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Telejornalismo em mutação:
Rupturas e permanências
Ariane Pereira, Edna Mello, Iluska Coutinho
(organizadoras)
A Coleção Jornalismo Audiovisual da Rede TeleJor chega a sua 16ª
edição com o desafio de proporcionar aos leitores um exercício teórico
sobre as práticas do jornalismo de televisão em suas múltiplas telas,
reforçando a ideia que a centralidade do telejornalismo se encontra no
conteúdo. Para tanto, reunimos pesquisas que evidenciam que o tele-
jornalismo é mais do que uma plataforma de disseminação da infor-
mação, é um lugar de produção de sentidos. Nessa configuração, ao
longo dos capítulos desta obra discutiremos criticamente as perma-
nências, rupturas e novas demandas de um telejornalismo em muta-
ção, mas que se renova e reitera no compromisso com a informação.
ISBN 978-65-88401-00-0
9 786588 401000
Autores/as
Ana Carolina Rocha Pessoa Temer Nestes 70 anos, A Coleção Jornalismo
o telejornalismo teve Audiov
Ana Paula Goulart de Andrade muitas mudanças e transformações.
Ariane Pereira edição com o desafiCo- o de propo
Cárlida Emerim meçou no filme, sobre as pelo
passou videoteipe,
práticas do jornalism
Christina Musse agora estamos nas tecnologias digitais.
Cristiane Finger reforçando a ideia que a centra
O que nos reserva o futuro? Realmen-
te, eu não sei. conteúdo.
A realidadePara
é quetanto,
a tela reunim
Daisy Feitosa
Edna de Mello Silva
Fabiana Siqueira permanece. Hoje jornalismo
na verdade é mais do que um
múltiplas
Fábio Canatta de Souza telas. Nas maismação,
diversaséplataformas.
um lugar de O produç
Iluska Coutinho
José Tarcísio da Silva Oliveira Filho longo édos
jornalismo televisivo capítulos
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diferen-
Kellyanne Alves te. Segue vivo nências,
e pulsante.rupturas
Rico em esuasnovas dem
Laerte Cerqueira permanências.ção,Pulsante em suas ruptu-
mas que se renova e reite
Leandro Olegário
Letícia Renault
ras e brechas. Mas, o mais importan-
Luís Boaventura te é que na vida de brasileiros e brasi-
Marcos Vinícius Meigre e Silva leiras o telejornalismo ainda ocupa um
Mariana Ramalho Procópio
lugar de referência de país, de cotidia-
Rafael Barbosa Fialho Martins
Rosane Martins de Jesus no, de identidade, de fatos, de aconte-
Sandro Tôrres de Azevedo cimentos e nada indica que isso deve
Valquíria Kneipp mudar tão cedo. O telejornal segue con-
Washington José de Souza Filho
ISBN
9 78
Ariane Pereira
Edna Mello
Iluska Coutinho
(organizadoras)
Telejornalismo em mutação:
Rupturas e permanências
Volume 16
Florianópolis
2023
Editora Insular
Coleção Jornalismo Audiovisual
Telejornalismo em mutação
Ariane Pereira, Edna Mello, Iluska Coutinho
(organizadoras)
Editor Diagramação e execução da capa
Nelson Rolim de Moura Eduardo Cazon
Projeto gráfico Revisão
Silvana Fabris Carlos Neto
Projeto da capa Estagiária
Rodrigo Poeta Adriéle Teresa Pereira Mendes
Selo da Coleção Selo da rede TELEJor
Tenaflae Lordelo – Universidade Renata Caleffi
Federal de Pernambuco
ISBN 978-85-524-0375-3
CDD 070.4
23-30281307 CDU 070
Conselho Editorial
Lila Luchessi
Universidade de Buenos Aires (UBA)/ Universidade Nacional de Rio
Negro (UNRN) – Buenos Aires, Argentina
Antônio Hohlfeldt
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) – Por-
to Alegre, Brasil
Alfredo Vizeu
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – Recife, Brasil
Iluska Coutinho
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – Juiz de Fora, Brasil
Flávio Porcello
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Porto Alegre,
Brasil
Sumário
Apresentação....................................................................................13
Prefácio.............................................................................................17
Telejornalismo: efeitos para o bem e para o mal...
Alfredo Vizeu
Parte 1
O impacto das tecnologias nos modos de fazer telejornalismo
Parte 2
O trabalho do jornalista de TV em mutação
2 Telejornalista multifuncional:
o videorrepórter em ação........................................................163
Leandro Olegário
Parte 3
Novas formas de narrar
Sobre os autores............................................................................337
Apresentação
13
conquistar uma audiência que assiste à TV pelo streaming ou
da forma tradicional. Valquíria Kneipp analisa, no capítulo
“Reconfigurações na produção e distribuição de notícia da
televisão: telejornalismo pós hegemônico caracteriza nova
ecologia da mídia”, como a dinâmica da narrativa se espa-
lha por diversas plataformas na incorporação de um telejor-
nalismo transmídia, utilizando como base empírica vídeos
e entrevistas com profissionais da redação, de cinco telejor-
nais nacionais: Jornal Nacional, Jornal da Record, Jornal da
Band, SBT Brasil e Jornal da Cultura. Já Laerte Cerqueira,
Fabiana Siqueira, Kellyanne Alves e Daisy Feitosa, no capí-
tulo “Telejornalismo em recortes: os telejornais na timeline
da audiência em rede”, analisam as estratégias dos telejor-
nais que usam suas reportagens e notas na mídia social
Instagram para promover uma experiência expandida do
jornalismo audiovisual, o que os autores denominam de
“telejornalismo em recortes”. As possibilidades e as limitações
do uso do QRCode como ferramenta informacional no tele-
jornal são objeto de estudo do trabalho de Rosane Martins de
Jesus, no capítulo intitulado “Acesse o QR Code da tela”: o
telejornalismo entre o complemento e a Incompletude”. E
Ana Paula Goulart de Andrade e Sandro Tôrres de Azevedo,
no capítulo “Vertical: produção e consumo de jornalismo
audiovisual em formato perpendicular”, analisam a circu-
lação de conteúdos jornalísticos audiovisuais produzidos
por smartphones.
Na Parte 2 temos O trabalho do jornalista de TV
em mutação.
Os estudos sobre subjetivação têm espaço no capítulo
“Configurações das estratégias de subjetivação no telejor-
nalismo brasileiro: contextos, atores e práticas”, de auto-
ria de Rafael Barbosa Fialho Martins, Mariana Ramalho
14
Procópio e Marcos Vinícius Meigre e Silva. Na pesquisa os
autores destacam seis eixos de manifestação de subjetividade
no campo televisual, avaliando estas práticas no telejorna-
lismo. As discussões sobre as rotinas produtivas do tele-
jornalismo têm lugar na produção dos artigos de Leandro
Olegário e de Washington José de Souza Filho. Olegário
investiga, no capítulo “A rotina de um telejornalista multi-
funcional: um olhar para o videorrepórter”, como a ativi-
dade do videorrepórter tem se consolidado como um modelo
profissional, promovendo mudanças no campo de atuação
do jornalista e na formação nos cursos de Jornalismo. Já
Souza Filho, no capítulo “Repórter de rede − as mudan-
ças de um padrão do telejornalismo no Brasil”, se dedica
ao estudo do repórter de rede numa perspectiva histórica,
demonstrando como nos dias atuais esse profissional tem
participado de diversos segmentos de telejornais e como o
perfil tem sofrido alterações.
Na Parte 3 temos Novas formas de narrar.
As autoras Cárlida Emerim e Edna de Mello Silva desta-
cam, no capítulo “Os Marcadores do estatuto do Real no
telejornalismo: entre a produção e o consumo”, algumas
implicações do fazer jornalístico em televisão que revelam
sua forma de autenticar a realidade e estabelecer critérios de
confiabilidade da notícia. Já o trabalho de Luís Boaventura,
demonstra as hibridizações feitas nos novos formatos de
notícias que não se enquadram nas nomenclaturas clássicas
dos estudos de produção audiovisual no capítulo intitulado
“As transformações na forma de apresentar os fatos pelo
telejornalismo de rede: catalogação de formatos de notí-
cias ainda não descritos”. As problematizações sobre o tele-
jornalismo, as relações de gênero e os territórios também são
enfocadas nesta obra. A pesquisa de Ariane Pereira e Iluska
15
Coutinho é apresentada no capítulo “Telejornalismo como
instrumento de combate às violências contra a mulher:
Conceitos e elementos para construir reportagens audio-
visuais com perspectiva de gênero” e elenca uma proposta
teórico-metodológica sobre a cobertura audiovisual com
equidade sob a perspectiva de gênero, de forma a eviden-
ciar o protagonismo feminino e atuar de forma efetiva no
combate ao silenciamento, à desigualdade e outras formas
de violência contra a mulher. O pesquisador José Tarcísio
da Silva Oliveira Filho, no capítulo “A proximidade e o
contexto de diferentes telas: novas relações possíveis no
telejornalismo local”, analisa como a proximidade pode
adquirir formas que independem do espaço geográfico no
telejornalismo local. Fecha a obra o capítulo “Telejornalismo
brasileiro e o patrimônio coletivo: uma reflexão sobre a
cobertura do telejornalismo na escalada “quebrando tudo
e xxx nesta xxx aqui”?, de autoria de Letícia Renault e Ana
Carolina Rocha Pessoa Temer, discutindo a necessidade de
um protocolo para a cobertura de situações que envolvam
a depredação do patrimônio público e enfatizando o uso
responsável de imagens capturadas nas redes sociais e/ou
não produzidas por jornalistas.
A multiplicidade de temas em debate coloca em cena
o protagonismo do jornalismo em telas como vertente de
investigação privilegiada do campo da comunicação. Em
tempos em que novos paradigmas são construídos pelas
tecnologias pensar as efemeridades e as permanências
ajudam a perceber recortes de realidades possíveis e reali-
dades futuras sem perder de vista as ações basilares que sedi-
mentam os caminhos que já percorremos. Boa leitura!!
As organizadoras
16
Prefácio
Telejornalismo: efeitos para o bem
e para o mal...
Alfredo Vizeu
17
que o Jornalismo presta um bom serviço para o seu País, o
seu povo.
O noticiário televisivo tem efeitos para o bem e para
o mal. O que perseguimos e lutamos são os efeitos para o
bem. Lutamos por uma imprensa justa, ética e democrá-
tica. Por um telejornalismo ético e pela qualidade da infor-
mação. Sabemos que não vivemos nessa situação, mas é
preciso perseguir esse sonho. Não é um sonho impossível.
Acreditamos que é possível ver flor da liberdade nascer do
impossível e inacessível chão.
A RedeTelejor, o conjunto dos seus pesquisadores, vêm
há anos com seus estudos e pesquisas perseguindo esta
utopia: um telejornalismo democrático. Entendemos que isso
não é inalcançável. Como disse Paulo Freire: “...o utópico não
é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização
dos atos de denunciar a estrutura desumanizante e anunciar
a estrutura humanizante. Por esta razão, a utopia é também
um compromisso histórico”.
Nestes 70 anos o telejornalismo teve muitas mudanças e
transformações. Começou no filme, passou pelo videoteipe,
agora estamos nas tecnologias digitais. O que nos reserva
o futuro? Realmente, eu não sei. A realidade é que a tela
permanece. Hoje na verdade múltiplas telas. Nas mais diver-
sas plataformas. O jornalismo televisivo é diverso, diferente.
Segue vivo e pulsante. Rico em suas permanências. Pulsante
em suas rupturas e brechas.
Mas, o mais importante é que na vida de brasileiros e
brasileiras o telejornalismo ainda ocupa um lugar de refe-
rência de país, de cotidiano, de identidade, de fatos, de
acontecimentos e nada indica que isso deve mudar tão
cedo. O telejornal segue contribuindo como um fenômeno
importante para a construção social da realidade do país.
18
Estabelecendo de uma certa forma um laço social e afetivo
entre os homens e mulheres que assistem o noticiário. Uma
comunidade imaginada. Defendemos e lutamos que seja
para o bem. Este livro discute isso de uma forma crítica e
profunda. Este mundo em mutação, suas permanências,
mudanças e rupturas. Boa leitura!
19
Parte 1
Cristiane Finger
Christina Musse
Fábio Canatta de Souza
Valquíria Kneipp
Laerte Cerqueira
Fabiana Siqueira
Kellyanne Alves
Daisy Feitosa
Rosane Martins de Jesus
Ana Paula Goulart de Andrade
Sandro Tôrres de Azevedo
1
Uma nova narrativa para as reportagens
de televisão frente ao jornalismo em
outras telas
Cristiane Finger
Christina Musse
Fábio Canatta de Souza
Introdução
23
com todo o tipo de ruído externo. O tempo de atenção do
usuário nunca foi tão reduzido, a sua fidelidade ao conteúdo
é efêmera.
Em tempos de convergência e transmidialidade, parece
haver duas tendências para a narrativa telejornalística: a
reportagem long form, aprofundada, que cativa a audiência
pela qualidade da informação, e o uso de recursos narrati-
vos mais sofisticados, como a animação de cenas e a busca
da imersão do espectador (Mello Silva; Yanase, 2019); ou
a notícia ao vivo, bem ao estilo hard news, curta e direta,
que certifica (Mello Silva et al., 2022), através da checa-
gem e da reputação do emissor, as informações veiculadas
em primeira mão pelas redes sociais, o que pode resultar,
inclusive, em um formato híbrido e colaborativo (Musse;
Thomé, 2015).
Em ambas as opções, há o predomínio do tom testemu-
nhal, às vezes confessional (Goulart; Sacramento, 2020) e
que faz apologia ao “show do eu” (Sibilia, 2008). A mutação
do formato revela, em qualquer uma das possibilidades, a
introdução de novos valores-notícia no cardápio televisivo,
capaz de gerar mais engajamento e interatividade, a partir
de uma abordagem mais afetuosa (Medina, 2008) e subje-
tiva (Moraes, 2022) do telejornalismo.
Neste capítulo, nos debruçamos sobre três características
das reportagens do telejornalismo e de como elas se altera-
ram ou não frente as possibilidades das notícias de vídeo em
outras telas. São elas: a presença do repórter na notícia, a sua
objetividade e/ou subjetividade e o tempo da notícia, da sua
transmissão e da sua recepção.
24
A presença do repórter no telejornalismo da TV e em
outras telas
25
do acontecimento, com informações, para ser usada no meio
da matéria. A passagem reforça a presença do repórter no
assunto que ele está cobrindo e, portanto, deve ser gravada
no desenrolar do acontecimento” (1987, p. 147).
Já nos manuais produzidos pelas emissoras brasilei-
ras de uma forma geral, as observações sobre a passagem
ganham a forma de dicas e recomendações ao jornalista para
o momento em que se torna visível na tela. Nesse sentido, são
instruções mais superficiais, relacionadas à estética: sobre a
roupa – que não chame atenção a ponto de desviar o foco
do telespectador daquilo que realmente importa, no caso,
a informação – e o gestual – que seja comedido para, da
mesma forma, manter uma certa neutralidade na relação
com a pauta. A dinâmica é orientada pela lógica da objetivi-
dade e da tentativa de apagamento do olhar individual e da
expressão crítica (Gutmann, 2014).
Aquilo que parece espontâneo e até com um certo grau de
improviso para a audiência, na verdade, é resultado de uma
delicada e complexa construção, que apenas começa com a
escolha das informações a serem noticiadas e consequente
construção do texto que vai ser falado. As palavras são só
uma parte da narrativa, que envolve a escolha criteriosa do
lugar, que deve ambientar as informações. Ao mesmo tempo,
é importante que nada chame mais a atenção do telespecta-
dor que aquilo que vai ser dito. Assim, garantir que ninguém
vai se movimentar ou mesmo gesticular ao fundo ou ainda
transitar entre a câmera e o jornalista é fundamental.
Para completar, o texto é, quando possível, ensaiado até
que se alcance a melhor interpretação, que envolve a ento-
nação, uma eventual pausa ou silêncio, a intensidade dos
gestos e até a expressão do rosto – uma das maiores fontes
de informações não-verbais, na compreensão do público,
26
pelo grande potencial comunicativo. Isso sem falar na
composição do quadro, no enquadramento, na luz – natu-
ral ou artificial –, num possível movimento de lente ou de
câmera, entre outros “A expressividade de um bom apre-
sentador ou repórter deve inspirar, acima de tudo, credibili-
dade, unindo recursos verbais (palavras) e não-verbais (voz,
fala e corpo)” (Kyrillos; Cotes; Feijó, 2003, p. 69). É emoção,
técnica e performance.
Tudo isso é feito pensando na audiência que acompa-
nha a reportagem do sofá da sala, em companhia da famí-
lia, ou, quem sabe, de fone de ouvido no metrô lotado – uma
ilustração contemporânea da televisão na sua diversidade
de telas e plataformas. Toda produção em telejornalismo
envolve pensar no telespectador e nos diferentes contextos
que podem abarcar a sua experiência com o conteúdo.
Alfredo Vizeu (2005) chamou esse público invisível,
imaginado e construído no dia a dia das redações de audiên-
cia presumida. Esse processo, por mais que tenham avançado
as pesquisas sobre a audiência, permitindo uma leitura mais
precisa de quem de fato consome o conteúdo produzido pela
televisão, ainda faz parte da rotina produtiva dos repórteres
nas ruas e redações do país. Na hora de gravar a passagem,
é com esse telespectador imaginado que o jornalista conti-
nua se relacionando.
No mesmo sentido, Leandro Lage (2015), ao estudar a
presença do jornalista na reportagem de televisão, destaca
que pesquisas sobre o tema têm apontado para um cená-
rio de transformações. Segundo ele, os estudos indicam que
o repórter contemporâneo ocupa um espaço de “ator” no
local dos acontecimentos, avançando do simples relato à
interpretação. Nesse contexto, usa tudo que está à disposi-
ção para informar e dar o tom à notícia: gestos, movimentos
27
de aproximação ou distanciamento da tela e a entonação da
voz ajudam a levar dramaticidade à narrativa.
Filipe Peixoto e Flávio Porcello (2016) analisaram 145
reportagens com o foco no momento em que o repórter
aparece na reportagem. O conjunto reúne 72 matérias, exibi-
das entre os anos de 1969 e 1990, e outras 73, colocadas no ar,
em 2015, na TV Globo. Embora reconheçam que a constru-
ção das reportagens – por consequência, a passagem – seja
resultado de uma série de escolhas, leituras e interpretações
dos fatos com um caráter pessoal, eles destacam a existência
de uma série de convenções coletivas e padrões, nas decisões
tomadas pelas equipes, que aparecem, quando a observa-
ção dar-se-á sobre um conjunto maior de matérias, o que
pode ser comprovado na pesquisa realizada por eles em um
corpus relevante.
A comparação entre os dois grandes grupos de repor-
tagens permitiu aos pesquisadores identificar mudanças
no elemento narrativo passagem no período mais recente:
um número maior de repórteres em movimento durante a
gravação; uma frequência maior também no uso do movi-
mento de câmera; o grafismo passou a aparecer como alter-
nativa de ilustração junto com o repórter em cena; no que
diz respeito ao plano, o americano segue como o mais usual,
porém, o plano geral, no qual o repórter aparece de corpo
inteiro, virou uma alternativa bastante frequente; o tempo
médio da passagem aumentou; por fim, o figurino e a lingua-
gem se tornaram ainda mais informais.
Com base nos resultados das análises, podemos afirmar
que nos dias de hoje, quando o repórter aparece na TV, ou
seja, na passagem, há uma preferência por manter câmera e
repórteres parados, enquadrados em plano americano, pró-
ximos do local dos acontecimentos, proferindo um discurso
28
com tempo médio de aproximadamente 20 segundos e
apresentando-se com um figurino mais informal (Peixoto;
Porcello, 2015, p. 158).
29
representação do real, de um ponto de vista sujeito à altera-
ção ou trucagem. Uma situação de suspenção da dúvida. A
sensação do telespectador e o próprio relato que ele constrói
sobre a experiência remete a uma relação direta com o acon-
tecimento, como se não houvesse qualquer tipo de media-
ção. A presença do repórter no local dos fatos e o caráter
testemunhal da narrativa reforçam e certificam a confiabili-
dade da história.
[...] o jornalismo se baseia num pacto de credibilidade com
seu leitor, a ser posto em xeque e reafirmado na elaboração
e na recepção de cada uma de suas histórias. Muito dessa
credibilidade vem exatamente da apresentação do repórter
como testemunha dos fatos. Sua presença no local dos acon-
tecimentos é um dos elementos-chave para a autenticidade
e, consequentemente, credibilidade, do relato que produz
(Leal, 2003, p. 1-2).
No YouTube, de longe a maior plataforma de vídeos do
mundo com mais de um bilhão de usuários, a mídia tradi-
cional divide espaço com a imprensa independente. Porém,
na lista dos cinco canais jornalísticos2 mais populares só há
espaço para produções da conhecida grande imprensa. São
eles, em números de inscritos: Jovem Pan News, com mais
de 5 milhões; SBT News, com 3,95 milhões; Band Jornalismo,
com 3,75 milhões; CNN Brasil, com 2,96 milhões e Record
News, com 2,59 milhões.
Vale ressaltar que a TV Globo, que concentra a maior
audiência da TV no Brasil, e a Globo News, a maior audiên-
cia entre os canais de TV por assinatura, centralizam a sua
2. Jovem Pan News vira líder entre canais de notícias no YouTube. Dispo-
nível em: https://natelinha.uol.com.br/mercado/2022/06/06/jovem-pan-
-news-vira-lider-entre-canais-de-noticias-no-youtube-182722.php Acesso
em: 26 mai.2023
30
produção jornalística na plataforma própria de streaming
Globoplay, que tem 39 milhões de inscritos no Brasil, prati-
camente o dobro do maior serviço do mundo de vídeos, a
Netflix3. Portanto, como a quase totalidade do conteúdo
presente nestes canais coincide com aquele exibido na tele-
visão, podemos dizer que a produção jornalística mais
consumida no YouTube reflete o modelo de reportagem
consolidado pelo telejornalismo, com off, sonora e, inclu-
sive, passagem.
31
ao texto informativo, com a proposta de torná-lo mais sedu-
tor, envolvente, e propiciar, assim, ao leitor, uma experiência
mais intensa, que extrapolava o registro seco e impessoal do
formato consagrado do lead e sub-lead.
Se, nesse período, a velocidade na transmissão das
informações permitiu ao telejornalismo veicular ao vivo os
primeiros passos do homem na Lua, ainda havia uma imensa
lacuna na adoção de um modelo narrativo que pudesse ser
considerado como padrão pelas equipes de TV. Mas a popu-
larização das fitas magnéticas (VTs), nos anos 1970, e, em
seguida, dos sistemas de microondas, nos anos 1980, tornou
a reportagem televisiva mais ágil, com a transmissão de bole-
tins ao vivo, durante a programação. Ao mesmo tempo, o
cardápio dos conteúdos se diversificava, e, impulsionado
pelo fim da ditadura civil-militar, o telejornalismo tentava
se alinhar com vozes até então pouco amplificadas pela mídia
hegemônica: o quotidiano das grandes cidades, as deman-
das das associações de moradores, as histórias pitorescas de
personagens anônimos, que vão cada vez mais aparecer na
tela, ao lado daquelas já recorrentes fontes oficiais.
Nessa época, a TV Globo, já dona da liderança da audiên-
cia no Brasil, capacitou os seus repórteres a serem mais
“participativos”, isto é, caminharem, tocarem e vivenciarem
a experiência da reportagem. O melhor exemplo de profis-
sional deste período, e que criou uma verdadeira escola, foi
a repórter Glória Maria, que antecipou a tendência de ser
ela própria, jornalista, a grande atração da notícia. A repór-
ter que morreu, em fevereiro de 2023, no Rio de Janeiro, já
tinha sido transformada, antes, em celebridade. Ela come-
çou a trabalhar, quando as reportagens eram ainda gravadas
em filme preto e branco, e as passagens revelavam distancia-
mento com as tragédias, mas, ao longo da carreira, passaria
32
a conjugar muitas vezes o pronome “eu”, em suas aventuras
pelo mundo, para mostrar alegria, espanto, medo ou dor.
Já doente, ela foi a fonte das entrevistas em que enumerava
as memórias de sua vida profissional, a militância contra o
racismo e a adoção de duas filhas, em um formato confes-
sional. “A cultura da mídia redefiniria a ‘vida’ como gênero:
uma experiência estética com grande expectativa afetiva e
compassional” (Ribeiro; Sacramento, 2020, p. 38).
Não foram apenas os repórteres de TV que ganha-
ram mobilidade e agilidade, mas o dispositivo ganhou, ele
próprio, a possibilidade de estar em todos os lugares, isto
é, a ubiquidade. No momento em que a audiência não está
mais presa, e pode assistir à programação em movimento,
em trânsito, tudo muda. E não é só a barreira do espaço, mas
aquela do tempo, que também é superada. Com o streaming,
cada pessoa assiste ao que quer, da forma que melhor lhe
aprouver. Tudo passa a ser flexível, mutante, não se suporta
mais a rigidez da “grade” de programação, ou a ordem crono-
lógica dos blocos dos telejornais. Cada um assiste ao telejor-
nal do seu modo particular.
A customização dos conteúdos atingiu em cheio a
maneira de se fazer televisão. Até porque boa parte do que
é veiculado, em especial no telejornalismo, é realizado de
forma coletiva, com grande interferência dos antigos teles-
pectadores, hoje, muito mais conhecidos como usuários, ou
prosumers, porque eles são os maiores geradores de conteúdo.
No início, por carta manuscrita ou pelo telefone, o “rádio-es-
cuta” selecionava as demandas do público, hoje, elas se mate-
rializam imediatamente nas telas, gravadas pelos próprios
envolvidos e divulgadas nas redes sociais. Dessa forma, como
prenunciou a argentina Paula Sibilia, “[...] cresce a impressão
de que só acontece aquilo que se exibe numa tela” (Sibilia,
33
2016, p. 2015). A autora comenta que o artista Andy Warhol
já tinha previsto que, um dia, todos os mortais teriam direito
aos seus quinze minutos de fama, mas aquele ainda era um
ambiente dominado pela televisão, no sistema broadcas-
ting. Segundo a autora, Benjamin também já tinha falado da
universalização do direito de ser filmado, nos primórdios
do cinema, como uma indústria de massa, mas, só agora, as
mídias sociais estariam cumprindo a promessa:
34
do relato, ao estabelecimento de laços afetivos com o espec-
tador/usuário, à criação de pontos de inflexão na narrativa,
que gerem maior engajamento da audiência, são marcas do
jornalismo audiovisual, que nos parecem indissociáveis à
existência das redes sociais, mas, como vimos no início desta
seção, são anteriores a elas.
35
sociais, pode deixar clara a sua revolta pela maneira pela
qual o telejornalismo trata de alguns temas sensíveis. Um dos
episódios marcantes, que pode ser citado aqui, foi aquele da
edição do GloboNews em Pauta4, do dia 3 de junho de 2020,
que debateu o racismo, logo depois do assassinato do afro-a-
mericano George Floyd, nos Estados Unidos. Eraldo Pereira
foi o âncora, e apenas jornalistas negras participaram como
comentaristas. Isto só aconteceu, depois da reação do dono
de um perfil do Instagram à cobertura do tema pelo canal
de notícias, feita até então exclusivamente por uma bancada
de pessoas brancas. O comentário viralizou e, então, a emis-
sora produziu a edição especial, ela própria voltada para as
histórias de vida e as experiências de Aline Midlej, Maju
Coutinho, Flávia Oliveira (incorporada, depois, ao time fixo
de comentaristas do programa), Zileide Silva (que participou
como comentarista do programa, durante alguns meses) e
Lilian Ribeiro.
Fabiana Moraes decidiu nomear o jornalismo com um
aporte crítico, mas também sensível, de jornalismo de subje-
tividade, que articula: i) reflexividade contínua sobre ensino
e prática; ii) crítica aos valores-notícia; iii) capacidade cria-
tiva/criadora; iv) dimensão ativista e sensibilidade hacker; v)
interseccionalidade (Moraes, 2022, p. 106). Se quisermos de
uma forma mais sintética traduzir o pensamento da autora,
devemos citar aqui a necessidade de reflexão constante sobre
o que se narra e a forma de narrar, o que implica uma revi-
são dos valores-notícia, raramente questionados no ensino
e na prática profissional. As questões de gênero, classe, raça
e território (com destaque ao meio-ambiente) atravessam,
hoje, todas as pautas. Isso exige um deslocamento do olhar
36
do jornalista. Ao mesmo tempo, abre possibilidades, pela
aproximação do jornalismo de outros saberes, que podem
torná-lo mais potente, a partir, por exemplo, do “borramento
de fronteiras entre arte e jornalismo” (Moraes, 2022, p. 130),
até se estender ao “borramento da ficção/realidade, do obje-
tivo/subjetivo” (Moraes, 2022, p. 132). Já a dimensão ativista
e a sensibilidade hacker permitem descortinar os interes-
ses que estão escamoteados sob a carapuça do discurso da
neutralidade. “Quero dizer que a sensibilidade hacker é antes
de tudo um posicionamento reflexivo do jornalista, que pode
se utilizar de maneira tática dos meios nos quais atua para
produzir contranarrativas e desestabilizar naturalizações”
(Moraes, 2022, p. 151). Assim, torna-se possível uma prática
engajada, mesmo em ambientes orientados a um compor-
tamento conservador. Finalmente, a interseccionalidade
permite “[...] enxergar problemas sociais derivados do colo-
nialismo, do racismo, do sexismo e do nacionalismo como
interconectados [...]” (Moraes, 2022, p. 163).
Acreditamos que poucos repórteres de TV incorpora-
ram tão bem este espírito como o gaúcho Marcelo Canellas
que, durante 33 anos, atuou na TV Globo, e, terminou sua
carreira na emissora como repórter especial do Fantástico,
com reportagens que privilegiavam o olhar sobre os seres
humanos que estão à margem, aqueles que não têm vez nem
voz. A sua premiada série sobre a fome, produzida em 2001,
é um exemplo de jornalismo comprometido com a reflexão
e a mudança5. Mais recentemente, ele dirigiu a série sobre
a tragédia da boate Kiss6, em 2013, em Santa Maria, cidade
37
natal do jornalista. Na abertura da série, o tom confessio-
nal do repórter, que se transforma em entrevistado, revela
o ser humano que, mais que o competente profissional, vai
narrar aquela história, de perdas, dor e busca pela justiça. As
imagens de celular alternam-se com as histórias dos estudan-
tes que sobreviveram, das famílias, dos socorristas, dos poli-
ciais. Imagens de arquivo e depoimentos são alinhavados na
edição. Canellas interfere o mínimo possível, sentado em um
banco, sozinho, numa sala escura, ele conta a história pessoal
da construção do documentário, das dezenas de entrevistas
que realizou durante anos, e que se transformaram na série.
O formato documental, disponibilizado no streaming,
indica um dos caminhos que o telejornalismo tem encon-
trado para conquistar audiências cada vez mais pulveriza-
das. Assistir aos conteúdos na hora em que é possível, e no
local escolhido pelo espectador, é um atrativo que faz a dife-
rença para um mercado cada vez mais competitivo. Fernanda
Lília de Almeida, diretora de Jornalismo da TV Integração,
a maior rede afiliada da Globo, em Minas Gerais, afirma
que, hoje, o maior concorrente da TV aberta comercial é o
YouTube, e, por isso mesmo, os maiores investimentos da
empresa brasileira visam a atrair assinantes para o Globoplay,
o serviço de streaming da rede. Almeida diz que a produção
de conteúdo ainda é concentrada naquele tipo de espectador
que assiste à TV em casa7. “A gente faz televisão para a tela da
TV” (Almeida, 2023). Mas a jornalista reconhece que, cada
vez mais, a audiência tenderá a escolher os meios móveis
para acompanhar apenas os conteúdos, que lhe despertarem
38
interesse. Assim, se, em uma perspectiva, a emissora líder de
audiência tem a possibilidade de conquistar o público, atra-
vés de conteúdos mais elaborados, por outro ângulo, obser-
va-se a tendência da veiculação de factuais muito rápidos,
instantâneos, que vão engajar a audiência, que está na rua,
no trabalho, em trânsito, e apenas quer informações diretas,
uma prestação de serviços para o dia a dia corrido.
39
as produções televisivas realizadas essencialmente em trans-
missão direta deram lugar às gravações, determinando uma
das primeiras guinadas na forma de se pensar e, também, de
se fazer o conteúdo jornalístico na televisão. Se a possibili-
dade de armazenar as imagens e editá-las para uma exibição
posterior permitiu a produção de programas mais interes-
santes e com maior qualidade técnica e estética, o frequente
uso do VT, entretanto, tirou a transmissão ao vivo da rotina
telejornalística por quase toda a sua trajetória, desacostu-
mando as redações a operarem com as notícias no momento
que elas ocorrem (Emerim; Cavenaghi, 2012).
Com a digitalização da imagem e da sua transmissão, o
uso cada vez mais frequente de tecnologias móveis e cone-
xões sem fio abriram as portas para uma maior produção e
geração de conteúdo ao vivo. A convergência tecnológica
possibilitou a condição técnica de transmissão de áudio ou
vídeo em tempo real e de forma contínua, até então exclusi-
vidade do broadcasting. Um complexo aparato, formado por
estrutura pesada, que exigia um maior número de profis-
sionais envolvidos em uma cobertura, foi substituído por
ferramentas portáteis on-line, como smartphones, capazes
de processar informações de forma digital e transmitir de
forma instantânea. A volta da transmissão direta passou a
ser a arma da televisão para enfrentar a concorrência com
os vídeos de notícias na internet (Silva, 2008).
Para Yvana Fechine (2008), o telejornal é composto por
dois tempos: o tempo atual e o tempo real. O tempo atual
acontece quando o repórter entra no ar ao vivo para falar do
lugar do fato, mas de algo que já ocorreu. A estratégia é de
atualização que se dá inclusive no diálogo com o apresen-
tador. Por outro lado, o tempo real está associado às situa-
ções nas quais um telejornal registra e exibe um determinado
40
acontecimento que ocorre no momento em que está sendo
transmitido pela televisão. Nesses casos, apresentador, repór-
ter e aquilo sobre o qual ambos falam estão inseridos em
uma mesma duração. Ou seja, destinadores e destinatários
estão inseridos em uma mesma temporalidade, que é tanto a
do discurso (da TV) quanto do mundo (dos fatos). A partir
da continuidade temporal, a transmissão direta é capaz de
instaurar um espaço, sem qualquer correspondência, no
mundo natural, como sugere a autora:
O efeito de contato produzido pela transmissão direta parece
ser justamente o resultado do reconhecimento tácito de que
algo está se atualizando (se fazendo) agora tanto aqui (espa-
ço do eu) quanto lá (espaço do outro): um contato produzido
pela e na duração. Compartilho com os responsáveis pela
emissão (produtores) e com milhares de outros espectado-
res (receptores) de um mesmo tempo – o tempo instituído
pela própria transmissão – e, através deste, todos nos encon-
tramos em um mesmo lugar, um espaço que não se constitui
mais materialmente, um espaço simbólico, um espaço vivido
tão somente através da transmissão (Fechine, 2004, p. 5).
41
mostram um tempo passado e ao mesmo tempo explicam o
que se passou. O autor afirma: “Neste caso, ir procurar por si
mesmo uma história reserva menos surpresas do que subme-
ter-se ao pivô do telejornal. Para dizer a verdade, esta curiosi-
dade está bem encaminhada pelos títulos, estejam eles numa
página da internet ou num jornal” (p. 19).
Por fim, Jost conclui desta comparação dos vídeos de
notícia na internet com as reportagens de um telejornal é
que a relação do público com os meios de comunicação vem
primeiro de um fio temporal. Assim, os vídeos sob demanda
e o ao vivo da televisão não seriam concorrentes, porque não
se baseiam nas mesmas promessas e premissas, no mesmo
tipo de narrativa e por isso não têm os mesmos efeitos.
Considerações finais
42
perguntas, mas relativas ao telejornalismo e a partir das refle-
xões pontuadas anteriormente. O que vai ser melhorado? O
que vai ser revertido? O que vai ser recuperado? E o que vai
se tornar obsoleto?
Na primeira questão: O que vai ser melhorado? Podemos
dizer que a objetividade, e a imparcialidade tão caras ao fazer
jornalismo seguem sendo uma utopia a ser perseguida, mas a
humanização do jornalismo é um desafio que as novas telas
impuseram aos jornalistas de televisão. A subjetividade e
principalmente o envolvimento do repórter nas questões
complexas como a luta contra o racismo, contra a misoginia,
contra o abuso de poder, pelo meio ambiente e pelos direi-
tos humanos passam a ser declaradas, inclusive como lugar
de fala. O testemunhal, o depoimento e o show do eu estão
permitidos, não como forma de atrair o público, mas para
que ele possa se identificar com a história e com o contador
da história. O único perigo são os limites desta nova postura.
O jornalista não pode ser mais importante do que os fatos.
O que vai ser revertido? Parece que o espírito da tempo-
ralidade. A aceleração do tempo no mundo já se refletiu na
importância da instantaneidade na transmissão da notícia.
O ao vivo que permite o tempo real não apenas é uma carac-
terística da televisão que havia se perdido, mas é a chave
para que o telespectador vivencie os fatos. Ao acompanhar
o desenrolar de um acontecimento, a incerteza do seu desfe-
cho, o suspense e tensão acabam por apagar as marcas da
mediação, trazem maior credibilidade e podem até reunir o
público novamente num laço social, conceito desenvolvido
por Dominique Wolton (1996), que explicou o sucesso da
programação televisiva junto a um público tão heterogêneo.
O que vai ser recuperado? Ainda é difícil afirmar, mas
existe a possibilidade de o telejornalismo, mesmo em outras
43
telas, recuperar a sua legitimidade. Não é mera coincidência
que na maior plataforma de vídeos do mundo, o YouTube, os
principais canais jornalísticos sejam os mais populares com
milhões de inscritos no Brasil. Assim como a TV Globo e
a GloboNews, as maiores audiências entre os canais de TV
aberta e fechada, respectivamente, centralizam a sua produ-
ção jornalística numa plataforma própria de streaming. O
Globoplay também já conquistou o dobro de assinantes no
Brasil do que o maior serviço de vídeos do mundo, a Netflix.
E o que vai se tornar obsoleto? O lugar de encontro com
o público já não é apenas no ambiente doméstico. Com a
mobilidade dos dispositivos, a audiência está pulverizada,
pode estar em todos os lugares e em movimento. O telejor-
nal não é apenas o companheiro da família na hora do jantar.
Agora cada um assiste ao telejornal do seu modo particular.
Outra transformação é o fim da passividade, se é que um dia
ela existiu. Sem dúvida comentar, sugerir, compartilhar, criti-
car nas redes sociais, ao mesmo tempo em que assiste à notí-
cia, é uma nova forma de se relacionar com a televisão, com
o telejornal, com os jornalistas, com outros telespectadores
e, por fim, com a sociedade.
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46
2
Reconfigurações na produção e
distribuição de notícia na televisão:
telejornalismo pós-hegemônico e a
caracterização de uma nova ecologia
plataformizada da mídia
Valquíria Kneipp
Introdução
47
televisiva, como internet, redes sociais digitais, aplicativos,
entre outras.
A primeira hipótese levantada é que o fenômeno da plata-
formização no telejornalismo contribui para a caracterização
de uma nova ecologia do telejornalismo, na medida em que,
com o fenômeno da televisão pós-hegemônica, esse novo
modelo vem se efetivando nos último 20 anos, com a queda
da audiência e a perda da centralidade da TV. Desse modo,
não se pode mais chamar a televisão de “príncipe eletrô-
nico”, como Ianni (1999) fez no passado. Portanto, o contexto
contemporâneo é complexo, porque envolve também novas
formas de se mensurar a audiência da TV.
Uma pesquisa realizada em dezembro de 2022 pela Kantar
IBOPE Media, por meio de uma ferramenta chamada Cross
Platform View (CPV) − que mede a audiência de serviços
como TVs abertas e a cabo, on demand e stremeangs em todos
os dispositivos que estão no Brasil −, revelou que 75,7% consu-
miu TV aberta no período. Já a TV paga registrou consumo
de 11,1%, YouTube 7,6% e 5,6% dos streamings (4,2% da Netflix
e Amazon Prime 0,45%). Apesar de os números chamarem a
atenção para a supremacia da TV aberta em relação às demais
plataformas, os dados revelam o que o público consumiu, mas
não aprofundam detalhes sobre a frequência desse consumo.
Desta forma, novas pesquisas e maior aprofundamento dos
dados precisam ser acompanhados para efetivar os dados e
acompanhar o desempenho da ferramenta CPV.
O instrumental metodológico contou com coleta, armaze-
namento e análise de material videográfico, com observação
virtual e entrevistas com os profissionais da redação de cinco
telejornais nacionais brasileiros (Jornal Nacional, Jornal da
Record, Jornal da Band, SBT Brasil e Jornal da Cultura), carac-
terizando-se como um estudo de caso (Yin, 2001) tendo em vista
48
que se propõe a investigar um fenômeno da contemporanei-
dade, categorizá-lo e descrevê-lo. Nos próximos tópicos será
feita uma reflexão sobre as aproximações propostas entre a nova
ecologia da mídia e do telejornalismo plataformizado.
49
os cinco telejornais nacionais das maiores redes de televisão
brasileira, levando em consideração um novo elemento do
atual contexto, que é a plataformização, ou seja, a amplia-
ção ou transbordamento dos conteúdos do telejornalismo
para os mais diversos formatos, com distribuição em diver-
sas plataformas – caracterizando também um telejornalismo
transmídia, na concepção de Henry Jenkins (2009).
A mídia, de forma genérica e geral (rádio, televisão, jornal,
cinema, internet, rede social digital e etc.) − diante das trans-
formações que ocorreram nos últimos 20 anos (2003 até 2023)
devido ao processo de digitalização, a convergência midiática,
a pós-globalização e o processo de midiatização da sociedade
– atravessa um processo de transformação: o surgimento de
uma nova ecologia das mídias. A ecologia das mídias resgata
a proposta de McLuhan (1960), que investigou a questão a
respeito de como os meios de comunicação afetam a percep-
ção, a compreensão, os sentimentos e os valores humanos. “A
palavra ecologia implica o estudo de ambientes: sua estru-
tura, seu conteúdo e impacto sobre as pessoas”. (Strate, Braga e
Levinson 2019; p. 19). De acordo com os autores, “um ambiente
é um sistema de mensagens complexo, que impõe aos seres
humanos certas maneiras de pensar, sentir e se comportar” a
partir de três características: a primeira é o ambiente que se
pode ver, no qual se pode dizer e, consequentemente, fazer; a
segunda, atribui papéis e desempenhos para eles; a terceira e
última característica especifica o que é e o que não é permitido
fazer. Diante desse cenário, esta pesquisa se propôs a investigar
as mudanças ocorridas em uma dessas mídias – a televisão (o
telejornalismo), com o propósito de identificar novas práticas
sociais no modo de produção e difusão de conteúdos midiáti-
cos. A partir das propostas de McLuhan sobre a ecologia dos
meios (1960) e da atualização a partir de Scolari (2015) com a
50
Nova Ecologia dos Meios, buscou-se uma reflexão conceitual
e teórica deste novo cenário midiático, partindo da observação
das práticas sociais midiáticas no telejornalismo. Apesar da
nomenclatura diferente de Strate, Braga e Levinson (2019), que
usam o termo “mídia” enquanto Scolari usa “médios”, existe
convergência nas propostas investigativas, que serão aprofun-
dadas e comparadas.
A mídia de massa, que sempre teve características hege-
mônicas, com os novos cenários, vem sendo obrigada a se
transformar para se adaptar aos novos tempos (pós-hege-
mônicos). Não é mais possível concentrar 70, 60 ou 50%
da audiência, por isso uma nova ecologia vem sendo dese-
nhada, com maior multiplicidade de mídias e plataformas,
com características mais participativas e maior diversidade
midiática disponível para o espectador.
Historicamente, é de 1970 uma das definições do termo
“ecologia das mídias”, atribuída a Neil Postman: “o estudo
das mídias como ambientes” (Strate, Braga, Levinsom, 2019,
p. 25). No entanto, há também registros de que, nos anos
de 1960, Marshall McLuhan já fazia referência ao termo. Na
atualidade, existe um esforço conceitual e teórico para uma
reapropriação do termo como nova ecologia das mídias, em
função das constantes mudanças pelas quais o cenário midiá-
tico passou nos último 20 anos. A reconfiguração atual do
cenário midiático revela que não é mais possível um processo
de comunicação de massa, no qual um único emissor trans-
mite informação para a massa, como se verifica na origem
dos primeiros processos e teorias da comunicação de massa,
com características de controle informacional, dominação
das mentes e poder de manipulação.
O desenvolvimento tecnológico, o surgimento de novas
formas de comunicação, de certa forma, alterou o processo
51
de comunicação de massa para outros múltiplos forma-
tos, telas e plataformas, de acordo com as necessidades dos
diversos públicos. “Da mídia de massa à massa de mídia”,
que propôs Ignácio Ramonet (2012), se tornou realidade. O
apocalíptico fim das mídias tradicionais (Rádio, Jornal, TV)
tem poucas chances de se efetivar, mas o avançado estágio
de mudanças, readequações e novas reconfigurações e práti-
cas sociais já está em curso. A partir dessas constatações,
é preciso investigar este novo cenário, as novas mídias, as
novas configurações das mídias tradicionais para identifi-
car a nova ecologia das mídias que está se reconfigurando,
com novas e velhas mídias convivendo com o espectador
em hibridação.
As teorias clássicas da comunicação precisam ser revi-
sitadas e confrontadas com este novo contexto midiático.
Algumas atualizações no que diz respeito à ideia de que as
mídias tradicionais são hegemônicas precisam ser investiga-
das, pois o cenário aponta para uma nova ecologia, em que
muitas mídias constituem o instrumental comunicacional
da sociedade contemporânea. Por isso, este estudo torna-se
pertinente e necessário, no sentido de acompanhar as novas
práticas sociais midiáticas.
52
Além disso, algumas observações sistemáticas, com recor-
tes pontuais dos telejornais selecionados, assim como das
novas mídias, como redes sociais digitais e internet foram
empreendidas, de forma virtual e com a possibilidade de
selecionar e armazenar conteúdo para análises mais detalha-
das. Os conteúdos observados e recortados foram analisados,
como forma de entender o funcionamento da mídia tradi-
cional e da mídia digital, em parceria, para identificar como
se reconfigura a estrutura midiática para a identificação de
uma nova ecologia dos meios na atualidade. A análise de
conteúdo foi selecionada porque “é uma técnica de investiga-
ção destinada a formular, a partir de certos dados, inferências
reproduzíveis e válidas que podem se aplicar a seu contexto”
(Krippendorf, 1990, p. 29). Uma primeira pesquisa especí-
fica sobre o telejornalismo pós-hegemônico na construção
de uma nova ecologia da mídia foi empreendida, inicial-
mente, para testar o potencial investigativo da proposta que
se pretende com este projeto. Começando com a televisão
em sua trajetória no Brasil, que se caracterizou pelas trans-
formações que ocorreram desde a sua implantação, em 1950,
como uma mídia que, aos poucos, se adaptou à realidade
da sociedade, tendo se tornado, ao longo do tempo, uma
fonte de informação e de entretenimento para boa parte da
população. Cronologicamente, a televisão atingiu seu ápice
como mídia hegemônica (Gramsci, 1997) no final dos anos
1970 e início dos anos 1980, sendo denominada como “prín-
cipe eletrônico”, por Ianni (1999), devido à sua influência
e poder. Nesse contexto, o telejornal foi selecionado como
objeto empírico desta pesquisa, porque ainda se configura
como um dos carros-chefes no horário nobre (prime-time)
das emissoras de televisão do país. Edições dos cinco telejor-
nais das emissoras de TV aberta: Jornal Nacional − Globo,
53
Jornal da Record − Record, Jornal da Band - Bandeirantes e
SBT Brasil – SBT foram recortadas e analisadas. Além disso,
foram entrevistados nove profissionais responsáveis pelos
telejornais, tanto quanto ao conteúdo como quanto ao plane-
jamento transmídia que cada uma delas adota. A seguir, o
quadro 1 com os entrevistados. De forma a não identificá-los
nominalmente, os entrevistados foram indicados por letras,
com seus respectivos cargos.
54
YouTube, TikTok e no LinkedIn, numa estratégia transmídia
que se dispõe a antecipar, reforçar e desdobrar o conteúdo
do telejornal para se aproximar dos telespectadores e inter-
nautas onde quer que eles estejam conectados. O armazena-
mento do conteúdo também fica disponível na íntegra, para
o espectador que não assistiu a transmissão, como uma espé-
cie de repositório do conteúdo exibido, em uma estratégia
croosmedia, ou seja, com o mesmo conteúdo exibido.
Uma das características desse uso de outras plataformas,
que vem sendo incorporado pelo telejornalismo brasileiro,
de maneira geral, é a plataformização (Van Dijck, 2019). De
acordo com Bell Owen (2017), o sistema de distribuição do
jornalismo sofreu mudanças desde a mudança do analógico
para o digital, depois, com a chegada da redes sociais digi-
tais e depois, com foco na mobilidade. “Plataformas digitais
como Facebook e Google passaram a dominar o mercado em
termos de audiência e obrigaram os meios de comunicação
a repensar processos e estruturas” (Kalsin, 2021, p. 34). Ao
repensar processos e estruturas se contribui para a configu-
ração de uma nova ecologia midiática que, no caso desse
estudo, tem como base o telejornal. Para a autora, “plata-
forma digital é um negócio baseado em tecnologia, que tem
como objetivo conectar pessoas e estabelecer relações de
troca comerciais ou não” (Kalsin, 2021, p. 34). De acordo
com ela, nesse contexto, surge então a plataformização do
jornalismo, que se trata de um processo de transformação
social, no qual a plataforma digital ocupa um papel central
nas relações entre pessoas e organizações:
ocorre quando organizações ou indivíduos produtores de
conteúdo jornalístico abandonam os métodos tradicionais
de difusão e passam a oferecer seus produtos e serviços por
meio das plataformas digitais. Ou seja, há uma adaptação
55
da lógica de produção jornalística às lógicas de funciona-
mento das plataformas (Kalsin, 2021, p. 34).
56
Quadro 2 - Redes e Plataformas Digitais na internet
57
sido muito positivo: “A gente tenta incorporar nessa música,
que está sendo mais tocada, que as pessoas ficam fazendo
só dancinha, a gente tenta incorporar um pouco de notí-
cia” (Entrevistada E, 2020, informação verbal). Faz parte da
estratégia do Jornal da Record estar conectado com o espec-
tador nas 24 horas do dia, por meio das redes sociais digi-
tais, com conteúdos complementares e curiosidades. Para
essa estratégia, o Jornal da Record acrescentou na logomarca
das redes do telejornal “24h” e por isso mantém uma equipe
de 50 jornalistas produzindo conteúdos complementares ou
reformatando conteúdos exibidos na televisão nas 24 horas
do dia. De acordo com a diretora de planejamento transmí-
dia, essa estratégia tem como objetivo manter o espectador
informado e conectado, mesmo que ele não assista o Jornal
da Record. No site R7, o Jornal da Record disponibiliza uma
série de conteúdo, com um podcast de 15 minutos que resu-
midamente aprofunda uma das principais matérias exibi-
das pelo telejornal, com a participação do apresentador, de
um repórter e de um especialista. Como ilustra a imagem 1,
a seguir, uma outra versão na íntegra do telejornal também
é disponibilizada em formato de podcast.
Imagem 1
58
Entre as estratégias de transmídia adotadas pelo telejor-
nalismo das cinco emissoras pesquisadas, além do espalha-
mento pelas diversas redes, existem algumas iniciativas de
transmissão ao vivo, como é o caso do Jornal da Cultura,
que transmite ao vivo o telejornal pelo YouTube e Facebook,
simultaneamente (pode ser assistido pelo celular), depois,
o conteúdo do telejornal fica disponível na íntegra, para
quem não assistiu no momento da transmissão, e também,
por meio de resumos nos quais as matérias são publicadas
individualmente nas redes sociais e no site da emissora (por
meio de uma publicação com foto e texto resumido, dife-
rente da matéria exibida no telejornal – em uma reformata-
ção de conteúdos). É uma forma de aproveitar ao máximo
o conteúdo produzido, revelou o “Entrevistado B” (2020).
Outra estratégia adotada pela emissora é uma parceria com
o portal de notícias UOL. De acordo com o diretor de multi-
mídia, trata-se de uma parceria, em termos de plataforma,
visto que o UOL, em contrapartida, tem em seu endereço
eletrônico um conteúdo relevante, com a credibilidade da
TV Cultura. A parceria também inclui a comercialização de
publicidade em conjunto, e a cessão de ferramentas tecno-
lógicas para a TV Cultura.
O Jornal da Band também realiza essa experiência de
transmissão ao vivo, concomitante na rede social digital
Facebook desde 2016. Além disso, os seguidores do perfil
também recebem uma notificação antes do telejornal come-
çar a ser exibido. Após a exibição no horário tradicional,
todo o conteúdo fica disponível no YouTube.
Os demais telejornais (Jornal Nacional, Jornal da Record
e SBT Brasil) mantêm a transmissão tradicional via televisão,
mas também disponibilizam seus conteúdos em redes sociais
digitais, como é o caso do SBT Brasil e Jornal da Record, que
59
disponibilizam o conteúdo no YouTube. O Jornal Nacional
disponibiliza o conteúdo apenas na plataforma G1, do
grupo Globo.
O SBT Brasil criou, em 2020, um portal de informações
– SBT News, cuja proposta é manter o espectador informado
além do conteúdo e da exibição do telejornal pela TV, que
tem como slogan “sua fonte segura de informação”. Com
textos curtos, fotos e resumos de reportagens, “ele nasceu
como uma demanda institucional” (Entrevistado H; infor-
mação verbal, 2020), e busca preencher uma lacuna entre os
jornais da manhã e os da noite (em São Paulo não há edição
de telejornal na hora do almoço). Além disso, a emissora
disponibiliza um aplicativo que pode ser baixado no celu-
lar para receber notícias além da exibição do telejornal. De
acordo com chefe de redação do SBT Brasil, a emissora é
uma parceira do YouTube porque foi a primeira emissora
do Brasil a colocar o seu conteúdo na plataforma, “e virou
uma audiência fantástica do YouTube no Brasil, sendo que
de 15 a 20% da audiência do YouTube no Brasil é do SBT”
(Entrevistado H; informação verbal, 2020). Ele também
explicou como funciona a estrutura comunicacional de
distribuição de conteúdo do SBT Brasil: “Hoje, a maior parte
do conteúdo do SBT Brasil está no YouTube, dentro da área
SBT jornalismo [...] e a gente acaba distribuindo por rede
social, sim, a gente tem uma estrutura dentro do ecossis-
tema do SBT” (Entrevistado H; informação verbal, 2020).
Foi nesse ecossitema novo que surgiu a plataforma SBT News
para manter o telespectador da emissora informado.
O Jornal da Band, mesmo não tendo uma equipe especí-
fica para transmídia, alimenta as redes sociais digitais com
o conteúdo produzido pela equipe do telejornal. De acordo
com o chefe de jornalismo da emissora, existe um novo braço
60
da empresa, que visa ter um alcance maior do conteúdo,
além da exibição na televisão. Por isso, os próprios editores
do telejornal preparam e publicam esse material nas redes
sociais digitais: “Hoje, as pessoas consomem o conteúdo da
televisão na internet, no YouTube, no Facebook, no Twitter”
(Entrevistado F; informação verbal, 2020).
A participação do telespectador no telejornalismo
contemporâneo dos cinco telejornais estudados tem sido uma
preocupação para todos os envolvidos na produção. Os cinco
telejornais analisados, em suas plataformas digitais possuem
espaço para o envio de sugestões e, nas redes sociais digitais,
também para comentários e seguidores, o que corresponde a
um certo nível de engajamento que precisa ser analisado em
outros desdobramentos desta pesquisa. Efetivamente, apesar
de todos os representantes dos telejornais terem admitido que
monitoram comentários e sugestões, nenhum deles responde
aos mesmos, para evitar possíveis polêmicas e, consequen-
temente, um desgaste virtual da página dos telejornais. Para
o chefe de redação da Band, o ambiente na rede estimula
emoções muito extremas: “Então a gente tem discursos de
ódio muito fortes, então a gente tenta evitar, nesse caso, não
responder” (Entrevistado F; informação verbal, 2020).
Efetivamente, a participação se materializa de forma mais
diferenciada em dois dos telejornais pesquisados, o Jornal da
Record e o Jornal da Cultura. No primeiro, a participação do
espectador é materializada por meio de um quadro dentro do
telejornal, no qual é elaborada a previsão do tempo especí-
fica para um telespectador de alguma localidade do país. No
segundo, quando os comentários enviados pelos espectado-
res são inseridos em uma tarja na borda inferior da tela, com
a identificação do perfil do telespectador, durante todo o tele-
jornal e no final, quando algumas opiniões de espectadores
61
podem ser discutidas pelos comentaristas na bancada do tele-
jornal. De acordo com o diretor de multimídia da TV Cultura,
com a participação, a equipe do telejornal consegue ter um
feedback do telespectador e isso ajuda na tomada de decisão.
Desta forma, ao se propor um quadro de categorias, que
possa expressar a reconfiguração de uma nova ecologia midiá-
tica, que tem o telejornal como elemento central ou inicial da
cadeia produtiva de informação, conforme o número 1, na
Imagem 1 (a seguir). Esse novo escossistema transborda, se
espalha na perspectiva crossmedia, de acordo com número 2
(a seguir) – dentro de algumas redes sociais digitais (Facebook,
Instagram, YouTube e LinkedIn), como uma estratégia de recu-
peração do conteúdo veiculado na TV. Por último, no número
3 (a seguir), o conteúdo é reformatado, ampliado ou resumido,
depois distribuído em diversos formados como podcast, maté-
rias (impresso), como estratégias de transmidiação de antecipa-
ção e de aprofundamento do conteúdo exibido na TV, por meio
dos sites das emissoras e de aplicativos.
62
O quadro de categorias apresentado na Imagem 1 acima com
uma proposta para um ecossistema para o telejornalismo plata-
formizado, com as principais possibilidades de ampliação, repe-
tição e desdobramento do conteúdo do telejornal para as mais
diversas plataformas e nos mais variados formatos, como se
identificou neste estudo, revela o universo informacional recon-
figurado e ampliado do telejornal. Além da grande disponibili-
dade de informação nas mais variadas plataformas e formatos, o
cenário caracterizado por um telejornalismo transmídia e cros-
smedia plataformizado revela que o espectador não depende
do telejornal – considerado a base ou o ponto de referência e
de partida dos demais conteúdos – para se informar. A partir
de suas preferências pessoais, cada espectador pode escolher
como e onde deseja e consegue se informar, graças à ampliação
do volume de informação do telejornal e de suas ramificações
dentro desse ecossistema, no qual todos convivem em colabora-
ção e não mais como concorrentes, como foi no passado recente,
quando o telejornal não distribuía seu conteúdo além da trans-
missão televisiva.
Considerações finais
63
(2015) E Postman (2000), a partir de novas abordagens e
apropriações do telejornalismo, com a produção e distribui-
ção de notícias nos cinco telejornais investigados, em dife-
rentes plataformas. Na nova ecologia do telejornalismo, a
exibição do conteúdo em TV aberta, em sites e redes sociais
digitais convivem, com usuários/telespectadores em um
ambiente plataformizado caracterizando o ecossistema.
Confirmou-se a hipótese levantada de que o fenômeno da
plataformização no telejornalismo contribui para caracteriza-
ção de uma nova ecologia do telejornalismo, na qual há convívio
e colaboração de diversas plataformas. Desta forma, a televisão
pós-hegemônica se apresenta como uma realidade, porque a
TV aberta, mesmo apresentando o dado de que 75% da popula-
ção brasileira consumiu televisão, esse dado não reflete a perda
da centralidade da TV, devido ao fenômeno da plataformiza-
ção do telejornalismo, que se identificou na pesquisa como uma
estratégia das emissoras de televisão para distribuir seus conteú-
dos jornalísticos em diversas plataformas, como internet, redes
sociais digitais, aplicativos, entre outros.
Considerou-se que a plataformização tem reconfigurado
as práticas sociais no telejornalismo e também as relações
entre jornalistas, empresas de mídia e público, na medida
em que todos estão embricados dentro de um novo ecossis-
tema midiático, em que a participação do público se firma
como uma estratégia para atender as demandas dos consu-
midores que, por sua vez, buscam acesso às notícias de forma
rápida e de acordo com a sua conveniência, seja por meio de
dispositivos móveis, laptops ou televisores. Com a platafor-
mização, os cinco telejornais analisados buscam ampliar sua
audiência e engajamento com o público. Com isso, o telejor-
nalismo plataformizado se apresenta como uma resposta às
mudanças de hábitos de consumo de mídia que, por meio da
64
tecnologia digital, buscam atender a conveniência e a perso-
nalização do público na hora de acessar notícias.
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3
Telejornalismo em recortes: os telejornais
na timeline da audiência em rede
Laerte Cerqueira
Fabiana Siqueira
Kellyanne Alves
Daisy Feitosa
69
dos “fluxos de influências múltiplas e fluxos de influências
recíprocas” (Alves, 2022).
Fluxos esses que podem também ser ancorados em
Jay David Bolter e Richard Grusin (2000), quando trazem
à tona os conceitos de imediação e hipermidiação para
discutir a lógica de representação dos meios, com base em
processos de transparência e opacidade, respectivamente.
De modo que a hipermidiação agiria no sentido de tentar
“reproduzir a rica experiência sensória humana” (Bolter,
Grusin, 2000, p.34), e o marcador midiático é percebido
de forma clara, ou seja, há uma interação consciente do
público; enquanto a imediação acontece quando há uma
experiência imersiva e orgânica, de forma que o meio já
não é o centro das percepções humanas.
É um cenário responsável pelos novos contornos e
frequentes transformações ocorridas na produção jornalís-
tica para as multitelas. São transformações que resultam da
estruturação redacional que é denominada por Kellyanne
Alves (2022) como “redação alargada”. Alves defende essa
reconfiguração da nova redação jornalística a partir do
conceito de jornalismo pós-industrial (Anderson; Bell;
Shirky, 2014, p. 14-15) que pensa a “nova redação fragmen-
tada, dispersa e em rede” que “estão se transformando em
operações integradas onde convergem conteúdos, vendas,
marketing e uma série de outras funções”.
Um alargamento que traz implicações tanto no fazer jorna-
lístico quanto no consumo noticioso. Isso porque os fluxos
fragmentados e líquidos dos conteúdos noticiosos são distri-
buídos em rede nas diversas telas das mídias e plataformas
digitais. Por exemplo, a equipe de um telejornal, ao selecio-
nar e relatar um acontecimento cotidiano, necessita elaborar
a notícia de forma que se expanda e escoe na programação da
70
TV linear, na plataforma de streaming da emissora e na time-
line das mídias sociais das inúmeras audiências.
Nas diversas telas, o conteúdo telejornalístico neces-
sita engajar, gerando fluxos de influências. A apropriação,
propagação e replicação dos conteúdos e assuntos nas mídias
sociais retroalimentam a redação alargada que busca cada
vez desenvolver estratégias que atendam aos novos hábitos e
experiências de consumo das múltiplas audiências, especial-
mente as audiências ativas que são ávidas pela colaboração e
interação com a redação jornalística e atuam na construção
da notícia como fontes ativas (Alves, 2022).
As redes sociais se tornaram espaços para o redimen-
sionamento do alcance de vários produtos jornalísticos,
entre eles, o telejornal, que chega às audiências ativas. Nesta
pesquisa, de natureza qualitativa, de cunho teórico-analí-
tico, buscamos discutir o conceito proposto neste estudo de
telejornalismo em recortes, tendo como referência o ecossis-
tema midiático digital em rede numa redação alargada. O
foco é voltado a partir do uso de dois agentes desse ecossis-
tema: as emissoras de TV e o Instagram utilizado pelos tele-
jornais brasileiros.
71
sempre foram sujeitos ativos. No princípio, usavam recur-
sos disponíveis advindos do rádio (as técnicas de locução
e o texto no formato de manchetes) e do cinema (câmeras,
enquadramentos e técnicas de montagem), com conteúdo
mais falado do que imagético e com um protagonismo dos
apresentadores. Posteriormente, com a chegada dos video-
teipes, em 1960 (Rezende, 2000), houve uma maior inser-
ção dos repórteres, marcando presença no local de gravação,
entrevistando pessoas e aparecendo diante das câmeras.
As décadas de 1990 e 2000 marcaram ainda o início do
processo de digitalização das emissoras de televisão (Fechine;
Figueirôa, 2010). Foi nessa fase, no Brasil, que surgiu a inter-
net comercial (1995), os smartphones1 e as primeiras redes
sociais no país (ambos no início dos anos 2000), abrindo
espaço para conexões em rede e a interoperabilidade dos
dispositivos. Tudo isso teve impacto nos formatos das notí-
cias que se expandiram, trazendo uma abertura para expe-
rimentações e novas possibilidades. Os meios de veiculação
também mudaram.
No Brasil, não há muitos pesquisadores que dedicaram
estudos sobre os formatos das notícias e como as mesmas
vêm mudando ao longo dos anos. Entre os autores que já
publicaram trabalhos envolvendo algum aspecto desta temá-
tica estão Pedro Maciel (1993), Guilherme Jorge de Rezende
(2000), Herótodo Barbeiro e Paulo Randolfo Lima (2005),
José Carlos Aronchi de Souza (2015) e Fabiana Siqueira
(2012). Desses, o último, de Siqueira (2012), identifica, pelo
menos, catorze (14) formatos da notícia utilizados nos tele-
jornais na era digital: nota, nota ao vivo com imagens, nota
72
coberta, reportagem, ao vivo, stand up, display ou duet ou
telão, entrevista, sonora, comentário, audioteipe, chamada,
virtual, híbrido ou multiformato.
A nota simples envolve apenas a fala do apresentador ou
apresentadora, a nota ao vivo com imagens é a participação
do apresentador sobreposta por cenas ao vivo ou editadas e
a nota coberta pressupõe o uso de uma cabeça2 precedida de
off, como é chamado o texto gravado em que posteriormente
são inseridas imagens na ilha de edição (Siqueira, 2012). A
reportagem conta com a participação de um repórter na
apuração e na condução da notícia, sendo um dos formatos
mais completos do telejornal, envolvendo elementos como:
cabeça, off, passagem3, sobe som4, sonora5 e nota pé6.
A entrada ao vivo tem relação direta com a participa-
ção instantânea do repórter ou entrevistado durante a exibi-
ção do telejornal. O stand up é semelhante à entrada ao vivo,
porém feita de forma gravada pelo repórter, seja por impos-
sibilidade de entrar ao vivo, ou seja, para otimizar o horário
das equipes de reportagem ou pela facilidade de edição do
formato, entre outros fatores.
A entrevista envolve a escuta de alguém como tema
central e pode ser gravada ou ao vivo, contendo a interação,
73
as perguntas e as respostas. Já a sonora é um trecho de alguma
entrevista selecionada e veiculada no telejornal como um
formato específico. O comentário tem a ver com a partici-
pação de um comentarista e o audioteipe é a entrada ao vivo
ou gravada somente por áudio do repórter e entrevistado.
A chamada, como o nome diz, abrange o destaque dentro
do telejornal de algum assunto de outro programa com a
finalidade de atrair a audiência para a grade de programa-
ção da emissora. O virtual “está atrelado à presença de um
cenário construído artificialmente por imagens computado-
rizadas” (Siqueira, 2012, p. 184) para transmitir determinada
notícia e o híbrido ou multiformato diz respeito ao uso de
dois ou mais formatos de forma simultânea para transmitir
um mesmo assunto. Pode ser, por exemplo, uma entrada ao
vivo, com repórter chamando uma reportagem acrescida de
sonora, nota coberta, etc. Há ainda os editoriais, que envol-
vem o posicionamento efetivo da emissora com foco em
algum assunto ou situação de destaque.
No momento atual, esses formatos não estão presen-
tes apenas na televisão, mas em outros meios. Da TV ao
vivo, os conteúdos passaram a ser visualizados em múltiplas
telas, através de plataformas de streaming, portais de notí-
cias, repositórias de vídeo (Youtube) e redes sociais (tanto
das emissoras quanto dos usuários), sendo vistos, revistos e
ressignificados. Conforme Emerim, “a maior inovação neste
aspecto foi a possibilidade de arquivamento destes produtos.
Um diferencial que muda a forma de consumo e exige uma
nova percepção, por parte das empresas, de como o público
ou a audiência vem acessando e compartilhando conteúdos”
(2020, p. 113).
É nesse sentido que Emerim propõe o conceito de “tele-
jornalismo como o jornalismo produzido para as telas de
74
visão, de diferentes suportes para diversas plataformas”
(2020, p. 113). Um telejornalismo que não se limita mais a
um suporte de visualização, inserido no ecossistema midiá-
tico, podendo ser acessado e compartilhado a qualquer
momento e que se molda, utilizando, adaptando e criando
novos formatos, voltados para os outros meios e suas diver-
sas audiências.
75
Uma audiência que, a partir das múltiplas telas, também
age de maneira expandida. Ou seja, é uma audiência que
expande “seus ambientes de ação, porque sua atuação tem
poder de expandir a presença do conteúdo jornalístico ao
espalhá-lo e de expandir o sentido da obra ao adicionar
novas camadas de conteúdo, porque expande a tempora-
lidade e espacialidade”, consumindo conteúdos “quando e
onde quiser” (Guimarães, 2023, p.215).
As características de fluxos de conteúdos da timeline
funcionam também como espaços de redimensionamento
do alcance do produto telejornal, que chega ao público não
por uma grade de programação determinada, mas pela time-
line de uma audiência ativa, potente e expandida geradora
de novos hábitos e experiências de consumo. Um conteúdo
que chega proveniente dos telejornais, porém que se ampli-
fica e é adaptado ao novo ecossistema midiático digital e
em rede. Para isso, os conteúdos do jornalismo audiovi-
sual passam também por transformações na sua linguagem,
edição e temporalidade com vídeos fragmentados e curtos,
além da interferência nos conteúdos a partir do monitora-
mento dos dados nas redes sociais. Isso foi o que se verificou
nos resultados da pesquisa sobre as percepções de jornalistas
das redações de duas emissoras de TV linear de sinal aberto
no Brasil, Rede Globo e Rede Record, ao analisar os impac-
tos da internet, aplicativos e conteúdos sob demanda frente
ao conteúdo noticioso televisivo (Alves, 2023).
O estudo demonstrou que, no caso da emissora Record,
os insights obtidos pelas redes sociais ao mapear os hábi-
tos de consumo de vídeo e preferências por determinados
assuntos pelas audiências interferem no conteúdo exibido
na edição do telejornal na TV na busca de gerar tráfego e
engajamento nas redes sociais. “A partir de análise da área
76
de Business Intelligence (BI), a emissora monitora essas
redes sociais on-line gerando diagnósticos que impulsio-
nam decisões baseadas em dados. Estes dados interfe-
rem diretamente no conteúdo noticioso exibido” (Alves,
2023, p. 8-9). No caso da Rede Globo, a pesquisa apontou
que na percepção dos jornalistas a expertise e a qualidade
do conteúdo audiovisual noticioso geram um diferencial
competitivo nas redes sociais frente aos outros conteúdos
jornalísticos audiovisuais.
77
A rede social digital Instagram, que nasceu em 2010 como
galeria virtual de imagens paradas, fotografias, foi se mode-
lando às práticas dos usuários, ganhou movimento, vídeos
amadores, caseiros, curtos, mas também virou vitrine da
produção tradicional audiovisual comum em outras telas.
Ao ampliar suas possibilidades de abrigar novos conteúdos
audiovisuais de formatos e tamanhos diferentes, foi abrindo
espaço para a transmidiação e crossmidiação (Jenkins, 2013)
com conteúdos produzidos para as telas.
Em um primeiro momento, destaca-se que o consumo
desse conteúdo tem uma característica primordial: não se
faz acompanhando uma grade de programação, não tem
sequência linear, e escorre pela linha do tempo, timeline, dos
celulares ou de aparelhos similares que permitem o acesso
às contas nas redes sociais. É consumido, por sua vez, sob a
escolha das audiências ativas, potentes, expandidas (Alves,
2019; Mesquita, 2014; Guimarães, 2023), quando abre sua
ágora digital, em busca de suas preferências e afinidades. É
também estimulada pelo impulsionamento dos algoritmos,
das estratégias de engajamento de conteúdo no universo da
rede (Castells, 1999) e suas plataformas digitais.
Somente como exemplo prático desta reflexão para
chegarmos à construção inicial do conceito e característica
desse telejornalismo em recortes, proposto neste estudo, é que
se coloca os olhares sobre as contas de dois dos principais tele-
jornais do horário nobre, na televisão aberta, Jornal Nacional
e Jornal da Record, que têm espaço específico no Instagram.
Ou seja, as marcas JN e JR (abreviações) não estão dentro de
uma conta geral das emissoras, Globo ou Record, respecti-
vamente. Os telejornais têm suas próprias contas, o que não
acontece com Jornal da Band e Jornal do SBT, pertencentes a
outras emissoras brasileiras de TV linear de âmbito nacional.
78
Mas como seus gêneros e formatos estão se expandindo
para essas redes? Quais as características que predominam
no diálogo, na experiência ampliada de produção, divulgação
e compartilhamento do conteúdo, que nasceu para preencher
o tempo de um telejornal ao vivo e chega nas telas no deslizar
dos dedos? No entendimento aqui posto, há dois objetivos
principais: primeiro, funcionar como “isca” para o consumo
integral/parcial, no modelo on demand a partir de platafor-
mas de streaming, com conteúdo baixado ao mesmo tempo
que o usuário o assiste. É o que se pode observar, por exem-
plo, em publicações feitas na rede social no mês de maio de
2023, recorte feito de maneira aleatória nas contas dos dois
telejornais. Os sinais evidentes disso estão explicitados nos
pedidos para ver o conteúdo completo por meio do link8
dos telejornais no ambiente onde os vídeos ficam embeda-
dos para consumo nas plataformas.
Segundo, apesar de serem fortes vitrines virtuais das redes,
reproduzem e remodelam conteúdo do telejornalismo feito
para a televisão tradicional, com informações para se adequa-
rem àquele ambiente, cumprindo a função de orientar, tradu-
zir fatos e produzir conhecimento de maneira pedagógica e
contextual (Cerqueira, 2018); e fortalecem a presença, a credi-
bilidade do produto telejornal nas redes. Este é o ponto focal
desta reflexão. Onde o telejornalismo em recortes ganha força
para ser autoexplicativo na rede social, mas deixa o rastro da
curiosidade do consumo em outro ambiente on-line/digital?
Tem-se efetivado também um novo espaço para amplia-
ção da audiência consumidora que fica diante de outro
79
caminho importante, o do comentário, da crítica, do elogio e
do debate entre os usuários, em espaço destinado à audiência
da internet; estimulado, claro, pelo produto que foi apresen-
tado ali, com todas as digitais do telejornalismo considerado
tradicional, para a tela tradicional da TV linear. Uma audiên-
cia ativa e expandida que consome, interage e colabora com
os produtos jornalísticos transmídia, ao passo que se reapro-
pria ao distribuí-los e remixá-los.
Essa característica, apesar de não ser foco da discussão
neste trabalho, já se coloca diante de um aspecto importante
desses recortes de telejornais “subidos” (termo usado para
descrever a colocação de um vídeo numa plataforma digi-
tal) nas redes sociais. Um lugar para o ver-dizer, ver-ana-
lisar, ver-criticar, ver-elogiar, ver-rever, ver-compartilhar.
Um lugar de expor impressões e compartilhar sensações ao
consumir a produção do telejornal na timeline.
Quando se observa a estrutura do produto, o que se
percebe, primeiramente, é a manutenção de formatos e gêne-
ros básicos do telejornalismo tradicional, como reportagens,
notas cobertas, notas secas, stand-up, editoriais, como foi
ao ar, na programação da emissora de TV. As adaptações
não são feitas dentro do conteúdo, que é reproduzido como
apareceu na tela tradicional da TV. Mas é no seu entorno,
dentro de um novo ambiente de veiculação, onde verifica-se
técnicas para inseri-lo a partir de um novo relevo midiático.
Observa-se que os processos de transmidiação e cros-
smidiação (Jenkins, 2013) fortalecem a audiência da tela
tradicional, também ávida por falar e ser ouvida nos espa-
ços dados pela rede, em tela compartilhada. Fortalece ainda a
presença no ambiente virtual, fundamental em um momento
de múltiplas formas de consumo de conteúdo do jornalismo,
por meio das conexões via internet. Registra-se, em seguida,
80
a identidade visual das publicações, que seguem um padrão
conhecido de quem consome os telejornais pela TV tradi-
cional. Características mantidas nas redes, com suas cores,
tipografia, escala, estilo de texto-suporte; manchetado em
uma tarja principal.
Na conta do Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão,
por exemplo, o conteúdo das notas secas que tem começo, meio
e fim, notas cobertas e editoriais, mais curtos, são reproduzi-
dos na íntegra em uma postagem. Nesses casos, são retirados o
trecho inteiro da “fala” do apresentador, o âncora. Já nas posta-
gens realizadas na rede social do Jornal da Record, da Rede
Record de Televisão, não são somente os formatos com menor
conteúdo (nota, nota coberta) que são postados na íntegra. As
reportagens, mais longas e interpretativas, também são repro-
duzidas integralmente, incluindo o momento de apresentação
do conteúdo feito pelos apresentadores, o que no telejornalismo,
chamamos de cabeça. Tem-se aqui um conteúdo do telejorna-
lismo transpositivo (Silva, Rocha, Silva, 2018).
Há uma estratégia de fortalecer e chamar o leitor/inter-
nauta para consumir a produção de matérias. É o que acon-
tece na conta do Jornal da Record, no Instagram, que é usada
para “promover” os assuntos disponíveis no R7, portal de
notícias da Rede Record de Televisão. O conteúdo nem
sempre está em formato audiovisual no Instagram do JR,
como foi ao ar no referido telejornal. Também são postadas
as chamadas do Jornal da Record que foram ao ar na progra-
mação da TV aberta. Nelas são apresentadas as notícias que
irão ao ar horas depois. Conteúdo que fica “velho”, após a
exibição do telejornal, e ainda assim é mantido na rede.
Outra característica é o fortalecimento da marca. O
JR busca, com publicações, fazer isso, nem sempre com o
conteúdo que vai ao ar na TV aberta, visto que a conta abre
81
espaço, por exemplo, para divulgação de podcast produzido
pelo apresentador do telejornal, com um tema específico que
virou assunto de uma reportagem. Explora ainda o uso do
recurso de transmissão ao vivo da edição da tarde, denomi-
nado JR 24 horas. Nesse caso, o mesmo conteúdo da TV é
transmitido simultaneamente no Instagram do JR.
Além dos trechos de reportagens, as contas do Instagram
do Jornal Nacional e do Jornal da Record possuem imagens
fixas, frames da reportagem que foi ao ar, com textos
manchetados sobre a foto (imagem parada) e escritos na
área destinada à descrição/comentário sobre a imagem. Para
corroborar com as discussões teóricas aqui propostas sobre
o conceito de telejornalismo em recortes, vale ressaltar que
esta pesquisa aplicou um questionário com viés qualitativo.
A intenção foi contemplar a lógica da redação sobre como
as notícias são projetadas e organizadas para publicação na
mídia televisiva e nas redes sociais, ou seja, o contexto de
expansão das notícias jornalísticas. E confirmando as discus-
sões teóricas trazidas anteriormente, Renata Garofano, coor-
denadora de produtos originais multiplataforma da Record
TV, em entrevista aos autores da presente pesquisa, refor-
çou que as plataformas digitais são consideradas parte do
processo produtivo do jornalismo da emissora, e para cada
pauta uma “extensão digital é pensada”. O que não signi-
fica que todas sejam aprovadas ou rendam o que chama de
“conteúdo extra” (informação verbal). E faz parte do planeja-
mento, segundo ela, optar pela criação, nas plataformas digi-
tais, de um conteúdo exclusivo, uma extensão da reportagem
da TV ou até mesmo a replicação da mesma.
De certa forma, entende-se que as decisões e estraté-
gias interferem significativamente no modelo de negócios
e na política editorial da empresa jornalística, considerando
82
que as publicações nas redes sociais e plataformas digitais
são fatores relevantes para também alavancar a audiência e
para se atingir e atrair diferentes audiências. Por isso, reforça
Garofano, ser “fundamental” que haja planejamento visando
a promoção de conteúdos da TV, a saber: “Criar peças,
chamadas em vídeo, stories com repórteres ou até mesmo
o personagem/vítima da matéria é importante para atrair
público” (informação verbal). Ou seja, a partir da matriz da
linguagem jornalística e das técnicas de produção utiliza-
das nas redações, conteúdos são concebidos, remodelados
ou adaptados e divulgados a partir de diferentes mediações
e ferramentas, como reforçam Bolter e Grusin (2000, p. 17):
Tecnologias midiáticas constituem redes ou híbridos que
podem se expressar em termos físicos, sociais, estéticos e
econômicos. A introdução de uma nova tecnologia midiá-
tica não significa somente inventar um novo programa ou
nova ferramenta, mas moldar (ou remodelar) tal rede. […]
As novas mídias digitais não são agentes externos que vêm
perturbar uma cultura desavisada. Elas emergem de con-
textos culturais e remodelam outras mídias, que estão inse-
ridas em contextos iguais ou semelhantes (Bolter; Grusin,
2000, p. 17).
83
televisão muitas vezes é apenas uma transposição do que
foi veiculado na TV, de forma que o vídeo é publicado
quase sem adaptação e, até, na íntegra. O que, por exem-
plo, também pode ser identificado no Instagram da Record
TV. Perguntada se a decisão da emissora pode estar rela-
cionada à consolidação da linguagem telejornalística na
internet ou se tem a ver com a rotina sobrecarregada da
equipe de jornalismo, ela confirma as duas hipóteses, ao
declarar: “Com a correria, a produção de conteúdos exclu-
sivos digitais é limitada. E postar na íntegra as matérias
mais relevantes, aumenta o alcance. Novas pessoas terão
acesso ao conteúdo e quem já viu na TV, pode ver nova-
mente e compartilhar o conteúdo que chamou a atenção”
(informação verbal).
Outro fator que este estudo percebeu foi que o Instagram
do JR chama matérias do Portal R7 e, às vezes, não insere
o link da matéria do próprio JR. Garofano explica que
o Instagram do JR “vai além do Instagram do programa”
(informação verbal), ou seja, é sobretudo uma página de
jornalismo. Por isso, “chama” outras matérias que são rele-
vantes no dia a dia. A respeito da inserção ou não do link, ela
diz que “é uma estratégia da equipe de publicação, que avalia
cada conteúdo” (informação verbal).
Por outro lado, consideramos que o Jornal Nacional
traz elementos mais fortes que nos ajudam a entender o uso
do telejornalismo em recortes, nessa fase expandida (Silva,
Rocha, Silva, 2018) para não só marcar presença na rede, mas
para fortalecer simbolicamente a produção que vai ao ar na
grade de programação dentro de um telejornal. Realiza isso
com a manutenção de uma estrutura base, trazendo elemen-
tos novos e complementares, não necessariamente audiovi-
suais, mas textuais e hipertextuais (Canavilhas, 2014).
84
No caso do Jornal Nacional, no qual se atém aqui por
causa das características de publicação, as reportagens maio-
res têm pontos estratégicos de recorte e resignificação. Não
são colocadas na íntegra. Com corte pontual, a história é
entendida, mas, como sempre ficam trechos de fora, quem
deseja mais, pode ficar com a sensação de faltar algo. Em
algumas publicações, esse “algo a mais”, é completado com
o texto que vem abaixo do vídeo, na legenda.
Outras vezes, o texto, como breve relato coeso, claro
e conciso, é sucedido por indicações de como obter mais
informações, da história inteira, no link da plataforma de
visualização dos vídeos. Nesse caso, Globo Play. É quando
se espera que a ‘isca’ seja mordida para a audiência sair da
rede e entrar com um clique no site que a reportagem foi
embebida. Não significa que o movimento irá ocorrer com
o usuário, mas caso esse não seja o desejo, o recorte feito da
reportagem, agregado ao texto complementar sobre a tela
ou abaixo do vídeo são suficientes para entender do que
se trata o conteúdo veiculado naquele ambiente da rede.
Em ambos os casos, a identidade do telejornal, a digital do
conteúdo que vai ao ar na emissora de TV, feito para a tele-
visão tradicional, fortalecem-se numa grande comunidade
digital estável e desenvolvida. A estrutura base do telejorna-
lismo tradicional reconfigura seus moldes às novas condi-
ções, à nova biomídia.
Na conta do JN no Instagram, identificamos ainda vídeos
gravados pela “garota do tempo”, dando informações de
maneira exclusiva para o seguidor da rede e fotos dos apre-
sentadores, com textos anunciando a edição do dia. Mas a
título de exemplo, focados no conteúdo em áudio e vídeo e
com a finalidade apenas de esclarecer detalhes e estabele-
cer as fronteiras do conceito de telejornalismo de recortes,
85
pontuamos as impressões deixadas em dez publicações feitas
em 5 dias do mês de maio de 2023, entre 11 de 16.
Todas têm trechos de reportagens que variam de 1 a 2
minutos. Lembrando que são trechos emblemáticos da
reportagem, onde os elementos narrativos para entender a
história são priorizados. Não houve nesse período trechos
de editoriais, notas cobertas ou notas secas, que costumam
ser publicadas na íntegra, diferentemente da reportagem que
precisa ser recortada, como já observado. Foi possível veri-
ficar ainda que os textos usados nas descrições, com expli-
cações principais, são os mesmos do off do repórter. Não há
padrão. Às vezes, usado na íntegra, outras vezes, com ajus-
tes, pequenas mudanças e alterações.
Em todos os casos, é como se o texto escrito pelo repór-
ter de TV ou editor da matéria estivesse disponível, descrito
como legenda para o usuário da rede. Em algumas publica-
ções, para chamar atenção são usados títulos em caixa alta
(letras maiúsculas), que se destacam na composição, com
uma ou duas palavras, algumas vezes de maneira similar à
retranca, nome dado ao título das reportagens, que os jorna-
listas de televisão usam para identificar as reportagens no
espelho9 ou nas capas de pauta10. Como exemplo, destacam-
-se as palavras-chave: desabamento, histórias afro-brasileiras,
celulares, cultura. Pode-se perceber que não há preocupa-
ção de como as palavras podem identificar com precisão do
que se trata a reportagem, como se faz com a retranca, mas
o tema central que será trazido.
Ao comparar a publicação na rede com a reportagem na
íntegra que foi ao ar, disponível no aplicativo de reprodu-
ção de vídeo, verifica-se que, no recorte feito para as redes
86
sociais, o texto da cabeça do apresentador é transformado em
título (manchete) sobre a imagem. Nos vídeos da rede social,
o apresentador não aparece e esse texto acaba sendo a ponte
para anunciar de maneira direta e rápida do que se trata a
reportagem, sem necessidade de iniciar a execução do vídeo
para que fique claro qual o assunto do produto do telejornal.
E as informações complementares feitas pelo apresentador
em estúdio após a exibição de alguns conteúdos no telejornal,
chamadas de nota-pé, são inseridas na legenda do Instagram,
deixando a audiência ciente dos desdobramentos da notícia.
No telejornalismo em recortes, a linguagem televisiva
tradicional é mantida, transportada para chegar a outro
espaço do ecossistema midiático digital em rede. A esté-
tica televisiva se encaixa no desenho da rede social digital,
em busca de novas audiências ou de “velhas” audiências em
nova forma de consumo, com possibilidade de engajamento,
interferência e reconexão. Não há o que se falar em lingua-
gem nova no conteúdo, forma de construção, mas na forma
de aparição, de inserção na multimidialidade (Salaverría,
2014), fortalecimento da marca e presença por meio de
novas conexões.
Além dos textos que acompanham vídeos retirados do
telejornal e recortados para um novo ambiente, são prati-
camente obrigatórios nas publicações, elementos da lingua-
gem das redes sociais, hipertextos, hiperlinks, com frases
direcionais, símbolos como a da cerquilha (#), seguida de
uma palavra ou expressão, que completam o conjunto da
hashtag. Uma combinação correta que liga a publicação a
outros conteúdos, em outros ambientes e indexa temas, nesse
caso, nomes do telejornal, do tema abordado na rede, impul-
sionando, potencializando a relevância no processo de circu-
lação virtual, elemento importante para conexões entre os
87
usuários e seus discursos, expressão da cultura transmidiá-
tica (Sens; Palazzo, 2016).
Considerações finais
88
aleatória. O telejornalismo em recortes envolve a reconfigura-
ção do conteúdo adaptado a um novo ambiente do ecossistema
midiático digital em rede, visando atingir novas audiências ou
reforçar laços criados com quem já costuma acompanhar o
programa jornalístico televisivo. Os formatos das notícias são
adaptados conforme a necessidade. É uma forma de amplifi-
cação da audiência, que se expande para outros meios. É ainda
uma estratégia para atrair engajamento, que serve para atiçar e
levar a audiência para outras plataformas e gerar tráfego na rede
e até mais, retroalimentar o diálogo entremeios. Serve também
como uma forma de reafirmar a linguagem e suas matrizes e para
ressignificar a sua existência em território digital, redefinindo a
linha editorial, conectada ao formato da notícia, à medida que
“afeta diretamente o processo de produção do jornal, é o news-
making” (Venâncio, 2017).
O jornalismo assim configurado, está visivelmente atre-
lado às características delineadas por Kawamoto para o
jornalismo digital, ao citar hipertextualidade, interatividade,
não-linearidade, multimidialidade, convergência, custo-
mização e personalização. Sendo que as mais marcantes, na
leitura feita aqui, estão a hipertextualidade, a customização
e a personalização, uma “habilidade de moldar a natureza do
conteúdo” (Kawamoto, 2003). Trata-se de um conceito ainda
em construção, que necessita de novos olhares, novos estu-
dos, que pode ser aprofundado a partir de estudos aplicados,
com uma imersão nos múltiplos meios utilizados hoje para
propagação do telejornalismo, lugar de referência e segurança
(Vizeu e Correia, 2008) de informação acurada e confiável.
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92
4
“Acesse o QR Code da tela”: o
telejornalismo entre o complemento e a
incompletude
Rosane Martins de Jesus
93
poder saber mais?” Antes que eu respondesse, ela continuou:
“será que o telejornal pensa que todo mundo pode acessar o
QR Code?”; “A jornalista podia ao menos ter dado a infor-
mação completa, pois quem não tem como acessar, não vai
poder saber?” A jornalista a qual ela se referia, era a âncora
do telejornal, que naquela mesma edição, já havia feito cinco
menções a QR Codes, que conduziriam o público a informa-
ções presentes no site.
Naquela noite, ao longo do telejornal, foram várias as
inserções desses códigos. A maioria delas vinculada a peque-
nas “notas ao vivo”1, que faziam referências diretas às notí-
cias disponibilizadas no site da emissora, a qual o telejornal
faz parte. Na ocasião, dei a minha filha respostas possí-
veis. Contudo, naquele momento, as respostas apresenta-
ram argumentos emoldurados pela maternidade. Ou seja,
foram respostas de uma mãe, para os questionamentos de
uma filha.
No entanto, a perspicácia de suas perguntas, levou-me
a pensar, enquanto pesquisadora, sobre os caminhos que os
telejornais vêm trilhando em meio à convergência intera-
cional. Afinal, ela tem razão, nem todo mundo que assiste a
telejornais, tem como acessar um QR Code. Portanto, suas
perguntas merecem uma reflexão acadêmica. E, foi assim,
que essa pesquisa surgiu: tendo suas perguntas como estí-
mulo inicial para uma inspiração reflexiva.
Assim, neste trabalho, refletimos sobre as possibilidades,
as limitações e as possíveis consequências positivas e negati-
vas, quanto ao uso do QR Code, enquanto ferramenta infor-
macional nos telejornais, ao passo que apresentamos uma
94
proposta conceitual relacionada a esse contexto. Para tanto,
telejornais locais e nacionais foram observados como espaços
de experiências empíricas. No entanto, neste texto, o estudo
empírico aparece de modo minimizado, pois a intenção foi
ter como centro a apresentação de uma proposição concei-
tual, que nomeamos por “telejornalismo fragmentável”. A
partir desta proposição, buscamos contribuir com as pesqui-
sas que se propõem a refletir e a contextualizar o telejorna-
lismo em seu momento evolucional, principalmente no que
diz respeito ao uso de ferramentas interacionais e no nosso
caso, ao QR Code, particularmente.
Para apresentarmos nossas reflexões acerca dessa abor-
dagem, organizamos este capítulo de cunho teórico-empíri-
co-conceitual, em três principais partes. Na primeira parte,
intitulada “Telejornais brasileiros entre caminhos emoldura-
dos por QR Codes”, a intenção foi apresentar uma contextua-
lização mais geral, enfatizando como telejornais brasileiros
vêm utilizando a ferramenta QR Code, ao longo de suas
edições e com qual frequência ela vem sendo utilizada. Na
segunda parte, intitulada “Indo na direção de um ‘telejor-
nalismo fragmentável’”, apresentamos as bases referenciais
nas quais ancoramos nossa reflexão e nossa proposta concei-
tual de um “telejornalismo fragmentável”, ou seja, um tele-
jornalismo que ao se utilizar de tecnologias que possibilitam
uma ampliação do conteúdo informacional em suas “instân-
cias enunciativas”2, também se auto fragmenta. Por fim, na
95
última parte, intitulada “Considerações possíveis, ao invés
de finais” expomos as respostas possíveis para as pergun-
tas que inspiraram o desenvolvimento deste estudo, além de
novas provocações reflexivas, diante de um “telejornalismo
fragmentável” que se constitui ao mesmo tempo em que está
construindo seus próprios caminhos.
96
à Toyota (Cruz, 2022). No entanto, do seu “nascimento”,
passando pelo seu aprimoramento, até chegar na sua utili-
zação diária, como parte corriqueira da rotina de muitos de
nós, percorreu-se um longo caminho.
Nesse ponto, lembramos de Jenkins, quando pontua que
“a convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais
sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro
dos cérebros dos consumidores individuais e em suas inte-
rações sociais com os outros” (2009, p. 30). Sendo assim, tal
estrada, por sua vez, foi se formando em decorrência das
mudanças que iam ocorrendo na vida em sociedade, impul-
sionadas ora pelo desenvolvimento da própria tecnolo-
gia, ora pelas apropriações que fazemos dos equipamentos
tecnológicos. Em conjunto, essas mudanças ajudaram tanto
a construir a estrada, quanto a nos guiar em direção a esse
contexto emoldurado, cada vez mais, pela presença recor-
rente dessa ferramenta.
Como tudo que se constitui de modo processual, as apro-
priações dos QR Codes como elementos funcionais no dia-a-
-dia, não ocorreu em um curto prazo. Dentre as mudanças
que impulsionaram as condições propícias para o desenvol-
vimento desse cenário, a popularização e o uso elevado de
smartphones pela população mundial, foi sem dúvida uma
delas. Pois, embora os códigos QR sejam “parentes próximos”
dos códigos de barras, “os QR Codes podem ser lidos pelas
câmeras de celulares, bem como por aplicativos gratuitos
que podem ser baixados nos smartphones” (PUCRS online,
2021). Daí porque o uso elevado desses aparelhos pela popu-
lação, pode ter contribuído para a popularização dessa ferra-
menta, haja vista que “códigos QR são projetados para serem
escaneados por uma câmera, como as do seu smartphone
[...] e usados com mais frequência para armazenar links da
97
web” (Ruoti, 2022). Esse percurso, leva-nos a corroborar a
evidência de que “os celulares se tornaram fundamentais no
processo de convergência das mídias” (Jenkins, 2009, p. 31).
Dados de pesquisa realizada pela Globo e intitulada
“Pesquisa QR Code − 2022”3, divulgada em novembro de
2022, indicaram que 92% dos entrevistados declararam que
já haviam apontado a câmera do celular para ler/escanear
um código. E que 9 (nove) em cada 10 (dez) entrevistados
acreditam que a tendência é que os QR Codes se tornem
cada vez mais presentes no dia a dia das pessoas. Quanto à
ação responsiva diante de QR Codes em propagandas exibi-
das na televisão, essa mesma pesquisa identificou que de
cada 10 (dez) pessoas, 5 (cinco) já haviam escaneado um
QR Code presente nas propagandas apresentadas nas emis-
soras de televisão.
Inserido nessa dinâmica evolucional e imerso no
contexto de uma “convergência midiática” (Jenkins, 2009),
como reflexo de uma sociedade cada vez mais conectada
(Jenkins, 2014), o telejornalismo, em sintonia com o aper-
feiçoamento de suas fases expandida e imersiva (Mello,
2018), também incorporou o uso dos QR Codes, enquanto
elemento de expansão informacional, como ressaltamos no
início deste texto. Diariamente, os telejornais, sejam eles de
âmbito nacional, sejam eles de âmbito regional, sejam eles
de âmbito local, vêm exibindo QR Codes ao longo de suas
edições e o uso dessa funcionalidade tem sido cada vez mais
recorrente. Embora à “Pesquisa QR Code − 2022”, citada no
parágrafo anterior, não traga dados referentes aos QR Codes
exibidos ao longo de telejornais, os dados referentes às inser-
ções e ao acionamento desses códigos em propagandas de
98
TV, já direcionam para uma tendência de consumo que não
deve ser menosprezada.
Em um estudo empírico diagnóstico, observamos tele-
jornais locais e nacionais, exibidos ao longo do mês de maio
de 2023, em diferentes emissoras brasileiras. Essa observação
permitiu a identificação de diversos estágios dos usos do QR
Code, enquanto ferramenta informacional. Embora não seja
uma prática diária, ela vem se constituindo como uma prática
recorrente. Exibido no canto inferior direito da tela, a incor-
poração desse recurso à arquitetura informacional de diferen-
tes telejornais, leva-nos a reforçar a ideia de que a inserção
desses códigos pelo telejornalismo, trata-se de uma prática
que vem se consolidando, e com isso, ajudando a pavimentar
um caminho aparentemente sem retorno para uma estrada
anterior, outrora caracterizada por um consumo passivo.
A inserção dos códigos como um elo de interligação entre
as diferentes mídias surge como reflexo de uma convergên-
cia atrelada à esperança de um consumo cada vez mais ativo
e interativo, e em consonância com o contexto de múltiplas
plataformas. Para afirmar a consolidação da prática, levamos
em consideração o fato de que até mesmo telejornais tradi-
cionais, a exemplo do Jornal Hoje e do Jornal Nacional, que
costumam ser cautelosos, quanto à inclusão de ferramen-
tas interacionais, já adotam o QR Code como complemento
informacional ao final de algumas de suas “notas pé”4 e/ou
ao final de algumas reportagens.
Mas, a prática não é tão recente assim. Os telejornais da
Globo News, por exemplo, passaram a adotar os QR Codes,
99
em novembro de 20195. À época, houve até campanha insti-
tucional da Globo News, para falar sobre o uso dos QR
Codes em seus telejornais e estimular o acionamento por
parte do público. A propaganda tinha a duração de 30 segun-
dos e trazia imagens, acompanhada do seguinte texto em
vídeo: “Já pensou se tudo tivesse um QR Code para você ter
sempre mais? Na Globo News tem. Procure o QR Code nos
programas e jornais e tenha acesso a muito mais conteúdo”.
Já entre as emissoras afiliadas, a TV RBS, afiliada da
Globo, no Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo,
adotou essa tecnologia, em seus telejornais, ainda no início
de 2020. À época, a editora chefe do G1, no Rio Grande do
Sul, pontuou que “já se assiste televisão com o celular na
mão. Com essa tecnologia, vamos aproximar ainda mais
o telespectador, que vai poder ser direcionado, enquanto
assiste aos nossos telejornais, para um conteúdo ampliado,
do mesmo tema no G1”6.
No entanto, embora a inserção do QR Code venha se
firmando como uma prática recorrente, podemos dizer
que, metaforicamente, os telejornais brasileiros se encon-
tram em trechos diferentes da estrada, seja em característi-
cas de usabilidade, seja na frequência com que o recurso é
utilizado. De modo geral, é como se cada telejornal viesse
desenvolvendo suas próprias estratégias de usabilidade,
embora seja perceptível a existência de um certo princí-
pio norteador. Este, mesmo que simbólico, funciona como
100
bússola ao longo da estrada, segundo a qual os QR Codes
devem ser usados como ferramenta para disponibilizarem
informações adicionais para suas audiências, ao passo que
estimula o contato dessa mesma audiência, com a ambiên-
cia dos sites das emissoras, em consonância com a prática
de um conteúdo multiplataforma e integrado.
Entretanto, enquanto alguns telejornais utilizam a ferra-
menta para disponibilizarem informações adicionais, ou seja,
informações que ampliam o conteúdo exibido em reporta-
gens ou notícias que compõem suas edições; outros, por sua
vez, utilizam a ferramenta para completar uma informa-
ção, dada no telejornal, de modo incompleta. Quanto a esta
última prática, ressaltamos que se trata de uma estratégia no
mínimo enviesada, haja vista que todo e qualquer telejor-
nal deveria ter como princípio oferecer a informação mais
completa possível, dentro do espaço temporal e da tipolo-
gia telejornalística escolhida para apresentar o fato (notas
ao vivo; nota coberta; reportagens, dentre outras). Nesse
último caso, em particular, fica evidente ainda que a inten-
ção é apenas despertar a curiosidade da audiência em querer
saber mais, e assim estimular a leitura do QR Code, levando
a audiência a conhecer os espaços de suas páginas virtuais,
seja dos telejornais em si, seja das emissoras às quais eles
estão vinculados.
Quanto à frequência, esta também é bem variável.
Enquanto uns telejornais utilizam de 1 (uma) a 2 (duas)
inserções de QR Codes por edição, outros utilizam de
modo demasiado. Esses modos diversos de usabilidade e de
frequência podem trazer consequências plurais para os tele-
jornais, podendo conduzi-los ao que nomeamos por “telejor-
nalismo fragmentável” e é sobre isso que falaremos a seguir.
101
Indo na direção de um “telejornalismo fragmentável”
102
estimula uma certa dispersão no ciberespaço. Essa, por sua
vez, pode ser arriscada para os telejornais, visto que pode colo-
cá-los não mais somente no contexto de segundas telas7, mas,
provavelmente, pode levá-los a um contexto de uma atenção,
por parte da audiência, cada vez mais reduzida, conduzindo
os telejornais e suas narrativas em direção a um “plano secun-
dário de atenção”. A dispersão, nesse caso, talvez possa ser
“perigosa” para o próprio telejornalismo. Isso porque, inser-
ções frequentes ao longo das edições, podem conduzir o tele-
jornalismo a uma fragmentação cada vez maior. Haja vista,
que esses códigos, quando acionados, direcionam a audiên-
cia para outros espaços, distantes da cena de enunciação8 dos
próprios telejornais, embora relacionados a estes. Mesmo que
o “perder-se” ao longo dos caminhos possibilite a descoberta
de novas paisagens, é pertinente refletir se esse “perder-se”,
frequentemente, não pode colocá-lo numa direção diferente,
dificultando o retorno ao caminho originário.
Assim, ao estimular o exercício de um consumo ativo,
atuante e em constante interação, semelhante ao consumo
participativo, ao qual se refere Jenkins (2014), os telejornais
arriscam-se à perda de atenção de parte dessa audiência. Ou
7. Finger e Cannata salientam que a segunda tela pode ser qualquer dispo-
sitivo que permita o acesso à internet como smartphones, tablets, note-
books, entre outros, usados de forma simultânea à programação da TV.
“Essa navegação paralela permite o consumo de conteúdos complementa-
res [...] e a interação com outras pessoas. Uma experiência que potencia-
liza a repercussão do conteúdo e o laço social, e tem se tornado cada vez
mais comum” (FINGER; CANNATA, 2012, p. 384).
8. Aqui, referimo-nos ao produto telejornal enquanto um conjunto de
cenas enunciativas. Para tanto, ao falar de “cena de enunciação”, levamos
em consideração “o fato de que a enunciação acontece em um espaço insti-
tuído, definido pelo gênero de discurso, mas também sobre a dimensão
construtiva do discurso, que se ‘coloca em cena’, instaura seu próprio espaço
de enunciação” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 95).
103
seja, da parte que optar pelo acionamento da leitura adicional,
que pode vir a “perder-se” nela, não voltando mais a sua aten-
ção ao telejornal, ao menos, não naquela edição. Isso porque
a leitura do QR Code é estimulada no momento em que o
código está em vídeo. Este, por sua vez, permanece em tela
apenas pelo tempo em que é dita, normalmente pelos âncoras,
a seguinte frase: “aponte a câmera do seu celular, para o QR
Code que está aparecendo na tela e tenha mais informações”.
Nesse ponto, ressaltamos que essa perda de atenção,
mesmo que momentânea, como ocorre no contexto dos QR
Codes, de certo modo é previsível. Isso porque, em suas devi-
das especificidades, desde que os telejornais começaram o
diálogo com a internet, já acontecia esse movimento flutuante
e isso mesmo antes da inserção dos QR Codes. Como ressalta
Carlos Tourinho (2009), desde o início de uma experimen-
tação transmídia no âmbito dos telejornais, esses vêm dialo-
gando com a internet e estabelecendo esse diálogo de modo
consciente. E, ao fazer isso, “empresta sua audiência à web e
espera tê-la de volta no momento seguinte. Se isso vai acon-
tecer, ainda não sabemos. São experiências que nos parecem
inevitáveis” (Tourinho, 2009, p.154). Curioso é perceber que,
passados quase 14 anos, após Tourinho ter dito essa frase,
ainda continua sendo uma incógnita, saber se a TV recebe
de volta a audiência que “empresta” à web.
É evidente que no contexto de segunda tela, já ocorria
certo espalhamento. Mas, esse, em muitos casos, não era
estimulado pelos telejornais. E quando estimulado, como
no caso das interações desenvolvidas no âmbito das listas
de comentários, formadas na ambiência dos sites de redes
sociais, por exemplo, essa dispersão contribuía positiva-
mente para o telejornal que era, no momento, das intera-
ções, o assunto primário e/ou o estimulador na interação, ao
104
mobilizar e ajudar a construir uma “audiência constelacio-
nal” (Jesus, 2018), nesses espaços.
Ademais, ainda nesse contexto, “as listas de comentários se
constituíam como elos que davam suporte às novas dinâmi-
cas interacionais entre as audiências constelacionais e os tele-
jornais e seus repórteres, estivessem essas listas no Facebook,
no Instagram ou em qualquer outro site de rede social” (Jesus,
2020, p. 325). Já no contexto do QR Code, a interação é diferente,
primeiro porque ela é uma ação individual e não gera uma inte-
ração em conjunto, como no caso da audiência constelacional e
segundo, porque com os códigos em tela, o telejornal na busca
por aproximar ainda mais o telespectador de seus sites institu-
cionais, afasta esse mesmo telespectador do próprio telejornal,
colocando-o em lugares inferiores de atenção.
Considerando a prática recorrente de um consumo
em segunda tela, pode até ser que esse diálogo ativo com a
ambiência digital, produza um consumo duplo, mantendo
estável o número da audiência, ao mesmo tempo que
aumenta os números de acesso aos sites. Mas, é impossível
não impactar na qualidade da recepção, seja positivamente,
seja negativamente. Contudo, para mensurar quais os impac-
tos reais nessa recepção, seria necessário o desenvolvimento
de um estudo mais específico, o que não é a proposta deste
estudo. Não ao menos, nesse momento.
No contexto dos QR Codes integrados às reportagens
audiovisuais, por exemplo, ocorre essa fragmentação mais
visível, semelhante ao príncipio dos hipertextos9, adota-
das pela linguagem do webjornalismo, ou seja, o telejorna-
lismo a partir das inserções dos QR Codes se compõe a partir
105
de fragmentos informacionais, o que nos reforça a própria
nomeação de um “telejornalismo fragmentável”. Importante
explicar que não se trata também de uma visão apocalíptica
quanto à usabilidade dos QR Codes, relacionada apenas a
consequências negativas, pois como ressalta Benjamin (2013,
p. 17), “um mosaico não perde a sua majestade pelo fato de
ser caprichosamente fragmentado”. Para além de apontar
consequências negativas e/ou positivas, importa-nos refle-
tir sobre, amadurecendo o olhar para essas questões, que
vem se constituindo como uma prática recorrente dentro da
rotina produtiva diária dos telejornais.
Desse modo, no cenário de um telejornalismo fragmen-
tável, os telejornais vêm se assemelhando à grandes cardá-
pios informacionais, subdividido em duas categorias de
informação: as principais, cujas cenografias aparecem em
tela, acompanhadas de imagens ou não; e as adicionais, que
integram os links disponíveis nos QR Codes. Mas, um ponto
a ser considerado, é se esses códigos estarão vinculados a
informações complementares, ou se eles serão símbolos de
um telejornalismo imerso em incompletudes.
Cannito (2010, p. 18) destaca que “o digital fez algo que
ninguém esperava: tornou a televisão muito mais narra-
tiva”. Olhando para os telejornais, no contexto do uso dos
QR Codes, enquanto ferramenta interacional e de amplia-
ção informacional, podemos perceber o quanto as narra-
tivas telejornalísticas se expandiram ou tem potencial de
expansão, em sintonia com os recursos tecnológicos. Como
ressalta Mello (2018, p. 33),
as práticas jornalísticas em televisão têm se estruturado em
torno do compromisso da informação com o apoio das tec-
nologias de cada época. Apesar disso, podemos perceber
que em essência o telejornalismo, ao longo dos anos, vem
106
construindo sua identidade em torno de sua legitimidade e
dos laços criados com o público.
107
Ainda de acordo com Cannito:
A usabilidade e suas interfaces devem simplificar, otimi-
zar, facilitar, melhorar e acelerar o acesso à informação.
Para tanto, é preciso considerar o espectador/usuário e o
ambiente em que ele está inserido. A praticidade e o poder
atrativo deverão aliar-se a uma linguagem simples, mui-
tas vezes autoexplicativa (ou seja, que torne o óbvio ainda
mais óbvio) e planejada para aqueles que não têm acesso à
internet. Caso contrário, a TV digital e suas possibilidades
interativas só irão contribuir para a exclusão digital no país
(2010, p. 150).
108
exista uma espécie de bússola que norteia a direção. Nesse
contexto, simbolicamente, seria como se o telejornalismo
viesse construindo “diferentes vias de acesso”, quanto a essa
temática. Contudo, todos esses “acessos” ou “trilhas” ajudam
a compor um telejornalismo fragmentado, ao passo que cada
QR Code, quando acessado, abre “janelas informacionais”,
deixando visível à audiência, “paisagens” complementa-
res. Dependendo do lugar onde esse QR Code for exibido
no telejornal, essa ferramenta pode contribuir tanto para a
dispersão da audiência, no ciberespaço, quanto para mantê-
-lo conectado a um conteúdo extra.
Se os QR Codes são exibidos ao final de reportagens, ao
longo do telejornal, e se forem acionados por um parcela
dessa audiência, como sugerem os âncoras ao dizerem:
“aponte a câmera do seu celular para o QR Code que está
aparecendo agora na sua tela”, isso pode levar a audiência
para outros lugares no ciberespaço. Dependendo do quanto
essa audiência demore na visualização dessa “paisagem”,
menos tempo e atenção dedicará para a estrada (o telejor-
nal) na qual a “janela” foi aberta. Isso porque sendo o QR
Code uma ponte que acessa a “janela” por meio de um link,
esta, por sua vez, pode dar acesso à inúmeras outras “janelas”,
distanciando a audiência da cena de enunciação do próprio
telejornal. Desse modo, para que possa contribuir positi-
vamente, o ideal seria, ao nosso ver, que esses QR Codes,
quando usados, viessem ao final das edições. Porque nesse
caso, ampliaria os elos e o acesso ao conteúdo informacional,
sem estimular a dispersão e o consequente distanciamento
de suas cenas de enunciação.
Importante frisar que em nenhum momento estamos
afirmando que toda a audiência acessa e/ou acessará aos
QR Codes, e nem é nossa intenção pressupor isso. Somos
109
conscientes de que esse “acessar interativo” também é frag-
mentado. Mas, saber disso, não desmerece a necessidade
da reflexão.
Quanto às perguntas que inspiraram à realização deste
trabalho, as respostas possíveis (mas, não definitivas) são: os
telejornais não devem pressupor que todos têm um smar-
tphone, pois pensar assim, seria desconsiderar a hetero-
geneidade do seu próprio público; os telejornais também
não devem pensar que todos podem acessar um QR Code,
porque isso igualaria os índices de letramento digital e sabe-
mos que eles não são uniformes no Brasil; e por fim, os tele-
jornais sempre devem oferecer a informação mais completa
possível, pois toda e qualquer informação dita nos telejor-
nais, tenha ela apoio de QR Codes ou não, deve vir completa,
para não correr o risco de desaguar em um mar de incomple-
tudes, dificultando a democratização e o acesso à informação.
Assim, dentro desse processo de fragmentalização, os
telejornais se expõem tanto a riscos, quanto a benefícios. Não
se trata aqui, a partir dos argumentos expostos, de defen-
der a permanência ou a retirada dos QR Codes das cenas de
enunciação dos telejornais, mas de estimular uma reflexão
sobre. Por que assim como em nossas vidas estamos constan-
temente avaliando nossas escolhas e os caminhos que dese-
jamos percorrer, no telejornalismo é possível fazer o mesmo.
Afinal, ao longo dessas sete décadas de telejornalismo no
Brasil, o percurso vem sendo exatamente assim: uma histó-
ria marcada por adaptações, mudanças, transformações, alte-
rações e apropriações.
Antes de encerrarmos esse capítulo, inspirados por
Walter Benjamin, quando o mesmo diz que “cada época
sonha não apenas a próxima, mas ao sonhar, esforça-se em
despertar” (2018, p. 70), ousamos estabelecer as seguintes
110
perguntas: assim como já ocorre com os cardápios de restau-
rantes, será que os telejornais, como os conhecemos, podem
vir a desaparecer? Será que os telejornais do futuro podem
se tornar um grande catálogo de notícias, que apenas apre-
sentarão fragmentos de acontecimentos, cujo conhecimento
maior acerca do fato, só se dará quando e se escanear um
QR Code?
Claro que essas perguntas são apenas provocações refle-
xivas. Mas, a verdade é que só o tempo trará consigo as
respostas sobre o futuro das cenas enunciativas dos telejor-
nais, em meio ao mar de QR Codes no qual nossas vidas
vêm sendo inseridas. E se, em determinado ponto do cami-
nho, o telejornalismo fragmentável precisar escolher, espe-
ramos que ele opte pela usabilidade do complemento e não
pela incompletude.
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sidade de Brasília, 2004.
112
5
Vertical: Produção e consumo de
jornalismo audiovisual em formato
perpendicular
Introdução
113
impactos isso pode trazer para a produção e o consumo de
notícias em formato vertical?
Se não damos conta aqui de todas as variáveis que são
implicadas nesta problemática (e nem seria possível), procu-
ramos então contribuir para o debate que alarga as percep-
ções sobre a experiência estética com o jornalismo que
transborda da TV tradicional e alcança com força a interface
dos celulares inteligentes – estes, parte quase que fusional do
corpo dos sujeitos contemporâneos, conforme já abordado
em farta literatura sobre a cultura digital, nacional e interna-
cional. De fato, nossa intenção aqui é recuperar um pouco da
trajetória dos conteúdos audiovisuais, passando pelo cinema
e pela televisão de massa, para suscitar observações acerca
da atual vivência sinestésica típica e ordinária da produção
e do consumo de notícias por meio de smartphones, assina-
lando que, neste percurso, é notável o “giro” da tela, passando
do formato horizontal secularmente consolidado para um
enquadramento perpendicular, aspecto incontornável e, ao
mesmo tempo, elemento-objeto que ainda carece muito de
atenção por parte dos pesquisadores da Comunicação.
Imbuídos do propósito de adentrar nas sendas dessa
investigação, apresentamos aqui um trabalho exploratório,
inicialmente referencial, de revisão bibliográfica, para, em
seguida, ensaiarmos proposições acerca da temática. Nosso
caminho parte da tão alardeada “crise do Jornalismo”, a
qual preferimos designar por “mal-estar”, como é próprio
daquilo que ocorre nas mudanças que subvertem diver-
sas ordens estabelecidas – como foi em todas as épocas,
desde sempre. Seguimos atentando para o espalhamento do
Jornalismo para as diversas telas, relembrando as passagens
assinaladas pelas ideias de paleotelevisão e neotelevisão (Eco,
1986) e de hipertelevisão (Scolari, 2008), considerando os
114
apontamentos de Cárlida Emerim (2017) e de Beatriz Becker
(2022) sobre o jornalismo audiovisual em e para telas e seu
potencial multimidiático. Evocamos ideias que já discutimos
em trabalhos anteriores sobre a participação das imagens
amadoras na cena telejornalística (Goulart de Andrade;
Azevedo, 2011; 2012; 2013) para, enfim, encontrarmo-nos
com parte do arcabouço teórico-metodológico da Semiótica
Discursiva (greimasiana), representado pelos direcionamen-
tos que incluem a Semiótica Visual e a Semiótica Sincrética,
a título de busca por formulações que nos ajudem a desven-
dar nuances da produção de sentido e dos efeitos estéticos/
sinestésicos concernentes ao dispositivo que nomeamos de
“audiovisuotátil”, dado que o smartphone, ao mesmo tempo,
se dá para a captura, mas também à reprodução de objetos
audiovisuais, acrescidos, entretanto, na exibição, de elemen-
tos a serem “tocados”, e, portanto, táteis – normalmente com
funções hipermidiáticas.
Ao final, reivindicamos que o produto dos nossos racio-
cínios possa ser incluído nos estudos que hoje se realizam
sobre o jornalismo audiovisual contemporâneo e, provo-
cativamente, instigamos que as instâncias de produção
jornalística passem a considerar os imperativos das telas
audiovisuotáteis como aspectos irrefutáveis das competên-
cias discursivas que devem caracterizar as narrativas noticio-
sas na atualidade – naturalmente considerando o smartphone
como meio privilegiado para sua exibição.
115
do trabalho e diz mais do que o plano de conteúdo em si.
Partimos do pressuposto de que a crise atinge também a
forma e, consequentemente, a produção de sentido atribuída
a ela, sobretudo no modelo audiovisual exibido nas mais
diversas telas do cotidiano, especialmente o smartphone. E
embora tenhamos ciência de que o mal-estar na indústria
jornalística não é recente, vamos considerar a conjuntura a
partir dos impactos vividos com o ambiente digital propor-
cionado pela internet e todo o processo de espalhamento
audiovisual na contemporaneidade, moldando novas formas
de construção audiovisual da realidade (Becker, 2022), além
do indiscutível reconhecimento do smartphone como dispo-
sitivo protagonista do consumo de notícias.
Indicamos desde já que, para além do (tele)jornalismo,
consideramos aqui a proposição metodológica de Cárlida
Emerim (2017) para pensar sobre a produção do jornalismo
em telas.
Telejornalismo pode definir o jornalismo que é produzido
e distribuído para e por telas, incluindo televisão, computa-
dor, smartphone, celular, tablets ou os demais dispositivos
e suportes (móveis ou não) que utilizem uma tela de visão
ou uma tela refletiva para exibir, distribuir e compartilhar
dados. Neste ponto, é preciso explicitar que a terminologia
usual das práticas do jornalismo que envolve áudio e vídeo
é o telejornalismo; pois a simplificação do uso do termo
audiovisual para agregar ou referir a este tipo de produ-
ção telejornalística ele não responde ao tipo específico de
material realizado por este campo (Emerim, 2017, p.117, gri-
fos da autora).
116
transbordante para as telas, nos ampara na proposição da
discussão sobre a verticalização das imagens e o consumo
perpendicular audiovisual.
Mas se atualmente a recepção de conteúdos audiovisuais
comparece de forma hibridizada desaguada em tantos fluxos,
vale relembrar que nem sempre foi assim. Na época da paleo-
televisão, de 1950 a 1970 (Eco, 1986), a “caixinha mágica”,
considerada a “vedete principal” na cultura de massa, foi
se consolidando também com usos políticos de promo-
ção de estados autoritários, o que inspirou pesquisas com
pensamentos críticos, atribuindo à televisão o status de uma
máquina manipuladora com invasão de imagens no coti-
diano da sociedade. Dentro desse contexto, avançando para
a época da neotelevisão (Eco, 1986), com início na metade
dos anos 70, os estudos culturais se fortaleceram e, para
além de um determinismo tecnológico, Raymond Williams
(2016) contribuiu para a ampliação dos estudos dos meios
audiovisuais de massa por um ângulo inovador, a partir do
conceito de “fluxo televisivo”, compreendendo que a TV e a
tecnologia não atendiam apenas aos interesses ideológicos e
de mercado. Para Williams, o fluxo televisivo marca expo-
nencialmente os estudos culturais como experiência central
da televisão diante da observação do funcionamento do
processo broadcasting, encadeado pela grade de programação
ou pela troca de um canal pelo outro. Notadamente, o pensa-
mento de Willians sobre uma “nova forma de comunica-
ção” não se sustenta na era da hipertelevisão (Scolari, 2008),
levando em conta o ambiente de convergência midiática com
a audiência segmentada: “a combinação com outras espécies
mediáticas, as transformações em todo o ecossistema devido
à ampla difusão das tecnologias digitais e o surgimento de
novos formatos e lógicas de uso estão redesenhando de
117
forma acelerada o sistema da televisão” (Scolari, 2008, p. 4).
Entretanto, a perspectiva de fluxo televisivo contribui para
a reflexão de novas formas de transmissão e recepção do
produto audiovisual que permanece até os dias atuais, engen-
drando comportamentos na sociedade.
Em uma travessia das marcas do ontem para os sinais do
amanhã, com estes períodos ligados pela experiência, pela
sensação e pelo sentido das telas evocados na produção da
combinação de imagens e sons que desembocam na lingua-
gem audiovisual, focalizando a estética, podemos perceber
que as transformações nas telas ocorreram desde o cinema
e as sensações emuladas pelas imagens em movimento que
o telejornalismo herdou como forma narrativa.
Assim, podemos tomar o cinema como empréstimo a
partir da invenção do ci-nematógrafo – um aparelho criado
na França no final do século XIX pelos irmãos Auguste e
Louis Lumière, uma caixa de madeira com uma manivela
que conjugava uma câmera de filmagem e um projetor de fita
de celulóide (Reis, 1995) –, para pensar na sua influência, de
seus códigos, para as telas que lhe sucederam.
O primeiro experimento foi em 1895, na cidade de
Lyon, na estação de trem de La Ciotat e causou espanto nos
espectadores. A cena, projetada no “Grand Café” mostra a
chegada do comboio na estação com passageiros à espera. O
trem aparece ao fundo em movimento e “invade” a tela até
parar para que ocorra a saída dos viajantes. Os espectado-
res se assustaram com o movimento do trem vindo na dire-
ção da câmera, como se fosse invadir o espaço e causar um
acidente. Na mesma linha, “La Sortie de l’usine Lumière à
Lyon”, também em 1895, foi considerado um dos primeiros
filmes da história do cinema projetado em público, igual-
mente produzido e distribuído pelos irmãos Lumière. A cena
118
cotidiana traduzia espontaneidade e mostrava take a take a
saída de dezenas de funcionários pelo portão da usina. Ou
seja, a partir do cinematógrafo foi possível registar os frames
por segundo que, ao serem projetados, criavam a sensação de
movimento, uma impressão de realidade captada por “olhos
mecânicos”. Assim, o espectador se junta ao personagem
para emular sensações. De acordo com Bernadet, “o cinema
coloca na tela pedaços de realidade, coloca na tela a própria
realidade. É, pelo menos, a interpretação do cinema que se
tentar impor. E durante muito tempo aceitou-se essa inter-
pretação” (Bernadet, 1991, p. 16).
Mas esse jogo que brinca com a imagem em movimento
dos irmãos Lumière previa um movimento de câmera está-
tico, como uma espécie de “teatro filmado”. O cineasta
Georges Méliès, percebendo que os cortes nos planos pode-
riam criar ilusões de passagem de tempo, avançou nas tentati-
vas de outras narrativas a partir do cinematógrafo. Entretanto,
apesar do reconhecido empenho no desenvolvimento do
cinema, a câmera permanecia parada no espaço como uma
reprodução do “teatro gravado”. Foi só a partir de 1910 que
a potencialidade de filmar com a câmera dentro da própria
cena foi percebida, cortando o espaço cênico, dispensando
um plano único da percepção da realidade. Assim, os equi-
pamentos ganharam autonomia narrativa, representando um
importante elemento para a temporalidade cinematográfica,
recombinando tempo e espaço dentro de variados planos ao
contar uma determinada história.
Foi dessa forma que a linguagem clássica do audiovisual
se estabeleceu, partindo da vocação do cinema para explo-
rar e imitar a realidade com “contação de histórias”, promo-
vendo convenções como a decupagem clássica e o processo
de continuidade para a linguagem cinematográfica que
119
conhecemos atualmente. O crédito para a descoberta da rela-
ção entre os mais diversos planos e a inovação da ocupa-
ção do espaço na própria cena, com o foco narrativo para a
linguagem cinematográfica, foi atribuído ao diretor norte-a-
mericano David W. Griffith (Xavier, 1984).
Se as primeiras experiências cinematográficas já davam
conta da impressão de realidade do cotidiano nas telas do
cinema, uma espécie de pequeno filme informativo ou jornal
cinematográfico marcava o início da relação do cinema
com a produção de sentido de notícias reproduzidas, que
predominou na primeira metade do século XX: o cinejor-
nal. Tratava-se de “noticiário produzido especialmente para
apresentação em cinemas. É geralmente um curta-metra-
gem periódico, exibido como complemento de filmes em
circuito comercial. Diz-se também atualidades ou jornal da
tela” (Barbosa; Rabaça, 1995, p. 131).
As imagens associadas ao texto nos cinejornais e a outros
códigos audiovisuais proporcionavam expressivas fontes de
atualidade e entretenimento, formas de conhecimento e
percepção do mundo social, bem como estavam embutidos
interesses econômicos.
Atualmente, na era da telesfera (Goulart de Andrade,
2022), a produção de sentido imagética nas e das telas se
espalha por diferentes fluxos nas multiplataformas, poten-
cializando a necessidade de estudos que se debrucem sobre
esse fenômeno. Se antes o movimento se dava na concorrên-
cia entre cinema e TV, agora, temos ainda desktops, tablets,
mobiliário urbano, outdoors digitais, fachadas digitais, “tele-
visão de elevador” etc., sendo o smartphone a tela protago-
nista da experiência audiovisual contemporânea.
Se, ao final dos anos 1980 e início dos 1990, o protago-
nismo da TV na cultura de massas havia produzido uma
120
sociedade pautada pelo audiovisual, a internet, no seu alvo-
recer, em contrapartida, resgatou muito do texto escrito,
especialmente em razão das limitações do tráfego de dados,
que não permitiam trânsito de imagens e vídeos de maneira
facilitada. Contudo, na medida em que a banda da inter-
net veio a se ampliar, o audiovisual paulatinamente passou a
retomar a centralidade na experiência midiática cotidiana.
Não à toa, o YouTube, uma mídia social especificamente
constituída por vídeos, assume predomínio significativo na
cena digital contemporânea, bem como vem ocorrendo com
o TikTok, ou mesmo com o favorecimento que o algoritmo
do Instagram dá para os reels (Resultados Digitais, 2023)
– inclusive, pesquisas recentes apontam para essa direção
(Caleffi; Pereira; Moccelin, 2021).
Além do mais, o próprio smartphone passa a contar
com câmera de vídeo integrada, isto é, os usuários acabam
por operarem e produzirem uma constelação de conteú-
dos audiovisuais, que não só circulam sobremaneira pelas
redes sociais digitais, mas também vão ocupar significativo
tempo de programação das TVs abertas e fechadas, especial-
mente nos telejornais e canais especializados em jornalismo,
conforme observamos no passado (Goulart De Andrade;
Azevedo, 2011; 2012; 2013).
De certo, agora, os conteúdos audiovisuais povoam e
circulam intensamente pelas mídias digitais, disputando
olhares e atenções, produzindo um fluxo contínuo de expe-
riências hipertelevisivas. As câmeras e os displays ao alcance
de todo mundo, o tempo todo, não só multiplicam expo-
nencialmente a quantidade de imagens em circulação, como
ainda permitem que os outrora meros espectadores das telas
passem a ser coprodutores dos conteúdos acessados numa
escala inimaginável para a realidade broadcasting.
121
Neste ponto, é necessário fazermos uma inferência: há
uma predominância inquestionável das imagens audiovi-
suais produzidas em formato vertical. Naturalmente, preci-
samos destacar que a captura pendular se trata de um saber
construído, que envolve uma habilidade instituída, quase
de forma intuitiva, atendendo a uma facilidade anatômica
(segurar e manipular o hardware e o software do disposi-
tivo em encaixe com a mão). As mais importantes mídias
digitais hoje justamente operam em lógica vertical, não só
proporcionando encadeamento de conteúdos por feeds, que
são “rolados” na vertical, como preenchem melhor a tela
quando o formato original do vídeo é também vertical – vale
lembrar que “o telefone celular segue como principal equi-
pamento para acesso à internet no Brasil” (Ministério das
Comunicações, 2022), respondendo por 99,5% das conexões
em domicílios ligados à rede mundial de computadores.
Não obstante, as imagens audiovisuais captadas em
formato originalmente perpendicular criam um impasse para
a sua reprodução em telas horizontais tradicionais em progra-
mas das emissoras de TV abertas e fechadas, com destaque
para o jornalismo comercial – que acaba por recorrer a utili-
zação de máscaras (fundos) para emoldurar um formato que
naturalmente não cabe no outro. Notamos uma disputa esté-
tica, que flagra uma concorrência pela ocupação de espaços e,
consequentemente, pelo protagonismo na produção de senti-
dos. Trata-se de uma “queda de braços” pelo predomínio de
capital simbólico (Bourdieu, 1989), o que não deixa de ser
também uma contenda política que coloca em jogo a ascen-
dência de um formato sobre o outro – ou a simulação de uma
transmidialidade, com uma conjugação televisual que parece
natural, mas que acaba por produzir uma certa “esquizofrenia
imagética” (Goulart de Andrade, 2022).
122
Tal assertiva confere com a perda que podemos notar no
movimento transmidiático de um vídeo produzido em smart-
phone, exibido em mídia social, apropriado pela TV tradicional
e, depois, reapropriado por outros canais, passando, assim, do
formato vertical para o horizontal e, novamente, retornando ao
vertical, incorporando, neste processo, as máscaras concernen-
tes a cada novo formato (ver figuras 1, 2 e 3).
123
tecnicamente, o espectador assistia os conteúdos transmi-
tidos passivamente – numa quase-interação, como diria
John B. Thompson (2012). De outra forma, diametralmente
oposta, a tela vertical do smartphone se dá a uma interação
mediada contínua, inclusive quando consideramos que a tela
vertical é o formato de interface que favorece a ergonomia de
seu uso, permitindo que o usuário segure o aparelho e acione
as áreas clicáveis com apenas uma das mãos – o que, de certo,
favoreceu sua popularização e explica, mesmo que em parte,
a quantidade de tempo em que os empunhamos. Estranho,
de outro modo, é percebermos que a produção de conteúdo
em formato perpendicular ainda seja muito tímida, prevale-
cendo o horizontal, que, no seu consumo, nos obriga a girar
o dispositivo, colocando-o em posição bastante desconfortá-
vel para uma audiência mais contínua; ou, em outra hipótese,
permanecermos com o smartphone pendular, mas restrin-
gindo-nos a observar uma imagem recortada ou reduzida.
Dessa forma, é natural assumirmos a convicção de que o
aspecto sensorial é bastante relevante quando observamos os
fenômenos relativos aos conteúdos que são distribuídos para
smartphones e, mais ainda, aos que são já produzidos para
serem consumidos em telas verticais. Com isso, mais uma vez
reafirmamos o acento a ser dado ao plano de expressão – e a
sua consequente e natural implicação no plano de conteúdo.
A Semiótica, enquanto teoria geral da significação, consi-
dera, desde sua origem, o papel precípuo da sensorialidade como
ponte para o inteligível (Greimas, 1973). Em “Da imperfeição”,
sua última obra individual, Greimas (2002) retomou essa pers-
pectiva com afinco, elaborando uma proposição acerca da inteli-
gência do sensível de modo que o vivido pudesse ser apreendido
a partir da sua expressão. Quando tratamos da experiência com
as telas dos smartphones, antes de tudo, referimo-nos justamente
124
à construção do sentido possível a partir da centelha estésica
que salta do encontro entre o indivíduo e a máquina portátil de
comunicação televisual.
Pensando no plano da expressão, é muito interessante
ocuparmo-nos de interrogá-lo pelo ângulo de uma semiótica
visual (Oliveira, 2004), de modo que possamos pensar mais
sobre as nuances atinentes aos olhos, para, depois, voltarmo-
-nos aos desafios do que é sensível a outros sentidos. Assim,
de saída, não imaginamos que análises sob a luz da catego-
ria visual cromática ou da eidética (Greimas, 2004) possam
revelar aspectos da produção de significação particulares –
em relação ao que já era produzido em formato horizontal
–, ou ainda que a categoria matérica (Teixeira, 2004) possa
trazer à superfície alguma observação peculiar. Contudo,
quando enfocamos a categoria topológica (Greimas, 2004),
somos obrigados a reconhecer que conteúdos audiovisuais
produzidos e consumidos em formato vertical subvertem
tudo que já estava estabelecido sobre análise de vídeos (e
isso não só concernente à Semiótica e outras correntes dos
Estudos de Linguagem, mas também às teorias que transi-
tam pelo Cinema, Radialismo, Jornalismo, Publicidade etc.).
A categoria topológica é aquela que que se ocupa da
constituição de um campo de problemas tanto da produção
como da leitura de suportes planares (Greimas, 2004). De
pronto, o dispositivo topológico enfoca a cena enquadrada,
delimitando o que ela é, mas também aquilo que ela não é, ou
seja, tudo o que é colocado no espaço de enunciação e tudo
que é deixado de fora – em termos semióticos, como diria
Greimas, é o fechamento do objeto. A partir disso, é possível
uma série de deciframentos daquilo que está inscrito neste
mesmo objeto, considerando percepções “retilíneas (alto/
baixo, direita/esquerda, etapas diagonais etc.), “curvilíneas
125
(periférico/central, circunscrevente/circunscrito etc.) e/ou
suas possíveis combinações, descrevendo os sentidos que
depreendem dessas organizações segmentando o conjunto
em partes, passíveis de orientar os percursos interpretativos
de diferentes elementos constitutivos.
No caso de conteúdos audiovisuais, os contratos logica-
mente pressupostos previamente definidos pela pedagogia
das telas são subvertidos na observação de um vídeo verti-
cal. Assim, por exemplo, movimentos de câmera que incluem
elementos na direita ou na esquerda de um eventual objeto
enfocado resultarão em leituras diferentes, seja porque na
tela vertical os novos elementos enquadrados tendem a
surgir de “supetão”, dado que estavam ocultas pelo enquadra-
mento inicial – no caso do formato horizontal, a aparição de
elementos laterais é suavizada pela entrada em cena menos
recortada. Em contrapartida, elementos acima e abaixo do
objeto centralizado na cena passam a figurar de um modo
no formato vertical que somente seriam possíveis no hori-
zontal caso o objeto estive enquadrado num plano de paisa-
gem (o que certamente alteraria completamente o estatuto
do que se pretendia comunicar).
Ainda, visualmente falando, a semiótica pode nos ofere-
cer inúmeros caminhos metodológicos de análise para o
desvendamento das transformações na experiência com
vídeos que assumem a formatação pendular. Ocorre que, de
fato, o sensível é acionado por diversos mecanismos sensó-
rios humanos, os quais os mais conhecidos, junto da visão,
são a audição, o olfato, o paladar e o tato – embora exis-
tam, ao contrário do que supõe o senso comum, alguns
outros, como a propriocepção, a cinestesia, entre outros.
Assim é que os objetos de análise majoritariamente recor-
rentes na literatura semiótica são aqueles que nos são dados
126
pela visão e pela audição. É bem verdade que o olfato (Rosa,
2023) e o paladar (Pietroforte, 2021) já figuram como interes-
ses de pesquisa de alguns estudiosos da teoria, assim como,
mais timidamente, também ocorre com o tato (Pietroforte,
2007). Também é fato que a análise de objetos que combinam
linguagens e, eventualmente, acionam mais de um sentido
têm ocupado os apropriadores da Semiótica Sincrética
(Oliveira; Teixeira, 2009). É no rastro de trabalhos desta
natureza que nos voltamos para o conteúdo audiovisual
vertical assistido em smartphones: são produtos que se dão
à visão e à audição, mas, não podemos esquecer, também ao
tato. Seja entre um e outro conteúdo, seja em áreas hipertex-
tuais no interior da própria cena reproduzida, as pontas dos
dedos dos usuários são requeridas para que a experiência
possa ser completa – assim, parece-nos lícito asseverar que a
experiência com vídeos verticais é, enfim, audiovisuotátil – e,
portanto, requer tanto um tratamento estético quanto ergo-
nômico. Estamos, pois, diante de um novo tipo de sincre-
tismo, ainda não observado, que organiza sentidos a partir
do que se ouve (efeito do autofalante), se olha (efeito dos
pixels), mas também do que se toca (efeito do touchscreen)
– e todas estas coisas em sequência e/ou em simultaneidade,
a partir da tela do smartphone.
O todo da significação dado pela junção de áudio e vídeo,
por si só, não constitui uma novidade na experiência midiá-
tica humana, dado que desde o cinema, como já aludido
aqui, e depois reiterado na TV, as pessoas já se relacionam
sinestesicamente com o dispositivo audiovisual, sua manifes-
tação sensorial e seus afetos. Entretanto, ao incrementarmos
este sistema com a tatilidade – possibilitada pela tecnolo-
gia touchscreen presente em diversas telas, mas primordial-
mente nos smartphones atuais –, obtemos uma máquina de
127
produção de sentidos multiplicados, conferindo uma nova
camada (ou várias) de vínculos e comprometimentos entre
as instâncias de produção e recepção dos conteúdos.
Essa estética tátil está inexoravelmente atrelada à visão,
dado que a superfície plana do display não é capaz de forne-
cer sensações de relevo, de textura, de temperatura. Mas a
relação visual-tátil fornece os subsídios para, por efeito esté-
sico, o usuário-espectador tocar na imagem e interagir com
ela. É na sinestesia entre visão e tato (Discini, 2018) que ocor-
rem as condições para que o corpo do interlocutor possa
fruir pelas hipertextualidades e viver os efeitos de sentido que
são inerentes à narrativa audiovisuotátil, pressionando áreas
sensíveis, “arrastando” elementos, “marcando”, “pegando” e
“mexendo” em determinadas coisas, “resvalando” em outras.
Assim, a experiência vivenciada com os vídeos em smartpho-
nes evoca uma semiótica do contato.
128
dos usuários ávidos por interações: eis que vêm as curtidas,
os compartilhamentos, os comentários, enfim, toda ordem
de engajamentos. Este “ajustamento manipulado” (para fazer
uma provocação a Landowski, 2014) é fruto justamente dos
afetos inerentes à expressão dos conteúdos audiovisuotáteis,
que, de certa forma, retiram uma certa objetividade neces-
sária para avaliação daquilo que é argumentado e, em subs-
tituição, aciona um indeterminado grau de passionalidade,
que inclusive eventualmente se revela na intensidade, tenaci-
dade ou até violência que os dedos pressionam as áreas clicá-
veis da tela. De certo, em algum nível, os regimes de crença
são manifestados e reiterados nessa ação sensória.
Considerando essas reflexões e aplicando-as ao consumo
de conteúdos jornalísticos pelo smartphone, somos tentados
a conceber que o mal-estar no Jornalismo mencionado no
início deste nosso texto não é só fruto de novos contratos de
novos fluxos audiovisuais, mas, muito antes, envolve uma
transformação na percepção da sua forma, uma alteração na
vivência discursiva das notícias e de seus afetos a partir de
uma produção de sentidos que intensifica e agrava a relação
do enunciatário com o enunciado, pois evoca mais profun-
das e difusas sensações.
Assim, talvez já tenha passado da hora de as instâncias de
produção noticiosa se esforçarem para o desenvolvimento de
um outro jornalismo para telas, precipuamente pensado para
ser consumido nas potencialidades visuais dos formatos verti-
cais – incluindo a melhor conformação dos flagrantes das
imagens amadoras às telas dos smartphones, o que favorece-
ria uma melhor articulação entre o jornalismo profissional e a
audiência participante. Mas, mais que isso, concebido também
para se adaptar ao comparecimento da tatilidade como recurso
de produção de sentido, incorporando com mais sagacidade os
129
mecanismos discursivos próprios dessa nova camada da perfor-
mance percepto-cognitiva na comunicação informativa.
Se é verdade que o Jornalismo tem seguido o rastro
estético do entretenimento e das experiências discursi-
vas inerentes às redes sociais digitais, como TikTok, rells e
stories do Instagram etc., seguindo ainda pela tendência de
vídeos curtos também comuns nestes ambientes, parece-nos
evidente que o tratamento audiovisuotátil da mensagem deve
ser mais uma competência profissional na atualidade para a
concepção de produtos jornalísticos que não olvidem o papel
protagonista que o smartphone impõe ao consumo de notí-
cias na cultura da conexão.
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133
Parte 2
O trabalho do jornalista de TV
em mutação
Introdução
137
chamou a atenção do público, viralizou e virou notícia: ela
usava um tênis, destoando do tradicional sapato de salto que
se consagrou no imaginário sobre o figurino de jornalistas
de TV.
O exemplo acima, embora aparentemente simples, é
sintomático daquilo que discutiremos neste artigo. A proble-
mática entre telejornalismo e subjetividade guarda comple-
xidades que merecem ser analisadas e aprofundadas; afinal,
por que o uso de um tênis por uma apresentadora de tele-
jornal se torna algo relevante? O que revela a exposição de
um aspecto “íntimo” por uma figura que, em tese, estaria a
serviço do interesse público? Como o telejornalismo brasi-
leiro tem se apropriado dos aspectos da intimidade e subje-
tividade em suas narrativas, discursos e estéticas?
Estas e outras questões têm nos inquietado enquanto
problemas de pesquisa e, portanto, serão abordadas no
presente texto, que assumirá tom ensaístico. Na tentativa
de contribuir com as reflexões que não antagonizam obje-
tividade e subjetividade, propomos um esforço para refletir
de modo transversal sobre o lugar do sensível, do eu e dos
afetos em tessituras menos convencionalizadas pelos limi-
tes da neutralidade e da isenção realista no telejornalismo.
Localizamos nossas reflexões nos rearranjos do mundo
capitalista ocidental, no qual se observa uma hiper valoriza-
ção das narrativas de si, em que a subjetividade gera lucro e
ainda pode firmar-se como baliza de regimes de vigilância e
visibilidade. Mais do que apresentar conclusões ou análises,
buscaremos trazer reflexões sobre alguns modos de materia-
lização da subjetividade no telejornalismo brasileiro contem-
porâneo, os quais dividimos em eixos de observação que
serão amparados por exemplos empíricos.
138
A midiatização como fenômeno potencializador de afetos
e subjetividades
139
As mídias perdem este lugar de auxiliaridade e passam a se
constituir uma referência engendradora no modo de ser da
própria sociedade, e nos processos e interação entre as ins-
tituições e os atores sociais (Fausto Neto, 2008, p. 93).
140
incisivamente misturados, marcados por uma interatividade
acelerada e pela relação paradoxal entre indivíduo e sociedade.
Do ponto de vista midiático, é importante contextuali-
zarmos também o modo como a televisão – “ambiente” no
qual o telejornalismo se realiza – se apropria do cenário de
midiatização da subjetividade. Vera França (2009) consi-
dera o meio televisivo como um complexo “poroso” em
que tendências e fenômenos da sociedade acabam se imis-
cuindo às narrativas, imagens e práticas televisivas, dando
a ver um contexto que passa na/pela TV. A autora elenca
alguns pontos de troca entre televisão e sociedade, dentre os
quais citamos três.
O primeiro deles diz respeito à demanda cada vez maior
por um entretenimento informativo. Captado pelos estudos
a partir do conceito de infotainment (Gomes, 2009), o fenô-
meno caracteriza-se pelo imbricamento entre as instâncias
da informação e da diversão; outrora vistos como opostos,
os campos simbólicos têm se mostrados altamente intercam-
biáveis, produzindo todo um filão de produtos televisivos
que respondem à demanda humana pelo lazer e pelo escla-
recimento, com especial influência sobre o telejornalismo.
O segundo elemento deste cenário é a ascensão das ideias
de cotidiano e proximidade, que seriam uma resposta ao
enfraquecimento das grandes narrativas e referências visto a
partir do fim do século XX. Assim, o telejornalismo também
corrobora essa tentativa de volta a uma noção de segurança e
comunidade por meio do estímulo aos vínculos entre jorna-
listas e público. Nesse sentido, a leitura de mensagens da
audiência, por exemplo, não é apenas estratégia de render
tempo, mas uma parte importante dos telejornais, especial-
mente os locais. Outro ponto de troca de sentidos entre TV
e sociedade é o personalismo e a intimidade, que acenam
141
como valores importantes no cenário atual, dado o contexto
de precarização do trabalho, das relações, do avanço das
redes sociais e da racionalidade neoliberal na construção
das subjetividades individuais.
142
parece ter sido abandonada. Logo, se a exposição da inti-
midade doméstica antes se justificava por necessidade, sua
manutenção nos parece um reflexo da precarização da profis-
são jornalística. Afinal, por que manter profissionais traba-
lhando em casa se já é possível voltar à redação? A medida
soa como contenção de gastos e acaba gerando efeitos simbó-
licos ao telejornalismo.
É como se tivéssemos livre acesso à intimidade dos/das
profissionais jornalistas, não apenas no sentido da expo-
sição da domesticidade, mas também na maneira íntima
como nos relacionamos com eles. Se outrora o ápice
desta “relação” era simbolizado pelo ato de darmos boa
noite ao apresentador do telejornal da nossa sala de casa,
agora temos acesso à sala de estar dos repórteres. Embora
careça de mais pesquisas empíricas, acreditamos que esse
contexto pode mudar as maneiras de consumo do telejor-
nalismo como um todo.
Por exemplo, em um link gravado na sala de casa para o
Jornal GloboNews − Edição das 10h, o repórter José Roberto
Burnier foi enquadrado em plano conjunto com suas cachor-
ras, o que gerou comentários na internet e no próprio tele-
jornal, quando a apresentadora Aline Midlej comentou:
“Importante também ressaltar aqui que a gente não aguenta,
é um momento de alegria, quase um bálsamo nessa cober-
tura difícil, essa imagem que chega ao fundo das suas duas
cachorras, Burnier”. O detalhe virou notícia em vários
portais dedicados à cobertura televisiva e na Veja2. Outros
correspondentes e comentaristas na GloboNews também
são vistos em ambientes domésticos, como Ariel Palácios,
Flavia Oliveira etc. Já no telejornal Bom Dia Rio Grande, o
143
repórter Daniel Scola foi surpreendido com a invasão da filha
de dois anos durante um link. A aparição também foi comen-
tada ao vivo e a matéria do site Quem, destinado a celebri-
dades, informou: “Filha de repórter ‘invade’ jornal ao vivo e
dá show de fofura; vídeo”3. O perfil da emissora publicou o
momento no Twitter.
Em nossa perspectiva, estratégias como estas devem ser
problematizadas porque reiteram o embaçamento entre as
fronteiras do público e do privado característico da midiati-
zação contemporânea, mas principalmente porque também
revelam a precarização da prática jornalística em empresas
televisivas. Afinal, por que a sala de casa teve que se tornar
um estúdio de TV?
Mudam, também, as rotinas produtivas: quando não
estão em home office, mesmo a rua, ambiente natural de
trabalho dos/das repórteres, ganha novos contornos e
passam a ser exibidos − quando não exigidos − os bastido-
res da lida diária de profissionais sem uma função especí-
fica ou clara. É o caso, por exemplo, do compartilhamento
do processo de apuração jornalística por vídeos que viram
conteúdo para as redes sociais institucionais. O DF1, por
exemplo, chegou a veicular como chamadas interprogramas
alguns vídeos gravados pelos repórteres durante a realização
de reportagens, acrescentando mais uma demanda de traba-
lho4. Ou seja, aumenta a vigilância tanto sobre os espaços
quanto sobre as rotinas profissionais jornalísticas.
144
Interesses institucionais
145
Se antes a emissora buscava investir na exibição da “cozi-
nha” do jornalismo (ou seja, no processo de preparo das
notícias, que geralmente fica escondido), agora irá exibir a
“cozinha da cozinha” (as “rebarbas” da vida pessoal, como
as interações dos repórteres com suas famílias) (Martins,
2021, s/p).
A campanha mostra o quanto a subjetividade dos jorna-
listas tem emergido não apenas como um fenômeno do
tempo atual, mas tem se configurado como uma estraté-
gia discursiva e mercadológica por parte dos setores midiá-
ticos, que transformaram a intimidade em mais um ativo
nas empresas. Nas redes sociais, esse recurso é ainda mais
evidente, com elaborado investimento voltado à produção
de memes e conteúdos diversos centrados na figura pessoal
do jornalista.
Interessante notar como, aos poucos, o telejornalismo
vai sinalizando em direção a uma posição mais persona-
lista, focada na figura/persona do repórter e em seus aspec-
tos subjetivos. Em nosso olhar, está em curso uma mudança
de postura de padrões rígidos e supostamente impessoais
para uma flexibilização que permite – e até demanda – que
o jornalista se coloque no conteúdo de maneira tão relevante
quanto a notícia. Em fevereiro de 2023, na ocasião das fortes
chuvas que assolaram o litoral norte de São Paulo, o repórter
Roberto Kovalick interrompeu suas férias na região e passou
a cobrir o acontecimento in loco. A diferença, aqui, reside
no papel não mais de “testemunha ocular”, mas de alguém
que vivenciava o fato. A cobertura começou por meio de
vídeos de celular feitos pelo próprio Kovalick, que abordou a
interrupção de suas férias em diversas entradas na TV Globo
e GloboNews.
Além disso, o relato em primeira pessoa ocupou grande
espaço até chegar num detalhe bastante significativo: as
146
passagens feitas pelo jornalista trajando bermuda no Jornal
Nacional. Obviamente, o traje tem a ver com a situação do
imprevisto, mas também demonstra que os novos tempos
permitem essa abertura a elementos pessoais do profissio-
nal em campo. O figurino informal, aliás, soa mais adequado
para a situação do que um terno ou roupas sociais.
O mesmo Kovalick é a principal estrela da série de repor-
tagens especiais “Correndo com o Hora 1”, que mostram a
preparação do jornalista para a corrida de São Silvestre. As
matérias são centradas na experiência pessoal do jornalista,
que fala sempre em primeira pessoa, e conta com especia-
listas para auxiliá-lo na empreitada. O projeto lembra mais
um reality show do que o telejornalismo tradicional. Maura
Martins (2023) mostra que a personalização também chegou
ao telejornalismo local, que tem dado cada vez mais espaço
a elementos da vida privada dos jornalistas do que a fatos de
interesse público.
São telejornais em que a figura dos apresentadores e repór-
teres adquire uma importância desmedida, o que faz com
que a atração se afaste de maneira gradativa daquilo que é
(ou deveria ser) sua essência: a produção jornalística, que
pressupõe, de forma muito resumida, prestar um serviço
à população e fiscalizar as fontes do poder (Martins, 2023,
s/p).
147
tradição do jornalismo literário, que também deixou ecos
na televisão − por exemplo, na obra de José Hamilton Ribeiro
e Goulart de Andrade, verdadeiros narradores de suas maté-
rias. Entretanto, se outrora a subjetividade era privilégio de
poucos profissionais e era permitida apenas em determina-
dos temas/programas, ela parece ter se espraiado no telejor-
nalismo factual, incorporando-se a diversos elementos da
reportagem audiovisual – no texto, nas passagens, na pauta.
Os exemplos são inúmeros e se estendem a qualquer tipo
de produção em telejornalismo: os repórteres André Tal e
Heloisa Villela revelaram seus diagnósticos de Parkinson
e câncer de mama, respectivamente (em reportagens espe-
ciais); Erick Rianelli se declarou para o marido, também
repórter, Pedro Figueiredo, no dia dos namorados (link ao
vivo); por ocasião do dia do orgulho LGBTQIA+, Ádison
Ramos, repórter do RJTV, recebeu um buquê de flores do
marido em uma entrada ao vivo. Em sua passagem na maté-
ria sobre os dez anos da aprovação legal dos casamentos
homoafetivos, o repórter Edivaldo Dondossola entra em sua
casa e cumprimenta seu companheiro.
Os repórteres, então, assumem o papel de personagens
que “corporificam” o tema das matérias e conferem credi-
bilidade e autoridade ao que dizem, já que, mais uma vez,
eles não apenas falam do assunto, mas o vivem. A estraté-
gia também foi recorrente na época do isolamento social,
quando diversos repórteres foram vacinados ao vivo, como
uma forma de estimular a prática e sensibilizar a audiência6.
148
Politização de temáticas
149
me ajudou [...]. Se ajudou a mim, imagina quanta gente não
ajudou por aí7.
150
a exploração desses posicionamentos como estratégia mera-
mente mercadológica, o uso oportunista de membros perten-
centes a minorias como tokens do discurso pró-diversidade
e a suplantação do interesse público e jornalístico em nome
da exposição da intimidade por si mesma.
Não obstante, esta chamada virada subjetiva no jornalismo
precisa fundar bases que assegurem para que elas não se
prestem para a exploração de certos vícios do fazer jorna-
lístico, como o estabelecimento de uma agenda de cunho
superficial, que mascara a falta de transformações reais nos
processos (Martins; Martins, 2021, p. 68).
Mais recentemente, a apresentadora Adriana Araújo
também se colocou em primeira pessoa ao comentar uma
matéria veiculada no Jornal da Band sobre preconceito
contra pessoas com deficiência:
Muitas vezes o que o mundo enxerga é apenas a deficiência.
Enxergam essas pessoas como coitadas, como vítimas, dig-
nas de dó. Elas não são. No Brasil, são 45 milhões de pessoas
com algum tipo de deficiência. Pessoas dignas de respeito.
E eu faço questão de dizer isso hoje aqui no Jornal da Band
porque essa é a causa da minha vida. Eu sou mãe de uma
pessoa com deficiência e te faço um pedido: reflita pra gente
acabar com esse preconceito9.
151
opinião. A performance – consagrada nos telejornais de
matriz popular – se estende até mesmo a telejornais de
referência, como Jornal Hoje, Jornal da Globo, Jornal da
Band, por exemplo.
Contextualizando para o cenário político-midiático do
país, tais comentários podem ser entendidos como uma
reverberação do imperativo pelo posicionamento vindo
das redes sociais. Nessas plataformas, há uma demanda de
mercado e cobrança do público para que figuras públicas se
posicionem, ou seja, que deixem evidente sua opinião diante
dos mais variados assuntos e acontecimentos. Não comentar
assuntos que estão repercutindo soa como omissão e falta de
compromisso com a audiência.
Assim, este cenário também pode estar influenciando a
prática do comentário – que se distancia dos editoriais mais
formais vistos no JN ou das contundentes falas de Boris
Casoy no extinto TJ Brasil. O diferencial aqui é justamente
o tom mais pessoal que assumem, já que estão focados na
experiência de quem argumenta. Os jornalistas até falam em
nome de questões coletivas, mas o fazem partindo de si. A
dimensão institucional das empresas não fica tão evidente
nos textos, mas acaba ganhando pontos positivos implici-
tamente, já que a estratégia do comentário simboliza, em
tese, uma maior liberdade de expressão proporcionada pela
empresa, como ressalta o trecho do já citado monólogo de
Marcelo Cosme em 28/06/2021:
Tenho um trabalho que me dá essa segurança aqui, de agora
estar aqui sendo quem eu sou. De falar para você, em rede
nacional, em um programa sobre política, que sou gay.
Então esse dia do orgulho vai continuar sendo necessário e
importante até que esses direitos sejam iguais.
152
Martins e Martins (2021) alertam, ainda, para o risco
da individualização e perda de relevância de reivindicações
políticas coletivas, já que a visibilidade pode recair mais no
jornalista do que na pauta que ele representa. Nos pergun-
tamos, ainda, sobre a efetiva segurança relacionada a esses
momentos de posicionamento político e pessoal, já que tais
situações podem gerar consequências trabalhistas, emocio-
nais e até de integridade física para os jornalistas. O tele-
jornalismo é mesmo um lugar seguro para a expressão das
identidades e subjetividades?
O próprio Cosme foi alvo de uma série de matérias de
tom homofóbico após comentar no Jornal Hoje, de forma
brevíssima, que seu marido é mineiro, após a exibição de
uma matéria sobre queijos. A defesa do jornalista, denun-
ciando e condenando os ataques, não veio no mesmo espaço
− o telejornal −, mas em sua conta pessoal no Instagram10. A
TV Globo não emitiu nenhum posicionamento a respeito.
Critério de noticiabilidade
153
outros meios é a exposição de uma subjetividade tida como
imprópria, incomum ou mesmo rechaçada pelos padrões e
manuais de comportamento recomendados para o cargo.
Nos sites dedicados ao universo televisivo, podem ser
encontradas matérias como a que localizamos no portal Na
Telinha, do UOL, quando elencou “5 vezes em que Bonner e
Renata choraram ao vivo no JN”. A imagem que abre o mate-
rial traz um quadro dividido entre, de um lado, a figura de
William Bonner cabisbaixo e com a mão levada ao rosto, e
de outro, Renata Vasconcellos em um frame em que está visi-
velmente emocionada, como se tivesse acabado de chorar.
A introdução da matéria sinaliza para o cenário de ajus-
tes no comportamento de jornalistas e na relação que estes
vêm tecendo com a possibilidade de expor os sentimentos
enquanto noticiam os acontecimentos:
154
agentes profissionais. Casos como o de Heraldo Pereira ao
noticiar a morte da jornalista Glória Maria12; ou do repórter
Walace Lara denunciando um esquema de exploração comer-
cial durante tragédia no litoral de São Paulo13 são noticiados
pela imprensa com o uso de imagens em que os profissio-
nais estão nitidamente emocionados, destacando por vezes
o olhar ou as mãos levadas aos olhos, além de citar a “voz
embargada” e confirmar o “choro ao vivo” como traços que
explicitam a subjetividade e justificam a pauta. No entanto,
é comum que não somente outros veículos noticiem situa-
ções desta natureza, mas também a própria Globo o faz atra-
vés de suas empresas, tais como no caso de Roberto Kovalick,
que “se emociona e chora ao ouvir súplicas de avó para que
neto deixe o crime”14 (assim descrito no canal do g1 no
Youtube); ou da apresentadora e repórter da TV Anhanguera
do Tocantins que choraram durante link ao vivo15 após uma
conversa com um homem que perdeu filha, neta e nora em um
acidente, conforme reportagem do g1 Tocantins. Dessa forma,
a empresa sinaliza a conivência com as exposições subjetivas
e demonstra validação para este perfil de atuação profissional.
Vale destacar que as pautas responsáveis por emocionar
os jornalistas de TV também podem se apresentar em função
155
da politização das temáticas, de modo que os profissionais
se comovem não somente com a situação noticiada e sofrida
por um personagem real, mas porque a questão exposta afeta
a individualidade destes sujeitos. É o caso de reportagens
que destacam o choro de jornalistas negros quando abordam
ocorrências de racismo, como o recente acontecimento com
o jogador Vini Jr − que fez Luciana Barreto chorar ao vivo na
CNN16, e Indianara Campos no Bom Dia SP17. Nestas situa-
ções, os critérios que levam os jornalistas a se tornarem notí-
cias estão entrecruzados com as próprias vivências, lutas e
dores experimentadas dentro e fora da profissão.
Por fim, salientamos que a eleição de pautas que tomam
jornalistas televisivos como centro do conteúdo não passa
apenas por situações de excessiva carga emocional dramá-
tica. Há situações envolvendo comportamento, vestuário e
cotidianidade que ocupam espaços em reportagens ao tratar
de atitudes dos profissionais que desviam de padrões imagi-
nados para a atuação neste gênero. Quando, por exemplo,
Renata Vasconcellos causou enorme repercussão ao apresen-
tar o Jornal Nacional de calçado esportivo18, ou quando um
repórter da Band entrou ao vivo com o filho no colo porque
não pôde ir a creche19.
156
Em todas as situações aqui elencadas, o argumento para
que jornalistas de televisão se tornem pauta envolve emoções,
desvio da performance esperada para os padrões de telejor-
nalismo e abertura para a exposição de novas dinâmicas tanto
da relação dos profissionais com os conteúdos quanto das
próprias empresas de comunicação ao permitirem e até reper-
cutirem novos tons de socialização de conteúdos noticiosos.
157
nada disso seja publicizado no trabalho jornalístico. A ques-
tão demanda estudos de recepção para análise, mas levanta-
mos a hipótese de que é impossível dissociar a persona que
vemos nas redes sociais daquela figura que nos acostuma-
mos a assistir pela TV.
Logo, este eixo está centrado em elementos externos ao
telejornalismo, mas acaba se configurando como uma prática
de subjetividade porque demonstra que os profissionais de
imprensa são seres humanos, dotados de vidas particulares
além daquela que se mostra nas narrativas televisivas.
As redes sociais, aliás, renderam uma atualização nos
Princípios Editoriais do Grupo Globo, que publicou em
2018 uma carta do presidente do Conselho Editorial, João
Roberto Marinho, destacando as novas diretrizes de uso de
redes sociais por profissionais das empresas. O objetivo da
normativa seria garantir a manutenção da suposta “isenção
e correção” características do ofício jornalístico. Vejamos um
excerto do texto:
Em sua atuação nas redes sociais, o jornalista deve evitar
tudo o que comprometa a percepção de que o Grupo Globo
é isento. Por esse motivo, nas redes sociais, esses jornalis-
tas devem se abster de expressar opiniões políticas, promo-
ver e apoiar partidos e candidaturas, defender ideologias e
tomar partido em questões controversas e polêmicas que
estão sendo cobertas jornalisticamente pelo Grupo Globo.
Em síntese, esses jornalistas não devem nunca se pôr como
parte do debate político e ideológico, muito menos com o
intuito de contribuir para a vitória ou a derrota de uma tese,
uma medida que divida opiniões, um objetivo em disputa20.
158
O trecho acima posiciona o profissional deste grupo de
empresas como alguém que deve ocultar sua subjetividade
em nome de uma pretensa objetividade que seria possível e
obrigatória. Contudo, ao fim de nossas reflexões e tendo em
vista os exemplos discutidos neste artigo, perguntamos: até
que ponto esta norma tem sido obedecida pelos profissio-
nais? As regras são factíveis no contexto volátil da interface
entre mídias digitais, jornalismo, midiatização da intimidade
e política? A conferir.
Considerações finais
159
Por outro lado, defendemos que o papel jornalístico
pode, sim, ser exercido mesmo diante do cenário midiati-
zado, personalista e subjetivo. Como pesquisadores, mais do
que avaliar, interessa-nos entender os processos pelos quais
isto tem acontecido. De saída, parece-nos mais produtivo
tentar compreender o contexto que estrutura a “virada subje-
tiva” do telejornalismo e, novamente, Maura Martins oferece
algumas pistas:
Minha hipótese mais forte tem a ver com uma pressão exer-
cida cada vez maior por engajamento – o termo que parece
ter substituído, quase que por completo, a antiga pecha da
“busca por audiência”. Deseja-se que o espectador não tro-
que de canal ou migre para outras plataformas (como o
celular). Mas, também, deseja-se que ele se sinta próximo,
quase como se o jornalismo e os jornalistas fossem uma
espécie de fandom agradável que ele precisa querer partici-
par. O preço pago por isso, contudo, é muito caro, e tem a
ver com uma desconfiguração cada vez maior do produto
que nós, jornalistas, somos formados para fazer (Martins,
2023, s/p).
160
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161
2
Telejornalista multifuncional: o
videorrepórter em ação
Leandro Olegário
Introdução
163
de profissionais especializados em televisão e o aumento da
presença de programas de auditório na programação. Ainda
conforme Mattos (2010), de 1975 a 1985 foi denominada a
fase do desenvolvimento tecnológico na qual as emissoras
de televisão aperfeiçoaram-se e passaram a produzir seus
próprios programas. Esse período foi marcado pela moder-
nização tecnológica, com o lançamento do satélite, e pela
diversificação da produção dramatúrgica. A fase de transi-
ção e expansão internacional, abrangendo o período de 1985
a 1990, coincidiu com a Nova República, na qual o Plano
Real permitiu que todas as classes sociais, inclusive as clas-
ses D e E, tivessem acesso à televisão. Nessa fase, surgiram
novos formatos de dramaturgia, como séries e minisséries, e
as telenovelas brasileiras começaram a ser exportadas devido
ao seu sucesso. A partir de 1990, teve início a fase da globa-
lização e da TV paga, em que o país buscava modernidade
a qualquer custo, e a televisão adaptou-se aos rumos do
processo de redemocratização.
No intervalo temporal de 2000 a 2010, identificado como
fase da convergência e da qualidade digital (Mattos, 2010),
o surgimento de novas ferramentas comunicacionais trouxe
desafios e preocupações relacionados à interatividade com a
internet e outras tecnologias da informação. Nesse período,
foi implantado o sistema de TV Digital no Brasil, seguido
posteriormente pela desativação do sistema analógico. A
partir de 2010, iniciou-se a fase da portabilidade, mobilidade
e interatividade digital. Nessa etapa, houve uma reestrutura-
ção no modelo de operação das emissoras de televisão, que
passaram a dividir espaço midiático com as novas mídias.
Já no âmbito referente às imagens produzidas na tele-
visão, do filme em película de 16 mm aos vídeos gravados
por aplicativos de conversa e câmeras de monitoramento,
164
tem-se alterações substanciais na maneira de captar, editar e
levar ao ar as informações. De maneira sucinta, em 1969, a
Sony lançou o sistema U-Matic, que substituiu o filme, com
a utilização de uma fita cassete. Isso marcou a revelação
fílmica pela edição analógica do vídeo-tape. Um caminho
de evolução técnica marcado por Betacam (Sony), o Super
VHS (JVC). Nas décadas de 1980 e 1990, tem-se um estímulo
comercial e oportunidade tecnológica, com o vídeo cassete,
da produção de imagens pela própria audiência. Registros
caseiros do cotidiano que resultaram no conceito de “desco-
lecionamento” (Canclini, 2006), para explicar o fenômeno da
gravação em vídeo VHS pelo cidadão que não atuava profis-
sionalmente como cinegrafista. Para Canclini, o surgimento
de dispositivos tecnológicos (fotocopiadora, vídeo cassete e
vídeo game) alterou a organização vigente e que não seria
mais possível ser considerado culto ou popular, pois as cole-
ções se perderam e, com elas, as referências semânticas e
históricas que ancoravam seu sentido. Ele exemplifica que a
fotocopiadora garantia a possibilidade do manejo mais livre e
fragmentário dos textos e do saber, já o vídeo cassete, permi-
tiria a articulação de elementos tradicionalmente opostos nas
produções audiovisuais: o nacional e o estrangeiro, o lazer e o
trabalho e, por fim, o vídeo game, desmaterializaria e descor-
porificaria o perigo. Nos tempos atuais, o jornalista multi-
funcional, como o próprio nome revela, acaba por assumir
mais de uma função na rotina profissional que perpassam
atividades ou cargos extintos ou em vias de extinção. Maria
Elisabete Antonioli aponta que perfil profissional atual difere
significativamente daquele do jornalista do século passado,
que tipicamente se especializava em uma única forma de
expressão jornalística e concentrava seus esforços em uma
única mídia.
165
Gradativamente, um novo modo de se fazer jornalismo foi
desenvolvido, tendo em vista as possibilidades advindas da
Internet. Atualmente, softwares de texto, edição e publicação
permitem que o profissional participe de todo o processo
jornalístico. É o jornalista multifuncional e, nesse sentido,
destaca-se a importância dos conhecimentos em informá-
tica e noções básicas de programação para que ele consiga
desenvolver seu trabalho com propriedade (Antonioli, 2016,
p. 3).
Assim, perto ou longe dos centros urbanos, encontram-
-se jornalistas que desempenham funções como pauteiro
e produtor de pauta, ou ainda, editor de texto e editor de
imagem, ou também, repórter e repórter cinematográ-
fico/cinegrafista. Devido à emergência do tema, encontra-
-se pouca literatura específica atualizada sobre o jornalismo
multifuncional, o que implica, entre outros, na atividade de
videorreportagem. Neste capítulo, esta investigação preocu-
pa-se em observar o modo de produção do videorrepórter
e tecer breves reflexões acerca da função. Para isso, na pers-
pectiva metodológica, utiliza-se como técnicas a observação
sistêmica, pesquisa bibliográfica e a entrevista estruturada.
Portanto, propõe-se coletar as impressões de um videorre-
pórter a partir de uma entrevista estruturada, na qual há
perguntas pré-estabelecidas e roteirizadas.
166
5.De que maneira você percebe que o processo de convergência de
mídias mudou a rotina de um telejornal?
6. Você identifica diferença na qualidade (apuração; construção
narrativa; ineditismo etc.) no material que produzido?
7. Quais características são indispensáveis aos novos telejornalistas na
sua avaliação?
167
e edição e, também, do repórter em imagens que darão
sentido ao material posteriormente editado. “o cinegra-
fista é um agente da reportagem. Deve opinar sobre todo
o processo de produção e não somente sobre estética ou
paisagens” (Barbero; Lima, 2002, p. 70). Não raro, toma
decisões fundamentais para execução exitosa da reporta-
gem como o melhor enquadramento da passagem, capta-
ção de áudio para resultar em sobe-som ou de garantir o
flagrante durante um acontecimento, por exemplo. Como
acentua Ivor Yorke (1998), o cinegrafista é fonte de expe-
riência para o repórter. A explicação para isso está na
pouca mobilidade da função nas emissoras, seja pela quali-
ficação de ensino formal, seja pela ausência de plano de
carreira. São raros os casos de cinegrafistas que passam a
atuar em outros postos na redação. O contrário acontece
com o repórter. A experiência dos autores desta pesquisa,
com passagens em diferentes emissoras com abrangência
regional e nacional, atesta essa visão empírica do mercado.
Como a rotatividade de repórteres, geralmente, é grande,
pois à medida que o tempo passa têm outros desafios em
cargos de editor, apresentador e chefia, ou ainda, pela visi-
bilidade resultante da função, migram para a comunica-
ção corporativa. Nesse cenário, o cinegrafista acaba sendo
um referencial de experiência e orientação aos repórteres,
principalmente, aos iniciantes. Carregam um saber pecu-
liar sobre a dinâmica das reportagens a partir das experiên-
cias em diferentes pautas ao longo do tempo. “A regra é que
imagens e palavras devem andar juntas. A divergência leva
à competição entre as duas, distraindo o público. Nesse
caso, sempre prevalece o poder da imagem” (Yorke, 1998,
p. 24). Conforme Sandra Passarinho (1994), citada por
Sebastião Squirra (2004, p. 72), “o repórter sozinho não
168
faz nada. A reportagem, para dar certo, precisa do repór-
ter, do cinegrafista, do iluminador e do operador de áudio,
a equipe tem que ser a mais entrosada possível”.
Faz-se necessário ressaltar as seguintes premissas: primeiro,
o conceito de que as imagens não existem sozinhas. Elas
estão acompanhadas dos sons correspondentes à ação cap-
tada. Na sequência, quando falamos de imagens, queremos
citá-las como “sucessão de imagens paradas”, que reprodu-
zem o movimento dos objetos e das pessoas. As imagens
trazem consigo o significado da profundidade de campo
do enquadramento; a instigação dos movimentos das câme-
ras – que podem sempre revelar um fato novo, desconhe-
cido do telespectador –, ou ainda os novos cenários da ação
(Squirra, 2004, p. 136).
169
O precursor foi o americano Jon Alpert que, após criar uma
produtora independente, produziu sozinho documentários
para várias redes de TV americanas. Alpert ganhou reco-
nhecimento ao conseguir entrevistas exclusivas com auto-
ridades e fazer coberturas jornalísticas inéditas. Entrevistou
Fidel Castro depois da Revolução de Cuba, foi o primeiro
jornalista americano a entrar no Camboja após a guerra do
Vietnã e um dos responsáveis pela cobertura jornalística da
guerra do Irã e Iraque (Thomaz, 2006, p. 3).
Há, também, o registro no início da década de 1980 no
Canadá com o empresário Moses Znaimer, proprietário
da emissora Citytv, que liderou a introdução desta nova
forma de produção nos telejornais, rompendo com a lógica
operativa herdada do cinema (repórter, cinegrafista, opera-
dores de áudio e de luz e motorista). Segundo (Altieri,
2003, p. 20), eram “equipamentos caros e sem mobilidade,
cenários artificiais, equipes de externa imensas que chega-
vam a ter oito integrantes”. Nos anos 1990, o canal a cabo
norte-americano Nova York One, o NY1, focado em cober-
tura local, chegou a ter uma equipe de 80 videorrepórte-
res. “A NY1 implantou, a partir de 1991, uma filosofia de
trabalho muito clara: onde houver algum fato de relevân-
cia jornalística, lá estará um videojournalist. Quantidade de
“equipes” espalhadas e qualidade juntas – esta era a ideia”
(Nachbin, 2005, p. 129).
No Brasil, a videorreportagem começa no ano de 1987,
com a TV Gazeta de São Paulo. Durante o TV MIX2, um
programa que chegou a ter em determinado momento
quatro programas em diferentes turnos em razão de crise
financeira da emissora à época.
170
O ‘abelha’ surgiu pela primeira vez no país em novembro de
87 no “TV Mix”, na TV Gazeta. Na época sem dinheiro para
montar equipes de reportagem, a Gazeta investiu em jor-
nalistas que saíam às ruas com uma câmera VHS, de vídeo
doméstico (TVFolha, 1997).
171
Vale salientar que a montagem do projeto transiberiano,
assim como todos os demais, foi feita na ilha de edição do
comprador do projeto. Acompanho de perto, sempre, toda a
pós-produção. Mas nunca gosto de assumir, sozinho, a res-
ponsabilidade por esta etapa final do processo. O trabalho
videojornalístico pode ser considerado extremamente auto-
ral. Uma única cabeça determina o conteúdo e a linguagem
estética durante a captação de áudio e vídeo. Neste caso, a
presença do chamado “olhar frio” do editor me parece indis-
pensável. Está mais próximo do olhar da audiência e evita
distorções geradas pelo envolvimento do autor com o pró-
prio material bruto (Nachbin, 2005, p. 127).
172
4. O videorrepórter se envolve na história, tornando-se
um personagem conforme vai registrando e narrando
os fatos;
5. A videorreportagem permite que o telespectador
perceba a ação e personalidade do jornalista;
6. Diferente da reportagem tradicional, o texto e os offs
não são escritos após as gravações, mas no local do
fato, o que passa maior credibilidade à notícia;
7. Com menor cortes de edição tradicional, os planos-
-sequencias não interrompem o andamento dos fatos;
8. Imagens tremidas e desfocas reforçam credibilidade,
derrubando a paradigma que apenas reportagens
bem elaboradas despertam a atenção da audiência;
9. Por privilegiar a informação no lugar da estética tele-
visiva, deve ser utilizada em eventos que o conteúdo
realmente interesse a audiência;
10. Requer treinamento por parte do jornalista que
segura o microfone em uma mão e opera a câmera
com outra;
11. Não dispensa o apoio da chefia de reportagem;
12. O jornalista acumula funções de editor de texto,
repórter e cinegrafista, necessitando de muita técnica
para ter uma boa performance em todas as etapas.
173
O modelo e a experiência como videorrepórter
174
A segunda premissa do projeto é ‘seja beta’:
As versões beta subvertem a lógica dos cronogramas indus-
triais e ajudam consumidores a satisfazer o desejo de inte-
ragir com quem produz. Beta pressupõe questionamento,
autocrítica e abertura para a mudança. Não case com as
suas ideias, seja permeável, insatisfeito, incansável. O defi-
nitivo é provisório. Só o estado beta é permanente (Grupo
RBS, 2021).
Já a terceira premissa é ‘pense à frente’:
Abandone as zonas de conforto e as certezas reducionistas
do passado. Evite as fronteiras construídas pelo chamado
senso comum. A vida produz erros e acertos, aprenda com
ambos. Vá em frente, inovação é coragem, experimentação,
aprendizado e risco. E o lucro, é a remuneração do risco
(Grupo RBS, 2021).
Para desenvolver todas as premissas, a empresa contratou
uma consultoria por 12 meses com a finalidade de investigar
o futuro da indústria da comunicação e coletou depoimentos
de experientes profissionais de mercado do Brasil e do exte-
rior. Dentre as mudanças, que vem envolvendo nos últimos
anos outros veículos do grupo, surge o modelo de videorre-
portagem em cinco cidades do interior.
Observa-se que três fatores norteiam, ao longo da histó-
ria da televisão, a escolha pela videorreportagem: manu-
tenção de cobertura local/regional com redução de custos;
opção por linguagem em perspectiva intimista; e em condi-
ções extremas dos modos de produção.
Assim sendo, foi entrevistado um jornalista que atuou
como videorrepórter da primeira turma de profissionais
contratados com essa finalidade em 2019. A identidade e
o local de atuação foram preservados a pedido do tele-
jornalista e por entendimento do pesquisador para evitar
175
qualquer constrangimento na esfera profissional do entre-
vistado, o que não compromete a pesquisa e qualidade dos
dados coletados.
A critério do autor utiliza-se a expressão “NI”, nas cita-
ções de palavras que remetam ao local de trabalho ou iden-
tidade da fonte, o que corresponde a ‘não identificado”. O
entrevistado explica que sua rotina exigia plena dedicação
para o processo de construção das reportagens.
Como videorrepórter participava de todas as reuniões de
pauta, regionais ou estaduais, para oferecer os conteúdos
que poderiam se tornar pauta na região onde estava. Minha
base era NI, e mais 23 cidades do entorno. Construímos a
pauta, e realizamos todas as etapas até a edição de vídeo.
Produção, viajar até o local, captação, entrevistas e texto. O
processo de edição era feito pela emissora responsável pelo
cluster, no meu caso, NI (Videorrepórter, 2021)
Entre os principais desafios, observa-se conciliar as
funções de repórter, motorista e cinegrafista na realização
das matérias.
Era muito complicado administrar todas as funções que
naturalmente seriam de uma equipe. Por ter que controlar
os materiais de captação, cuidar do carro, além de realizar as
entrevistas em si, é muito complexo. Nunca podia me afas-
tar muito do carro, pois o material da câmera pesava cerca
de 7kg e era complicado carregar para muito longe sem a
ajuda do carro (Videorrepórter, 2021).
Com relação ao peso citado pelo entrevistado, para se ter
uma ideia, o videorrepórter carrega ao menos tripé, câmera
portátil ou iphone, microfone e outros acessórios para cone-
xão entre os equipamentos, além de bateria e iluminação. A
partir desse contexto, outro questionamento busca compreen-
der como se deu o processo de preparação para a função.
176
Ao entrar na empresa, participei de uma espécie de wor-
kshop sobre a função de cinegrafista que durou quatro dias.
Depois disso, foi na sorte mesmo e aprendendo com o
tempo e os erros, que foram muitos, pois além de não domi-
nar completamente, muitas vezes havia a pressão de entre-
gar a matéria ou até o mesmo o ilustra em 20 ou 30 minutos
(Videorrepórter, 2021).
177
rápida”, avalia. Por outro lado, o videorrepórter identifica o
tempo como um complicador no quesito qualidade.
Não tende a ter a mesma qualidade. Como o tempo é cor-
rido e temos que executar todos os processos, se a pauta
necessitar de viagem ou mais de um deslocamento, a pro-
dução no local precisa ser muito rápida e às vezes deficiente.
Como já tive a oportunidade de vivenciar um trabalho em
equipe e individual, acredito que o individual tem mais mar-
gens para problemas e erros (Videorrepórter, 2021).
Quando a reflexão recai sobre as características são indis-
pensáveis aos novos telejornalistas, o entrevistado pontua:
Se o telejornal optar por videorrepórteres, ele precisa ter
uma equipe de apoio para garantir o imediatismo e a qua-
lidade do produto que vai ao ar, mesmo que feito de forma
mais escassa em material humano. É preciso permitir que
o produtor ou videorrepórter tenha tempo de produzir
quando for uma matéria mais elaborada e o apoio no caso
de factuais (Videorrepórter, 2021).
178
11h35 - Recebimento de ligação telefônica da equipe técnica de Porto
Alegre para teste de sinal 4G e funcionamento de equipamentos.
11h55 - Revisão do texto do ao vivo.
12h23 - Recebimento de ligação telefônica da equipe de produção de
Porto Alegre para conexão de vídeo, instalação de microfone e posi-
cionamento em frente à câmera.
12h28 - Entrada ao vivo no programa.
13h05 - Deslocamento entre o local da entrada ao vivo e o prédio da
TV.
14h25 - Chegada à sede da emissora.
14h27 - Retirada de equipamentos do carro da TV e armazenamento
no almoxarifado.
14h38 - Saída da emissora para casa, com carro da empresa.
15h03- Chegada na residência, mantendo apuração de notícias da
região, em regime home office.
16h - Término da jornada de trabalho.
179
Quadro 3 – Avaliação de elementos estruturantes da videorreportagem
Etapa da
rotina Vantagens Desvantagens
produtiva
Produção Presença local do jorna-Ausência de tempo para
lista no acontecimento apuração aprofundada
Entrevista / Proposta mais intimista,Enquadramento de
sonora podendo deixar o entrevis-
imagem e captação sonora
tado mais à vontade limitado
Passagem / Agilidade na gravação Repetição de enquadra-
boletim mento / Ambiente não
controlado
Imagens Flagrante de acontecimen- Risco de perda esté-
de apoio – tos / Linguagem intimista tica da imagem / Tempo
videorrepór- de permanência para
ter captação
Fonte: (Autor, 2023)
180
Não são poucas as situações de cobertura telejornalística
factual que precisam de dois ou três profissionais. Enquanto
um estaciona o carro, o segundo grava imagens e o terceiro
faz a apuração nos bastidores. O videojornalista seria menos
eficiente. Em tantas outras, como já foi discutido, pode ser
tão ou mais eficiente e criar uma linguagem diferenciada
(Nachbin, 2005, p. 133).
Considerações finais
181
qualidade e pertinência ao público. Se a indústria da infor-
mação direcionar suas escolhas exclusivamente pela lógica
econômica, estará fadada a extinguir uma atividade profis-
sional em um curto espaço de tempo.
Apostar em vídeorrepórter pode significar oportunidade
para emissoras investirem em linguagens não tradicionais,
contarem histórias com caráter mais imersivo e intimista,
além de garantir a presença do telejornalismo local em
regiões nas quais não haveria condições de se ter uma equipe.
No entanto, a ressalva a ser feita é a de que a manutenção do
modo de produção pela simples substituição de profissio-
nais em um telejornalista multifucional compromete, entre
outros, a apuração, um dos pilares inegociáveis do jornalismo,
e coloca no mesmo patamar as produções desenvolvidas por
aventureiros no jornalismo amador ou não profissional.
Motivo de alerta e preocupação no atual contexto no qual o
próprio jornalismo sofre retalhações e desprestígio de dife-
rentes segmentos e atores sociais, ao mesmo tempo em que
tem sua relevância e consumo ressiginifcados para combater
a desinformação e a infodemia. Diante disso, a importância
da televisão, enquanto suporte e mediação, é inquestionável.
Salvas raríssimas exceções, no Brasil, não temos videor-
repórteres com larga experiência, pois a função ainda é asso-
ciada a remunerações pouco atraentes e a jornalistas em início
de carreira. Isso posto, seria possível romper a lógica da preca-
rização do trabalho e falta de estrutura e promover a valori-
zação dos recursos humanos a partir do avanço tecnológico?
Uma pergunta que não se tem a pretensão final de resposta neste
trabalho, mas que desafia a pesquisa em telejornalismo a conti-
nuar a buscar pistas que indiquem novos caminhos e novas
possibilidades, com referencialidade e qualidade no horizonte.
182
Referências
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183
3
Repórter de rede − as mudanças de um
padrão do telejornalismo no Brasil
Washington José de Souza Filho
185
brasileira, do qual o JN é um símbolo. A atuação do repórter
de rede define um período da televisão brasileira, modificado
pela implantação do sistema nacional de telecomunicação,
no fim dos anos 1960, promovida no período do governo sob
a ditadura, a partir de 1° de abril de 1964, além de alterações
da tecnologia, com a substituição do filme pelo videoteipe,
até alcançar a realidade atual, baseada no suporte digital.
As transformações promovidas pela tecnologia, em torno
do fortalecimento da internet como espaço para a produção
e a distribuição de conteúdo, refletem alterações que modi-
ficaram o universo dos meios de comunicação, de diferen-
tes formas. As mudanças têm a concepção de uma “crise
sistêmica”, na definição de Caio Túlio Costa: “O jornalismo
enfrenta seu momento mais complicado em mais de cinco
séculos de vida” (2021, p. 85).
A ideia de uma crise sistêmica, como trata Costa aparece
pela consideração de dificuldades em diferentes questões, em
relação ao modelo de negócios, a repercussão econômica,
com a perda da receita que era destinada às publicações, a
pera do protagonismo, pela retirada do jornalista da condi-
ção de principal mediador como produtor de informação,
o conflito entre gerações, nas redações e na distribuição de
conteúdo, com o surgimento de um público nativo digital e
a perda de credibilidade, em decorrência de ataques à atua-
ção e a função do jornalismo. “Nada disse é novidade, todos
o sabem. O que não se sabe o que vai ser o jornalismo daqui
para a frente” (Costa, 2021, p. 85).
186
modalidades, em torno de um “jornalismo de telas” (Emerim,
Finger e Coutinho, 2018). A televisão, como referência a um
meio de comunicação, que está implantado no Brasil há mais
de 70 anos, desde setembro de 1950, estabeleceu vincula-
ção operacional ao ambiente digital, permitida pela cone-
xão (Brennan, 2016). A conexão, a possibilidade de acesso
às alternativas permitidas pela internet, inclusive o sinal
transmitido de forma aberta, sem a necessidade de paga-
mento, pode ser feito por opções, como por exemplo, as
redes sociais, mesmo em tempo real.
No caso do Brasil, dados apurados pelo Kantar Ibope Media,
que faz a verificação de audiência, referentes a 2021, dimensio-
nam a atuação da televisão, em comparação com a possibili-
dade de acesso à programação, através de diferentes dispositivos,
como os telefones celulares. A TV conectada, o que permite
a possibilidade de consumo, por diferentes modalidades, pela
ligação com a internet, tem aumentado, progressivamente. Em
cinco anos, entre 2017 e 2021, cresceu de 27% para 57%. A predo-
minância, entre diferentes dispositivos, é da TV, com 54%, 33%,
exclusivamente, da TV, e 34 % de vídeo online, apenas 13% por
dispositivos, como os telefones celulares.
O consumo de TV no País corresponde ao quarto
mercado da América do Sul, com uma média diária de
5h37min, atrás da Argentina, que chega a 6h16min, Panamá
e Chile. O Rio de Janeiro, entre as 15 regiões metropolitanas
do País, alcançou a maior média diária de consumo de TV,
6h31m, em 2021.A última, consideradas as regiões metropoli-
tanas, foi Goiânia, com 4h43m. Uma diferença, no consumo
diário de TV, de 1h58m, quase duas horas, entre a região
metropolitana com a média mais alta e a menor, de acordo
com os dados (Kantar Ibope Media, 2022). A cobertura
geográfica da televisão alcança 100% do território brasileiro,
187
de acordo com levantamento Mídia Dados 2022, por meio
da transmissão aberta e antenas.
O alcance da cobertura, em relação à televisão no Brasil,
favorece a importância da programação do meio para divul-
gar informação, de acordo com a pesquisa do Kantar Ibope
Media 2022. Entre o público da TV, 59% confia no meio para
se informar. Um percentual maior − 72% − assiste a progra-
mação para relaxar. O tempo dedicado pelo público para
assistir a programas de informação é de 25%, em um espaço
de 9% da programação de jornalismo, o que é “considerada
uma alta intensidade de consumo”, em torno de 276, uma vez
e meia acima de 100, um índice que é considerado positivo
(Kantar Ibope Media, 2022).
A presença da informação, como parte da programação
das emissoras de televisão, estimula o debate sobre a atua-
ção que desempenham os programas de jornalismo, como
os telejornais, em torno da ideia de uma síntese dos princi-
pais acontecimentos do país e do mundo. A divulgação da
informação na TV, o conteúdo predominante dos programas,
tem como referência a atuação dos jornalistas, entre eles o
repórter (Chiaroni; Sacramento, 2022), pelo protagonismo
que alcançou, em meio às diversas modificações, relacio-
nadas com as transformações da tecnologia. As mudanças,
que fortaleceram a participação do repórter, pela possibi-
lidade da presença no vídeo, representaram, progressiva-
mente, a partir da implantação da televisão “passos para
o que convencionamos chamar de reportagem televisiva”
(Chiaroni; Sacramento, 2022, p. 81).
A proposta de análise da atuação do repórter de rede no
JN parte da hipótese de que não existe mais uma exclusivi-
dade, em relação aos jornalistas da emissora, partir de um
modelo, consolidado, principalmente, a partir da utilização
188
do videoteipe como suporte para a realização das reporta-
gens, iniciada na Globo, em 1976 (Paternostro, 2006, p.38). A
análise tem como referência a cobertura, em períodos dife-
rentes, da consequência da chuva, em quatro estados brasilei-
ros – Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo –, entre
dezembro de 2021 e fevereiro de 2023.
A avaliação é uma pesquisa exploratória, amparada por
uma revisão bibliográfica, em que considera a constituição
de um modelo para a atuação da televisão no Brasil, a partir
da estreia do JN, como consequência da implantação de um
sistema nacional de telecomunicações, que permitiu a trans-
missão do sinal da TV aberta para todo o País. A transmissão
permitiu o estabelecimento de uma programação baseada
nesta abrangência, destinada para todo o país, da qual faz
parte os programas de informação.
189
programa no Rio de Janeiro e São Paulo, formada por emis-
soras pertencentes aos grupos geradores da programação e
afiliadas, vinculadas por meio de contrato. A estrutura, em
relação ao jornalismo, promoveu a divisão do conteúdo de
informação em dois níveis, nacional e regional (Squirra,1993),
a partir do modelo adotado pelos Estados Unidos.
As redes formadas pelas emissoras de televisão contri-
buem para que seja realizada a transmissão da programa-
ção para todo o território nacional. As afiliadas, relacionadas
por um contrato que define as condições para a atuação delas,
integram o processo de distribuição do sinal e a exibição dos
programas, incluídos os de informação, Uma cobertura que
determina o alcance que a televisão tem em relação ao país,
uma referência mais ampla do que a representada pelas prin-
cipais redes, inclusive as consideradas como públicas, como
distinção das emissoras definidas como comerciais (Tabela 1).
190
políticos e, inclusive, religiosos (Pasti,2023). As mudanças,
promovidas pelas transformações que permitiram a atuação
das empresas de comunicação no ambiente digital, não alte-
raram a relação de poder.
[...] o surgimento de novas tecnologias não transforma,
sozinho, a estrutura do poder comunicacional. As dimen-
sões econômicas, regulatórias e culturais do consumo de
informação permanecem favorecendo a concentração desse
poder em poucas mãos. [...] Diversas pesquisas demons-
tram como a internet acompanhou uma centralização do
comando de notícias [...], também no território nacional
[..]. (Pasti, 2022, p. 32-33)
A programação em rede impôs a necessidade de uma
adequação, o conteúdo voltado para o público, compreen-
dido pela abrangência, pela presença em todo o país. A atua-
ção do jornalismo tinha como parâmetro esta dimensão, um
conteúdo que pudesse corresponder ao interesse de todos,
espalhados pelo Brasil. Através das redes, constituídas pelas
emissoras, informar implicava na necessidade na definir um
conceito, em relação à notícia, de que fosse nacional (Vizeu,
2000; Souza Filho, 2009).
O JN, justificado por diferentes versões (Amorim,2015;
Oliveira Sobrinho, 2001), quando alcança a condição de
pioneiro da TV brasileira demonstra a influência do modelo
dos Estados Unidos (Mattos,2000; Squirra,1993), inclusive na
concepção de um telejornal transmitido para todo o país. O
programa seguiu a tendência que foi definida por Ramonet
(1999, p. 77-78) como “as grandes missas da noite”, expres-
são para caracterizar os telejornais, especialmente os que são
exibidos à noite, na faixa de horário que é considerada nobre,
entre 18h e 22h, como ocorre no Brasil, em diferentes países
do mundo.
191
A inspiração para todos os programas é o CBS Evening
News, da emissora estadunidense Columbia Broadcasting
System (CBS), apresentado por Walter Cronkite. O jorna-
lista, notabilizado por estabelecer a condição de âncora como
um procedimento natural, sobre a forma de conduzir o tele-
jornal, contribuiu para definir um modelo de programa para
o jornalismo audiovisual.
192
do JN, elaboradas pela empresa, a definição é um esforço
realizado através do tempo.
Mello e Souza (1984), quando descreve o programa ao
completar 15 anos, indica a preocupação sobre o que seria a
notícia nacional, surgida após a estreia do JN:
Muito bem, começou o Jornal Nacional, agora estamos em
rede, o Brasil inteiro está nos vendo. O que levar, porém,
a esse Brasil inteiro? Nossa preocupação passou a ser a
dimensão nacional da notícia. Como se poderia determi-
nar se um fato era de interesse local, regional ou nacional?
O segmento internacional não nos preocupava. Todos nós
estávamos habituados a ele. As nossas dúvidas – dúvidas
que nasceram desde os primeiros dias – relacionavam-se
com o conceito de noticiário nacional. [...]. (Mello e Souza,
1984, p. 139).
193
a rede de emissoras, assim como os recursos permitidos
pela tecnologia.
Os dispositivos móveis e ferramentas menores transforma-
ram o nosso modo de cobrir um país de dimensões con-
tinentais. [...] Na Amazônia profunda, equipamentos de
LiveU - que transmitem imagens e som via sinal de celular
- são tão importantes como voadeiras, pequenas embarca-
ções usadas para transporte fluvial. Câmeras ocultam regis-
tram os assaltos no bairro paulistano do Brás. Celulares são
discretos o suficiente para captar, de pertinho, a tensão no
meio das barricadas montadas na greve dos caminhoneiros,
em maio de 2018. Os aplicativos de mensagens, em espe-
cial, aceleraram a nossa forma de produzir e apurar. [...].
(Memória Globo, 2019, p. 168).
194
A produção de conteúdo centralizada nas redações
195
A estrutura para a produção diária dos telejornais também
pode representar uma pedra no caminho. Eu consegui tra-
balhar nesta área talvez pelo fato de ter ignorado a concor-
rência natural entre os repórteres para aparecer no vídeo
todos os dias. Nunca parei para contabilizar, mas é comum,
no caso do Jornal Nacional, mas de 50 repórteres saíram às
ruas todos os dias atrás das notícias mais importantes. E eles
sabem que, por melhor que possam ser os seus desempe-
nhos, por absoluta falta de espaço, apenas vinte por cento
terão alguma chance de transmiti-las aos telespectadores.
Ao correr por fora dessa disputa do dia-a-dia, eu conquis-
tei mais tempo e a oportunidade para aprofundar as apura-
ções. [..] (Barcellos, 1984, p.19)
196
Rio de Janeiro cortar o cabelo e ter aulas com a fonoaudió-
loga Glorinha Beuttenmüller. Mantive o meu sotaque, por-
que ele é autêntico.
197
intensidade, de uma evidente dificuldade de deslocamento,
por ter havido o comprometimento de rodovias nas diver-
sas regiões, em todos os estados.
Bahia: a cobertura da chuva no estado, avaliada através
das edições do Jornal Nacional, ocorreu entre 9 de dezem-
bro de 2021 e 1 de janeiro de 2022. A cobertura na Bahia foi
realizada pela TV Bahia, instalada em Salvador, e a TV Santa
Cruz, com sede em Itabuna, no Sul do estado. A TV Santa
Cruz, distante 435 quilômetros de Salvador, pela localiza-
ção geográfica, estava mais perto das áreas de maior concen-
tração da chuva, nas regiões Sul, Extremo-Sul e Sudoeste.
No estado, há seis emissoras afiliadas da Globo, apenas uma
delas – a TV Subaé – não pertence ao grupo empresarial da
TV Bahia (Tabela 3).
Tabela 3 (Emissoras/Bahia)
Emissora Sede
TV Bahia Salvador
TV Subaé Feira de Santana
TV Santa Cruz Itabuna
TV São Francisco Juazeiro
TV Sudoeste Vitória da Conquista
TV Oeste Barreiras
Fonte: elaboração do autor.
198
Tabela 4 (Emissoras/Minas Gerais)
Emissora Sede
TV Globo Belo Horizonte
TV Integração Juiz de Fora
TV Integração Ituiutaba
TV Integração Divinópolis/Araxá
TV Integração Uberlândia
EPTV Sul de Minas Varginha
Inter TV Grande Minas Montes Claros
Inter TV dos Vales Governador Valadares/Coronel Fabriciano
Fonte: elaboração do autor.
Tabela 5 (Emissoras/Pernambuco)
Emissora Sede
TV Globo Recife
TV Asa Branca Caruaru
TV Grande Rio Petrolina
Fonte: elaboração do autor.
199
sediada em São Paulo, tem cinco grupos empresariais dife-
rentes, que controlam 11 afiliadas (Tabela 6).
Emissora Sede
TV Globo São Paulo
TV Diário Mogi das Cruzes
EPTV Campinas Campinas
EPTV Central São Carlos
EPTV Ribeirão Ribeirão Preto
TV Tem Bauru
TV Tem Itapetininga
TV Tem São José do Rio Preto
TV Tem Sorocaba
TV Tribuna Santos
TV Vanguarda São José dos Campos
TV Vanguarda Taubaté
Fonte: elaboração do autor.
200
demonstram aspectos que reforçam a presunção de uma
escolha, sem a opção mais relacionada com o padrão que
ere predominante, em relação ao JN.
Bahia: a cobertura em relação às edições analisadas,
constatou a participação de uma repórter da TV Santa Cruz,
em atuação em uma das áreas mais atingidas pela chuva,
assim como de três repórteres da TV Bahia, dos quais uma
delas sem participação no Jornal Nacional, ao contrário dos
outros dois.
Minas Gerais: a cobertura em relação às edições anali-
sadas, constatou a participação de uma repórter da Inter
TV Grande Minas, afiliada da Globo na região de Montes
Claros. A cobertura da chuva no estado, com a inclu-
são de repórteres da TV Globo, em Belo Horizonte, sem
uma maior participação no Jornal Nacional, foi realizada
com profissionais mais experientes, com maior presença
no programa.
Pernambuco: a cobertura em relação às edições anali-
sadas, constatou a participação de repórteres da TV Globo,
em Recife, ainda que entre eles, um total de sete, apenas
uma participa do programa. Uma observação que merece
registro, ainda que sem referência à cobertura da chuva,
mas relacionada ao período, foi a inclusão de uma reporta-
gem, realizada pela TV Asa Branca, sobre a comemoração
de São João, na cidade de Caruaru, por um repórter sem
participação no JN.
São Paulo: a cobertura em relação às edições analisadas,
constatou a participação de repórteres da TV Globo, em São
Paulo, mas permitiu destacar a presença de jornalistas da TV
Vanguarda, uma emissora afiliada, com sedes em São João
dos Campos e Taubaté.
201
Considerações finais
202
de um padrão, uma espécie de condição pétrea do jorna-
lismo da televisão brasileira, estabelecido como um reflexo
de uma época, no qual havia a tentativa do estabelecimento
de um modelo.
A presença de repórteres no Jornal Nacional, a conside-
rar a designação não fazem parte de um grupo mais seleto,
com condições e características particulares, adequadas ao
programa, destaca a possibilidade de outras quebras. O esta-
belecimento de uma realidade é que a evidência da qualidade
seja o conteúdo e a capacidade de produção de programas de
informação possa reconhecer a existência de outro tempo,
em que as referências do passado contribuem para defi-
nir o presente, ainda que as novas circunstâncias possam
parecer um esforço para uma adequação, seja conjuntural
ou operacional.
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VIZEU, Alfredo. Decidindo o que é notícia. Porto Alegre: EDIPU-
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205
Parte 3
Cárlida Emerim
Edna de Mello Silva
Luís Boaventura
Ariane Pereira
Iluska Coutinho
José Tarcísio da Silva Oliveira Filho
Ana Carolina Rocha Pessoa Temer
Letícia Renault
1
Os Marcadores do Estatuto do Real no
Telejornalismo: entre a produção e o
consumo da notícia
Cárlida Emerim
Edna Mello
Introdução
209
ultrapassam esta condição e referência. Até mesmo imagens
amadoras, de câmeras de simples registro imagético como
as de segurança, acabam por assumir este “estatuto de real”
com força de verdade e objetividade. O que implica a pensar
se, de fato, a comparação entre estes modelos narrativos de
exibição imagética e aqueles utilizados pelo telejornalismo
estão, de fato, no mesmo patamar enquanto imagens refe-
renciais do mundo real.
É por este motivo que o presente capítulo se dedica a
pensar sobre a produção histórica do telejornalismo e seus
processos, evidenciando como a realidade foi construída
ao longo dos anos. Discute-se a importância dos papeis de
apresentadores, repórteres, comentaristas e coprodutores
da notícia, aprofundando-se na análise dos componentes de
cada época que contribuem para a construção do estatuto
do Real no jornalismo televisual. As mudanças tecnológi-
cas evidenciadas no período histórico de 1950 a 2023 servi-
rão de base para a análise crítica das condições técnicas de
produção, circulação e consumo de notícias televisuais, com
ênfase nas diferentes regularidades e modos de acesso. Nosso
objetivo é apontar algumas perspectivas para a crítica dos
diferentes tempos históricos do telejornalismo na constru-
ção do conceito de “realidade construída”, a partir de uma
investigação que se debruça sobre a diversidade nos modos
de ver e fazer o jornalismo audiovisual e sua implicação na
produção do Real, acessado por telespectadores, espectado-
res e coprodutores.
Para tanto, na primeira parte, apresenta-se uma discussão
sobre os termos real, estatuto de real, realidade construída e
o real configurado no campo das imagens do telejornalismo,
à luz da Semiótica discursiva e seus preceitos. No mesmo
item, se apresenta o conceito de telejornalismo articulando
210
com a noção de conhecimento, discutindo o espaço ou lugar
de referência para a busca de informações de credibilidade
sobre a realidade.
Na sequência, apresenta-se a construção do real propor-
cionada pelo telejornalismo em cada época, com vistas a
entender o lugar de referência e a função das imagens neste
processo de construção do real. Por fim, com vistas ao fecha-
mento do capítulo, aponta-se conclusões articuladas sobre
estas propostas reflexivas buscando acionar o conceito
de estatuto do real para as imagens contemporâneas e as
imagens produzidas pelo telejornalismo.
211
pensamento maquínico e a neurociência, os espaços de mais
dedicação aos princípios epistemológicos que envolvem essa
questão. Articulando preceitos da semiótica, mas trazendo a
interface de outros ciências como a psicologia e a sociologia,
por exemplo, o presente item propõe minimamente intro-
duzir a temática do real, do virtual e do estatuto do real no
telejornalismo, partindo sempre de uma espécie de conversa
com os períodos históricos produtivos do campo do jorna-
lismo para telas, com vistas a refletir como nestes diferentes
momentos a realidade foi construída.
Ao se buscar referência sobre a palavra REAL, em dicio-
nários1, por exemplo, ela se estrutura a partir de quatro acep-
ções: 1) a tudo o que se refere a Rei ou Realeza; 2) ao nome
que se dá a moeda/dinheiro no Brasil; 3) a um tipo de lugar
específico (arraial – lugarejo, povoado); 4) sobre o que é real
X ficcional, ou ainda, verdadeiro X falso.
Dessas acepções a que de fato interessa a este capítulo é a
quarta, pois o real que aqui se quer discutir é aquele exibido
pelas imagens do telejornalismo. Assim, a palavra real vem
do latim de realis e refere-se a coisa material que se relaciona
ao que é rei ou a respeito do rei. Daí se pode compreender
um primeiro aspecto que é uma importância que a palavra
real assume, sendo ela condicionada, desde o surgimento,
a hierarquia social, pois, na crença popular (ou da socie-
dade) nada “nunca” esteve acima do poder do rei no mundo
físico/material, apenas Deus, de quem, aliás, os reis eram os
representantes. Seguindo ainda neste desdobramento, real é
o que 1) existe; 2) é verdadeiro; 3) acontece realmente; 4) se
chama de realidade. Em seus sinônimos, também aparecem
palavras como autêntico, verídico, atual, objetivo, factual,
212
concreto, entre outras. Aprofundando ainda, no Dicionário
de Linguística (1973), o termo real traz pistas interessantes
para se compreender a natureza ou o estatuto do real: Numa
construção impessoal, chama-se de sujeito real o sintagma
nominal ou a proposição infinitiva que são os sujeitos do
verbo e que, deslocadas para depois do verbo, foram substituí-
das por um indeterminante (se), (Dubois et all, 1973, p. 500).
Pode-se depreender que há na efetivação do termo real uma
certa oposição ao falso, sendo o resultado do real algo deter-
minante, que assume uma posição de ação, como um ato
realizado, preciso. Até mesmo a gíria, “na real”, emite esta
noção de fora de ação, de uma verdade, de veridicção, pois
quando usada ela quer demarcar a antítese, ou, um “não era
bem isso”.
É interessante demarcar, também, que entre as pala-
vras sinônimos de real, aparecem atual, objetivo e factual,
três noções importantes na produção do telejornalismo e,
em verdade, para todo o jornalismo como campo de atua-
ção. Para o fato ser recoberto ele precisa ser verídico, existir
na realidade e, depois de recoberto, ele vai funcionar como
notícia que tem atualidade, factualidade e narrativa obje-
tiva. Assim, os sinônimos do real pertencem também aos
preceitos basilares dos processos seletivos dos fatos no jorna-
lismo e, por conseguinte, no telejornalismo. De modo que
é possível afirmar que o real na sua noção mais abrangente,
faz parte da natureza do jornalismo assim como do telejor-
nalismo, o jornalismo para telas.
No contrário, ou seus antônimos, o real não é 1) falso; 2)
ficcional; 3) artificial; 4) fruto de ou da ilusão, 5) alegórico, 6)
fantasia; 7) aparente; 8) simulado; 9) irreal; 10) virtual. Destes
parece interessante enfatizar as palavras falso, simulado e
virtual, tendo em vista que essas assumem um papel maior
213
que o das palavras, pensando bem, consistem em situações
que têm favorecido o caráter fantasioso e ilusório da reali-
dade ou do real, a partir do uso potencializado e domínio
aprofundado das técnicas de manipulação de imagens e sons.
Nota-se, no entanto, que a palavra virtual está associada
ao que não é real, trazendo a virtualidade como característica
do que se realiza fora da realidade, do real. Porém, o virtual
ganhou um espaço tão abrangente na sociedade nos últimos
vinte anos e com tamanha importância dentro do universo
social que pode até assemelhar-se ao preceito do rei: hoje,
“quase nada” está fora deste espaço virtual.
Tais elementos/imagens, assim como entende Arnheim
(1997), considerando as matrizes em relação ao real, podem
também ser compreendidas a partir do valor que assumem
ou se configuram no espaço, como o: valor de representa-
ção – quando representam coisas concretas, com referên-
cia no mundo real; valor de símbolo – quando representam
coisas abstratas, sem referência no mundo real e, por fim,
como valor de signo – quando representam um conteúdo
cujos caracteres não são visualmente refletidos por ela. Ou
seja, pode-se trazer a luz modelos de matrizes que atuam
em instâncias de representação, mas, que, funcionam nos
processos de significação imagéticas em torno do jornalismo
de/para telas, a depender a sua força de realidade compreen-
dida e vivenciada pelos elementos que convoca a significar,
a produzir sentido.
Ainda, segundo Arnheim (1997), as imagens tem funções
que as englobam em três grandes categorias: 1) o modo
simbólico – aquelas que servem de símbolo para dar acesso
a diferentes mundos: o religiosos, o sagrado; para veicular
novos valores associadas as novas formas políticas, tais como
democracia, progresso, etc; 2) o modo epistêmico – aquelas
214
que trazem informações (visuais) sobre o mundo, que assim
pode ser conhecido, inclusive em alguns de seus aspectos
não visuais; e, o modo estético – aquelas que são destinadas
a agradar seu espectador, a oferecer-lhe sensações específicas.
Já Gombrich (1986) parte do pressuposto de que a
imagem tem por função primeira garantir, reforçar, reafir-
mar e explicitar nossa relação com o mundo visual, desem-
penhando o papel de ofertar a descoberta do visual. Pode-se
afirmar que essa relação é processo essencial para a atividade
intelectual, sendo, nesta direção, papel da imagem permitir
que essa relação seja mais aprofundada, aperfeiçoada e domi-
nada pelos seres em sociedade, afetados ou implicados pelas
imagens do mundo a eles representadas.
De qualquer forma, a que se assumir, que em todos os
seus modos de relação com o real e suas funções, a imagem
procede, no conjunto, da esfera do simbólico que é o domí-
nio das produções socializadas, utilizáveis em virtude das
convenções que regem as relações interindividuais compar-
tilhadas em sociedade. Acirradas em altos níveis, a partir da
intensa e veloz relação e compartilhamentos de dados ofer-
tadas pelo processo de digitalização contemporâneo e a cria-
ção de imagens que não amis exigem referência no real.
Em outra direção, pode-se trazer algumas considerações
sobre a relação do real com os receptores, espectadores do
processo comunicativo imagético que é dado pelo telejorna-
lismo. Diz respeito a como o espectador constrói a imagem
e a imagem constrói o espectador, na medida em que ele, o
espectador, é entendido com um parceiro ativo da imagem,
emocional e cognitivamente e, também, como organismo
psíquico sobre o qual age a imagem, por sua vez. Uma rela-
ção que não se dá amorfa, mas, sim, de simbiose, semio-
ticamente imbricada nas intensas e complexas relações de
215
convergência contemporâneas. Essa relação do espectador
com as imagens pode se dar pelo reconhecimento e pela
rememoração, pois, reconhece-se elementos que já fazem
parte de nossa experiência e rememora-se, até mesmo
reagrupando-os em outras combinações cujas bases já
haviam sido dadas anteriormente, em outros contextos e
processos, mas aqui se fazem por reconfiguração. Como bem
diz Adriano Duarte Rodrigues:
216
problematizar exatamente esta relação de pertença real dos
seres sociais aos espaços discursivos de/sobre/em torno da
realidade, exibidos pelo telejornalismo, por exemplo.
Em outras palavras, o foco central da sociologia do
conhecimento é o “conhecimento” do senso comum, em
contraposição às “ideias”. É exatamente esse “conhecimento”
que constitui a trama de significados essenciais para a exis-
tência de qualquer sociedade. Portanto, a sociologia do
conhecimento deve abordar a construção social da realidade
(Berger e Luckmann, 2004, p. 29-30) que é, em síntese, uma
representação de um conjunto de elementos articulados que
acionam as vivências e experiências da realidade que podem
ser configuradas no nível discursivo.
Para Maldonado (1994), a chave para entender estas
noções entre o real e o virtual (não esquecendo aqui suas
acepções antagônicas) é exatamente um elemento fundante
da metodologia semiótica: a desconstrução, a que ele define
como desmaterialização. Esta noção de desmaterialização
é explicada pelo autor na medida em que ele aponta a cres-
cente virtualização dos processos sociais que tem substituído
quase todas as relações de interação presencial por modos de
acesso através de links ou modelos de interação mediada pelas
máquinas a partir de redes sociais e plataformas digitais. Esta
desmaterialização, ao contrário do que se poderia imaginar,
acentua o caráter de presença da imagem eletrônica, digital,
que passa a ocupar a “semiomaterialidade”, pois a visualiza-
ção dos dados e dos acessos acabam se materializando através
das diferentes imagens projetadas nestes sistemas.
Em suma, é relevante relacionar os elementos que
são articuláveis neste processo de conhecimento sobre a
noção de real e os preceitos do telejornalismo, afinal, é o
objetivo do capítulo. Sendo assim, o telejornalismo opera
217
com o real do mundo, pois é no cotidiano que busca os
fatos para transformar em notícia televisiva e enfatiza a
veracidade destes fatos trazendo os relatos dos testemu-
nhos de quem vivenciou, testemunhou ou pode analisar
esses acontecimentos.
Portanto, muito embora o telejornalismo se faça a
partir de imagens e de sons, passíveis de manipulação não
apenas pelos processos de captura e edição, mas principal-
mente, pela simulação possível a partir da digitalização de
imagens e do desenvolvimento de softwares sofisticados de
criação de imagens artificiais, ele só existe a partir desta
condição: apresentação de fatos reais sobre o que real-
mente aconteceu na dimensão da sociedade, referendados
pelos testemunhos sociais e pelo estatuto de crença estabe-
lecido pelas imagens do mundo configuradas como repre-
sentação. É o que se pode definir por real autenticado que,
em cada época do telejornalismo, estruturou-se de formas
diferentes, respondendo a tecnologias e processos sociais
específicos e abrangentes.
Podemos pensar os marcadores do estatuto do real no
telejornalismo como mecanismos capazes de atribuir legiti-
midade e veracidade às informações noticiadas. No campo
do jornalismo de televisão, os fatos são narrados a partir de
um recorte dos acontecimentos do dia, obedecendo a crité-
rios de noticiabilidade (Traquina, 2005; Wolf, 2006) e às
rotinas de produção, como aponta detalhadamente Cárlida
Emerim (2012). Os telejornais operam com edições diárias,
distribuídas ao longo do dia, editados com alcance local,
regional e nacional.
Cada estrutura narrativa, horário e editoria demanda
uma série de operadores discursivos e decisões de crité-
rios de noticiabilidade que se pautam pelas imagens que
218
compõem as informações no telejornalismo, afinal, este é
o principal diferencial do jornalismo de televisão onde, até
mesmo, a seleção dos fatos a serem recobertos dependem de
ter ou não condições de oferecerem imagens.
É exatamente por isso que importa neste estudo conside-
rar quais são os registros de produção que contribuem para a
construção social e discursiva da realidade ao longo dos mais
de 70 anos do telejornalismo brasileiro. E, para construir a
argumentação, tomou-se como recorte dois períodos histó-
ricos para exemplificar de que forma os marcadores atuam
com os processos e rotinas que foram articuladas como esta-
tuto do real no telejornalismo, como se mostrará a seguir.
219
locutor Ruy Rezende, que era também redator e produtor
do telejornal.
O modelo do noticiário foi herdado do rádio, um locu-
tor, sentado em uma cadeira diante de uma bancada apare-
cia em quadro lendo as notícias (Alves, 2008; Lorêdo,
2000). Durante as décadas de 1950 a meados dos anos 1960,
os enquadramentos da apresentação dos telejornais em
primeiro plano e close-up. A qualidade da voz do apresen-
tador era extremamente importante e o rosto ocupava prati-
camente toda a tela da TV.
O contato visual direto do apresentador para o extra-
campo que era o espectador criava uma relação respeitosa
e de confiança. Havia limitações técnicas de movimenta-
ção das câmeras e das lentes o que restringia a mobilidade
dos apresentadores, assim como a simplicidade do cenário.
Embora a voz dos apresentadores já pudesse ser conhecida
pelo público devido à experiência anterior no rádio, seus
corpos eram pouco conhecidos.
Nesse modelo de apresentação de telejornais, o apresen-
tador assume principalmente o papel de locutor de notí-
cias, termo utilizado por Gontijo Teodoro (1980), renomado
apresentador do telejornal “O seu Repórter Esso”, em seu
livro Jornalismo na TV. Embora o áudio apresentasse uma
centralidade na produção das notícias, havia também o uso
de fotografias (telefoto) e de filmes que contribuíram para a
legitimação do fato noticiado.
Nesta fase, podemos inferir que as principais matrizes
de estatuto do Real no telejornalismo eram formadas pela
presença do apresentador no estúdio (ao vivo), a voz do
apresentador (já conhecida pelo espectador pelas notícias
do rádio) e o uso de imagens estáticas (telefoto) ou em movi-
mento (filmes).
220
Figura 1 – Cid Moreira - Programa Primeiro Plano (1964)
Figura 2 – Lyndon Johnson – EUA – (Telefoto) – Programa Primeiro
Plano
221
por agências de notícias eram veiculadas, porém com
atraso de dias ou semanas;
4. Uso de imagens reais: as imagens externas da cober-
tura de acontecimentos eram limitadas, sendo
comum o uso de fotografias (imagens estáticas) ou
imagens em movimento (filme p/b) em situações
especiais. Há uma aproximação com a linguagem
documental dos cinejornais.
222
iniciaram o processo de informatização de seus sistemas,
abandonando o modelo analógico das máquinas de escrever
e as substituindo por computadores de mesa. Toda a rotina
produtiva foi revista. Cada empresa jornalística vivenciou
o processo de uma forma única, mas as mudanças foram
percebidas em todo o mercado da comunicação. No campo
do telejornalismo, a edição em corte seco foi substituída
pela edição não linear impactando o modelo de produção
de notícias e de distribuição destas ao longo da programação.
Ainda na primeira década dos anos 2000, as empre-
sas de comunicação iniciam o processo de criação de seus
portais de notícia. Os conteúdos dos telejornais começam a
ser oferecidos, mediante assinatura, como vídeos das repor-
tagens ou como edições integrais. A interação com o teles-
pectador também mudou, abrindo espaço para o envio de
sugestões e pautas pelo portal e mais tarde permitindo o
envio de vídeos.
Essa alteração de disponibilidade de assistir aos telejor-
nais nos portais mudou o fluxo do consumo das notícias.
Por quase 50 anos para assistir a um telejornal o telespecta-
dor precisava de um aparelho televisor e aguardar a progra-
mação da emissora. Com o avanço tecnológico as formas de
acesso aos telejornais mudaram à medida que os canais se
tornaram digitais. Quem não se lembra dos celulares com
receptores de sinais de televisão? Os aparelhos portáteis e
a possibilidade de assistir ao telejornal no momento que se
desejasse instaurou um novo paradigma para a relação teles-
pectador – telejornal.
O espaço cênico do estúdio também mudou. Em 2000,
o Jornal Nacional inaugurou seu novo espaço formado por
um mezanino que trazia ao fundo a equipe que produzia
o telejornal. Os bastidores, a equipe de editores, redatores,
223
apuradores e produtores passaram a fazer parte do cenário
da notícia, trazendo transparência nos processos de produ-
ção e apresentando o telejornal como um organismo vivo.
Os estúdios maiores e a presença de telas distribuídas no
espaço motivaram a movimentação dos apresentadores pelo
ambiente. O apresentador já não ficava somente restrito à
bancada. Interagia com as telas, com o ambiente exterior
ao estúdio, com repórteres ao vivo, numa simulação que
marcava a onipresença do telejornal em todos os lugares em
que havia algo a ser noticiado.
Como sequência metodológica, trazendo neste ponto a
análise da época acima citada, pode-se assumir como marca-
dores que conferem credibilidade e veracidade às notícias
neste processo, mostram-se a seguir, especificamente quais
elementos remetem a esses elementos. Sendo, close up, além
do estilo de locução adotado pelo apresentador que segue o
modelo radiofônico, é possível mencionar os itens:
224
atuação, fortalecendo a marca expressiva da identifi-
cação, do pertencimento e reforçando os traços com
as matrizes do real autenticado, pois, agora, de auto-
ridades à população comum a tela exacerbera a visi-
bilidade e a relação de veridicção;
3. Cobertura local e de proximidade: este é um traço
que na primeira época estudada era comum, depois
deixou de ser uma marca expressiva importante e,
os anos 2000 para alcançar o status de modalidades
discursivas e de escolhas editoriais. Se antes “Os tele-
jornais priorizavam a cobertura de eventos e notícias
de relevância local, dada a dificuldade da circulação
de informações nacionais e pelo fato dos equipamen-
tos não serem portáteis”, depois que o videoteipe e, na
sequência, os processos de digitalização de dados de
arquivamento de imagens bem como a capacidade de
produção de mais indivíduos de conteúdos audiovi-
suais jornalísticos, a abrangência, a internacionaliza-
ção passaram a ser organizadas a partir dos interesses
locais. Ao contrário do que pensa, as matrizes do
período atual, remetem à credibilidade das notícias
a partir do olhar de reconhecimento do outro ou de
rememoração de suas próprias realidades, tendo em
vista que estas imagens já não definem fronteiras nem
entre realidade e ficção nem em espaços geográficos;
4. Uso de imagens reais e simuladas com projeção e
inteligência artificial que potencializaram a captura e
produção de imagens, que assumem, neste contexto,
uma importante relação de referência com os fatos,
proximidade proporcionadas pelas câmeras que
exibem ao vivo e em tempo real a ocorrência em
tempo real, direto de situações internas e externas:
225
as câmeras estão ligadas ao todo tempo, em qualquer
lugar, ao vivo, conectadas, transmitindo em tempo
real. As imagens com menos trato e produção, asse-
melham-se aos registros dos primórdios, mas a sofis-
ticação está na alta performance da tecnologia.
5. Narração de imagens em tempo real capturadas por
motos links que atravessam as ruas das grandes cida-
des, de repórteres que sobrevoam de helicópteros as
regiões da cidade e de espectadores que participam
pelas redes sociais enviando vídeos de problemas no
transporte público.
226
Modalidades enfatizadas exatamente pelos processos de
digitalização e imagens, a facilitação e a miniaturização dos
equipamentos que passam a ser quase onipresentes no corpo
e na essência da vida social. Ao mesmo tempo que reside
neste aspecto a fala mais coloquial de repórteres e apresen-
tadores, mantendo a tradição da oralidade mas agregando
gírias e dispensando formalidades. Os cenários, que eram
grandes marcas de enunciação dos programas de telejorna-
lismo passam a referenciar o externo, como que promovesse
a projeção do próprio programa para os espaços sociais,
mediação realizada pelo uso de mais telões de exibição do
mundo fora do estúdio.
Nesta matriz, o telejornal estabelece uma relação de
intimidade e de cumplicidade com os espectadores, ainda
melhor compreendido entre o aparelho de televisão que
exibe os telejornais ou os programas de telejornalismo, pois
neste espaço pode-se ver o real referendado pela capacidade
onipresente destes olhos das câmeras que tudo mostram (e
cada vez mais as permissões do que mostrar se ampliam)
mesmo as cenas da vida privada e a intimidade das pessoas
sem nenhum pudor ou aviso prévio.
Nesse processo comunicativo, a interpelação via engaja-
mento do olhar dos apresentadores se desdobra em outros
elementos cênicos, pois não apenas o olhar interpela, mas
também o corpo que se mostra com tatuagens e piercings,
como os programetes de notícias exibidos em interva-
los comerciais, que simulam a presença ininterrupta dos
telejornalistas no écran da vida social. A quebra de cená-
rios (derrubadas dos tapumes), a mudança de postura e de
comportamentos trazidos pelas possibilidades de produ-
ção individual, porém, massiva do YouTube, do TikTok e
do Instagram interpelam as matrizes clássicas desenvolvidas
227
e aceitas “quase sem contestação” pela grande maioria da
população, reiterando Martin-Barbero:
Considerações plausíveis
La construcción de la realidad más comúnmente aceptda des-
cansa em la idea de que el mundo no puede ser caótico; no
porque tengamos pruebas se esa idea sino porque semejante
mundo resultaría intoleráble (Watzlawick, 2000, p. 57).
228
que ofertam versões, de modo a permitir a articulação dos
principais elementos verificáveis e de credibilidade.
Com o passar dos anos, a presença das tecnologias e
dispositivos desafiou o telejornalismo a incorporar novas
rotinas e linguagens, sobretudo, passando por um processo
de expansão de seus modelos tradicionais. Apesar disso,
os marcadores do real no telejornalismo foram também se
expandindo e se hibridizando nas telas por outros meios,
plataformas e redes digitais. A instância do ao vivo foi cada
vez mais encurtando distâncias e permitindo ao telespecta-
dor participar também da produção da notícia como uma
marca importante desse processo.
Numa escala em que se tinha uma notícia narrada num tele-
jornal em 1950 de um acontecimento que poderia ter ocorrido
há algumas semanas, a um telejornal que valoriza o aconteci-
mento ao vivo, com equipes na rua durante a apresentação do
telejornal da atualidade, existe uma medida de visão de expe-
riência de vida e de emergência de se sentir informado bem dife-
rente. A experiência de ler a carta é diferente da experiência de
se comunicar por um aplicativo de mensagens. Há um modelo
de sociedade implicado em cada modelo de comunicação.
Dos marcadores do real estudados, talvez os mais inte-
ressantes se refiram aos registros das imagens em tempo
real. Nos telejornais matinais as imagens do trânsito da
cidade podem ser sintetizadas nas cenas captadas a partir
das câmeras das motos links que cruzam as grandes aveni-
das, enquanto do ar o repórter narra o que vê das imagens
de cima das cidades e o espectador se envolve nesse panóp-
tico informando em tempo real pelas redes sociais como está
o andamento dos transportes coletivos em trens e metrôs. A
realidade se constrói com a narração de olhares vigilantes
que denunciam a quebra da normalidade que aguardavam
229
como natural. O tempo real não segue o roteiro. Ele acon-
tece. Não há tempo para ser interpretado. Ele simplesmente
é narrado. Talvez este seja o marcador que mais identifique
o momento atual: a narração do tempo real.
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231
2
As transformações na forma de apresentar
os fatos pelo telejornalismo de rede:
catalogação de novos formatos de notícias
ainda não descritos
Luís Boaventura
Introdução
233
telejornalismo, a partir dos 11 formatos já identificados nos
trabalhos já publicados.
Para definição do corpus de pesquisa, optou-se pelo uso
de três semanas construídas das edições de cada um dos
cinco telejornais de rede da emissora. No total, foram: 15
edições do H1, o que representa 28 horas, 12 minutos e 3
segundos; outras 15 do BDBR, com mais 15 horas, 54 minu-
tos e 8 segundos; 18 do JH, cuja soma resulta em 11 horas, 50
minutos e 54 segundos; outras 18 do JN representando em
tempo por 13 horas, 22 minutos e 4 segundos; e por fim mais
15 do JG, com outras 9 horas, 5 minutos e 36 segundos.
É importante ressaltar que a ideia para o desenvolvi-
mento desta tese surgiu, justamente, da incompreensão por
parte de um aluno em sala de aula a respeito do conceito de
nota pelada quando foram exibidas imagens no telão que
faz parte do cenário do estúdio do telejornal, que estava sob
análise e explicação nesta aula. Nossa ideia maior ao projetar
este recorte da tese de doutoramento neste capítulo do livro
organizado pela rede Telejor é que se possa oportunizar o
entendimento dos processos de construção da notícia pelos
profissionais do telejornalismo pelos milhares de discentes
que se deparam com dúvidas, devido à falta de terminologia
específica para o que viram na televisão, como resultado da
criatividade dos repórteres, cinegrafistas, produtores e edito-
res em hibridizar os chamados formatos clássicos nos seus
telejornais em busca de se quebrar a rotina.
Metodologia
234
se baseia em outros trabalhos que já foram testados e tive-
ram sua eficiência metodológica conferida pela apreciação de
avaliadores. A metodologia norteia e dita os caminhos que
devem ser seguidos. Com a escolha da metodologia apro-
priada, o pesquisador passa a ter mais segurança nos passos
que precisam ser dados.
235
A professora Fabiana Siqueira, em sua tese de doutorado,
chegou a trabalhar as nomenclaturas dadas aos formatos das
notícias. Após avaliar o Jornal Nacional (que também está no
corpus desta pesquisa) como objeto de estudo, a pesquisa-
dora definiu quais são os formatos mais comuns no telejorna-
lismo brasileiro (Siqueira, 2013, p. 66) e apontou que existem
outros ganhando espaço na televisão, o que ela chamou de
“integrado [que pode ser] a combinação da nota ao vivo com
imagens [...] com a sonora previamente gravada. O uso de
entradas ao vivo intercaladas por reportagens e declarações
ou por um display seguido de uma nota coberta” (p. 69).
Ao não exemplificar e não categorizar esses forma-
tos “integrados” (por não ser objetivo do seu trabalho), a
autora estimula novas pesquisas neste âmbito: “Não cabe
aqui neste trabalho fazer uma investigação aprofundada do
uso de todos esses formatos no telejornalismo sob a perspec-
tiva das rotinas produtivas. Isso poderá ser realizado, com
mais detalhes, em pesquisas futuras” (Siqueira, 2013, p. 70).
É esse avanço que se traz com esse texto. Conforme Alfonso
Trujillo Ferrari, é preciso “basear-se nas averiguações de
outro estudo ou estudos na perspectiva de que as conexões
similares entre duas ou mais variáveis prevaleçam no estudo
presente” (citado por Marconi e Lakatos, 2011, p. 159).
Trabalhando agora o que os teóricos chamam de tipologia
da pesquisa, passa-se ao momento de algumas classificações.
Do ponto de vista da natureza da pesquisa pode-se enquadrá-
-la como “aplicada”, o que, na caracterização Edna Lúcia da
Silva e Estera Muszkat Menezes (2005, p. 20), vai gerar infor-
mações que podem ser aplicados no dia-a-dia. Essa pesquisa
apresenta o compromisso de estudar um fenômeno atual
que acontece diariamente nos telejornais brasileiros e que os
resultados podem, naturalmente, influir na prática.
236
Outro ponto relevante a ser explicitado é relativo à
exposição de “características de determinada população
ou de determinado fenômeno” (Vergara, 2004, p. 47), que
se caracteriza, de acordo com objetivos do trabalho, como
uma pesquisa descritiva. Conforme Jorge Pedro Sousa,
“grande parte das pesquisas efetuadas no seio das Ciências
da Comunicação enquadra-se nesta categoria” (2006, p. 616).
Quanto à abordagem do assunto, caracteriza-se como uma
pesquisa de métodos mistos para “se conseguir uma perspec-
tiva mais ampla e profunda do fenômeno” (Sampieri; Callado e
Lucio, 2013, p.553). Assim, em um momento inicial a abordagem
é quantitativa e depois passa a ter um caráter qualitativo. Helen
de Castro Silva Casarin e Samuel José Casarin explicam a agre-
gação das duas categorias em um mesmo trabalho: “É oportuno
observar que, embora haja dicotomia entre as pesquisas quan-
titativas e as qualitativas, em muitas situações é possível a ocor-
rência de uma integração entre as duas modalidades” (Casarin
e Casarin, 2012, pp. 39-40).
Compreende-se que conseguiu-se dar uma abordagem
quantitativa ao trabalho quando se dimensiona os telejornais,
determina o tempo de exibição de cada um, a quantidade de
formatos de notícias clássicos e a quantidade de formatos
híbridos de notícias e ainda totalizar essas variantes por cada
um dos programas jornalísticos de TV pelo conjunto e consi-
derando individualmente cada um das emissões noticiosas
de rede da TV Globo. Pois, se propõe, também, a “tradu-
zir em números, opiniões e informações para classificá-las e
analisá-las” (Silva e Menezes, 2005, p. 37).
Mas por conter métodos mistos, como já dito anterior-
mente, também apresenta-se uma abordagem qualitativa,
que vai propiciar uma “análise mais detalhada sobre as inves-
tigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento,
237
etc” (Marconi e Lakatos, 2011, p. 269). Martin Bauer, George
Gaskell e Nicholas Allum (2014) defendem que não há quan-
tificação sem qualificação, pois é necessário haver a aprecia-
ção dos fatos antes de iniciar a contagem.
Eles exemplificam com uma analogia que, de forma didá-
tica, pode ser trazida para este trabalho: “Se alguém quer
saber a distribuição de cores num jardim de flores, deve
primeiramente identificar o conjunto de cores que existem
no jardim” (Bauer, Gaskell e Allum, 2014, p. 24). Por isso,
antes de contar qual formato clássico de notícia é encontrado
nos telejornais é preciso primeiro conhecer o conceito e as
características de cada um deles, para que possam ser iden-
tificados ao assistir ao programa noticioso na televisão.
A apuração dos dados que fundamentará os resultados
faz parte dos procedimentos metodológicos que buscam
“uma investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo em profundidade e em seu contexto de vida
real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e
o contexto não são claramente evidentes” (Yin, 2010, p.39),
como é característica dos estudos de casos.
Nesta metodologia o pesquisador percorre três etapas: 1)
revisão preliminar da bibliografia, acompanhada da aná-
lise de organizações jornalísticas relacionadas ao objeto
de estudo; 2) Delimitação do objeto com formulação das
hipóteses de trabalho e estudos de caso com pesquisa de
campo (participante ou não) nas organizações jornalísticas
e 3) Elaboração de categorias de análise, processamento do
material coletado e definição conceitual sobre as particula-
ridades dos objetos pesquisados. Nossa metodologia per-
mite que o pesquisador, por um lado, revise a bibliografia
corrente sobre o objeto e, por outro, possibilita que esta pro-
dução conceitual seja testada em estudos de casos específi-
cos (Machado e Palácios, 2007, pp.199-222)
238
Após a fase inicial da pesquisa bibliográfica chega-se à
hora de confirmar a amostra necessária para obter os resul-
tados esperados para essa tese. Foi um dos processos mais
delicados ao longo da construção metodológica, porque é
sabida a importância desse fragmento para a representação
real do que se pretende concluir sobre o todo.
Uma amostra com unidades erradas ou que não tenham o
que dizer sobre o objeto da pesquisa gera resultados enga-
nosos. Sempre, o que se busca com uma amostra, é fazer
inferências a partir de um subgrupo para o todo. O princi-
pal aspecto da estatística inferencial é que a partir da aná-
lise de uma amostra é possível generalizar resultados para a
população (Cervi, 2017, p. 127).
239
Adaptando esses exemplos já estruturados e aplicados
com sucesso, decidiu-se pela construção de três semanas que
perpassaram por 18 semanas do calendário gregoriano, com
a análise das edições de cada um dos cinco telejornais (Hora
1, Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal da
Globo) exibidos nacionalmente pela TV Globo.
240
Tabela 1. Primeira Semana Construída
Dia da Hora 1 BDBR JH JN JG
semana
Quarta 05/06/2019 05/06/2019 05/06/2019 05/06/2019 05/06/2019
Quinta 13/06/2019 13/06/2019 13/06/2019 13/06/2019 13/06/2019
Sexta 21/06/2019 21/06/2019 21/06/2019 21/06/2019 21/06/2019
Sábado --- --- 29/06/2019 29/06/2019 ---
Segunda 01/07/2019 01/07/2019 01/07/2019 01/07/2019 01/07/2019
Terça 09/07/2019 09/07/2019 09/07/2019 09/07/2019 09/07/2019
241
o que representa 28 horas, 12 minutos e 3 segundos; outras
15 edições do Bom Dia Brasil, com mais 15 horas, 54 minu-
tos e 8 segundos; 18 edições do Jornal Hoje, cuja soma
resulta em 11 horas, 50 minutos e 54 segundos; outras
18 edições do Jornal Nacional representando em tempo
por 13 horas, 22 minutos e 4 segundos; e por fim mais 15
edições do Jornal da Globo, com outras 9 horas, 5 minu-
tos e 36 segundos. Faz-se necessário lembrar que apenas o
Jornal Hoje e o Jornal Nacional têm edições aos sábados.
Multiplicando esse número pelas três semanas construídas
temos, ao todo, 81 edições de telejornal, com o total de 78
horas, 24 minutos 45 segundos selecionadas e analisadas a
partir de junho de 2019.
Com a coleta do corpus de análise feita, foi recriado o
espelho de cada um dos telejornais, usando-se como refe-
rência os formatos clássicos de notícia. “O espelho sintetiza
a organização do telejornal em blocos, a ordem das maté-
rias em cada bloco, bem como dos intervalos comerciais, das
chamadas e do encerramento” (Rezende, 2000, p. 146). Ou
ainda, “como o próprio nome diz é o reflexo daquilo que será
apresentado no telejornal” (Paternostro, 1999).
Rose (2014) comenta o que, para ela, vem a ser a melhor
forma de retratar o conteúdo de um meio de comunicação de
massa tão particular e repleto de nuances como a televisão:
242
Com cada um dos 81 espelhos recriados foi necessá-
rio observar os telejornais com um olhar voltado para o
objeto de estudo deste trabalho que são as hibridizações.
Para tanto, o Hora 1, o Bom Dia Brasil, o Jornal Hoje, o
Jornal Nacional e o Jornal da Globo foram assistidos nova-
mente, e cada um deles tantas vezes quanto foram necessá-
rias, para que tudo que fugisse aos formatos clássicos fosse
notado e descrito.
Antes de serem observadas as hibridizações foi feita a
análise criteriosa de cada um dos telejornais. Em uma plani-
lha do Microsoft Excel foram abertas 6 abas, uma para cada
programa noticioso analisado e outra para a totalização dos
dados. Em cada dia observado do Hora Um da Notícia, por
exemplo, foram tomadas notas da data da exibição, do dia da
semana correspondente, do tempo de produção total naquele
dia, da quantidade de páginas identificadas, e, dentre essas,
a quantidade de páginas em que foram identificadas hibri-
dizações, além do percentual hibridizado. O mesmo foi feito
com os outros telejornais de rede da TV Globo analisados.
Para além disso, na mesma planilha foram anotados
também a quantidade de formato clássico exibido e a média
que isso representa por cada edição. Os dados descritos a
cada uma das edições dos cinco telejornais em estudo foram,
ao final, todos contabilizados, gerando uma totalização dos
dados conforme pode ser visto na próxima tabela.
É preciso destacar que onde se apresenta o percentual
total de hibridização, trata-se na verdade de uma média da
soma dos percentuais de todos os cinco telejornais dividido
por cinco (a quantidade de telejornais), resultando em uma
média, considerada a informação mais importante para o
momento da tese.
243
Tabela 4. Planilha com o total de dados que foram obtidos a partir da análise
qualitativa de cada telejornal analisado.
244
Referencial teórico
245
A descrição do trabalho, feita por Paternostro, nos leva
a refletir sobre o conceito de “tribo jornalística” (Traquina,
2005a, p. 24) com a proposta de que “uma compreensão
do porquê as notícias serem como são tem que partir de
uma análise da cultura profissional das pessoas que produ-
zem notícias – os jornalistas” (Traquina, 2005a, v.2, p. 188).
Sobre o conceito de formato, verificamos que aparece de
modo mais amplo em Aronchi de Souza (2004), ao tratar
de televisão de modo geral, e não só de telejornalismo. Este
autor confirma o pensamento − até então empírico − deste
pesquisador enquanto profissional do jornalismo de TV, pois
segundo o professor Aronchi: “o termo formato é nomencla-
tura própria do meio [...] para identificar a forma e o tipo da
produção de um gênero de programa de televisão. Formato
está sempre associado a um gênero, assim como gênero está
diretamente ligado a uma categoria” (Aronchi de Souza,
2004, p. 46).
Para além do formato, vem a questão mais subjetiva
da prática jornalística que é o ponto chamado de estilo.
Considera-se que “A essência do estilo jornalístico estaria
na tentativa de fazer o relato do cotidiano utilizando uma
linguagem capaz de estar sintonizada com o que Martín
Vivaldi chama de linguagem da vida” (Marques de Melo,
2003, p. 43). Sendo, portanto, o estilo particular de cada
profissional, principalmente na televisão em época de
rede sociais, no qual o feedback é instantâneo e as suas
marcas são reafirmadas com a aprovação ou reprovação da
audiência.
Este trabalho apropria-se do conceito de formato,
proposto pelo professor Aronchi, avaliando ser o mais
adequado para o objeto de estudo desta tese e, portanto,
adota-se o termo formato como padrão para este estudo. A
246
partir dessas concepções mencionadas, e ao longo de mais
de 10 anos em atuação diária em redações de TV, inter-
pretamos os formatos de notícia no telejornalismo como
sendo o modo pelo qual os jornalistas de televisão confi-
guram e significam a informação para ser transmitida aos
telespectadores a fim de criar o envolvimento da audiên-
cia no assunto mostrado. A prática televisiva, bem como
os estudos sobre newsmaking, levam este autor a identificar
11 diferentes formatos de notícia no telejornalismo: repor-
tagem, ao vivo (ou link), stand-up (ou boletim, também
chamado de falso ao vivo), nota coberta, nota pelada,
entrevista de estúdio, audiotape, povo fala, escalada, passa-
gem de bloco e encerramento.
Discussão
247
Tabela 5. Lista dos formatos híbridos de notícias que foram conceituados a partir
da identificação, análise e categorização deste trabalho
248
surge ao vivo após uma reportagem ou uma vinheta,
direto, sem cabeça anterior. É preciso não confundir com a
reportagem ao vivo (que vai ser melhor descrita adiante),
quando o repórter pode surgir sem uma cabeça. Mas ao
contrário da reportagem ao vivo, o ao vivo direto é carac-
terizado, principalmente, pelo assunto se encerrar ali, não
sendo prolongado com sonoras ou outras entradas ao vivo,
normalmente, para repercutir o assunto que veio na repor-
tagem anterior.
O ao vivo ilustrado é o termo proposto para designar
quando um repórter faz uma participação ao vivo e ao lado
dele são apresentados dados relacionados ao assunto que
estão sendo abordado, isso sem que o jornalista seja coberto
por imagens. Esse fenômeno que normalmente também
acontece no estúdio do telejornal com ajuda de um telão
para ilustrar os dados, foi utilizado apenas uma vez durante
toda a pesquisa.
Outro conceito de formato hibridizado de notícia que
reconhecemos é a cabeça ao vivo. Nesse modelo proposto,
o repórter do ponto ao vivo chama a cabeça da reportagem
que vem em seguida (o VT dele próprio ou de outro repór-
ter) normalmente sobre o mesmo assunto que se tratava no
link. Esse recurso foi utilizado 62 vezes durante o período de
observação para este trabalho.
Conceituamos como cabeça ilustrada os 44 momentos
em que a cabeça da notícia, narrada pelo apresentador ou
pela apresentadora do estúdio, está ilustrada por imagens
no telão do cenário ou quando o apresentador ou apresen-
tadora sai de cena, sendo coberto por essas imagens ilustra-
tivas do assunto que será exibido na sequência.
Nota coberta do repórter é o nome que este trabalho
propõe ao modo que os jornalistas constroem uma nota
249
coberta, pré-editada na voz de um repórter e não dos apre-
sentadores. Ao todo esse formato apareceu 122 vezes, sendo
a maior parte no primeiro telejornal da emissora, o Hora
Um. Foram 115 notas cobertas do repórter no H1, três no JN
e quatro no JG.
Outro formato que esse trabalho conceitua é a nota
direta que surgiu sete vezes durante a pesquisa, todas no
Hora 1. Este formato é semelhante a uma nota coberta,
pré-gravada, mas sem cabeça no estúdio. A nota direta pode
aparecer colada em uma vinheta e conta com um texto de
contextualização no início, substituindo as informações prin-
cipais que seriam ditas pelo apresentador ou apresentadora
do estúdio. Pode acontecer de estar gravada na voz de um
repórter, em vez do apresentador ou apresentadora, como
em uma nota coberta do repórter, mas a característica prin-
cipal da nota direta é a ausência de cabeça.
A nota ilustrada, pode ser entendida como algo entre a
nota pelada e a nota coberta. Conceituamos a nota ilustrada
como uma nota com a informação completa e ilustrada com
imagens no monitor ou em telão do estúdio, sem necessaria-
mente cobrir o apresentador. Por 144 vezes esse recurso foi
utilizado durante o período de observação para este trabalho.
A nota ilustrada não deve ser confundida com a cabeça
ilustrada. A principal característica da cabeça é o apre-
sentador ou apresentadora chamar um assunto, que nesse
momento pode estar ilustrado com alguma imagem relativa
à reportagem que virá a seguir, por exemplo. A nota ilustrada
é como uma nota pelada, ou seja, é feita a narração de um
texto escrito com a informação completa, com o acréscimo
de imagens em uma tela.
Por 13 vezes: sete no Hora 1 e outras seis no Jornal
Hoje, verificou-se a conclusão de uma narrativa por meio
250
do recurso conceituado como nota pé ao vivo. Neste
caso, a nota que vem depois da reportagem com função
de complementar, atualizar ou corrigir uma notícia, sai do
estúdio e, portanto, da voz do apresentador ou apresenta-
dora; é repassada por um repórter ou uma repórter que
esteja em um ponto de ao vivo, em uma externa. Corrigir,
atualizar ou complementar informações de uma reporta-
gem são funções da nota pé, aqui feita por um repórter
(não pelo apresentador como é tradicional nas notas de
um telejornal).
Outra inovação neste ponto sobre a complementação,
atualização ou correção de uma informação, por meio da
nota pé foi denominada nota pé coberta. Este caso se dá
quando a nota pé é coberta com imagens, fotos ou com uma
ilustração ligada ao assunto abordado. No exemplo que
analisamos, o apresentador ou apresentadora sai de cena,
sendo coberto por imagens. Durante a pesquisa aconteceu
seis vezes: duas no Bom Dia Brasil e quatro no Jornal Hoje.
Reportagem ao vivo foi o nome dado ao formato híbrido
criado quando um repórter ou uma repórter que está em
ponto externo ao estúdio, ao vivo, entra com informações
e em seguida é coberto (a) por imagens previamente grava-
das, enquanto segue narrando em off. O repórter ou a repór-
ter volta em cena ao vivo para chamar uma sonora e, após
exibição da sonora, volta em cena ao vivo e devolve para a
apresentadora. Não importa a ordem. É como se a edição (ou
montagem) da reportagem se desse ao vivo.
Precisamos chamar atenção aqui para a forma que o Hora
Um da Notícia encontrou para recapitular os assuntos exibi-
dos no início de cada bloco de notícias (logo após voltar do
intervalo comercial), que nomeamos como retomada. Nas
edições de junho e julho de 2019, a retomada surgia por duas
251
vezes durante o H1, abrindo o segundo e o terceiro blocos
do telejornal. Já nas edições de dezembro de 2019, janeiro de
2020 e de 3 de fevereiro de 2020, o formato foi exibido apenas
uma vez, na abertura do terceiro bloco. Este formato se asse-
melha ao de uma escalada, porém, enquanto a escalada se
refere ao que está por vir, a retomada trata do que já passou.
Essencialmente, a retomada é uma nota coberta simples
e, algumas vezes, conta com sonora ou passagem de repór-
ter (como um teaser) junto à nota coberta. É anunciada
como uma oportunidade para quem perdeu o começo
do telejornal, porque acordou mais tarde, por exemplo.
Contabilizamos ao longo das 15 edições analisadas o uso da
retomada por 19 vezes.
Outra forma de narrar um acontecimento e que mistura
alguns recursos já existentes foi o que chamamos de stand-
-up coberto. Trata-se de um falso ao vivo, em que o repór-
ter é coberto por imagens durante a narração do fato e há o
encerramento característico do stand-up com a assinatura do
repórter ou da repórter de acordo com o costume do noti-
ciário ou da emissora. Esse recurso foi utilizado por 33 vezes
nos cinco telejornais durante o período analisado, sendo 30
vezes no H1, duas vezes no BDBR e uma vez no JG.
É preciso que não se confunda o stand-up coberto com
o stand-up completo. Como o próprio nome sugere, este
último é mais completo, misturando outros recursos de uma
reportagem. Também se trata de um falso ao vivo no qual há
a possibilidade do uso de alguns dos elementos a seguir: o
repórter chamado pelo nome na cabeça; o repórter coberto
por imagens durante a narração do fato; a presença de sonora
(ou sobe-som com um depoimento); e a assinatura do repór-
ter ou da repórter de acordo com o costume do noticiário
ou da emissora. Durante a pesquisa observou-se que este
252
formato foi uma opção para os editores por 17 vezes, sendo
15 no H1 e duas no JG, estas duas em pautas esportivas.
Outro formato que identificamos é o que chamamos
de VT do apresentador, que pode ser definido como um
híbrido que usa recursos de uma reportagem e também de
uma nota coberta. Parece ser uma nota coberta na voz do
apresentador ou apresentadora, mas tem sonoras e sobe-sons
como em uma reportagem. O formato de notícia que está
pré-editado não conta com passagem do apresentador ou
da apresentadora que narra o fato, como um/uma repórter
poderia fazer. Esta foi uma opção para narrar histórias reais
em todos os telejornais, totalizando 20 ocorrências, sendo
que no H1 e no BDBR ocorreram oito vezes em cada.
O que chamamos de VT em conjunto também foi identi-
ficado como formato híbrido, embora tenha sido pouco utili-
zado, três vezes no H1 e outras três no JG. O VT em conjunto
é muito simples de se descrever: trata-se de uma reportagem
construída por mais de um repórter.
Outra forma de descrever um assunto que identificamos,
foi denominado como VT repartido. Apesar de ser parecido
com a reportagem ao vivo, já descrita, neste caso o assunto
é destrinchado usando vários recursos disponíveis ao apre-
sentador ou apresentadora no estúdio, enquanto na reporta-
gem ao vivo quem conta a história é o repórter.
E, por fim, o formato híbrido que foi denominado VT
sonora, ocorreu 34 vezes, no total. É quando o apresentador
ou a apresentadora do telejornal faz uma cabeça bem contex-
tualizada e chama apenas uma declaração ou um trecho de
uma entrevista, ou seja, só uma sonora. Como não tem
uma reportagem para contextualizar o assunto, é necessá-
rio que a cabeça faça o telespectador entender o tema antes
da sonora surgir.
253
Conclusões
254
Também atingimos a meta específica de criar as nomen-
claturas dos formatos híbridos de notícias que os jornalistas de
televisão utilizam para exibir notícias nos telejornais brasilei-
ros e com isso, pode-se como já dito contribuir com uma biblio-
grafia contemporânea para a formação de novos telejornalistas.
Os 18 formatos híbridos foram assim denominados,
descritos, caracterizados e exemplificados: Ao vivo coberto;
Ao vivo direto; Ao vivo ilustrado; Cabeça ao vivo; Cabeça
ilustrada; Nota coberta do repórter; Nota direta; Nota ilus-
trada; Nota pé ao vivo; Nota pé coberta; Reportagem ao vivo;
Retomada; Stand-up coberto; Stand-up completo; VT do
apresentador; VT em conjunto; VT repartido; e, VT sonora.
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257
3
Telejornalismo como instrumento de
combate às violências contra a mulher:
Conceitos e elementos para construir
reportagens audiovisuais com perspectiva
de gênero
Ariane Pereira
Iluska Coutinho
259
2018, a segunda edição do estudo “Estatísticas de gênero:
indicadores sociais das mulheres no Brasil”, a produção de
tais dados se relaciona aos objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS), em articulação com demandas da
Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero
e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), que
identificou uma série de indicadores específicos de gênero
de forma a permitir a construção de políticas públicas
para a construção de equidade, que envolvem reconhecer
a Comunicação e o Jornalismo como esferas particulares
de atenção.
No caso brasileiro, considerando a centralidade da televi-
são, a construção da equidade passa, necessariamente, pelo
telejornalismo que, como defendemos neste texto, pode ser
um importante instrumento para o combate às violências
contra a mulher, que inclui entre outras questões, o silen-
ciamento. O título da quarta edição de pesquisa sobre a
vitimização de mulheres no Brasil evidencia como infor-
mar e comunicar são ações, concomitantemente, de resis-
tência e de constituição de uma sociedade mais equânime.
“Visível e invisível”, relatório publicado em 2023, mostra um
aumento acentuado no último ano dos números de registros
de todas as formas de violência contra a mulher. Segundo os
dados, 28,9% das mulheres com 16 anos ou mais relataram
ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos 12 meses
que antecederam a pesquisa.
Principal forma de acesso à informação sobre o que
acontece no Brasil e no mundo, o telejornalismo, produ-
zido e experimentado em múltiplas telas, precisa assumir
uma postura mais ativa ao dar conhecimento das desigual-
dades que afetam homens e mulheres e, também, assumir o
papel que lhe cabe na transformação da realidade violenta
260
que experenciam as mulheres. A proposta deste texto, então,
é reunir os conceitos que propiciam um jornalismo audio-
visual com perspectiva de gênero produzidos, até aqui, por
suas autoras. Assim, ao compilar tais propostas teóricos-
-conceituais − hoje dispersas em múltiplos textos − busca-
mos contribuir para o avanço dos diagnósticos reflexivos e,
também, para a prática de uma cobertura capaz de apontar
caminhos para a transformação.
261
O artigo “Por um telejornalismo mais igual e plural –
Propostas de abordagem em uma perspectiva de gênero”,
publicado na coletânea Epistemologias do telejornalismo
brasileiro, buscava “estabelecer balizas” para a prática diária
de “um jornalismo de televisão a partir de uma perspectiva
de gênero” (Pereira, 2018, p. 242). O texto também estabe-
lecia os parâmetros mínimos para a adoção do enfoque de
gênero pelo telejornalismo. Isto é,
262
ser realizado: há diferenças no modo como essa notícia afeta
a vida de mulheres e de homens? Em caso afirmativo, a abor-
dagem de gênero não apenas é possível, como também é
pertinente e, sobretudo, necessária.
O jornalismo com enfoque de gênero se propõe a analisar
a informação com a qual trabalhamos, perguntando se ela
afeta de maneiras diferentes a mulheres e homens tendo
em conta a construção social sobre seus papéis. O enfo-
que de gênero propõe a si mesmo um olhar transversal que
atravessa todos os temas e, portanto, todas as editorias dos
meios de comunicação. O enfoque transversal por sua vez
pode adaptar-se a todos os temas como classe social, etnia,
idade, incapacidade, identidade sexual etc. A ideia é que
possamos observar os fatos levando em consideração sua
diversidade, independente de que tipo seja (Chaher, 2007,
p.126, tradução das autoras).
263
Ao realizar uma análise de como nós, mulheres, éramos
representadas pela mídia, as investigações se depararam
com dois grandes estereótipos que ainda perduram: (...)
uma mulher vinculada fundamentalmente ao âmbito pri-
vado – guardiã do Fogo do Lar (como a antiga deusa Héstia,
mas sem os atributos de sabedoria da divindade greco-ro-
mana) e depositária da honra do lar (embora, por vezes,
causa da perdição dos homens que se permitem um descon-
trole dos instintos que elas já não possuem). A mulher como
depositária da perdição e da corrupção social, tal qual na
versão bíblica da expulsão do Paraíso. Um sujeito que não
ocupa espaços privilegiados socialmente (públicos) como
o trabalho, a política ou a ciência; e que se os ocupa não
possui voz autorizada para falar com os meios de comu-
nicação; e cujo trabalho e vida no interior do lar não são
valorizados. Por outro lado, à medida que as mulheres ocu-
pam os cargos públicos, os meios constroem e refletem um
novo estereótipo social: uma mulher que, para participar
das grandes decisões, deve adquirir os códigos masculinos
vigentes (Chaher, 2007, p. 96, tradução das autoras).
264
com as logomarcas das emissoras utilizadas nos microfones,
as passagens como assinaturas das/dos repórteres nas repor-
tagens, os inserts, entre outros.
O artigo “Perspectiva de gênero em telas: acréscimos
ético-informacionais à dramaturgia do telejornalismo”,
publicado na coletânea Teorias do telejornalismo como direito
humano3, defende que a inclusão da abordagem de gênero
pelas reportagens televisivas deve ser encarada como um
item de qualidade informacional para o jornalismo audio-
visual. Ao incluir a perspectiva de gênero como elemento
da dramaturgia do telejornalismo, explicam as autoras ao
apresentar o conceito, propõe-se que a pedagogia do jorna-
lismo audiovisual assuma também uma perspectiva trans-
formadora na qual as mulheres conquistem protagonismo
e visibilidade.
265
Escopo teórico 2: a construção de narrativas audiovisuais
de violência contra a mulher
266
Realidade violenta que só será mudada na medida em que
esses crimes − e também a violência doméstica contra a
mulher de modo geral − forem noticiados com realmente
são: crimes motivados pelo ódio ao gênero feminino dire-
cionado a uma mulher, a um grupo delas ou ao seu conjunto.
Em meio a esse cenário de brutalidade, crueldade e
de discriminação da mulher, as narrativas (tele)jornalísti-
cas têm papel fundamental na desconstrução de estereóti-
pos de gênero e no estalebecimento de uma sociedade com
mais segurança (e equidade) para (que) as mulheres (possam
viver). Assim, ao propor a inclusão da perspectiva de gênero
à dramaturgia do telejornalismo, Iluska Coutinho e Ariane
Pereira estabelecem parâmetros para a cobertura de femi-
nicídios e da violência contra a mulher. Segundo as autoras,
“apenas o registro das mortes pelos e nos telejornais não tem
sido suficiente na busca por maior equidade na experimen-
tação do direito à vida no Brasil” (2021, p.76) e, por isso, as
narrativas precisam ir além, buscando maior qualificação.
O primeiro questionamento que a dramaturgia do telejor-
nalismo, ao adotar a perspectiva de gênero, deve incorpo-
rar é: a narrativa está ancorada em estereótipos de gênero
e mesmo sexistas, como a culpabilização das mulheres (ela
deve ter provocado o homem, tem um amante, estava na
rua em horários inapropriados, estava mostrando o corpo
em demasia, brincou com fogo)? Na sequência, outros pon-
tos de ancoragem da construção da narrativa devem ser a
visibilização das mulheres, a partir do que Iluska Coutinho
(2012) chama de narrativas articuladas, que são aquelas que
se estabelecem a partir de conflitos de personagem e que
permitiriam às mulheres assumir o controle da história
(Coutinho; Pereira, 2021, p. 85).
-mulher-morta-a-cada-6-horas.ghtml
267
Outro aspecto importante, ao narrar episódios de violên-
cia contra a mulher e feminicídios, é nominar as práticas
tais como elas são − violência e feminicídio − e explicar a
terminologia aos telespectadores. Também é preciso contex-
tualizar o que está por trás, quais são as motivações reais
para os atos (não é, por exemplo, o ciúme, e sim a tenta-
tiva de controle, dominação e posse do corpo feminino pelo
homem). Práticas que − pouco a pouco, reportagem após
reportagem, guardam em si a possibilidade de fazer ruir as
crenças socioculturais desse espaço-tempo − isto é, a socie-
dade patriarcal e machista − que motivam e tentam justifi-
car tais crimes.
Ao produzir, redigir ou editar uma matéria sobre as
temáticas, as/os jornalistas devem observar, seguindo Iluska
Coutinho e Ariane Pereira (2021), se:
268
de violência doméstica, que há como romper com
o ciclo que pode levar a morte e o passo a passo
para isso.
269
uma promoção da formação em equidade de gêneros e uma
desnaturalização dos alicerces do machismo e do patriarcado.
Os pontos 1 e 2 desse eixo “linguagem” são especificamente
importantes porque são as descrições dos sujeitos da notí-
cia que serão tomadas como base para que telespectadoras/
telespectadores formem imagens e façam juízos de valor de
quem são essas pessoas.
Outra baliza da construção de narrativas audiovisuais
com ou sem equidade de gênero é a formada pelo conjunto
formado por imagens e edição. É comum, por exemplo, em
reportagens sobre feminicídio, o uso de imagens retiradas
de redes sociais. O conteúdo delas pode reforçar estereóti-
pos tanto em relação à mulher quanto ao homem. No que
diz respeito à edição, o cuidado deve ser com a construção
de narrativas que não tenham apelo sensacionalista.
Já o eixo formação diz respeito ao caráter pedagógico do
telejornalismo. Ou seja, se a reportagem atua no sentido de
quebrar estereótipos e de promover a equidade. Para isso,
as recomendações são 1. nominar os atos e os envolvidos; 2.
explicar as terminologias; 3. abordar as políticas públicas de
proteção a mulher (Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio,
entre outras); 4. explicar o ciclo da violência; 5. apresentar
os locais onde é possível/recomendado procurar ajuda; 6.
apresentar o passo a passo de como denunciar; 7. em sinto-
nia com a dramaturgia do telejornalismo (Coutinho, 2012)
apresentar uma espécie de moral da história, mostrando que,
como disse Maria da Penha (vítima de tentativa de femi-
nicídio que deu nome à lei), quando a violência acaba, a
vida floresce.
Ao inserir o enfoque de gênero à dramaturgia do telejor-
nalismo, dessa maneira, estaríamos, enquanto jornalistas
de televisão, contribuindo, em primeiro lugar, para que os
270
meios de comunicação sejam mais inclusivos com as mulhe-
res, além de, por consequência, assumirem papel decisivo
na implantação de uma sociedade com mais equidade entre
os gêneros – um lugar onde elas, assim, poderiam viver sem
discriminação, sem medo e sem violência. Essa construção
passa pela elaboração de formulações que, segundo Pereira
e Caleffi, permitem “pensar o fazer jornalístico para além
do convencionado − ou seja, o jornalismo baseado numa
suposta neutralidade”. Afinal, não há como amparar-se em
suposta isenção, imparcialidade e objetividade quando
mulheres estão morrendo em condições de sub-alteridade
e, sobretudo, quando esses assassinatos são motivados pelo
ódio ao sexo feminino - sentimento que encontra respaldo
em questões culturais e socialmente relativizadas ou silen-
ciadas/invisibilizadas (Coutinho; Pereira, 2020, p. 86).
271
“avenidas de silêncio” (Solnit, 2017) ainda são impostas às
mulheres pelos veículos de comunicação. Para que esses
espaços sejam transpostos, acreditamos que a adoção da
perspectiva de gênero também seja o melhor caminho.
O telejornalismo com enfoque de gênero pode ser consi-
derado, na perspectiva das autoras, um movimento de resis-
tência a um fazer que se ampara nos discursos e nas vozes
dominantes − a dos homens.
Informar é um saber (o jornalístico) produzido a partir de
outros saberes recolhidos e selecionados pelos jornalistas
− o saber formal das fontes e o informal das personagens.
Nesta seleção, realizada ao longo de rotinas profissionais
e processos noticiosos com alto grau de similaridade nas
emissoras de TV brasileiras, o telejornalismo confere saber
e poder aos homens sempre que dá voz a eles e, simulta-
neamente, retira das mulheres a possibilidade de falar/se
expressar. Assim, os telejornais reafirmam a capacidade de
produção de conhecimento e de liderança, e a habilidade
em conduzir condutas como atributos masculinos, refor-
çando os abismos sociais que afastam as mulheres da pos-
sibilidade de alcançar a equidade (Pereira; Coutinho, 2022,
p. 149).
272
do que pensam e produzem 52% da população (Pereira;
Coutinho, 2022, p. 146-147).
273
parada no trajeto casa-trabalho-casa; ou as mulheres ainda
ganham menos do que homens quando exercem a mesma
função, portanto, para elas o aumento tem maior impacto
(Pereira, 2020, p. 142).
274
mulher, nas telas, defendemos que pesquisar, refletir e formar
profissionais comprometidos com o jornalismo possível é
um caminho importante na luta em direção à equidade.
Ao entender que ela deve ser tecida também nas pesquisas
evidencia, como apontado anteriormente, o maior protago-
nismo que a temática tem ocupado nos últimos cinco anos.
Do registro de violências contra mulheres no cotidiano
e sua forma de presença nas telas em produções jornalísti-
cas em cena à constatação de que desigualdades e ausências
de políticas públicas também integram o enquadramento da
questão, as pesquisas realizadas evidenciam a demanda por
transformações. Mais que isso, reconhecem o telejornalismo
como campo legítimo para a construção dessa mudança,
ainda que para isso seja necessário, também, propor cami-
nhos e formatos que estimulem e promovam a equidade,
em um jornalismo com perspectiva de gênero, como busca-
mos sistematizar nos três escopos teóricos apresentados
nesse texto.
A construção prévia do estado da arte sobre o tema em
trabalhos de pesquisadoras e pesquisadores de Telejornalismo,
tomando como fontes as produções da Rede TeleJor em anais
de eventos e livros da Coleção Jornalismo Audiovisual, revela
alguns eixos chave de tensionamentos da práxis profissio-
nal em direção a uma sociedade menos hostil às mulhe-
res. Tomando as telas como locus privilegiado, os trabalhos
teriam como eixos temáticos: 1) Violência e feminicídio; 2)
Políticas públicas e visibilidade; 3) Pauta, silêncios e drama-
turgia em cena.
No primeiro eixo inserem-se trabalhos como o de Ariane
Pereira (2018), e que a pesquisadora, inicialmente, apresenta
dados do Ministério Público que evidenciam que a igualdade
entre homens e mulheres está longe de ser conquistada. O
275
combate à violência contra à mulher, desse modo, de acordo
com a autora, é também um trabalho de mudança cultural,
em que a comunicação tem papel fundamental ao permitir
a emergência de novos modos de ler, ser e estar no mundo.
Parte dessa ação propositiva é descrita a partir da experiência
do projeto de extensão “Florescer”, que tem como proposta
a utilização dos recursos do telejornalismo para a produ-
ção de materiais audiovisuais que atuam em duas frentes: 1)
levar a mulher a se reconhecer como vítima e perceber que
é possível transformar a própria vida; e 2) levar a sociedade
a refletir sobre suas práticas culturais, de modo a promover,
no longo prazo, novas posturas nas relações que envolvem
homens e mulheres.
Essa temática está presente ainda em trabalhos de Pereira
e Caleffi (2020) e Pereira e Claro (2020), que analisam respec-
tivamente as violências com as mulheres, no plural, como
pauta de um programa semanal (Fantástico) e na cobertura
de dois casos de feminicídio que se notabilizaram também
pelo tratamento midiático. A cobertura desses dois casos
feminicídios midiatizados, de Eloá Pimentel e de Tatiane
Spitzner voltou a ser tematizada um ano depois (Negrini
e Dalmaso, 2021), enquanto o trabalho de Mozart Miranda
(2021) apresentado em uma das coordenadas de rede TeleJor
buscou refletir sobre os limites da cobertura da violência
contra a mulher na pandemia.
Os trabalhos do eixo Políticas públicas e visibilidade
buscam ir além; mais que apontar evidências sobre uma
cobertura sobre o tema do feminicídio, que em alguns
momentos assume um tom também violento, propõem
tensionar caminhos de transformação. Do diálogo com
as políticas públicas à tela da TV, Ariane Pereira e Renata
Caleffi (2020) apontam que o tema se torna pauta mais
276
presente nos telejornais a partir da entrada em vigor da Lei
do Feminicídio. Esse viés temático aparece em dois trabalhos
desenvolvidos pelas autoras, em coautorias presentes em dois
textos de 2021: um apresentado no Congresso Nacional da
Intercom, sobre séries de reportagens exibidas por afiliada
Rede Globo entre 20 e 22 de julho, e um capítulo que inte-
grou a coletânea “Telejornalismo e Direitos Humanos:
pesquisas e relatos de experiência” (Pereira, Caleffi e Tomita,
2021), abordando experiência de extensão com Jornalismo
audiovisual na educação básica como uma ferramenta de
combate à violência contra a mulher.
Essa perspectiva é retomada por Ariane Pereira e Iluska
Coutinho (2022) ao defenderem o jornalismo com perspec-
tiva de gênero como uma dimensão política capaz de quali-
ficar a informação telejornalística. Em “A ausência da mulher
como sujeito nos/ dos telejornais: um deserto de notícias que
contribui para a desinformação”, as autoras identificam os
telejornais brasileiros, ainda como um locus de reafirmação
do poder masculino; a subalteridade das mulheres em rela-
ção aos homens está inscrita de forma estrutural na socie-
dade e nas práticas jornalísticas, com reflexos na cobertura.
A invisibilização das mulheres é conceituada assim como
uma espécie de deserto noticioso, compreendido não como
um espaço geográfico, mas como um território político. Tal
dimensão teórico-metodológica é associada a estudo empí-
rico apresentado pelas autoras no Congresso da Associação
Latino-americana de Ciências da Comunicação, quando a
violência de gênero que provoca desinformação foi carac-
terizada como um deserto informativo em tela (Pereira e
Coutinho, 2022).
O terceiro e último eixo revela o comprometimento das
pesquisadoras e pesquisadores com a busca por jornalismo, e
277
sociedade, com mais equidade. Para isso colocam em pauta
como superar os silêncios em cena, propondo materiali-
dades audiovisuais possíveis para a mudança de pautas, na
dramaturgia e modos de narrar. Essa é a proposta comum
de três textos publicados em 2018, entre eles o artigo de
Ariane Pereira publicado no volume 7 da Coleção Jornalismo
Audiovisual, anteriormente mencionado. Teixeira, Marino
e Coutinho (2018) apresentam pesquisa sobre a representa-
ção do feminino em dois programas da Rede Minas, emissora
pública de TV de Minas Gerais, em que procuram compreen-
der se há cumprimento dos princípios do jornalismo público,
e essas emissoras com um espaço potencial para a transfor-
mação. Iluska Coutinho (2018) propõe em artigo apresen-
tado no Intercom − caminhos “Com telas e afeto: para fazer
um telejornal predileto e inclusivo”; o trânsito do jornalismo
audiovisual na diversidade de telas que articulam a experiên-
cia cotidiana, é considerado como campo para narrativas
mais inclusivas, que permitiram a emergência de denún-
cias de episódios de assédio na cobertura esportiva da Copa
do Mundo 2018. Pereira, Caleffi e Albertini (2019) propõem
pensar na dramaturgia do telejornalismo como ferramenta
para o combate a violência contra a mulher e promoção da
equidade de gênero, a partir da prática educomunicativa.
Também em 2019, Ariane Pereira e Renata Caleffi evidenciam
em trabalho apresentada em sessão coordenada da SBPJor
como as vozes preponderantes nos telejornais da RPC-TV, do
Paraná, são variações de um mesmo timbre, o grave mascu-
lino, evidenciando a necessidade de transformação do mundo
do trabalho, em redações de TV.
Dois anos depois, em 2021, Marina Oliveira e Ariane
Pereira evidenciam como os telejornais da Globo abordam
a pauta da violência contra a mulher ao colocar em pauta
278
o caso do DJ Ivis. Além de dar visibilidade à temática de
maneira mais ampla, as pesquisadoras apontam a impor-
tância de agendamento da temática nos telejornais, forma
de acesso à informação preferencial no país, e por isso de
transformação potencial da realidade. Já o olhar de Bárbara
Schlaucher (2021) se volta aos silêncios da pesquisa acadê-
mica, buscando compreender as potencialidades para a
produção de conhecimento no e do telejornalismo a partir
da perspectiva de gênero.
Iluska Coutinho (2021) coloca em tela distintas formas de
violências contra a mulher, dadas a conhecer especialmente
por meio do jornalismo audiovisual. Defende a dramatur-
gia do telejornalismo e a perspectiva de gênero como estra-
tégias de desvelamento de desigualdades. Ariane Pereira e
Renata Caleffi (2021) buscam em outro artigo compreender
se a equidade entre os gêneros faz parte da rotina telejorna-
lística ou se é um direito humano ignorado; mostram que é
necessário maior atuação política das mulheres, nas telas e
nas redações de emissoras públicas e privada que integraram
a pesquisa empírica realizada pelas autoras.
Esse viés de estudos reuniu ainda trabalhos que inte-
graram sessões coordenadas da Rede TeleJor, no congresso
da SBPJor de 2021. Bárbara Schlaucher questiona se o (des)
respeito aos direitos humanos tomou conta das telas, a partir
de uma análise da construção jornalística da representação
de uma criança vítima de abuso sexual. Já Leila Nogueira
Kalil (2021) propõe (re)pensar as representações femini-
nas em notícias televisivas, já que o modo como as narrati-
vas trabalham a imagem da mulher funcionaria como uma
agressão de segunda ordem. A autora questiona ainda como
o telejornalismo pode contribuir para minimizar a violên-
cia contra as mulheres em coberturas de acontecimentos
279
de grande repercussão. Piccinin e Prevedello (2021) temati-
zam as narrativas dos ataques de Bolsonaro às jornalistas no
jornalismo audiovisual, como agressões a todas: jornalistas,
pesquisadoras, mulheres.
Pauta, silêncios, invisibilidades e vieses são colocados em
cena e tensionados por Coutinho e Pereira (2021) a partir da
perspectiva de gênero em telas. Ao propor acréscimos ético-
-informacionais à dramaturgia do telejornalismo, as autoras
consolidam um percurso reflexivo comum a várias pesquisa-
doras e pesquisadores do campo, e convocam à ação coletiva.
Para que o telejornalismo possa ser experimentado como
direito humano, seja em teorias e conceitos, mas também
como práticas, de ensino e de um jornalismo mais inclusivo
em direção à equidade.
O percurso tecido por meio da pesquisa bibliográfica
evidencia que é possível a partir da inclusão da perspectiva de
gênero no jornalismo audiovisual, da construção de narrati-
vas audiovisuais de violência contra a mulher e da visibiliza-
ção das mulheres. Os três escopos teóricos assim propostos
buscam indicar futuros e caminhos possíveis em direção à
equidade, no telejornalismo, e em seu ensino e pesquisa.
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282
4
A proximidade no contexto de diferentes
telas: novas relações possíveis no
telejornalismo
283
Logo, a proximidade pode ser problematizada e sua
investigação extrapola seus limites enquanto valor notí-
cia, podendo ser visibilizada na razão de ser dos telejornais:
afinal, como um telejornal sobrevive sem construir uma
relação de proximidade com o seu público? Ainda mais em
países com a configuração midiática da radiodifusão como
o Brasil, com altas dependências de recursos publicitários e,
consequentemente, de índices relevantes de audiência.
Abordar a proximidade enquanto um conceito é visua-
lizá-la enquanto uma unidade estruturada constituída
de elementos que se articulam entre ela (Dahlberg, 1978),
que no caso do telejornalismo, podemos apontar os dife-
rentes aspectos que fazem parte do jornalismo como um
campo profissional. Ao inferir de algumas teorias clássicas
do jornalismo e de sua profissionalização (Traquina, 2005),
a proximidade perpassa pela relação com as fontes; aspec-
tos organizacionais; interação com o público; relação com a
sociedade e a reivindicação de serviço público do jornalismo;
comunidade jornalística, entre outras instâncias.
Apesar do leque de opções que a pesquisa sobre a proxi-
midade se faz vislumbrar, neste capítulo dedico a pensar
sobre suas relações nas diferentes telas. Assim, o trabalho
estrutura-se em três seções: na primeira, dedico a contex-
tualizar a proximidade enquanto relações no telejornalismo.
Trata-se de estudos desenvolvidos entre os anos de 2016 e
2019 no Programa de Pós-graduação em Comunicação
da Universidade Federal de Minas Gerais, onde pude
compreender uma nova maneira de lidar com a proximi-
dade – enquanto relações entre os agentes e elementos cons-
tituidores dos telejornais locais.
Na segunda seção, faço aderência às discussões da Rede
Nacional de Pesquisadores em Telejornalismo (Rede Telejor)
284
para compreender o chamado telejornalismo expandido
(Silva, Rocha e Silva, 2018), assim como verificar como o
período de isolamento social oriundo da pandemia da
Covid-19, principalmente no ano de 2020, catalisou novas
práticas para o telejornalismo e que – mesmo com a limi-
tação da proximidade física – os telejornais souberam fide-
lizar o público e legitimar seu lugar de referência em um
momento de crise global. Por fim, na terceira seção, utili-
zando dos estudos sobre sites de redes sociais, proponho a
criação de duas novas relações de proximidade, alinhadas às
transformações recentes do telejornalismo.
285
na dimensão da experiência. A própria teoria do gatekee-
per de David Manning White reconhecia a subjetividade e
o juízo de valor do jornalista na seleção do que seria publi-
cado nos jornais – o que levou a ser chamada de teoria da
ação social (Traquina, 2005). Mesmo com a superação do
estudo, por meio de teorias sucessoras que consideravam que
outros fatores pesariam mais na seleção dos acontecimen-
tos, como o organizacional, a teoria tornou-se relevante por
apontar as questões subjetivas que fazem parte das redações.
Problematiza-se até mesmo valores deontológicos da forma-
ção do campo profissional do jornalismo, como a indepen-
dência e a noção de verdade.
Dessa forma, tenho proposto uma forma alternativa de
lidar com a proximidade: sem perder de vista sua defini-
ção enquanto valor notícia, considero que pode ser melhor
abordada enquanto uma relação que é construída pelo tele-
jornal e que envolve diversos atores/elementos, como jorna-
listas, público, editorias, temáticas e formatos. A discussão
que fundamenta essa proposta são as teorias sobre identi-
dades e diferença. Observar a diferença abre caminhos para
reconhecer a presença do outro, já que a identidade é rela-
cional, sendo a diferença um demarcador simbólico relativo
às outras identidades. Assim, a identidade depende da dife-
rença e vice-e-versa (Woodward, 2000).
Bueno Leal diz que além de incluir aspectos territoriais
e identitários, o termo também “demarca distância, entre
este e outros mundos, outros espaços, outras identidades.
Não se trata, portanto, de proximidade versus fronteira, mas
de uma configuração peculiar, interdependente, ideologica-
mente marcada e móvel de ambos” (Leal, 2016, p. 30). A visão
de Leal põe em evidência o outro e a necessidade de abordar
(e identificar) a fronteira que torna algo próximo em relação
286
“a que” ou “a quem”. Essa projeção também faz emergir o
caráter ideológico da proximidade, visto que a identificação
está estreitamente ligada à experiência de quem vê, de quem
é visto e do espaço social onde a comunicação se estabelece,
numa clara dimensão de poder em referência às significações
que emergem nas relações de proximidade.
A discussão de identidades ainda aponta para outras
cautelas ao lidar com a proximidade, principalmente no
caso do telejornalismo local. A tensão entre o local e global
é considerada por Mar Fontcuberta (2006) como um dos
principais desafios para o jornalismo pautado pela proxi-
midade, principalmente devido à dificuldade de identificar
as fronteiras (ou melhor, os fluxos) que perpassam por essa
relação. A reflexão ganha fôlego ao considerar as diásporas
e os crescentes movimentos migratórios, que de certa forma
trazem desafios para a proximidade no jornalismo – prin-
cipalmente na ótica do local, em que a referência geográfica
tem se desestabilizado, dando lugar ao consumo desterri-
torializado, mais alinhado às identificações socioculturais.
Essa discussão aponta que abordar a proximidade a partir
das discussões sobre identidades, requer pensá-la enquanto
uma relação que é constituída pelo e ao longo do telejor-
nal, em conjunto com a experiência das audiências. Em
2019, ao observar quatro telejornais locais de Minas Gerais,
em conjunto com revisão bibliográfica, pude mapear cinco
dessas relações: telejornal-audiência; telejornal-território;
telejornal-jornalistas; formato-audiência; e temática-audiên-
cia (Oliveira Filho, 2020).
A relação de proximidade telejornal – audiência consi-
dera que a proximidade permeia diversos aspectos de um
telejornal, como no incentivo à contribuição com envio
de material audiovisual. Cristina Musse e Cláudia Thomé
287
mostram, por exemplo, que por meio do envio de vídeos
para o então RJTV (TV Globo/Rio de Janeiro), a audiên-
cia deixou de ser um mero “telespectador” para se tornar
um potencial “produtor de conteúdo”. As ferramentas utili-
zadas são simples: o celular, através de aplicativos como
WhatsApp. Essa “relação de amizade” é uma maneira de dar
autenticidade à cobertura jornalística regional, já que abre
novas possibilidades para abordar diferentes pontos de vista
(Musse e Thomé, 2015, p. 8).
Outro recurso que se enquadra nessa via de abordar
a proximidade é o repórter-testemunha, isto é, quando o
jornalista vive determinado acontecimento e fala sua opinião
sobre o processo de “experimentação” da realidade. Iluska
Coutinho e Jonathan Mata (2013) observaram tal compor-
tamento em notícias oriundas de catástrofes climáticas no
Brasil em 2011, com foco em materiais exclusivos que são
disponibilizados na internet pelos telejornais. A consta-
tação dos autores demonstra uma prática cada vez mais
comum no telejornalismo: o repórter que experimenta, que
se torna personagem da notícia e que, ocasionalmente, relata
a experiência de ver – ou até mesmo de fazer parte, sentir –
um acontecimento.
A relação telejornal – território considera que ao se auto-
denominarem como locais/regionais, não quer dizer que os
telejornais sejam de fato identificados pela audiência como
tais. Um exemplo é visto no trabalho de Iluska Coutinho e
Lívia Fernandes (2007) que observou a construção das iden-
tidades regionais através do Jornal da Alterosa edição regio-
nal (da TV Alterosa, afiliada do SBT com estúdio na cidade
de Juiz de Fora, Minas Gerais). As autoras consideraram que
a tentativa de estabelecer laços de proximidade com toda a
região foi ineficaz. A constatação evidencia que muitas vezes
288
os telejornais ditos regionais não conseguem se aproximar
de todos os municípios que fazem parte da área de cobertura
jornalística. Assim, pode-se afirmar que são mais “locais”
do que “regionais” e que há certa nitidez quanto aos senti-
dos de demarcação entre “nós” e o “outro”, o “incluído” e o
“excluído” (Silva, 2000; Leal, 2016).
Apesar da ambiguidade entre o discurso empresarial e a
prática efetiva do serviço jornalístico, é preciso também se
empenhar sobre as estratégias em que os noticiários utili-
zam para se mostrarem pertencentes ao território que estão
inseridos. A própria localização do repórter, seja na passa-
gem afirmando que “está em determinado local”, ou nos
créditos descrevendo a localidade, bairro ou cidade onde
está sendo feita a gravação, é um recurso de aproximação
territorial. É um artifício para o telejornal mostrar que uma
equipe esteve no local do acontecimento – demonstrando
maior proximidade com a região do que a informação dada
apenas pela leitura de uma nota seca ou nota coberta, em
que não há qualquer interação com os indivíduos e o espaço
relativo ao acontecimento social. Também se relaciona com
um dos princípios do discurso de autoafirmação do jorna-
lismo enquanto campo profissional: o de testemunha ocular
do acontecimento.
A relação de proximidade telejornal-jornalistas engloba a
tentativa de humanizar os profissionais que levam (e trazem)
as notícias – com o intuito final de promover a identifica-
ção ou mesmo aproximação entre o telejornal e a audiência.
Juliana Gutmann (2012), em pesquisa direcionada à articu-
lação dos valores jornalísticos e à linguagem televisiva nos
telejornais, observa como as relações que se iniciam com
a presença do apresentador contribuem para a criação de
um efeito de simultaneidade do espaço discursivo, numa
289
referência à perspectiva de continuidade espacial de Yvana
Fechine (2008). Apesar dos objetos empíricos utilizados na
análise de Gutmann serem noticiários de rede de abrangên-
cia nacional, é possível estabelecer conexões que também
fazem sentido ao contexto local e regional, como o papel dos
corpos dos apresentadores e a reflexão acerca da dimensão
espaço-temporal criada pelos telejornais. Gutmann descreve
como a performance dos corpos dos apresentadores contri-
bui para uma certa autoridade na apresentação das notícias
e na criação da referência espaço-temporal do telejornal –
a noção do “aqui e agora”. A autora defende que a própria
organização dos estúdios contribui para promover a aproxi-
mação com o espectador, numa referência aos estúdios que
geralmente tem a redação como cenário de fundo gerando
um efeito de vigilância.
No que se refere à interação entre os jornalistas que
estão envolvidos no telejornal, Gutmann verifica o diálogo
entre os apresentadores na leitura da cabeça de uma maté-
ria, geralmente virando um para o outro, trocando olhares,
numa clara performance de uma conversa através de seus
corpos. A atuação, “forja o sentido de presente configurado
por ações simultâneas que envolvem os sujeitos de fala e os
sujeitos interlocutores do programa” (Gutmann, 2012, p.
90). Essa relação também se conforma nas situações em que
os apresentadores convocam outros mediadores que estão
em locais geograficamente distintos. Por meio dos telões ou
da própria tela dividida em duas partes, eles partilham um
mesmo tempo-espaço: o tempo-espaço do telejornal. Essa
proximidade entre os agentes comunicativos não exclui a
proximidade com o telespectador. Pelo contrário, através
do encontro no telejornal, considera-se também a presença
daqueles que assistem ao programa.
290
A relação formato-audiência reconhece o papel do
formato na criação de laços de proximidade. Os quadros
temáticos e institucionais, por exemplo, têm a intenção de
convocar os telespectadores para fazer parte do noticiário.
Alguns de forma mais explícita, como foi o caso do Parceiros
do RJ, que, apesar de não mais produzido no RJ1, inspirou
outros Praça 1 com reinvenções semelhantes. Um quadro que
tem se popularizado é o VC no MG – com a atenção de que
outros Praça 1 também têm sua versão regional. Nos MGs
de Belo Horizonte (TV Globo), Juiz de Fora (Integração/
Zona da Mata), Governador Valadares (InterTV/Vales de
Minas), Montes Claros (InterTV/Grande Minas), entre
outras cidades/sedes, quase que diariamente são exibidos
vídeos enviados pelos telespectadores. A equipe de jorna-
lismo complementa os problemas sociais exibidos (e envia-
dos) por meio da participação das audiências através da
leitura de uma nota seca com a posição do órgão respon-
sável, geralmente algum setor da administração municipal.
Apesar desses recursos serem mais utilizados na última
década, há outras maneiras de promover a proximidade
pelo formato que são corriqueiramente utilizadas por noti-
ciários regionais/locais. Um exemplo é o vivo. Diante da
competição dos telejornais com o conteúdo disponibili-
zado na internet, a televisão cada vez mais busca utilizar
o vivo como uma estratégia de mostrar que uma equipe
está no lugar do acontecimento ou mesmo para reforçar
o efeito de atualidade/agilidade da informação. A adoção
dessa estratégia “resulta, por fim, em um efeito de maior
proximidade entre o conteúdo enunciado e o próprio ato
de enunciação por meio do qual se diminui a distância
entre o fato jornalístico e sua divulgação pelo telejornal”
(Fechine, 2006, p. 3).
291
A relação temática-audiência se ancora na relação do
gênero – ou conforme Itania Gomes (2006), do subgênero
− telejornal com a audiência. Nesta articulação, se torna
inevitável observar como o noticiário, via temáticas edito-
riais, constrói um estilo particular (com referência ao coti-
diano) que busca atender as expectativas do telespectador
– numa clara relação à concepção de modo de endereça-
mento. Segundo Gomes, “a análise do modo de endereça-
mento deve nos possibilitar entender quais são os formatos
e as práticas de recepção solicitadas e construídas pelos tele-
jornais” (Gomes, 2004). Se utilizando dos estudos de John
Hartley, que propõem três operadores de análise: o media-
dor, a voz do povo e a entrevista investigativa, Gomes vê a
necessidade de adaptar esses preceitos à realidade do telejor-
nalismo brasileiro, elencando então oito novos operadores:
mediador, temática, organização das editorias e proximi-
dade com a audiência, o pacto sobre o papel do jornalismo,
o contexto comunicativo, os recursos técnicos a serviço do
jornalismo, os recursos da linguagem televisiva, os forma-
tos de apresentação da notícia e a relação com as fontes
de informação.
Interessa aqui o segundo operador, dedicado à “temática,
organização das editorias e proximidade com a audiência”.
Gomes afirma que a análise da temática demanda cautela e
que pode ser empreendida pela forma de organizar e apre-
sentar as editorias e pelo modo de construir a proximidade
geográfica com a audiência. “[...] o telejornal pode enfatizar
as editorias de economia e política, ou a de cultura e lazer, ou
a de esportes. A arquitetura dessa organização implica, por
parte do programa, a aposta em certos interesses e compe-
tências do telespectador” (Gomes, 2004, p. 92). Identifica-se
que a temática do telejornal não é composta por assuntos
292
aleatórios – e sim, faz parte do cotidiano do telespectador e
pressupõe um certo nível de proximidade, o que justifica a
necessidade de pensar numa relação que envolva a temática
e as audiências.
Destaca-se, ainda, que as cinco relações de proximidade
sistematizadas não são um esgotamento de possibilidades,
mas sim, um ponto de partida e a tentativa de estabelecer
uma interlocução do conceito de proximidade, enquanto
relações, com a empiria. Neste capítulo, proponho duas
novas relações, mas antes, com o intuito de fundamentá-las,
busco caracterizar o telejornalismo contemporâneo.
293
plataformas digitais e nos serviços de streaming. Em comum,
essas mídias, que até pouco tempo eram chamadas de analó-
gicas, passaram a fazer parte do digital, compartilhando e
produzindo conteúdos para diferentes telas – que agora não
apenas os recebem, mas, por meio dos usuários, também os
compartilham, readaptam e engajam.
A ecologia dos meios de Comunicação (Scolari, 2015)
tem sua origem no pensamento de Marshall McLuhan, que
mesmo apesar das críticas em torno do seu tecnocentrismo,
trouxe contribuições visionárias que devem ser considera-
das nos estudos recentes do campo da Comunicação. Em
1969, por exemplo, afirmou em uma entrevista que “[...] um
eficaz estudo dos meios de comunicação não só lida com o
conteúdo dos meios de comunicação, mas com os próprios
média e o ambiente total cultural no qual os meios de comu-
nicação funcionam” (McLuhan, 1969, p. 5). Essa afirmação
tem sido concretizada em estudos referenciais, como é o caso
de Cultura da Convergência de Henry Jenkins (2009), que
traz entre outras definições, o conceito de transmídia.
Diante das novas ramificações da televisão, aqui não a
tomo como sendo apenas um aparelho, mas parte de uma
ecologia que compreende toda a possibilidade de produção e
circulação do audiovisual que utiliza as rotinas produtivas, a
tradição e o aparato (técnico-cultural) da produção televisiva
– que agora compreende, também, os dispositivos móveis,
as mídias sociais e as plataformas de vídeo sob demanda.
Essa mudança de olhar sobre a televisão, que não é novidade,
demarca a quebra do paradigma emissor-receptor para posi-
cioná-la num ambiente multifacetado, que envolve indiví-
duos, grupos e redes no processo de emissão do conteúdo;
e que na instância da recepção, lida com uma audiência
produtiva e criativa (Martino, 2015), capaz de reconfigurar a
294
mensagem televisionada e dar novo sentido ao audiovisual.
Neste aspecto, torna-se difícil delimitar as linhas que sepa-
ram a emissão da recepção, já que no contexto das mídias
digitais, ambas as partes podem se reversar nessas funções.
Quando essa argumentação é atrelada ao jornalismo,
outros elementos então em disputa, como a questão da auto-
ridade. Mesmo em uma ecologia midiática onde a emissão
da informação tem sido possível para qualquer pessoa que
tenha acesso ao ciberespaço, a função social do jornalismo,
no sentido da produção de informação confiável e de relatar
os acontecimentos cotidianos, tem sido reforçada, principal-
mente diante da desinformação oriunda das redes digitais.
O surgimento de agências de checagem de notícias é um
exemplo de como o jornalismo tem feito parte do ecossis-
tema midiático contemporâneo. Essa constante inserção em
lacunas sociais faz evidenciar uma função social que reforça
a própria profissionalização da profissão, que reivindica à
comunidade um reconhecimento coletivo de suas respon-
sabilidades no espaço público, sendo fundamentais para o
funcionamento da democracia (Traquina, 2005).
A partir dessas bases conceituais, é possível identifi-
car algumas transformações do telejornalismo na era das
mídias digitais. Silva, Rocha e Silva (2018) categorizam três
fases relativas às mudanças ocorridas no jornalismo televi-
sivo após a invenção da internet: 1) a fase transpositiva, que
surge a partir dos anos 2000 com o surgimento dos portais
das emissoras de televisão. Marca a possibilidade dos teles-
pectadores verem os jornais na íntegra na internet, após a
sua exibição na tevê aberta e mediante o pagamento de uma
taxa de assinatura. Portanto, os sites são como repositórios
do conteúdo exibido na tevê, mesmo que sejam registradas
algumas tentativas de interatividades, como chats online com
295
convidados e jornalistas; 2) a fase hipermidiática é descrita
pela ação das emissoras transmitirem em tempo real os tele-
jornais na internet e na televisão, sendo registrada também a
emergência do fenômeno da segunda tela, em que o telespec-
tador pode acompanhar o conteúdo televisivo no ambiente
das redes, de forma complementar” (Silva; Rocha; Silva,
2018, p. 26). Outra característica da fase hipermidiática é a
otimização das formas de participação do público no tele-
jornal, como pelo envio de pautas, fotos e vídeos; 3) a fase
expandida, quando conteúdos são criados pelos telejornais
para serem divulgados exclusivamente (ou não) para outras
plataformas, como mídias sociais ou aplicativos. É uma
estratégia para expandir os conteúdos jornalísticos para os
novos formatos.
Nesta discussão, me interessa a fase expandida, que
representa a configuração contemporânea do audiovisual
informativo. Silva, Rocha e Silva (2018) buscaram analisar
como emerge o telejornalismo expandido em quatro mídias
sociais nos anos de 2015 e 2016: o Snapchat, o Instagram, o
Periscope e o Facebook Ao Vivo. Entre as principais consta-
tações, afirmam que os telejornais têm considerado as redes
sociais como um espaço importante para interagir com os
telespectadores – que também passam a ser seguidores do
noticiário por meio de seus perfis oficiais nas plataformas. É
também uma maneira de identificar a repercussão das maté-
rias veiculadas, por meio do monitoramento dos comentá-
rios e das reações positivas e negativas, geralmente por meio
de emojis e curtidas. Alguns telejornais têm aproveitado essa
visibilidade privilegiada para compartilhar os bastidores da
produção, como a veiculação de lives de reuniões de pauta,
a postagem de chamadas e fotos dos jornalistas, a inserção
de chamadas do repórter − espécie de teaser − relatando o
296
acontecimento que será noticiado horas depois na edição ao
vivo e até mesmo a veiculação do vivo do telejornal.
O estudo verificou que na internet, valores que por muito
tempo foram intocáveis no telejornalismo, passam a ser flexi-
bilizados, como é o caso da qualidade da imagem. Se Cannito
(2010) mencionou o Padrão Globo de qualidade como sendo
a questão da técnica apurada que consolidou a imagem da
TV Globo ao longo de décadas, Edna Silva, Liana Rocha
e Sérgio Silva demonstraram que no contexto da televisão
expandida, é comum este aspecto não ser uma prioridade.
Ao citar o caso das reuniões de pauta do JR News que eram
divulgadas no Facebook e no Periscope, citam que “a carac-
terística principal dessa transmissão é a informalidade. [...]
Não há preocupação com a qualidade técnica da imagem,
tampouco com a edição do vídeo [...]” (Silva, Rocha e Silva,
2018, p. 27).
É interessante essa constatação não apenas por reorde-
nar os valores do telejornalismo, no que tange à técnica, mas
também por demonstrar como a informalidade tem sido
utilizada enquanto uma estratégia de proximidade entre o
telejornal e seus seguidores – chamo aqui de seguidores, pois
não há garantias que o internauta que visualiza e reage aos
conteúdos postados nas redes sociais, de fato irá visualizar o
telejornal no seu horário de exibição ao vivo, na íntegra. Essa
estratégia também se repete em noticiários de outras emis-
soras, como é o caso do Jornal Nacional, da TV Globo. Silva,
Rocha e Silva apontam que no período da análise, a intera-
ção do público era maior quando as fotos postadas pelo noti-
ciário no Facebook tinham um tom mais informal, como
quando os apresentadores estavam em situações bem humo-
radas. Os autores concluem que a partir do momento em
que as audiências estão presentes em diferentes telas e que
297
as plataformas de redes sociais permitem uma maior parti-
cipação do espectador, os telejornais também criam estra-
tégias para estar presentes nesses espaços1, compartilhando
conteúdo, aproximando e conquistando novos públicos.
Verifica-se, portanto, que a proximidade, mesmo pouco
mencionada como um conceito de análise e de funda-
mentação metodológica, tem sido central nas novas reor-
ganizações da circulação da informação televisiva. Seu
acionamento ainda se tornase visível em situações de crise,
como no período inicial da pandemia da Covid-19, no ano
de 2020, quando os telejornais precisaram criar novas manei-
ras de se relacionar com as audiências – para além daquelas
já desenvolvidas nos sites de redes sociais. Renata Caleffi e
Ariane Pereira (2020) afirmam que o telespectador assumiu
um papel mais proativo, cujo espaço de interação, mesmo já
existindo antes da pandemia, tornou-se lugar de copartici-
pação na construção noticiosa. Alguns exemplos são maior
participação nas entrevistas realizadas no estúdio via envio
de perguntas e interações nas redes sociais da emissora; o
uso do audiovisual amador para a produção noticiosa; um
maior incentivo, por parte dos telejornais, para o usuário
enviar conteúdo audiovisual – inclusive o instruindo para
isso; além do noticiário incluir nos scripts conteúdos que
estão repercutindo nas redes sociais (Barichello e Schwartz,
2020; Martins, 2020; Mesquita e Vizeu, 2020).
298
Cabe ressaltar que nem todas as medidas adotadas pelos
telejornais durante o período da pandemia da Covid-19
permitem serem associadas ao estreitamento de laços entre
telejornal e audiência. Algumas delas, como é o caso das
entrevistas feitas via plataformas de webconferências, em que
perde-se a figura do repórter no mesmo espaço do entrevis-
tado, podem ser interpretadas mais como um recurso para
manter a atividade telejornalística durante um período de
crise, do que de fato uma estratégia que se utiliza da partici-
pação da audiência para gerar maior proximidade. Por meio
de entrevistas com editores e jornalistas, Laerte Cerqueira
e Elane Gomes (2020) consideraram que tal mudança deve
permanecer por otimizar o trabalho da redação, entre-
tanto, os entrevistados assumem que a pandemia mostrou
aos telejornalistas “a importância substantiva do contato,
da presença, da proximidade dos repórteres com as fontes,
personagens, com o local dos fatos. Jornalistas entrevista-
dos apontam que a relação direta dá à reportagem um relato
mais sensível e próximo da realidade” (Cerqueira e Gomes,
2020, p. 174).
299
distintas de experienciar o audiovisual. Essa volatilidade do
telejornal enquanto formato informativo audiovisual proble-
matiza a criação de novos paradigmas ou modelos, entre-
tanto, o esforço de caracterizá-lo pode ser relevante desde
que demarcado o contexto espaço-temporal de seus estudos.
O que motiva o ato de revisar as relações de proximidade,
é a necessidade de atualizá-las no contexto do telejornal cada
vez mais imerso nas mídias sociais e que sofreu transforma-
ções relevantes no período da pandemia da Covid-19. Esses
quatro anos que separam a última pesquisa à atual, me insti-
gam a propor mais duas relações de proximidade no telejor-
nalismo: telejornal – contexto; e telejornal – redes sociais.
Para explicar a relação do telejornal − contexto, podemos
elencar alguns momentos importantes da história da televi-
são em que o telejornalismo se tornou referencial para que
as pessoas pudessem acompanhar acontecimentos históri-
cos. Entre as grandes coberturas, estão a coroação da Rainha
Elizabeth II em 1953, a primeira a ser televisionada, no caso
pela BBC; a chegada do homem à Lua em 1969, sendo trans-
mitida via satélite para todo o mundo; a queda das torres
gêmeas de Nova Iorque em 2001, em que os telespectado-
res acompanharam o desenvolvimento do acontecimento ao
vivo e a cores, desde o choque da primeira aeronave a uma
das torres do World Trade Center; e a pandemia da Covid-
19, no ano de 2020, em que trancados em casa (aqueles que
puderam), tinham nas diferentes telas os principais meios de
contato com o mundo exterior.
O que esses acontecimentos têm em comum é que em
todos é possível verificar a função social do telejornalismo.
No caso da cobertura da coroação da Rainha Elizabeth II,
mesmo não sendo algo próximo geograficamente do Brasil,
havia o fator novidade: era a primeira cobertura ao vivo de
300
uma coroação britânica, sustentada há centenas de anos
em ritos tradicionais. A chegada do homem à lua fez com
que a tevê e o telejornalismo marcassem o momento como
sendo histórico, principalmente num mundo divido com as
disputas econômicas e de poder militar e tecnológico entre
duas potências; o ataque às torres gêmeas trouxe a possi-
bilidade dos telespectadores acompanharem a queda dos
prédios em tempo real; por fim, a pandemia da Covid-19
trouxe um protagonismo à imprensa no que tange à divulga-
ção de informações confiáveis. Era pelo (tele)jornalismo que
as pessoas acompanhavam o desenvolvimento das vacinas,
a atualização do número de vítimas, as medidas de preven-
ção e a ocupação dos hospitais.
Outro aspecto que esses acontecimentos têm em comum
é o contexto excepcional – algo que salta o cotidiano e que
faz com que as pessoas se mobilizem para acompanhar cole-
tivamente o desenrolar de um determinado acontecimento,
mesmo que cada telespectador em diferentes telas. Nessas
situações, o próprio telejornalismo chama para si uma
responsabilidade de levar a informação às audiências. Essa
ação compõe um dos pilares da formação do campo profis-
sional do jornalismo: para que fosse reconhecido enquanto
profissão essencial à sociedade, reivindica para si uma série
de poderes no que tange a produção da informação – assim,
conquista também o status de serviço público nas socieda-
des democráticas (Traquina, 2005).
O contexto excepcional faz parte da própria noção de
acontecimento, definida por “sua ação de romper com a
normalidade, com a ordem das coisas” (Berger; Tavares,
2010, p. 123). Essa ruptura pode adquirir diferentes dimen-
sões temporais, desde um instante (o caso do World Trade
Center) a dias ou meses (o caso da pandemia da Covid-19).
301
O relevante nesta concepção, conforme Cristha Berger e
Frederico Tavares (2010), é que o acontecimento torna enten-
dível − ou é revelado − por meio da construção de narrati-
vas. Há, todavia, uma demarcação entre o acontecimento
social e o acontecimento jornalístico. Este último caracteri-
za-se pela sua notoriedade, sendo a “notícia um meta-acon-
tecimento discursivo, que se dedica a falar sobre um outro
acontecimento, este, um acontecimento notável, singular e
concreto que (ir)rompe na tessitura da realidade (Berger e
Tavares, 2010, p. 128). O acontecimento jornalístico é apreen-
dido e conformado por meio dos critérios de nociatibilidade
e os valores do campo jornalístico.
A noção da proximidade na relação do telejornal com
o contexto emerge pelo fato do acontecimento só existir
quando há sujeitos afetados e que concedem sentido a inter-
rupção do cotidiano (Berger e Tavares, 2010). Da mesma
forma, a narrativa jornalística só é apreendida e signifi-
cada quando possui o contato com o receptor. Visualiza-se,
portanto, o caráter interpretativo do acontecimento e sua
relação com a experiência e o contexto do sujeito que
consome a notícia.
A noção de acontecimento também é ponto de partida
para a segunda relação de proximidade aqui proposta, rela-
tiva a telejornal – redes sociais. Miguel Rodrigo Alsina (2009)
aponta que um dos aspectos que contribui para a constru-
ção do acontecimento jornalístico é sua repercussão junto
ao leitor. A data de publicação do estudo, 2009, remete a um
contexto histórico em que as plataformas de redes sociais
não possuíam a dimensão que adquiriu durante a segunda
década dos anos 2000.
Uma consideração inicial neste sentido, conforme a
discussão realizada sobre a televisão expandida (Silva, Rocha
302
e Silva, 2018), é sobre o aparelho televisor: ele deixa de ser o
único equipamento possível para ver a tevê e também passa
a adquirir outras funções, como por exemplo, se conectar
à internet. Segundo o IBGE, em 2021, a televisão estava em
95,5% dos lares brasileiros, já o telefone em 97%. A internet
era acessada por 84,7% dos brasileiros, sendo que o prin-
cipal meio utilizado era o telefone móvel (98,8%). Nessa
pesquisa, é interessante notar que a televisão aparece como
o segundo equipamento mais utilizado para se conectar à
internet (45,1%), seguido pelo microcomputador (41,9%) e
pelo tablet (9,3%) (IBGE, 2022).
A atual configuração das redes midiáticas permite infe-
rir que as relações de proximidade não podem ser aborda-
das apenas no espaço-tempo do telejornal, mas também
em outros lugares e temporalidades que fluem por diferen-
tes plataformas, como é o caso dos sites de redes sociais.
Conforme Raquel Recuero (2009) um dos elementos mais
importantes dessas plataformas é a interação, é ela que torna
possível a formação de laços sociais. Neste aspecto, diferen-
cia-se da relação clássica estabelecida entre o aparelho de
tevê e o telespectador: na rede social, o valor das interações
está no caráter dialógico/mútuo. A importância da qualidade
dessas interações é que a sua profundidade e regularidade,
poderão formar uma relação social − que envolve uma quan-
tidade significativa de interações e independe do conteúdo
(Recuero, 2009).
No caso das relações mediadas por TICs, a autora consi-
dera a possibilidade de acontecer via anonimato. Entretanto,
no caso dos telejornais, vemos que é central a figura do jorna-
lista para a construção das relações. As relações sociais são
fundamentais para a construção de laços sociais, sendo estes,
constituídos da sedimentação das relações estabelecidas
303
entre agentes. “Laços são formas mais institucionalizadas
de conexão entre atores, constituídos no tempo e através da
interação social” (Recuero, 2009, p. 38). Nessa discussão, a
proximidade emerge em diferentes níveis, passando de uma
camada mais superficial, na forma de relações sociais, para
outra mais profunda, quando constitui-se de laços sociais.
No caso do telejornal, a formação de laços sociais pode se
dar em duas instâncias nas plataformas de redes sociais, uma
mais institucionalizada e outra mais pessoal. A institucionali-
zada consiste na interação do telejornal com seus seguidores
em sites de redes sociais, como Instagram, Twitter, TikTok
e Facebook. Geralmente, traz prévias de assuntos que serão
abordados no telejornal em transmissão direta, comparti-
lha imagens e vídeos dos bastidores e também teasers dos
repórteres direto do local do acontecimento. Esses conteú-
dos são postados nos perfis oficiais do telejornal e geralmente
apostam em uma linguagem mais informal (Silva, Rocha e
Silva, 2018). É uma relação de proximidade entre telejornal
– rede social, por envolver estratégias que buscam expandir
a temporalidade do telejornal para além da sua exibição na
grade da emissora, proporcionando uma maior imersão do
seguidor na rotina de produção do noticiário.
Essa relação de proximidade também possui uma instân-
cia mais informal, demarcada pela pessoalidade. Ela extra-
pola os canais institucionais do telejornal, passando a criar
relações sociais a partir dos perfis pessoais/profissionais dos
repórteres e jornalistas envolvidos na produção do telejor-
nal. Esses perfis possuem maior independência e potencial
de humanização dos jornalistas, pois além de possibilitar o
compartilhamento da rotina de produção noticiosa, também
mostram quem é o jornalista além do telejornal. Nesses espa-
ços, são compartilhados acontecimentos da vida privada,
304
opiniões − mesmo que ainda limitadas −, além de permi-
tir uma interação mais próxima entre o sujeito jornalista e
seus seguidores. A instância pessoal da relação telejornal –
redes sociais é a que possui maiores chances de gerar laços
sociais, justamente por permitir a construção de interações
mais duradouras e dialógicas. Para o telejornal essa relação é
estrategicamente benéfica, pois possibilita gerar maior enga-
jamento nos perfis oficiais via publicações colaborativas e
menções ao noticiário.
Apesar da figura do repórter ser central, o telejornal
ainda possui influência sobre os perfis pessoais dos jornalis-
tas. Isso ocorre devido à dimensão organizacional das emis-
soras, que estabelece códigos de conduta para o ambiente
extra laboral. Essas diretrizes perpassam pela cautela sobre
conteúdos opinativos, cuidados ao falar sobre patrocinado-
res do telejornal, regras (ou mesmo proibição) de conteúdos
publicitários, direitos autorais sobre a reprodução de audio-
visuais exibidos no noticiário, entre outras.
Ressalta-se que a proximidade telejornal – redes sociais
é ampla e aqui constitui-se enquanto esforço inicial de reco-
nhecimento da necessidade de voltar os olhares para as rela-
ções de proximidade que emergem a partir das redes de
mídia que compõem o telejornal. Estudos empíricos podem
contribuir para segmentá-la em outras relações, principal-
mente no que tange a hipótese de que a audiência do tele-
jornal está cada vez menos centralizada em um só canal
de consumo.
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308
5
Telejornalismo brasileiro e o patrimônio
coletivo: uma análise sobre a escalada do
“quebrando tudo e xxx nesta xxx aqui”1
1. Nota das autoras: Os termos grafados por xxx não são dignos de cons-
tarem de um artigo científico voltado para a educação. A fala entre aspas
foi dita por Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza, 67 anos, durante
depredação ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 8 de janeiro de
2023. O vídeo pode ser conferido em: https://twitter.com/_Janoninho/
status/1612252933399379972?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetem-
bed%7Ctwterm%5E1612252933399379972%7Ctwgr%5E8a2a39404f392cced-
25f21a5277b8d56ae3cdf99%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fbr.
noticias.yahoo.com%2Fidosa-bolsonarista-que-ameacou-pegar-o-xandao-
-ja-foi-condenada-por-trafico-165735078.html
309
O primeiro acontecimento diz respeito ao dia 8 de janeiro
de 2023, ou mais especificamente, para a cobertura que o
telejornalismo, em transmissões ao vivo, mostrou a invasão e
vandalização do patrimônio artístico e histórico nos prédios
localizados na Praça dos Três Poderes em Brasília, especi-
ficamente as sedes dos poderes da República, o Palácio da
Alvorada, local de despachos da Presidência da República,
a sede da Câmara e do Senado Federais, e o prédio no qual
funciona a Suprema Corte Brasileira.
A cobertura da manifestação/atos de vandalismo ou
golpe – a denominação muda conforme a emissora de tele-
visão −, foi proporcional à importância do acontecimento,
mas alguns aspectos são mais sensíveis para os estudiosos
do telejornalismo.
Inicialmente é importante destacar que a manifestação não
era ignorada pelo jornalismo, que noticiou a chegada dos mais
de cem ônibus com manifestantes na capital federal. Ainda
assim, o telejornalismo da Rede Globo de Televisão e da emis-
sora de sinal fechado da mesma empresa, a Globo News, optou
por um acompanhamento discreto dos manifestantes que
seguiam a pé pelo eixo monumental. Até onde era visível nas
telas, considerando o ângulo das imagens veiculadas, as cenas
foram capturadas do alto, possivelmente com o uso das câmeras
acopladas aos veículos não tripulados, popularmente conheci-
dos como drones2, em franco uso pelo jornalismo na atualidade.
Esse posicionamento prevaleceu durante a maior parte da
cobertura, incluindo as imagens capturadas na parte externa
310
dos prédios do Congresso e do Senado, e se desloca de forma
gradual (ainda que mais lenta) quando os vândalos se diri-
gem para a sede do Supremo Tribunal Federal (STF). Após
o rompimento do cordão de isolamento que protegia os
prédios, a cobertura jornalística se desloca em grande parte
para o estúdio de televisão, onde comentaristas reforçam e
analisam as imagens apresentadas. Essa relação permanece
mesmo quando a Globo News passa a transmitir em rede com
a Rede Globo de Televisão, ainda que reforçada pela inser-
ção de entrevistas de caráter colaborativo3, com membros do
governo recém-empossado e autoridades diversas, além de
especialistas em legislação e segurança, imagens de câmeras
de segurança diversas (conteúdo que seria ampliado nos dias
posteriores) e stand-up ao vivo com manifestações do minis-
tro da Justiça e declarações do Presidente Lula. O aspecto
central da cobertura, no entanto, é a ausência do repórter “nas
ruas” e a presença ostensiva dos comentários indignados dos
jornalistas/comentaristas no estúdio.
O segundo acontecimento, aparentemente desconexo,
envolve as várias demissões de jornalistas realizadas pela
Rede Globo de Televisão entre os meses de março e abril, que
envolveu profissionais com ampla visibilidade e que eram
considerados uma espécie de patrimônio da Rede. Embora
de forma mais discreta, as demissões também repercutiram
na imprensa e nas redes sociais, que abriram espaço para
comentários, declarações de surpresa e indignação, além
de críticas diversas e análises sobre a situação econômica
da Rede.
Ainda que essas manifestações sejam válidas e importan-
tes, buscamos neste texto entender como o impacto dos atos
311
violentos do 8 de janeiro, a consequente destruição de itens
importantes do patrimônio nacional (e, portanto, da memó-
ria e identidade nacional) e os elementos que caracterizaram
a cobertura destes atos, são também um reflexo de um tele-
jornalismo que há quase 30 anos tem valorizado a violência,
e que está inserido em um contexto de valorização das trans-
formações tecnológicas que alteram as relações de trabalho e
a dinâmica da cobertura/conteúdos dos telejornais.
Destaca-se ainda que o foco na violência se sobrepõe
mesmo no dia a dia da cobertura sobre os patrimônios nacio-
nais, pois os telejornais brasileiros divulgam mais frequente-
mente a incapacidade (fracasso?) do Brasil na conservação
do patrimônio histórico coletivo edificado por nossa socie-
dade, que é extenso e complexo, englobando desde bens de
natureza simbólica, imaterial, comportamental e linguístico
até seu incalculável patrimônio natural diversificado no terri-
tório de 8.514.876 km², o quinto maior do planeta.
Antes mesmo da marca cravada em 8 de janeiro de 2023,
o telejornalismo já destacava como o patrimônio brasi-
leiro tem sido menosprezado e tratado de forma violenta.
São as imagens de chamas consumindo edifícios que alojam
museus, como mostraram as reportagens sobre os incêndios
ocorridos no Museu Nacional (Rio de Janeiro, 2018) e o da
Cinemateca Brasileira (São Paulo, 2021), arrasados pelo fogo
em um intervalo de menos de três anos em consequência da
falta de prevenção em seus edifícios.
Quando o patrimônio brasileiro escapa das chamas,
aparece submergindo nas águas de enchentes ou sendo
tragado por desmoronamentos, como mostraram as imagens
flagrantes do desaparecimento do Solar Baeta Neves, casarão
do século XIX, localizado na cidade de Ouro Preto (Minas
Gerais, 2022), que sucumbiu sob a avalanche de terra vinda
312
do Morro da Forca devido a fortes chuvas. Em se tratando
do patrimônio brasileiro, seja arquitetônico, artístico, estatu-
tário e o maior deles, o natural, as imagens divulgadas pelos
telejornais evocam, na maioria das vezes, mais o descaso e
o descuido do País para com sua memória do que propria-
mente o esforço em manter e preservar esses acervos.
As imagens divulgadas nos telejornais evocam o necessá-
rio questionamento sobre o valor da memória e a consciên-
cia sobre o patrimônio nacional, uma vez que reverberam as
marcas do fracasso da sociedade brasileira quanto à cons-
ciência sobre o que seja esse patrimônio e, logo, a necessi-
dade de proteger tal memória coletiva.
Quando se coloca essa cobertura sob uma lupa, é possí-
vel encontrar pistas da capacidade dos telejornais diários,
suas redes sociais e plataformas para onde transborda,
do potencial pouco explorado do telejornalismo para
contribuir com a Nação num processo emancipatório de
compreensão e proteção do que seja patrimônio coletivo.
Evidentemente, algumas ações pontuais merecem destaque:
em 2021 e 2022, o Jornal da Band, por exemplo, exibiu uma
série de reportagens sobre os 200 anos da Independência
do Brasil4. A série chama a atenção pelo apuro na produ-
ção e por se alongar por semanas, mas também aponta que
para mergulhar no passado, a produção da reportagem
necessita de tempo e condições materiais. A série produ-
zida pelo Jornal da Band, começou com cinco reportagens
produzidas em Minas Gerais sobre o movimento conhe-
cido como Inconfidência Mineira, em que a historiadora
Heloisa Starling, reconhecida pesquisadora, vai além de ser
313
uma das especialistas entrevistadas, mas recebe créditos no
vídeo por assessorar a reportagem na pesquisa histórica.
Sustentado em um esforço de reportagem, são rememora-
das as tentativas de libertação de Portugal levadas a cabo
por brasileiros em diversas partes do País, como Minas
Gerais e Bahia, em diversas revoltas e movimentos de inde-
pendência que ocorreram no período do Brasil colônia.
No conjunto, o material sinaliza um indício alvissareiro do
potencial do telejornalismo para levar a memória nacional
ao diálogo público com o telespectador.
Citado esse exemplo, a reflexão proposta neste texto
pretende mostrar que a destruição do patrimônio público
é atravessada por interesses econômicos, sociais e políticos
diversos, que afetam o telejornalismo, mas também é guiada
por elementos técnicos que apontam um uma nova proposta
de telejornalismo, no qual o deslumbramento imagético se
distancia da qualidade da imagem e se aproxima da possibi-
lidade de criticar a sociedade por meio de um olhar espião,
ao mesmo tempo que se apropria de aspectos da estética do
grotesco para construir e/ou reforçar representações de um
mapeamento social e político em si mesmo peculiar.
De forma ampla, trata-se de vincular como a questão da
cobertura mais aprofundada e de excelência sobre o patrimô-
nio, pode colaborar com a compreensão do brasileiro sobre
sua memória e identidade nacional, e até mesmo o próprio
entendimento dos profissionais jornalistas, que ao serem
elementos presentes no desenvolvimento da televisão brasi-
leira, inclusive ancorando audiência, também são importan-
tes na construção do sentido histórico dos brasileiros.
Nesse sentido, a hipótese a ser trabalhada é como a cober-
tura da destruição do patrimônio retrata uma sociedade violenta
e incivil em cuja criação/consolidação o telejornalismo teve
314
elementos de cumplicidade, mas que também carrega as marcas
de um telejornalismo em transformação.
Como eco dessa hipótese entende-se que, assim como a
sociedade incivil envolve a destruição do patrimônio que era
importante para o modelo anterior, o novo jornalismo que
se busca/ou se impõe exige o afastamento dos profissionais
(destruição simbólica) do jornalismo anterior.
Busca-se, portanto, analisar de forma ao mesmo tempo
complementar e comparativa como as abordagens e enqua-
dramentos características do telejornalismo e a própria abor-
dagem adotada pela cobertura jornalística dos eventos do 8
de janeiro de 2023 na destruição do patrimônio público refor-
çam os elementos de um telejornalismo que apostou na expo-
sição da violência e do grotesco, elementos que se tornam
definidores de uma sociedade cuja marca é ser incivil. Nesse
mesmo contexto acrescenta-se ainda que, ao deixarem vazar
a estupefação, os jornalistas/comentaristas reconhecem a
dificuldade de unir elementos que deveriam manter coesos −
o Governo, o Estado e a Sociedade Brasileira −, mas que pare-
cem seguir em direções contrárias, e também revelam uma
incerteza em relação a um telejornalismo em transformação.
A proposta envolve uma análise qualitativa com base
na Leitura Crítica da Mídia e no olhar crítico/compara-
tivo do material jornalístico efetivamente veiculado em
janeiro de 2023, em particular sobre as repercussões e os
danos ao patrimônio que ocorreram no dia 8 daquele mês.
Em termos metodológicos, optou-se pela análise televi-
sual descrita por Becker (2012), que propõe um processo
dos diferentes elementos que contribuem para a construção
dos produtos midiáticos audiovisuais a partir de três fases:
descrição, análise televisual e interpretação dos resultados.
A partir desse olhar, entende-se que as dinâmicas sociais e
315
os discursos sociais devem ser pensados com um olhar ao
mesmo tempo científico e crítico, e que permita a investiga-
ção social em sua complexidade. Essa opção metodológica
tem como base a percepção de que subjetividade e conhe-
cimento misturam-se afetando o agir compreensivo (Sodré,
2021) e reforça as preocupações em relação ao telejornalismo,
uma vez que a exposição dos fatos tem consequências sociais,
políticas, morais e materiais.
O acompanhamento do material priorizou as matérias
jornalísticas efetivamente exibidas nos telejornais veicula-
dos nacionalmente na Rede Globo de Televisão, mas que
também tiveram repercussão ou foram exibidos/reexibidos
nos conteúdos telejornalísticos da GloboNews.
316
compromisso com a verdade no relato de fatos. O uso da
palavra verdade, no entanto, envolve algumas armadilhas.
Mas o conceito de verdade é, em princípio, amplo. Para os
seguidores de uma determinada religião, não importa qual
seja ela, a verdade dos seus dogmas é inquestionável. Mas
essa mesma verdade pode não existir para outros que não
partilham a mesma fé.
Esse elemento explicita a percepção de que a verdade não
tem o mesmo significado de realidade. Realidade é aquilo
que existe independentemente da mente humana; quer
pensemos ou não nisto, quer queiramos ou não. Realidade é
o que existe, não é verdadeiro nem falso, ele é simplesmente
real. Já as declarações acerca de qualidades dos elementos
presentes na descrição da realidade, podem ser verdadeiras
ou falsas. Uma vez que o jornalismo trabalha com relato dos
fatos, sua base é o real.
Mas o que é um fato? A origem da palavra fato deriva do
latim factum, termo utilizado no sentido de descrever um feito
ou façanha. Considerando essa etimologia da palavra, o uso
contemporâneo do termo diz respeito a um acontecimento
acabado; evento, ocorrência: a fiscalização, acontecimento real
e que pode ser comprovado. Nesse sentido, é uma redundância
falar em fato verdadeiro ou falso, fatos são, por definição, reais.
Nesse sentido também o compromisso do jornalismo
com a verdade está no relato dos fatos, uma vez que ele se
estende para além do acontecimento em si mesmo, e inclui
as condições que geraram o fato ou a definição dos elemen-
tos/intenções que proporcionaram aquele fato específico.
É justamente na relação destes elementos teóricos/
conceituais que reside a separação entre o material infor-
mativo – cuja base é factual; e do material opinativo, cuja
base está na busca por verdades que fundamentem a opinião
317
sobre os elementos/intenções que estão na origem do fato.
A maneira como esses elementos se combinam e se comple-
tam fundamenta outra questão importante que caracteriza
o jornalismo/telejornalismo: o enquadramento.
A noção de enquadramento nasce a partir do trabalho de
Erving Goffman (1986) sobre a ‘organização da experiência’
humana a partir de ‘quadros’ ou ‘princípios de organização’
que fundamentam a capacidade humana de dar sentidos às
coisas. Todd Gitlin prossegue esse estudo definindo enqua-
dramento como “(...) padrões persistentes de cognição, inter-
pretação, apresentação, seleção, ênfase e exclusão, através dos
quais aqueles que trabalham os símbolos organizam habi-
tualmente o discurso, tanto verbal como visual” (1980, p. 07).
O conceito se expande para os estudos sobre o jornalismo
na década de 1970, em geral agregado as análises que envol-
viam a teoria do agendamento (agenda-setting) e a questão
das rotinas de produção (newsmaking).
Especificamente, Gaye Tuchman (1983, p. 207) formata
um modelo teórico-metodológico de teoria do enquadra-
mento destacando que o enquadramento das notícias orga-
niza a realidade cotidiana, uma vez que “...impõem ordem
sobre a matéria-prima das notícias e dessa maneira redu-
zem a variabilidade da abundância dos eventos” (p. 71).
Em termos gerais, o enquadramento é importante porque
reduz a complexidade do fato a ser relatado, facilitando a
sua compreensão pelo receptor. No entanto, ao fazer isso,
o enquadramento também possibilita distorções, pois favo-
rece os ângulos de maior interesse do emissor, eventualmente
sensacionalizando ou apontando versões simplistas ou envie-
sadas do fato.
O enquadramento, portanto, define a relação entre
fato (real) e verdade, ou entre fato e relato dos fatos. Dessa
318
forma, para entender especificamente a cobertura dos fatos
do dia 8 de janeiro de 2023, tanto no que diz respeito ao
evento principal – a invasão dos espaços públicos na Praça
dos Três Poderes em Brasília – quanto nos aspectos especí-
ficos consequentes, a destruição do patrimônio público, é
também necessário entender essa relação e o peso simbólico
dos elementos envolvidos.
319
pelo uso de recursos técnicos/tecnológicos que captem a
atenção do público.
Ainda que seja importante destacar os investimen-
tos em infraestrutura em grande parte patrocinados ou
regulados pelos Estados, investimentos centralizados nas
próprias empresas/redes de telejornalismo, eram neces-
sários e constantes. Dessa forma, a constante busca por
tecnologias diversas, e particularmente por tecnologias de
captação de imagens, tem sido percorre a história do tele-
jornalismo. Essa relação envolve a aderência às tecnologias
digitais e o uso da internet para transmissão de imagens,
mas também pode ser exemplificada pelo uso de helicóp-
teros em reportagens diversas e transmissões com corres-
pondentes e/ou repórteres de eventos específicos em
regiões distantes e países diversos.
No entanto, o momento atual traz à cena novos tipos
de conteúdo, cuja produção foge (ainda que parcialmente)
ao controle imagético dos produtores do telejornalismo. O
material colaborativo, composto principalmente de entre-
vistas e captura de imagens feitas por terceiros a partir de
convites/solicitações específicas dos produtores do telejorna-
lismo; e conteúdos participativos, diferentes tipos de regis-
tro audiovisual, como áudio, vídeo e fotografias capturado
por amadores (pessoas sem formação técnica, incluindo
instituições policiais) de forma voluntária e enviadas para a
equipe de produção de um telejornal, ou capturada direta-
mente das redes sociais, por câmeras de segurança diversas
que são exibidas nos telejornais com o objetivo de ilustrar/
compor uma reportagem.
Embora os conteúdos colaborativos e participativos já
estivessem partilhando as telas dos telejornais com o mate-
rial produzido pelos repórteres nas ruas (em reportagens
320
externas) antes da pandemia, sua presença e aceitação cres-
ceram e ganharam maior destaque nos últimos anos.
Mas essa aceitação pode ser pensada também a partir
de outros fatores. A radicalização da sociedade, que começa
antes mesmo do período eleitoral (eleições presidenciais de
2022) gerou agressões a profissionais de imprensa, particu-
larmente as mulheres jornalistas (Tuzzo e Temer, 2023), o que
demandou cuidados das empresas. Soma-se a isso o significa-
tivo sucesso do uso de drones em eventos com grande concen-
tração de participantes em locais abertos, aí incluído comícios
e outras atividades políticas com potencial para ações agres-
sivas. Os drones, capturando cenas aéreas, conseguiam estar
presentes com menor custo cenas de diferentes locais em um
tempo menor, e sobretudo evitavam o deslocamento de várias
equipes de cobertura externa para um mesmo evento.
Não é surpreendente, portanto, que nos eventos do dia
8 de janeiro de 2023 esses recursos tenham sido particular-
mente utilizados durante toda a cobertura da invasão, depre-
dação e destruição do patrimônio público.
321
ícones do patrimônio público. Nesse sentido, é importante
destacar que este não é um estudo sobre a memória propria-
mente, mas uma proposta de buscar o entendimento sobre o
que ela representa para o telejornalismo, inclusive, conside-
rando a sua força memorial na produção/consolidação coti-
diana da memória coletiva dos povos e suas sociedades.
Em princípio, entendemos que no Brasil existem 3 tipos
de memória que se entrelaçam e interagem. A memória
colonial é a fundadora da nação brasileira, e se impôs pela
força da colonização portuguesa, pela assimilação das contri-
buições dos povos africanos, posteriormente agregando
contribuições de outros povos imigrantes, mas também pelo
apagamento da memória dos povos originais. A memória
religiosa nasce com a imposição da religião católica, mas
forjou-se marcada pelo sincretismo, estando expressa nas
festas, procissões, sírios e cavalgadas, elementos presentes na
agenda de cobertura dos telejornais nacionais.6 Já a memó-
ria patrimônio está expressa em “todos os objetos testemu-
nhas do passado nacional, mas muito mais profundamente,
na transformação em bens comuns e em herança coletiva
das questões da própria memória” (NORA, 1986, p. 650).
A memória-patrimônio abrange desde bens concretos caros
à memória popular, como monumentos, edifícios, espaços
públicos até bens simbólicos em torno dos quais a nação se
une: os jogos de futebol, a memória do piloto Ayrton Senna,
o Carnaval, as expressões musicais, o cafezinho etc.
Essas memórias estão submersas − mas também servem
de base – para um caldeirão de intensões e conflitos, nas
322
quais o pano de fundo é a desigualdade social brasileira, no
alto índice de analfabetismo, na insegurança na vida diária
do cidadão, nos atos de desrespeito aos direitos das mulhe-
res e das crianças e nos inúmeros outros fundamentos do
patrimonialismo e do patriarcalismo impetrados no Brasil
colônia, aos quais se soma um confronto entre forças progres-
sistas e o afloramento de forças conservadoras que pensam
o País a partir de dogmas religiosos e operam no sentido de
impedir a consolidação do percurso de redemocratização.
Em função disso, entendemos que a sociedade brasileira
ainda não amadureceu o suficiente para ter o que Pierre
Nora chama de memória-Estado, segundo ele, “monu-
mental e espetacular, todo voltada para a imagem de sua
própria representação” (Nora, 1986, p. 648). Nora explica
que a memória-Estado não é coercitiva, nem imposta, mas
é oficial, protetora e mecenas.7
A memória relativa à Nação no Brasil, momento capi-
tal da memória propriamente nacional, a nação tomando
consciência dela mesmo como nação, também é frágil e
pouco guardada pelos brasileiros (Nora, 1986, p. 648). Além
disso, entre os espaços que formatam a memória relativa à
nação no Brasil, como a floresta amazônica, o Pão de Açúcar,
o Cristo Redentor, as praias do Nordeste, parte das Cataratas
do Iguaçu, Copacabana, o Pantanal mato-grossense, a capital
Brasília, é mal compreendida. Brasília fica estrategicamente
no centro do País, ainda inacessível à maioria da popula-
ção que a conhece mais como obra arquitetônica e espaço
de embates políticos. Nesse sentido, poucos pensam em
Brasília e nos prédios públicos como depositário dos obje-
tos que remetem à memória nação, ou mesmo como um
323
museu nacional – que aliás nunca foram um hábito nacio-
nal e quase somente são lembrados quando surgem incine-
rados nas notícias na televisão.
324
o conceito de Nação em contraposição ao de República,
uma vez que implanta uma nova personalidade políti-
ca.8 No Brasil a instauração da República padece de uma
personalidade nascida do povo. A república brasileira foi
“proclamada” por setores insatisfeitos com a monarquia,
encabeçados pelo Exército, sem derramamento de sangue,
nem grande participação popular, em uma monarquia que
se sustentava em uma economia escravagista. Portanto os
conceitos de República e Nação poderiam se sobrepor, mas
há sempre que se questionar o peso que recai sobre a memó-
ria em um povo abrigado em uma nação/república funda-
das a partir de movimentos encabeçados do alto, por classes
privilegiadas, pouco ou quase nada abertas a dividirem seus
privilégios com a maioria de seus concidadãos.
Fica claro, portanto, que os fatos ocorridos em 8 de
janeiro de 2023 exibidos ao vivo pelas emissoras de televi-
são e reportados pelos telejornais, com inúmeros desdobra-
mentos nos campos da política, da justiça e da polícia na
vida nacional dão conta das fragilidades e divergências que
o povo brasileiro tem sobre o conceito de Nação e do patri-
mônio que ela construa ou abrigue.
A ausência de conhecimento e/ou respeito ao patrimô-
nio público, e em particular a memória da Nação se asso-
cia a outro aspecto do povo – da sociedade civil – brasileira.
Em princípio, a sociedade civil envolve a compreensão de
laços fortes entre os setores produtivos da sociedade com
os partidos e a política. Mas ao mesmo tempo que não se
325
sentem atendidos nas suas necessidades pelo Governo e pelo
Estado, grande parte dos brasileiros não se sentem represen-
tados pelos eleitos para a representação política. Mesmo nas
representações telejornalísticas, política e cotidiano parecem
estar em espaços diferentes e a escolha desses representan-
tes se dá mais por proximidades artificiais, o que é atestado
pela eleição de personalidades midiáticas e particularmente
por influencers (influenciadores), que aliás não tem eleito-
res, e sim seguidores.
Nesse sentido, o País se aproxima de uma sociedade
incivil, que desaponta a partir da morte ou desaparição da
sociedade civil, na medida em esta perde os laços fortes
com a representação parlamentar (Sodré, 2021). Na socie-
dade incivil os mecanismos institucionais – tanto políti-
cos quanto jurídicos – seguem funcionando normalmente,
mas há um descompasso entre eleitores e a representação
parlamentar, o que resulta em uma situação “... ambigua-
mente atravessada pela incitação generalizada à reinven-
ção institucional” (Sodré e Paiva, 2002, p. 4). Essa relação
se completa pela adoção inconteste do neoliberalismo, algo
que surge sem as mediações necessárias (Sodré, 2021) mas
que afeta a percepção sobre as classes históricas. A soma
destes elementos induz à rejeição de políticas ligadas ao
bem-estar social, em parte resultante do medo da diminui-
ção do emprego formal, da uberização do trabalho, e da ...
perspectiva da substituição da mão de obra viva por robôs
(Sodré, 2021).
Nesse contexto o telejornalismo, que já foi usado para a
construção de uma identidade nacional (Vizeu e Mazzarolo,
s/d), também enfrenta um momento definidor na sua histó-
ria: pressionado por novos concorrentes – e aí se incluem
as redes sociais, que atuam sem as amarras éticas que
326
condicionam o jornalismo/telejornalismo – e pela deban-
dada de uma grande parcela dos anunciantes, se agarra
a fragilidade de uma audiência que ainda se mantém em
números significativos, mas transita por diferentes canais
e mesmo por diferentes sistemas, orbitando pelas grandes
redes, pelas emissoras de sinal codificado e por conteúdos
jornalísticos audiovisuais veiculados pela internet.
O choque, ou a encruzilhada, uma vez que a relação
simbiótica com a democracia (uma vez que partilham a
noção de liberdade como valor central), no qual o Brasil inci-
vil se interpõe às novas possibilidades/novas necessidades da
cobertura jornalística dos atos de 8 de janeiro de 2023.
327
manifestantes que seguiam a pé pelo Eixo Monumental. Não
havia repórteres telejornalísticos no local da marcha, ou pelo
menos eles não fizeram intervenções presenciais nesta fase.
Pelo ângulo das imagens veiculadas, as cenas foram captura-
das do alto, possivelmente com o uso de drones.
Em termos de cobertura externa – repórteres nas ruas/
locais de ação − o posicionamento prevalece o mesmo depois
do rompimento do cordão de isolamento que protegia os
prédios. Mas aos poucos a cobertura jornalística muda de
caráter, e se desloca para o estúdio de televisão, com comen-
taristas analisando o material exposto e dando destaque
– elementos que se seguiria nas edições posteriores dos tele-
jornais – ao material capturado pelas câmeras de segurança
ou pelos numerosos manifestantes, que postaram suas ações
nas redes sociais. Autoridades diversas estiveram presentes
nas telas por meio de entrevistas a distância, mas os repórte-
res e a cobertura externa se destacaram apenas em stand-up
ao vivo e entrevistas improvisadas9 quando os representan-
tes do Governo, em particular o Ministro da Justiça, Flávio
Dino, e o próprio Presidente Lula se manifestam.
O impacto da informação determina a construção das
transmissões simultâneas, de forma a valorizar os comen-
tários dos especialistas em política, mas também o material
participativo capturado pelas emissoras.
328
foram mensagens poderosas, como se comprova pela sua
reverberação em diferentes instantes. Justamente em função
disso, algumas considerações são importantes, e a escolha da
data é a primeira delas.
A escolha do domingo é significativa, é um marco do fim
de semana, mas também é o início de uma nova semana.
É o dia em que as repartições públicas – e logo os espa-
ços públicos na praça dos três poderes – estão esvaziados,
que a burocracia entra em recesso. Mas é também um dia
que normalmente com poucas pautas telejornalísticas, em
particular quando o assunto é política – e daí que grande
parte dos repórteres e comentaristas estão desmobilizados.
Também era uma semana após a posse do novo governo, que
se deu de forma pacífica – ainda que cercada de um forte
aparato policial.
A chegada dos vândalos golpistas, as invasões e destrui-
ções do patrimônio, portanto, carregam consigo não a desti-
tuição de pessoa – embora alguns personagens sejam citados
e/ou estejam no centro das manifestações individuais – mas
de um modelo de País e de proposta de Governo. Em alguns
momentos, quando os vândalos/golpistas se apossam da
Constituição, por exemplo, transparece até mesmo um ques-
tionamento sobre a formatação do Estado.
Nesse sentido infere-se que a fúria destrutiva da qual os
vândalos/golpistas estavam tomados não era eventual, mas
mesmo no seu fracasso continha uma mensagem de into-
lerância – não aceitação pacífica – de uma proposta consi-
derada mais progressista. Mais do que a reintegração do
Governo anterior, ou a volta dos Militares ao Governo, infe-
re-se que se buscava o retorno de uma sociedade patriar-
cal e autoritária, cuja marca é a discriminação (a mulheres,
homossexuais e negros) e o retorno dos pequenos privilégios
329
– incluindo o acesso a bens de consumo diferenciados - que
identificam as camadas médias da população.
A destruição da memória-nação é, portanto, o comu-
nicado da intenção de destruição da própria Nação – ou
daquilo que os vândalos/golpistas pensavam/pensam que
ela está se tornando.
A comunicação é consequente. Ela afeta emissor e
receptor de diferentes maneiras, mas sempre ecoa em ações
futuras. Dessa forma, embora tenham sido juridicamente
derrotados e seus atos estejam resultando em punições
previstas na legislação brasileira, os vândalos/golpistas não
foram completamente derrotados, pois suas ações afetaram
e continuam afetando o funcionamento do Governo e até
mesmo do Estado.
Outro elemento que denota este aspecto é a própria reper-
cussão do caso na imprensa, e no que diz respeito ao telejor-
nalismo, na consolidação do afastamento de grande parte do
elenco de profissionais conhecidos dos telespectadores (além
de um número significativo de profissionais com menos visi-
bilidade). A cobertura dos eventos do dia 8 de janeiro de 2023
mostrou na prática a viabilidade de um novo modelo de tele-
jornalismo, e consequentemente, a necessidade de profissio-
nais com características diferenciadas. Para além dos aspectos
econômicos (que são igualmente determinantes) a mudança
representa uma ruptura com uma proposta de jornalismo no
qual o deslumbramento imagético se somava a uma pseudo-
neutralidade que valorizava o factual.
330
que muitos jornalistas não veem isso como uma opção, e
sim como uma consequência de uma sociedade violenta. É
verdade que o mito do brasileiro gentil e pacífico, desmen-
tido historicamente por guerras e movimentos diversos, cuja
marca foi a violência, já foi quase esquecido por um coti-
diano no qual o abismo – de renda, mas também de posi-
cionamentos políticos e sociais – está sendo pontuado tanto
pelo crime organizado quanto por atitudes individuais de
intolerância e agressividade.
Uma vez que no Brasil “a televisão massiva conquistou o
seu público popular, explorando uma representação imagi-
nária e rebaixada do povo nacional (Sodré, 2016, p. 25), essa
relação ecoa no telejornalismo, cuja estratégia para obter
resultados em termos de audiência, inclui a busca regular e
palpável de imagens impactantes, e em particular imagens
que exponham ações violentas – como roubos, brigas, cober-
tura policial de forma ampla. Mais recentemente, no entanto,
essa opção tem resvalado também na cobertura da política
nacional, que é feita pelo viés do embate, da discordância e
da violência social, na forma de corrupção. Ainda que esses
temas sejam relevantes, a opção pela violência, ou por pautas
que privilegiem a violência e ações que envolvem conflitos
que tem sido um elemento central no telejornalismo brasi-
leiro já há algumas décadas, também deve ser compreendida
como um elemento que tensiona os processos de civilidade
e mesmo a percepção do país como uma nação acolhedora.
Dessa forma, embora a opção pela violência seja estraté-
gica no sentido de ativar um certo nível de interesse do recep-
tor, ela é também uma armadilha, pois a cada nova imagem
divulgada a violência vai se naturalizando e, portanto, cresce
a necessidade de sensacionalizar ainda mais a informação,
de impactar mais o telespectador, com denúncias, acidentes
331
e mortes cada vez mais chocantes. As imagens violentas se
repetem particularmente nas notícias, formato que consti-
tui o ponto central do jornalismo, mas sua força contamina
os demais conteúdos. Dessa forma, o telejornalismo aposta
na estética do grotesco, na contínua exibição da falência da
decomposição dos valores que fundamentaram as democra-
cias modernas, incluindo a exposição continuada da cidada-
nia negada, reforçando a percepção de uma sociedade incivil.
Como uma extensão a violência nas relações se repe-
tem na demissão a partir de critérios não transparentes de
grandes lotes de profissionais de telejornalismo, em um
movimento que também denota a dissolução de uma memó-
ria telejornalística.
332
um passado que não se compreende, um presente onde nada
é estável e um futuro no qual a ordem pública está perma-
nentemente ameaçada e/ou em transformação.
Essas incertezas, ou desorganização latente, afetam o
telejornalismo, pois enquanto ação social, ele responde às
demandas do contexto no qual está inserido, mas também
atua sobre esse contexto reforçando ou negando tendên-
cias. Nesse sentido, a análise da cobertura telejornalís-
tica adotada na cobertura dos eventos de 8 de janeiro de
2023 aponta que os conceitos de neutralidade, que funcio-
nam como um ritual estratégico (Tuchman, 1999), foram
tensionados, com uma opção evidente de um enquadra-
mento que, ao mesmo tempo que verbalmente defen-
dia a democracia e os valores constitucionais, fascinava a
audiência com cenas de violência e ataques ao patrimônio
que compõe a memória nação – e por extensão, a própria
percepção de brasilidade.
Ainda que a análise da cobertura em si não tenha elemen-
tos para uma conclusão fechada, questiona-se por que o
potencial agressivo das manifestações (que eram conheci-
das do telejornalismo) não foram destacadas. A resposta
mais simples, e que não pode ser descartada, seria o receio
dessa previsão estimular os atos de depredação. No entanto,
é inegável que a violência alavancou um momento profícuo
do telejornalismo da emissora, e foi modal para várias cober-
turas que se seguiram, muitas vezes extrapolando as conse-
quências políticas destas ações.
Mais do que render incontáveis repercussões – pois é
inegável que os desdobramentos permanecerão sob o foco
do telejornalismo por ainda muito tempo – a cobertura dos
atos de 8 de janeiro de 2023 trouxe à tona um novo telejor-
nalismo, ou um novo modo de fazer telejornalismo. Como
333
nos mostraram vândalos/golpistas que protagonizaram as
ações, a violência garante visibilidade, mas é necessário olhar
também para as diferentes mensagens que estas ações tentam
passar para o mundo político e para toda a sociedade.
Referências
BECKER, Beatriz. Mídia e Jornalismo como Formas de Conheci-
mento: Uma Metodologia para Leitura Crítica das Narrativas Audio-
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org.br/pdfs/c0cbef5cfdb55c3de44c4bd80689aa16.PDF. Acesso em 30
de abril de 2023.
335
Sobre autoras e autores
337
CNPq) e da diretoria da Associação Brasileira de Ensino
de Jornalismo (Abej).
Ariane Pereira
Jornalista, mestre em Letras, doutora em Comunicação e
Cultura. Professora do curso de Jornalismo e do programa
de pós-graduação em História, da Universidade Estadual
do Centro-Oeste (Unicentro), em Guarapuava, Paraná.
Vice-líder do Grupo de Pesquisa Conversas Latinas em
Comunicação. Coordenadora da Rede TeleJor. Diretora
Cultural da Intercom.
Cárlida Emerim
Jornalista, professora e pesquisadora na gradua-
ção e pós-graduação em Jornalismo da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Líder do GIPTele/
UFSC/CNPq, integrante do Conselho Consultivo da
Rede Telejor.
Christina Musse
Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora titular do
Curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), líder do Grupo de Pesquisa/CNPq Comunicação,
Cidade e Memória – Comcime. Participa da Rede de
Pesquisa Jornalismo, Imaginário e Memória (JIM), da
Rede de Pesquisadores em Telejornalismo (TeleJor) e da
Rede de História da Mídia na América Latina. (Relahm).
É presidenta da Associação Brasileira de Pesquisadores
de História da Mídia (Alcar).
338
Cristiane Finger
Professora titular do Curso de Jornalismo da Famecos-
-PUCRS, nas disciplinas de Telejornalismo. Membro
permanente do corpo docente do programa de Pós-Gra-
duação em Comunicação da PUCRS. Ex-coordena-
dora do PPGCOM-PUCRS. Ex-coordenadora da Rede
de Pesquisadores em Telejornalismo (TeleJor). Coor-
denadora do Grupo de Pesquisa Televisão e Audiência
(GPTV). Membro do Conselho da Associação Riogran-
dense de Imprensa (ARI) e ex-vice-presidente da Dire-
toria Executiva da ARI. Ex-titular da Comissão de Ética
do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande
do Sul. Diretora Regional Sul da Intercom.Coordenadora
do GP Telejornalismo da Intercom. Foi repórter, âncora e
editora regional em veículos como SBT; Rede Manchete;
TVERS; TV Guaíba por 25 anos. Vencedora, entre outros,
do Prêmio Esso de Telejornalismo em 2004.
Daisy Feitosa
Pós-doutora em Humanidades, Direitos e Outras
Legitimidades (Diversitas-FFLCH/USP) e pós-douto-
randa em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA-
CTR-ECA/USP); doutora em Ciências da Comunicação
(ECA-USP); mestre em Televisão Digital (Unesp);
Comunicadora Social − com habilitações em Jornalismo
e Radialismo (UFPB). Coordenadora e professora do
curso de Jornalismo da FAPCOM e professora convidada
da pós-graduação em Meios e Processos Audiovisuais
do CTR-ECA/USP. No mesmo departamento, é também
pesquisadora dos grupos de pesquisa LabArteMídia
e Obted.
339
Edna de Mello Silva
Jornalista diplomada e licenciada em Letras pela
Universidade São Judas Tadeu, possui mestrado e douto-
rado em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.
Pós-doutorado com pesquisa sobre história do telejorna-
lismo pela UFRJ. Atualmente é docente do Curso Superior
de Tecnologia em Design Educacional da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp). É docente colaboradora
do PPGCOM/UFT. É diretora Administrativa da Rede
Alcar (2020 a 2023).
Fabiana Siqueira
Doutora em Comunicação pela Universidade Federal
de Pernambuco, com estágio doutoral na Universidade
Complutense de Madri, na Espanha; mestre em
Engenharia de Produção/Qualidade e Produtividade
pela Universidade Federal de Santa Maria; jornalista
pela Universidade Federal de Santa Maria. Docente do
Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPJ) e da
graduação em Jornalismo na UFPB. Possui 18 anos de
experiência profissional em emissoras de TV.
340
Iluska Coutinho
Professora titular da Faculdade de Comunicação da
UFJF e bolsista PQ2 (CNPq). Doutora em Comunicação
(Umesp) com investigação pós-doutoral na Universidade
Nova de Lisboa, coordena o Núcleo de Jornalismo e
Audiovisual (NJA), integrante da Rede TeleJor, onde
desenvolve pesquisas sobre Jornalismo, Emissoras
Públicas, Audiovisual e Desinformação com auxílio da
Fapemig e do CNPq.
Kellyanne Alves
Professora adjunta no Departamento de Comunicação
na UFPB. Doutora em Comunicação pela Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE) com estágio doutoral
na Universitat Pompeu Fabra, em Barcelona, Espanha.
Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Laboratório de
Aplicações Digitais (Lavid), do Centro de Informática,
da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisadora
do GP Estudos de Televisão e Televisualidades da
Intercom. Mestre em Televisão Digital: Informação e
Conhecimento pela Pós-Graduação em TV Digital da
Universidade Estadual Paulista (2010), estudando na
linha de Gestão da Informação e Comunicação para TV
341
Digital. Bacharel em Comunicação Social com habilita-
ção em Radialismo pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) (2007). Bacharel em Comunicação Social com
habilitação em Jornalismo na UFPB (2009). Autora do
livro “Fontes Ativas: colaboração das audiências ativas
nos telejornais do Brasil e Espanha”.
Laerte Cerqueira
Doutor em Comunicação pela Universidade Federal
de Pernambuco com estágio doutoral na Universidade
Pompeu Fabra, em Barcelona, na Espanha; mestre em
Letras pela Universidade Federal da Paraíba; jornalista
pela UFPB. Professor do Programa de Pós-Graduação
em Jornalismo (PPJ) na UFPB. Foi professor substituto
do curso de Comunicação Social da UFPB e docente
na Especialização em Telejornalismo, Mídias Digitais e
Convergência. Tem experiência em assessoria de imprensa
de empresas públicas e privadas. Trabalhou durante
quatro anos como repórter da TV Correio, afiliada da
Record, em João Pessoa-PB. Desde 2008 trabalha na TV
Cabo Branco, afiliada da TV Globo, na capital paraíbana.
Leandro Olegário
Jornalista e professor universitário. Doutor e mestre em
Comunicação Social pela PUCRS. Atuou em diferentes
funções em veículos dos grupos RBS, Bandeirantes, Record,
Fundação Cultural Piratini e RDC TV. Com mais de 20 anos
de experiência no mercado, acumula importantes cobertu-
ras jornalísticas e prêmios. É autor do livro Radiojornalismo
e Síntese noticiosa (Metamorfose, 2016). Integra os grupos
de pesquisa do CNPq ‘Televisão e Audiência’ (UFRGS/
PUCRS) e ‘Teoria e Prática no Jornalismo’ (ESPM).
342
Letícia Renault
Realizou estudos de pós-doutoramento no Centro de
Análises e Pesquisas Interdisciplinares sobre Mídias
(Carism) da Universidade Panthéon-Assas, em Paris, em
2022; e no Centro de Pesquisa em Imagens e Sons Midiá-
ticos (Ceisme) da Universidade Sorbonne Nouvelle Paris
3, em 2017. É doutora em Comunicação pela Universidade
de Brasília (UnB), mestre pelo Programa de Pós-gradua-
ção em Comunicação Social da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), e jornalista pela UFMG. É profes-
sora do Curso de Jornalismo da Universidade de Brasí-
lia, onde leciona Jornalismo em Televisão. É autora dos
livros Webtelejornalismo (E-papers, 2014) e Comunica-
ção e política nos canais de televisão do Poder Legislativo
no Brasil (ALMG, 2004).
Luís Boaventura
Jornalista (AESO, Olinda, PE), mestre em Extensão Rural
e Desenvolvimento Local (UFRPE), doutor Ciências
da Informação, com ênfase em Jornalismo e Estudos
Mediáticos (Universidade Fernando Pessoa, Portugal) em
cotutela com o Programa de Pós-graduação em Estudos
de Mídia (PPGEM − UFRN). Atualmente é editor de
multimídia do Diário de Pernambuco e correspondente
da Rádio Internacional da China no Brasil.
343
Mariana Ramalho Procópio
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos
Linguísticos na Universidade Federal de Minas Gerais.
Professora do Departamento de Comunicação Social e do
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal de Viçosa. Docente permanente do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Federal de Juiz de Fora.
344
em Retórica do Consumo (REC-UFF/CNPq), membro
do Grupo de Pesquisa em Semiótica e Discurso (SEDI-
UFF/CNPq), membro do conselho técnico-cientí-
fico da Associação Brasileira de Pesquisadores em
Publicidade (ABP2) e coordenador do Laboratório de
Comunicação Publicitária Aplicada à Saúde e à Sociedade
(COMPASSO-ECO/UFRJ).
345
Beira Interior). Pesquisador do GJOL (Grupo de Pesquisa
em Jornalismo On-Line) e membro da Rede TeleJor
(Rede de Pesquisadores de Telejornalismo).
346
Este livro foi publicado
pela Editora Insular
em agosto de 2023