelecer
relações de proximidade com as comunidades, no caso das revistas
laboratoriais isso pode ser um desafio em termos produtivos, estéti-
cos e éticos, quanto mais amplo é o público-alvo.
As demandas trazidas pelas diretrizes não implicam, contudo,
na existência de um modelo único para o desenvolvimento das re-
vistas-laboratórios nas matrizes curriculares. Ao contrário, vicejam
pelo país diferentes práticas pedagógicas. Diante do panorama re-
cente de estudos acerca do tema, podemos sumarizar alguns dos
modelos prevalentes para o ensino das revistas-laboratórios: revistas
com projetos editoriais e gráficos definidos, em que os e as estudan-

208
tes atuam a partir de estruturas prévias definidas pelo corpo docente;
revistas com projetos editoriais e gráficos definidos pelos e pelas es-
tudantes; modelos híbridos, em que há algumas diretrizes mínimas e
outras que são modificadas pelas turmas que cursam as disciplinas.
Há ainda revistas-laboratórios realizadas em interface com a exten-
são universitária, que reforçam o laço comunitário desses veículos.
O tipo de modelo desenvolvido afeta os sentidos produzidos
pela revista-laboratório ao longo do tempo, bem como a identidade
construída para o veículo, ambos conformados pela historicidade da
acumulação das experiências feitas, equilibrando com ênfases varia-
das estabilidade e mudança. O modelo também impacta, sobretudo,
nos objetivos pedagógicos estabelecidos pelo curso para a disciplina
e para o aprendizado dos e das estudantes.
Trata-se de uma discussão de caráter pedagógico e também ad-
ministrativo, pois o modelo adotado depende de fatores exógenos,
especialmente dos recursos disponíveis para a produção da revis-
ta-laboratório: docentes e técnicos, espaços, equipamentos (como
computadores, câmeras fotográficas) e softwares, verbas para im-
pressão e distribuição. A distribuição costuma ser um dos percalços
enfrentados nas experiências pedagógicas das revistas laboratoriais,
sobretudo nos modelos que optam por projetos nacionalizados ou
ampliados: como fazer a revista chegar a seu público leitor imagina-
do e cumprir seu papel social e pedagógico?
Apesar de ser um espaço de culminância e prática, é importante
destacar que a revista-laboratório também é local de aprendizado. É
fato que seus processos produtivos, éticos e reflexivos retomam co-
nhecimentos adquiridos ao longo do curso de Jornalismo, aplican-
do-os aos processos de ensino-aprendizagem do veículo. Porém, as
especificidades do suporte, da linguagem e dos arranjos produtivos
integram o conjunto de competências e conteúdos a serem desen-
volvidos e que não necessariamente apenas revisam conteúdos an-
teriores.
A revista-laboratório é, assim, local de avanço e mergulho em
aspectos considerados entre aqueles de excelência da práxis jorna-

209
lística e que nem sempre podem ser explorados em muitas disci-
plinas. Em muitas matrizes curriculares, sucedem a produção do
jornal-laboratório, demonstrando uma perspectiva ao mesmo
tempo gradativa e cumulativa. Ana Carolina Santos, Karina Go-
mes Barbosa e Michele da Silva Tavares (2021) apresentam a virada
pedagógica e editorial da revista-laboratório Curinga, da Univer-
sidade Federal de Ouro Preto, focada no exercício experimental e
reflexivo da grande reportagem. As autoras definem a proposta da
revista como “uma chance de mergulho em processos produtivos
do jornalismo apreendidos ao longo de todo o curso, próximo à
conclusão da formação acadêmica do corpo discente, possível pe-
los esforços demandados pela grande reportagem” (2021, p. 135),
atento ainda à convergência.
As autoras explicitam ainda o caráter coletivo da produção labo-
ratorial de revistas e a dupla ênfase no produto final e também nos
processos produtivos:
[...] o sentido da rotina integrada do laboratório, para além das
possibilidades experimentais no que se refere à combinação das
linguagens na empreitada imersiva da grande reportagem, re-
vela-se também no momento da autoavaliação em que a soma
dos esforços individuais e coletivo é percebida no resultado do
produto e no reconhecimento dos empenhos empreendidos (ou
não) ao longo do processo. (Santos; Gomes Barbosa; Tavares,
2020, p. 142).
Outra dimensão que deve ser ressaltada é a da experimentação,
que, para Marques (2013b, p. 107), deve ter lugar destacado no pro-
cesso de ensino-aprendizagem. De acordo com autor, o laboratório
como prática ou como experimentação são escolhas possíveis para
esses veículos. Porém, é possível construir um espaço em que a práti-
ca se alie à experimentação e à reflexão crítica e ética dos processos e
produtos. Isso se coaduna ao que pensam Maria Elisabete Antonioli
e Renato Essenfelder (2013, p. 208), que defendem a busca por um
“ensino prático reflexivo” em trabalho que apresenta as experiências
da revista-laboratório Plural, da ESPM.

210
Dessa forma, apesar de representar um momento de prepara-
ção para o exercício profissional, a revista-laboratório não pode abrir
mão das possibilidades experimentais em todas as suas etapas pro-
dutivas. Isso só é a partir de uma posição crítica que interpele os mo-
delos hegemônicos e comerciais do fazer revista e é imprescindível
para propiciar uma formação crítica aos e às estudantes.
Ao lado da experimentação, a dimensão reflexiva demanda que
cada decisão, cada passo e cada etapa produtiva sejam discutidos e
problematizados na revista-laboratório, não apenas aplicados. A re-
flexividade, por sua vez, é ancorada em um profundo compromisso
ético que baliza todas as opções editoriais e gráficas feitas na revis-
ta-laboratório. Trata-se de um exercício ético do jornalismo labora-
torial, que propicia aos e às estudantes o aprendizado de uma práxis
jornalística comprometida com o respeito aos direitos humanos, à
diversidade, à justiça. Nesse sentido, é fundamental que os dilemas
éticos, que invariavelmente ocorrem durante o percurso de ensino-
-aprendizagem da revista-laboratório, sejam discutidos coletivamen-
te e decisões acerca desses impasses sejam tomadas a partir desses
princípios, da ética e do que preconiza a deontologia do campo.
Finalmente, cabe refletir sobre a efemeridade que acompanha
a historicidade do ensino laboratorial de revistas no país: muitas
têm poucos exemplares produzidos, são descontinuadas ou enfren-
tam problemas de circulação e acesso. Isso ocorre por várias razões,
dentre as quais: reformulações dos projetos pedagógicos dos cursos
de Jornalismo; trocas no corpo docente ou nas direções das institui-
ções; dificuldades de verba para produção (incluindo contratação de
docentes, aquisição de equipamentos) ou impressão das revistas. A
conclusão é que, a despeito da variedade de experiências, falta uma
delimitação clara do lugar institucional que a revista-laboratório
ocupa nos cursos de jornalismo e da importância do ensino de revis-
tas para a formação de jornalistas.
O cenário disperso fica claro quando se observa as revistas labo-
ratoriais consideradas as melhores do país na premiação da Expocom
na última década: duas foram produzidas como TCCs, uma foi des-

211
continuada e outras três não possuem exemplares recentes disponíveis
para acesso on-line. Apesar disso, os cursos de Jornalismo têm produ-
zido, pelo menos desde os anos 1990, experiências laboratoriais em
revista importantes, como as revistas A Ponte, da Unifor; Entrevista,
da UFC; Sextante, da UFRGS; Meio Mundo e .TXT, ambas da UFSM.

Indicações de leitura

A PONTE, Universidade de Fortaleza


CAMPUS Repórter, Universidade de Brasília
CURINGA, Universidade Federal de Ouro Preto
ENTREVISTA, Universidade Federal do Ceará
SEXTANTE, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
MEIO MUNDO, Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen
PLURAL, da ESPM
TXT, Universidade Federal de Santa Maria

Referências

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com prática em jornalismo: a experiência de três laboratórios da puc-rio.
Rebej: Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 8, n. 23, p. 3-13,
dez. 2018.
ANTONIOLI, Maria Elisabete; ESSENFELDER, Renato. Produção e reflexão
no jornalismo de revista: uma experiência “plural”. In: SOSTER, Demétrio de
Azeredo; TONUS, Mirna (orgs.). Jornalismo-laboratório: impressos. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, 2013, p. 206-216.
BRASIL. Resolução nº 1, de 27 de setembro de 2013. Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino de Jornalismo. Conselho Nacional de Educação.
Brasília, DF.
DALMOLIN, Aline. Pesquisa sobre revista: um olhar acerca da produção
acadêmica. In: TAVARES, Frederico de Mello B.; SCHWAAB, Reges (orgs.). A
revista e seu jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 288-299.
FARIAS, Salvio Juliano Peixoto. Entrelinhas: considerações sobre a produção
uma revista laboratorial. Rebej: Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo,
Brasília, v. 1, n. 7, p. 143-150, jun. 2010.

212
MARQUES, Fabrício. A revista em sala de aula: edição e práticas laboratoriais
em contexto de convergência. In: TAVARES, Frederico de Mello B.; SCH-
WAAB, Reges (orgs.). A revista e seu jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013a.
p. 272-287.
MARQUES, Fabrício. Laboratório como espaço criativo e experimental. In:
SOSTER, Demétrio de Azeredo; TONUS, Mirna (orgs.). Jornalismo-labora-
tório: impressos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2013b. p. 107-120.
MARQUES, Márcia; MOURA, Dione Oliveira. De mochila nas costas, recons-
truindo as trilhas da revista Realidade e em busca de novas narrativas: revista
Campus Repórter-UnB. Em Questão, Porto Alegre, v. 15, n. 2, p. 203-218, jul.
2009.
ROMERO, Luan Moraes et al. Comunicação inclusiva: desenvolvendo aces-
sibilidade na rotina de produção de uma revista laboratório. Congresso Bra-
sileiro de Ciências da Comunicação, 40., 2017, Curitiba. Anais [...]. Curitiba:
Intercom, 2017.
SANTOS, Ana Carolina Lima; GOMES BARBOSA, Karina; TAVARES, Mi-
chele da Silva. A prática laboratorial integrada: apontamentos sobre a virada
editorial e pedagógica da Curinga. Revista Brasileira de Ensino de Jornalis-
mo, Brasília, v. 11, n. 28, p. 132-146, jun. 2021.
SANTOS, Marli dos; CAPRINO, Mônica Pegurer. Revistas: desafio pedagógi-
co no ensino de jornalismo. Rebej: Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo,
Brasília, v. 1, n. 1, p. 87-105, dez. 2007.
SOSTER, Demétrio de Azeredo; TONUS, Mirna. Apresentação. In: SOSTER,
Demétrio de Azeredo; TONUS, Mirna (orgs.). Jornalismo-laboratório: im-
pressos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2013, p. 14-20.

213
Revista universitária

Luciane Treulieb e Maurício Dias Souza

Revista universitária é uma publicação periódica produzida por


uma instituição de ensino superior com o objetivo de tratar assun-
tos de forma aprofundada ou trazer novas perspectivas sobre temas
que já apareceram em seus demais veículos de comunicação, como
o jornal e o site institucional. Costumam oferecer pautas produzidas
com prazos mais estendidos e que possibilitam investigações mais
complexas. Além disso, a revista universitária também se caracteriza
pelo cuidado estético relativo a questões gráficas e visuais como foto-
grafias, ilustrações e infográficos.
Historicamente, as mídias impressas – boletins, jornais e revistas
– foram os principais meios de divulgação das universidades. Esses
veículos incluíam em suas páginas matérias de divulgação científica,
temas institucionais e de gestão. Tal situação foi alterada com a po-
pularização da internet. Atualmente, revistas universitárias como a
Entreteses (Unifesp), a Darcy (UnB) e a Arco (UFSM) têm se propos-
to a ser multiplataforma, ao compreender diferentes produtos, como
revista impressa, site, mídias sociais e podcast. Também é comum
contar com versões digitais, com o formato flip, que imita o folhear
das páginas na tela.
A revista universitária oferece conteúdos diferentes das mídias
mais factuais. A publicação objetiva ampliar a visibilidade das ações
das instituições, e é um meio de comunicação entre a universidade, a
comunidade acadêmica e a sociedade em geral. Alguns dos assuntos
de interesse que costumam ser pauta nas revistas universitárias são:
ciência e tecnologia, inovação, meio ambiente, saúde, humanidades,
inovações pedagógicas, cultura, empreendedorismo, memória, ex-
tensão e esporte universitário.

215
Os principais aspectos de diferença entre a revista universitária e o
jornal universitário são os seguintes: o tratamento editorial dos con-
teúdos; a exploração de novos formatos de conteúdos; o tratamento
visual tanto no produto físico como no digital; e a periodicidade mais
espaçada de circulação entre um exemplar impresso e outro.
O tratamento editorial permite uma liberdade muito maior do que
as mídias factuais ao possibilitar novas abordagens de assuntos que já
foram noticiados e ao contemplar assuntos ainda não trabalhados na
cobertura jornalística. A reportagem é o gênero em destaque no pro-
jeto editorial, por permitir o aprofundamento qualitativo e as novas
formas de contar histórias. As revistas também podem trazer notas,
notícias, colunas, editoriais, artigos de opinião, contos e crônicas.
As revistas universitárias podem ter conselho editorial, que re-
presenta os leitores-internautas e os segmentos da comunidade uni-
versitária. O conselho tem como funções sugerir temas, abordagens
e fontes para as próximas matérias; cobrar o cumprimento do projeto
editorial; e avaliar as edições impressas e demais produtos jornalísti-
cos. Os conselheiros não precisam ser da área da Comunicação So-
cial. O ideal é que a composição seja a mais plural possível para dar
conta de diferentes pontos de vista.
A exploração de diferentes formatos de modo a contemplar dis-
tintos gêneros jornalísticos faz com que as revistas universitárias em
alguns momentos sejam espaços de experimentação. Isso ocorre em
função do próprio avanço do jornalismo, especialmente o digital.
Pode-se citar entre os formatos distintos o jornalismo em quadri-
nhos, as reportagens multimídia, as checagens de informações e os
microconteúdos para mídias sociais.
O tratamento visual difere muito do jornal, que é mais simples.
Nas revistas, a diagramação é mais arejada e permite explorar ele-
mentos visuais como grafismos, ilustrações, infográficos e fotogra-
fias. Nas versões digitais, a preocupação com a apresentação visual se
mantém. O projeto gráfico das revistas serve para manter a continui-
dade da identidade visual ao longo das edições. Ele define o formato
e características como margens, colunas e grids a serem seguidos pe-

216
los diagramadores. Também deve constar no projeto gráfico a tipo-
grafia, os estilos de parágrafo e o layout padrão para as páginas, sem-
pre visando oferecer uma experiência de leitura agradável. Aliados
ao texto, os elementos visuais devem chamar a atenção dos leitores e
também passar informações de uma forma diferenciada.
As imagens contribuem de forma primordial para a construção
estética das publicações. A leitura, como qualquer relação, en-
volve mais do que conteúdos impressos em páginas empilhadas.
As revistas também são bonitas. E à leitura se soma o prazer de
folhear as belas páginas, se reconhecer nos traços e cores das
ilustrações, nas imagens, nas texturas do papel. A fruição estéti-
ca é uma competência da leitura. (Storch, 2012, p. 147).
As revistas universitárias costumam ser feitas essencialmente
por jornalistas e designers, podendo contar também com fotógrafos
e programadores. As equipes variam muito de acordo com as con-
dições e os recursos humanos disponíveis em cada instituição. Há
universidades em que a produção da revista é realizada por meio de
agência terceirizada ou de funcionários contratados somente para tal
atividade. Em outras instituições, a equipe de comunicação da pró-
pria universidade acumula funções, atualizando diariamente o site
institucional e produzindo matérias para a revista esporadicamente
– visando cumprir a periodicidade prevista. Há outros casos, como
a revista Arco, da UFSM, em que o conteúdo é produzido essencial-
mente por acadêmicos, sob orientação de jornalistas profissionais – o
que possibilita a capacitação dos estudantes para uma área específica
do jornalismo – o científico. Entretanto, é necessário sinalizar que a
revista universitária não é uma revista-laboratório. Enquanto a pri-
meira é mantida por setores especializados das universidades como
um produto institucional, a segunda integra a proposta político-pe-
dagógica do curso de Jornalismo e é voltada para o aprendizado de
estudantes. Nesse sentido, também é importante reforçar que a revista
universitária se difere da revista científica, ou seja, daqueles periódi-
cos científicos que costumam ser utilizados para a comunicação entre
pares para registrar e divulgar os resultados obtidos nas pesquisas.
217
As rotinas produtivas incluem reuniões de pauta, reuniões das
equipes de arte e de mídias sociais. Também podem ocorrer encon-
tros específicos para se tratar uma determinada pauta ou projeto. A
cada reunião de pauta, o repórter atualiza os editores sobre o anda-
mento das matérias, busca soluções para possíveis problemas de apu-
ração e apresenta novas sugestões para reportagens. De forma com-
plementar, toda a equipe usa uma série de ferramentas digitais para
organizar os fluxos de trabalho e trocar informações, como o Trello.
O processo de apuração deve compreender fontes humanas,
como especialistas e pessoas atendidas pelos serviços da universida-
de; e fontes digitais, como relatórios, dossiês, artigos e bases de da-
dos. O passo seguinte para o repórter é a redação conforme o forma-
to definido para a matéria. A edição leva em consideração normas de
redação, questões gramaticais, organização do conteúdo, adaptação
às plataformas de mídias e ponderações sobre a verificação das in-
formações.
Na revista Arco, a editoria de Arte trabalha em conjunto com
os repórteres ao representar por meio de ilustrações e animações
os assuntos. Para isso, estudantes de Desenho Industrial, Produção
Editorial ou Publicidade e Propaganda precisa compreender bem o
direcionamento da matéria para apresentar soluções visuais quando
não há fotografias ou vídeos disponíveis.
Já a equipe de mídias sociais se volta para as estratégias de en-
gajamento do público e para as formas de circulação de conteúdo
em plataformas sociais. É o grupo que planeja as ações, realiza as
postagens em horários adequados, monitora os resultados e dialoga
com os internautas.
Em relação à periodicidade, as revistas universitárias brasilei-
ras trabalham com diferentes temporalidades. Há publicações com
edições lançadas mensal, bimestral, trimestral, semestral e até anual-
mente. Algumas instituições têm enfrentado dificuldades em manter
a periodicidade proposta e uma das razões costuma ser a mudança
de gestão na reitoria: se o projeto da revista ainda não é consolidado
institucionalmente, pode ser entendido como um “projeto da ges-
tão passada” e não perdurar. Outras causas para a dificuldade em

218
manter a produção constante tem a ver com equipes nos setores de
comunicação cada vez mais enxutas – que não conseguem priori-
zar a produção de uma revista em meio ao excesso de demandas; e,
também, ao valor da impressão das revistas – que, em caso de crises
financeiras, não é considerada prioritária e sofre cortes, muitas vezes
descontinuando a publicação.
Recentemente, as universidades têm repensado a produção e a
distribuição das revistas universitárias impressas. Os conteúdos têm
ganhado espaço no ambiente on-line, algumas vezes tendo extingui-
das as suas versões no papel e outras mantendo os materiais impres-
sos juntamente com os digitais. A mudança do papel para o digital
acompanha uma tendência mundial, devido aos benefícios propor-
cionados pelo ambiente on-line, como mais agilidade na divulgação
das informações, número ilimitado de páginas e potencial de atingir
públicos maiores e mais diversos.

Indicações de leitura

Livros
SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. 2. ed. São Paulo, Contexto, 2004.
TAVARES, Frederico de Mello B., SCHWAAB, Reges (orgs.). A revista e seu
jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013.

Revistas universitárias
REVISTA Arco: revista de jornalismo científico e cultural da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), criada em 2012 e disponível em diferentes
plataformas: revista impressa, edição em inglês, site, Facebook, Instagram e
podcast.
REVISTA Darcy: revista de jornalismo científico e cultural da Universidade
de Brasília (UnB), criada em 2009 e disponível em diferentes plataformas:
revista impressa, site e Facebook.

Referências

STORCH, Laura. O leitor imaginado no jornalismo de revista: uma proposta


metodológica. Porto Alegre. 2012. 174 f. Tese (Doutorado em Comunicação e
Informação), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.

219
Projeto editorial e gráfico

Angela Zamin

Os projetos editorial e gráfico são peças fundamentais e comple-


mentares na constituição de uma identidade para jornais e revistas,
quer impressos ou digitais. Os princípios editoriais se desdobram em
princípios gráficos e vice-versa de modo a um corresponder ao outro.
Todo produto editorial jornalístico deveria ter por base a pesquisa, o
planejamento e a experimentação – de conteúdo e de composição e
organização visual. Os propósitos da publicação precisam reverberar
no design gráfico; e este deve dar suporte ao produto editorial em res-
posta aos objetivos ou, no caso de uma atualização, a algum aspecto
visual problemático.
O projeto editorial reúne aquilo ao qual a empresa ou a publica-
ção se propõe. No projeto editorial, o meio define a si mesmo, des-
creve seu plano geral de funcionamento – inclusive, em termos de
financiamento –, institui um modelo normativo para aquele produto
editorial, detalha objetivos, características e a que se destina – tanto
em termos do jornalismo que pretende estabelecer como do produto
em si – e, finalmente, propõe um contrato de comunicação com o
público.
O projeto gráfico, por sua vez, estabelece a identidade visual da
publicação, reiterando um ideal para si. Nele, de acordo com Luciano
Guimarães (2017), são estabelecidas as dimensões projetual (perso-
nalidade, unidade, variedade), topográfica (formato, diagrama, dis-
tribuição, fluxo, hierarquia, proporções), tipográfica (peso e hierar-
quia das fontes, fluxo do texto, relacionamento entre tipos e imagens,
visibilidade, legibilidade, leiturabilidade), iconográfica (tipos e natu-
reza das imagens, “volume” da imagem em relação ao “volume” de
texto, participação e adequação de cada imagem na composição da
informação, efeitos de sentido, valor estético, valor simbólico. etc.)
221
e cromática (cores, separação de áreas, fios, fundos, tipografia, ima-
gens, etc.). O projeto visual organiza o arranjo físico e a ocupação
espacial de cada elemento verbo-visual que compõe o registro das
matérias jornalísticas: títulos, textos, arquitetura dos parágrafos, fo-
tografias, legendas, infografias, ilustrações, fios, vinhetas, boxes, retí-
culas, capa, miolo, dupla de página, etc.
A linha gráfico-editorial precisa manter-se inalterada pelo
menos por um período e não deve ser modificada à revelia de um
planejamento. As soluções gráfico-visuais precisam preservar a in-
dividualidade e a personalidade da publicação, assim, permitindo
ao leitor reconhecer o jornal ou a revista a cada nova edição, ainda
que o conteúdo editorial e a disposição dos elementos variem de um
número a outro. De acordo com Ana Gruszynski e Márlon Calza
(2013, p. 209), “a credibilidade atribuída às publicações também está
vinculada à familiaridade que o leitor tem com suas páginas, forma
e materialidade”.
Quando se trata de um novo produto editorial jornalístico, ge-
ralmente, o projeto gráfico-editorial é apresentado a partir de um
texto descritivo, que detalha aquilo com o qual a publicação se com-
promete ou oferece em termos editoriais e gráficos, e de um(a) bo-
neco(a)1, que demonstra o leiaute (layout, em inglês) – da capa às
páginas internas, da marca à tipografia de títulos e blocos de texto,
da disposição de imagens e textos em relação ao branco de contra-
grafismo etc. Comumente, tais documentos são de uso interno das
empresas jornalísticas.
Já a atualização do projeto editorial e/ou do projeto gráfico –
quer em conjunto, quer isoladamente –, tende a ser detalhada no
manual de redação ou publicizada no próprio meio, em campanhas
que anunciam a modernização. Segundo Marília Scalzo (2004, p. 68),
ajustar o projeto gráfico “é tarefa obrigatória de tempos em tempos”.
Luiz Carlos Fetter (2011, p. 18) lembra que a natureza do projeto edi-
1 Confeccionado no mesmo formato em que se pretende desenvolver um jornal ou uma
revista, o(a) boneco(a) funciona como amostra da publicação, orientando o desenho de
cada página, exemplificando como serão organizados os textos e as imagens, a partir das
escolhas de tipografia, cor, alinhamento, grid etc.

222
torial das revistas é mais dinâmica e, por isso, “o projeto gráfico deve
ser flexível, o suficiente para acomodar tais mudanças e, ao mesmo
tempo, suficientemente estruturado para assegurar uma identidade
visual”.
O projeto editorial combina o plano técnico, que orienta o dia
a dia da publicação editorial jornalística, ao projeto ideológico e às
conexões político-econômicas da empresa jornalística. O primeiro
encerra a perspectiva prescritiva porque funciona como orientação
aos jornalistas. O segundo delimita o “jornalismo praticado segundo
condições materiais específicas de produção” (Zamin, 2014, p. 937).
E, finalmente, o terceiro evidencia o poder performativo do meio de
comunicação no espaço público, “poder formal, que confere realida-
de ao que nomeia, poder de institucionalizar quando diz, de dar ca-
ráter de realidade a tudo que publica e, por consequência, de anular
simbolicamente o que omite” (Imbert, 1986, p. 26).
Percebe-se, portanto, que o projeto editorial abarca a comple-
xa delimitação de como a publicação vê a si própria, a audiência, o
jornalismo – de modo singular e geral – e o espaço público – espe-
cialmente as esferas política e econômica nacionais. Os manuais de
redação – quando existem – permitem apreender tais demarcações.
Todavia não é comum que os meios de comunicação divulguem ex-
ternamente esse tipo de material; em regra, são de circulação restrita,
de uso exclusivo das redações. Coube ao jornal de referência Folha de
S. Paulo o pioneirismo na difusão pública do documento. O jornal,
inclusive, mantém em seu site as versões anteriores2 do Manual da
Redação que possibilitam acessar os posicionamentos da empresa e o
“modelo” de jornalismo, alterados ao longo do tempo.
Na edição mais atual – a de 2021, ano do centenário do perió-
dico –, a Folha afirma que o manual traz as atualizações do “Projeto

2 Oficialmente, o jornal passou a sistematizar o projeto editorial, em 1978, com o docu-


mento Levantamento de pontos indicativos de posição editorial e avaliação sintética do
momento político. Contudo há documentos anteriores, como o Programa de Ação das Fo-
lhas (1948), as Normas de Trabalho da Divisão de Redação (1959) e a Carta de Princípios
(1972). Para Juarez Bahia (1990), a carta tratava-se de iniciativa pioneira no jornalismo
brasileiro.

223
Editorial nos quais analisa o ambiente em que atua e renova suas
diretrizes jornalísticas” (Manual..., 2021, p. 15). Nessa versão do pro-
jeto editorial, a Folha apresenta, pela primeira vez, um inventário de
12 princípios que sintetizam os compromissos editoriais, políticos e
éticos. Entre eles:
[...]
3. Priorizar temas que, por afetarem a vida da coletividade ou
de parcelas expressivas da população, sejam considerados de
interesse público.
4. Promover os valores do conhecimento, da solução pacífica
dos conflitos, da livre-iniciativa, da equalização de oportunida-
des, da democracia representativa, dos direitos humanos e da
evolução dos costumes.
[...]
8. Manter atitude apartidária, desatrelada de governos, oposi-
ções, doutrinas, conglomerados econômicos e grupos de pres-
são.
9. Preservar o vigor financeiro da empresa como esteio da inde-
pendência editorial e garantir que a produção jornalística tenha
autonomia em relação a interesses de anunciantes; assegurar, na
publicação, características que permitam discernir entre con-
teúdo jornalístico e publicitário.
[...]. (Manual..., 2021, p. 13-14).

Assim como nos jornais, segundo afirma Scalzo (2006, p. 61),


“uma boa revista começa com um bom plano editorial e uma missão
definida – um guia que vai ajudá-la a posicionar-se objetivamente
em relação ao leitor e ao mercado”. Para Gruszynski e Calza (2013,
p. 208-209), o projeto gráfico, que conforma a materialidade do pe-
riódico, faz transparecer “o projeto editorial, linha de conduta da pu-
blicação que articula uma série de decisões relacionadas ao seu foco
jornalístico e temáticas de interesse a suas estratégias comerciais, seu
posicionamento junto ao mercado e aos receptores, sua identidade,
periodicidade, materialidade e produção”.

224
Quanto ao projeto gráfico, sua proposição responde ao projeto
editorial e a um briefing.3 Na sequência, encontra-se a “preparação de
elementos visuais preliminares [...] – miniaturas, rascunhos ou rafes”
(Dabner et al., 2019, p. 18). Segue-se o(a) boneco(a) que possibilita
dispor as ideias no espaço da página, o que “ajuda a determinar como
a massa de informação está dividida e permite planejar o ritmo e o
fluxo de imagens e texto ao longo de toda a publicação” (2019, p. 26).
O projeto gráfico de um jornal ou de uma revista – assim como de
um livro – precisa funcionar em termos de estrutura geral, macro,
como também nos pormenores, no estilo e na fonte do título, no ta-
manho e no estilo do corpo do texto, no espaçamento entre as letras e
entre as palavras, no entrelinhamento, no alinhamento, nas seleções
de cor, na proporção das imagens, etc. (Collaro, 2007; Dondis, 1997;
Hurlburt, 1986; Lupton; Phillips, 2013; Müller-Brockman, 2019; Sa-
mara, 2013; Silva, 1985).
O padrão gráfico considera como expressar visualmente os
conteúdos e criar destaques e contrastes entre os elementos a fim
de torná-los jornalisticamente eficazes e plasticamente agradáveis.
O jornalismo visual tem função estética, mas, sobretudo, lida essen-
cialmente com a informação. Em sentido complementar, para Nilson
Lage (2008, p. 12), “no projeto gráfico, a diferença se sobrepõe à se-
melhança e a novidade se integra à identidade”.
Propor ou aprimorar projetos editoriais e gráficos não deve ser
algo restrito aos produtos editoriais jornalísticos comerciais. O jor-
nal-laboratório e a revista-laboratório, produzidos nos cursos de
graduação em jornalismo, são espaços de aprendizado e experimen-
tação criativa de um e outro. Nos produtos editoriais laboratoriais, o
projeto editorial pode estabelecer os objetivos, o público e a periodi-
cidade, delimitar o enfoque, a segmentação, a linguagem e as seções,
demarcar as funções de cada membro da equipe. O projeto gráfico
possibilita a escolha do formato e dos elementos gráficos, bem como

3 “[...] todas as informações que possam ser necessárias para a elaboração do projeto sendo
elas informações limitantes (como verba, prazo, público-alvo etc.) ou não” (Gruszynski;
Chassot, 2006, p. 35).

225
da disposição com que irão compor as páginas de modo a criar iden-
tidade. Fixo ou móvel, o projeto gráfico relaciona-se, ainda, à orga-
nização dos conteúdos e à construção de relações a partir da combi-
nação de texto e fotografia, de grafismo e contragrafismo durante o
processo de diagramação e composição do produto jornalístico.
A produção laboratorial pode ser associada a outros instrumen-
tos de planejamento da edição e de acompanhamento da repartição
do conteúdo em produção ou já finalizado nas páginas do jornal ou
da revista, como o espelho4, o diagrama5 e o painel de revisão.6 À ex-
perimentação do projeto gráfico-editorial, durante a formação pro-
fissional, sobrepõe-se a discussão sobre jornalismo visual, sendo esta
necessária diante das peculiaridades do discurso jornalístico (Freire,
2009; Guimarães, 2013; Caldwell; Zappaterra, 2014).

Indicações de leitura

CASTRO, Luciano de; PERASSI, Richard. Estruturação de projetos gráficos:


a tipografia como base do planejamento. Curitiba: Appris, 2018.
COLLARO, Antonio. Produção gráfica: arte e técnica na direção de arte. 2.
ed. São Paulo: Pearson, 2012.
GUIMARÃES, Luciano. As cores na mídia. São Paulo: AnnaBlume, 2003.
HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa. 2. ed. São Paulo,
WMF Martins Fontes, 2010.
LUPTON, Ellen. Pensar com tipos. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
OFICINA Tipográfica São Paulo. Tupigrafia. São Paulo.
RIBEIRO, Ana Paula; MARQUES, Karoline; SASSAKI, Rafaela. O essencial
do design editorial. São Paulo: Ubu, 2016.
TABAK, Tatiana. Pequeno Livro de dicas de diagramação. Rio de Janeiro:
Puc-Rio, 2014.

4 Segundo Fátima Ali (2009, p. 108), “o espelho é a distribuição do conteúdo editorial –


matérias, seções e colunas – e anúncios ao longo das páginas [...]; um mapa simplificado
que indica o que vai onde; em que ordem, relevância e o espaço ocupado”.
5 “É o início do desenho da página. [...]. O diagrama (ou grade) é a base formada por li-
nhas que organizam o espaço da página. Basicamente, tais linhas definem as dimensões
da página, as medidas das margens, colunas, espaços entre colunas, posicionamento do
cabeço, fio-data, folio e outras informações fixas da página” (Guimarães, 2017, p. 8).
6 Local para afixar as provas de impressão.

226
Referências

ALI, Fátima. A arte de editar revistas. São Paulo: Companhia Editora Nacio-
nal, 2009.
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: história da imprensa brasileira. 4.
ed. rev. e ampl. São Paulo: Ática, 1990. v. 1.
CALDWELL Cath; ZAPPATERRA, Yolanda. Design Editorial: jornais e
revistas / mídia impressa e digital. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
COLLARO, Antonio. Produção gráfica: arte e técnica da mídia impressa. São
Paulo: Prentice Hall Brasil, 2007.
DABNER, David; STEWART, Sandra; VICKRESS, Abbie. Curso de design
gráfico: princípios e práticas. 2. ed. São Paulo: Gustavo Gili, 2019.
DONDIS, Donis. Sintaxe da linguagem visual. 2. ed. São Paulo: Martins Fon-
tes, 1997.
FETTER, Luiz. Revistas, design editorial e retórica tipográfica: a experiên-
cia da revista Trip (1986-2010). 2011. Dissertação (Mestrado em Comunica-
ção e Informação), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2011.
FREIRE, Eduardo Nunes. O design no jornal impresso diário. Do tipográfico
ao digital. Revista Galáxia, São Paulo, n. 18, p. 291-310, dez. 2009.
GUIMARÃES, Luciano. Conceito, fundamentos e as três dimensões do Jorna-
lismo Visual. Revista Comunicação Midiática, v. 8, n. 3, p. 236-253, set./dez.
2013.
GUIMARÃES, Luciano. Design da notícia & jornalismo visual no Notícias
do Jardim São Remo. São Paulo: ECA/USP, 2017.
GRUSZYNSKI, Ana; CALZA, Márlon. Projeto Gráfico: a forma de um concei-
to editorial. In: TAVARES, Frederico de Mello B., SCHWAAB, Reges (orgs.). A
revista e seu jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 203-220.
GRUSZYNSKI, Ana Cláudia; CHASSOT, Sophia Seibel. O projeto gráfico de
revistas: uma análise dos dez anos da revista Capricho. Conexão – Comuni-
cação e Cultura, Caxias do Sul, v. 5, n. 10, p. 32-59, jul./dez. 2006.
HULBURT, Allen. Layout: o design da página impressa. São Paulo: Nobel,
1986.
IMBERT, Gérard. El discurso de la representación. In: IMBERT, Gérard;
VIDAL BENEYTO, José. El País o la referencia dominante. Barcelona: Mitre,
1986. p. 25-52.
MANUAL da redação: Folha de S. Paulo: as normas de escrita e conduta do
principal jornal do país. 22. ed. Barueri, SP: Publifolha, 2021.

227
LAGE, Nilson. Linguagem jornalística. 8 ed. São Paulo: Ática, 2006.
LUPTON, Ellen. PHILLIPS, Jeniffer. Novos fundamentos do design. São
Paulo: Cosac Naify, 2014.
MÜLLER-BROCKMAN, Josef. Sistemas de grelhas: um manual para desig-
ners gráficos. 3. ed. 7. imp. São Paulo: Gustavo Gili, 2019.
SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. 2. ed. São Paulo, Contexto, 2004.
SAMARA, Timothy. Grid: construção e desconstrução. São Paulo: Cosac
Naify, 2013.
SILVA, Rafael Souza. O planejamento visual gráfico na comunicação im-
pressa. 7. ed. São Paulo: Summus, 1985.
ZAMIN, Angela. Jornalismo de referência: o conceito por trás da expressão.
Revista Famecos, Porto Alegre, v. 21, n. 3, p. 918-942, set./dez. 2014.

228
Títulos

Viviane Borelli

Título é uma frase, expressão ou palavra que antecede uma ma-


téria (reportagem, notícia, nota, texto opinativo etc.) e que aparece
em destaque em letras maiores, podendo ser escrito também em ne-
grito ou itálico. O título deve orientar e despertar o interesse do leitor
sobre a matéria. Ele é o ponto de entrada para a leitura e também
o fio condutor. Se o leitor não for “fisgado” pelo título, há poucas
chances de ser capturado para a leitura do lead e das demais partes
do texto. Para o professor Nilson Lage ([201-]), os objetivos do título
são apontar o elemento central e também identificar a singularidade
da matéria diante das demais da edição ou da página. Para Mário
Erbolato (2001, p. 251), o título deve, além de despertar o interesse,
dar uma “orientação geral sobre a matéria”. O Manual de Redação do
jornal Folha de S. Paulo refere que os títulos têm a função de “tornar
claro, em poucas palavras e em ordem lógica, o objeto da notícia e de
atrair o leitor, incitando seu interesse” (2001, p.36).
O título deve expressar o que trata a matéria, seja a questão cen-
tral, a novidade, ou um resumo. Se ele não estiver coerente com o
texto, corre-se o risco de perder o leitor, pois ele sentirá que foi “en-
ganado”. Como o título deve ser curto e direto, muitas vezes, na hora
da redigir, o jornalista pode cair na tentação de produzir frases de
impacto, generalistas ou chamativas. Uma postura ética, porém, nos
impele a ser fiel ao que diz a matéria, evitar dispersões e desvios do
tema abordado. De que adianta fazer um título de impacto para que
o leitor se interesse pelo texto se ele não condizer com a matéria? A
conquista do leitor para que siga na leitura de todo o texto começa
pelo título, mas é preciso ter respeito a esse pacto de credibilidade
que se constrói diariamente.

229
Um aspecto curioso ressaltado por Lage (2005) é que os jornais
primitivos não tinham título, pois se assemelhavam a livros, com a
separação entre matérias um tanto confusa, utilizando espaços entre
as linhas ou asteriscos. O formato de jornal que conhecemos atual-
mente surge no século XIX para acompanhar a largura das bobinas
das rotativas. Do ponto de vista gráfico, tudo “teve de ser inventado: a
separação entre notícias, os títulos que dariam origem às manchetes,
a divisão das páginas em colunas, a gravura industrial” (2005, p. 32).
Num jornal, o tamanho do título deve seguir o que prevê o
projeto gráfico, pois não pode ultrapassar o permitido sob risco de
comprometer a padronização gráfica e estourar o espaço. Como lem-
bra Lage (2005), antes dos anos 1940, os títulos dos impressos não
tinham letras contadas e acabavam sendo compostos num corpo que
desse melhor aproveitamento na largura da matéria. O autor detalha
que a padronização chega com a necessidade de um cálculo tipográ-
fico – em que há um limite de caracteres permitido – e também por
influência de um desenho industrial moderno, especialmente pelas
técnicas difundidas pela escola de arte alemã Bauhaus.
Quanto à localização, o usual é que o título ocupe o topo da
página e anteceda o texto da matéria, mas, como lembra Erbolato
(2001, p. 250), ele pode ser disposto também “abaixo ou ao lado do
texto”. Ou seja, o projeto gráfico é o responsável por orientar como o
título poderá aparecer, seja numa página impressa ou num formato
digital. Mesmo que as plataformas digitais permitam maior espaço
que as amarras do impresso, deve-se atentar para a necessidade de
clareza e concisão.
É oportuno mencionar as distintas formas de apresentação dos
títulos: manchete, chamada, antetítulo, subtítulo ou linha de apoio,
entretítulo ou intertítulo. A nomeação depende tanto do projeto
editorial como do gráfico de cada veículo de comunicação. Ainda,
é preciso salientar que a nomenclatura pode ser utilizada de formas
diferentes pela mesma mídia, pois depende do tipo de título que é
produzido para estampar uma página impressa ou para as distintas
plataformas digitais (Van Dijck; Poell; De Waal, 2018).

230
Começamos pelo termo manchete. No Dicionário de Comuni-
cação, escrito por Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa no final
dos anos 1970 e que teve sua 12ª edição em 2010, o termo manchete
designa o título da principal matéria da edição e que aparece em des-
taque na capa (primeira página) do jornal. Erbolato (2001, p. 246)
acrescenta que a manchete deve estar no “alto da página e em toda a
sua extensão horizontal”. Ainda na capa de um impresso ou na pri-
meira página de um portal de notícias, por exemplo, temos a chama-
da, que é um pequeno título. Para Rabaça e Barbosa (1998, p. 122),
a chamada deve ser um resumo do texto com “o objetivo de atrair o
leitor e remetê-lo para, matéria completa, apresentada nas páginas
internas”. No caso do impresso, o título da chamada deve ser acom-
panhado de informações sobre a seção e a página onde está o texto
completo ao qual se refere. As chamadas publicadas nos sites de notí-
cias, por exemplo, vêm, habitualmente, no formato de hiperlink para
facilitar o acesso e permitir que a leitura seja iniciada com um click.
Em titulação, há um conjunto de títulos auxiliares como antetí-
tulo, subtítulo ou linha de apoio. Todos são grafados em letras meno-
res que o título e com menor destaque. A função é complementar as
informações tratadas no título, mas sem repeti-las. O primeiro desig-
na uma palavra ou frase que antecede o título. O termo cartola, como
destaca Lage (2010), é utilizado no Sul do país para se referir ao que
vem antes do título (geralmente é apenas uma palavra ou expressão,
não uma frase). O autor ainda ressalta que o termo retranca designa:
“[...] antetítulo breve que identifica o assunto de que trata uma pági-
na (cartola ou chapéu)”(Lage, 2008, p. 90, grifos do autor).
O subtítulo ou a linha de apoio é uma frase (habitualmente cons-
tituída por sujeito + verbo + predicado) grafada abaixo do título. Er-
bolato (2001, p. 249) explica que ele é “composto em letras grandes,
porém menores que a do título principal”.
O entretítulo ou intertítulo é usado como recurso no decorrer da
matéria para deixar o texto mais fluído, menos monótono, destacar a
troca de tema e chamar a atenção para alguma informação nova a ser
introduzida. Erbolato (2001, p. 244) define que é o “título intercalado

231
na composição, no mesmo corpo ou em outro corpo, pouco maior.
Em geral, não ultrapassa uma linha”.
Lage (2005) defende que os intertítulos facilitam a leitura, ame-
nizam a impressão de que o texto é denso e cansativo. Sobre o recur-
so do entretítulo, sugere que ele seja usado após o terceiro parágrafo.
Na sequência, para o autor, eles devem ser “enxertados à medida que
se muda de assunto, ou em intervalos de três a cinco parágrafos grá-
ficos” (2005, p. 78). Como dito, cada mídia estabelece as regras espe-
cíficas para uso de recursos de titulação. O Manual de redação e estilo
de O Estado de S. Paulo (Martins, 1997), por exemplo, sugere utilizar
intertítulos a cada 20 linhas para efeito gráfico, que podem ser uma
palavra, locução ou frase.
A titulação em jornalismo segue os regramentos dos projetos
editorial e gráfico. Para orientar os jornalistas, são editados manuais
de normas e de redação com dicas para escrita e formas que devem
ser evitadas. A leitura desses manuais é importante, uma vez que
possuem exemplos elucidativos e didáticos, pois aqui são enfatizados
apenas alguns aspectos essenciais. O título deve atrair e conquistar
a atenção do leitor para seguir a leitura, deve resumir a matéria e
destacar a questão central. Priorizar a construção: sujeito + verbo
+ predicado; conter verbo, de preferência na voz ativa e no tempo
presente. Como destaca Erbolato (2001, p. 130), “o que aconteceu
tem menos importância, o que está acontecendo tem mais e o que
vai acontecer – quando, de fato, vem a acontecer – tem muitíssima”.
Evitar verbo no gerúndio e no condicional.
O Manual da Folha sugere que, inclusive no título, “quando não
puder assumir uma informação, atribua-a à fonte” (2001, p. 101).
Não usar pontuação, empregar siglas com cautela, evitar abreviações,
artigos indefinidos (um, uma, uns, umas) e pronomes que possam
gerar duplo sentido (seu, sua, seus, suas), termos genéricos, ambí-
guos, repetições (não reproduzir as palavras iniciais do texto), im-
precisões (vários, alguns, muitos) e palavras desnecessárias.
O título deve ser propositivo, diga o que aconteceu, como sugere
o manual de O Estado de S. Paulo: “Haverá sempre uma forma positi-

232
va — basta procurá-la – de transmitir a informação ao leitor” (1997,
p. 38). Como destaca Erbolato (2001, p. 130): “prefira, no título, afir-
mar”. As aspas são admitidas no caso de declaração ‘bombástica’ ou
termos que não podem ser retirados do contexto. Por questões de
espaço, pode-se omitir o artigo.
O Manual da Folha (1996, documento eletrônico) sugere que o
título deve ser “uma síntese precisa da informação mais importante
do texto. Sempre deve procurar o aspecto mais específico do assunto,
não o mais geral”. Um exemplo dado pelo jornal é: “Banco Mundial
propõe ensino pago em vez de Banco Mundial discute problemas
educacionais”.
Em palestra para a Redação do jornal Folha de S. Paulo o pro-
fessor de português Pasquale Cipro Neto destacou que “para manter
títulos curtos e sem artigos, os jornalistas às vezes sacrificam a gra-
mática e prejudicam o entendimento do leitor” (2016, documento
eletrônico). Ele analisou títulos do Uol e da Folha e disse que encon-
trou mais erros nas versões digitais que nas impressas. No texto “Há
muitos erros em títulos de reportagens, diz Pasquale” é possível, ver
exemplos avaliados e corrigidos pelo professor com dicas úteis para
não cair nas armadilhas da língua portuguesa quando for elaborar
um título.
Fica o convite para aprofundar o conceito de título do ponto de
vista teórico. Maurice Mouillaud (2012, p. 115) estuda como os títu-
los são construídos e os considera uma “inscrição” e “não como um
enunciado posto sobre um suporte”. O autor concebe que o título é
“uma região-chave que é o articulado e articulador do jornal, a ex-
pressão de sua estrutura”. A partir da análise de diversos exemplos,
faz uma tipologia de títulos: de referência, de assuntos, anafóricos,
informacionais. Já Teun Van Dijk (1990) analisa a estrutura da notícia
como discurso e, a partir de estudos empíricos, mostra que é preci-
so atentar para o fato de que as estratégias de leitura estão focadas
num primeiro momento nos títulos, pois é esse o primeiro passo para
compreensão do que é dito. Dessa forma, sugere que os títulos devem
expressar o mais importante ou a parte mais relevante da notícia.

233
Já Leandro Comasseto (2001) investigou a função do título como
facilitador da cognição porque introduz imediatamente o tema cen-
tral e as informações mais importantes. O autor analisou títulos de
jornais catarinenses, tendo como ponto de partida o pressuposto de
que os leitores sabem que a informação essencial deve ser encontra-
da no título e que a leitura dele, muitas vezes, é suficiente para uma
boa compreensão do tema. Sobre os primórdios do jornal, Nilson
Lage (2005) e Carlos Rizzini (1977) contam um pouco da história de
distintas fases antes da existência do sistema de titulação.

Indicações de leitura

ALSINA, Miquel Rodrigo. A construção da notícia. Petrópolis, RJ: Vozes,


2009.
AMARAL, Luiz. Técnica de jornal e periódico. Rio de Janeiro: Tempo Brasi-
leiro, 1969.
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: as técnicas do jornalismo. 4. ed.
São Paulo: Ática, 1990.
COTTA, Pery. Jornalismo: teoria e prática. Rio: Rubio, 2005.
LAGE, Nilson. Observador do mundo – blog.
LUSTOSA, Elias. O texto da notícia. Brasília: UNB, 1996.
KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem. São Paulo: Ática, 2009.
SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas
sobre a narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986.
SOUSA PINTO, Ana Estela de. Jornalismo diário: reflexões, recomendações,
dicas e exercícios. São Paulo: Publifolha, 2009.

Referências

ERBOLATO, Mário L. Técnicas de codificação em jornalismo: redação,


captação e edição no jornal diário. 5. ed. São Paulo: Ática, 2001.
COMASSETO, Leandro. As razões do título e do lead: uma abordagem
cognitiva da estrutura da notícia. 2001. Dissertação (Mestrado em Letras/
Linguística), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001.
FOLHA de S. Paulo. Novo manual da redação. 1996.

234
HÁ MUITOS erros em títulos de reportagens, diz Pasquale; veja dicas. Folha
de S. Paulo, Novo em Folha, Programa de Treinamento, 5 maio 2016.
LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. 6. ed. São Paulo: Ática, 2010.
LAGE, Nilson. Linguagem jornalística. 8. ed. São Paulo: Ática, 2008.
LAGE, Nilson. Teoria e técnica do texto jornalístico. 7 ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005.
LAGE, Nilson. Títulos. [S.l.: s.n.]. [201-].
LAGE, Nilson. Observador do mundo – blog.
MANUAL da redação: Folha de S. Paulo. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2001.
MARTINS, Eduardo. Manual de redação e estilo de O Estado de S. Paulo. 3.
ed. São Paulo: O Estado de S. Paulo, 1997.
MOUILLAUD, Maurice; PORTO, Sérgio Dayrell (orgs.). O Jornal: da forma
ao sentido. 3. ed. Brasília: Paralelo 15, 2012.
RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo. Dicionário de Comunica-
ção. São Paulo: Ática, 1998.
RIZZINI, Carlos. O jornalismo antes da tipografia. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1977.
VAN DIJK, Teun A. La noticia como discurso: comprensión, estructura y
producción de la información. Barcelona: Paidós, 1990.
VAN DIJCK, José; POELL, Thomas; DE WAAL, Martijn. The platform
society: public values in a connective world. Nova York: Oxford University
Press, 2018.

235
Legenda

André Carvalho

Entendida como um dos elementos caros ao processo de fecha-


mento ou acabamento da matéria jornalística (Pereira Júnior, 2009),
a legenda é o texto verbal que mais diretamente se conecta à imagem
ou ao texto visual dentro do jornalismo. A sua existência se dá em
relação, conexão, interação ou complementaridade à imagem que
acompanha, seja uma foto, uma ilustração, uma charge, um infográ-
fico ou outros textos visuais ou verbo-visuais jornalísticos. Na arqui-
tetura da notícia, ela também está diretamente relacionada aos ele-
mentos textuais mais destacados e lidos: chapéu, título, linha fina,
olho.
Buscando uma complementaridade e interface mais ampliada e
direta com a informação, a legenda introduz, indica e destaca o que o
texto da notícia ou da reportagem irá tratar de forma mais detalha-
da. Para Luiz Costa Pereira Júnior (2009) e Kenneth Kobré (2011),
ela é entendida, portanto, como um dos apelos à leitura, à aquisição
de um exemplar, ao acesso ao conteúdo jornalístico. Pode ser vista,
assim, como um dos elementos ou adereços informativos que intro-
duzem o assunto e direcionam sua compreensão. E observando o
que sintetiza o Manual da Folha de S. Paulo (2021, p. 232), ela busca
“responder às perguntas provocadas pela imagem”. Sem perder de
vista também, como destaca Pereira Junior (2009), a relação direta
que elas (foto e legenda) estabelecem com os demais elementos ou
adereços informativos de maior destaque na página.
A legenda costuma ser composta por um texto curto, sintético,
bastante informativo e direto. Mas existem outros casos frequentes
no jornalismo, como o da fotonotícia (Buitoni, 2011), chamada tam-
bém de fotolegenda (Buitoni, 2011; Boroski, 2020) em que a imagem
constitui praticamente toda a notícia, e vem acompanhada por um
237
texto-legenda (Buitoni, 2011; Manual..., 2021) – podendo ou não ter
um título –, às vezes maior do que as legendas usuais, com inclusive
mais de um parágrafo.
Há ainda fotossequências, ensaios ou reportagens fotográficas
onde tamanho, formato, posição das legendas subvertem as regras
mais usuais e criam novas modalidades, tanto plásticas, estéticas
(posição, tamanho, fonte, diagramação do texto) quanto informati-
vas (quantidade de caracteres, conteúdos), de interações entre ima-
gem e texto. Essas experimentações ou subversões do padrão comum
podem se dar na verdade desde o caso de uma única foto na notícia
até as narrativas digitais multimídias e transmídias, com lócus privi-
legiado à ampliação do valor expressivo das legendas, segundo Mar-
cia Boroski (2020).
A legenda deve, portanto, integrar o projeto editorial e gráfico
também como um texto visual, por se conectar à imagem a que se re-
fere do ponto vista estético, formando com ela uma figura que com-
põe, de forma particular e integrada (ao lado de todos os elementos
da matéria), a arquitetura da página impressa ou da tela digital. Por
conta da interface entre tantos elementos jornalísticos, sua elabora-
ção muitas vezes é complexa e desafiadora.
Assim, uma das questões que sempre se coloca no processo edi-
torial é quem faz a legenda no fechamento da notícia. Se por um
lado essa elaboração se mostra importante no plano do conteúdo,
por outro já deixa indicada a delicadeza ética que a função requer
ao conectar a fotografia ao texto verbal, pois não pode prescindir do
que o processo de elaboração fotográfica testemunhou ao produzir a
imagem. Ou seja, a legenda, se não tratada com o mesmo rigor ético
e deontológico de todos os demais elementos do jornalismo, pode
distorcer o que a foto apresenta da realidade a que se liga, a partir da
qual se originou.
Não há como falar de legenda sem falar de fotografia, pois essa
talvez seja, no jornalismo, a relação mais simbiótica e visível das inte-
rações verbo-visuais. Para Jorge Pedro Sousa (2004, p. 65), numa tra-
dição barthesiana da relação entre texto e imagem, o primeiro é “im-

238
prescindível para a mensagem fotojornalística”. Para o autor (2004,
p. 65), “não existe fotojornalismo sem texto”. Roland Barthes (1990,
p. 33) atribui ao texto, que denomina de mensagem linguística, não
somente a responsabilidade sobre a construção de um sentido mais
preciso, mais restrito ou menos aberto de uma informação, como
também “o investimento da moral e da ideologia de uma sociedade”.
Portanto, caberia à legenda um valor repressivo sobre a imagem, que
era entendida por Barthes como mais polissêmica que o texto verbal,
e a indicação do que chama de “um bom nível de percepção” (1990,
p. 33), ou seja, de leitura e compreensão da imagem.
Walter Benjamin (1994, p. 107) também confere ao texto o papel
de intervir sobre a fotografia “para favorecer a liberalização de todas
as relações da vida e sem a qual qualquer construção fotográfica cor-
re o risco de permanecer vaga e aproximativa”. O pensador conclui
com uma provocação que, em certa medida, coaduna com a impres-
cindibilidade da legenda na elaboração de um sentido mais potente
que surge da interação verbo-visual: “Não se tornará a legenda a parte
mais essencial da fotografia?” (1994, p. 107). Aqui Benjamin não está
discutindo diretamente a relação de poder e valor entre imagem e tex-
to, mas como bem analisa Márcio Seligmann-Silva (2016, p. 70), a im-
portância do texto na construção de um sentido político da imagem.
Já Boris Kossoy (2000) analisa o poder que a fotografia teve e
tem em razão de sua forte conexão com o referente, o significante
que a originou. Por sempre estar ligada a algo no mundo, o seu valor
de prova, verdade, indício é caro a diversas áreas do conhecimento
e serve bem aos princípios jornalísticos da objetividade e imparcia-
lidade. O estatuto de verdade veio sendo contestado ao longo de sua
história, seja por questões relativas à técnica, como as possibilidades
de manipulação digital, seja pelas possibilidades expressivas que cada
vez mais se libertaram das amarras de uma linguagem supostamente
objetiva e imparcial, seja pelas denúncias de seus usos políticos. No
entanto, esse estatuto continua muito potente a depender também,
como define Martine Joly (1996), do texto que acompanha a ima-
gem, do contexto em que são publicados, da expectativa do leitor.

239
Kossoy (2000) lembra que a fotografia é invariavelmente uma
“manipulação” em diversas camadas, desde o funcionamento de um
dispositivo fotográfico, passando pelos filtros do fotógrafo e chegan-
do a seu uso histórico, sociocultural, político, institucional, editorial.
No caso da comunicação, o processo é usualmente acompanhado
por um texto verbal. O autor afirma que a fotografia sempre foi usada
para fortalecer diferentes ideologias e manipular a opinião pública a
partir de sua credibilidade.
Ariella Azoulay (2019, p. 120) problematiza e desconstrói a his-
tória da fotografia a partir da denúncia de que seu discurso, ao longo
do tempo, esteve “enraizado nas estruturas imperiais de poder e de
legitimação da violência” colonial. Para ela, a fotografia se beneficia
do projeto colonialista sobre os direitos de outros povos e se coloca
a serviço, muitas vezes, da violência. Edita a história visual da hu-
manidade mostrando os feitos desse empreendimento de poder que
expropria as visualidades dos diversos povos colonizados e toma-as
como suas, sob o preceito de torná-las universais. E as legendas que
acompanham essas fotos possuem um papel central no empreendi-
mento imperialista, por serem elas que adjetivam, categorizam, dão
destaque ou apagam os acontecimentos e seus personagens, taxan-
do-os de criminosos, insurgentes, rebeldes ou simplesmente não os
identificando.
Pensando nas interações entre imagem e texto na imprensa, em
que são dispostas uma ao lado da outra, Lucia Santaella e Winfried
Nöth (2001, p. 55), citando Abraham Moles, falam em uma tríade e
não uma díade nesta produção de sentidos, composta por texto, ima-
gem e legenda, onde a “legenda comenta a imagem”, “a imagem ou
figura comenta o texto”, e pode ainda comentar sua própria legenda.
Ocorre assim o que chamam de “interpretação holística desta ima-
gem total”, e não “uma mera adição de duas mensagens informativas
diferentes”.
Similar ao que Martine Joly (1996; 2003) propõe, chamando essa
relação ou interação também de complementaridade, sem uma hie-
rarquia como regra absoluta e que prescinda do contexto e do papel

240
do texto e da imagem em cada circunstância em que estejam. Joly
(2003) contesta a ideia da imagem como mais polissêmica em re-
lação ao texto. Para ela, o texto visual corresponderia sempre a um
enunciado icônico complexo, e como tal, seja ou não verbal, é polis-
sêmico. O que pode reduzir essa ambiguidade é o contexto da pro-
dução de sentidos somado ao contexto verbal ou icônico, bem como
aos meios de transmissão, como a imprensa, e que por sua vez estão
inscritos em situações e instituições particulares. Ou seja, há uma
relação complexa e contextual na produção de sentidos que deve ser
construída ou interpretada também à luz das especificidades de cada
caso.
Dentre as relações mais comuns existentes entre os textos verbais
e visuais estão as clássicas ancoragem e relais, destacadas por Barthes,
Santaella, Nöth e Joly. A ancoragem é uma orientação feita pelo texto
para o leitor sobre os elementos a serem destacados na imagem, que
busca orientar sua leitura. O relais é uma relação de maior comple-
mentaridade em mão dupla, em que informações contidas em um
atuam reciprocamente na compreensão do outro: o texto se dirige à
imagem e vice-versa. Além dessas relações, Santaella e Nöth (2001)
propõem outras, dentre as quais a de denominação e etiquetamento,
uma das mais frequentes no jornalismo: quando a palavra designa a
coisa ou pessoa mostrada na imagem.
Outro ponto destacado por Joly (1996, p. 119) é que, entre os
aspectos mais dificilmente mostrados por uma única imagem e com
precisão, estão a causalidade e a temporalidade, de que o texto que a
acompanha muitas vezes se incumbe. Joly (2003) problematiza ainda
que, diferente da imagem, o texto possui uma assertividade mais fácil
de ser notada quando quer reduzir suas ambiguidades, já que a ima-
gem, sem recorrer à palavra, não afirma ou nega nada, não consegue
dizer “não”, por exemplo. Essa “vacilação interpretativa provocada
pela falta de assertividade da imagem” (2003, p. 95-96) seria então
confundida com uma maior polissemia.
Sousa (2004, p. 66) enumera uma série de funções que o texto
exerce mais comumente diante da imagem. São eles:

241
a) chamar a atenção para a fotografia ou para alguns dos seus
elementos, inclusive em alguns casos redundando-os;
b) “complementar informativamente” a fotografia. Apesar de
Sousa destacar a incapacidade da imagem de “mostrar con-
ceitos abstratos”, a experimentação e o fator autoral determi-
nantes de muitos periódicos hoje permitem essa possibilida-
de;
c) ancorar o significado da fotografia (“denotar a foto”), orien-
tando o leitor para o que a fotografia representa;
d) “conotar a fotografia”, ampliar os significados possíveis,
orientando o leitor para outros significados não contidos na
imagem e que se quer a ela atribuir;
e) analisar, interpretar ou comentar a fotografia ou seu conteú-
do;
f) contradizer a foto ou seu conteúdo, muitas vezes usados com
a proposta de humor.

Mesmo reconhecendo a importância, consistência e amplitude


das funções descritas por Sousa (2004) e que dão uma medida dos
usos mais frequentes das legendas no jornalismo, esgotá-las diante
do processo de transformação constante por que a área vem passan-
do parece impossível. Outra forma de uso da contradição, por exem-
plo, é para a crítica, como em matérias em que uma afirmação dita
por algum personagem é colocada junto a imagens que mostram o
contrário do que está dito, desmentindo-o ou se opondo a ele – po-
dendo essas outras imagens terem outras legendas.
Vale ainda destacar a multiplicidade de sentidos que alguns
desses termos, usados por diversos autores e manuais de redação,
podem ter, como complementar, contextualizar, descrever, ampliar,
ilustrar, alterar, redundar – e por aí vai. Há inclusive diferenças entre
o que preconizam. Pereira Junior (2009) sugere evitar a redundância
entre foto e legenda, o que Sousa (2004) considera às vezes possível.
De toda forma, o recurso da redundância deve sempre ser avaliado
e arquitetado, até para que, como coloca o Manual da Redação da

242
Folha de S. Paulo (2021, p. 232), “não [se] subestime a inteligência
do leitor”. Há ainda o risco do uso desnecessário de um espaço in-
formativo que já costuma ser bem econômico, sintético, no caso da
legenda. Por outro lado, a redundância pode ser um recurso bem-
-vindo para se enfatizar determinados aspectos que são caros à pauta
e precisam ser considerados.
Isso sinaliza que, a depender do tipo de acontecimento, notícia
e foto utilizada, além das apurações realizadas por repórteres e por
fotojornalistas, haverá estratégias e possibilidades informativas dis-
tintas para as legendas das imagens usadas na matéria. Mais uma vez
os universos técnico, informativo e ético estão intimamente conec-
tados. No caso da fotografia, que possui em seu significado e valor
jornalísticos uma forte ligação com o referente, além de ser captada
em um determinado tempo e lugar, deve ser imprescindivelmente
apurada. Kobré (2011) descreve diversos casos em que a apuração ou
não foi feita ou deixou de ser informada pelo fotógrafo aos responsá-
veis por finalizar a notícia. E, por outro lado, Boroski (2020) critica
a forma superficial e imediata como às vezes a legendagem se dá no
processo editorial, ficando por conta somente do editor e do fecha-
dor, sem as informações da equipe de fotografia.
Para Kobré, Boroski e o Manual da Folha, ao menos o que acon-
tece (contexto), quem aparece na foto (se possível não somente o
nome, mas a idade, o que faz, porque está ali), onde e quando o fato
ocorreu devem ser descritos pelo fotógrafo como informação que
acompanha suas imagens. Isso é imprescindível também para a or-
ganização do arquivo do jornal ou da revista e para as agências de
imagens que vendem e disponibilizam essas fotos. Prescindir das in-
formações da apuração no ato da produção fotográfica e desconside-
rar tais dados como fundamentais, inclusive para avaliação se uma
foto deve ser publicada e com qual legenda, é ignorar o valor ético
fundamental do jornalismo em relação à veracidade das informações
que transforma em notícia. Isso sem falar em questões legais e deon-
tológicas estabelecidas, por exemplo, pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente.

243
Como forma de ilustrarmos a delicadeza da questão, basta lem-
brar o célebre caso do repórter Larry Rohter, que teve publicadas
fotos de turistas tchecas, na praia de Ipanema, em uma matéria para
o jornal The New York Times sobre o aumento da obesidade no Brasil,
em 2005. Depois de denunciado o problema, o ombudsman do NYT,
Daniel Okrent, reconheceu e lamentou o erro do jornal, que taxou
como “grave”, colocando toda a responsabilidade do fato no fotógra-
fo John Maier, contratado para a pauta. De fato, a responsabilidade
da apuração sobre o que se fotografa é, em primeiro lugar, do autor
da imagem. Contudo, se não há essa preocupação ou exigência por
parte de toda a equipe envolvida na produção da notícia, o problema
ético atravessa toda a estrutura da informação.
Muitas vezes, o fotógrafo não consegue estar no fechamento da
matéria, inclusive pela natureza do seu ofício, que o obriga a perma-
necer em campo. No entanto, é fundamental a criação de processos
e fluxos informativos que, na ausência do fotojornalista, deem aos
fechadores, sejam editores, repórteres de texto, subeditores, as infor-
mações necessárias à legendagem. Levando-se em conta no fluxo as
informações que vão da pauta, passando pela apuração, redação da
notícia e chegando à edição.
Para Boroski (2020, p. 124), a revista se diferencia do jornal na
exploração de suas legendas por lhes conferir “uma fatia mais igua-
litária em relação às imagens e à fotografia”, e com isso um valor
expressivo e informativo mais destacado. Para a autora, nos jornais
geralmente as legendas não trazem informações novas que já não
estejam contidas no corpo do texto da matéria. Já as revistas permi-
tem que isso ocorra com mais frequência, especialmente quando se
referem a mais de uma imagem.
Por fim, é importante destacar que as definições, funções, re-
gras e ocorrências usuais a legenda não devem ser imobilizantes
sobre os projetos editoriais e gráficos de cada tipo de veículo. Aqui
foram tratadas como conceituações, constatações, inquietações,
provocações de diversos autores sobre o assunto. O jornalismo está
constantemente se revendo, se revisitando, se reinventando, e as

244
soluções informativas, estéticas, processuais, laborais precisam ser
também reavaliadas cotidianamente, inclusive como forma de res-
pondermos a aspectos ideológicos, políticos e éticos que desafiam
o seu fazer.

Indicações de leitura

Jornais e revistas
É difícil encontrar uma publicação jornalística que tenha se mantido, ao
longo do tempo, como um perene e rico “modelo” sobre a exploração das re-
lações entre legenda e imagem na construção da notícia. No entanto, muitas
investem em reportagens e textos imagéticos mais densos, aprofundados, o que
resulta em inspiradores resultados. Contudo, vale destacar que, mesmo nos
exemplos indicados a seguir, as possibilidades de exploração visual também são
condicionadas à própria pauta, às escolhas editoriais, suas potências e limites.
Assim, em todas há exemplos ricos e outros nem tanto. Algumas têm seções
específicas dedicadas à imagem, e que carregam com elas a fina relação com os
textos. As indicações não têm a pretensão de esgotar as publicações de maior
destaque hoje, sob o risco de deixar de fora outras tantas de igual ou maior
valor, e também tiveram como critérios a possibilidade de acesso via internet;
exemplos do jornalismo contra hegemônico e hegemônico nacionais; e relevân-
cia histórica mundial.
A LENTE
EL PAÍS
FOLHA de S. Paulo
LIFE
MAGNUN Photos
NATIONAL Geographic Brasil
REPÓRTER Brasil
O GLOBO

Publicações
Sobre publicações nacionais total ou parcialmente abertas que trazem discus-
sões acerca da fotografia, e com ela relações verbo visuais.
DISCURSOS Fotográficos
REVISTA Zum

245
Referências

AZOULAY, Ariella. Desaprendendo momentos decisivos. ZUM, São Paulo, n.


17, p. 116-137, 29 out. 2019.
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios sobre fotografia, cinema,
pintura, teatro e música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
BENJAMIN, Water. Pequena história da fotografia. In: Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São Paulo: Brasi-
liense, 1994, p. 91-107.
BOROSKI, Marcia. Fotojornalismo: técnicas e linguagens. Curitiba: InterSa-
beres, 2020.
BUITONI, Dulcilia Schoeder (org.). Fotografia e jornalismo: a informação
pela imagem. São Paulo: Saraiva, 2011.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996.
JOLY, Martine. La imagen fija. Buenos Aires: La Marca, 2003.
KOBRÉ, Kenneth. Fotojornalismo: uma abordagem profissional. 6. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2011.
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. 2. ed. Cotia, SP:
Ateliê Editorial, 2000.
MANUAL da redação: Folha de S. Paulo: as normas de escrita e conduta do
principal jornal do país. 22. ed. Barueri, SP: Publifolha, 2021.
PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa. Guia para a edição jornalística. 2. ed. Petró-
polis: Vozes, 2009.
SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia.
3. ed. São Paulo: Iluminuras, 2001.
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Walter Benjamin e a fotografia como segunda
técnica. Revista Maracanan, v. 12, n. 14, p. 58-74 jan./jun. 2016.
SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo: introdução à história, às técnicas e à
linguagem da fotografia na imprensa. Florianópolis: Letras Contemporâneas,
2004.

246
Editorias | Seções |
Abordagens especializadas
Política

Hila Rodrigues

A editoria de política é a seção que, em jornais de mídia im-


pressa e on-line, apresenta notícias e colunas1 relacionadas à gestão
governamental, mas também às disputas travadas pelas sociedades
nos âmbitos público e privado, resultantes da pluralidade de inte-
resses que marcam o cotidiano da coletividade. Trata, portanto, de
assuntos referentes aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,
bem como aos órgãos a eles vinculados – partidos, entidades, or-
ganizações e instituições articuladas às esferas de poder formal na
sociedade. Ocupa-se, ainda, de temas que mobilizam movimentos
sociais e também agentes políticos e econômicos que se relacionam
com gestores públicos e privados.
Os temas mais abordados decorrem da cobertura de eventos
específicos, como as votações parlamentares, as decisões de gover-
no que afetam o dia a dia dos cidadãos, as eleições, os movimentos
reivindicatórios em diferentes setores (envolvendo os direitos políti-
cos, civis e sociais previstos na Constituição), as políticas públicas, as
deliberações do Judiciário e as relações internacionais, entre muitos
outros. Assim, a cobertura jornalística envolverá, principalmente,
acontecimentos que demandam investigação e acompanhamento de
negociações e acordos variados, desempenho em cargos públicos,
processos judiciais (nos âmbitos público e privado), ações de agentes
políticos em decorrência de eventos de cunho econômico, escânda-
los e crimes de corrupção, abuso de poder e tráfico de influência.
As fontes acessadas aqui para a produção de notícias – e tam-
bém de abordagens mais interpretativas e analíticas, como é o caso

1 Diferente das colunas, os artigos de cunho político são, em geral, publicados na editoria
de Opinião (ou nas primeiras páginas dos jornais impressos), não raras vezes dividindo
o espaço com o editorial e as mensagens enviadas pelo público leitor.

249
das colunas – são, de maneira geral, os detentores de cargos políticos,
eletivos ou não (prefeitos, governadores e presidente da República,
vereadores, deputados e senadores, secretários e ministros, juízes,
procuradores, técnicos do serviço público, assessores parlamentares,
assessores técnicos e assessores de imprensa, entre outros); represen-
tantes dos movimentos sociais (integrados por agentes como os tra-
balhadores rurais e urbanos, confederações estudantis, coletivos en-
volvidos com pleitos ligados a questões de gênero, raça, etnia, meio
ambiente etc.), especialistas (cientistas políticos, sociólogos, consul-
tores de marketing político etc.) e o cidadão comum (em sua condi-
ção de contribuinte, de eleitor e de usuário dos serviços públicos).
A política pautou os jornais desde a origem das primeiras fo-
lhas impressas – e, mais que isso, foi tema inspirador e motivador da
criação de um instrumento específico para o compartilhamento de
informações que dissessem respeito à disputa pelo poder, aos assun-
tos de Estado, às eleições, às guerras e às revoluções. Na concepção
da filósofa Hannah Arendt (2006), a política surge em contraposição
à barbárie exatamente porque nasce como um modo de organização
de uma coletividade que possui diferentes interesses, necessidades
e aspirações. Onde há consenso (sobre assuntos em comum) a arte
da política não é necessária. A política pressupõe o estabelecimento
de acordos e, portanto, de processos de negociação, de forma que se
chegue a um lugar comum. Não é possível viver em sociedade sem a
política. Assim, falar e dialogar sobre temas políticos significa estar
aberto e atento à maneira de olhar do outro. Isso explica, em parte,
a razão pela qual mesmo antigos jornais como o The Daily Universal
Register, de 1785 (futuro The Times, de Londres), o New York Sun, de
1833 (primeiro jornal vendido ao custo de um centavo de dólar) ou o
Correio Braziliense, jornal brasileiro impresso em Londres a partir do
ano de 1808, já concentravam os assuntos políticos em seção espe-
cialmente destinada à análise dos acontecimentos políticos (Lustosa,
2003; SOUSA, 2008).
O dia a dia do profissional responsável pela cobertura nessa edi-
toria se desenrola, não raras vezes, nos corredores e rampas que dão

250
acesso a salões de onde, a qualquer momento, pode sair um chefe
de governo. Ou em gabinetes parlamentares, salas de imprensas de
outros órgãos públicos, sedes de partidos, antessalas de juízes, escri-
tórios de analistas de pesquisas ou consultores de marketing político
– ou, ainda, nas ruas, em meio a multidões decididas a chamar a
atenção das autoridades públicas para reivindicações variadas. Como
lidará, nesses lugares, com interesses nunca convergentes (pois a po-
lítica pressupõe a disputa), o jornalista não pode limitar sua inves-
tigação àquele espaço nem à(s) fonte(s) desse espaço. Embora seja
uma das regras de ouro da atividade jornalística – ouvir todos os
envolvidos, em todos os lugares onde estiverem –, essa escuta é ainda
mais crucial na editoria de política.
Além disso, é preciso estar bem informado e atualizado a res-
peito das demandas mais prementes da sociedade em contextos es-
pecíficos, checar as informações da fonte (e estar a par do interesse
dessa fonte ao dispor das informações que tem), pesquisar e reunir
informações documentais quando se fizer necessário e compreender
a história política do país. A tudo isso, pode ser útil conversar com
os colegas e manter-se informado por outros noticiários ao longo do
dia.
Não são poucos os desafios impostos por essa editoria, a come-
çar pela necessidade de uma compreensão real das particularidades
da gestão das políticas públicas, função primeira daqueles que gover-
nam. Nesse campo de estudos, autores clássicos como Thomas Dye
(1984) e Harold Lasswell (1958) já resumiram bem – e há muito – o
emaranhado de armadilhas que podem estar presentes no percur-
so da apuração dos acontecimentos que envolvem atores políticos.
O primeiro definiu a política pública como aquilo que um governo
decide fazer ou, simplesmente, não fazer. O segundo assegura que
quaisquer decisões sobre políticas públicas envolvem algum ganho,
alguém que é beneficiado, razões pontuais pelas quais isso se dá e os
efeitos de todo esse processo sobre todos os atores implicados. Por
isso mesmo, o jornalista Rudolfo Lago (2006), em abordagem sobre
a prática e o conhecimento nesse campo de atuação, assegura que

251
não existe apuração de qualquer que seja o evento político sem que
isso não exija também uma análise política desse evento. Nessa pers-
pectiva, qualquer repórter político que retorne à redação e redija uma
matéria com informações coletadas apenas no âmbito do Parlamen-
to, por exemplo, escreverá “um texto ingênuo”, uma vez que história
política alguma pode ser explicada sem que se apreenda a fundo as
nuances da arena onde a disputa é travada (Lago, 2006, p.143-144).
Para além do desafio da prática, contudo, estão também desafios
relacionados ao lugar ocupado pelo profissional que atua nessa edi-
toria. Ao lançar sua última obra, Governing with the news: the news
media as a political institution (studies in Communication, Media,
and Public Opinion), Timothy E. Cook (1954-2006), pesquisador
e professor de Jornalismo na universidade do estado americano de
Louisiana, já observava que o profissional envolvido nesse tipo de
cobertura é também um ator político, assim como o é a mídia (enten-
dendo aqui, como agente político, também aqueles atores que atuam
politicamente fora dela). Cook (2011) argumenta que o jornalismo
reforça e amplia o poder político do político, além de influenciar
autoridades públicas e instituições responsáveis por definir o que é
certo e o que é errado dentro do arranjo de valores na política. Iden-
tifica, assim, uma “política da cobertura das notícias” (2011, p. 206)
que aciona duas forças em duas direções: por um lado, apresenta a
ação oficial (o que contribui para implicar o jornalismo mais profun-
damente no governo) e, por outro, interpreta essas ações oficiais a
partir de valores de produção que também estão sujeitas a acordos (e
que, assim, pode favorecer esse ou aquele ator oficial).
São aspectos que reforçam, nessa editoria, em especial, a impor-
tância do jornalismo investigativo pautado pelos rigorosos preceitos
éticos que orientam essa profissão – um jornalismo que se desenhe
com base em diagnósticos claros do momento político, e dos aspec-
tos econômicos e sociais a ele relacionados e, sobretudo, atento às
vulnerabilidades a que está sujeita a própria cobertura jornalística.
Igualmente importante, nesse tipo de cobertura, são os esforços
para a assimilação e a compreensão do funcionamento dos órgãos

252
públicos, das nomenclaturas que definem partidos e instituições
situadas na estrutura da esfera governamental, os trâmites e regi-
mentos internos do Parlamento e dos órgãos articulados ao Judiciá-
rio. Faz-se necessário, ainda, conhecer os processos que envolvem
as etapas de formulação, implementação e avaliação das políticas
públicas.

Indicações de leitura

ABRAMO, Cláudio. A regra do jogo e a ética do marceneiro. São Paulo:


Companhia das Letras, 1988.
CANELA, Guilherme (org.). Políticas públicas sociais e os desafios para o
jornalismo. São Paulo: Cortez Editora; Agência de Notícias dos Direitos da
Infância, 2008.
CARTA, Mino. O Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2013.
LIMA, Venício A. de; GUIMARÃES, Juarez; AMORIM, Ana Paola (orgs.).
Em defesa de uma opinião pública: conceitos, entraves e desafios. São Paulo:
Paulus, 2014.
MARTINS, Franklin. Jornalismo político. São Paulo: Contexto, 2005. p. 45-
86.
MATOS, Carolina. Jornalismo e política no Brasil. São Paulo: Publifolha,
2008. p. 199-295.
NOVAES, Adauto (org.). O esquecimento da política. Rio de Janeiro: Agir
Editora, 2007.
SEABRA, Roberto; SOUSA, Vivaldo de. (orgs.). Jornalismo político: teoria,
história e técnicas. Rio de Janeiro: Record, 2006.

Referências

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COOK, Timothy E. O jornalismo político. Revista Brasileira de Ciência Polí-
tica, Brasília, n. 6, p. 203-247, jul./dez. 2011.
DYE, Thomas D. Understanding public policy. Englewood Cliffs, N.J.: Pren-
tice-Hall, 1984.
LAGO, Rudolfo. Prática e conhecimento. In: SEABRA, Roberto; SOUSA,
Vivaldo de. (orgs.). Jornalismo político: teoria, história e técnicas. Rio de
Janeiro: Record, 2006. p. 143-153.

253
LASWEL, Harold H. Politics: Who gets what, when, how. Cleveland: Meri-
dian Books, 1958 [1936].
LUSTOSA, Isabel. O nascimento da imprensa brasileira. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2003.
SOUSA, Jorge Pedro. Uma história breve do jornalismo no Ocidente. In:
SOUSA, Jorge Pedro (org.). Jornalismo: história, teoria e metodologia.
Perspectivas Luso-Brasileiras. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa,
2008. p. 88-98.

254
Economia

Maria Lucia de Paiva Jacobini

De forma geral, a editoria de economia é a seção dedicada ao


processo que envolve a apuração e a construção da notícia sobre
fatos do campo da economia. Bernardo Kucinski (1996) é um dos
principais pesquisadores brasileiros que discute essa especialização
e avalia que o jornalismo que aborda a economia é um pouco di-
ferente. Segundo ele, os cadernos e seções não estariam centrados
apenas em acontecimentos excepcionais e singulares; ao contrário, o
jornalismo econômico – bem feito – deveria dar conta da continui-
dade e da ligação entre os fatos, principalmente porque a economia
é um processo e, portanto, sua cobertura deveria ser capaz de refletir
essa conexão. Talvez por isso não seja uma editoria considerada fácil
e acessível.
Uma definição famosa sobre as dificuldades de compreensão do
jornalismo econômico pode ser encontrada na fala de Sidnei Basile
(2002, p. 7), para quem “não há notícias chatas. Há matérias chatas
feitas por repórteres e editores chatos, para publicações chatas”. Suely
Caldas (2005, p. 9) também enfatiza a responsabilidade do jornalista
em tornar o jornalismo econômico algo considerado “chato”.
Ou seja, aqui entra o papel fundamental do jornalista: ser o res-
ponsável não só pelo processo de reportar o fato econômico, mas
também de tradução e aproximação desse conteúdo à realidade do
leitor. É esse profissional que aborda diariamente temas complexos,
como o mercado de capitais, e lida com fontes técnicas, a exemplo
de membros do governo, empresários, economistas e pesquisadores,
todos com seus conhecimentos específicos e interesses.
Para que isso seja possível, um bom pressuposto seria de que o
profissional está constantemente atualizado e tem domínio para con-
seguir trabalhar uma informações que vão desde o impacto de uma
255
variação da taxa de juros ou de câmbio na vida cotidiana até como
decisões políticas podem refletir sobre o preço de uma ação.
A relação direta com a editoria de política é parte da história do
jornalismo econômico brasileiro, com ampla proximidade e correla-
ção desde suas origens, com a posição agroexportadora do país nos
séculos XIX e XX. Caldas (2005) e Aylê-Salassié Quintão (1987), por
exemplo, identificam nesse período a dimensão política da fundação
de jornais de comércio e indústria e das primeiras seções e colunas de
economia. Nessa evolução, os principais jornais do país e seus cader-
nos de economia e finanças acompanharam a passagem dos sistemas
econômicos baseados na agricultura, para o comércio e a indústria,
para, finalmente, o mercado financeiro dominante no século XXI.
Se ao longo desse período o jornalismo econômico se mostrou
relevante, estabelecido e com um público-alvo específico, diante
de cenários de crise, instabilidade e volatilidade, seu valor é ainda
maior. É ele o encarregado da informação de qualidade que desem-
penha um papel decisivo para os inúmeros agentes econômicos e
tomadores de decisão – indivíduos, companhias ou governo –, para
tentarem minimizar riscos e maximizar benefícios.
Há uma opinião comum de que o jornalismo econômico é difí-
cil, impessoal, incompreensível ou até mesmo feito para poucos, ape-
nas aqueles que trabalham com isso e sem uma relação direta com a
vida cotidiana. Uma explicação para essa percepção está na relação
entre o jornalista, o público e o conteúdo; isso significa que é possível
pensar as diferentes combinações entre tais variáveis.
Uma possibilidade seria a de um grande jornal, com público am-
plo de leitores que não necessariamente compreendem a lógica da
economia, apesar de serem, evidentemente, afetados por ela e gos-
tariam de ser informados sobre isso. O dilema é como publicar uma
informação de qualidade, contextualizada, capaz de levar para um
grupo heterogêneo os efeitos de acontecimentos econômicos sem
que se tornem inacessíveis.
Autores como Kucinski (1996) e Basile (2002) enfatizam nova-
mente a importância do jornalista. Para eles, a maioria dos profis-
sionais que lidam com tais temas enfrenta também uma dificuldade

256
para compreender a linguagem técnica e o conteúdo. São muitas as
consequências: a reprodução acrítica da fala das fontes, uso de ter-
mos técnicos, erros de interpretação de dados estatísticas e argumen-
tação confusa.
A premissa por trás disso é que o jornalista apenas conseguiria
oferecer uma notícia de modo claro se entendesse do que está falan-
do. Ou seja, seria capaz de informar o leitor leigo por meio de exem-
plos e estabelecer comparações para fugir de termos difíceis, expres-
sões técnicas, neologismos e da repetição de jargões ou palavras em
língua estrangeira. Só assim poderia de fato difundir conteúdo de
qualidade para o leitor sobre o que interfere no seu cotidiano.
Outra perspectiva é a do jornalismo econômico praticado por
um jornal ou uma revista especializados – por exemplo, o jornal Va-
lor e as revistas IstoÉ Dinheiro ou Exame –, direcionado para um pú-
blico familiarizado com o tema/linguagem e que demanda maior ca-
pacidade de análise e informações de profundidade. Trata-se de um
grupo composto por economistas, empresários, investidores, mem-
bros de consultorias, pesquisadores, etc., e que carregam o desafio
do jornalista de conseguir fugir da banalização e da simplificação da
notícia, o que significa ser capaz de demonstrar o encadeamento dos
fatos e contextualizar acontecimentos.
Como solução para tais dilemas, uma saída comum é o uso de
personagens, de histórias reais como forma de aproximar números
da realidade. Outras estratégias são a presença de infográficos para
ilustrar estatísticas, além de espaço para histórias de empresas ou
empresários bem-sucedidos, dicas de investimentos e coberturas que
transportam o mundo do “economês” para a realidade do leitor.
Dois debates fazem parte da prática do jornalismo econômico:
a relação do jornalista com suas fontes e o conflito de interesses. O
primeiro caso envolve diretamente uma dinâmica de dependência
das fontes que fornecem não só informação, elas explicam, opinam e
direcionam os rumos de uma notícia.
No jornalismo econômico, por exemplo, é muito recorrente o
uso de fontes oficiais (governo, empresas, instituições de pesquisa,
entre outras) e, particularmente, de especialistas. As últimas mere-

257
cem destaque: são economistas, pesquisadores, consultores e pro-
fissionais da área de finanças em geral que, segundo Hérica Lene
(2013), têm recebido cada vez mais espaço no mundo dominado
pelo mercado financeiro.
Retomando a discussão anterior sobre o jornalista e seu domínio
da economia no processo de construção da notícia, a consequência
é uma ênfase maior – ou até dependência – da fonte. O cenário se
complica quando tais entrevistados se repetem e são mais procu-
rados, fazendo com que haja uma reprodução de opiniões. Ainda
mais: Lene (2013) enfatiza que o especialista consultado e sua visão
de mundo é legitimado pela imprensa. É uma relação de dupla de-
pendência e vantagens mútuas.
Assim fica claro o dilema do conflito de interesses, pois, afinal,
a quem serve o jornalismo econômico? É o defensor do público e
responsável pela notícia de fato independente ou acaba por, ao de-
pender das fontes, defender outros interesses? Quando se fala das
trocas tão próximas entre jornalistas e suas fontes, fica evidente que
as partes interessadas muitas vezes são as mesmas que proporcio-
nam informações relevantes e empregam os principais especialistas.
Como fica então o interesse público?
São muitos os outros possíveis conflitos de interesses derivados.
Por exemplo, o medo de incomodar anunciantes, como grandes cor-
porações, banqueiros, agentes imobiliários, mercado financeiro e até
governo; a manipulação do mercado de ações devido à influência
sobre seus preços no mercado financeiro; ou até a influência dos no-
ticiários sobre as expectativas e percepções econômicas.
Mário Erbolato (1981) defende que a proposta final do jornalismo
econômico é de contribuir para o progresso de um país e o caminho
para que isso são análises, sugestões e esclarecimentos sobre a reali-
dade econômica. Os efeitos da economia no dia a dia são inevitáveis
e, por isso mesmo, a editoria se mostra tão relevante, para manter o
leitor atualizado e consciente dos impactos das decisões macro e mi-
croeconômicas na sociedade, de modo independente e responsável.
Para que tal objetivo seja cumprido, mais do que nunca é es-
sencial o trabalho do jornalista. É ele quem melhor contribui para a

258
melhor informação para diferentes públicos – com diferentes graus
de especialização e conhecimento técnico –, lida com fontes de qua-
lidade e defende os interesses do leitor/sociedade.
O futuro jornalista econômico precisa estar, portanto, preparado
para enfrentar tais desafios. O ponto de partida é a especialização no
tema para que seja cada vez mais capaz de conduzir a fonte, entender
o conteúdo e interpretar dados. Esse aprendizado envolve ir além de
termos técnicos e estar atualizado, adquirir perspectiva histórica e
conhecimento suficiente para sua capacidade analítica e crítica do
que representa cada fato econômico.

Indicações de leitura

Livros
BARBOSA, Alexandre (org.). Jornalismo em gêneros: jornalismo especializa-
do, v. 4. São Paulo: ECA/USP, 2017.
FERNANDES, Alessandra Lemos. Jornalismo: especialização e segmentação.
Curitiba: InterSaberes, 2017.

Jornalistas e economistas
Jornalistas de economia: Adriana Mattos, Claudia Safatle, Cristiano Romero,
Maria Cristina Fernandes, Miriam Leitão.
Economistas: Alexandre Schwartsman, Armínio Fraga, Elena Landau, Laura
Carvalho, Marcos Lisboa, Monica de Bolle, Pedro Nery.

Referências

BASILE, Sidnei. Elementos do jornalismo econômico. Rio de Janeiro: Cam-


pus, 2002.
CALDAS, Suely. Jornalismo econômico. São Paulo: Contexto, 2005.
ERBOLATO, Mário L. Jornalismo especializado: emissão de textos no jorna-
lismo impresso. São Paulo: Atlas, 1981.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalismo econômico. São Paulo: Edusp, 1996.
LENE, Herica. Jornalismo de economia no Brasil. Cruz das Almas, BA:
UFRB, 2013.
QUINTÃO, Aylê-Salassié Filgueiras. O jornalismo econômico no Brasil
depois de 1964. Rio de Janeiro: Agir, 1987.

259
Local | Cidades

Luiz Antônio Farias Duarte

“Local” e “Cidades” são as denominações usuais, e em geral al-


ternativas entre si, para a editoria dedicada aos assuntos mais próxi-
mos na sede geográfica do veículo de comunicação – especialmen-
te nos impressos diários, embora também seja válido considerá-las
para as demais plataformas de informações jornalísticas e suas dife-
rentes periodicidades. Tais definições surgiram a partir da editoria
de “Geral”, a qual, de forma mais panorâmica, por muito tempo in-
cluiu os assuntos municipais entre os de sua cobertura – assim como
quaisquer outros que não se enquadrassem nas especificações então
consagradas.
Fruto das reformas em implantação no jornalismo impresso
brasileiro a partir da década de 1950, iniciadas pelo Diário Carioca
de Danton Jobim e expandidas para o Jornal do Brasil de Alberto
Dines e para a Última Hora de Samuel Wainer, a organização das pu-
blicações em editorias levou ainda algumas décadas para absorver a
importância do noticiário local, conforme lembra Ana Paula Goulart
Ribeiro (2000). Foi com a Folha de S. Paulo, em alterações realizadas
entre meados das décadas de 1980 e de 1990 que, como diz Rafael
Souza Silva (1996), a fragmentação da cobertura se consolidou, com
parte das editorias coincidindo com cadernos de mesmo nome.
Em 1987, na segunda edição “revista e ampliada” de seu Manual
Geral de Redação, a Folha de S. Paulo definia assim a sua editoria de
Cidades: “Responsável pela produção e edição do material jornalís-
tico sobre urbanismo, saúde, transporte, obras públicas, ambiente,
segurança, comportamento social, saneamento, previdência social,
administração pública, Justiça, polícia, trânsito” (p. 49). Tal edição
do Manual ainda complementava:

261
[A Editoria de Cidades] Deve desenvolver o tratamento de te-
mas heterodoxos com interesse para o cotidiano do leitor. Deve
questionar os serviços públicos, criticar serviços os particula-
res, zelar pelos direito do cidadão-contribuinte. Dada a diversi-
dade dos assuntos que comporta, é fundamental que a editoria
alcance equilíbrio temático e que seus jornalistas trabalhem em
regime de alta especialização. A Editoria de Cidades é obrigada
a manter atitude compatível com a repercussão nacional que a
Folha tem. A Folha não é uma publicação local nem nacional,
mas uma publicação de base local com repercussão nacional, e
a Editoria de Cidades deve refletir essa disposição em seu noti-
ciário. (1987, p. 49, grifos no original).
A Folha de S. Paulo atualizou em edições sucessivas o seu Ma-
nual da Redação, sem, contudo, voltar à especificidade das editorias.
Nas versões a partir de 2001, passou a apresentar as definições sobre
a abrangência de suas edições “nacional”, destinada aos públicos de
São Paulo e do Distrito Federal; e “regional”, esta na forma de “cader-
no que aborda diariamente temas de uma região específica entre as
que compõem a área de circulação do jornal. É distribuído somente
nessa região” (Manual..., 2001, p. 111-112).
Na apreensão, pelo Jornalismo, da importância dada pelo recep-
tor aos assuntos de sua proximidade em relação a temas igualmen-
te relevantes, mas mais distantes de seu cotidiano, como economia,
nacional, internacional, geral, política, variedades e mesmo espor-
tes, outros meios de comunicação acompanharam a experiência
paulistana. Em 1986, projetando-se como um “órgão de referência
estadual”, o Diário Catarinense foi instalado pela Rede Brasil Sul em
Florianópolis, mas com outras cinco sedes regionais (Joinville, Blu-
menau, Lages, Chapecó e Criciúma), encarregadas da produção do
noticiário regional, em textos que valorizavam o caráter local reve-
lando o nome da cidade de origem como sua palavra inicial – inde-
pendentemente da editoria a que estavam relacionados.
A transição da abrangência da Geral para a particularidade do
Local ou da Cidade, no caso da Folha, pluralizou esse último termo,

262
para bem representar sua cobertura, que não se limitava a São Paulo/
Capital, nem as cidades paulistas e brasileiras, mas com frequência
incluía experiências do mundo afora. Assim, “Cidades” passou a dar
nome à editoria e ao caderno, em tendência seguida por várias outras
publicações de referência, cuja cobertura se amplia da cidade de seu
endereço para as demais. Em alguns desses casos, a editoria pode
adotar nomes como “Região” ou “Regional”. Como aponta Beatriz
Dornelles (2004, p. 133), “os leitores querem saber o que está aconte-
cendo em sua cidade e, a seguir, na região”.
A autora, que conduziu pesquisa de fôlego sobre a imprensa do
interior gaúcho na última década do século e do milênio passados,
entrevistou os responsáveis pelos principais títulos então circulantes.
O que se reproduz a seguir lhe foi dito pelos dirigentes do Diário
Popular, de Pelotas, o mais antigo diário em circulação ininterrupta
no Rio Grande do Sul, fundado em 1890:
O jornal deve ser o porta-voz da comunidade, deve falar a lin-
guagem do seu povo, interpretar o seu sentir e traduzir suas
aspirações. Deve ser o elo de integração e unidade, arauto das
boas causas, guardião das suas tradições, repositório dos fatos
sociais, econômicos e políticos que emolduram o cenário em
questão. Enfim, deve ser um fiel depositário da história que lhe
cumpre testemunhar. (Dornelles, 2004, p. 135).
A preferência da audiência pelos assuntos de sua vizinhança,
percebida pelas redações jornalísticas tanto por observações empí-
ricas quanto pelas pesquisas, serviram de base às diversas transfor-
mações e também estimularam estudos acadêmicos. É deste último
ambiente o termo “localismo”, a expressar a cobertura da imprensa
aos assuntos citadinos, comunitários e regionais, como resposta às
predileções de seus receptores. Observe-se que, embora dando nome
a uma editoria específica, a ideia inspirada nos termos “Local” e “Ci-
dades” também se faz presente nas demais editorias, uma vez que
quem consome o noticiário econômico, nacional, internacional, po-
lítico, de artes e entretenimento e esportivo busca como prioridade
informações sobre o que lhe cerca: os preços dos gêneros que con-
263
some, o que acontece no seu país e no exterior, a oferta de opções
culturais de sua cidade e a evolução do seu time de preferência, por
exemplo.
Vale, aqui, retomar Nelson Traquina (2008) quanto à condição
tanto geográfica quanto cultural do valor-notícia1 “proximidade”, na
sua relação com a cobertura local, estimulando a pesquisa a chegar
a termos derivativos, entre os quais, o de “hiperlocalismo”, ao qual
Maria José Baldessar e Pedro Henrique Delagnello (2013, p. 53) con-
ceituam como “quando um jornal foca esforços de cobertura em uma
determinada comunidade, seja ela geográfica ou não, assumindo
uma posição de relevância dentro desse território, a partir do conhe-
cimento prévio da área em que quer especializar”.
Essa abordagem, por sua vez, além de agudizar a ideia do local,
promove uma aproximação ao que vem se convencionando chamar
de Jornalismo Comunitário e de Jornalismo Cidadão – o primeiro,
com foco na seleção de assuntos de interesse da comunidade à qual
se destina; e o segundo, na participação de seus habitantes na escolha
dos temas e na produção dos conteúdos. A imprensa experimental,
realizada no ambiente acadêmico, e a de bairro, exemplificam uma
das situações anteriores, enquanto o jornal Boca de Rua, de Porto
Alegre, com uma trajetória que já se estende por mais de duas déca-
das, se identifica com a outra.
As edições experimentais universitárias realizam experiências
comunitárias e cidadãs que valorizam o aspecto local. Ao longo das
últimas décadas, este autor tem participado, como professor, de ini-
ciativas laboratoriais nessa linha de cobertura, primeiro com o jor-
nal-laboratório Campus, da Universidade de Brasília (UnB); e mais
recentemente na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos),
com as produções dos impressos Babélia e Lupa (semestrais) e das
1 [Nota dos organizadores] Para Traquina (2001), valores-notícia são elementos atuantes
na percepção, na seleção e na transformação dos acontecimentos em produto jornalís-
tico. Ao retomar categorizações de autores de referência, Gislene Silva (2014) propõe
um conjunto de valores-notícia que possibilitam analisar acontecimentos selecionados e/
ou selecionáveis por diferentes meios de comunicação: impacto, proeminência, conflito,
tragédia/drama, proximidade, raridade, surpresa, governo, polêmica, justiça, entreteni-
mento/curiosidade, conhecimento/cultura.

264
variadas versões do Enfoque (três edições por semestre): Enfoque
Vila Brás e Enfoque Barrinha, voltados para comunidades dos muni-
cípios de São Leopoldo e de Campo Bom; e o Enfoque Vila Kédi e o
Enfoque Bairro Farrapos, em Porto Alegre.
As edições do Enfoque, produzidas pelos campi de São Leopoldo
e de Porto Alegre, se associam à ideia do local como uma parte das
cidades, na prática do jornalismo comunitário, com a valorização do
que diz respeito direto aos moradores, a quem as publicações criam
oportunidades de manifestação raramente contemplada pela im-
prensa convencional. Já as do Babélia consideram um caráter muito
caro a uma instituição que tem seu corpo discente bastante distri-
buído entre os municípios dos Vales do Sinos, do Caí e do Paranha-
na; da Grande Porto Alegre; da Serra e do Litoral Norte: os alunos
trazem às publicações experimentais assuntos de suas localidades de
origem, moradia ou trabalho, em notícias e reportagens que muitas
vezes acabam reverberadas pela imprensa de referência estadual – e
que não o seriam se não houvessem sido descobertas por eles.
Os jornais de bairros e/ou de agrupamentos regionais são espaços
de desenvolvimento do jornalismo local, já que concentram seu foco
de cobertura na comunidade, em evidente diferença ao generalismo
próprio da imprensa de referência. Dornelles (2005) indica o longín-
quo 1º de setembro de 1895 como a data provável de surgimento do
primeiro jornal de bairro brasileiro, o Braz, na capital paulista.
São Paulo/Capital, aliás, ainda de acordo com a mesma auto-
ra, está na vanguarda desse segmento e de sua organização: man-
tém desde 1964 uma Associação dos Jornais de Bairro (Ajorb) e, a
partir da década seguinte, o Sindicato das Empresas Proprietárias de
Jornais de Bairro de São Paulo. Atualmente, a Ajorb é presidida por
Wagner Farias, da Gazeta de Pinheiros, e representa cerca de 50 títu-
los, entre jornais e revistas, a maior parte identificada com um bairro
específico, como a Folha da Vila Prudente, a Gazeta de Santo Amaro,
o Desenvolve Itaquera, a Revista da Mooca e a Revista do Tatuapé
(havendo, também, parte deles reunida por zona geográfica, como
“Grupo Sul” e “Grupo Leste”).

265
“O bom jornalismo de bairro é aquele feito com a participação
da comunidade e apoio do comércio local”, expressou o editor da
revista City Penha, Paulo Aguiar, em reunião da Ajorb realizada em
2019 – conforme reproduzido de seu site institucional.
Em Porto Alegre, Dornelles (2005) aponta o SABIdo – assim di-
vidido entre duas sílabas em maiúsculas e uma em minúsculas para
compor um adjetivo a partir da sigla de Sociedade dos Amigos do
Bairro Ipanema – como o primeiro jornal de bairro, publicado entre
1954 e 1958:
Seu criador, Odemar Marino Ferlauto, era responsável pela
comercialização, distribuição e redação do jornal, que tinha
periodicidade mensal, formato tabloide, tiragem de 500 exem-
plares e circulava com número de páginas que variava de 2 a
8. Era impresso na Tipografia Thurman, localizada no bairro
Ipanema até a década de 70, período que aconteceu seu fecha-
mento (2005, p. 109).
Na mesma região da capital gaúcha e também por iniciativa de
Ferlauto surgiu o segundo jornal de bairro porto-alegrense, o Col-
meia, lançado pela Associação Comunitária e Assistencial de Ipane-
ma (Ascai), em maio de 1967, ainda conforme Dornelles (2005). De
existência mais efêmera, deixou de circular no ano seguinte – va-
lendo aqui lembrar: a década de 1960 inaugurou a ditadura militar
brasileira, com governos que se estenderiam de 1964 a 1985; e em
1968 foi emitido o Ato Institucional número 5 (o AI-5), que entre
outras iniciativas repressivas acentuou a censura à imprensa.
Porto Alegre segue, desde então, com iniciativas diversas de prá-
ticas do jornalismo local. Reunidos desde 2018 na União de Jornais
de Bairros de Porto Alegre (Unijob) estão os seguintes títulos: Jorna-
lecão (Ipanema, Chapéu do Sol, Guarujá e adjacências), Nosso Bairro
(Teresópolis e adjacências), Vitrine Gaúcha (Restinga e adjacências),
O Cristóvão (Floresta e adjacências), Voz da Vizinhança (Cidade Bai-
xa e adjacências), Bairros & Condomínios (Cavalhada, Cristal, Cama-
quã), Jornal Floresta (Moinhos, Floresta), Jornal do Centro (Centro
Histórico) e Jornal Comando da Cidade (Menino Deus e Azenha).
266
O Jornal Floresta, de Paulo Ricardo Tomasini, está em seu 17º
ano de circulação e é distribuído mensal e gratuitamente aos mora-
dores dos bairros Auxiliadora, Floresta, Higienópolis, Independên-
cia, Moinhos de Vento e São João, na Zona Norte de Porto Alegre.
Apresenta-se em seu site e em suas redes sociais como “um canal
dinâmico de comunicação com a comunidade, que oferece notícias,
informação, lazer e entretenimento em um único lugar” e informa
que sua tiragem é de 10 mil exemplares.
Outro exemplo de longevidade é o conduzido por Eliana Freitas
Mainieri, experiente jornalista que passou pelas redações dos princi-
pais jornais gaúchos e também pela Assessoria de Imprensa da Pre-
feitura de Porto Alegre e está à frente do Nosso Bairro desde que o
fundou, há 12 anos. Distribuído mensalmente nos bairros porto-ale-
grenses de Alto Teresópolis, Cavalhada, Glória, Medianeira, Nonoai
e Teresópolis de forma gratuita, o jornal trocou temporariamente a
forma impressa pela on-line, em tempos de isolamento social impos-
to pela pandemia da Covid-19, em alternativa também seguida por
outros títulos.
O Voz da Vizinhança é outro jornal de bairro de Porto Alegre
conduzido por uma profissional oriunda do jornalismo conven-
cional – de redações como a do Jornal do Comércio e de assessorias
como a do Governo do Estado do Rio Grande do Sul: Carla Santos.
De existência mais recente, a publicação apareceu em 2016 como
resposta a um problema comunitário do bairro Cidade Baixa: a inse-
gurança sentida por seus moradores, em particular pelas mulheres,
vítimas frequentes de assaltos nessa região boêmia e residencial da
capital gaúcha. Informa circulação mensal de 15 mil exemplares e
que estende sua abrangência aos bairros Azenha e Centro Histórico.
O jornalismo cidadão, assim batizado por aproximar o destina-
tário do jornalista e dos processos decisórios, colocando-o, portanto,
em posição muito à frente da de mero espectador, é definido por
Christiane Pitanga (2020, p. 61-62) como
[...] um contraponto ao jornalismo monológico (em que as no-
tícias são transmitidas em sentido único, do jornalista que de-

267
cide o que o indivíduo deve saber para o cidadão destinatário
da informação), globalizado (produzido e distribuído por redes
de comunicação multinacionais) e voltado para o mercado. A
proposta é uma prática jornalística que possa contribuir para a
democracia e a cidadania participativa por meio de uma produ-
ção de notícias dialogada com as pessoas.
No citado Boca de Rua, moradores em situação de rua de Porto
Alegre se envolvem desde o ano 2000 em todos os processos de pro-
dução, da seleção dos assuntos à venda avulsa, passando pelos textos,
pelas ilustrações e pelas fotografias. É um dos projetos da Agência
Livre para a Informação, Cidadania e Educação (Alice), por meio da
qual contam com apoio técnico de uma equipe de jornalistas para a
produção do jornal e do Boquinha (como um encarte infanto-juve-
nil) e participam de oficinas de escrita livre, de fotografia e de vídeo.
Por natural, sua temática é muito concentrada no fator local, tanto
do ponto de vista geográfico (as ruas de Porto Alegre) como pelo que
lhes diz respeito direto: os cuidados frente à pandemia, a violência, o
preconceito e a sustentabilidade do jornal.
A prática do jornalismo de âmbito local requer executores vol-
tados à observação de assuntos específicos, sejam eles os da cida-
de, na imprensa convencional, ou os da comunidade, na de bairro,
na comunitária e na cidadã. Todas essas situações são geradoras de
oportunidades para o início de atividades profissionais, por meio de
estágios, ou como carreira. A imprensa comunitária, em especial,
tem sido receptiva ao ingresso de estudantes, funcionando como um
rito de passagem, em que o acadêmico adquire experiência pratican-
do as rotinas de uma redação e se aperfeiçoa para exercícios mais
complexos.
Por exigir essa visão específica, o jornalismo local acaba por
acentuar no profissional em formação uma característica que lhe
será sempre solicitada: o olhar treinado para detectar entre os acon-
tecimentos aqueles com potencial para serem transformados em no-
tícias. Esse “olhar de repórter” se acentua no jornalismo de âmbito
local, por dirigir-se a um universo mais contido, mas não menos re-
levante.

268
Grande parte do que é percebido por essa atenção especial só
circulará, como notícia, em veículos comunitários. Por certo, ali es-
tará por corresponder aos requisitos de interesse público, ainda que
nesse caso o público possa ser de menor número e estar muito mais
próximo. Essa necessária especificação facilitará ao seu praticante a
expansão desse olhar, do particular ao geral, quando o seu exercício
profissional se der em âmbitos de maior representatividade.

Indicações de leitura

BALDESSAR, Maria José; DELAGNELLO, Pedro Henrique. Jornalismo hi-


perlocal e o desafio da criação de uma agenda noticiosa internacional plural.
Intexto, Porto Alegre, n. 28, p. 53-62, jul. 2013.
DORNELLES, Beatriz. O futuro dos jornais do interior. Revista Intratextos,
Rio de Janeiro, v. 4, n 1, 2012.
DORNELLES, Beatriz. Características do jornalismo impresso local e suas
interfaces com jornais comunitários. Contracampo, Niterói, n. 14, 2006.
PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Mídia local e suas interfaces com a mí-
dia comunitária. Rio de Janeiro: Núcleo de Pesquisa ECO/UFRJ, 2010.

Referências

ASSOCIAÇÃO dos Jornais de Bairro de São Paulo. Jornais de bairro deba-


tem projeto para ampliar alcance editorial e comercial. São Paulo: Aborj,
s/d.
BALDESSAR, Maria José; DELAGNELLO, Pedro Henrique. Jornalismo hi-
perlocal e o desafio da criação de uma agenda noticiosa internacional plural.
Intexto, Porto Alegre, n. 28, p. 53-62, jul. 2013.
DORNELLES, Beatriz. Jornalismo “Comunitário” em cidades do interior.
Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2004.
DORNELLES, Beatriz. Os primeiros jornais de bairro comunitários de Porto
Alegre. Revista Famecos, Porto Alegre, n. 27, p. 105-116, ago. 2005.
FOLHA de S. Paulo. Manual Geral de Redação. São Paulo: Folha de S. Paulo,
1987.
FOLHA de S. Paulo. Manual da Redação. São Paulo: Publifolha, 2001.
PITANGA, Christiane. Educomunicação e jornalismo: possibilidade de prá-
tica educativa para o exercício do Jornalismo Cidadão. 2020. Tese (Doutorado
em Educação), Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2020.

269
RIBEIRO, Ana Paula Goulart. Imprensa e história no Rio de Janeiro dos
anos 1950. Rio de Janeiro: E-papers, 2007.
SILVA, Gislene. Para pensar os critérios de noticiabilidade. In: SILVA, Gislene;
SILVA, Marcos Paulo da; FERNANDES, Mario Luiz (orgs.). Critérios de noti-
ciabilidade – problemas e aplicações. Florianópolis: Insular, 2014, p. 51-69.
SILVA, Rafael Souza. O zapping jornalístico: da sedução visual ao mito da
velocidade. 1996. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica), PUC-SP,
São Paulo, 1996.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: a tribo jornalística – uma co-
munidade interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular, 2008.
TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo,
RS: Unisinos, 2001.

270
Internacional

Angela Zamin

A notícia que não é nossa. A notícia que provém de um lugar e


tem efeito em outro. A notícia interna que necessita de uma imediata
referência externa, de um contexto amplo para ser compreendida.
De maneira geral, essas proposições poderiam sintetizar a editoria
ou a seção nomeada comumente de internacional, mundo ou exte-
rior e que reúne notas, notícias, reportagens, entrevistas e análises
que tratam de acontecimentos de caráter político, econômico, cien-
tífico, cultural, social ou ambiental ocorridos em um país e que afe-
tam a outro(s) e despertam o interesse informativo da comunidade
internacional.
Toda notícia internacional é, a princípio, local. Ao reuni-las, a
editoria estabelece uma cartografia que torna possível que vários lu-
gares se encontrem presentes em um só espaço, inclusive, os incom-
patíveis. Furio Colombo (1995, p. 126) reforça tal compreensão ao
afirmar que o noticiário internacional engloba
[...] notícias que não nascem nas proximidades, mas que têm
consequências próximas, que ocorrem em outro lugar, mas que
afetam a todos, [...] envolvem o mundo ou amplas regiões. Ou
eventos que acontecem unicamente em um pequeno lugar, mas
não são explicáveis ou resolvidos naquele lugar.
A cobertura internacional movimenta diariamente um volume
significativo de informações que têm sua origem nos despachos de
agências de notícias privadas e estatais, nas colunas e nos comentá-
rios com a assinatura de jornalistas estrangeiros reputados – para
ter acesso a esses produtos, os jornais precisam assiná-los –, na pro-
dução de repórteres, correspondentes, enviados especiais e stringers
(colaboradores) e nos jornais de referência. Contudo João Batista

271
Natali (2004, p. 12) lembra que, inevitavelmente, a maior parte delas
é descartada, “nem tudo o que é notícia aparece no noticiário inter-
nacional”. A redatores e editores de “inter” cabe a tarefa de hierar-
quizar para escolher os acontecimentos, a partir de critérios substan-
tivos e contextuais refinados e qualificados de seleção. São eles que
gerem o processo de definição de quais acontecimentos chegarão às
páginas de jornais e revistas e, ainda, que enfoque terão a partir de
valores-notícia de construção.
A escolha, entretanto, não considera apenas os temas ou tópicos.
Os territórios se impõem e sobrepõem-se às escolhas da cobertura
internacional, têm peso editorial. Esta dupla maneira de definir o
noticiável, pela temática e pelos espaços físicos, é auxiliar das rotinas
produtivas por encaminhar escolhas relacionadas a “lugares que se
deve ir e pessoas que se deve ver, ou como uma série de temas sobre
os quais se tem a responsabilidade de informar” (Fishman, 1983, p.
39 [tradução livre]). Alguns fatores contribuem para a definição dos
lugares de interesse: a ordem internacional hierárquica sob domi-
nação das grandes potências estabelecidas, a organização geográfica
do poder, a acessibilidade geográfica ao fato jornalístico – nos países
em que há censura a acessibilidade é também um fator político – e a
existência de geografias binárias, como ocidente-oriente, norte-sul e
centro-periferia (que devem ser rejeitadas).
Os acontecimentos de interesse jornalístico podem ser categori-
zados segundo os atores protagonistas da informação, se estatais ou
não; segundo a área de alcance, se política internacional ou transna-
cional; e, ainda, segundo a temática. A editoria de “inter” engloba
uma diversidade de assuntos, mas não se limita: à política, à sobe-
rania, ao intervencionismo, ao nacionalismo, à integração regional
e à alteração do papel econômico e político das regiões, às relações
de “vizinhança” e de solidariedade; à economia, aos mercados e sis-
temas financeiros; aos conflitos étnicos, religiosos e territoriais; à
segurança e defesa, ao terrorismo, ao crime organizado, a revoltas
urbanas e à violência; aos direitos humanos; à migração e ao refúgio;
a tragédias e crises humitárias; a epidemias – e pandemias – e seus

272
efeitos humanos, sociais e econômicos; à religião e ao fundamenta-
lismo religioso; ao meio ambiente e à sustentabilidade.
Em razão da abrangência dos processos e dos acontecimentos
relacionados a tais temas e porque “na esteira de cada um se desenro-
lam e se associam outros”, conforme adverte Álvaro Heidrich (2008,
p. 77), a cobertura de internacional precisa acercar-se de conheci-
mentos de diversas áreas, como Ciência Política, Relações Interna-
cionais, Economia, História, Geografia, Direito Internacional, Socio-
logia, Antropologia, Estudos Culturais, etc. Todas essas disciplinas
oferecem, portanto, contribuições ao jornalismo.
A escolha criteriosa das fontes, indispensável ao jornalismo,
complexifica-se na editoria de “inter” pelos temas transnacionais
multifacetados, pela dificuldade em identificar e acessar as fontes
que estão na origem da informação, pelo alto risco de controle pelas
fontes que são acionadas reiteradamente – Colombo (1998) adver-
te para o contato excessivo com certas fontes – e pelos numerosos
atores/fontes interessados, de oficiais (como governos, embaixadas e
consulados, oficinas de informação diplomática, organismos supra-
nacionais) a think-tanks (expertos e especialistas).
Afora essas, outras fontes se mostram importantes, como as
organizações intergovernamentais, também conhecidas como or-
ganizações governamentais internacionais – globais, como a Or-
ganização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial do
Comércio (OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fun-
do Monetário Internacional (FMI), etc., e regionais, a exemplo da
Organização dos Estados Americanos (OEA), da União das Nações
Sul-Americanas (Unasul), da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN), da União Europeia, da União Africana, da Associa-
ção das Nações do Sudeste Asiático, da Liga Árabe, etc. Há, ainda,
as organizações internacionais não governamentais – por exemplo,
Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Médicos sem Fronteiras,
Anistia Internacional, Save the Children, Greenpeace, WWF.
A editoria de internacional se assenta em uma rede informati-
va mais ampla que a de outras editoriais. De acordo com Tuchman

273
(1983), as redes são estruturadas com base no que os meios de comu-
nicação creem ser de interesse de seu público e ao que estão dispostas
a fazer-lhe chegar. Elas são organizadas a partir de três instâncias
de interesse: lugares específicos, organizações específicas e tópicos
específicos.
A rede informativa é conformada por agências de notícia, jor-
nais de referência e jornalistas. A dispersão territorial dos repórteres
é característica da editoria de “inter”; eles estão nos lugares em que
se concentram os esforços informativos de cada meio, na sede central
ou fora dela, no país ou no exterior – por exemplo, um jornal com
sede em São Paulo pode manter escritórios em Brasília, Washington,
Londres e Buenos Aires –, a definição depende dos interesses edito-
riais que possui e das condições econômicas das quais dispõe. Entre
as possibilidades de atuação, há correspondentes, enviados, free lan-
cers, stringers, embedded e outras.
A figura do correspondente1 remete a um jornalista profissional
que pode pertencer ao quadro funcional de uma empresa jornalísti-
ca ou agência. Envia informações, comenta acontecimentos e repre-
senta sua redação ante organizações de todo tipo. Segundo Carlos
Eduardo Lins da Silva (2011, p. 15), é “[...] o jornalista sediado em
um país que não o seu de origem com a missão remunerada de re-
portar fatos e características dessa sociedade em que vive para uma
audiência da sua nação materna por meio de um veículo de comuni-
cação”. Fritz Utzeri (1989, p. 56) amplia: “Ele tem de traduzir a reali-
dade do país em que está, e fazer o máximo possível de comparações
1 No jornalismo brasileiro, é quase impossível precisar o número total de jornalistas que
se dedicaram à cobertura no exterior. Um pequeno inventário reúne Adriana Carranca,
Ana Estela Sousa Pinto, Caco Barcellos, Carlos Eduardo Lins da Silva, Cláudio Abram,
Clóvis Rossi, Ednei Silvestre, Ernesto Paglia, Gilles Lapouge, Fernando Gabeira, Fritz
Utzeri, Gerardo Melo Mourão, Helena Salem, Jamil Chade, João Natali, José Carlos Mon-
teiro, Jaime Spitzcovsky, José Arbex Jr., José Hamilton Ribeiro, José Silveira, Juca Varella,
Kennedy Alencar, Leão Serva, Lourival Sant’Anna, Lúcia Martins, Luís Fernando Silva
Pinto, Marcos Losekann, Marcos Uchoa, Marcelo Spina, Mariana Sgarioni, Marina Dias,
Moisés Rabinovici, Nelson Ascher, Norma Couri, Norton Godoy, Paulo Francis, Paulo
Nogueira, Patrícia Campos Mello, Pedro Bial, Reali Júnior, Rebeca Kritsch, Ricardo Bo-
nalume Neto, Roberto Godoy, Roberto Kovalicck, Roberto Lameirinhas, Rodrigo Alva-
rez, Rubem Braga, Samuel Wainer, Sandra Passarinho, Sérgio Dávila, Silvio Boccanera,
Sônia Bridi, Sylvia Colombo, William Waack.

274
que permitam às pessoas identificar o que está acontecendo com os
referenciais que estão acostumadas a usar”.
O enviado especial, como a designação dá a entender, é deslo-
cado para a cobertura de um evento específico, por curto período.
Os correspondentes se diferenciam dos enviados pela permanência,
às vezes, residem em outro país por anos. O free lancer trabalha in-
formalmente, vendendo reportagens avulsas ou, temporariamente,
cumprindo uma pauta específica. “Free lancers recebem por matéria
escrita individualmente e sem compromisso de continuidade” (Silva,
2011, p. 55). Já o stringer é uma espécie de free lancer fixo, colabora-
dor, acionado sempre que um meio necessita de uma reportagem do
lugar em que este se encontra sediado; “escrevem ocasionalmente e
sem vínculo contratual” (2011, p. 55).
O termo embedded (que pode ser traduzido como embutido, en-
caixado) refere-se aos jornalistas que se deslocam, durante a cobertu-
ra de uma guerra, junto com as tropas, enquanto elas avançam. Suas
origens remontam à Guerra da Crimeia (1853-1856). Finalmente, há
o fixer, uma pessoa local que atua como tradutor, às vezes, motorista.
Segundo Patrícia Campos Mello (2017, p. 27-28), “é uma pessoa que
conhece a política do lugar, as pessoas, as motivações [...]. Normal-
mente, é um jornalista muito bem informado, que trabalha com re-
pórteres estrangeiros [...]. Sem ele, o jornalista estrangeiro não passa
de um turista mal informado”.
As agências de notícia2 e os jornais de referência têm vários tipos
de “produtos” à disposição dos clientes (jornais, sites, etc.): notas, no-
tícias, reportagens, análises, fotografias etc. Jornais como o The New
York Times, The Washington Post e The Guardian e revistas como
NewsWeek e Time, por exemplo, colocam ao alcance dos assinantes
reportagens especiais (normalmente, assinadas por repórteres mais
experientes ou correspondentes) e textos de colunistas. Se um meio
deseja adquirir para publicação algum texto avulso, pode entrar em
contato e comprá-lo.

2 As agências são centrais em qualquer sistema de mídia, como também uma classe em si.
Elas têm uma estrutura capilarizada.

275
Como servem externamente de referência sobre o próprio país,
jornais de referência (Zamin, 2014) costumam ser utilizados como
fontes3 de informação ou, como designa Héctor Borrat (1989),
meios-fonte. Segundo o autor, “parte considerável das informações
[...] vem de seus pares e de outros meios de comunicação de seu pró-
prio país e do exterior” (Borrat, 1989 [tradução livre]). Ao usar a
expressão borrowed press, no sentido de tomar emprestado, Novais
(2010) explica que, ao incorporar em suas coberturas informações
tomadas de empréstimo de jornais estrangeiros e nacionais, é possí-
vel recorrer a uma maior variedade de fontes. Verifica-se tanto um
uso indireto, auxiliar na produção de conteúdos, como direto, indi-
cado no relato jornalístico como fonte.
A menos que se trate de reprodução total ou parcial do que um
meio de comunicação publica, transmite, irradia, pressupõe-se que
se trata de manifestação pública. Muitas vezes, não se cita sequer a
fonte (pode-se, inclusive, substituir o nome de um jornal pela origem
geográfica, como nos exemplos: El Espectador por “um jornal colom-
biano”, Der Spiegel por “uma revista alemã”). Nesses casos, identifi-
cam-se três operações: 1) “tomar de empréstimo” declarações que
aparecem em outros meios, obtidas em entrevista exclusiva ou co-
letiva de imprensa, em transcrição literal indicada pelo uso de aspas
ou em paráfrase; 2) apresentar opiniões de outros meios, retiradas de
editoriais, sobretudo; e 3) recorrer ao arquivo (acervo) de jornais e
revistas como forma de acessar a historicidade de um acontecimento
ou a fala de uma fonte; tomar um meio como fonte documental.
O interesse pelas notícias que não são nossas não é fenômeno
recente. Descrever regiões “desconhecidas” ou “recém-descobertas”
moveu “exploradores, geógrafos, cartógrafos, colonizadores, viajan-
tes, aventureiros, guerreiros e repórteres” (Smith, 1984, p. 17 [tradu-
ção livre]). Apoiado em historiadores, Natali (2004) afirma que o jor-
nalismo já nasceu internacional, situando-o nas primeiras décadas
do século XVI. O negociante Jacob Függer, que recebia, regularmen-

3 Quanto à natureza das fontes, os meios de comunicação aparecem como fontes secundá-
rias ou documentais, auxiliares na preparação de uma pauta.

276
te, de seus agentes informações úteis para o sucesso de seus negócios,
como a cotação de determinadas mercadorias, é fundamental para
esse entendimento. “Ali estava de forma inequívoca o embrião do
jornalismo econômico e político, voltado para assuntos internacio-
nais” (Natali, 2004, p. 21).
No século XVII, verifica-se a presença habitual de notícias inter-
nacionais em gazetas e folhas informativas. O século seguinte marca
uma evolução significativa no desenvolvimento do jornalismo interna-
cional a partir dos avanços nas comunicações (telégrafo, barco a vapor,
cabos transatlânticos). Também o surgimento das grandes agências.
No século XX, as guerras mundiais, os inúmeros conflitos regionais e
o mundo bipolar mobilizaram a editoria. Em suas últimas décadas, a
internet, os telefones por satélite e móveis e os canais 24 horas propi-
ciaram novos parâmetros e possibilidades para a cobertura.
No Brasil, o Jornal do Comércio foi o primeiro periódico a enviar
um correspondente para o exterior, em 1868. Na década de 1960, o
Jornal do Brasil estruturou a primeira editoria de “inter”, coordena-
da por Newton Carlos Pereira de Figueiredo (1927-2019), jornalista
pioneiro na cobertura de América Latina e na especialidade de co-
mentarista internacional. Até 1964, O Estado de S. Paulo não publi-
cava notícias nacionais na capa; todos os textos eram internacionais.
Na década de 1970, a Folha de São Paulo resolveu investir na editoria
como parte de sua reforma.
Além de um bom conhecimento do mundo e das coisas do mun-
do, os jornalistas de internacional têm o dever ético, social e huma-
no de precisar o uso da palavra para não reforçar preconceitos, para
opor-se às patologias da alteridade, isto é, todos os males que anulam
a diferença e a diversidade (racismo, xenofobia, aporofobia, coloris-
mo, fundamentalismo religioso e político) e, finalmente, para afas-
tar-se de generalidades, simplificações ou comparações inoportunas
(por exemplo, confundir migração e refúgio ou etnia, nacionalida-
de e religião). Os profissionais precisam conhecer marcos jurídicos
como Direito Internacional dos Direitos Humanos, Direito Interna-
cional Humanitário, Direito de asilo, Estatuto dos Refugiados, etc.

277
Contribuem, ainda, para uma cobertura qualificada uma agen-
da assertiva, a oferta de mais espaço para visibilizar as histórias, o
emprego de técnicas de jornalismo investigativo, o uso de documen-
tação e dados – e o correto manuseio de ambos –, a busca por espe-
cialistas e a consulta a meios internacionais.

Indicações de leitura

Livros
ARAUJO, Luiz Antônio. Oriente em revista: de que o jornalismo fala quando
fala do islã. Florianópolis: Insular, 2020.
ESPADA, Arcadi. El terrorismo y sus etiquetas. Madrid: Espasa, 2007.
GALTUNG, Johan; RUGE, Mari H. A estrutura do noticiário estrangeiro. In:
TRAQUINA, Nelson (org.). Jornalismo: questões, teorias e ‘estórias’. Floria-
nópolis: Insular, 2016.95-110.
GUERRA GÓMEZ, Amparo. De emisarios a protagonistas: boceto para una
historia del periodismo corresponsal. Madrid, Editorial Fragua, 2005.
RODRÍGUEZ ANDRÉS; Roberto, SÁBADA GARRAZA, Teresa (eds.). Perio-
distas ante conflictos: el papel de los medios de comunicación en situaciones
de crisis. Pamplona: EUNSA, 1999.
RIBEIRO, José Hamilton. Vietnã: o gosto da guerra. São Paulo: Editora Brasi-
liense, 1969.
ROSSI, Clóvis. Enviado especial: 25 anos ao redor do mundo. São Paulo:
Senac, 1999.
UNESCO. Um mundo e muitas vozes: comunicação e informação na nossa
época. Rio de Janeiro: FGV, 1983.
VERES, Luis. La retórica del terror: sobre lenguaje, terrorismo y medios de
comunicación. 2. ed. Barcelona: Ediciones de la Torre, 2006.

Websites
ACIE: site da Associação dos Correspondentes de Imprensa (antigo Clube dos
Correspondentes de Imprensa Estrangeira).
GOVERNMENTS in the WWW: diretório de sites oficiais de governos e
outros links de referência sobre política, relações internacionais e direitos
humanos.
KIOSKO: reúne as primeiras páginas de vários jornais de todos os continentes
e redireciona para o respectivo website.

278
MINISTÉRIO das Relações Exteriores: publica notícias sobre o Brasil no exte-
rior, além de seleção de notícias de política externa e diplomacia.
NATION Master: estatísticas e gráficos atualizados e editáveis.
PRESS Display: reproduções em PDF do conteúdo integral de jornais e revis-
tas.
RULERS of the World: apresenta listagem de chefes de estado de todos os paí-
ses e territórios, além de cronologia de eventos relevantes no cenário político
desde 1996, atualizado mês a mês.

Referências

BORRAT, Héctor. El periódico, actor político. Barcelona: Gustavo Gili, 1989.


COLOMBO, Furio. Últimas noticias sobre el periodismo. Manual de perio-
dismo internacional. Barcelona: Anagrama, 1998.
FISHMAN, Mark. La fabricación de la noticia. Buenos Aires: Tres Tiempos,
1983.
UTZERI, Fritz. Do outro lado do mundo. In: RITO, L. et al. (orgs.). Imprensa
ao vivo. Rio de Janeiro: Rocco, 1989. p. 145-158.
HEIDRICH, Álvaro Luiz. A relação entre espaço mundial e território nacional
sob as dinâmicas da mundialização. In: OLIVEIRA et al. (orgs.). O Brasil, a
América Latina e o mundo: espacialidades contemporâneas. Rio de Janeiro:
Lamparina; Anpege; Faperj, 2008. p. 77-91.
MELLO, Patrícia Campos. Lua de mel em Kobane. São Paulo: Companhia
das Letras, 2017.
NATALI, João Batista. Jornalismo internacional. São Paulo: Contexto, 2004.
NOVAIS, Rui Alexandre. News factors in international reporting. Porto:
Media XXI, 2010.
SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Correspondente internacional. São Paulo:
Contexto, 2011.
SMITH, Anthony. La geopolítica de la información: cómo la cultura occi-
dental domina al mundo. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.
TUCHMAN, Gaye. La producción de la noticia: estudio sobre la construc-
ción de la realidad. Barcelona: Gustavo Gili, 1983.
ZAMIN, Angela. Jornalismo de referência: o conceito por trás da expressão.
Revista Famecos, v. 21, n. 3, p. 918-942, set./dez. 2014.

279
Esporte

Eduardo Ritter

O jornalismo esportivo é uma área dentro do jornalismo espe-


cializado que, através das técnicas e métodos de produção jornalís-
tica, dão conta do universo do esporte. Pode aparecer tanto no for-
mato de editoria dentro de um veículo de comunicação que abrange
diversas temáticas (revista, jornal, emissora de rádio, TV ou portal
na internet), quanto pode ser o tema de um veículo especializado no
assunto. Existem inúmeros exemplos de veículos que tratam exclusi-
vamente de em esporte, como Revista Placar, jornal O Lance!, Sportv,
ESPN, Fox Sports, Rádio Grenal, dentre outros. Os canais de paper
view também estão investindo cada vez mais em transmissões espor-
tivas exclusivas, como o Premiere, do Grupo Globo, e a TV Conme-
bol, da Confederação Sul-Americana de Futebol. Também é possível
trabalhar com jornalismo esportivo em assessorias de imprensa de
clubes esportivos, atletas, federações e afins. Ou seja, o jornalismo
esportivo é uma área em constante transformação e expansão, ape-
sar do grande número de jornalistas brasileiros que almejam entrar
nesse mercado.
Conforme Paulo Vinicius Coelho (2009), no Brasil há uma espe-
cificidade cultural: a grande maioria dos estudantes e recém-forma-
dos em Jornalismo que sonham em ingressar no jornalismo espor-
tivo buscam quase exclusivamente trabalhar com futebol. O autor
ressalta que em 1925 o esporte já era uma paixão nacional e a po-
pularização dessa prática, com a cobertura da imprensa, auxiliou na
transição do futebol de esporte amador (sem remuneração) para o
profissional (com remuneração). No final dos anos 1920 os clubes
já investiam dinheiro na construção de grandes estádios e a impren-
sa esportiva migrou dos esportes náuticos (remo e canoagem) para

281
os gramados de futebol, situação que segue até hoje. Assim, quando
ocorre, primeiro, a popularização do rádio e, posteriormente, a da
televisão, o futebol era tema obrigatório nas novas emissoras, que
rapidamente investiram em tecnologia para poder realizar as trans-
missões das competições futebolísticas.
Em todas as plataformas, a história do jornalismo esportivo acu-
mula nomes que se tornaram figuras comuns no imaginário popular
brasileiro. No meio impresso, uma dupla de irmãos são referências
até hoje na crônica esportiva: Nelson Rodrigues e Mario Filho, sendo
que o segundo dá nome ao maior e mais famoso estádio de futebol
do Brasil, mais conhecido como Maracanã. Na mídia sonora, Ary
Barroso fez história nos anos de ouro do rádio brasileiro. “Ary Bar-
roso era um espetáculo à parte, e foi o primeiro narrador a usar a ir-
reverência, o fanatismo e a passionalidade como marca registrada de
suas transmissões” (Schinner, 2004, p. 23). Depois, com a televisão,
muitos locutores de rádio foram chamados para ocupar esse espaço,
como Sílvio Luiz, Luciano do Vale, Osmar Santos e Galvão Bueno.
Esses pioneiros do jornalismo esportivo brasileiro também mar-
caram algumas das características dessa especialidade que predomi-
nam até hoje. Se por um lado, como aponta Celso Unzelte (2009), o
jornalismo esportivo é, antes de tudo, jornalismo (com os mesmos
procedimentos técnicos e cuidados éticos), por outro, o uso da irre-
verência e o apelo à passionalidade, que começou nos primeiros anos
do rádio esportivo, seguem até hoje. Diferentemente de outras espe-
cialidades, os adjetivos e a mescla de informação com opinião, é mais
aceita no jornalismo esportivo. É comum ouvir um repórter dizer
que um jogador bateu um pênalti muito mal ou um jornal trazer na
manchete algo como: “Time A tem atuação irreconhecível e é massa-
crado pelo Time B”. Ou seja, o uso de adjetivos e a opinião do jorna-
lista para descrever acontecimentos (como uma batida de falta, um
saque ou o desempenho de um atleta em uma corrida) é algo que faz
parte da linguagem e da cultura jornalísticas de quem trabalha com
esportes. Contudo, é importante investir em qualificação para que
o jornalista esportivo não se transforme em uma metralhadora de

282
clichês e lugares-comuns, indo além das frases prontas, lendo muito
para enriquecer o vocabulário e estudando questões como história,
regras e táticas. Além disso, é fundamental que o jornalista não se
deslumbre pelo contato com astros do mundo esportivo. “Ou outro
tipo, ainda pior, com pretensão ainda maiores: aquele jornalista que
trabalha não para conversar, não para dialogar, não para comunicar.
Trabalha para aparecer. O artista da imprensa. O repórter metido a
besta, como muitas bestas metidas a repórter” (Betin, 2005, p. 21).
Contemporaneamente, o jornalismo esportivo deixou de ser
restrito aos jornais impressos, revistas, emissoras de rádio e TV e
ganhou uma infinidade de oportunidades na internet. Surgiram ca-
nais de notícias on-line, webrádios especializadas, canais no Youtube,
programas de mesa redonda com transmissões em lives nas redes
sociais, coberturas fotográficas no Instagram, agências de notícias
esportivas etc. O mercado, que antes era limitado aos veículos de
comunicação tradicionais, passou a oferecer oportunidades, tanto
no contexto de laboratórios nas universidades, quanto para profis-
sionais que não conseguiam vagas nessas empresas de comunicação.
No entanto, há dois pontos importantes de serem ressaltados
para quem pretende ingressar no mundo do jornalismo esportivo.
Primeiro, é que o universo do esporte, mesmo no Brasil, não se re-
sume exclusivamente ao futebol. Todos os autores de referência que
escreveram sobre o tema ressaltam isso. O jornalista que vai atuar em
uma editoria de esporte, ou em um canal especializado, precisa ter
um conhecimento aprofundado das regras, da história e do contex-
to do futebol, mas também precisa ter um bom conhecimento geral
sobre os outros esportes. Muitos, inclusive, especializam-se em al-
gumas práticas especificas, como vôlei, ginástica, tênis, basquete etc.
“Muitas vezes, o jornalista se torna melhor quando conhece a fundo
um assunto específico. É matemático: quanto mais tempo e ener-
gia você dedicar à especialização em seu assunto preferido, maior
a chance de se destacar” (Unzelte, 2009, p. 94). Mesmo nesse caso, é
aconselhável que o jornalista tenha uma boa base de conhecimento
sobre outros esportes e até mesmo de outras editorias, pois muitas

283
vezes um jornalista esportivo pode ser deslocado para cobrir pau-
tas de outras especialidades em razão de viagens feitas para cobrir
eventos. Um exemplo é quando um repórter vai cobrir um jogo de
futebol em uma cidade distante e lá está acontecendo algo importan-
te, como uma rebelião ou uma visita de uma autoridade estrangeira.
Nesse caso é provável que o veículo, ao invés de deslocar outro repór-
ter para o mesmo lugar, solicite ao jornalista esportivo que também
cubra o acontecimento em questão. Em outras palavras, o jornalista
esportivo é, antes de tudo, jornalista e deve estar preparado para co-
brir outros assuntos. Por isso o jornalista esportivo nunca deve dei-
xar de lado os seus conhecimentos técnicos de produção jornalísti-
ca (levantamento de pauta, entrevista, apuração, produção textual
etc.) e os princípios éticos da profissão.
O segundo ponto diz respeito às mudanças contemporâneas na
cobertura de eventos. Enquanto Ary Barroso, nos anos 1940, subiu
no telhado de uma casa vizinha ao estádio para terminar a transmis-
são de uma partida de futebol após ser expulso de São Januário (Es-
tádio do Vasco da Gama, Rio de Janeiro, capital) atualmente, há um
comodismo das equipes esportivas que exageram na utilização da
TV dentro de um estúdio nas transmissões. Por mais que o argumen-
to de contenção de gastos possa ser válido em algumas situações, é
evidente que a transmissão perde um dos principais ingredientes que
fascinam o público e seus profissionais: a emoção. É completamente
diferente um grito de gol de um locutor de rádio ou de televisão que
está dentro de uma cabine em um estádio lotado, daquele grito em
que o sujeito está em um estúdio localizado à quilômetros de distân-
cia do local dos acontecimentos. Assim como é distinta a sensação de
quem ouve um repórter passando informações da beira do campo,
daquele que repassa a mesma informação estando sentado em uma
cadeira giratória em um estúdio silencioso. Além disso, acumulam-
-se situações em que as câmeras utilizadas na transmissão não mos-
tram acontecimentos importantes, que só poderiam ser vistos se os
profissionais estivessem no local das atividades esportivas. Cada vez
mais o público vê locutores, comentaristas e repórteres esperando o

284
replay para passar uma informação porque eles não estão nos palcos
esportivos. Isso sem contar as inúmeras vezes em que houve falhas
técnicas nas imagens transmitidas e o locutor e a sua equipe ficaram
sem saber o que falar, esperando a resolução desses problemas. Esses
são casos em que o argumento da economia da empresa representa a
castração da emoção do locutor, do repórter e do comentarista. E o
expectador percebe isso.
Entretanto, mesmo o jornalismo esportivo tendo as suas par-
ticularidades, vale sempre ressaltar que o compromisso com a éti-
ca profissional, com a busca pela verdade e com o público deve ser
o mesmo das outras editorias. Como ressalta Unzelte (2009, p. 7),
“Bons jornalistas podem se transformar em bons jornalistas espor-
tivos, porém maus jornalistas serão sempre maus jornalistas, no es-
porte ou em qualquer outra editoria”.

Indicações de leitura

BARBEIRO, Heródoto; RANGEL, Patrícia. Manual do jornalismo esportivo.


São Paulo: Contexto, 2006.
FRANGE, Marcelo Bechara Souza Nassar. A produção do jornalismo espor-
tivo na internet. São Paulo: Appris, 2016.
GALEANO, Eduardo. Futebol ao sol e à sombra. Porto Alegre: L&PM, 2010.
KOTLER Philip; REIN Irving; SHIELDS Ben. Marketing esportivo. São
Paulo: Bookman, 2007.
LÉO, Alberto. História do jornalismo esportivo na TV brasileira. Rio de
Janeiro: Maquinária Editora, 2017.
LINHARES, Marcis. Nos bastidores do jornalismo esportivo. São Paulo:
Celebris. 2006.
RIBEIRO, André. Os donos do espetáculo. São Paulo: Terceiro Nome, 2007.
VILAS BOAS, Sergio (org.). Formação e informação esportiva. São Paulo:
Summus, 2005.

Referências

BETING, Mauro. Pago pra ver. In: VILAS BOAS, Sergio (org.). Formação e
informação esportiva. São Paulo: Summus, 2005.

285
COELHO, Paulo Vinicius. Jornalismo esportivo. São Paulo: Contexto, 2003.
SHINNER, Carlos Fernando. Manual dos locutores esportivos: como narrar
futebol e outros esportes no rádio e na televisão. São Paulo: Panda, 2004.
ULZETE, Celso. Jornalismo esportivo: relatos de uma paixão. São Paulo:
Saraiva, 2009.

286
Cultura

Sérgio Luiz Gadini

A abordagem sobre cultura, em reportagens, seções ou editorias,


pode ser pensada a partir do entendimento e da prática do jorna-
lismo cultural. Importante lembrar, para começo de conversa, que
não há um conceito único, padrão ou consensual sobre o tema. Mas,
é lógico, pode-se indicar muitas pistas para compreender e, pois,
orientar produções que possam ser apresentadas como jornalismo
cultural.
No Brasil, a partir do que se faz e considera-se referência na área,
pode-se dizer que o Jornalismo Cultural (JC, a partir daqui) regis-
tra especificidades, que estão associadas aos modos como o campo
cultural se estrutura e como opera o “fazer jornalístico”. O segmento
temático ou editoria JC abrange uma diversidade de produtos, servi-
ços e discursos orientados pelas características tradicionais do jorna-
lismo1 – atualidade, universalidade, interesse coletivo, proximidade
difusão, singularidade, pluralidade, dentre outras marcas – que, ao
pautar assuntos ligados ao campo cultural, instituem, refletem e pro-
jetam modos de ser, pensar e viver de um determinado grupo de pes-
soas, resultando uma forma de produção singular do conhecimento
no espaço social em que é produzido, circula e é consumido (Gadini,
2009, p. 81).
Oportuno destacar, aqui, que na base desse conceito estão com-
preensões e ideias que resultam de estudos, observações e constata-
ções na variedade de práticas editoriais que ocorrem nos mais di-
versos espaços de produção jornalística, seja em suportes impressos

1 A principal referência, aqui, é o livro de Otto Groth, O poder cultural desconhecido: fun-
damento da ciência dos jornais (2011, p. 141-320). No texto, Groth sintetiza as principais
características do jornalismo. Para o presente texto, tais características são ampliadas e
atualizadas, como se pode ver na descrição explicativa.

287
(jornais ou revistas), portais ou redes digitais e audiovisuais (rádio ou
televisivo), além das crescentes variações de formatos convergentes.
Duas questões a destacar. A primeira é a constatação de que, ain-
da que o JC registre especificidades em relação a outras editorias ou
seções, as orientações e lógicas produtivas são as mesmas do que se
entende em geral como jornalismo e, pois, a necessidade de ter pre-
sente as características da produção no cenário que marca a história
(jornalística) no Brasil. A segunda questão fundamental para deli-
mitar didaticamente o JC é entender o que significa campo cultural,
de onde o fazer noticioso parte e, ao mesmo tempo, fortalece como
espaço social.
Se o discurso configura uma produção de sentido entre dois ou
mais locutores (Pechêux, 2002, p. 17), pode-se entender que a edição
(e circulação) de um produto (imagem, áudio e/ou texto) em cultu-
ra faz parte de relações de poder (força simbólica) que integram as
formas de organização social em que vive um determinado grupo
de pessoas (comunidade, bairro, instituições e cidade). Tem-se, pois,
uma variedade de atores e autores (ou interlocutores) que dialogam
e disputam a atribuição de sentido às suas formas de expressão em
relações que se instituem por práticas humanas comunicativas. É este
conjunto de relações, iniciativas, tensões e práticas partilhadas que
atribuem especificidades a um determinado campo social, que pode
ser identificado como um espaço (Bourdieu, 1998, p. 14) – ou relação
de saber e poder – de forças em disputa por posições que indivíduos
ocupam no interior de um setor e, pelo qual, partilham de regras,
estratégias e reconhecimento, entre si e por atores de outros campos.
Equivale dizer que, ao referenciar um segmento de produção in-
formativa nomeada por JC, tem-se por pressuposto que se fala de um
campo social que registra especificidades nos modos de agir de ato-
res sociais, mas que obviamente também interage com outros seto-
res, pois o conceito de campo supõe uma conexão (relacional, ainda
que diferencial) com demais segmentos que conformam as socieda-
des complexas no mundo contemporâneo. Vale lembrar, aqui, que
um campo social compreende atores que se deslocam/agem em um

288
determinado espaço social (físico ou simbólico), partilham de estra-
tégias e táticas de ação, considerando regras e hábitos em comum, e a
existência do referido campo conta com o reconhecimento de atores
que operam em outros campos sociais. Não basta nomear algo como
jornalismo sobre arte/cultura, mas é preciso indicar onde tais atores
e produções operam no cenário social em que circulam e, pois, de
que modos influenciam nas relações (instituídas e instituintes) que
fazem parte da vida coletiva de um determinado grupo de pessoas ou
organizações. O que isso significa ao JC, no caso brasileiro?
Outra observação importante para compreender o JC no Brasil
diz respeito às características que, ao longo de décadas, foram nor-
teando os modos de trabalhar a cultura como notícia no jornalismo
brasileiro (Gadini, 2009, p. 123). As mudanças na forma como a cul-
tura foi, ao longo de mais de um século pautada como informação
em nosso país estão associadas às condições técnicas e profissionais
de produção, bem como às situações de organização do setor cultu-
ral. Exemplo? Se até as primeiras décadas do século XX a dispersão
populacional do País estava no meio rural, sem acesso aos produtos
impressos, é razoável que os limites davam conta também da oferta
de serviços e direitos culturais à maioria de brasileiros. São as in-
venções técnicas que vão, por diversas formas, ampliar o acesso da
população aos bens, serviços e produções culturais no País. Só se
fala, pois, em informação no rádio (a partir de 1922) e na televisão
(depois de 1950). Até então, os indicadores socioeconômicos mos-
tram que inclusão cultural seria apenas alguma miragem desértica
ou ficção em um mundo de desigualdade e exclusão social (política,
educacional, econômica e cultural). É a mesma lógica que orienta a
identificação de características editoriais ou mesmo formatos predo-
minantes nas produções jornalísticas em cultura no Brasil.
Mas, se o JC já foi basicamente ensaio ou comentário de peças
teatrais e críticas literárias não se trata de um casual registro his-
tórico, mas sim de marcas contextuais que podem, aqui, ser com-
preendidas como “elementos de uma história social do jornalismo
brasileiro”. Este detalhe precisa, contudo, ficar para outro momento,

289
pois interessa aqui delimitar um conceito, características e orienta-
ções editoriais ao JC no Brasil.
Os programas radiofônicos que foram adaptados do teatro “fala-
do”, a partir dos anos 1930 forjam uma cultura de audiência (rádio-
-teatro, auditórios com patrocinadores e prêmios, filas para entrar em
auditórios pouco conhecidos até então, bem como a “magia” radiofô-
nica criada pela paixão futebolística aos clubes que viravam notícia
Brasil afora) que vai ao encontro de uma população majoritariamente
iletrada e sem acesso às condições de ensino e direitos sociais já reco-
nhecidos em diversos países do mundo. E, não muito diferente, cerca
de duas décadas depois, a partir dos anos 1950, a emergência da tele-
visão vai adaptar os auditórios (que foram adaptados do teatro e do
cinema) em programas com imagens e transmissão ao vivo.
Se as emergentes redes de rádio e TV criaram uma cultura au-
diovisual no Brasil, porque as produções editoriais ficaram mais
restritas aos impressos, que registram menor alcance na diversidade
continental de um País em lenta descolonização? E o que ficou de JC
em rádio e TV no País?
O JC no Brasil não pode ser entendido apenas como notícia em
mídia impressa (revista ou editoria de arte/cultura em jornais). Por
isso, diferente de outros países, por aqui, a editoria de cultura é bem
mais ampla e, aliás, vai muito além das sete artes tradicionais (arqui-
tetura, escultura, pintura, música, literatura, dança/teatro, cinema).
É, contudo, o impresso que ainda orienta as especificidades mais visí-
veis na produção jornalística. O que, em parte, decorre da estratégia
de “cadernização” da cultura (Caderno B, Caderno C, Segundo Ca-
derno ou suplemento diário), ocorrida a partir de meados dos anos
1950 pelo Jornal do Brasil e, aos poucos, adaptada pela maioria dos
diários regionais no País. Na edição cotidiana do caderno B ou C,
entrava quase tudo: notícia de lançamento de livro ou peça de teatro,
crônica de hábitos comportamentais, serviços como agenda de bares,
filmes em cartaz nos cinemas da cidade, eventuais reportagens (que
abriam capa/edição), até variedades com tiras, horóscopo, palavras
cruzadas e coluna social.

290
Esse mesmo formato como estratégia comercial (e editorial) vai
nortear os principais modos de fazer JC em diários, semanários ou
revistas, pelas próximas seis ou sete décadas e, inclusive, ainda orien-
ta os portais em tempos de informação digital (na entrada da terceira
década do século XXI). Deriva, daí, uma diversidade de formatos
que, no entanto, não estão muito distantes das demais editorias na
produção cotidiana do jornalismo brasileiro: tem informação, críti-
ca, ensaio analítico, opinião, entrevista direta (pergunta e resposta),
notícia, nota e, claro, também reportagem.
E em termos de texto, existe alguma orientação editorial padrão,
que poderia ser útil ou imprescindível na produção em JC? Sim. De
um modo geral, diretrizes, manuais ou técnicas de redação e de edi-
ção valem, tanto ao JC como às demais editorias: pauta com força de
atualidade, apuração (capaz de assegurar verificação de pluralidade
de fonte noticiosa), redação com texto direto, simples e objetivo. E,
aí, ajustar a edição em sintonia com o veículo, o meio ou o produto
que vai publicar matéria. No processo é, sempre, fundamental pro-
curar seguir as características que orientam a produção jornalística:
atualidade, interesse público, universidade, frequência/periodicida-
de e pluralidade, dentre outras marcas que, eventualmente, determi-
nados veículos ou grupos apontam como necessárias.
E o que teria de próprio ao JC, que outras editorias em geral não
dispõem? Além da agenda, e pautas factuais, vale lembrar que datas
(que registram tempo de obras, aniversários, comemorações ou re-
lançamentos), eventos que definem políticas públicas (conferências
municipais, encontros, conselhos locais e estaduais, legislações es-
pecíficas, como a lei emergencial Aldir Blanc de apoio à Cultura, de
2020) são temas que precisam de leitura, debate, atualização e, claro,
busca de conhecimento para escrever ou falar a respeito. Técnicas
de texto ou abertura de matéria audiovisual, da mesma forma, im-
plicam ter presente um gancho2 com força de atualidade noticiosa,
2 Toda pauta tem uma justificativa que, em geral, está associada às características do fazer
jornalístico: uma informação atual ou indicador com relevância social (interesse coleti-
vo). Além da necessária busca de fontes noticiosas, é preciso personagens, que sustentam
e dão “vida” à narrativa (pois jornalismo é uma forma de contar histórias), aproximando

291
técnica de titulação ou chamada com destaque ao interesse coletivo e
abrangência social, dentre outras orientações que, regra geral, valem
para pensar e produzir material jornalística aos mais diversos meios,
segmentos e editorias.
A partir dos anos 1990, os debates em torno da globalização
não se limitam ao plano econômico, pois se fala, cada vez mais, em
“culturas” da mídia (Keller, 2001, p. 9) que tencionam e disputam
audiências e espaços no imaginário coletivo pelas mais diversas es-
tratégias, formas e expressões.
Em jornalismo – e isso não é exclusividade do campo cultural
– ler é fundamental. Ou, melhor, elementar. É a leitura, insistente,
habitual e disciplinada, que pode ajudar na formação de hábitos,
gostos, sensibilidade estética, interesse por mais opções de gêneros
musicais, variações fílmicas, conhecimento de idiomas e expressões
culturais que marcam os modos humanos de ver, perceber e viver na
crescente complexidade das sociedades contemporâneas.
É neste sentido que o JC envolve, cada vez mais, uma série de
produtos, serviços e segmentos que, até poucas décadas, estavam
longe de ser abordados como cultura e ficavam restritos às edições
temáticas ou aos formatos livro e documentário. Hábitos gastronô-
micos, roteiros turísticos locais, lazer ambiental, crescente varieda-
des de bebidas (cervejas artesanais, por exemplo), jogos e práticas
de entretenimento eletrônicos, além das incontáveis especialidades
de colecionadores das mais inusitadas expressões humanas são bre-
ves ilustrações da ampliação que o campo cultural foi adquirindo
nas recentes décadas e, de algum modo, passaram a dialogar com as
anteriores restritas perspectivas editoriais da cultura como suposto
sinônimo das setes artes tradicionais. Em tempos de “vida digital”,
quase tudo nas expressões humanas mostra um lado cultural, que
envolve hábito, comportamento, prática ou expressão (identitária ou
não).

leitor/telespectador, além da necessária contextualização da matéria. O mais simples e


prático é deixar a “escolha” do gancho com força noticiosa sob responsabilidade da re-
portagem, que apura a pauta, a partir de orientações editoriais.

292
É claro que a cultura, ao longo deste processo em que foi se tor-
nando uma mercadoria, é cada vez mais tratada como objeto à venda
(Thompson, 2013, p. 1), como bem sugerem diversos autores (des-
de a Escola de Frankfurt, dos anos 1930). Sem abstrair desta versão
mercantilista, é possível se familiarizar com as produções em JC sem
abrir mão de uma análise crítica e criativa dos processos que repro-
duzem e aumentam a exploração capitalista das experiências, ousa-
dias e expressões humanas.
Bem! Antes de finalizar, fica aqui um desafio para um breve exer-
cício de produção em JC: comece por escrever – seja em forma de
breves notas para resumir ou elaborar uma crítica – sobre filmes que
assiste, músicas que ouve ou peças que tens interesse. Leia, antes, crí-
ticas culturais sobre o assunto e, em seguida, comece a desenvolver
o hábito de, tão logo assistir ou acessar um produto em arte, cultura
ou entretenimento, escrever, buscando exercitar o que há de mais
simples na prática jornalística: ler, escrever, editar. E, se concordar,
envie para publicação em algum dos incontáveis espaços que acei-
tam contribuições autorais. Por fim, uma última sugestão: existem
manuais que ajudam na produção jornalística em arte/cultura. Não
esqueça, contudo, que o fundamental é desenvolver e educar uma
sensibilidade estética por hábitos, práticas de consumo, modos de
ver, ler e viver. E isso também se adquire com observação cuidadosa,
muita conversa com pessoas de diferentes idades e, obviamente, lei-
tura. Leia, sempre. Leia mais. Ler é fundamental!

Indicações de leitura

BULA Revista
CORREIO Braziliense. Diversão e Arte
CULTURA Plural
EL CULTURAL
LABORATÓRIO de Jornalismo Cultural (Revista Cult)
ODIA. Diversão.
OGLOBO. Segundo Caderno.

293
OUTRAS Palavras
PAGINA12. Cultura y Espetaculos.
PERNAMBUCO. Jornal literário.

Referências

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand


Brasil, 1998.
GADINI, SÉRGIO L. Interesses cruzados: a produção da cultura no jornalis-
mo brasileiro. São Paulo: Paulus, 2009.
GROTH, Otto. O poder cultural desconhecido: fundamentos da ciência dos
jornais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: Edusc, 2001.
PÊCHEUX, Michel. O Discurso: estrutura ou acontecimento. 7. ed. Campi-
nas: Pontes Editores, 2002.
THOMPSON, John B. Mercadores da cultura. São Paulo: Unesp, 2013.

294
Educação

Cláudia Herte de Moraes

A editoria de Educação é responsável por trazer as pautas re-


lacionadas a todos os níveis de ensino, abordando peculiaridades
acerca de modalidades, bem como aspectos locais, regionais ou na-
cionais. Todo e qualquer debate, definição ou ação que interfira no
funcionamento da educação, especialmente a pública, é considerado
prioridade do setorista. Nem sempre os meios de comunicação têm
a seção de forma permanente, no entanto, a área é constantemente
pautada pelo jornalismo. Na questão educacional, indica o Guia da
ANDI (2009), há temas fundamentais e que merecem atenção espe-
cial dos jornalistas: a evolução histórica do ensino brasileiro; a orga-
nização do sistema de ensino; as formas de financiamento; o acom-
panhamento da gestão; e a avaliação e monitoramento do sistema
como um todo.
A educação é formada por dois níveis: básica (infantil, ensino
fundamental e médio) e superior. Para a Associação de Jornalistas de
Educação – Jeduca (2018), é possível agrupar as urgências do nível
básico em torno de acesso, qualidade e combate às desigualdades.
No Brasil, a educação é regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases
(LDB). Há três modalidades: formal (escolas, instituições de ensino
em geral, universidades); informal (família e convivência) e não for-
mal (demais organizações sociais).
A LDB e os chamados “sistemas de ensino” (municipal, estadual
e federal) são voltados para a educação formal, que tem característi-
cas de planejamento, organização, recursos, gestão, objetivos claros
e regulamentados por órgãos públicos (secretarias de educação, di-
retorias, núcleos, conselhos). O jornalista que atua nesta área busca
a atualização e o acompanhamento deste sistema como um todo. Na
educação não formal há notícias, como por exemplo, a cobertura de
295
atividades extraescolares e culturais em geral, museus, fundações,
parques e outras organizações que contribuem para a aprendizagem
em várias atividades com cursos livres, educação e divulgação cien-
tífica, eventos e oficinas. No entanto, levando em conta a missão do
jornalismo pelo interesse público, as áreas de maior atividade são da
educação formal no sistema público de ensino e, geralmente, asso-
ciadas às demandas da educação básica.
Podemos pensar em variadas possibilidades nesta cobertura, tais
como:
a) o financiamento da educação pública (votações de orçamen-
tos em todos os níveis de gestão pública), a gestão e a aplica-
ção destes recursos;
b) a avaliação e a qualidade da educação de crianças e jovens
(dados estatísticos, acompanhamento de questões educacio-
nais específicas, testes e provas, como o Índice de Desenvol-
vimento da Educação Básica (IDEB) e o Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem);
c) a formação continuada dos professores (cursos, eventos, ati-
vidades pedagógicas);
d) a valorização dos professores (negociações de condições de
trabalho, salários, greves);
e) a inovação na educação (projetos inovadores, experiências
em ensino-aprendizagem, integração de conteúdos, desta-
ques em prêmios e concursos);
f) inclusão, diversidade, igualdade (levando em consideração
estudantes de diferentes culturas, etnias, origens, deficiên-
cias, educação como direito humano; as áreas da educação
do campo, indígena e quilombola);
g) reflexão e pesquisas (debates de ideias quanto aos modelos
educacionais ou pedagógicos, pesquisa que impactam o am-
biente escolar);
h) escola como lugar de referência (tudo o que ocorre no am-
biente escolar, as interações sociais, psicológicas, familiares,
comunitárias);

296
i) a regulamentação e atualização (novas legislações que afetam
o sistema escolar, uma das mais recentes e importantes, a
Base Nacional Curricular Comum – BNCC, de 2018);
j) a educação técnica, tecnológica e universitária (incluindo ex-
tensão, pesquisa e pós-graduação).

As notícias sobre educação são abundantes e algumas se repe-


tem anualmente, seguindo um calendário quanto aos processos de
ingresso no sistema (abertura de vagas, chamadas, matrículas etc.)
e demais agendamentos. Alguns casos presentes nos destaques do
Portal G1, por exemplo, em maio de 2021:1

Manchete 1
Inep publica edital com prazo para pedir isenção na inscrição
do Enem 2021

Manchete 2
Prouni abre inscrições para vagas remanescentes; candidatos
relatam dificuldade em acessar página

Manchete 3
Sem aulas presenciais, diretora de escola monta ‘maleta via-
jante’ e leva livros a crianças em aldeia

Podemos ver que duas das três notícias principais são sobre edi-
tais e inscrições. A terceira é voltada para a inovação. Importante
notar que, assim como em outras editorias, as pautas que ganham
destaque procuram uma variedade de angulação, partindo das ex-
pectativas e dos desafios da área. Entre as abordagens mais utilizadas
estão: o reconhecimento de méritos (casos de educadores ou escolas,
universidades, sistemas que se destacam em qualquer área – como
mostra o exemplo do G1); o uso de dados (correlacionando resulta-
dos de estudos sobre rendimento escolar, uso de recursos financeiros
1 Disponível em: https://g1.globo.com/educacao. Acesso em: 3 maio 2021.

297
ou tecnológicos por escolas, valorização e salários dos professores)
entre outros; o recorte histórico (que recupera o tema ao longo do
tempo os processos educacionais de determinado lugar); o acom-
panhamento de políticas públicas e legislação (em comparação aos
resultados efetivos).
Os agentes educacionais na escola são fontes jornalísticas, sendo
entrevistadas as pessoas que exercem as funções de direção, super-
visão, coordenação pedagógica, atendimento especial, entre outras.
Além, é claro, dos agentes diretos junto aos estudantes, professoras e
professores e profissionais técnicos da área. Junto ao poder público,
as fontes são as autoridades de órgãos de gestão da educação (secre-
tarias, núcleos, diretorias). Estudantes, bem como lideranças estu-
dantis, podem ter atuação de destaque em determinados projetos.
Pesquisadores da área de Educação, Psicologia, Ciências Sociais e
Humanas, entre outros, são profissionais comumente ouvidos pelos
jornalistas de educação.
O jornal Folha de S. Paulo criou a editoria de Educação em 1973,
e chegou a ter uma cobertura considerada modelo na seção, porém
“[...] foi definhando com o passar dos anos, principalmente durante
a década de 1980, e acabou por completo no início dos anos de 1990”
(Cripa, 2007, p. 128). Em 2002, o tema era tratado na editoria Coti-
diano, e o autor indica uma diferença importante: Em 1973, existia
“a presença de fontes representativas não só de órgãos oficiais ou a
eles relacionados, mas também de professores, diretores, sindicalis-
tas e políticos”. Em 2002, no segundo período analisado, apareceram
fontes ligadas “à elite educacional do país ou a órgãos dos governos
Estaduais, Municipais e Federal” (2007, p. 129). Na pesquisa, eviden-
ciou-se então a relação diversificada e de qualidade entre as fontes
da editoria especializada e dedicada integralmente ao tema, e mais
recentemente, o uso preponderante de fontes oficiais, no caderno
Cotidiano.
Em cada pauta, o jornalista deve buscar contemplar fontes di-
versas, além de cumprir todos os requisitos éticos da cobertura em
qualquer área: compromisso com a verdade dos fatos e com a possi-

298
bilidade de expor com clareza o que está em jogo em cada disputa do
debate público. Este comportamento garante que o profissional não
privilegie os já privilegiados na sociedade. Por exemplo, o setorista
deve compreender que o amplo cenário da educação no Brasil tam-
bém sofre o assédio do mercantilismo, decorrente de políticas neo-
liberais no setor. Isso significa que, ao invés de considerar as pessoas
como dignas do direito à educação, o sistema é direcionado a pensar
prioritariamente em sujeitos consumidores de educação. Esta pau-
ta surge em discussões sobre a privatização da educação, no debate
sobre o apoio do Estado à rede privada, na própria falta de vagas na
rede pública ou na falta de investimentos, que desvaloriza a educa-
ção pública para que, assim, tenha sua importância diminuída numa
reorganização do “mercado”. A tese da ineficiência do que é público,
em várias áreas, geralmente está associada à ideia de que o privado é
mais valioso. O jornalista de Educação deve ter ciência dessas nuan-
ces e interesses privados no conjunto de pautas abordadas.
Na cobertura de temas sociais e de direitos da cidadania é im-
portante atentar para a formação de políticas públicas. A política pú-
blica é bastante influenciada pela entrada dos assuntos na agenda de
debates, por isso a saliência do jornalismo. A definição de política
pública é útil para a compreensão desta dinâmica: “política pública é
tudo o que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos
de suas ações e de suas omissões” (Azevedo, 2003, p. 38). Com isso, o
jornalismo de Educação pode mapear o que é realizado e o que ainda
falta fazer.
Embora o governo seja o implementador das políticas públicas,
a sociedade atua na construção da agenda e no tensionamento dos
caminhos que esta pode seguir. Por exemplo, a demanda pela maior
inclusão na Educação Superior teve em resposta a política de cotas.
Após sua implementação, entramos na fase da avaliação, quando há
a possibilidade de obter dados que possam indicar a validade desta
política para construir a solução do problema que pretendeu com-
bater. Houve maior diversidade na composição dos estudantes do
ensino superior, após decorrido certo tempo de implantação? Como

299
foi avaliada a qualidade e a contribuição destes estudantes para o se-
tor? Que outras inovações e impactos podem ser relacionadas a esta
política pública?
As políticas públicas direcionadas a uma dimensão social, no
entanto, podem ter impacto em outros setores. Por exemplo, quando
a pauta é a política da merenda escolar, o repórter poderá abordar a
importância desta tanto aos aspectos nutricionais que dão melhores
condições de estudo para as crianças, quanto ao efeito junto à comu-
nidade, caso a merenda seja adquirida de produtores e agricultores
próximos. Nas reportagens sobre Educação é interessante trazer os
elementos para que a sociedade possa entender sobre as formas de
sua participação cidadã, considerando portanto que os rumos to-
mados pelas políticas públicas afetam o resultado de cada um que
vai acessar este serviço. Neste sentido, indicamos a valorização e a
atenção aos conselhos de educação, criados para que representantes
da comunidade discutam, formulem e avaliem as políticas no setor.
No site da Jeduca é possível acessar guias, reportagens e bastido-
res de reportagens que são compartilhados entre os profissionais da
área, destacando temas específicos, tais como ensino infantil, ensino
remoto, evasão, financiamento, BNCC e IDEB etc. Uma dica é acom-
panhar (e participar) do concurso da Jeduca, que premia jornalistas
e estudantes (categoria para trabalhos de conclusão de curso). Em
2021, o primeiro lugar na Categoria Estudante foi obtido por Lucas
Venceslau Krupacz Leal, autor do documentário Revolução Silencio-
sa: 10 anos de cotas raciais na UFSC, publicado no Youtube.
Algumas indicações para o setorista de Educação:
a) Acompanhar as Comissões de Educação dos poderes legisla-
tivos;
b) Acompanhar os Conselhos de Educação;
c) Acompanhar a Secretaria de Educação (ou outro órgão do
Executivo);
d) Assinar algum material de apoio para atualidades (newsletter
ou revistas científicas de Educação);
e) Conhecer e acompanhar as principais legislações da área;

300
f) Organizar listagem de órgãos, organizações e fontes do setor;
g) Organizar a agenda de cobertura da Educação, que possa im-
pactar na pauta (definições de orçamento, prazos para matrí-
cula, reuniões ordinárias sobre o tema, aplicação de provas
etc.), com intuito de planejar e melhorar as reportagens.

Indicações de leitura

ANDI – Comunicação e Direitos: site da organização


CNE: site do Conselho Nacional de Educação
JEDUCA: site da Associação de Jornalistas de Educação
MEC: site do Ministério da Educação
UNESCO: site da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura, agência especializada das Nações Unidas (ONU)

Referências

AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns


problemas de implementação. In: SANTOS JÚNIOR, Orlando A. dos et. al..
Políticas públicas e gestão local: programa interdisciplinar de capacitação de
conselheiros municipais. Rio de Janeiro: FASE, 2003.
ANDI. Educação no Brasil: guia de referências para cobertura jornalísticas.
Brasília: ANDI, 2009. (Série Jornalista Amigo da Criança)
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional. Ministério da Educação, 1996.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. Brasí-
lia, 2018.
CRIPA, Marcos Luiz. A cobertura da educação no jornal Folha de S. Paulo:
uma análise comparativa dos anos 1973 e 2002. 2007. 189 f. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Comunicação), Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2007.
JEDUCA. Associação de Jornalistas de Educação. Educação em pauta nas re-
dações: a cobertura jornalística da educação. 2. Ed. São Paulo: Moderna, 2018.

301
Saúde

Ana Cláudia Peres

Nos veículos de comunicação, a editoria ou seção de saúde cos-


tuma ser definida como aquela responsável pela cobertura de temas
relacionados ao bem-estar físico e mental. Caracteriza-se pela pro-
dução de notícias e reportagens sobre a promoção de saúde e a pre-
venção de doenças, o universo das pesquisas clínicas, o surgimento
de novos agentes patológicos, as mais recentes drogas e medicamen-
tos, o contexto das epidemias. Também são recorrentes as matérias
sobre cuidados com o corpo e dicas de beleza, com sugestões de
como viver mais e melhor.
Por conta da temática ampla, também se confunde ou se rela-
ciona com as editorias de ciência e de meio ambiente, chegando a
ser considerada, em alguns casos, uma subseção dessas. Se já hou-
ve épocas em que a editoria de saúde nos jornais contava com ca-
dernos e suplementos específicos ou ainda páginas fixas periódicas,
atualmente, salvo raras exceções, os veículos optaram por diluir a
cobertura de saúde nos diversos espaços e editorias. Por outro lado, a
despeito desse enxugamento, ainda é possível localizar na imprensa
de referência portais, blogs, colunas e revistas especializadas, afora
programas de entretenimento com recortes jornalísticos, que dedi-
cam especial atenção à busca de uma vida saudável.
Entre os desafios estão o esforço permanente para traduzir o dis-
curso médico, especializado e científico para o público leigo, a ten-
tativa de aproximar o leitor dos temas mais áridos a partir de uma
linguagem simples e a necessidade de uma agenda de fontes diver-
sificadas que deixem os jornalistas menos reféns das notas e comu-
nicados oficiais ou dos releases das assessorias de imprensa. Por se
tratar de uma área com muitos conflitos de interesse, ao jornalista

303
da editoria de saúde cabe uma atenção redobrada. É recomendável
nunca esquecer os enredos por trás da crescente “mercantilização da
saúde” (Kucinski, 2002).
Cláudia Collucci (2012), jornalista especializada em saúde,
aponta que, além de evitar o reducionismo da informação, a cober-
tura sobre saúde deve ainda tomar cuidado com o excesso de diag-
nóstico e as armadilhas das notícias que apenas servem aos interesses
das farmacêuticas e muitas vezes encontram guarida nas coberturas.
“Como jornalistas, não podemos nos esquecer das doenças fabrica-
das e de que convivemos com uma poderosa indústria nas áreas de
saúde, remédios, alimentos, diagnósticos, hospitais e equipamentos”
(2012, p. 18).
Ao tratar de doenças e agravos, a editoria de saúde precisa agir
com cautela. A espetacularização e o sensacionalismo podem ser
considerados sintomas de um jornalismo negligente que traz mui-
tos efeitos colaterais. Como avalia o jornalista e pesquisador Wagner
Oliveira (2017), nas últimas quatro décadas, termos como pandemia,
epidemia, surtos, biossegurança, entre outros, saíram dos consultó-
rios e começaram a ocupar lugar de destaque na imprensa de refe-
rência de forma indiscriminada. O problema é que, sem a devida
contextualização ou o debate qualificado, essa repercussão junto à
opinião pública corre o risco de cair no vazio, ou pior, fomentar o
pavor.
É lícito apontar que, quando esses temas são levados ao gran-
de público pela mídia, passam a fazer parte do cotidiano das
pessoas como um perigo real e imediato, saído diretamente da
fértil imaginação de um roteirista de Hollywood. O tema pede
contexto, precaução, evidências, procura por estudos sólidos,
fontes médicas e científicas qualificadas. A imprensa, em muitas
oportunidades, traz análises apressadas, imagens fortes, man-
chetes e títulos alarmistas, exacerbação de fatores de risco, nar-
rativas de sofrimento e desumanização, direito dos pacientes
em segundo ou nenhum plano. Dá espaço generoso a projeções
que podem induzir ao pânico e ao medo. (Oliveira, 2017, p. 52)

304
Saúde não é apenas o contrário de doença. Saúde é um direito,
garantido pelos tratados internacionais e pela Constituição Federal
de 1988. Essas sentenças combinadas são fundamentais para que as
editorias de saúde não se percam no labirinto do jornalismo de ser-
viços ou da mera reprodução de releases da indústria farmacêutica
e das grandes corporações, por exemplo. Como sugere Bernardo
Kucinski (2000, p. 183), “um dos grandes desafios está em entender
que os novos conceitos de saúde-doença têm vastas implicações na
definição de políticas públicas de saúde e, portanto, em seu acompa-
nhamento jornalístico”. Segundo ele, o jornalista que hoje cobre pro-
blemas de saúde não pode mais se limitar às categorias definidas pela
prática médica dominante. “Deve poder dialogar com essa prática
médica a partir de uma postura crítica” (2000, p. 183).
Significa dizer que a cobertura nessa editoria será tanto mais crí-
tica quanto mais se pautar pelo conceito estendido de saúde, atraves-
sado pelas noções de cidadania e dos Determinantes Sociais de Saú-
de (DSS) – que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)
são as condições sociais em que as pessoas vivem e trabalham, ou,
numa definição mais longa, os fatores sociais, econômicos, culturais,
étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a
ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na popu-
lação. Assim, reportagens que tenham como foco as desigualdades
sociais, o saneamento, a moradia, o transporte, a segurança, a quali-
dade do ar e da alimentação são dignas de espaço tanto quanto aque-
les conteúdos relacionados a uma emergência de saúde e a uma crise
sanitária ou aos potenciais benefícios de um novo tratamento e ainda
às supostas vantagens que uma nova droga pode oferecer.
As coberturas jornalísticas de saúde têm ainda um gargalo a en-
frentar. No campo da saúde coletiva, há uma queixa habitual – e não
se pode dizer que seja equivocada – de que a imprensa de referência
é tendenciosa na abordagem que faz dos problemas de saúde públi-
ca. Matérias sobre filas nos hospitais, dificuldades de acesso, falta de
leitos, sucateamento nas unidades, demora na marcação de exames
e consultas são uma constante – e precisam ser produzidas com res-

305
ponsabilidade pelos jornalistas que cobrem a área. No entanto, é ne-
cessário enfrentar o desafio de mostrar além do que se vê.
O Brasil possui um dos maiores sistemas públicos de saúde do
mundo. Resultado da luta da sociedade civil organizada e regula-
mentado pela Lei 8.080 de 1990, o Sistema Único de Saúde (SUS)
merece uma cobertura à altura do seu tamanho, com recortes que
apontem a complexidade dos seus problemas e limitações, mas tam-
bém destaquem os méritos das ações bem-sucedidas. “O SUS con-
cebido como parte de uma grande Reforma Sanitária, inscrito na
Constituição, debatido e aperfeiçoado em sucessivas Conferências
Nacionais de Saúde, é muito mais interessante, do que o que é levado
ao conhecimento da população”, sinaliza o jornalista Rogério Lannes
(2013, p. 3). Despidos de ingenuidade e sem perder o senso crítico,
cabe aos jornalistas de saúde também problematizar por que um pro-
jeto baseado na noção de solidariedade social permanece inacabado.
O que falta? Quanto falta?
Por fim, uma das maiores queixas dos jornalistas que cobrem a
área da saúde está na precarização do trabalho. Por se tratar de um
jornalismo especializado que cobre uma vasta área, que vai de recei-
tas para evitar o estresse às consequências de uma pandemia na vida
da população, imagina-se que houvesse uma aposta na formação
desses profissionais. Mas a realidade é bem diferente. Há cada vez
menos jornalistas especializados ao mesmo tempo em que cresce a
cobrança por um modelo de apuração que faça frente à desinforma-
ção potencializada por sites de fake news.1 Mas pensando bem esse é
o lamento do jornalismo de uma maneira geral.

1 Autores como Carlos Eduardo Lins da Silva (apud COSTA, 2018) têm traduzido fake
news como “notícias fraudulentas”, ao invés de simplesmente “notícias falsas”, para se
referir a conteúdos que simulam o estilo jornalístico e são fabricados com o propósito
deliberado de enganar pessoas. Ou seja, são notícias intencionalmente fraudadas que se
propagam como rastilho de pólvora nas redes sociais on-line e trazem consequências ne-
fastas. O campo da saúde, cujos assuntos afetam diretamente a vida da população, sem-
pre foi terreno fértil para disseminação de boatos e relatos inverídicos – agora também
de fake news. Um exemplo: durante a pandemia de covid-19, no Brasil, o movimento an-
tivacina abusou das fake news na tentativa de descredenciar um dos maiores programas
públicos de imunização do mundo.

306
Indicações de leitura

ABRAMO, Cláudio. A regra do jogo e a ética do marceneiro. São Paulo:


Companhia das Letras, 1988.

Referências

COLLUCCI, Cláudia. Saúde na mídia. Revista Debates GVSaúde, São Paulo,


n. 14, Segundo semestre de 2012.
COSTA, Francisco. Editorial. In: Dossiê pós-verdade e jornalismo. Revista
USP, São Paulo, n. 116, jan./fev./mar., 2018.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalismo e saúde na era neoliberal. Saúde e Socieda-
de, São Paulo, v. 11, n. 2, 2002.
COLLUCCI, Cláudia. Jornalismo, saúde e cidadania. Interface – Comunica-
ção, Saúde, Educação, Botucatu, v. 4, n. 6, 2000.
LANNES, Rogério. De “copo cheio”. Revista Radis, Rio de Janeiro, n. 137, abr.
2013.
OLIVEIRA, Wagner. Quando vírus, bactérias e mosquitos chegam ao noti-
ciário. In: DÁVILA, Cristiane, TRIGUEIROS, Umberto (orgs). Comunica-
ção, mídia e saúde: novos agentes, novas agendas. Rio de Janeiro: Luminatti
Editora, 2017.

307
Ciência

Verônica Soares da Costa

A invés de uma apresentação da editoria de Ciência, assim, em


maiúscula, proponho uma reflexão acerca das possibilidades de uma
editoria de ciências, em minúscula, porém, mais diversa e mais pró-
xima de nós (Costa, 2019). No lugar de uma Ciência com C, que se
manifesta distante, para poucos, em laboratórios de grandes centros
de pesquisa internacional, imagine as ciências como partes funda-
mentais de nossa existência e constitutivas da sociedade. É sobre elas
que devemos falar.
Sim, há ciência nos foguetes da NASA, no avanço tecnológico
de computadores e smartphones, no desenvolvimento das vacinas e
na busca pela cura do câncer. Mas as ciências também estão contem-
pladas nas reflexões sobre o sistema carcerário brasileiro, nos estu-
dos sobre mobilidade urbana das grandes cidades, nas linguagens no
ambiente digital, na literatura e no cinema nacional, nos acervos em
museus e na história da nossa gente.
Plurais, as ciências se fazem presentes no nosso cotidiano e, no
jornalismo, compõem uma editoria que se propõe a dar visibilidade
à construção coletiva do conhecimento, pautada pelo método cientí-
fico, mas reconhecendo que a Ciência, como instituição e empreen-
dimento humano, é também social, cultural e historicamente situada
– e, por isso, está sempre aberta às possibilidades de correção, revisão
e atualização de seus pressupostos e processos.
A editoria de ciências, seria, assim, o espaço em jornais, progra-
mas televisivos ou radiofônicos, sites, portais de notícias ou outras
mídias digitais, em que pesquisas e informações científicas são no-
ticiadas e contextualizadas a partir de princípios fundamentais do
jornalismo, como compromisso com os fatos e apuração criteriosa,
tendo a comunidade científica como fonte principal para a constru-
309
ção dos relatos que darão suporte à interpretação e à compreensão
da realidade pelo público – que, por sua vez, será formado, principal-
mente, por não especialistas.
A editoria de ciências pode dialogar com muitas outras, como
a rural, de saúde, de meio ambiente, de educação e de tecnologia,
mas ela se diferencia em função de especificidades das ciências como
prática social, das linguagens empregadas, da interação entre jorna-
listas e cientistas, dentre outros aspectos que destacarei a seguir.
Embora o jornalismo de ciências tenha uma história de mais de
dois séculos no Brasil (Moreira; Massarani, 2002), foi na década de
1980 que as editorias de ciências se consolidaram nos impressos. Não
apenas os jornais diários tinham cadernos especiais e páginas dedica-
das a temas de ciências, como também muitas revistas especializadas
foram criadas e passaram a circular com diferentes periodicidades.
Nas décadas seguintes, testemunhamos um esvaziamento das
redações e o desaparecimento dos cadernos e publicações da mídia
de referência dedicados aos temas científicos, bem como a escassez
de profissionais especializados para cobrir a área. Deriva daí uma
prática de valorização de pesquisas internacionais, às quais os jor-
nalistas têm acesso por meio de releases de agências de notícia, por
exemplo, em detrimento da cobertura nacional, conforme Fabíola
Oliveira (2007) já denunciava em seu livro Jornalismo científico, pu-
blicado originalmente em 2002. Tal cenário de invisibilização das
pesquisas do Brasil é tão grave para a ciência nacional que mobilizou
duas jornalistas e pesquisadoras brasileiras a idealizarem e criarem,
em 2020, a Agência Bori,1 serviço que apoia a cobertura da imprensa
de todo o país à luz das evidências científicas.
Já nas instituições de ensino e pesquisa, é comum a criação de
projetos de jornalismo científico que visam dar visibilidade a inicia-
tivas financiadas com verbas públicas, ou parcerias público-privadas.
No Brasil, temos exemplos longevos e bem-sucedidos como a revista

1 Idealizada por Sabine Righetti e Ana Paula Morales, a Agência Bori fornece informações
de pesquisas a jornalistas cadastrados, contatos de cientistas para entrevistas e treina-
mentos para jornalistas.

310
Pesquisa Fapesp, lançada em outubro de 1999 pela Fundação de Am-
paro à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e o projeto Minas
Faz Ciência, idealizado no âmbito da Fundação de Amparo à Pesqui-
sa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), que também completou 20
anos em 2019. Cabe apontar que esse jornalismo científico praticado
nas instituições de ensino, pesquisa e fomento diferencia-se daque-
le praticado nas mídias de referência, principalmente pelo fato de
serem frequentemente concebidos como braços das assessorias de
comunicação e imprensa das instituições.
Mais recentemente, com as possibilidades das conexões em rede
proporcionadas pela internet e pelas plataformas digitais, iniciativas
independentes conduzidas por jornalistas interessados em ciências
têm se proliferado, fomentando, inclusive, a criação de associações
como a RedeComCiência,2 além de abordagens inovadoras em jor-
nais nativos digitais, podcasts e canais em plataformas digitais de ví-
deo, nos quais cientistas, jornalistas, instituições de ensino e pesquisa
e empresas de mídia propõem novos formatos para falar das ciências,
em linguagens que vão além das práticas tradicionais do jornalismo
(como vlogs, animações e narrativas não ficcionais em áudio).
De modo geral, no entanto, o jornalismo de ciências praticado
no Brasil tem um histórico de promoção de uma “visão mistificada
da atividade científica, com ênfase nos aspectos espetaculares ou na
performance genial de determinados cientistas”, conforme criticam
Ildeu Moreira e Luisa Massarani, (2002, p. 63). Para os autores, é pre-
ciso superar o foco nas aplicações imediatas das ciências e considerar
aspectos que colaboram para uma visão mais realista, como os ris-
cos, as dúvidas e as incertezas, além das controvérsias que envolvem
o próprio fazer das ciências, os cientistas, seus financiadores, as ins-
tituições e eventuais conflitos de interesse.
O ecossistema do jornalismo científico passa, também, por pro-
fundas transformações derivadas da pandemia do novo coronavírus

2 A Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência) reúne


profissionais interessados em discutir e melhorar a qualidade do jornalismo e da comu-
nicação de ciência no País.

311
(sars-cov-2), a partir de 2020, que mobilizou de maneira muito in-
tensa cientistas e pesquisadores a assumiram papeis de protagonismo
na mídia de referência e nas mídias sociais, dialogando com públicos
diversos sobre o combate à covid-19. Observa-se, nesse sentido, um
aumento expressivo de pautas de ciência articuladas com editorias de
economia, política e meio ambiente, bem como a intensificação de
uso de imagens como gráficos, infográficos, animações e simulações
visuais na tentativa de, por meio do jornalismo e de suas possibilidades
multimodais de concepção de textos e narrativas, informar, conscien-
tizar e orientar a população sobre contágio, curvas de infecção, méto-
dos de prevenção e cuidados necessários para o controle da pandemia.
Uma importante reflexão para jornalistas que atuam na edito-
ria de ciências é a compreensão do papel social que cumprem na
construção de seus textos. Bernardo Esteves, jornalista da prestigia-
da Piauí, relatou no site da revista uma vivência intrigante durante
sua participação na Conferência da Federação Mundial dos Jornalis-
tas de Ciência de 2015, realizada em Seul, na Coreia do Sul. Deve o
jornalismo promover ou fiscalizar a ciência? Ser um líder de torcida
ou um cão de guarda do interesse público? Na ocasião, Esteves se
alinhou aos debatedores que defendem uma posição crítica do jor-
nalismo sobre as ciências, ou seja, que acreditam que a editoria de
ciências deve prezar pela fiscalização, e por “[...] oferecer aos leitores
armas para que possam se posicionar em relação a um número cada
vez maior de questões de interesse público atravessadas pelo conhe-
cimento científico” (Esteves, 2015).
O debate não é trivial e sinaliza para uma discussão mais am-
pla acerca de conceitos como divulgação, comunicação da ciência
e jornalismo científico, frequentemente tomados como sinônimos
(Bueno, 2009). Conforme apontado por Esteves, esse sentido de
equivalência esvaziaria o compromisso do jornalismo com o inte-
resse público e seu potencial de denúncia e debate das controvérsias
científicas em perspectivas mais investigativas que visem, por exem-
plo, identificar conflitos de interesse e denunciar a ação de lobbies
empresariais nas ciências. Para isso, o jornalista que atua na editoria

312
de ciências deve ter garantida sua atuação autônoma e independente,
sem tomar a fala e o depoimento da fonte especializada – o cientista
– de forma acrítica, sem resumir sua atuação ao chamado jornalismo
declaratório.
Nesse sentido, Maurício Silva Jr. e Elton Antunes (2016, p. 16)
defendem “[...] a existência de projetos jornalísticos [...] calcados no
investimento em narrativas que, simultaneamente, informem e esti-
mulem o debate em torno de questões caras ao universo da ciência”,
dentre elas, a função da pesquisa e dos pesquisadores, ou o posicio-
namento sociopolítico dos cidadãos frente aos avanços tecnológicos
e científicos. A esse complexo processo de ampliação do ponto de
vista crítico sobre a ciência, os autores dão o nome de transcriação
jornalística, um ofício narrativo que se revelaria um desafio “[...] éti-
co por natureza, pois, afora as ações básicas da prática cotidiana dos
profissionais da área – delineamento de pauta, angulação, apuração
e escrita – será preciso (re)inventar modos de ampliação do diálogo
entre discurso científico e sociedade” (p. 16), para que seja efetivo.
Características desejáveis de um bom jornalista de ciências po-
deriam ser citadas para descrever jornalistas que atuam na cobertura
de todas as áreas: excelente redação e vasto repertório cultural, senso
crítico apurado e sólidas habilidades interpretativas, além da capa-
cidade de fazer leituras e conexões interdisciplinares para tratar das
complexas correlações entre ciências e sociedade. Mas as especifici-
dades das ciências demandam dos jornalistas também conhecimen-
tos específicos sobre a produção de conhecimento científico. O que é
uma pesquisa científica? Como a ciência é feita? Quem a produz? Em
que instituições e com que verbas e financiamentos?
As questões indicam implicações éticas e a necessidade de reco-
nhecimento de dimensões que vão além da competência técnica do
jornalista, ou seja: não basta apurar, entrevistar e escrever bem, é pre-
ciso se dedicar à compreensão dos sistemas públicos, políticos, sociais
e culturais da produção do conhecimento, das motivações dos cientis-
tas, de seus diferentes modos de fazer na lida diária do trabalho inte-
lectual, acadêmico e prático das ciências. No Brasil, diferentes cursos

313
de pós-graduação oferecem oportunidades de atualização e formação
profissional para quem quer se especializar na área.3 Justificativas não
faltam, conforme defende Yurij Castelfranchi (2010, p. 13):
[...] Por um lado, explicar, divulgar, “democratizar” o conheci-
mento é uma das obrigações morais dos cientistas, como mui-
tos grandes cientistas sentiram e declararam. Por outro lado,
conhecer, apropriar-se do saber, é um direito fundamental de
todo cidadão de uma democracia e, hoje, a cidadania não pode
senão incluir uma “cidadania científica”. Contudo, limitar-se a
tal consideração dual (dever de comunicar para os produtores
de conhecimento, direito de conhecer para os “públicos leigos”)
constitui uma esquematização simplista. Porque, cada vez mais,
o oposto também é verdade: para muitas pessoas, ter acesso ao
conhecimento técnico e científico se tornou, além de um di-
reito, uma necessidade ou um dever social; e dialogar, intera-
gir com grupos de “não especialistas”, para muitas instituições
científicas e para muitos cientistas, está se tornando, além de
um honrado hobby ou do cumprimento de uma missão, tam-
bém uma necessidade ou até mesmo um “direito” a ser reivin-
dicado na arena de debates sobre controvérsias tecnocientíficos.
Cabe, assim, ao jornalista que atua na editoria de ciências colo-
car-se nessa arena e ser uma das pontes entre ciências e sociedade,
prezando pela democratização do conhecimento e pela formação
crítica do público não especialista.

Indicações de leitura

Livros
GRADIM, Anabela; MOURA, Catarina; RAMALHO, Raul (orgs.). Comuni-
car ciência num mundo em mudança. Covilhã, Portugal: LabCom, 2021.
MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu de Castro; BRITO, Fátima (org.).
Ciência e público: caminhos da divulgação científica no Brasil. Rio de Janei-
ro: Casa da Ciência; UFRJ, 2002.

3 Destacam-se o Amerek, especialização em comunicação pública da ciência da UFMG,


em Belo Horizonte (MG); os cursos ofertados pelo Labjor / Unicamp, em Campinas (SP);
e os do Museu da Vida / Fiocruz, no Rio de Janeiro (RJ).

314
MASSARANI, Luisa (coord.). Jornalismo e ciência: uma perspectiva ibero-a-
mericana. Rio de Janeiro: Fiocruz; COC; Museu da Vida, 2010.

Vídeos
DESAFIOS do Jornalismo Científico. Entrevistado: Reinaldo José Lopes. [S.
l.]: Fala Ciência UFV, 9 nov. 2018. 1 vídeo (14 min). YouTube.
JORNALISMO científico. Entrevistada: Mariluce Moura. [S. l.]: History of
Science, 12 nov. 2019. 1 vídeo (9 min). YouTube.
JORNALISMO científico em 5 minutos [playlist]. [S. l.]: Rede Com Ciência,
20 mar. 2021. 10 vídeos (5 min). YouTube.
PERIODISMO sobre ciencia: el reto de cubrir la incertidumbre. Entrevista-
dor: Pablo Correa. Entrevistado: Jon Cohen. [S. l.]: Fundación Gabo, 2021. 1
vídeo (65 min). YouTube.

Referências

BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico: revisitando o conceito. In:


VICTOR, Cilene; CALDAS, Graça; BORTOLIERO, Simone. Jornalismo
científico e desenvolvimento sustentável. São Paulo: All Print Editora, 2009.
p. 157-178.
CASTELFRANCHI, Yurij. Por que comunicar temas de ciência e tecnologia
ao público? (Muitas respostas óbvias... mais uma necessária). In: MASSARA-
NI, Luisa (coord.). Jornalismo e ciência: uma perspectiva ibero-americana.
Rio de Janeiro: Fiocruz; COC; Museu da Vida, 2010.
COSTA, Verônica Soares da. Faz todo sentido biológico? Mulheres, (ho-
mens) e ciências nas textualidades do canal Nerdologia. 2019. Tese (Douto-
rado em Comunicação Social), Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2019.
ESTEVES, Bernardo. Entre promover e fiscalizar. Revista Piauí. Rio de Janei-
ro, Questões da Ciência, 16 jun. 2015.
MOREIRA, Ildeu de Castro; MASSARANI, Luisa. Aspectos históricos da
divulgação científica no Brasil. In: MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu de
Castro (orgs.). Ciência e público: caminhos da divulgação científica no Brasil.
Rio de Janeiro: Casa da Ciência – Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro; Fórum de Ciência e Cultura, 2002.
OLIVEIRA, Fabíola. Jornalismo científico. São Paulo: Contexto, 2007.
SILVA JR, Maurício Guilherme; ANTUNES, Elton. Do desejo de traduzir à
transcriação: apontamentos sobre a decodificação jornalística do discurso
científico, com base em conceitos de Haroldo de Campos, José Paulo Paes e
Paul Ricoeur. E-Compós, Brasília, v. 19, n. 2, p. 1-20, mai./ago. 2016.

315
Meio ambiente

Roberto Villar Belmonte

O jornalismo ambiental já tem pelo menos meio século de his-


tória no Brasil. Essa especialização temática vem ganhando cada vez
mais importância no país em função dos impactos negativos cau-
sados pelo agronegócio e por sistemas de produção industriais que
também exploram de maneira intensiva a natureza, não apenas nas
áreas rurais e de florestas nativas, mas também nas cidades e regiões
metropolitanas. Ela está presente nos jornais de referência, geral-
mente com notícias e reportagens de viés econômico e científico,
mas também em veículos jornalísticos independentes que muitas ve-
zes procuram desenvolver as pautas com uma perspectiva mais cida-
dã, sem disfarçar o engajamento ecológico (Belmonte, 2020).
Uma editoria de meio ambiente trata de problemas como sanea-
mento básico (abastecimento de água potável, esgotamento sanitá-
rio, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem da água
da chuva); mobilidade; qualidade de vida; poluição industrial (no ar,
na terra e na água); alimentação saudável; consequências e adaptação
locais à emergência climática (aquecimento global); afrouxamento
da legislação ambiental e propostas de novas políticas públicas; gen-
trificação (expulsão de moradores para áreas periféricas). Esta seção
do jornal, revista ou site também aborda criticamente os processos
de destruição dos seis biomas brasileiros, a extinção de espécies e a
necessidade de mudar o modelo de desenvolvimento do País. Três
exemplos que podem ser citados são as editorias de meio ambiente
dos jornais O Estado de S. Paulo, chamada Sustentabilidade, e Folha
de S.Paulo, e do portal G1, nomeada de Natureza.
Jornalistas que cobrem temas ambientais são movidos pela von-
tade de transformar, mobilizar e promover debates na sociedade por
meio de informações qualificadas (Girardi et al., 2012; Bueno, 2007).
317
Engajados e com alguma dose de ativismo, eles têm “o intuito de
conduzir os seus públicos à ação, contribuindo com a diminuição
das agressões ambientais e tentando preservar a qualidade de vida”
(Girardi et al., 2011, p. 108). O jornalismo ambiental é mais do que
uma forma de fazer reportagens e escrever, é também “uma forma de
viver, de olhar para o mundo e para si próprio. Ele começa com um
conceito de serviço social, dá voz à luta e às demandas e se expressa
com honestidade, credibilidade e finalidade” (Frome, 2008, p. 60).
A presença do repórter no local do acontecimento fornece ele-
mentos que dão vida à narrativa. Se a pauta é sobre uma produção
de orgânicos que foi atingida por agrotóxicos jogados criminalmente
ou não de um avião agrícola, por exemplo, estar na área impactada
ajuda a compreender melhor o ponto de vista das fontes, assim como
quando se escreve sobre uma feira agroecológica, a poluição de um
rio, um depósito irregular de lixo, os dejetos de uma fábrica ou um
projeto de conservação. No entanto, como as aulas remotas durante
a pandemia da covid-19 demonstraram, é possível realizar boas pro-
duções jornalísticas a distância (reportagens e podcasts) com entre-
vistas por meio de aplicativos de videochamadas.
A produção de notícias e reportagens sobre meio ambiente em
sala de aula pode ser feita com pautas sugeridas pelo(a) professor(a).
As melhores produções, no entanto, geralmente são motivadas pela
indignação de estudantes de Jornalismo diante de um crime ambien-
tal ou pela sua vontade de compreender um tema complexo como a
mudança do clima ou o racismo ambiental, por exemplo. A agenda
de luta do movimento ecologista é sempre uma boa inspiração para
reportagens, assim como os debates nos comitês de bacia hidrográ-
fica e nas comissões de meio de ambiente dos poderes executivo e
legislativo (municipal e estadual).
Além dos temas debatidos nas reuniões servirem de inspiração
de pauta, os comitês de bacia hidrográfica e as comissões municipais
e estaduais de meio ambiente dentro dos órgãos ambientais do poder
executivo ajudam a identificar fontes para entrevistas, pois em sua
composição estão representantes de diferentes setores da socieda-

318
de. Assuntos relevantes e interessantes para reportagens sobre meio
ambiente também podem surgir checando a atuação do trabalho do
Batalhão Ambiental da Polícia Militar, que no Rio Grande do Sul é
chamada de Brigada Militar, e dos promotores e procuradores espe-
cializados em crimes ambientais no Ministério Público Estadual e no
Ministério Público Federal.
Se a Instituição de Ensino Superior (IES) oferece cursos liga-
dos à área ambiental, tais como Ciências Biológicas, Engenharia
Ambiental, Engenharia Hídrica, Engenharia Agronômica, projetos
de pesquisa e extensão realizados podem render boas reportagens.
Atualmente todos cursos de graduação desenvolvem alguma ativida-
de ligada ao meio ambiente, então é possível encontrar pautas inte-
ressantes dentro da própria IES em qualquer área do conhecimento.
Do recolhimento de remédios vencidos da Farmácia à alimentação
saudável da Nutrição, passando pelo desenvolvimento de softwares
para mobilidade urbana nos cursos de Informática e os projetos de
cidade sustentável desenvolvidos na Arquitetura e Urbanismo.
Definido o tema da pauta, é necessário descobrir se o fato ou
acontecimento que será apurado envolve os biomas Amazônia, Cer-
rado, Caatinga, Mata Atlântica, Pampa, Pantanal ou o sistema Cos-
teiro-Marinho. Isso ajuda na pesquisa que precisa ser feita em sites de
busca para a realização da reportagem. Se a pauta tratar de poluição
hídrica ou de algum conflito pelo uso da água, é fundamental ave-
riguar qual é a bacia hidrográfica, pois a água dentro de uma bacia
escorre para um único lago ou rio. Perceber esse caminho ajuda a
mapear os impactos da poluição. Também é importante explorar as
informações do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos, conjunto de órgãos colegiados responsável pela Política
Nacional das Águas.
Para descobrir o que já foi dito sobre o tema da reportagem, é
preciso fazer uma pesquisa geral em algum site de busca utilizando
palavras-chave da pauta mais o nome da cidade, estado, bioma e/ou
bacia hidrográfica. Uma procura utilizando os filtros do buscador
averiguando o que foi publicado no último ano (última atualização)

319
e nos domínios “.org” e “.gov” ajuda a identificar com mais facilidade
os conteúdos publicados por entidades ambientalistas e governos. O
ideal é dedicar pelo menos um turno para fazer essas pesquisas no
computador, comparando enfoques e fontes das reportagens locali-
zadas na busca geral. Os estudos e pesquisas recentes servirão para
contextualizar o tema, qualificar as entrevistas e embasar melhor o
texto.
Qualquer pauta ambiental envolve diversos acontecimentos. Por
isso é importante exercitar um olhar sistêmico, ou seja, identificar
as partes e suas relações para compreender o todo. Por exemplo, a
poluição de um rio ou lago é um acontecimento associado a diversos
outros: omissão do órgão ambiental responsável; falta de escrúpulos
do poluidor, seja ele quem for; silenciamento da imprensa, que mui-
tas vezes se cala para receber publicidade das empresas e governos
poluidores; mobilização da população impactada; aumento de doen-
ças na comunidade; busca de soluções possíveis. Essa visão geral do
acontecimento ajuda a contextualizar a reportagem. Um mapa men-
tal é uma excelente ferramenta para organizar as principais informa-
ções da pesquisa e planejar a estrutura do texto.
Reportagem ambiental é diferente de release de ONG, de órgão
governamental de meio ambiente, de instituto de pesquisa ou de em-
presa. A pluralidade de fontes deve ser uma das suas características,
garantindo ao público diferentes pontos de vista sobre o tema. Isso
não significa que tudo deve ter ponto e contraponto. A mudança do
clima, por exemplo, já é um fato amplamente confirmado pela ciên-
cia, então ouvir fontes negacionistas não é fazer jornalismo. As con-
trovérsias climáticas contemporâneas giram em torno das soluções e
das adaptações necessárias ao aquecimento global causado pelas ati-
vidades econômicas. As causas, as consequências e os caminhos pos-
síveis sempre devem ser apresentados em qualquer pauta ambiental.
Conseguir entrevistas com fontes relevantes é sempre uma di-
ficuldade para estudantes de jornalismo. É preciso ser insistente e
nunca desistir no primeiro não. Além de mandar e-mail e chamar
a fonte pelas redes sociais, importante ligar solicitando entrevista

320
sempre que possível. No e-mail, explique o tema do trabalho. Uma
reportagem simples produzida em sala de aula deve ter, no mínimo,
três fontes entrevistadas. Geralmente a pessoa envolvida diretamente
com o problema ambiental (o case da matéria), um especialista (que
pode ser um professor ou pesquisador de outros cursos da própria
IES) e um representante governamental. O ideal é ouvir muitas ou-
tras fontes e articular no texto diversos estudos e pesquisas recentes.
A imagem de abertura é muito importante em uma reportagem
ambiental. Se a pauta não é feita presencialmente, imagens (com re-
solução) devem ser solicitadas para as fontes. Quando possível fotos
de bancos de imagens devem ser evitadas, pois são muito genéricas.
Termos técnicos e científicos precisam ser bem explicados para o lei-
tor. Quando não entende bem um tema, um repórter que cobre meio
ambiente deve sempre solicitar mais explicações à fonte sem qual-
quer constrangimento. Perguntar insistentemente faz parte do tra-
balho de um jornalista. Sempre que possível a versão final da repor-
tagem produzida em aula deve ser publicada em plataformas como
https://medium.com e compartilhada nas redes sociais. O portfólio
do estudante e o planeta agradecem.

Indicações de leitura

Livros
GIRARDI, Ilza Maria Tourinho; MORAES, Cláudia Herte; LOOSE, Eloisa
Beling; BELMONTE, Roberto Villar. Jornalismo ambiental: teoria e prática.
Porto Alegre: Metamorfose, 2018.
RAMÍREZ, Fernando-Alonso (ed.). Pistas para narrar emergencias: perio-
distas que informan en zonas de desastre. Bogotá: Consejo de Redacción;
Fundación Konrad Adenauer; Universidad Javeriana, 2018.
VILAS-BOAS, Sergio (org.). Formação & informação ambiental: jornalismo
para iniciados e leigos. São Paulo: Summus, 2004.

Websites
AMAZÔNIA Real
CLIMA Info

321
MONGABAY
REPÓRTER Brasil
OBSERVATÓRIO do Clima
O ECO

Referências

BELMONTE, Roberto Villar. O jornalismo ambiental: três perspectivas em


cinco décadas de especialização no Brasil megadiverso. 2020. Tese (Doutora-
do em Comunicação e Informação), Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2020.
BUENO, Wilson da Costa. Comunicação, jornalismo e meio ambiente:
teoria e pesquisa. São Paulo: Mojoara Editorial, 2007.
FROME, Michael. Green Ink: uma introdução ao jornalismo ambiental. Curi-
tiba: Editora UFPR, 2008.
GIRARDI, Ilza; SCHWAAB, Reges; MASSIERER, Carine; LOOSE, Eloisa
Beling. Caminhos e descaminhos do jornalismo ambiental. Comunicação &
Sociedade, São Bernardo do Campo, v. 34, p. 132-152, 2012.
GIRARDI, Ilza; LOOSE, Eloísa Beling; SIRENA, Mariana Silva; PEDROSO,
Rosa Nívea. Jornalismo ambiental na construção da cidadania. In: MORIGI,
Valdir Jose; GIRARDI, Ilza Maria Tourinho; ALMEIDA, Cristovão Domingos
de. Comunicação, informação e cidadania: refletindo práticas e conceitos.
Porto Alegre: Sulina, 2011.

322
Rural

Ângela Cristina Trevisan Felippi

A editoria da rural é aquela na qual são produzidas e veiculadas


informações e opiniões sobre assuntos relacionados ao campo e à
produção agropecuária, especialmente dedicada aos aspectos econô-
micos e produtivos. Em geral, os temas abordados neste espaço ver-
sam sobre o cultivo de produtos agrícolas e a criação de animais com
fins comerciais. Portanto, são notícia na editoria de rural as safras
agrícolas, as técnicas de cultivo agrícola, o manejo com animais, os
canais de comercialização, as cotações de preços dos produtos agro-
pecuários, os eventos agropecuários, a situação do clima e os com-
portamentos do consumidor de alimentos.
Do mesmo modo que rural tem uma estreita relação com a edi-
toria de economia, aproxima-se do jornalismo científico (ver Ciên-
cia), pois parte de suas notícias se referem a resultados de pesquisas
científicas em biotecnologia, sendo pauta as novidades em: varieda-
des de sementes; químicos para o controle da produção (agrotóxi-
cos) e para fertilização do solo; técnicas e produtos para conservação
do solo; técnicas de cultivo, colheita e armazenagem dos produtos
agrícolas; e muitas outras relacionadas à pecuária. Ainda, pode-se
dizer que assuntos da área política se transformam em notícias de
rural quando estão ligados a fatos como políticas de estímulo ou de
regulação da produção, políticas de comercialização agropecuária ou
à implantação de serviços públicos no campo (energia, água, teleco-
municações, educação, segurança e outros).
Com menos presença, os acontecimentos que dizem respeito à
vida rural como um todo compõem a pauta desse espaço. Os costu-
mes, as festividades, as tradições e as particularidades do viver no
espaço rural e até mesmo o que do rural é vivido nas cidades se tor-
nam pauta especialmente em publicações especializadas, indo além
323
da abordagem técnico-produtiva do campo. Isso significa dizer que
predomina, editorialmente, uma redução do rural ao agrícola, exce-
tuado em algumas mídias, como constatado em pesquisa anterior
(Felippi, 2000). Um exemplo de cobertura mais ampla é o telejornal
Globo Rural,1 que recorrentemente dedica seu espaço de reportagem
para assuntos diversos da vida no campo, recuperando práticas cul-
turais e da história de ocupação dos territórios do interior do Brasil,
mesclando os usos econômicos, sociais e culturais dos espaços ru-
rais. O mesmo vale para a revista rural do Grupo Globo, homôni-
ma ao programa. A Globo Rural dedica parte de suas páginas e do
site oficial para reportagens sobre cultura, gastronomia, turismo e
ecologia. No que diz respeito aos gêneros jornalísticos, a editoria de
rural é composta dos mesmos gêneros textuais das demais editorias,
com textos opinativos, informativos e interpretativos.
As características ora expostas compõem a editoria de rural e o
que dela deriva, o jornalismo rural, com especificidades na escolha
(pauta) e no tratamento dos acontecimentos sociais (angulação) e na
linguagem das notícias (mais ou menos técnica). O que configura um
padrão editorial, que se mantém desde as origens da editoria. A rural
nasce na metade do século XX como um braço da chamada mo-
dernização conservadora do campo, resultado da inserção do Brasil
num novo ordenamento do capitalismo mundial, tornado o país um
produtor e fornecedor de alimentos para os países centrais. Portan-
to, a editoria nasce com o propósito de atender com informações o
processo de mudança do padrão produtivo do campo, que passou da
tradicional agricultura de subsistência e de exportação de produtos
ligados aos ciclos brasileiros (cana de açúcar, cacau, café etc.) para
uma agricultura inserida no processo global de produção e consumo
de alimentos (especialmente, trigo, arroz e milho). A nova raciona-
lidade produtiva teve por base a mecanização da produção, o acesso
ao crédito, a novas tecnologias, a sementes geneticamente tratadas,
a agrotóxicos e a adubos industriais, ampliando significativamente a

1 Pioneiro entre os programas especializados em rural no país, o Globo Rural foi criado
em 1980, segue no ar aos domingos pela manhã, sendo responsável pela definição de um
padrão para a cobertura sobre o campo.

324
produção e a produtividade. Houve consequências positivas com a
modernização, mas muitas negativas como a grande concentração
fundiária, o êxodo rural, a degradação ambiental, o endividamento
de parcela dos agricultores, a tendência ao monocultivo e a perda do
saber-fazer ancestral dos agricultores.
A contextualização é importante para se compreender como a
editoria de rural vai se constituindo e desnaturalizar as caracterís-
ticas que carrega. Seu forte apego aos temas econômicos e técnico-
-científicos relacionados à agropecuária, e seu destino a um público
que inclui agricultores, gestores, lideranças e outros com informa-
ções agrícolas. Em muitas mídias, a editoria vai surgir dependente
editorial e financeiramente de organismos oficiais, como governos
federal e estaduais e empresas do setor agropecuário.
Propósitos econômico-desenvolvimentistas marcam a história
da editoria de rural, influenciando o jornalismo rural ali construí-
do. Isso repercute no tipo de pauta e de abordagem, assim como na
seleção das fontes, a grande maioria constituída por profissionais da
agropecuária, gestores públicos, pesquisadores, extensionistas rurais
e agricultores. O padrão editorial impossibilita que o campo seja tra-
tado jornalisticamente como um espaço de vida (assim como urbano
o é), para além de um espaço de produção, como inibe a discussão
sobre outros modelos produtivos para a agropecuária e “joga” pautas
sobre a manutenção da biodiversidade, a sustentabilidade ambiental
e os modos alternativos de produção agropecuária para outras edi-
torias, como a de meio ambiente, como se fossem assuntos dissocia-
dos. Do mesmo modo, não dá conta de reportar sobre a diversidade
cultural presente nos modos de vida rurais, realidade que também
não é exposta em outras editorias, que se voltam para a vida urbana.
Atualmente, a editorial de rural está presente em todos os tipos
de mídia na forma de programas de rádio ou de televisão, em suple-
mentos ou cadernos de jornal e revista impressos ou digitais, em site
ou portal especializados, em blogs de caráter jornalístico, em mídia
social. Seu desenvolvimento acompanhou a expansão tecnológica e
os movimentos do setor agropecuário no Brasil. Há registros de co-

325
bertura rural em jornais impressos da primeira metade do século
XX, porém ainda não há uma editoria constituída. Na metade do
século, a cobertura vai aparecendo com mais força em programas das
rádios AM, presente até os dias atuais. Mais tarde, seguiu a expansão
da televisão aberta brasileira com coberturas em telejornais ou com
programas especializados, até chegar a constituir canais especiali-
zados (Canal Rural, Terraviva, Canal do Boi e outros) nos anos de
1990, quando também é uma realidade a TV segmentada e se expan-
de a tecnologia das antenas parabólicas pelo rural do país. Do mes-
mo modo, com a segmentação e a expansão do mercado de revistas
impressas, no final do século passado e começo do atual, a editoria
ganha vários títulos, além de cadernos ou suplementos em jornais
tradicionais, caso do AgroFolha na Folha de São Paulo, do Campo &
Lavoura em Zero Hora, da editoria de Agronegócio do Valor Econô-
mico, entre muitos outros. O surgimento e o crescimento da internet
promoveram a expansão da editoria para sites, portais, blogs, mídias
sociais ou plataformas. A digitalização e a convergência tecnológica
ampliaram as possibilidades da editoria na oferta de conteúdos em
múltiplas plataformas, para nichos de mercado (diferentes espécies e
raças de animais ou produtos agrícolas específicos) e para regiões ou
locais ainda não cobertos.
Da mesma forma que os assuntos de rural ganharam espaço em
diferentes mídias, foram sendo acessados em diferentes dispositivos:
desde o rádio tradicional, por ondas, indo à televisão em aparelhos
convencionais ou smart TV, até a televisão pela internet, assistida por
meio de computadores ou notebooks ou por aplicativos de celular. O
mesmo vale para informações em jornais e revistas digitais, conteú-
do muitas vezes de acesso aberto disponibilizados em sites destas pu-
blicações e difundidos pelas mídias sociais. Os dispositivos de acesso
ao conteúdo agropecuário ou rural acompanham os avanços tecno-
lógicos e o crescente acesso das populações rurais a estas tecnologias.
Podemos também pensar a editoria de rural pela história do
consumo midiático e seu avanço no Brasil interiorano. O rádio por
ondas sendo o pioneiro e ainda muito forte no chamado Brasil Pro-

326
fundo;2 a televisão massiva a partir dos anos 1970 e sua função de
integração nacional; a mídia impressa ampliando tiragens ao longo
da segunda metade do século passado e se segmentando (surgindo
as publicações especializadas em rural) e a chegada e expansão da
internet, quebrando algumas barreiras técnicas e financeiras da cir-
culação midiática no rural, contudo, criando outras da mesma natu-
reza.3 Pesquisas vêm constatando a ampliação do acesso à tecnologia
de comunicação no rural brasileiro nas últimas décadas, embora em
percentuais médios menores do que na cidade, com exceção da an-
tena parabólica.4
A compreensão da editoria de rural passa pelo seu público. Em-
bora o conteúdo seja especialmente direcionado à população rural,
não se restringe a ela. Os consumidores da editoria de rural são:
moradores do campo – agricultores ou não –, profissionais técni-
cos da agropecuária, lideranças rurais das áreas política, sindical ou
empresarial, gestores públicos, profissionais do sistema financeiro
e populações urbanas interessadas nos assuntos do campo. Gislene
Silva (2009), em estudo sobre a leitura da revista Globo Rural, iden-
tificou um crescimento de leitores da cidade de São Paulo, na época,
na contramão do direcionamento editorial da revista. O interesse,
conforme a autora, estava relacionado a um passado familiar rural
que dava referências culturais ao leitor ou a um desejo de habitar o
espaço rural. Portanto, parte deste público é morador das cidades e
não ligado profissionalmente à atividade agropecuária.
Ao se produzir informações nesta editoria, os jornalistas pre-
cisam ter esta visão sobre a audiência da rural, assim como conhe-
cerem os usos que as pessoas fazem das tecnologias de informação
e comunicação, seus hábitos e preferências. Por exemplo, se em dé-

2 Expressão que dá conta dos espaços rurais mais distantes dos grandes centros urbanos.
3 A pesquisa TIC Domicílios 2019 mensurou que a internet está em 51% dos domicílios
rurais brasileiros, tendo variações por região e por renda, percentual médio inferior à
presença nas cidades, que é de 75% dos domicílios (CETIC).
4 A TIC Domicílios aponta para 92% dos lares com aparelho de televisão, 85% com celular,
65% com rádio, 62% com antena parabólica, 6%, com computador de mesa, 11% com
notebook e 6% com tablet (CETIC).

327
cadas passadas, o rádio por ondas era considerado a mídia de maior
penetração no campo, a atualidade revela um uso diverso, que varia
de acordo com a região do país, o tipo de ocupação profissional da
população do campo, o acesso à tecnologia, a renda familiar, a ge-
ração, o gênero e a escolaridade dos usuários, como verificado em
pesquisa realizada no Vale do Rio Pardo/RS (Escosteguy et al., 2019).
A pesquisa que tinha como objetivo conhecer e analisar as práticas
de consumo relacionadas ao cotidiano dos sujeitos e das famílias,
identificou os aspectos acima como mediadores da relação dos su-
jeitos com as tecnologias e, por consequência, com seus conteúdos.
Por fim, a produção de conteúdo para a editoria de rural exige
que se dissipem preconcepções, muitas vezes presentes na cobertura
jornalística, as quais são: a) o rural não se resume às atividades pro-
dutivas nele realizadas; b) as populações rurais vão além dos agri-
cultores familiares e grandes produtores rurais, incluem pescadores,
ribeirinhos, quilombolas, indígenas, trabalhadores urbanos; c) as
atividades produtivas realizadas no rural podem ser agrícolas e não
agrícolas (industriais, de serviços de educação, turismo, transporte,
comércio, saúde etc.); d) nem todos trabalhadores do campo moram
no campo, e nem todos que moram no campo trabalham nele; e) o
agronegócio não abrange todos os tipos de agricultura e de pecuária
praticados; f) há agricultura na cidade; g) o rural não é o que “não
é” urbano, sua oposição ou sua falta; h) e nem se resume a lugar de
atraso ou a paraíso perdido; h) a compreensão dos espaços rural e
urbano não mais se sustenta em distinções rígidas: são espaços rela-
cionados, em tensão e em simbiose.5

Indicação de leitura

BERGER, Christa. Campos em confronto: a terra e o texto. Porto Alegre:


UFRGS, 1998.
BORDENAVE, Juan Díaz. La comunicación y el nuevo mundo posible: logros
y tendencias. Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, v.
9, n. 7, p. 17-24, 2012.
5 Para saber mais, ler sobre novas ruralidades (Guerin, 2017) e sobre rurbanidade (Cima-
devilla; Carniglia, 2009).

328
CAPORAL, Francisco Roberto. Agroecologia: Francisco Roberto Caporal.
Blog sobre Agroecologia, s/d.
ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. et al. As tecnologias da comunicação no
cotidiano de famílias rurais: (Re)configurações de uma ruralidade. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, 2019.
FELIPPI, Ângela C. T. Comunicação e desenvolvimento: possibilidades para
uma agenda de pesquisa. In SILVEIRA, Rogério L. L. da; DEPONTI, Cidonea
M. (orgs.). Desenvolvimento regional: processos, políticas e transformações
territoriais. São Carlos: Pedro & João Editores, 2020, p. 215-238.
FELIPPI, Ângela C. T.; OLIVEIRA, Vanessa C. de. Discursos jornalísticos
acerca do território do tabaco no Sul do Brasil. Desenvolvimento em Ques-
tão, Ijuí, v. 18, n. 51, p. 168-185, 2020.
SILVA, José de Souza. Agroecologia e a ética na inovação na agricultura. Re-
des, Santa Cruz do Sul, v. 22, n. 2, p. 352-373, 2017.
TAVARES, Denise. Agro é pop: os caminhoneiros de Na Estrada no contexto
do “novo rural brasileiro”. E-Compós, Brasília, v. 21, n. 2, s/p, 2018.

Referências

CETIC – Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade


da Informação. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comuni-
cação nos domicílios brasileiros – TIC DOMICÍLIOS, 2019.
CIMADEVILLA, Gustavo; CARNIGLIA, Edgardo. Relatos sobre la urbani-
dad. Río Cuarto: UNRC, 2009.
ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. As tecnologias de informação e comunica-
ção em perspectiva teórico-analítica. In: ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. et
al. As tecnologias da comunicação no cotidiano de famílias rurais: (Re)
configurações de uma ruralidade. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2019, p. 15-
31.
FELIPPI, Ângela Cristina Trevisan. Vozes e sentidos no Jornalismo Rural:
o funcionamento discursivo do telejornal Notícias, do Canal Rural. 2000.
Mestrado (Dissertação em Comunicação e Informação, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2000.
GUERIN, Yhevelin Serrano. Múltiplos olhares, múltiplas mediações: as
representações sociais da ruralidade entre os jovens rurais da Microrregião
de Santa Cruz do Sul. 2017. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Regional),
Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2017.
SILVA, Gislene. O sonho da casa no campo: jornalismo e imaginário de leito-
res urbanos. Florianópolis: Insular, 2009.

329
Segurança pública

Lara Nasi e Anelise Dias

Para abordar a editoria de Segurança Pública optamos por co-


meçar esta conversa falando de outra, a Policial, já que a proposição
de uma editoria de Segurança Pública, em grande medida, surge para
substituir a abordagem habitual do jornalismo policial, que costu-
ma centrar-se na atuação das polícias e dedicar-se a ocorrências de
violências e criminalidade urbana. Do ponto de vista da produção
jornalística, a editoria Policial costuma ser pouco valorizada nas re-
dações, sendo delegada habitualmente a profissionais menos expe-
rientes e menos especializados do que os de outras editorias, como
economia e política (Ramos; Paiva, 2007).
Embora essa tendência ainda seja recorrente no jornalismo, em
especial no desenvolvido em âmbito local, é preciso reconhecer que
ela vem mudando nos últimos anos, sobretudo nas redações dos jor-
nais de referência. Como demonstram Silvia Ramos e Anabela Paiva
(2007), à medida em que a criminalidade urbana recrudesceu e se
complexificou nos grandes centros urbanos, o popular “espreme que
sai sangue” (e seu característico uso de recursos sensacionalistas e
apelativos) passou a perder espaço para pautas que fornecem análi-
ses mais complexas sobre a segurança pública.1
Como parte desse movimento, jornais de referência apresenta-
ram como tendência, nas últimas duas décadas, a extinção da editoria
Policial e a migração de pautas relacionadas ao crime e à violência
para editorias dedicadas a temas urbanos, como educação, habitação,
saúde etc. Essa transição permitiu não apenas uma leitura mais ampla
1 Olhamos aqui para o jornalismo profissional, produzido por jornalistas em redações or-
ganizadas conforme as rotinas profissionais da área. Não ignoramos, contudo, que há
uma série de iniciativas que simulam a linguagem jornalística e oferecem uma cobertura
que se vende como noticiosa, pautada quase que exclusivamente no crime e na violência,
especialmente em sites e em mídias sociais.

331
sobre crime e violência no jornalismo, mas também a diversificação
de temas sobre segurança pública na cobertura (Ramos; Paiva, 2007).
Mesmo reconhecendo o avanço, Ramos e Paiva (2007) enten-
dem que há, ainda, um longo caminho a ser percorrido para que o
jornalismo seja capaz de acompanhar as mudanças sociais em curso
na segurança pública: é preciso planejamento e investimento para
que a reportagem se equipare em qualidade e especialização a de ou-
tros temas.
Neste sentido, para pensar a qualificação da cobertura da se-
gurança pública, é importante considerarmos a contribuição de Ri-
cardo Bedendo (2013, p. 25), que sugere o alargamento do conceito
de jornalismo policial para o de “jornalismo de segurança pública”.
Para o autor, “a expressão “segurança pública” carrega em sua com-
posição semântica força maior de contextualização e de relação entre
muitas áreas de conhecimento” e, por isso, exige aprofundamento e
especialização. No mesmo sentido de Bedendo (2013), Anelise Dias
(2020) propõe que o “jornalismo de segurança pública” seja consti-
tuído como um campo jornalístico especializado.2 Para isso, a autora
defende que o conhecimento sobre direitos humanos é fundamental
para que a abordagem possa ir além da recorrente cobertura de fatos
e de dados sobre crime e violência.
Nesta perspectiva, para qualificar a produção jornalística e am-
pliar o entendimento sobre a complexidade da segurança pública, os
jornalistas precisariam compreender o que é segurança pública, bem
como a relação da temática com os direitos humanos. Tanto Ramos
e Paiva (2007) como Bedendo (2013) e Dias (2020) reconhecem que,
embora a ideia de segurança pública geralmente remeta, no senso
comum, a ocorrências de crimes e violências e a respostas estatais a
essas ocorrências, a segurança pública é um fenômeno muito mais
amplo e complexo.

2 Para Tavares (2009, 2012), o jornalismo especializado tem por essência a mediação entre
saberes qualificados produzidos em um campo específico de conhecimento e os públi-
cos, podendo se referir tanto a uma apropriação diferenciada de conteúdos e linguagens
(dimensão conceitual) quanto à adoção de novas práticas e metodologias profissionais
(dimensão normativa).

332
Para o jornalismo, um conceito útil de segurança pública é de
que se trata de um fenômeno social, que afeta todas as esferas da
sociabilidade e as interações entre sujeitos e grupos de sujeitos e que
é também um bem público, do qual o estado é responsável por meio
da construção e viabilização de políticas públicas, sobretudo as que
se dedicam à garantia da dignidade humana por meio da promoção
da cidadania de forma igual e universal (Dias, 2020; Soares, 2015,
2011a, 2011b; Baratta, 2004).
Já os direitos humanos são um conjunto de direitos e proteções
inalienáveis, igualmente pertencentes a todos os seres humanos, in-
dependentemente de classe, raça, nacionalidade, gênero ou qualquer
outro marcador social (Frezzo, 2015; Crenshaw, 1991). Apesar de
esses direitos e proteções serem classificados em categorias (Vasak,
1983; Bobbio, 2004; Hunt, 2007), eles são indivisíveis, interdepen-
dentes e inter-relacionados. Isto é, para o pleno gozo dos direitos
humanos, os direitos civis e políticos não podem ser apartados dos
direitos econômicos, sociais e culturais (Piovesan, 2008). Esses di-
reitos humanos estão firmados em uma série de documentos, como
a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Declaração
de Viena (1993) e outros pactos, acordos e tratados internacionais.
O problema é que, em um país tão desigual como o Brasil, não há
garantia de direitos em todas essas dimensões. Nem mesmo o direito
fundamental mais básico, o respeito à dignidade humana, é garan-
tido a grandes segmentos populacionais. Em 2020, de acordo com
relatório publicado pelo IBGE, a partir de dados do Banco Mundial,
o país ocupava a nona posição entre os mais desiguais, com os 10%
mais ricos detendo 43% de toda a riqueza, enquanto os 10% mais po-
bres tinham apenas 1% de participação na distribuição dos recursos
(Filizzola, 2020). O abismo econômico é também social: impacta no
acesso a direitos básicos, como saúde, educação, moradia, transpor-
te, e tem também outras consequências.
Diversos estudos apontam que o cenário de desigualdades e ex-
clusões repercute na segurança pública de diferentes formas, seja na
privação de direitos, seja na atuação das polícias e nos sistemas judi-

333
ciário e prisional, em que se reproduzem preconceitos de classe, raça
(etnia) e gênero, dentre outros. Segundo a pesquisa de Juliana Borges
(2019, p. 88), mesmo quando acusados pelo mesmo tipo de crime,
negros e brancos recebem tratamento judicial distinto: “Dos acusa-
dos em varas criminais, 57,6% são negros, enquanto que em juizados
especiais, que analisam os casos menos graves, esse número se inver-
te, tendo uma maioria branca (52,6%)”. Enquanto aos brancos são
imputadas, em geral, penas menores, os negros, que recebem o tra-
tamento das varas criminais, têm como destino final quase sempre
as prisões. Para Luiz Eduardo Soares (2011, documento eletrônico),
isso se deve à persistência no Brasil de um imaginário social racista,
que atribui às pessoas pobres e negras a responsabilidade pela cri-
minalidade e violência urbana, e que interfere no tratamento mais
duro que essas pessoas recebem da Justiça, mesmo quando cometem
delitos e infrações menores.
Diante disso, para construir uma cobertura qualificada sobre a
segurança pública e suas relações complexas, é importante que os jor-
nalistas compreendam que as dinâmicas de classe, raça (etnia) e gê-
nero, dentre outros marcadores sociais da diferença, influenciam nos
processos de criminalização e precisam ser consideradas na produção
jornalística para que não reproduza injustiças nem reforce as desigual-
dades já existentes (Crenshaw, 1991; Steffensmeier et al. 1998; Steffens-
meier; Haynir, 2000; Bograd, 2005; Schwarz et al., 2009).
Ao compreender melhor o conceito de segurança pública, e
rompendo com a ideia de que apenas crime e violência devam ser
pautados, podemos pensar na editoria (ou seção) de segurança pú-
blica como um espaço capaz de abrigar pautas que perpassem desde
discussões relativas a desigualdades, acesso a serviços de saúde pú-
blica e de habitação, por exemplo, mobilidade urbana, políticas de
geração de emprego e renda, até pautas de serviço, que ajudem os
cidadãos a terem conhecimento sobre como acessar direitos básicos,
como a justiça e a proteção social (Dias, 2020).
Com essa abrangência de temas, faz-se necessário também que
se busquem fontes de áreas diversas. No modelo de jornalismo po-

334
licial, como a própria designação indica, as fontes policiais são as
definidoras primárias, quando não a única fonte, que fornecem o
enquadramento sobre todo o desenrolar do relato em ocorrências
de crime e violência, como afirmam Stuart Hall et al. (1973 [1993])
e demonstram os trabalhos de Richard Ericson et al. (1989) e de Ra-
mos e Paiva (2007).
Já numa perspectiva orientada para a segurança pública enquan-
to fenômeno mais amplo, busca-se uma pluralidade de vozes. Cida-
dãos e cidadãs, fontes especializadas em diferentes temas, gestores de
políticas públicas, representantes de associações e organizações que
atuam na questão em pauta, são exemplos de fontes que podem ser
acionadas. Fontes documentais também são fundamentais – e vão
muito além dos habituais boletins de ocorrência. Estatísticas sobre
crimes e atos infracionais, relatórios sobre políticas públicas e ou-
tros documentos que sistematizam dados sobre segurança pública
no País e nas regiões são bem-vindos na medida em que contribuam
para uma mirada mais ampla sobre a pauta.
Quando sugerimos que o jornalismo lance um olhar mais abran-
gente para a segurança pública, não significa que ocorrências de cri-
me e violência não devam ser consideradas, mas que os jornalistas
devem buscar inserir as ocorrências cotidianas em quadros interpre-
tativos mais amplos. Neste sentido, é válido retomar a contribuição
de Adelmo Genro Filho (2012, p. 202) que sugere que, a partir da sin-
gularidade, que é marca do que é notícia, se caminhe em direção à
particularização ou universalização do fato. É neste movimento que
o autor avalia que a notícia poderá “tornar-se uma apreensão crítica
da realidade”.
Um caminho para contemplar a proposta do autor é, por exem-
plo, ao reportar um caso de crime violento, evitar prender-se ape-
nas à singularidade do fato. É preciso que o jornalista seja capaz de
construir relações do fato singular com aspectos particulares, como
os contextos sociais, culturais e econômicos, que situe aquele fato
dentro de uma cadeia de casos semelhantes e, para isso, é necessário
lançar mão de fontes qualificadas, que ajudem a construir essas rela-

335
ções e apontar respostas sobre como lidar com essas ocorrências. No
caso de crimes e violências, e mesmo das pautas de segurança públi-
ca em geral, há ainda correlações com direitos fundamentais que são
inerentes a todos os seres humanos, e, portanto, são universais, como
o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Ao construir a cobertura da segurança pública, é fundamental
que os jornalistas compreendam que o jornalismo tem um papel
fundamental nos modos como as pessoas apreendem a realidade e
experienciam a vida em sociedade (Park, 2008; Franciscato, 2005;
Benetti, 2008; Genro Filho, 2012). E que compreendam também que
é no processo de seleção de pautas, apuração, edição e apresentação
das notícias que eles intervêm ativamente na produção de sentidos a
partir dos quais a realidade será percebida e que isso exige responsa-
bilidade e compromisso social (Correia, 2009, p. 5128).
Portanto, a produção jornalística em segurança pública pautada
na compreensão do conceito como um fenômeno social complexo,
articulado com os direitos humanos, tem potencial para contribuir
com a promoção da segurança pública e dos direitos, denunciar de-
sigualdades e injustiças e, em última instância, contribuir para trans-
formar a realidade em direção a uma vida em coletividade melhor.

Indicações de leitura

Organizações e instituições disponibilizam dados e produzem documentos que


ajudam a compreender o panorama atualizado da segurança pública no Brasil
e, além disso, configuram-se em excelentes fontes para a produção jornalística.
A seguir, indicamos algumas delas:

Dados oficiais e estatísticos


BANCO Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP) – Portal público li-
gado ao Conselho Nacional de Justiça que permite buscas e acesso a dados de
todo o sistema carcerário brasileiro.
DADOS MJ/ Ministério da Justiça – Plataforma de consulta a dados do Minis-
tério da Justiça, como as ocorrências criminais do Sistema Único de Segurança
Pública e do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisional
e Sobre Drogas (Sinesp). Os dados são estratificados por estado. Também per-

336
mite consulta ao Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (In-
fopen), entre outros dados.
DATASUS – Reúne e disponibiliza dados oficiais sobre saúde do Sistema Único
de Saúde (SUS), como indicadores de saúde, assistência à saúde, informações
epidemiológicas e de morbidade, rede de assistência à saúde, estatísticas vitais,
informações demográficas, socioeconômicas e financeiras sobre o SUS.
INSTITUTO de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – fundação pública fe-
deral vinculada ao Ministério da Economia. Produz pesquisas, relatórios e do-
cumentos para subsidiar políticas públicas e programas de desenvolvimento,
como o Atlas da Violência (em conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública), o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, o Atlas da Vulnera-
bilidade Social, entre outros.
SISDEPEN – Sistema de consulta a dados do Departamento Penitenciário Na-
cional, com estratificação para grupos específicos (como mulheres, estrangei-
ros), saúde no sistema prisional, informações gerais etc.
Estatísticas de Segurança Pública do RS – O site da Secretaria de Segurança
Pública do Rio Grande do Sul disponibiliza indicadores criminais e indicadores
de violência contra a mulher, entre outros dados, estratificados por município,
com periodicidade mensal.

Outras referências
ANDI – Comunicação e Direitos – organização não governamental que pro-
move diálogos entre jornalistas e estudantes de Jornalismo para uma produção
mais qualificada, especialmente nas áreas de infância e juventude, inclusão e
sustentabilidade e políticas de comunicação. Produz uma série de documentos
com base em dados, como o Guia de monitoramento: violação de direitos na
mídia brasileira.
ANISTIA Internacional – iniciativa global da sociedade civil, com uma seção
no Brasil, atua em defesa dos direitos humanos e produz dados, relatórios e
campanhas que denunciam violações a direitos.
CONECTAS Direitos Humanos – organização da sociedade civil, com atuação
internacional, que denuncia violações e busca ampliar direitos. Produz publica-
ções e relatórios com bastante frequência, que ajudam a compreender o cenário
dos Direitos Humanos no Brasil.
FÓRUM Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) – reúne pesquisadores em
segurança pública, gestores da área, policiais, operadores de justiça e represen-
tantes da sociedade civil e propõe o debate, articulação e cooperação técnica
para a segurança pública no País. Produz uma série de documentos, como o
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Atlas da Violência (em parceria
com o Ipea), a Revista Brasileira de Segurança Pública, entre outros.

337
LabCidade – é um laboratório de pesquisa e extensão da Faculdade de Arquite-
tura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), coordenado pelas pro-
fessoras Paula Freire Santoro e Raquel Rolnik, que faz o acompanhamento crí-
tico das políticas urbanas e habitacionais em regiões metropolitanas brasileiras.
PASTORAL Carcerária Nacional – ligada à Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB), é uma iniciativa de acompanhamento e intervenção na rea-
lidade do cárcere brasileiro, com campanhas, divulgação de dados, formações.
Produz relatórios sobre diversos temas ligados ao cárcere.
PONTE Jornalismo – Proposta jornalística, realizada por uma organização
sem fins lucrativos, que busca ampliar as vozes nas pautas sobre segurança pú-
blica, aproximando diferentes atores de segurança pública e justiça e ouvindo,
como fontes, as pessoas que normalmente são marginalizadas no modelo de
jornalismo policial. São temas em pauta a denúncia a violências de estado, o
combate ao racismo e ao preconceito de gênero.
REDE de Observatórios de Segurança – reúne observatórios de cinco estados,
iniciativa de instituições acadêmicas e da sociedade civil para acompanhar po-
líticas públicas e de segurança na Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e
São Paulo. Muitos dos documentos são boas fontes também para outros esta-
dos.

Referências

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práticos no século XXI. Florianópolis: Insular, 2013.
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340
Comportamento e tendências

Sílvia Lisboa

As reportagens de comportamento e tendências são aquelas que


narram sobre os mais variados fenômenos, eventos e situações da
atualidade, com foco nas pessoas e seus jeitos de ser e estar no mun-
do. Têm um caráter transversal porque atravessam as seções de uma
revista, jornal, telejornal ou programa de rádio: pode haver uma
matéria de comportamento na editoria de economia, assim como
na de política, na de saúde, na de meio ambiente etc. Isso porque
seu objeto não é um tema, mas um fenômeno atual que será descri-
to, contextualizado e esclarecido pelo jornalismo. Em alguns casos,
portanto, não configuram uma editoria em si, mas uma abordagem
interpretativa sobre comportamentos, que podem receber um trata-
mento de guia, manual ou receita (Augusti, 2005).
Em uma pesquisa com revistas semanais, Benetti (2010) iden-
tificou que a temática “comportamento” figurou entre os nove sub-
campos editoriais. Nas revistas mensais, especialmente às voltadas
para o público feminino, matérias desse tipo costumam receber o
status de editoria e são geralmente as que ganham as capas devido ao
marcador de atualidade e à capacidade de gerar uma identificação no
público pelo seu enfoque centrado em pessoas, valores e emoções.
Este último aspecto talvez seja seu maior apelo: as matérias expres-
sam (e reiteram) a conformação de valores do nosso tempo, como,
por exemplo, beleza, saúde, autodeterminação (Augusti, 2005).
Mudanças ou surgimento de novos comportamentos e tendên-
cias (sejam elas de consumo, alimentação, saúde, estética, sociais,
entre outras) vêm sempre recobertas, nas capas, de um índice de no-
vidade, que no jargão jornalístico chamamos de “gancho” (Benetti et
al. 2011). Ao usar um pretexto para abordar o assunto, as revistas se
apoiam em meta-acontecimentos, isto é, eventos que permitem di-
341
zer algo que vai além deles mesmos, servindo como vetores. Confor-
me os autores, as matérias de comportamento que funcionam como
guias de aconselhamento sobre o que fazer e viver se orientam muito
a partir dos meta-acontecimentos.
Vejamos três exemplos de pautas desse tipo: 1) o aumento de
vegetarianos no mundo; 2) o encolhimento da religião católica no
Brasil, e o 3) uso exagerado das redes sociais pelos jovens. Os três
fenômenos são relativamente conhecidos, mas podem ser “atuali-
zados” por novos ganchos (ou novidades). Pesquisas científicas que
mostrem os benefícios (ou os riscos) de não se comer carne dão uma
nova roupagem à pauta do vegetarianismo assim como a revelação
por uma celebridade da adoção da dieta. Dados censitários podem
servir como gancho para matérias que revelem as causas por trás da
queda no número de católicos em regiões específicas do País. Já a
pauta sobre a dependência da tecnologia e seu impacto, por sua vez,
pode se originar de uma investigação do repórter, que descreverá o
fenômeno a partir de personagens e entrevistas com especialistas
(leia o verbete “pauta”).
José Luiz Aidar Prado (2009) usa um conceito interessante para
sintetizar essa “atualização” dos temas nas capas de revistas: enuncia-
dores giratórios. As revistas revezam temas nas capas que se repetem,
de forma cíclica, com novas roupagens e criam certas regularidades
de sentido que ajudam a definir a identidade de um veículo e os con-
sensos sobre determinados assuntos. O termo ajuda o jornalista a
refletir sobre os possíveis impactos e repercussões sociais do seu tra-
balho à medida que também é parte da construção de uma memória
coletiva do tempo presente.
Passemos agora a uma segunda etapa: como uma pauta de com-
portamento vira uma reportagem. Cada matéria exigirá um cami-
nho de apuração específico, que está associado à sua temática (ver
apuração). É importante destacarmos aqui abordagens e princípios
que norteiam de modo geral a produção jornalística, mas especial-
mente úteis para as reportagens de comportamento. O primeiro diz
respeito à natureza do jornalismo e a compreensão de que se trata de

342
um tipo específico de conhecimento do mundo (Park, 1955). Segun-
do o sociólogo norte-americano Robert Park, que primeiro sugeriu
essa definição, o jornalismo situa-se no meio do caminho – em um
continuum – entre o senso comum e o conhecimento científico de
cunho reflexivo e sistemático. Por que isso é relevante na hora de
produzir uma reportagem que visa investigar e refletir sobre uma
mudança social? Porque a apuração desse tipo de reportagem nasce
geralmente no senso comum, isto é, em uma conversa informal, em
um (ou mais) comentário(s) nas redes sociais ou a partir de uma
observação do jornalista sobre um aspecto cotidiano não ordinário
que lhe chamou atenção.
Na apuração da reportagem, portanto, o repórter com a missão
de investigar o surgimento de um novo hábito ou uma tendência pre-
cisará percorrer o caminho descrito por Park (1955). Sua missão é se
afastar do senso comum, fazendo uma reconstrução discursiva de
um determinado acontecimento testando hipóteses, analisando da-
dos, confrontando fontes e pontos de vistas – métodos semelhantes
aos usados pela ciência (Franciscato, 2006). Com frequência, exerce-
rá também um papel de checador, inerente à profissão e que ganhou
projeção e status próprios nos últimos anos: faz parte da apuração
da reportagem descobrir o que se sustenta na realidade ou o que não
passa de boato.
Em Pensando contra os fatos, a pesquisadora Sylvia Moretzshon
(2007) apresenta uma premissa fundamental que avança sobre o
conceito de Park ao defender que o jornalismo, para cumprir a ta-
refa de esclarecer o público com a qual está comprometido desde
seu surgimento, deve ir do senso comum ao senso crítico. Isso exige,
segundo Moretzsohn, uma “desnaturalização dos fatos” – daí o título
contraintuitivo do seu livro. Ela se apoia na perspectiva do filósofo
György Lukács para defender que o jornalista precisa, a cada pauta,
ter uma atitude reflexiva capaz de gerar uma crítica da vida cotidiana,
que dê conta da complexidade social e não seja alienada das estrutu-
ras econômicas fundantes da sociedade. Nesse sentido, reportagens
de comportamento precisam não apenas mostrar as coisas como elas

343
são, mas por que são como são (e/ou como poderiam ser diferentes).
O repórter precisa fazer o que Lukács propõe como a “suspensão da
cotidianidade”, uma espécie de exercício diário de distanciamento
crítico da realidade.
Matérias que refletem sobre comportamentos e tendências tal-
vez sejam as que mais recorrem a fontes não especializadas, que cha-
mamos no jargão jornalístico de “casos” (cases, em inglês) ou per-
sonagens. Isso possibilita o contato com diferentes realidades, mas
exige, na hora da escrita, que o repórter esteja imbuído da tarefa de
descrever àquelas distintas situações e eventos que estão distantes
do alcance do público. A narrativa da história de um personagem,
quando não usada de modo meramente instrumental, proporciona
uma adesão empática com a pauta (Serelle, 2020). Esse aspecto é o
que mais aproxima o leitor do jornalismo, uma relação que se assenta
também na emoção (Benneti; Reginato, 2014). A descrição dos su-
jeitos e do ambiente serve geralmente como o lead, a abertura. Em
geral, a estrutura de uma reportagem desse tipo se divide em três
partes:
a) apresentar o tema ao leitor, ouvinte ou telespectador, a partir
da narração de um evento ou descrição de um case ou mais;
b) fazer um resumo do tema da pauta, enfatizando aspectos so-
bre porquê o leitor deve prestar atenção ao assunto, qual é
sua relevância e atualidade;
c) acrescentar outros personagens e fontes especializadas no
tema que possam trazer reflexões e esclarecimentos perti-
nentes sobre o fenômeno descrito.

Na produção de dossiês temáticos – na qual as matérias de com-


portamento ganham destaque –, é necessário fazer um planejamen-
to. A primeira definição, é claro, envolve a escolha do tema, que pode
ser um conceito (o tempo, a beleza, o racismo, a democracia etc.),
uma emoção (o amor, a raiva, o ódio etc.), hábitos (beber, comer,
sexo etc.). O segundo passo envolve refletir sobre como organizá-lo
em capítulos ou com grandes reportagens de modo a guiar a leitu-

344
ra. Um jeito simples de pensar essa organização é optar pela ordem
cronológica. Por exemplo, um dossiê sobre o tempo: ele pode come-
çar com matérias sobre quando e onde o conceito do tempo surgiu,
como os antigos o contavam, as tecnologias usadas na sua mensura-
ção, as diferentes perspectivas filosóficas sobre a noção, até chegar à
ideia que o tempo está mais acelerado, a sanha por produtividade e
qual impacto disso tudo nas nossas vidas atualmente. É importante
considerar sempre os aspectos históricos, econômicos e filosóficos
por trás dos fenômenos, que podem ser abrir caminhos tanto para
fazer o recorte das pautas quanto para aprofundá-las. Na busca por
cases, não perca de vista a diversidade de perspectivas, raças e classes
sociais.

Indicações de leitura

HOFMEISTER, Naira. Nem fascistas nem teleguiados: os bolsonaristas da


periferia de Porto Alegre. El País, Eleições 2018, 17 ago. 2018.
HOFMEISTER, Naira. Visitamos Nova Pádua, a cidade que mais votou em
Jair Bolsonaro no Brasil. The Intercept Brasil, TIBnasEleições, 18 out 2018.
LISBOA, Sílvia. Como organizar sua bagunça. Super, Comportamento, 10
out. 2016.
LISBOA, Sílvia; ORTIZ, Juan; NAKAMURA, Pedro. Obsessão por ser feliz
está nos tornando ansiosas e depressivas. Claudia, Estilo de Vida, 11 fev. 2020.
LISBOA, Sílvia; NAKAMURA, Pedro. Pesadelos na quarentena podem revelar
respostas para a vida pós-pandemia. Claudia, Saúde & Bem-Estar, 5 jun. 2020.
NAKAMURA, Pedro; LISBOA, Sílvia. Pesquisa revela significados dos sonhos
dos brasileiros na pandemia. Claudia, Saúde & Bem-Estar, 19 abr. 2021.
SANTI, Alexandre de. Foco: organize a sua vida. Agora. Super, Comporta-
mento, 20 set. 2019.

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comunicação: o acontecimento e as relações intersubjetivas de poder em
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buições do método científico para a reportagem jornalística. Encontro Anual
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impressa. Intexto, Porto Alegre, v.1, n. 20, 2009.
SERELLE, Marcio. A personagem no jornalismo narrativo: empatia e ética.
Mídia e Cotidiano, Niterói, v. 14, n. 2, 2020.

346
Tecnologia | Mundo digital

Stefanie Carlan da Silveira

A editoria de tecnologia ganhou significativa importância no


jornalismo ao longo dos últimos 25 anos, pelo menos. Desde meados
da década de 1990, com a chegada da internet comercial no Brasil,
as mudanças trazidas pela digitalização do mundo ocupam cada vez
mais espaço em nossas vidas e, consequentemente, no conteúdo jor-
nalístico. Para quem nasceu a partir dos anos 2000, pode ser difícil
compreender como o mundo operava distante da lógica digital de
hoje, mas muita coisa mudou nos últimos anos e uma das funções
da editora de tecnologia é traduzir todas estas transformações para o
público em geral. Bitcoin, blockchain, NFTs, RFID,1 algoritmos, entre
outros, estão entre os termos contemporâneos mais discutidos em
empresas, sites e publicações especializadas, mas que não fazem par-
te nem da rotina, nem do repertório da maioria das pessoas.
O professor e pesquisador André Lemos (2014) explica que
compreender a tecnologia e suas transformações na cultura é fun-
damental para todos na atualidade. Para ele, não estamos falando
de uma nova revolução, ou então de um surgimento corriqueiro de
uma nova técnica, mas sim do “alicerce da cultura do século XXI”
(2014, p. 412). Clay Shirky (2012, p. 20) vai na mesma linha dizendo
que “quando mudamos a maneira de nos comunicarmos, mudamos
a sociedade. As ferramentas que uma sociedade usa para se criar e se
manter são tão centrais para a vida humana quanto uma colmeia é
para a vida das abelhas”.
1 Bitcoin é uma criptomoeda. Criptomoedas são meios de troca digitais, normalmente des-
centralizados e que utilizam blockchain e criptografia para garantir a segurança das tran-
sações. Blockchain é uma tecnologia que usa a descentralização de bases de dados para
garantir a segurança de processos digitais. Ligada a essas tecnologias está a mais recente
“invenção” do mundo digital, as NFTs (tokens não fungíveis, do inglês non-fungible to-
kens). As NTFs também utilizam blockchain para criar registros únicos e criptografados
de “obras” da internet, podendo ser GIFs, tuítes, memes etc.

347
Um dos exemplos que pode nos ajudar a pensar na importância
e na função de quem trabalha na editoria de tecnologia passa por
um dos maiores problemas que a sociedade enfrenta na atualidade:
a desinformação. Trata-se de um fenômeno complexo, com inúme-
ros aspectos a serem abordados e aprofundados. Alguns deles, no
entanto, estão conectados diretamente à discussão tecnológica: algo-
ritmos e redes sociais on-line. As principais (se não todas) platafor-
mas de redes sociais on-line da atualidade operam a partir da lógica
algorítmica: um conjunto de códigos é orientado a organizar perfis
de usuários a partir de seus interesses e interações. Uma vez organi-
zados, os perfis servem para que os algoritmos consigam oferecer,
continuamente, conteúdos que prendam a atenção dos usuários e os
mantenham dentro das plataformas o maior tempo possível. Esse ci-
clo faz com que as pessoas sejam expostas cada vez mais a conteúdos
que se alinham a opiniões e interesses prévios, sem garantir, necessa-
riamente, a veracidade ou a qualidade dessas postagens. Essa lógica,
infelizmente, não é de conhecimento geral das pessoas. A maioria
dos usuários de redes sociais on-line não compreende o funciona-
mento de um algoritmo nem está completamente ciente dos riscos
que estão envolvidos quando adotamos apenas algumas plataformas
como fonte de informação ou comunicação.
Em 2007, Juliano Spyer contava que antes ainda, em 2003, ele
ouvia de um chefe de jornalismo de um portal brasileiro as seguintes
perguntas: “Como vamos saber o que é verdade? Como vamos sepa-
rar o que é fato, informação confiável, de blefes, denúncias e notícias
plantadas?”. A resposta me parece clara: jornalismo. Afinal, a réplica
a essas perguntas sempre foi o nosso papel. Acrescento ainda que
o desvelamento da técnica que permite com que a desinformação
ganhe proporções gigantes na atualidade também é papel do profis-
sional da informação.
Aí está um trabalho importante para o repórter de tecnologia.
Quem pode explicar o funcionamento da técnica para as pessoas?
Como fazer isso de forma palatável e compreensível? Estes são al-
guns dos desafios de repórteres, editores e pauteiros desta área. É

348
preciso que todos compreendam e dominem bem os assuntos, as ter-
minologias e as influências do tema para que possam se comunicar
de forma clara e objetiva com o público. Outro ponto importante
no trabalho da editoria é mostrar o quanto seus temas e pautas são
fundamentais e impactam a vida de todos, não apenas de quem se
interessa ou tem familiaridade com o mundo digital.
No campo do Jornalismo, por exemplo, as transformações tec-
nológicas dos últimos anos ocasionaram uma reviravolta na forma
como as empresas e os públicos consomem, interagem e circulam in-
formação. Os jornais e as revistas, a televisão e o rádio, conhecidos
como veículos de massa, estavam acostumados a deter o monopólio
da informação e também a operar tranquilamente a partir de um
modelo de negócio que vendia audiência para empresas interessa-
das em expor seus produtos e serviços através de anúncios. A publi-
cidade detinha quase a totalidade da fonte de receita das empresas
jornalísticas e o público consumidor, espectador, leitor ou ouvinte
precisava desses espaços para ter contato com quase todo tipo de
conteúdo informativo.
Quando a internet começa a ganhar espaço e a web evolui para
se tornar amigável e intuitiva para a maior parte dos usuários, a ló-
gica de circulação de informação se transforma e os antigos mono-
pólios começam a se ver desafiados. Os veículos de massa passam
a enfrentar uma disputa de espaço com blogs, sites independentes,
plataformas de redes sociais on-line e usuários que se tornam polos
de informação com grande número de conexões. “[...] um complexo
conjunto de mudanças tornou mais fácil para as comunidades genuí-
nas circular conteúdo do que em qualquer outro período, ainda que
os requisitos de habilidade e instrução, para nem mencionar o acesso
a tecnologias, não tenham uma distribuição uniforme na população”
(Jenkins et al., 2014, p. 67).
Apesar disso, o que parecia caminhar para uma rede democrá-
tica, aberta e diversa, esbarra na criação de novos monopólios e na
manutenção da lógica capitalista de mercado. Os conglomerados de
mídia se veem ameaçados, não pelos blogs independentes ou pelas

349
pequenas iniciativas de jornalismo alternativo, mas pelas chama-
das big techs que formam os “novos monopólios” do mundo digital,
como Google, Facebook e Amazon, além das já conhecidas Apple e
Microsoft.
Essas empresas são parte fundamental das mudanças que vemos
ocorrer na sociedade como um todo e há um exercício que pode nos
ajudar a perceber o tamanho desse impacto. Imagine que, por algu-
ma razão, você acordou hoje sem celular e sem computador. Agora
peço que você realize as seguintes tarefas: coloque para escutar uma
música que te marcou nas últimas semanas; confira a previsão do
tempo para o dia; conte aos seus dois melhores amigos como foi seu
final de semana; chame um táxi para ir à prefeitura da sua cidade,
dando ao motorista o endereço do local quando entrar no carro; faça
uma transferência bancária para uma colega de trabalho que te em-
prestou dinheiro no último mês; tire fotos do seu quarto para mos-
trar a um amigo; e, peça uma pizza para o jantar. Como você reali-
zaria cada uma dessas tarefas sem o seu celular e o seu computador?
Quantas empresas estão por trás de cada um dos serviços que você
utilizaria tradicionalmente para fazer essas atividades? Onde estão
localizadas estas companhias? Quem são seus donos? Quanto elas
lucraram no último ano? Como elas ganham dinheiro? Como estão
contratados os seus funcionários? Quem faz parte da força produtiva
destas empresas?
É comum que todas as perguntas listadas anteriormente passem
batido pelas editorias de tecnologia. Normalmente, estão por lá os
aplicativos mais baixados no último mês, os gadgets – dispositivos
eletrônicos portáteis – recém lançados, os novos smartphones do mo-
mento, os últimos avanços da indústria de games. Tudo isso realmente
é muito relevante e deve fazer parte de notícias, reportagens, vídeos,
entrevistas e artigos de opinião. No entanto, uma editoria tão im-
portante não pode resumir seu trabalho a ser vitrine de empresas de
tecnologia, principalmente quando se fala de produtos e serviços. É
normal uma enxurrada de e-mails e releases de assessorias inundar as
caixas de entrada dos repórteres em busca de um espaço para divulgar

350
o mais recente lançamento. Faz parte do papel do jornalismo filtrar
essas informações e definir o que irá ocupar o seu espaço e porquê.
É fundamental ao jornalista desta área (e de todas as outras)
empreender uma visão crítica no seu trabalho e nos conteúdos que
produz. Paulo Freire já dizia: “Não basta saber ler que ‘Eva viu a uva’.
É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu con-
texto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com
esse trabalho” (apud Gadotti, 2003, p. 255). Isso também vale para a
tecnologia.

Indicações de leitura

Livros
LANIER, Jaron. Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais.
Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.
MOROZOV, Evgeny. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política.
São Paulo: Ubu, 2018.

Websites
NEXO Jornal, Tecnologia
OLHAR Digital
THE NEW York Times, Technology
TILT UOL
WIRED

Referências

GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 2003.
JENKINS, Henry et al. Cultura da Conexão: criando valor e significado por
meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.
LEMOS, André. Tecnologia e Cibercultura. In: CITELLI, Adilson et al. Dicio-
nário de Comunicação: escolas, teorias e autores. São Paulo: Contexto, 2014.
p. 412-420.
SPYER, Juliano. Conectado: o que a internet fez com você e o que você pode
fazer com ela. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
SHIRKY, Clay. Lá vem todo mundo: o poder de organizar sem organizações.
Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

351
Gastronomia e alimentação

Dayane do Carmo Barretos

Algumas abordagens especializadas demandam um olhar alar-


gado para que seja possível produzir textos instigantes, que promo-
vam reflexões críticas de interesse público. É esse o caso da seção
ou editoria de Gastronomia e Alimentação. Para isso, o/a jornalista
deve pensar as singularidades desses dois grandes temas, amplian-
do as possibilidades de produção e demonstrando que a abordagem
gastronômica é mais complexa do que se pode vislumbrar em um
primeiro momento. Afinal, nem só de crítica gastronômica e receitas
é composta a editoria de gastronomia.
O historiador Massimo Montanari (2008) chama atenção para
um aspecto fundamental para a compreensão da comida: a comida é
cultura. Segundo o pesquisador (2008, p. 185), “o sistema alimentar
contém e transporta a cultura de quem a pratica. É depositário das
tradições de identidade de um grupo. Constitui, portanto, um ex-
traordinário veículo de autorrepresentação e de troca cultural”.
Essa percepção é muito valiosa para a abordagem jornalística,
uma vez que alarga o nosso entendimento do que o comer significa.
Mais do que uma necessidade do corpo, os hábitos alimentares são
revestidos de uma dimensão cultural que varia de local para local e
também ao longo da história. A diversidade gastronômica do Brasil
é um dos principais exemplos da grande variação dessa dimensão
cultural, já que cada região do país possui hábitos alimentares especí-
ficos. O chimarrão no Sul, o tucupi no Norte, o cuscuz no Nordeste.
Se afunilarmos ainda mais, teremos pratos que se tornam marcas de
determinados locais, como o pão de queijo mineiro, o acarajé baiano
e a moqueca capixaba. Isso ocorre devido à disponibilidade de ali-
mentos em cada localidade, que muda conforme as características

353
dos biomas, mas também por conta das influências culturais especí-
ficas que cada lugar sofreu.
Os indígenas, os negros escravizados e os portugueses são cita-
dos por Luís da Câmara Cascudo (1967) como as principais influên-
cias para a gastronomia brasileira, demonstrando que a diversidade
étnica foi fundamental para conformar o que entendemos enquanto
pratos e alimentos tipicamente brasileiros. Não apenas nos preparos,
mas também no cultivo de determinados alimentos. Além disso, pro-
cessos históricos também contribuíram, como os períodos de grande
escassez e de explosão populacional em algumas localidades, como
ocorreu na região central de Minas Gerais durante o ciclo do ouro.
Gilberto Freyre (2007), por sua vez, explica como o ciclo do açú-
car ajudou a conformar a identidade brasileira, principalmente no
Nordeste. Entendendo a expressão do paladar como sociocultural, o
autor afirma que nossas experiências de paladar estão condicionadas
“pelas sociedades a que pertencemos, pelas culturas de que partici-
pamos, pelas ecologias em que vivemos” (Freyre, 2007, p. 24-25).
Toda essa multiplicidade e riqueza cultural fizeram com que o
Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (Iphan) re-
conhecesse certos ofícios e modos de fazer como Patrimônio Imate-
rial, com o intuito de salvaguardá-los. Estão entre eles: o ofício das
baianas no preparo do acarajé, o modo de fazer queijo artesanal em
regiões específicas de Minas Gerais, o modo de fazer e as práticas
socioculturais a ele associados na produção da cajuína no Piauí e o
modo de fazer o bolo de rolo em Pernambuco.
As dimensões histórico-culturais que são constituidoras dos há-
bitos alimentares e da gastronomia brasileira evidenciam o quanto
essa temática é ampla, atravessada por processos culturais, políticos
e econômicos. E são esses aspectos que vão variar na abordagem jor-
nalística da Gastronomia e da Alimentação.
Comumente associadas à editoria de cultura, conforme destaca
Renata Amaral (2006), essas abordagens possibilitam explorar mui-
tas outras perspectivas. É possível, por exemplo, discutir a crise so-

354
frida por restaurantes durante a pandemia da covid-19 e como isso
impacta a economia de uma cidade, trazendo à tona um viés mais
socioeconômico. Ou então resgatar e apresentar fazeres e saberes
gastronômicos tradicionais, como os citados anteriormente, em uma
perspectiva cultural e histórica. Ou até mesmo debater a influência
da cultura de outros países em nossa alimentação atualmente, no
mundo globalizado. Além disso, uma discussão de caráter político,
que aborde a alimentação como direito, a presença do Brasil no mapa
da fome, a falta de subsídios para a agricultura familiar, são pautas
importantes. Já em uma linha ambiental, os impactos das monocul-
turas, do agronegócio e até mesmo da criação de gado de corte na
destruição dos biomas são exemplos de temas em uma abordagem a
partir da alimentação.
Como podemos ver, há uma miríade muito diversa de pautas
que cabem dentro da perspectiva da Gastronomia e da Alimentação,
o que faz com que ela seja mais do que uma editoria específica, mas
uma angulação.
Assim como há uma grande variedade de pautas que podem re-
ceber tratamento a partir desses temas, há também vários formatos
textuais possíveis para explorar. Quando falamos em gastronomia,
o primeiro que vem à nossa mente é a crítica gastronômica. O tema
foi abordado por Eduardo Scott Franco de Camargo (2017) em sua
dissertação que analisou a crítica gastronômica paulistana. Mas além
da crítica há diversas possibilidades:
a) Reportagens ou matérias que partam de um viés da gastro-
nomia e da alimentação. Exemplo: A comida saudável sumiu
do prato do brasileiro do site O Joio e o Trigo.
b) Crônicas que apresentem em um viés cotidiano algum tema
ligado à gastronomia. Exemplo: crônicas de Nina Horta
c) Entrevistas com chefs, sommeliers, produtores, nutricionis-
tas e até historiadores e antropólogos que debatam o tema;
Exemplo: entrevista com Michael Pollan
d) Guias informativos que indiquem estabelecimentos gastro-
nômicos de determinada culinária típica, ou local. Ou até

355
mesmo que eleja a partir da crítica especializada locais e pro-
fissionais notáveis do setor. Exemplo: Guia Michelin
e) Há ainda colunas de especialistas no tema. Exemplo: Coluna
Nhac de Neide Rigo

Na imprensa de referência brasileira temos alguns exemplos de


editorias de gastronomia, como: Comida, da Folha de S. Paulo; Pala-
dar de O Estado de S. Paulo; Gastronomia de O Globo e do Jornal do
Commercio; Degusta do Estado de Minas. E até mesmo veículos que
se destinam especialmente ao tema como a Veja Comer & Beber e a
Prazeres da Mesa. É importante destacar que essa editoria apresenta
uma relação íntima com o mercado, principalmente nas produções
que abordam estabelecimentos e profissionais, dando visibilidade a
eles. Sendo assim, é fundamental ter uma postura ética, que faça com
que os textos adquiram uma visão crítica, nutrindo uma maior inde-
pendência com relação às dinâmicas mercadológicas.
Com essa variedade de gêneros e formatos, essa editoria acaba
permitindo certa liberdade textual. Sendo assim, mais do que usar a
criatividade, é importante trabalhar com um repertório sobre a temá-
tica. Há várias produções que se voltam para o assunto. Desse modo,
é pertinente observar algumas delas, trazidas a seguir como indica-
ções. Tais exemplos podem servir de referência para as produções
jornalísticas que tratam da gastronomia e da alimentação. Como vi-
mos, essa abordagem é repleta de possibilidades que vão muito além
da crítica gastronômica, vindo a constituir uma angulação completa
para abordar jornalisticamente emergências, fenômenos e processos
sociais, políticos, econômicos e culturais.

Indicações de leitura
Livro
Guia Alimentar para a População Brasileira é um documento muito importante
no que se refere aos hábitos alimentares dos brasileiros. Além de categorizar,
utilizando bases científicas, os alimentos de acordo com o grau de processa-
mento, ele é baseado na cultura alimentar da população. Assim, tornou-se uma

356
ferramenta de referência para a realização de escolhas conscientes, assim como
para um maior conhecimento sobre o que se come.

Website
O podcast Jornal do Veneno é produzido pela jornalista e pesquisadora brasi-
leira Juliana Gomes e debate a indústria dos alimentos no país. Com um olhar
atento às questões políticas e econômicas, e crítico à indústria alimentícia e
ao agronegócio, a jornalista apresenta quinzenalmente as novidades sobre esse
tema. Em seu site, Comida saudável para todos, está disponível todo o material
produzido.
Nessa mesma linha, temos o site O Joio e o Trigo que, fundado por jornalistas,
que volta a sua atenção para a indústria de alimentos ultraprocessados, veicu-
lando matérias de caráter investigativo.

Série
Michael Pollan é um jornalista que produz muito sobre o assunto, desde livros
até séries documentais disponíveis no streaming, a partir de uma perspectiva
que busca valorizar hábitos alimentares tradicionais e questionar a forma como
lidamos com a comida atualmente. Como sugestão, a série Cooked, que foi ba-
seada no livro Cozinhar: uma história natural da transformação (2013).

Outro
O Slow Food é um movimento mundial de valorização dos saberes, ofícios e
hábitos relacionados à alimentação. Tem uma importante atuação junto aos pe-
quenos produtores e promove uma valorização e salvaguarda da biodiversidade
e dos alimentos regionais. A produção do movimento brasileiro do Slow Food
está disponível para consulta em seu site.

Referências

AMARAL, Renata M. Gastronomia: prato do dia do Jornalismo Cultural.


Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Uni-
versidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.
CÂMARA CASCUDO, Luís da. História da alimentação no Brasil, v. 2. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
CAMARGO, Eduardo S. F. A crítica gastronômica paulistana como um
produto midiático em transformação: um estudo comparativo de críticas

357
publicadas na revista Veja São Paulo, no site Gastrolândia e na plataforma
TripAdvisor. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Comu-
nicação, Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2017.
FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e
doces do Nordeste do Brasil. São Paulo: Global, 2007.
MONTANARI, Massimo et al. Comida como cultura. São Paulo: Senac,
2008.

358
Autores e autoras

Adriana Bravin – Professora no curso de Jornalismo da Universidade


Federal de Ouro Preto (UFOP). Jornalista (Faculdades Integradas
Hélio Alonso/RJ). Doutora em Comunicação (UFMG), com perío-
do na Universidade do Minho (PDSE/Capes). Mestra em Comuni-
cação, Imagem e Informação (UFF). Na UFOP, orientou o jornal-la-
boratório Lampião, premiado nacionalmente. Atuou como jornalista
no Rio de Janeiro e em Vitória, tendo experiência com reportagem e
edição em jornalismo impresso e em assessoria de imprensa. E-mail:
adriana.bravin@ufop.edu.br

Alexandre Maciel – Professor no curso de Jornalismo da Universida-


de Federal do Maranhão (UFMA), campus de Imperatriz. Jornalista
(UFMS). Doutor em Comunicação (UFPE). Mestre em Ciência da
Informação (UnB). Coordenador do grupo de pesquisa Jornalismo
de Fôlego (UFMA) e do jornal-laboratório Arrocha. E-mail: alexan-
dre.maciel@ufma.br

Ana Cláudia Peres – Professora do curso de Jornalismo da Universidade


do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Repórter da revista Radis – Co-
municação e Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz, Rio de Ja-
neiro). Jornalista (UFC). Doutora e mestra em Comunicação (UFF).
Autora do livro As cidades narradas: uma cartografia de paisagens
possíveis para o jornalismo. E-mail: anaclaudia.peres@gmail.com

Ana Cristina Spannenberg – Professora no curso de Jornalismo e no


Programa de Pós-Graduação em Tecnologias, Comunicação e Edu-
cação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Jornalista
(UPF). Doutora em Sociologia (UFBA). Mestra em Comunicação
e Cultura (UFBA). Tem experiência de duas décadas como jorna-
lista e professora de redação em diferentes instituições. Atualmente,
é coordenadora de produções laboratoriais, como a Revista Nós e
a Conexões – Agência de Notícias de Políticas, Ciências e Educação.
E-mail: anaspann@gmail.com

359
André Carvalho – Professor no curso de Jornalismo da Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP). Jornalista, publicitário e mestre em
Comunicação Social (UnB). Doutorando em Teoria e Crítica Literá-
ria na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Experiência
em fotojornalismo, fotografia documental e institucional, coordena-
ção de coberturas fotográficas, assessoria de imprensa e comunica-
ção. Integra o grupo de pesquisa Ponto – Afetos, Gêneros, Narrati-
vas (UFOP). E-mail: andre.carvalho@ufop.edu.br

Andréa Franciéle Weber – Professora no curso de Jornalismo da Uni-


versidade Federal de Santa Maria (UFSM), Campus Frederico Wes-
tphalen, desde 2008. Jornalista e Licenciada em Letras (UFSM).
Doutora e mestra em Letras/Linguística (UFSM), com estágio de
pesquisa na Universidade de Heidelberg (Alemanha). Estágio pós-
-doutoral em Estudos Linguísticos na Universidade Federal Frontei-
ra Sul (UFFS). Atualmente, coordena projetos de pesquisa de exten-
são envolvendo a questão da(s) língua(s) no jornalismo e ministra
disciplinas na área de Redação Jornalística, Linguística e Língua Por-
tuguesa. E-mail: andrea.weber@ufsm.br

Anelise Schütz Dias – Jornalista (UFSM). Doutora em Comunicação e


Informação (UFRGS), com período no departamento de Sociologia
da John Jay College of Criminal Justice (PDSE/Capes). Mestra em Co-
municação e Informação (UFRGS). E-mail: anelisesdias@gmail.com

Ângela Felippi – Professora dos programas de pós-graduação em De-


senvolvimento Regional e em Letras e das graduações em Comuni-
cação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Jorna-
lista (UFSM). Doutora em Comunicação Social (PUCRS). Mestra
em Comunicação e Informação (UFRGS). Estágio pós-doutoral em
Comunicación – Recepción y Cultura pela Universidad Católica del
Uruguai. Líder do grupo de pesquisa Desenvolvimento Regional e
Processos Socioculturais. Coordena pesquisas e projetos de extensão
relacionados à comunicação e ruralidades, rurbanidades, heteroge-
neidade regional, desenvolvimento regional e TICs. Jornalista com
experiência na editoria de rural. E-mail: angelafe@unisc.br

360
Angela Zamin – Professora nos cursos de Jornalismo e de Relações
Públicas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Campus
Frederico Westphalen. Jornalista (Unijuí). Doutora em Ciências da
Comunicação (Unisinos), com período na Universidad Pompeu Fa-
bra (PDSE/Capes). Estágio pós-doutoral na Pontificia Universidad
Javeriana (Bogotá, Colômbia). Coordena o grupo de pesquisa Res-
to – Laboratório de Práticas Jornalísticas (UFSM). Coorganizadora
dos livros Crítica das práticas jornalísticas (2021) e Livro de repórter:
autoralidade e crítica das práticas (2019). Atualmente, ministra as
disciplinas de Planejamento Gráfico e de Jornalismo Internacional.
E-mail: angela.zamin@ufsm.br

Cláudia Herte de Moraes – Professora nos cursos de Jornalismo e de


Relações Públicas na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
Campus Frederico Westphalen. Jornalista (Unisinos). Doutora em
Comunicação e Informação (UFRGS). Tem experiência profissional
e de ensino em reportagem, edição e assessoria de imprensa. Parti-
cipa do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (UFRGS). Coor-
denadora do Programa de Extensão Mão na Mídia: educomunica-
ção e cidadania. Membro da Associação Brasileira de Profissionais e
Pesquisadores de Educomunicação (ABPeducom). E-mail: claudia.
moraes@ufsm.br

Dayane do Carmo Barretos – Jornalista (UFOP). Doutora em Comu-


nicação (UFMG). Mestra em Comunicação (UFOP). Atualmente,
coordena a Umami, agência de comunicação especializada em gas-
tronomia. E-mail: dayanecbarretos@gmail.com

Eduardo Ritter – Professor no curso de Jornalismo da Universidade Fe-


deral de Pelotas (UFPEL). Jornalista (Unijuí). Doutor em Comuni-
cação Social (PUCRS), com período na New York University (PDSE/
Capes). Atuou na editoria de esportes de jornais e emissoras de rádio
do Rio Grande do Sul. Ministrou a disciplina de Jornalismo Esporti-
vo na UFPEL, UFSM/FW e Unipampa. Autor de Jornalismo Gonzo:
mentiras sinceras e outras verdades (2018) e A Tribo Jornalística de
Erico Verissimo (2016). Atualmente mantém uma coluna no jornal
Diário Popular (Pelotas). E-mail: rittergaucho@hotmail.com

361
Everton Cardoso – Professor no curso de Jornalismo na Universidade
do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Editor-chefe do Jornal da Uni-
versidade (UFRGS). Jornalista (UCS). Doutor e mestre em Comuni-
cação e Informação (UFRGS). Atualmente, ministra as disciplinas
de Planejamento Gráfico e Jornalismo Literário. É crítico indepen-
dente de ópera e espetáculos. E-mail: everton.cardoso@ufrgs.br

Felipe Boff – Professor no curso de Jornalismo na Universidade do Vale


do Rio dos Sinos (Unisinos). Jornalista (UCS). Doutorando no Pro-
grama de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Fede-
ral de Santa Maria (UFSM). Mestre em Ciências da Comunicação
(Unisinos). Profissionalmente, atuou em jornais e revistas e chegou
a fundar uma publicação semanal dedicada à reportagem, tema que
também pesquisou no mestrado. Integra o Resto – Laboratório de
Práticas Jornalísticas (UFSM). Desde 2015 coordena a Beta Redação,
laboratório de práticas jornalísticas. E-mail: feboff@unisinos.br

Felipe Ewald – Repórter e editor-assistente do Jornal da Universidade


(UFRGS). Jornalista (UFRGS). Doutor em Letras (UEL). Mestre em
Literatura Brasileira, Portuguesa e Luso-africana (UFRGS). Coorga-
nizador do livro Cartografias da Voz: poesia oral e sonora, tradição e
vanguarda (2011). E-mail: felipe.ewald@ufrgs.br

Frederico de Mello Brandão Tavares – Professor no curso de Jornalis-


mo e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Univer-
sidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Jornalista (UFMG). Doutor
em Ciências da Comunicação (Unisinos), com período na Univer-
sidad Rey Juan Carlos (URJC, Espanha). Mestre em Comunicação
(UFMG). Estágio pós-doutoral na Universidad Nacional de La Plata
(UNLP, Argentina). Coordena o GIRO – Grupo de Pesquisa em Mí-
dia e Interações Sociais (UFOP). Coorganizador dos livros A revista
e seu jornalismo (2013) e Mídia, tempo e interações sociais (2020).
E-mail: frederico.tavares@ufop.edu.br

José Carlos Fernandes – Professor no curso de Jornalismo e


no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade

362
Federal do Paraná (UFPR). Jornalista (UFPR). Doutor e mestre em
Estudos Literários (UFPR). Pesquisa leitura e leitores. Publica crô-
nicas no jornal Gazeta do Povo, em Curitiba, desde 2008. É autor da
coletânea de crônicas Na Brasílio com a Ângelo (Projeto Curitiba Lê,
2020). E-mail: zeca@ufpr.br

Hila Rodrigues – Professora no curso de Jornalismo da Universidade


Federal de Ouro Preto (UFOP). Jornalista (PUC Minas). Doutora
em Ciências Sociais (PUC Minas). Estágio pós-doutoral em Ciên-
cia Política na UFMG. Mestra em Administração Pública pela Fun-
dação João Pinheiro (FJP). Integra o grupo de pesquisa Quintais:
cultura da mídia, arte e política (UFOP). Atuou por mais de duas
décadas como redatora e repórter nas editorias de Política e Econo-
mia em mídia impressa, eletrônica e on-line. E-mail: hila.rodrigues@
ufop.edu.br

Karina Gomes Barbosa – Professora no curso de Jornalismo da Univer-


sidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Jornalista (UnB). Doutora e
mestra em Comunicação (UnB). Tem atuação nas revistas-laborató-
rios Curinga (UFOP) e Jenipapo (UCB), premiadas nacionalmente.
Foi repórter de política e cultura em Brasília e, no início da carreira,
participou do Curso Abril de Jornalismo. E-mail: karina.barbosa@
gmail.com

Lara Nasi – Jornalista na Universidade Federal do Rio Grande (FURG).


Jornalista (Unijuí). Doutora em Comunicação (UFSM), com tese
sobre narrativa jornalística acerca de crime e criminalidade. Mestra
em Ciências da Comunicação (Unisinos). Integra o Resto – Labora-
tório de Práticas Jornalísticas (UFSM). E-mail: nasi.lara@gmail.com

Luciana Menezes Carvalho – Professora nos cursos de Jornalismo e de


Relações Públicas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
Campus Frederico Westphalen, e no Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Indústria Criativa da Universidade Federal do
Pampa (Unipampa). Jornalista (UFSM). Doutora e mestra em Co-
municação (UFSM). Por mais de dez anos, atuou em rádios, jornal,

363
assessorias de imprensa, produtora e agência de comunicação. De
2012 a 2016, foi professora nos cursos de Jornalismo e de Publici-
dade e Propaganda da Universidade Franciscana. E-mail: luciana.
carvalho@ufsm.br

Luciane Treulieb – Editora-chefe da revista Arco (UFSM). Jornalista


(UFSM). Mestra em Inovação na Comunicação de Interesse Público
(USCS), com pesquisa sobre divulgação científica. E-mail: luciane.
treulieb@ufsm.br

Luiz Antônio Araujo – Professor de Jornalismo na Escola de Comuni-


cação, Artes e Design Famecos da Pontifícia Universidade Católica
(PUCRS). Jornalista (UFSM). Doutorando em Estudos Estratégicos
Internacionais (UFRGS). Mestre em Comunicação e Informação
(UFRGS). Integra o Resto – Laboratório de Práticas Jornalísticas
(UFSM). Autor de Oriente em revista: de que o jornalismo fala quan-
do fala do islã (2020) e Binladenistão. Um repórter brasileiro na região
mais perigosa do mundo (2009). E-mail: luiz.araujo@pucrs.br

Luiz Antônio Farias Duarte – Professor no curso de Jornalismo na


Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) entre março de
2010 e julho de 2021. Jornalista (PUCRS). Doutor em Comunicação
Social (PUCRS). Mestre em Comunicação e Informação (UFRGS).
MBA em Marketing (ESPM). Repórter, redator, editor, chefe de re-
portagem e chefe de redação nos grupos Caldas Junior, Jenor Jarros,
RBS, Jaime Câmara, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil; asses-
sor de Comunicação em órgãos da Presidência da República e Con-
gresso Nacional, Associação Nacional de Jornais, Governo do RS,
Federação das Indústrias/RS, PUCRS e Banrisul; docente na UnB,
Uniceub e Uniritter. E-mail: lafduarte@hotmail.com

Marcelo Träsel – Professor na Faculdade de Biblioteconomia e Co-


municação e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Jornalista
(UFRGS). Doutor em Comunicação Social (PUCRS). Mestre em
Comunicação e Informação (UFRGS). Coordenador do Grupo de

364
Pesquisa Jornalismo Digital (JorDi). Presidente da Associação Brasi-
leira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI). Atuou na criação e coor-
denação dos laboratórios de jornalismo Editorial J (PUCRS) e Hu-
manista (UFRGS). Ministra as disciplinas Ciberjornalismo 2, focada
em apuração e investigação nas redes digitais, e Ciberjornalismo
3, voltada ao desenvolvimento de reportagens multimídia. E-mail:
marcelo.trasel@ufrgs.br

Maria Lucia de Paiva Jacobini – Professora no curso de Jornalismo da


PUC-Campinas. Graduada em Ciências Econômicas (Unicamp) e
Jornalismo (PUC-Campinas). Doutora e mestra em Comunicação
e Semiótica (PUC-SP). Especialista em Jornalismo Científico (La-
bjor-Unicamp). Investiga as relações entre jornalismo e economia.
E-mail: maria.jacobini@puc-campinas.edu.br

Marta R. Maia – Professora permanente no Programa de Pós-Gra-


duação em Comunicação da Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP). Graduada em Jornalismo (PUC-Campinas) e História
(Unicamp). Doutora em Comunicação (USP). Mestra em Educa-
ção (Unimep). Estágio pós-doutoral em Comunicação na UFMG. É
uma das coordenadoras da Rede de Pesquisa Narrativas Midiáticas
Contemporâneas (Renami/SBPJor) e vice-líder do Grupo de pesqui-
sa Ponto: afetos, gêneros, narrativas. Coordena projetos voltados aos
estudos de narrativas, com larga experiência no ensino de crônicas
e perfis. Autora de Perfis no jornalismo: narrativas em composição
(2020). E-mail: martamaia@ufop.edu.br

Maurício Dias Souza – Coordenador de Comunicação Social da UFSM


e editor da revista Arco. Jornalista (UFSM). Mestre em Comunica-
ção (UFSM). E-mail: mauricio.souza@ufsm.br

Mirian Redin de Quadros – Professora no curso de Jornalismo da


Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Campus Frederico
Westphalen. Jornalista (Unijuí). Doutora e mestra em Comunicação
(UFSM). Integra os grupos de pesquisa Convergência e Jornalismo
(UFOP) e Resto – Laboratório de Práticas Jornalísticas (UFSM).

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Profissionalmente, atuou em jornalismo impresso, radiojornalismo
e assessoria de comunicação. E-mail: mirian.quadros@ufsm.br

Nuno Manna – Professor no curso de Jornalismo e no Programa de


Pós-Graduação em Tecnologias, Comunicação e Educação da Uni-
versidade Federal de Uberlândia (UFF). Jornalista (UFMG). Doutor
e mestre em Comunicação Social (UFMG). Líder do Narra - Grupo
de Pesquisa em Narrativa, Cultura e Temporalidade. Atualmente,
coordena o jornal-laboratório Senso (in)comum. Colaborou com a
revista piauí, entre outras publicações. E-mail: nunomanna@gmail.
com

Reges Schwaab – Professor na Universidade Federal de Santa Maria


(UFSM) - Campus Frederico Westphalen, e no Programa de Pós-
-graduação em Comunicação da UFSM. Jornalista (Unijuí). Doutor
em Comunicação e Informação (UFRGS), com período na Univer-
sidade Nova de Lisboa (PDSE/Capes). Estágio pós-doutoral na Uni-
versidad de Antioquia (Medellín, Colômbia). Vice-líder do Resto –
Laboratório de Práticas Jornalísticas (UFSM) e integrante do grupo
de pesquisa Jornalismo Ambiental (UFRGS). Coorganizador do li-
vro A revista e seu jornalismo (2013). Atualmente, ministra a disci-
plina de Reportagem em Jornalismo Impresso, corresponsável pela
revista laboratorial Meio Mundo. E-mail: reges.schwaab@ufsm.br

Roberto Villar Belmonte – Professor no curso de Jornalismo do Cen-


tro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Jornalista (PUCRS).
Doutor e mestre em Comunicação e Informação (UFRGS). Integra
o grupo de pesquisa Jornalismo Ambiental (UFRGS). E-mail: rvil-
lar21@gmail.com

Rogério Christofoletti – Professor da Universidade Federal de Santa Ca-


tarina (UFSC) e pesquisador do CNPq. Coordenador do Programa
de Pós-Graduação em Jornalismo (2020-2022). Jornalista (Unesp).
Doutor em Ciências da Comunicação (USP). Mestre em Linguística
(UFSC). Estágio pós-doutoral na Universidad de Sevilla (Espanha).
Escreveu e organizou 14 livros e tem mais de 120 capítulos de li-

366
vros e artigos em periódicos científicos nacionais e internacionais.
Coordenou a Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi,
2005-2009). Em 2009, criou o Observatório da Ética Jornalística (ob-
jETHOS), onde é um dos seus líderes. Em 2010, venceu o Prêmio
Luiz Beltrão/Intercom na categoria Liderança Emergente. Integra o
Conselho de Ética da Lupa. É pesquisador do Instituto Universita-
rio de Investigación para el Desarollo Social Sostenible (Universidad
de Cádiz, Espanha). Consultor ad-hoc da Fapesp, Fapesc e CNPq.
Como pesquisador, já desenvolveu projetos com financiamento da
Unesco, UOL, CNPq, EBC, ANDI e Fapesc. E-mail: rogerio.christo-
foletti@ufsc.br

Sérgio Luiz Gadini – Professor no curso de Jornalismo e no Programa


de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta
Grossa (UEPG). Jornalista (UFSM). Doutor em Ciências da Comu-
nicação (Unisinos), com período na Universidade Nova de Lisboa.
Mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea (UFBA). Está-
gio pós-doutoral na Universidad Complutense de Madrid (UCM,
Espanha). Escritor e crítico de mídia (atuou com ombudsman). Par-
ticipa de projetos e iniciativas em produções culturais e políticas
públicas. Atualmente, coordena o programa de extensão Agência de
Jornalismo e integra equipe do Cultura Plural, ambos na UEPG, na
região dos Campos Gerais do Paraná. E-mail: slgadini@epg.br

Sílvia Lisboa – Jornalista (UFRGS). Mestra em Comunicação (UFRGS),


onde pesquisou a credibilidade do jornalismo a partir da filosofia.
É fundadora da Fronteira, agência especializada em reportagens e
conteúdo editorial. É colaboradora das revistas Superinteressante,
Claudia, Veja Saúde, Crescer, Galileu e do site Matinal. Pela Superin-
teressante, foi repórter e editora de mais de dez dossiês – um deles
originou o livro Cura espiritual: uma investigação (2016). Atualmen-
te é editora de vozes no site The Intercept Brasil. E-mail: lisboasilvia@
gmail.com

Stefanie Carlan da Silveira – Professora no Departamento de Jorna-


lismo e no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Univer-

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sidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Jornalista (UFSM). Dou-
tora em Ciências da Comunicação (USP). Mestra em Comunicação
e Informação (UFRGS). Integrante dos grupos de pesquisa COM+
(USP) e Nephi-Jor (UFSC). Foi repórter de tecnologia na Folha de S.
Paulo e colaboradora da área no portal UOL. Coorganizadora dos li-
vros 25 anos de jornalismo digital no Brasil: a contribuição da pesqui-
sadora Luciana Mielniczuk para os estudos no país (2021), Tendên-
cias em comunicação digital (v. 1, 2016; v. 2, 2017). E-mail: stefanie.
silveira@ufsc.br

Taís Seibt – Professora no curso de Jornalismo da Universidade do Vale


do Rio dos Sinos (Unisinos) e do MBA em Jornalismo de Dados no
IDP. Jornalista (Unisinos). Doutora em Comunicação e Informação
(UFRGS). Mestra em Ciências da Comunicação (Unisinos). Rece-
beu menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2020 pela pesquisa
“Jornalismo de verificação como tipo ideal: a prática de fact-chec-
king no Brasil”. Coautora e editora do e-book de educação midiática
Postar ou Não? Guia para entender e combater a desinformação. Fun-
dadora da Afonte Jornalismo de Dados. Colaboradora da agência de
dados Fiquem Sabendo, especializada em Lei de Acesso à Informa-
ção (LAI). E-mail: tais@afonte.info

Thaís Furtado – Professora no Departamento de Comunicação e no


Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Jornalista (UFRGS). Dou-
tora em Comunicação e Informação (UFRGS). Mestra em Letras
(UFRGS). Foi repórter, chefe de sucursal e subeditora da revista Veja
e editora do jornal Zero Hora. Líder do Núcleo de Pesquisa em Jor-
nalismo (Nupejor/UFRGS) e pesquisadora cofundadora da Rede de
Pesquisa em Comunicação, Infâncias e Adolescências (RECRIA).
Ministra, na graduação, as disciplinas Jornalismo Impresso, que pro-
duz a revista-laboratório Sextante, e Fundamentos da Reportagem.
E-mail: thaisfurtado93@gmail.com

Verônica Soares da Costa – Professora no curso de Jornalismo da


PUC Minas e do Amerek, Especialização em Comunicação Pública

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da Ciência (UFMG). Jornalista (UFJF). Doutora em Comunicação
Social (UFMG). Mestra em História, Política e Bens Culturais (CP-
DOC / FGV). Entre 2014 e 2020, foi repórter de ciências e edito-
ra de mídias sociais do projeto Minas Faz Ciência, da FAPEMIG. É
idealizadora e fundadora do @labmatildas. E-mail: veronicacosta@
pucminas.br

Viviane Borelli – Professora no Departamento de Ciências da Comuni-


cação e no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Univer-
sidade Federal de Santa Maria (UFSM). Jornalista (UFSM). Doutora
em Ciências da Comunicação (Unisinos). Mestra em Ciência do Mo-
vimento Humano (UFSM). Trabalhou como repórter no extinto jor-
nal A Razão e como freelancer para jornais e revistas gaúchos. Desde
2010, ministra a disciplina de Jornalismo Impresso II e coordena a
revista-laboratório .TXT. E-mail: viviane.borelli@ufsm.br

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Este livro foi impresso
para a Editora Insular
em dezembro de 2021.

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