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Avaliação Em Educação: Olhares Sobre uma Prática Social Incontornável

Book · May 2011

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11 authors, including:

Domingos Fernandes Antonio Dias de Figueiredo


ISCTE-University Institute of Lisbon University of Coimbra
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Leonor Santos Maria Manuel Vieira


University of Lisbon University of Lisbon
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Domingos Fernandes (org.)

António Dias de Figueiredo


Cely do Socorro Costa Nunes
Denice Bárbara Catani
Domingos Fernandes
Javier Murillo
Jorge Pinto
Leonor Santos
Maria do Carmo Clímaco
Maria Manuel Vieira
Pedro Miguel Freire da Silva Rodrigues
Romualdo Portela de Oliveira

Avaliação em Educação:
Olhares Sobre uma
Prática Social Incontornável
Copyright ©
2011 by Editora Melo Ltda
Rua Rolândia, 1281 – Alto Tarumã
83325-310 – Pinhais – PR
Telefone/Fax: (41) 3033-8100
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conforme Decreto no 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

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É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer parte desta edição,
por qualquer meio, sem a expressa autorização da editora.
A violação dos direitos de autor (Lei nº 5.988/73) é crime
estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Editora responsável: Luciana de Andrade Ribeiro Melo


Capa: Franciele Moreira Braga
Diagramação: Sérgio Lima
Revisão: Sonia Regina Santos de Azevedo
Impressão e acabamento: Ajir Gráfica e Editora Ltda.
CIP-Brasil-Catalogação na fonte
Bibliotecária responsável: Hynajara Boueris CRB 7/5347

A945

Avaliação em educação: olhares sobre uma prática social incontornável /


Domingos Fernandes (Org.). Pinhais: Editora Melo, 2011.

216p.
ISBN 978-85-60911-42-4

1. Educação 2. Avaliação Educacional I. Fernandes, Domingos II. Título

CDD 371.26
Agradecimentos

A publicação deste livro resulta de um ciclo de conferências que


ocorreu no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa no âmbito
do programa de doutoramento em avaliação em educação que coordeno.
Quero, antes do mais, endereçar os meus agradecimentos a
todos os conferencistas cujos textos agora se publicam, Professores
António Dias de Figueiredo, Denice Catani, Jorge Pinto, Maria do
Carmo Clímaco, Javier Murillo, Romualdo Portela de Oliveira e Ma-
ria Manuel Vieira. Agradecimentos são também devidos aos meus
colegas do Instituto que aceitaram o desafio de contribuírem com os
seus textos para o enriquecimento desta publicação: Professoras Leo-
nor Santos e Cely Nunes e Professor Pedro Rodrigues.
Num certo sentido, este livro está associado ao êxito das con-
ferências e a todos os aspectos organizativos que lhes deram forma.
Por isso, não posso deixar de sublinhar o invulgar profissionalismo e
a competência de três colaboradoras que nunca se pouparam a esfor-
ços para que tudo corresse bem. Um abraço muito caloroso à Mónica
Raleiras, à Gabriela Lourenço e à Elisabete Cruz a quem também
agradeço todo o apoio que me prestou na organização do livro.
De igual modo são devidos agradecimentos ao Instituto de
Educação da Universidade de Lisboa, à Fundação para a Ciência e
Tecnologia, à Unidade de Investigação & Desenvolvimento em Ci-
ências da Educação e ao Centro de Investigação em Educação da
Universidade de Lisboa, pela receptividade e apoio fornecido às dife-
rentes atividades desenvolvidas.
Quero, finalmente, expressar os meus sinceros agradecimentos
à Editora Melo, na pessoa do seu diretor Prof. Marcos Melo, por ter
criado todas as condições para que a edição deste livro pudesse ser
uma realidade no Brasil.
Domingos Fernandes
Sumário
Apresentação...............................................................................................................7

1 Inovar em educação, educar para a inovação.........................................................13


António Dias de Figueiredo

2 História das práticas de avaliação de alunos e professores no Brasil..................29


Denice Bárbara Catani

3 Percursos escolares e avaliação numa escola inclusive.........................................53


Jorge Pinto

4 Avaliação de escolas: Estratégia de prestação de contas e de melhoria?................77


Maria do Carmo Clímaco

5 Desafíos na Avaliação da Qualidade da Educação...............................................95


Javier Murillo

6 A qualidade do ensino como parte do direito à educação:


Um debate em torno dos indicadores.........................................................117
Romualdo Portela de Oliveira

7 Retrato do jovem enquanto aluno: Participar na escolaridade,


preservar a privacidade..........................................................................................135
Maria Manuel Vieira

8 Que critérios de qualidade para a avaliação formativa?.....................................155


Leonor Santos

9 A (in)evitabilidade da avaliação do desempenho docente


em Portugal: processos, tensões e desafios..........................................................167
Cely do Socorro Costa Nunes e Pedro Rodrigues

10 Avaliação de programas e projetos educacionais: das........................................185


questões teóricas às questões das práticas
Domingos Fernandes
Apresentação

Ao longo do ano letivo de 2009/2010, no âmbito do Programa


de Doutoramento em Educação – Avaliação em Educação – do Ins-
tituto de Educação da Universidade de Lisboa, decorreu um Ciclo de
Conferências intitulado Educação e Seus Desafios: Perspectivas Atu-
ais, em que participaram pesquisadores oriundos do Brasil, de Portu-
gal e de Espanha. A ideia que presidiu à realização das conferências
foi a de abrir um espaço de debate pluridisciplinar acerca de questões
críticas da educação, em que pesquisadores, professores, alunos dos
cursos de graduação e de pós-graduação e público em geral pudessem
participar. A avaliação, como domínio do conhecimento da educação
e como prática social, acabou por ter uma significativa preponderân-
cia nas conferências e nos debates realizados.
Na sequência das conferências realizadas, pensou-se que seria
útil e oportuno disponibilizar as reflexões aí produzidas a um público
mais alargado. Neste contexto, decidiu-se reunir num livro dez textos
que pudessem dar-nos conta de algumas das discussões contemporâ-
neas relativas à educação e, em particular, às áreas práticas da avalia-
ção educacional. Os primeiros sete textos foram apresentados, pela
mesma ordem, no referido Ciclo de Conferências e os últimos três são
da autoria de investigadores e professores do Instituto de Educação
da Universidade de Lisboa, docentes do acima mencionado Programa
de Doutoramento.
Oito trabalhos inserem-se claramente no domínio da avaliação
em educação. Dos outros dois, um, de António Dias de Figueiredo,
discute com particular oportunidade a necessidade premente de os
sistemas escolares educarem para a inovação. Trata-se de um texto

7
cujo conteúdo vai ao encontro de um dos propósitos de toda a avalia-
ção: promover a transformação, a melhoria e a inovação nos sistemas
educativos. O outro, de Maria Manuel Vieira, discute, de um ponto de
vista sociológico, o conjunto de mudanças qualitativas inerentes à pre-
sença do “mundo juvenil” na escola que se traduz, por exemplo, numa
certa resistência dos jovens em integrarem-se na vida escolar tal como
ela é concebida pelos adultos. Estamos perante um texto que nos mos-
tra que as avaliações têm que ser mais pensadas e postas em prática por
equipes multidisciplinares; as realidades em educação são complexas
e, por isso, obteremos melhores e mais credíveis descrições se formos
capazes de articular e/ou integrar uma diversidade de olhares.
Foi com natural satisfação que, no processo de organização e
edição deste livro, se verificou que tinha sido possível reunir um con-
junto de textos que evidencia um ponto de situação relativamente a
cada uma das áreas práticas da avaliação que foram abordadas. Na
verdade, os oito trabalhos mais diretamente relacionados com o do-
mínio da avaliação discutem temas atuais relacionados com a Ava-
liação para as Aprendizagens, a Avaliação do Desempenho Docente,
a Avaliação da Qualidade da Educação e a Avaliação de Programas
e Projetos Educacionais. Em cada um deles está bem patente que a
avaliação é uma prática social que pode contribuir decisivamente para
transformar e melhorar os processos educativos e formativos. Não
sendo uma ciência exata, a avaliação pode, no entanto, ser pensada
e desenvolvida de forma rigorosa para que seja credível, plausível e
útil. Efetivamente a avaliação, como domínio do conhecimento da
educação, é uma realidade educacional, social e política incontornável
que, no entanto, é atravessada por diferentes perspectivas quanto à
sua natureza, aos seus propósitos e às suas utilizações. Ora, os artigos
que integram este livro contribuem para clarificar e para perspectivar
a avaliação como processo que se pretende estreitamente relacionado
com a melhoria do serviço público de educação. Neste sentido, a ava-

8
liação tem necessariamente que estar relacionada com aspectos tais
como a transparência, a justiça, a equidade, a ética e a deliberação
democrática. Mas também não pode ignorar a eficácia, a eficiência, a
qualidade e os resultados produzidos pelos sistemas educativos. Será no
equilíbrio inteligente entre práticas de avaliação de natureza formativa,
mais centradas nos processos e orientadas para a melhoria e o desenvol-
vimento, e práticas de natureza somativa, mais centradas nos resulta-
dos e orientadas para a responsabilização e para a prestação de contas,
que eventualmente encontraremos um caminho a prosseguir. Ou seja,
parece desejável que se valorize a articulação entre perspectivas de ava-
liação de natureza criterial com perspectivas mais apoiadas nas práticas
e nas experiências vividas pelas pessoas. Talvez dessa forma possamos
obter descrições mais credíveis dos fenômenos educativos.
Mas o que mais importa sublinhar é que a lógica que presi-
diu à organização desta coletânea de textos tratou de combinar uma
variedade de perspectivas que, sem subestimar as questões de natu-
reza técnica, se debruçam sobre questões teóricas e paradigmáticas
intrínsecas às transformações discursivas que vêm acompanhando o
desenvolvimento do conhecimento científico e das práticas de ava-
liação. Neste sentido, é nossa convicção que as reflexões expostas no
conjunto dos textos selecionados contribuem de forma significativa
para promover a tomada de consciência das dificuldades, contradições
e desafios com que se confrontam as práticas avaliativas atuais.
O primeiro texto, Inovar em educação, Educar para a inovação,
de António Dias de Figueiredo, problematiza a eficácia dos sistemas
escolares tanto no que se refere à capacidade para se renovarem como
em relação à preparação das gerações futuras para a realidade de um
mundo complexo. Procurando responder a este desafio, o autor discute
estratégias que podem contribuir para a inovação dos sistemas de en-
sino, defendendo a articulação entre o desenvolvimento de projetos de
inovação incremental e a criação de projetos de inovação disruptiva.

9
No texto seguinte, História das práticas de avaliação de alunos e
professores no Brasil, Denice Bárbara Catani examina quatro momentos
distintos que caracterizam a evolução das práticas de avaliação desde o
final do século XIX até aos nossos dias. A partir de uma análise his-
tórica, a autora não só questiona a eficácia das modalidades avaliativas
adotadas como também evidencia a necessidade de reinventar práticas
e processos que permitam melhorar a qualidade da educação.
No terceiro texto, Percursos escolares e avaliação numa escola
inclusiva, Jorge Pinto chama a atenção para a complexidade inerente
ao desígnio de garantir o acesso universal da educação para todos.
Questionando, por um lado, a capacidade da escola para levar todos
os estudantes a aprender e, por outro, os processos conducentes à er-
radicação da discriminação e da exclusão, o autor confronta-nos com
novas missões atribuídas aos sistemas escolares. É neste contexto que
a avaliação formativa surge como um processo pedagógico indissociá-
vel dos esforços que é necessário empreender para que as escolas sejam
realmente inclusivas.
O texto de Maria do Carmo Clímaco, Avaliação de Escolas: Es-
tratégia de prestação de contas e de melhoria?, dá-nos conta do caráter
polissêmico do conceito de qualidade em educação, o que explica o
modo tão diverso como julgamos os fatores determinantes do sucesso
escolar. Salientando o contributo dos estudos sobre a eficácia das escolas
para a compreensão do seu desempenho, a autora discute alguns desa-
fios a enfrentar pelas práticas de avaliação. Particularmente, ao nível do
desenvolvimento de metodologias de análise que permitam estabelecer
comparações mais justas entre os desempenhos das escolas.
Por seu turno, Javier Murillo, no seu texto Desafíos en la Eva-
luación de la Calidad de la Educación, questiona a fiabilidade e a va-
lidade dos testes nacionais estandardizados, os critérios de medida
utilizados e a falta de atenção à diversidade social e cultural dos con-
textos em que tais testes são aplicados. A partir destes problemas,

10
o autor discute a necessidade de se instituírem sistemas de avalia-
ção mais integrados e coerentes com os propósitos mais profundos
e abrangentes da educação, superando assim perspectivas exclusiva-
mente focadas nos resultados dos alunos.
No artigo intitulado Qualidade do ensino como parte do Direito
à Educação: Um debate em torno dos indicadores, Romualdo Portela
de Oliveira também discute questões relacionadas com a qualidade
e a equidade no contexto do sistema educativo brasileiro. Este autor
analisa os desafios que são necessários enfrentar para elaborar um
indicador que possa ser utilizado para avaliar se a qualidade da edu-
cação estabelecida constitucionalmente será garantida pelos sistemas
escolares.
No texto seguinte, Retrato do jovem enquanto aluno: Partici-
par na escolaridade, preservar a privacidade, de Maria Manuel Viei-
ra, a atenção desloca-se para potenciais tensões entre os critérios das
culturas adolescentes e os fundamentos da cultura escolar e, nesse
sentido, vem ampliar a discussão sobre os desafios que se colocam
aos sistemas educativos contemporâneos. Tomados em conjunto, es-
ses desafios apelam para a necessidade do desenvolvimento de abor-
dagens às questões da educação e da formação mais alicerçadas na
negociação, respeitando o direito que é devido aos mais novos para
participarem na vida escolar.
O oitavo texto, Que critérios de qualidade para a avaliação
formativa?, da autoria de Leonor Santos, recoloca a discussão nas
práticas avaliativas e problematiza a utilização de processos de avalia-
ção válidos e fiáveis numa perspectiva de avaliação enquanto processo
regulador da aprendizagem. Neste contexto, a autora refuta os crité-
rios de validade e fiabilidade, habitualmente associados às práticas de
avaliação somativa de inspiração psicométrica, propondo três critérios
alternativos para avaliar a qualidade das avaliações de natureza for-
mativa a compreensibilidade, a adequabilidade e a eficácia.

11
Cely do Socorro Costa Nunes e Pedro Rodrigues, no seu texto
A (in)evitabilidade da avaliação do desempenho docente em Portugal:
Processos, tensões e desafios, analisam e discutem a polêmica atual-
mente existente em torno da avaliação do desempenho docente no
sistema educativo português. Os autores induzem os leitores a refleti-
rem sobre as razões que poderão explicar a contestação do sistema de
avaliação de professores em Portugal.
Por último, o texto de Domingos Fernandes, Avaliação de Pro-
gramas e Projetos Educacionais: Das questões teóricas às questões das
práticas, chama a atenção para a relevância que a avaliação de progra-
mas e de projetos educacionais pode ter no desenvolvimento das polí-
ticas públicas de educação. Neste sentido, é fundamental que as ava-
liações sejam credíveis, plausíveis e úteis e, por isso mesmo, ao discutir
opções com que todos os avaliadores se confrontam nas suas práticas, o
autor considera imprescindível mobilizar um sólido e claro quadro con-
ceptual e teórico que apoie o desenvolvimento dessas mesmas práticas.
Apresentadas, em síntese, as principais ideias discutidas em
cada um dos textos, esperamos que as contribuições das autoras e
autores que integram esta publicação constituam uma leitura provei-
tosa, contribuindo para alargar a reflexão e o debate sobre algumas
questões críticas e atuais da avaliação educacional.

Domingos Fernandes
Elisabete Cruz

12
1

Inovar em Educação,
Educar para a Inovação

ANTÓNIO DIAS DE FIGUEIREDO


Universidade de Coimbra

Resumo: Um dos problemas centrais da educação é, hoje, o de


preparar os cidadãos para a realidade de um mundo globalizado,
complexo, de mudança, centrado no conhecimento, onde todos
competem com todos, sem fronteiras, e onde a capacidade de cada
um para criar valor, com empenho e inovação, passou a ser fator
crítico, não apenas de sucesso, mas de sobrevivência. Nesta era,
em que os menos competentes, mesmo os que vivem nos países
mais desenvolvidos, são substituídos pelos que, em outras partes
do mundo, fazem o mesmo com idêntica qualidade e a menor cus-
to, o desemprego e o emprego precário tendem a generalizar-se,
engrossando as periferias sociais que já hoje são notícia em vários
países europeus. Neste cenário, começam a tornar-se evidentes as
insuficiências dos sistemas escolares, tanto no que se refere à ca-
pacidade para se renovarem como no que toca à preparação das
gerações futuras para um mundo onde a criatividade e a inovação
se tornaram fatores primários de diferenciação. O presente artigo,
que transpõe para texto o essencial da conferência que apresentei
sobre o mesmo tema em novembro de 2009 (Figueiredo, 2009),
analisa como é que uma estratégia que combine inovação incre-
mental com inovação disruptiva pode auxiliar os sistemas de ensi-
no a fazerem frente a este desafio.

O ano de 2009 foi designado pelo Conselho e pelo Parlamento


Europeu como o Ano Europeu da Criatividade e Inovação. Cumprido
que está esse ano, em que a Comissão Europeia e os países membros,
incluindo o nosso, se desdobraram em iniciativas de sensibilização,
será legítimo formular algumas questões. Terá ficado clara a urgência
de colocar em primeiro plano, na vida nacional, e em particular na es-

13
cola, a criatividade e a inovação? Será que agora conseguimos inovar
mais e melhor nas nossas escolas? Será que passamos a ser capazes de
criar, nos nossos sistemas de ensino, jovens mais criativos e inovado-
res? Por que será que, decorridos que estão vinte e cinco anos sobre o
primeiro projeto nacional para as TIC no ensino não-superior, evolu-
ímos tão pouco na transformação das escolas em espaços de inovação
e criatividade? Que valor acrescentado de criatividade e inovação terá
sido introduzido no sistema ao longo destes vinte e cinco anos?
Nas secções que se seguem, começarei por caracterizar as ame-
aças e oportunidades de um mundo onde a abundância, a automação
e a globalização precipitaram a precarização do trabalho e onde as
novas leis dos mercados passaram a impor veementes necessidades de
diferenciação pela criatividade e inovação. Seguidamente, procurarei
clarificar os conceitos de inovação incremental e inovação disrupti-
va. Partindo desses conceitos, analisarei as dificuldades de natureza
sociológica que se colocam à introdução de inovação nos sistemas de
ensino. Passarei, de seguida, à problemática da melhoria da criati-
vidade dos alunos e da sua capacidade para inovarem. Finalizando,
proponho uma solução suscetível de, a prazo, produzir resultados po-
sitivos nas duas dimensões.
Desafios de uma sociedade conceitual global
Numa análise recente dos desafios que se colocam às socieda-
des dos nossos dias, Daniel Pink, autor de A Whole New Mind: How
to Thrive in the New conceptual Age, descreve o percurso das sociedades
humanas nos últimos 150 anos. De acordo com Pink (2006), no últi-
mo século e meio terão sido percorridas quatro eras. A primeira, que
dominou no século XVIII e durou até meados do século XIX, foi a
era da agricultura, na qual o grosso do labor humano se centrava no
trabalho agrícola. A segunda, que caracterizou o século XIX e gran-
de parte do século XX, foi a era industrial, em que grande parte da
população trabalhava em fábricas ou estava ligada a atividades indus-

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triais. Na terceira, a era da informação, que se afirmou no século XX e
se prolongou para o século XXI, emergiu e tem vindo a consolidar-se
uma nova classe de trabalhadores – os trabalhadores do conhecimen-
to. Segundo Pink, assistimos agora à emergência de uma quarta era,
que designou por era conceitual, na qual começam a ser procurados,
de forma crescente, os trabalhadores da criatividade e da sensibilidade
aos valores humanos.
Pink explica esta última evolução pela ocorrência simultânea
de três fenômenos que começam a assumir proporções avassaladoras:
Abundância, Automação e Ásia. O fenômeno da abundância fez com
que a vida econômica, social e cultural dos nossos dias tenha deixado
de se orientar pelos mecanismos tradicionais da oferta e da procura.
Hoje, tentar atrair o consumidor pela via do racional, do lógico e
do funcional é insuficiente. O que faz a diferença, num mundo de
abundância, é o que é agradável aos olhos e sedutor para a alma. Por
isso o design de produtos e serviços, nos nossos dias, se centra na ino-
vação e na criação de significado (Verganti, 2009) – quem não fizer
a diferença, na concorrência acerada desta sociedade da abundância,
dificilmente terá hipóteses de vencer. A implicação deste fato para a
educação dos profissionais da era conceitual é que, para além de de-
verem possuir a formação sólida que é desejável para os trabalhadores
do conhecimento, deverão estar preparados para, cada vez mais, se-
rem também capazes de criar e inovar.
A automação, por seu lado, tem vindo a tornar cada vez mais
dispensável a intervenção humana. Qualquer tarefa que dependa de
rotinas e que, como tal, possa ser transformada em sequencias de re-
gras repetíveis, está condenada a ser automatizada. Recordando a es-
pecialização dos dois hemisférios do nosso cérebro (o esquerdo para o
pensamento analítico, sequencial e verbal; o direito para o pensamen-
to de síntese, holístico, intuitivo e não verbal), Pink (2006) faz notar
que, tal como as máquinas dos últimos dois séculos quase eliminaram

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do mercado de trabalho o recurso às capacidades físicas humanas,
os sistemas inteligentes do presente estão a tornar dispensáveis mui-
tas das competências humanas que se baseiam no uso do hemisfério
esquerdo. Se tivermos em conta que as nossas escolas cultivam qua-
se em exclusivo as competências deste hemisfério cerebral, podemos
compreender como elas tenderão a desfasar-se, a curto prazo, de um
mundo onde o apelo às capacidades do hemisfério direito aumenta a
olhos vistos.
Pink (2006) usa o termo Ásia para se referir metaforicamente
à globalização. De fato, alguns países do Oriente, que até há alguns
anos agiam como meros fornecedores de mão de obra barata e pouco
qualificada, estão hoje entre os países com produção científica mais
avançada do mundo. Segundo estudos recentes da Thomson Reuters,
a produção científica da China ocupa já o segundo lugar mundial
(Adams, King, & Ma, 2009) e é previsível que a Índia ultrapasse os
países do G8 entre 2015 e 2020 (Adams, King, & Singh, 2009). A
extensão e implicações do fenômeno da globalização são analisados
de forma sugestiva por Thomas Friedman, no seu livro O Mundo é
Plano: Uma História Breve do Século XXI (2005). Através de numero-
sos casos reais, Friedman mostra como o mundo global, associado aos
progressos das comunicações sem fronteiras, afeta de forma irreversí-
vel, não apenas aqueles cujos empregos são substituídos por idênticos
empregos exercidos em partes do mundo onde os salários são mais
baixos, mas também aqueles que operam em setores que se tornam
obsoletos num mundo de concorrência global.
O encerramento recente da Qimonda, uma empresa de alta
tecnologia, único fabricante europeu de memórias de semicondutores
(e segundo maior do mundo), que colocou no desemprego centenas
de engenheiros, mostra como as perturbações da globalização podem
afetar os trabalhadores de níveis profissionais muito elevados, e não
apenas os trabalhadores menos qualificados. O mesmo acontece em

16
muitos outros domínios, como, por exemplo, a medicina, onde as mo-
dalidades de intervenção suscetíveis de ser exercidas de forma rotinei-
ra começam a ser deslocalizadas para países de salários mais baixos ou
substituídas por sistemas automáticos manipulados por simples técni-
cos. A título de exemplo, as triagens hospitalares de muitos hospitais
norte-americanos são hoje conduzidas, via Internet, por médicos in-
dianos especializados nos Estados Unidos e regressados ao seu país.
Esta ameaça ao status quo ocidental é analisada também pelo
sociólogo francês Robert Castel, no seu livro La Montée des Incertitu-
des (Castel, 2009), onde aborda o que identifica como uma tendência
consistente e irreversível para a diminuição e precarização do empre-
go nos países ocidentais. A raiz desta evolução, segundo argumenta,
encontra-se na transformação do capitalismo industrial numa nova
forma de capitalismo, associada à globalização e caracterizada pela
intelectualização do trabalho, as economias de serviços e a hegemonia
do capital financeiro internacional. A principal consequência é que a
percentagem da população com empregos estáveis diminui a olhos
vistos, assistindo-se ao aumento de uma elevada percentagem de tra-
balho temporário e emprego precário. Este fenômeno, que represen-
ta um repto sem precedentes às sociedades ocidentais, exprime uma
ameaça, mas também uma oportunidade. Ameaça, da eclosão maciça
de desemprego. Oportunidade, para, recorrendo às tecnologias e cul-
turas de que a transformação é portadora, encontrar novos equilíbrios
e ascender a novos patamares de felicidade e bem-estar.
As escolas têm, obviamente, responsabilidades acrescidas na
confrontação deste repto. Torna-se claro, no entanto, que dificilmen-
te poderão contribuir para o superar se se limitarem a reforçar a mis-
são, que há dois séculos lhes foi confiada, de produzirem funcionários
disciplinados, obedientes e uniformes para uma sociedade industrial,
num mundo de pleno emprego. Por isso se torna tão crucial que se-
jam capazes de inovar na educação que praticam e se preparem para

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formar jovens que, para além de dominarem as competências tradi-
cionais, possam diferenciar-se, em mercados de dimensão global, pela
sua criatividade e inovação.
Os tipos de inovação
É frequente distinguirem-se dois grandes tipos de inovação:
a inovação incremental e a inovação disruptiva. A inovação incre-
mental, ou inovação sustentada, baseia-se na introdução de melho-
ramentos em produtos, processos, organizações ou sistemas sociais
que já existem. Em muitos casos, esses melhoramentos representam
pequenos progressos, mas nada impede que alguns deles produzam
grandes avanços relativamente ao que existia. São exemplos de ino-
vação incremental as televisões com imagens mais nítidas, os aviões
com superior autonomia, as baterias com maior duração, os computa-
dores que processam mais rapidamente, ou as escolas onde os alunos
aprendem melhor.
O conceito de inovação disruptiva foi proposto por Clayton
Christensen (1997), professor da Universidade de Harvard, que de-
fende que as maiores oportunidades para inovar não se encontram
na tentativa de melhorar o que já existe, mas sim em criar soluções
para populações ou mercados cujas necessidades ainda não estão a
ser satisfeitas. As inovações disruptivas emergem de forma explora-
tória em contextos pouco exigentes, para utilizadores que aceitam de
bom grado as limitações de que elas possam padecer. Nessa ausência
de concorrência, rapidamente evoluem, ganham quota de mercado,
consolidam-se e, ao fim de tempos por vezes muito curtos, invadem
territórios estabelecidos, onde ninguém imaginaria que pudessem
impor-se, e tomam o lugar das soluções vigentes.
O computador pessoal é um exemplo expressivo de inovação
disruptiva. Nos anos setenta, o mercado informático era dominado
pelos minicomputadores, máquinas com preços médios da ordem
das centenas de milhares de euros, produzidas por empresas de gran-

18
de sucesso, como a Digital Equipment Corporation (DEC), a Data
General e a Hewlett Packard (HP). Quando, no início da década
de oitenta, surgiram os primeiros computadores pessoais, como o
Spectrum e o Apple II, eram equipamentos ridiculamente limita-
dos, destinados maioritariamente a ser usados como brinquedos pelas
crianças e pelos pais. Foi nesse mercado inexplorado que começaram
a estabelecer-se, melhorando especificações e conquistando cada vez
mais clientes. Dez anos mais tarde, o mercado dos computadores pes-
soais tinha-se expandido para além das expectativas mais otimistas e
os seus modelos de topo de gama começavam a ameaçar o mercado
dos minicomputadores. Em meados da década de noventa o mercado
dos minicomputadores desmoronava-se a favor do dos computado-
res pessoais. A DEC, que no início dos anos noventa era o segun-
do maior fabricante de computadores do mundo, e a Data General,
que também ocupava posição destacada, deixaram de existir. Outro
exemplo expressivo de inovação disruptiva é a própria Internet, tam-
bém nascida num espaço onde não concorria com nenhum sistema
existente, para utilizadores que se satisfaziam com soluções precárias,
e que se foi sofisticando, pouco a pouco, à medida que a sua base de
apoio se alargava.
Inovar na Educação
Do ponto de vista da sociologia da inovação, os sistemas educa-
tivos podem ser vistos como redes de atores cujos nós correspondem
às diversas realidades em presença: professores, alunos, pais, currícu-
lo oficial, disciplinas, formação dos professores, avaliação dos alunos,
avaliação dos professores, avaliação do sistema, sindicatos, manuais.
Tratando-se de um sistema com fortes tradições, os nós desta rede
tendem a reforçar-se mutuamente, em configurações estáveis que
tendem a eternizar-se. A massificação dos alunos, a uniformização
das práticas, a burocratização da atividade docente, a tirania dos pro-
gramas, os sistemas de formação de professores, a indústria dos ma-

19
nuais, os testes internacionais estandardizados, todos se conjugam e
reforçam mutuamente no sentido de robustecer uma estabilidade que
torna impossível a inovação. Se algum responsável pretender inovar,
o sistema reagirá de imediato, ou porque os professores receiam ser
afetados, ou porque os editores se sentem ameaçados, ou porque qual-
quer outro nó temerá que a mudança prejudique privilégios duramen-
te conquistados. A cristalização destas configurações de forças, que se
mantêm equilibradas, tenderá a impedir a mudança.
Em ecossistemas desta natureza, tentar inovar, com ou sem tec-
nologias da informação, na ausência de uma estratégia coerente e de
práticas de reflexão e estímulo permanentes e de proximidade, é uma
tarefa votada ao fracasso. Por muito sucesso que possam ter algumas
iniciativas avulsas, animadas por pioneiros entusiásticos, a inércia do
sistema se encarregará de as diluir ou distorcer para que, a prazo,
se ajustem à uniformidade reinante. Tentar inovar nestes sistemas é,
como afirmam alguns, o mesmo que regar no deserto. Esta leitura
não deverá, no entanto, levar-nos a baixar os braços. A inovação in-
cremental nos sistemas de ensino tradicional tem sucesso difícil, mas
pode ser explorada com estratégias coerentes, fundadas sobre teorias
sociais confiáveis, como a Teoria dos Atores-Rede (Latour, 2005).
Em qualquer dos casos, o percurso que se afigura mais promissor para
a inovação em sistemas educativos é o do lançamento de inovações
disruptivas que nasçam discretamente nas margens do sistema e o
transformem, gradualmente, da periferia para o centro. Christensen,
Horn, & Johnson (2008) descrevem extensivamente este processo no
seu livro Disrupting Class: How Disruptive Innovation Will Change the
Way the World Learns.
Uma modalidade de inovação disruptiva realizável nos siste-
mas escolares atuais é o recurso a cursos on-line para suprir necessi-
dades que não podem ser satisfeitas pelas escolas individuais: cursos
para crianças superdotadas; cursos de enriquecimento para crianças

20
com necessidades especiais; cursos opcionais de línguas, humanida-
des, economia, música; apoio a distância a crianças nômadas ou que
estudam em casa. Embora nenhuma escola individual disponha de
recursos que lhes permitam satisfazer estas necessidades para reduzi-
dos números de alunos, a criação de programas a distância, nacionais
ou regionais, dirigidos a conjuntos de escolas, ou à sua totalidade,
é, pelo contrário, perfeitamente possível. Outros exemplos de ino-
vações disruptivas são as escolas-piloto que exploram novos modelos
escolares (as charter schools, nos Estados Unidos, correspondem a este
objetivo), as escolas-piloto que exploram novos modelos pedagógicos
(como o recurso ao ensino baseado em projetos), ou as escolas expe-
rimentais incumbidas de promover mudanças transformacionais nas
comunidades socialmente degradadas em que se integram. Essencial
para o sucesso destas iniciativas é que lhes sejam dadas condições ex-
cepcionais para que possam desenvolver-se tranquilamente ao abrigo
da uniformização vigente.
Educar para a Inovação
Perante os desafios que acima se enunciaram, não basta, no en-
tanto, inovar na educação. É também indispensável educar as novas ge-
rações para um mundo onde a criatividade e a inovação fazem, cada vez
mais, a diferença, no mercado trabalho e na construção do sucesso das
nações. Assoberbados com a eterna crise da aprendizagem da língua
materna, da matemática e das ciências, os sistemas de ensino parecem
esgotar as suas preocupações na confrontação desses problemas. Dir-
se-ia que, conformados com a uniformidade reinante, persistem na
velha procura de velhas soluções para velhos problemas. Quando mui-
to, aplicam-lhes uma fina camada de tecnologia, na esperança de que o
encantamento da convivência resolva, milagrosamente, o enigma.
Há onze anos, nos primórdios do governo de Tony Blair, no
Reino Unido, uma comissão liderada por Sir Ken Robinson, envolven-
do cientistas, líderes empresariais e figuras-chave do mundo das artes,

21
produziu o relatório All Our Futures: Creativity, Culture and Education
(1999), sobre como incentivar os jovens a serem inovadores e a desen-
volverem a capacidade para resolver problemas em todas as áreas do
currículo, da matemática à tecnologia. Amplamente aclamado na altu-
ra do seu lançamento, o relatório rapidamente foi esquecido. Em maio
de 2009, o Ano Europeu da Criatividade e Inovação, a BBC celebrou
o triste décimo aniversário desse olvido (Baker, 2009). Posteriormen-
te, muitos outros estudos e relatórios com idênticas preocupações têm
vindo a ser produzidos, uns acentuando a importância das capacidades
de concepção e de resolução inspiradas pelo design e pelas artes visuais
(Jewitt, 2008), outros realçando a importância formativa dos paradig-
mas da engenharia (Katehi, Pearson, & Feder, 2009).
Num mundo onde as tecnologias desempenham um papel cada
vez mais marcante, é, de fato, surpreendente que os sistemas de ensino
insistam em inculcar nas crianças os paradigmas de ciência sem cuidarem
de, ao mesmo tempo, as sensibilizar, pela prática, para as diferenças entre
ciência e engenharia, sobretudo tendo em conta que os dois paradigmas,
apesar de complementares, são, também, quase diametralmente opostos
(Figueiredo, 2008). Como explicava Theodore Von Kárman, quando lhe
perguntaram a diferença entre ciência e engenharia: “a ciência explica o
que existe; a engenharia cria o que nunca existiu”. Ora, sendo essencial
que os jovens aprendam a “explicar o que existe”, é também essencial que
saibam “criar o que nunca existiu”. Em boa verdade, nada poderia carac-
terizar melhor a essência da criatividade e da inovação!
No domínio da educação para a inovação estão em curso, em
várias partes do mundo, múltiplas experiências inovadoras envolvendo
centenas de professores. Como exemplo, poderão citar-se as condu-
zidas pelo Imaginative Education Research Group (IERG), de Kieran
Egan (2008). No entanto, e independentemente das diferenças que as
separam, todas essas experiências têm uma característica em comum.
Se se mantêm nas margens do ecossistema educativo, seguindo per-

22
cursos disruptivos, ou se se baseiam em processos de inovação incre-
mental cuidadosamente concebidos e geridos, têm sucesso e produ-
zem efeitos duradouros. Caso contrário, e isso é o que acontece com a
maioria, fracassam e não deixam quaisquer efeitos. Como poderemos
melhorar esse cenário?
Uma solução
Antes de propor uma solução que tente responder às questões
levantadas nas duas secções anteriores – Como inovar na educação?
Como educar para a inovação? – importa colocar um terceiro conjun-
to de questões. Valerá a pena, para melhor as contextualizar, começar
por refletir um pouco sobre a World Wide Web, ou espaço virtual onde
se navega por hiperligações. Embora existisse de forma rudimentar
desde o início dos anos noventa, a Web só começou a ter divulgação
em 1993, quando surgiu o Mosaic, o primeiro navegador facilmente
utilizável. Por essa altura, em junho de 1993, apenas havia 130 sítios
Web, muito rudimentares, em todo o mundo. O crescimento da Web,
desde então até aos nosso dias, num escasso período de dezessete anos,
mudou de forma irreversível a forma como comunicamos e vivemos.
Que credibilidade teria, hoje, uma previsão sobre a evolução das so-
ciedades que tivesse sido feita nos anos noventa, antes da existência da
Web? Quem nos garante que dentro de um ano ou dois não surgirá ou-
tra inovação que altere novamente, de idêntica forma, o nosso percurso
civilizacional? Ou será que essa inovação já está a decorrer, por exem-
plo, com a eclosão das redes sociais? Que credibilidade terão, então, as
previsões que hoje tentamos fazer sobre o mundo em que iremos viver
dentro de alguns anos? Ninguém sabe o que vai acontecer! A desco-
berta de como viver nesse mundo é, pois, um processo de exploração
coletivo em que todos temos de nos ajudar uns aos outros.
Dito isto, podemos passar ao terceiro bloco de questões. Num
mundo em permanente mudança, como o que acima ficou esboçado,
quem é que sabe como prosseguir? Quem é que vai ensinar quem?

23
Se ninguém sabe prever o futuro, e os progressos têm de ser tatean-
tes, como se estabelece um processo de acompanhamento orgânico e
reflexivo que analise dificuldades, avalie consequências e clarifique
como progredir?
A resposta que proponho para os três conjuntos de questões é
que sejam tomadas medidas políticas no sentido de apoiar a criação de
parcerias duradouras entre comunidades escolares e unidades de in-
vestigação, em torno de projetos de investigação-ação e de investiga-
ção projetiva (design-based research) conduzidos por equipas mistas de
investigadores académicos e de professores das escolas, numa reflexão
permanente sobre os currículos do ensino não superior e sobre como
as práticas pedagógicas poderão evoluir neste mundo de mudança.
Esses projetos deverão ser apoiados financeiramente e avaliados em
função da sua contribuição sustentada para a inovação e mudança
cultural do sistema, o enriquecimento das abordagens didáticas e o
melhoramento das práticas educativas.
Convirá recordar que o conceito de professor-investigador, isto
é, do professor que combina a sua atividade docente com uma reflexão
permanente e sistemática sobre a forma de melhorar as suas práti-
cas, é defendido pelo menos desde que Lawrence Stenhouse (1975),
influente perito em educação das décadas de sessenta e setenta do
século passado, publicou o livro An Introduction to Curriculum Rese-
arch and Development. O conceito de professor-investigador estava,
aliás, implícito em vários dos livros de John Dewey, e viria a ser re-
forçado com as contribuições de Donald Schön (1983) sobre a forma
como os profissionais melhoram o seu desempenho refletindo sobre a
sua própria ação. O conceito tem vindo a ser retomado por algumas
administrações educativas mais inovadoras que procuram pô-lo em
prática nos seus sub-sistemas, como é o caso do Department of Edu-
cation and Early Childhood Development de Victoria, na Austrália
(DEECD, 2006).

24
A apresentação e publicação nacional e internacional dos resul-
tados de projetos como os propostos, feitas pelos membros das equipas
mistas, e o diálogo e entreajuda que ele tenderá a gerar em ambien-
tes reais (encontros nacionais e regionais) e virtuais (redes sociais),
permitirão contribuir para consolidar práticas reflexivas sustentáveis.
Permitirão, também, fortalecer a imagem nacional e internacional
das escolas, com consequências valiosas para o reforço da autoestima
dos professores e das escolas e para a mobilização de todos os atores.
Por outro lado, o envolvimento dos professores das escolas em equi-
pes dedicadas à investigação oferece oportunidades inestimáveis de
avaliação autêntica, quer ao nível das pessoas, quer ao nível dos pro-
cessos. A própria formação de professores, que muitas vezes se reduz
a rotinas de treino, para audiências passivas, pode, ser associada a
projetos de investigação ligados à realidade das escolas, transformar-
se em fecunda atividade de reflexão e aprendizagem.
Muitos desses projetos poderão, por outro lado, decorrer no
âmbito de programas de pós-graduação e mestrado, cujas disserta-
ções, tantas vezes centradas em temas acadêmicos distantes da reali-
dade escolar, podem, assim, deslocar-se abertamente para o “terreno”,
onde o seu financiamento exige que se sujeitem a condicionalismos
reais e impõe que criem relevância para as práticas das escolas onde
decorrem. Será igualmente importante que uma estratégia concebi-
da nesse sentido deixe no terreno infraestruturas, redes sociais e di-
nâmicas sustentáveis dirigidas para a mobilização das comunidades
educativas e para o apoio permanente aos seus agentes, numa ótica de
estímulo à entreajuda e ao enriquecimento das vivências coletivas.

Conclusões
Em resumo, vivemos numa era de complexidade e mudança,
com forte intelectualização do trabalho, onde a abundância, a au-
tomação e a globalização convergem para fazer emergir um mundo

25
onde o emprego estável diminui a olhos vistos e a criatividade e a
inovação surgem como fatores de diferenciação decisivos na conquista
do sucesso. As escolas, fiéis ao mandato que lhes foi entregue há du-
zentos anos, de produzirem funcionários disciplinados, obedientes e
uniformes para um mundo industrial e de pleno emprego, dificilmen-
te conseguem adaptar-se a este desafio radicalmente distinto. Por um
lado, terão de se transformar, elas próprias, em espaços de inovação
e criatividade. Por outro lado, terão de transformar a sua cultura e as
suas práticas no sentido de fazer incluir na sua agenda a preparação
das gerações futuras para um mundo onde a criatividade e a inovação
são, cada vez mais, fatores primários de diferenciação.
Procurando corresponder a este desafio, defendo que se esta-
beleça uma estratégia de introdução no ensino não superior de proje-
tos de inovação incremental, financiados e cuidadosamente geridos,
aos quais se associe, também, o lançamento e estímulo à criação de
projetos de inovação disruptiva. Para que estes projetos possam ter
sucesso, é minha convicção que deverão assumir a forma de projetos
de investigação-ação e de investigação projetiva (design-based resear-
ch), os mais adequados a atividades de reflexão na ação e sobre a ação,
projetos esses que deverão ser conduzidos por equipes mistas de pro-
fessores das escolas e investigadores académicos coletivamente empe-
nhadas na produção de investigação de bom nível internacional.

26
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28
2

História das práticas de avaliação


de alunos e professores no Brasil

DENICE BÁRBARA C ATANI


Universidade de São Paulo

Resumo: A história das práticas de avaliação de professores e alunos


no Brasil é uma área que carece de mais estudos. Para além das
afirmações mais gerais acerca da organização e implementação dos
modos de examinar os agentes escolares, precisamos fazer proli-
ferar a reconstituição histórica dos diferentes modos de proceder
relativamente à avaliação. Pretende-se aqui apresentar um quadro
que distingue do final do século XIX ao final do século XX, mo-
mentos nos quais: 1. As avaliações como verificação do aprendi-
zado ou das habilidades não exigem recursos técnicos muito com-
plexos e a sua necessidade se afirma mediante poucos argumentos
pedagógicos. 2. As avaliações assumem formas mais elaboradas e
acompanham-se de justificativas científicas (psicopedagógicas). 3.
As avaliações aparecem como questão técnica e pedagógica e com
função política de dispositivo importante na organização e melho-
ria do sistema de ensino. 4. A avaliação autonomiza-se como área
de conhecimentos no campo educacional e assume papel relevante
no quadro das políticas educativas. No exame desses diferentes mo-
mentos serão destacadas práticas aplicadas aos discentes e práticas
que buscaram examinar habilidades e competências dos docentes,
sublinhando o desenvolvimento dos saberes da inspeção escolar, no
final do século XIX, e alguns discursos críticos que identificaram
na segunda metade do século XX o caráter discriminatório das prá-
ticas de avaliação.

A escolha da questão sobre a qual se discorrerá aqui, no con-


texto das conferências que tematizam problemas e desafios educacio-
nais e avaliação, creio, que exige algumas observações preliminares.
A perspectiva adotada é histórica, a ambição é a de contribuir para
as reflexões atuais e o modo como isso poderá concretizar-se será,

29
talvez, pela apresentação de uma forma de analisar a questão e de
apropriar-se do pensamento de alguns autores para extrair consequ-
ências férteis à compreensão do problema das práticas de avaliação.
Como ponto de partida das minhas observações permito-me retomar
as palavras de A. Nóvoa e suas observações acerca do tempo presen-
te no quadro das interpretações histórico-educacionais que elaborou
no livro Evidentemente (2005). Diz-nos o autor: “Atrevi-me aqui e
ali, a rematar a reflexão com uma nota sobre o presente. Mas quero
dizer-vos que não é a história que me autoriza este devaneio e que
não busco nela qualquer forma de legitimação. Sei que, em educação,
a história não tem ´lições´ para dar. Mas tem, certamente, matéria
suficiente para nos dar que pensar”.
Caso concordemos com o autor não devemos, de fato, buscar li-
ções na história da educação mas podemos, decerto, melhor compreen-
der a partir dela a nobreza das experiências e iniciativas levadas a efeito
e dos modos de atribuir sentido às práticas e à vida escolar. E nessa
perspectiva a questão histórico-educacional da avaliação tanto enrique-
ce nosso entendimento das questões educativas e seus efeitos sobre os
sujeitos quanto nos permite compreender os processos pelos quais são
construídos conhecimentos sobre práticas pedagógicas. Desse modo é
que se entende aqui a proposição da análise histórica das práticas de
avaliação de alunos e professores no Brasil. O caminho a ser seguido
parte de uma constatação que exige ponderações. Ao afirmar, como o
faço, que a história das práticas de avaliação de professores e alunos no
Brasil é uma área que carece de mais estudos, refiro-me, em especial,
ao fato de não termos muitos trabalhos que acompanhem o desenvol-
vimento de tais práticas, desde os momentos iniciais de organização
do campo educacional, que as acompanhem na dimensão da realidade
brasileira em sua extensão e que ultrapassem o exame específico da le-
gislação, de uma ou outra prática (como, por exemplo, a dos exames e
provas objetivas) e de um estado em particular. As milhares de referên-

30
cias presentes na internet não podem, por seus limites e pela natureza
dos conhecimentos aglutinados ali, contradizer o que se está sustentan-
do. Cabe ainda observar que grande parte dos estudos existentes para o
caso brasileiro dizem respeito a períodos mais recentes e analisam com
cuidado, principalmente, dos anos 80 e 90 do século XX para cá. Há
exceções, voltaremos a elas, porém não são abundantes.
Analisar, então, a história das práticas de avaliação, tal como
estamos nos propondo, na perspectiva da organização do campo edu-
cacional nos permite diferenciar alguns momentos e serão estes os que
organizarão a exposição. A constatação feita acima indica, em parte,
como estamos entendendo essa história. Acrescentarei referências ao
entendimento do “campo educacional” a partir de P. Bourdieu (1983).
A seguir buscarei explicitar quatro momentos nos quais poderemos
identificar marcas diversas nas práticas de avaliação, simultâneas e
dependentes das mudanças nos modos de produzir os conhecimentos
pedagógicos, nas transformações de políticas educativas e nas altera-
ções mais ou menos observáveis da intervenção do Estado nas ques-
tões educativas. Para a identificação de tais momentos, leva-se em
conta informações obtidas da legislação, dos estudos já desenvolvidos
sobre temas correlatos e de fontes, até agora pouco exploradas para
a análise específica da questão da avaliação, tais como os periódicos
educacionais, os manuais de formação e as obras memorialísticas es-
critas por professores. As potencialidades de tais fontes e de outras
que permitem apreender dimensões das experiências de professores e
alunos serão igualmente assinaladas. A partir de tais referências, os
quatro momentos são os seguintes:

1. Entre a década final do século XIX e as duas primeiras décadas


do século XX reconhecem-se práticas de avaliação que, ao se
proporem a identificar o aproveitamento ou as habilidades e
alunos e professores e a afirmação de sua necessidade, se fazem
acompanhar por poucos argumentos pedagógicos.

31
2. De meados dos anos 20 do século XX a aproximadamente os
anos 50 busca-se sustentar a necessidade das avaliações com
argumentos psicopedagógicos, a questão do rendimento escolar
passa a ser mais debatida.
3. Entre os anos 60 e 80 do século XX as avaliações aparecem
como questão técnico-pedagógica e com importante função
política na organização e melhoria do sistema de ensino.
4. De meados dos anos 80 e 90 aos dias de hoje a avaliação fortalece sua
autonomia como área de conhecimentos no campo educacional e
intensifica seu papel no quadro das políticas educativas.

Ao findar-se a apresentação e análise desses momentos, pretende-


se retomar algumas questões atinentes à natureza das avaliações e sua
articulação com o desenvolvimento pessoal de alunos e professores. Tais
questões constituem os eixos organizadores da análise apresentada. Den-
tre elas destacam-se a dos sentidos e efeitos das avaliações no âmbito da
vida escolar e extraescolar e a das práticas e da produção do fracasso es-
colar, além das suposições sobre as relações entre ensino e aprendizagem
e seus efeitos demonstráveis, no quadro da educação brasileira.
1º. Momento
Para bem compreender os modos pelos quais se procedia à
avaliação no Brasil desde a última década do século XIX, cabe re-
lembrar aqui as peculiaridades dos processos regionais sob os quais
se desenvolveram sistemas de ensino estaduais após a instauração da
república e em decorrência das atribuições e da autonomia relativa
dos estados. Quer isso dizer que diversidades temporais e espaciais/
geográficas e especificidades de práticas, processos e formação são
constatáveis no caso brasileiro nesse primeiro momento. Ainda as-
sim, podemos, com base nas fontes disponíveis e mencionadas aci-
ma, apreender as linhas gerais que caracterizaram as práticas de ava-
liação nesse primeiro momento. Em tempo é necessário sublinhar,

32
aqui, uma quase evidência: o termo “avaliação” é, como se sabe, bem
mais tardio em seus usos brasileiros do que esse primeiro momen-
to. Estudos ressaltam (Sousa, S.M.Z.L., 2005; Ribeiro Netto, 1982
apud Sousa, S.M.Z.L., 1995 e outros) que na produção brasileira das
investigações sobre os procedimentos de verificação do rendimento
e das habilidades, o termo avaliação aparece até meados da década
de 70 (século XX) identificado à “medida educacional”. Sem neces-
sidade de adentrar na questão, falaremos nas práticas de avaliação
nesse primeiro período para identificar os procedimentos de exame,
verificação e observação do desempenho de alunos e de professores.
A propósito, excelente e elucidativa análise da questão do âmbito e
dos diferentes usos da avaliação em múltiplos tempos e espaços é
apresentada no livro Avaliar para aprender – fundamentos, práticas e
políticas de Domingos Fernandes (2009).
Podemos nos valer aqui de uma formulação semelhante à que
se propôs vias de acesso para o estudo de situações educativas portu-
guesas e brasileiras desenvolvido pelo projeto Estudos sócio-históri-
cos comparados sobre a escola: Portugal e Brasil (séculos XIX e XX)
nos primeiros anos da década de 2000. Tais vias de acesso – ordena-
doras do estudo – induziram à seleção de fontes e os modos de in-
terpretação integrados. Foram elas: alunos, professores, conhecimento
escolar e conhecimento pedagógico. Deixaremos aqui de nos referir aos
conhecimentos escolares específicos das diversas disciplinas, e tentare-
mos recuperar o que faziam professores e alunos, como foram avaliados
mediante um conhecimento pedagógico específico que foi construindo
proposições acerca de como verificar a excelência do desempenho.
Observe-se que, ao tomarmos como um ponto de partida a
instauração da República, não pretendemos dar a esse momento um
caráter inaugural para a história da educação brasileira. Tomamos
tal marco pela sua associação a um projeto que propugna a educa-
ção como mola propulsora do progresso. Desse modo, as práticas

33
às quais faremos alusão e os conhecimentos que, a seu propósito,
foram formulados em grande medida já vinham sendo desenvolvidos
nas escolas. O que deve ser assinalado como sinal distintivo desse
primeiro momento que aqui consideramos é, justamente, o conjun-
to de medidas, obra republicana sem dúvida, que busca organizar e
sistematizar o ensino público, laico e obrigatório, entre nós. Nesse
empreendimento a criação de uma rede de escolas para atender à
maior parte da população, as necessidades de formação de professo-
res e sua contratação, bem como as tentativas de garantir uma ação
eficiente para as mesmas imprimem novos rumos às iniciativas edu-
cacionais. A progressiva constituição do corpo de professores e sua
atuação relativamente ao trabalho, à carreira e à produção de conhe-
cimentos especializados configurarão, de modo integrado, o que se
pode chamar de “campo” educacional. Espaço de ação, produção e
circulação de saberes que se ordenará, de modo progressivo, em ins-
tituições e práticas próprias. Espaço de lutas dos agentes em torno de
capitais específicos ligados à autoridade do saber e aos poderes inves-
tidos pelo Estado para a formação dos espíritos republicanos. Com
certeza, pode-se admitir que os processos reconhecíveis, de modo
incipiente, nesse momento confirmam as teses sobre o caráter quase
mundial de implantação da “escola de massas”. Para a história da
educação importa retomar tanto esse “fio de continuidade”, de tom
universalizante, quanto a cor local das práticas dos agentes.
Se começamos por pensar nas informações contidas nas fontes
desse primeiro período constatamos que a supremacia da realização
dos exames finais, caracterizados por perguntas e respostas sob for-
mas padronizadas é a marca mais evidente das avaliações feitas. A
análise dos materiais das revistas pedagógicas destinadas à formação/
orientação dos professores ressalta isso. O próprio conhecimento que
se produz para orientar o ensino no cotidiano identifica-se, em grande
medida, à apresentação das lições modelares a serem reproduzidas pe-

34
los mestres em seu trabalho. A Revista A Eschola Pública, por exem-
plo, criada em São Paulo (1893-1897) por um grupo de professores
oriundos da Escola Normal divulga esse material: as aulas a serem re-
produzidas, tal e qual ou modificadas apenas em parte vinham muitas
vezes sob a forma de perguntas e respostas, nas quais a verificação do
aprendido se podia ir fazendo de imediato. A estrutura modelar des-
se conhecimento oferecido aos professores trazia, assim, o conteúdo
das lições organizado em sequências logicamente apreensíveis. Poucas
observações eram feitas acerca das razões pelas quais aquela ordena-
ção era preferível ou recomendada. De forma semelhante, os manu-
ais escritos para a mesma finalidade de formação/orientação mantém
essas características. Tal é o caso, por exemplo, do Compêndio de
pedagogia, assinado por Antônio Marciano da Silva Pontes (Niterói/
RJ, 1874, 1881), da Pedagogia e metodologia, assinada por Camilo
Passalaqua (São Paulo, 1887) e das Lições de pedagogia, assinadas
por Valentim Magalhães (Rio de Janeiro, 1900).
Do ponto de vista didático, a característica que viria a ser com-
batida pelo movimento escolanovista associava-se ao caráter repetiti-
vo dessa forma de aprendizado. Bem conhecemos tais práticas e suas
implicações no que tange ao lugar da memória e da memorização no
aprendizado. A ideia de reprodução correta da forma aprendida supu-
nha um caráter mecânico que vem a ser criticado. Avaliar, do ponto de
vista dos conteúdos aprendidos é, nesse caso, quase sempre perguntar.
Outras formas de avaliação viriam a se configurar, de modo lento, no
caso brasileiro, tanto pela observação dos comportamentos propugnada
pelos escritos da Psicologia que na virada do século chegam até nós,
quanto pelas transformações consequentes do conhecimento pedagó-
gico que busca, progressivamente, incorporar o saber acerca dos com-
portamentos e seu aprendizado para fazer daí decorrer a pedagogia.
O entusiasmo pelo estudo do comportamento e suas variações é, por
exemplo, o que leva à instalação dos Gabinetes de Antropometria e de

35
Psicologia, nas Escolas Normais de S. Paulo nesse momento. Buscava-
se, nesses laboratórios, avaliar os alunos em suas características físicas
e psicológicas e ensinava-se aos futuros professores como utilizar as
informações para melhor desenvolver o seu trabalho. Observe-se, no
caso, que a isso corresponde o momento no qual o campo educacional
brasileiro tende a autonomizar-se como espaço de produção de conhe-
cimentos especializados (de professores e pedagogos, mas principal-
mente dos primeiros). Até esse momento a produção especializada em
educação era antes de tudo obra de médicos, filósofos e juristas. O fato
de que os professores passem a produzir o conhecimento pedagógico
constitui marca significativa da organização de seu espaço profissional.
No Brasil, esse processo pode ser acompanhado na virada do século
XIX para o XX e constitui, sem dúvida, aspecto importante da história
da profissionalização dos professores.
A propósito da profissionalização docente, os trabalhos de A.
Nóvoa (1987) têm sido relevantes também para que se investigue o
caso brasileiro. Sobre a autonomização dos estudos educacionais, a
investigação acerca da modernidade portuguesa e a entrada da psi-
cologia no quadro das explicações pedagógicas, bem como a conse-
quente transformação das práticas escolares, tem-se importante con-
tribuição nos trabalhos de J. Ramos do Ó (2003), em especial. Para
a análise da questão que nos interessa, no primeiro período, retomo
também trabalhos feitos por mim (Catani, 1989-2005) acerca dos
professores e a organização do campo educacional. Os estudos de
caráter comparativo corroboram as aproximações entre o caso portu-
guês e brasileiro, em muitos aspectos. No que tange à autonomização
das disciplinas ligadas à educação se, de início, nesse período, tudo o
que se deve saber acerca da educação vem da Pedagogia, os anos ini-
ciais do século XX conhecem o aparecimento nas Escolas Normais
da Didática, Metodologia e Prática de Ensino, por exemplo. À Di-
dática caberiam as questões da avaliação ou da verificação da apren-

36
dizagem. Misto de técnica do questionário – há exemplos do que se
consideram boas perguntas relativamente aos exemplos de lições nas
fontes referidas – e do treinamento de um olhar arguto do professor,
a avaliação desde esse momento irá identificar-se a situações aversi-
vas, das quais a mais paradigmática será o exame, entendido como
prova final. Prova, diga-se de passagem, que durante muito tempo e
até meados da década de 50, nas escolas públicas paulistas, submetia
alunos, mas também professores à verificação. Os inspetores esco-
lares responsabilizavam-se, na maioria dos casos, pela aplicação e
supervisão dos exames.
A expansão dos saberes ligados à orientação dos professo-
res aparece na história da educação brasileira também como obra
desse período e associada às atividades dos inspetores. Serão eles
os avaliadores dos professores. A história da Inspeção Escolar bem
o evidencia. Desde 1892, com a reforma republicana em São Pau-
lo, estabelecia-se que tal atividade seria exercida por professores e
devidamente remunerados, à diferença das situações anteriores nas
quais se exigia qualificação e delegava-se aos membros da localidade
a possibilidade de atuarem como fiscais. Em diversas formas de or-
ganização sucederam-se instâncias de inspeção, desde a metade do
século XIX. Como questão técnica, a avaliação do funcionamento
das escolas e da atuação dos professores começaria a ser concretiza-
da a partir da última década do século XIX. Pelo decreto de 1892,
um Conselho Superior de Instrução acumulará diversas atribuições
relativas à organização do ensino, dentre elas a supervisão da ação
dos inspetores. A maneira pela qual esses irão atuar poderá ser co-
nhecida mediante os relatórios que tinham obrigação de elaborar e
que, em S. Paulo, passam a ser publicados pelos Anuários do Ensino
(1907 - 1937). A função de fiscalização deve-se, em tese, acrescer a
de orientação dos professores e em 1910, por exemplo, essas funções
eram descritas como “louvar, animar, aconselhar e corrigir” para que

37
os órgãos responsáveis pelo ensino pudessem ter “critério seguro para
aquilatar do trabalho, da competência profissional e da dedicação de
cada professor” com o que se poderia conseguir obter “uma fotografia
moral de cada estabelecimento de ensino”. A ideia de recompensar o
mérito e o esforço como estímulo à melhoria do desempenho nesse
momento é expressa pela criação de um Livro de Honra, eficiente
mecanismo de controle e vigilância no qual os inspetores poderiam
anotar referências ao trabalho dos mestres.
Elementos importantes que nos permitem compreender como
se dava a avaliação dos professores além dos que eram fornecidos
pelos relatórios dos inspetores podem ser encontrados na análise dos
concursos que se realizavam para contratar professores e sobre os
quais dispõe-se de alguma pesquisa histórica (ACCACIO, 2001;
MANCINI, 1999; SOUTO, 2005). Muito tempo se passa desde as
iniciativas de realização dos concursos na última década do século
XIX, em São Paulo, por exemplo, para que essa forma de recruta-
mento venha a se impor genericamente, uma vez que a mesma con-
viveu com formas de nomeação precárias, visando a atender neces-
sidades prementes (número insuficiente de formados) e intervenções
políticas capazes de fazer passar à frente professores cujas redes de
relações fossem privilegiadas. Decerto, o exame dos atributos exigi-
dos e das categorias valorizadas nas provas podem desenhar a ima-
gem da excelência a ser almejada e a presença dos atributos morais é,
nesse momento, referência mencionada com frequência. Num espaço
profissional em estado incipiente de organização, a iniciativa buro-
crática do sistema educacional constrói modos de instituir e controlar
o trabalho docente e discente. Participam dessa empreitada a atuação
dos Inspetores e dos órgãos administrativos e os próprios professores
pela produção e circulação dos conhecimentos pedagógicos que irão
propor e/ou justificar os procedimentos, inclusive os de verificação e
controle do ensino em suas diversas instâncias.

38
2º. Momento
De meados dos anos 20 aos anos 50 do século XX a realida-
de da presença da Psicologia como uma das principais ciências da
educação é incontornável. Fato que havia começado a se configurar
desde o final do século XIX e que ganha corpo com a apropriação
das proposições da Escola Nova, a presença da Psicologia na área edu-
cacional transforma também os modos de avaliar professores e alu-
nos. E a própria estrutura dos discursos presentes nos textos da área
evidencia essa articulação de maneira bastante peculiar: justificam-se
mediante as explicações científicas as recomendações pedagógicas e/
ou fazem-se as recomendações como deduções dessas explicações, o
que vem a se constituir um traço frequente nas produções da área e
que, pode ser discutido, do ponto de vista da própria lógica da aplica-
ção. Além da transformação da natureza das proposições educacionais
com o escolanovismo, outro fato a ser assinalado, em íntima conexão
com este, diz respeito à criação do Instituto Nacional de Pesquisas
Educacionais e de Centros Regionais de Pesquisa, cuja atuação em
alguns estados do país visava ao desenvolvimento de estudos e pes-
quisas que subsidiassem as políticas educacionais. Tal iniciativa mar-
ca o quadro de incremento dos estudos educacionais, notadamente na
área da Sociologia e Psicologia.
Aliás, do ponto de vista político importa assinalar que o perío-
do representado pelo Estado Novo (1937-1945) conhece forte centra-
lização e progressivas ações visando a instaurar novas formas de racio-
nalização, modernidade e eficiência na vida social. Nesse contexto, a
educação passou a ser posta a serviço da renovação e da reconstrução
nacional e a preparação de professores passou a ser vista como uma
questão de formação moral e técnica. Durante os anos 20, significa-
tivos movimentos foram feitos para organizar o espaço da produção e
circulação de conhecimentos pedagógicos – a instância científica do
campo educacional. Isso se evidencia pela proliferação de publicações

39
especializadas (revistas e manuais) e pela criação da Associação Bra-
sileira de Educação que viria a organizar as Conferências Nacionais
nas quais o debate dirigia-se para grandes questões como o analfabe-
tismo e para questões técnicas acerca dos métodos e procedimentos.
Nesse quadro uma iniciativa paradigmática no que tange à avaliação
dos alunos é representada pelos Testes ABC formulados por Lourenço
Filho (educador que atuou intensamente na área entre os anos 20 e
50) como instrumentos para a verificação da maturidade necessária à
aprendizagem da leitura e da escrita em 1928. Apoiado nas proposi-
ções da moderna Psicologia e na esteira dos testes de Binet e Simon, o
autor propõe os testes mediante os quais se poderia comprovar a idade
mental e as aptidões para a escolarização. A medida permitiria igual-
mente constituir classes homogêneas, de maneira a elevar o nível de
aproveitamento do trabalho docente e discente e maximizar o rendi-
mento. A consideração das condições econômicas e sociais concretas
nas quais as crianças viviam e eram escolarizadas progressivamente
impõem uma perspectiva sociológica às análises. Tal perspectiva se
fortalece nesse segundo período e ganhará ainda maior expressão pela
ação dos Centros Regionais de Pesquisa Educacional, a partir dos
anos 50 (LUGLI, 2002). Ainda assim, é bom que se adiante, o fato
não chega a impedir o florescimento do tecnicismo nos anos 60.
No quadro desse segundo momento a escola que vinha sendo
estruturada para formar para o trabalho e o desenvolvimento nacio-
nal é uma expressão da modernização (evidenciada pelos processos
de urbanização, industrialização e democratização) num ritmo que
irá atingir seu ponto mais significativo nos anos 50. O exame dos
periódicos educacionais, por exemplo em 1930, no entanto, mostra a
permanência pela década de trinta de um “discurso didático” – des-
tinado a auxiliar os professores – e de um “discurso da inspeção” –
destinado a controlar o seu trabalho, que formula muitas prescrições
cuja base não se explicita em termos da Psicologia ou de outra área

40
científica, mas de uma experiência e de bom senso. Ainda figuram
lições modelares e são fornecidos exemplos de provas ideais (pergun-
tas, na maioria dos casos, mas também exercícios de outras formas
como “completar”). Há comentários sobre exames e recomendações
sobre sua realização, além de se discutir a prática das arguições. Ob-
serva-se o cuidado em propor que as perguntas dos professores sejam
substituídas, tanto quanto possível, pelas dos alunos e sugestões so-
bre como o professor deve conduzir as arguições. Essas característi-
cas prescritivas da orientação do trabalho docente permaneceriam,
aliás, até recentemente.
A pesquisa educacional brasileira ganha expressão com a cria-
ção do INEP em 1937, pois embora a idéia de constituir um órgão de
investigação já datasse do Império, somente em 1890 criou-se algo
congênere – o Pedagogium, que sobreviveu até 1919. A criação do
INEP foi assim um ponto de inflexão nessa trajetória – voltado para
a elaboração do conhecimento educacional capaz de orientar a ação
política. A decorrente constituição da RBEP (Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos) permite fazer circular nacionalmente os no-
vos conhecimentos educacionais. Uma informação quantitativa pode
auxiliar a que se compreenda o quadro dos estudos educacionais no
país: um estudo do período de 1923 a 1956 foram localizados 640
pesquisas, das quais 47,6% ligavam-se à Psicologia e destas 32,6%
voltavam-se para testes e medidas (de inteligência e personalidade,
por exemplo) e 15% para a Psicologia Educacional (Orlandi, 1969,
apud Sousa, S.M.Z., 1995). A influência faz-se perceber no domínio
da avaliação pelo desenvolvimento dos testes e medidas educacionais,
dos quais os Testes ABC de Lourenço Filho constituem um exemplo.
No que tange às principais referências, os teóricos norte-americanos
marcam forte presença. Talvez a marca mais forte dessa presença nas
proposições educacionais brasileiras possa ser localizada nos discur-
sos que defendem a neutralidade, a objetividade e a quantificação da

41
avaliação. Ainda que a atuação dos Centros Regionais de Pesquisa
Educacional como desdobramentos do INEP comecem a atuar (1956)
nas diversas regiões e no CRPE de São Paulo as pesquisas tenham
tido forte ênfase na Sociologia, a incorporação da dimensão social na
produção dos estudos sobre avaliação ainda tarda. Os CRPEs desti-
navam-se a “promover pesquisas das condições culturais e escolares e
das tendências de desenvolvimento de cada região e da sociedade bra-
sileira como um todo, para o efeito de conseguir-se a elaboração gra-
dual de uma política educacional para o país” (Gouveia, apud Sousa,
1995). Beneficia-se com essa dimensão sociológica o conhecimento
da escola, mas as questões específicas de aprendizagem e da avaliação,
como se sublinhou, demoram para incorporar esse ganho.
3º. Momento
Durante os anos 60 e 70 sustenta-se que os estudos educacio-
nais prosseguiram ainda marcados por uma forte tônica psicopeda-
gógica (fala-se, a propósito, de uma hipertrofia do psicopedagógico)
na pesquisa (MACHADO, 2004). Mas entre 60 e 80 outras mu-
danças significativas podem ser vistas, de vez que os anos da ditadura
(60 e 70) conhecem principalmente estudos de natureza econômica
que concebem a educação como investimento e acentuam teses liga-
das à formação de recursos humanos, bem como denúncias da inca-
pacidade do sistema de formar para o mercado de trabalho. Grande
parte dos estudos caminha em direção à tecnologia educacional e à
racionalização empresarial e empenham-se em propor a mudança
na área via tecnologia. O êxito do planejamento e das suas teorias
no setor educacional é visível também quando se examinam os livros
de formação de professores e as propostas do “discurso didático”
presentes também nas revistas de ensino. A responsabilização da
escola pelo insucesso dos alunos e pela sua ineficácia na preparação
da força de trabalho estimula pesquisas que se detém sobre questões
técnicas de como ensinar, como planejar e logo como avaliar. Na

42
década de 70, o próprio INEP recomenda como tema prioritário
para os estudos “a eficiência interna no processo de ensino-aprendi-
zagem”. A preferência se repete também com números expressivos
nos temas de pesquisas apresentados em encontros científicos e nos
usos dos testes em educação.
Em livros para formação de professores da década de 70 (livros
escritos por educadores brasileiros como O processo didático, de Ire-
ne Mello Carvalho, cuja primeira edição é de 1972, e Planejamento
de Ensino e Avaliação, de C. Turra e outros, editado pela primeira
vez em 1974), reservam-se os últimos capítulos para “o problema da
avaliação” e discutem-se atributos das boas medidas educacionais,
familiarizando os professores (ou futuros) com as questões da preci-
são, validade e objetividade. Além disso, apresentam-se modalidades
de avaliação discutindo sua adequação às diversas disciplinas e às
condições de ensino. As consagradas formas de exame oral, arguição
didática, prova dissertativa, prova objetiva, prova didática e “criati-
va” (com consulta de fontes). Para além dessas questões procura-se
mostrar a inter-relação entre os resultados dos alunos e a avaliação
dos professores. O termo “fracasso escolar” aparece nessas obras –
termo cujo uso viria a se consagrar entre nós para designar um dos
principais dramas da escola brasileira.
Para além disso, a escola vista como instituição a ser racio-
nalizada exige controle e hierarquização do trabalho docente. Os
professores conhecem, então, uma maior burocratização de tarefas
e planejamento externo e centralizado de suas formas de trabalho.
Práticas de padronização de materiais, programas e conteúdos proli-
feram nesse momento. A ressonância das ideias de Tyler impregnam
a nossa década de 70 – seu conhecido livro Princípios básicos de currí-
culo e instrução, datado de 1949, foi produzido em 1974 – via outros
autores que escrevem sobre o tema como H. Taba e R. Fleming. As
tendências se espalharam antes mesmo da produção. Centrais nesse

43
momento são, assim, o planejamento e a avaliação por objetivos. B.
Bloom destaca-se nesse cenário. Mas, decerto, nesse caso como nou-
tros, a “operação de tradução” das proposições desses autores para as
práticas dos professores é feita por técnicos, funcionários ou professores
universitários que, ao operarem a seleção necessária à viabilidade da
difusão desses conhecimentos para os professores, condicionam tam-
bém as apropriações do pensamento dos autores. Será, ainda, sobre tal
apropriação que as práticas cotidianas irão se erigir. Há poucos estu-
dos, entre nós, acerca desses processos de transmissão e tradução dos
conhecimentos que informam a construção das práticas pedagógicas.
Desse modo, a questão de saber efetivamente, para além das fontes
disponíveis e mencionadas, os modos de concretização das traduções
a apropriações no campo educacional exigiria uma nova investida dos
estudos sobre as experiências dos agentes. Cabe lembrar, de passagem,
que no início da década de 80, ao se observar a forma pela qual os
professores lidavam com a questão do planejamento constatava-se que
em grande parte o percebiam como uma exigência burocrática pouco
útil, de maneira que “operacionalizar objetivos” muitas vezes se reduzia
a buscar “verbos” que podiam e não podiam ser utilizados. Talvez, a
incorporação dos procedimentos de estabelecer passos ou frações de
comportamentos a serem alcançados de modo a poder medir, controlar
e avaliar, nesse sentido tenha se concretizado mais a partir dos livros
didáticos utilizados do que a partir do ensino traduzido em práticas
criadas pelos próprios professores. Os manuais de planejamento de en-
sino apresentam grande variedade de técnicas de avaliação e explicam-
nas em seus aspectos operacionais e procuram oferecer aos professores
os meios para o desenvolvimento de uma avaliação eficiente. A maneira
pela qual as técnicas foram (ou não) reproduzidas é questão a ser recu-
perada pela história das práticas de avaliação.
No que tange à avaliação dos professores, nesse terceiro mo-
mento ocorrem transformações na distribuição das formas de orien-

44
tação e controle do trabalho pedagógico no que respeita à criação
das funções de supervisores escolares que, ao substituírem os antigos
inspetores, concentram suas tarefas no funcionamento global da es-
cola, sendo que a orientação propriamente dita passa a ser exercida
por coordenadores pedagógicos existentes em cada unidade escolar.
A avaliação direta dos professores, nesse momento, tende a ser pouco
desenvolvida, mas o controle se exerce justamente pela previsão e pla-
nejamento feitos por especialistas dos órgãos burocráticos. Ao se aden-
trar à década de 80, a primeira parte dela será marcada pela denúncia
das dimensões ideológicas da escola – o movimento social de exigência
de redemocratização do país coincide com grandes preocupações com
a educação das classes populares. As críticas de P. Bourdieu, Baudelot
e Establet conduzem a uma maior atenção para com as implicações da
ação educativa e seus comprometimentos político e econômico. Estudos
acerca a apropriação do pensamento de Bourdieu no Brasil evidencia-
ram ter sido esta marcada por leituras parciais que acentuaram apenas
a afirmação da crítica à reprodução, deixando de lado os aspectos mais
originais e férteis da sua análise da escola, inclusive acerca da questão
dos exames e das categorias criadas pelos professores para suas avalia-
ções acerca dos alunos. Voltaremos a este ponto.
Pode-se dizer que na década de 80 uma nova atenção para
com a realidade interna da escola se desenvolve, agora empenhada
em compreender suas especificidades. Sousa (1995) afirma que se
busca na pesquisa educacional nesse momento conhecer as regras,
relações rituais, silêncios, princípios e práticas que expressam rela-
ções de dominação nos que contém possibilidades de emancipação.
Tais conhecimentos deveriam permitir a intervenção na vida escolar
de modo a favorecer uma educação realmente transformadora. Ao
final da década de 1980, M. Helena S. Patto desenvolveu um estu-
do que seria um divisor de águas com relação à questão do fracasso
escolar. Integram o seu trabalho a análise histórica do problema, um

45
exame das principais características do conhecimento pedagógico
no Brasil, a presença da Psicologia e uma discussão teórica sobre o
sentido do fracasso, das reprovações e da avaliação. Tais elementos
são mobilizados – no seu livro que se intitula A produção do fracas-
so escolar – para sustentar a análise da questão na situação de uma
escola pública de São Paulo onde sua investigação buscou conhecer
a voz dos agentes: professores, alunos e família. Trata-se de estudo
no qual permaneceu na situação escolar investigada e pode assim
analisar a produção do fenômeno “fracasso”, em perspectiva que
conciliou a vertente histórica, sociológica e psicológica. A autora
dedica minuciosa e densa atenção aos mecanismos, práticas e per-
cepções que convivem na vida escolar e familiar e cercam a questão
dos resultados da aprendizagem. A partir do seu trabalho o termo
“fracasso” escolar adentra a literatura pedagógica brasileira para ex-
primir um drama particularmente intenso que diz respeito ao de-
sempenho escolar das camadas populares. Lentamente aparecerão
na década de 1990 outros estudos, inclusive os que se empenharam
em compreender o êxito em condições sócio-econômicas e escola-
res adversas, como nos estudos de Bernard Lahire (2004). Ainda
com as novas contribuições acerca do problema considera-se que,
durante muito tempo na década de 1980 convivem, com as novas
perspectivas de pesquisa, as práticas de avaliação que tentam, antes
do mais, verificar com eficiência o aprendizado, verificar uma ver-
tente tecnicista.
4º. Momento
Relativamente ao conhecimento produzido sobre a avalia-
ção de alunos e professores pode-se, então, considerar que o final
da década de 80 conhece o início efetivo do combate ao discur-
so tecnicista e a ênfase dos estudos desloca-se para a tentativa de
compreender como se produzem as avaliações e julgamentos esco-
lares. Prenuncia-se, a partir da década de 90, a busca de elementos

46
para superar as práticas da tradição tecnicista, embora a literatura
predominante como referência seja norte-americana e se saiba que
estes valorizam a dimensão tecnológica da avaliação. Mas, progres-
sivamente vemos aparecer esforços para explicitar relações entre as
práticas cotidianas da escola e os projetos político-sociais de modo
a favorecer a construção de novos modos de ação pelos professores.
Nesse sentido observa-se o empenho em buscar uma concepção de
avaliação como reflexão sobre a ação e a proposição de maneiras
alternativas de concretizar e viver a avaliação de modo a estimular
o aprendizado e as relações com os conhecimentos e sua produção.
Além disso, passasse a pensar a avaliação da escola como um todo,
em suas várias dimensões e âmbitos de atividade, embora ainda não
se leve a efeito, integralmente, tal propósito.

Reconhece-se, no entanto, que a avaliação situa-se como di-


mensão intrínseca do processo pedagógico e, portanto, refe-
rida a um dado projeto educacional e social e que deve ga-
nhar sentido como um processo de busca de compreensão da
realidade escolar com o fim de subsidiar decisões quanto ao
direcionamento das intervenções (Sousa, 1995).

Bastante complexo o quadro das tendências e práticas de ava-


liação desde os anos 90 no Brasil inclui a proliferação de discipli-
nas específicas sobre o tema em cursos de formação de professores
e constitui uma área de estudos com maior autonomia: institui-
ções, especialistas, publicações periódicas, congressos e iniciativas
congêneres evidenciam essa autonomia crescente. Por outro lado,
complexificaram-se também as instâncias da avaliação educacional:
ganharam força a avaliação de projetos e programas educacionais e
conciliou-se a avaliação do rendimento escolar à avaliação dos siste-
mas educacionais. E teóricos acentuam a necessidade de constituir

47
estudos conceituais e empíricos sobre a própria avaliação, estudos
que denominam de meta-avaliação. Quanto às práticas de avaliação
de alunos, ou avaliação do aprendizado, os últimos anos conhecem
também uma diversidade grande de propostas e as diferentes redes
escolares tentam constituir estratégias de avaliação, tendo em conta
as especificidades locais e buscando integrar esses procedimentos à
lógica dos projetos político-pedagógicos específicos. Exemplos po-
dem ser vistos em fichas criadas pelas redes municipais, as quais os
professores devem preencher no intuito de diagnosticar a situação
de aprendizagem e os avanços dos alunos. Nessas, a grande ques-
tão continua sendo a das categorias utilizadas e a do entendimento
acerca da produção dessas mesmas categorias por parte dos seus uti-
lizadores. Remeter a consideração dos valores a categorias que in-
cluem comportamentos sociais, afetivo-emocionais e cognitivos que,
ao serem privilegiados sob a forma de categorias (atributos) a serem
observados repõe dificuldades semelhantes às que Bourdieu apon-
tava no estudo Os herdeiros – os estudantes e a cultura (1985). Nessa
obra, cuja leitura foi pouquíssimo valorizada no Brasil, o problema
das relações com o conhecimento e das categorias ordenadoras do
que é privilegiado na avaliação é exemplificado por estudo empírico
(de situação do ensino superior) muito rico cuja análise dá indica-
dores para a construção de uma “pedagogia racional”. Valendo para
mais do que o nível universitário, suas considerações permitem pen-
sar avaliações mais justas e processos de ensino-aprendizagem mais
fecundos. No cerne dessa questão os problemas expostos, de forma
exemplar, em seu texto “As categorias do juízo professoral” (1975) e
noutros trabalhos que aguardam uma leitura atenta à moda da que
destinamos aos clássicos: conseguiremos sempre compreender mais
a cada nova incursão.
Sem que nos alonguemos mais, algumas palavras ainda são
necessárias a propósito de imensa variedade e complexidade assu-

48
midas pela avaliação no campo educacional brasileiro, nos últimos
anos, num contexto e com características tais que impõem atenta
vigilância sobre os usos que se fazem dos resultados dessas inúme-
ras práticas. A propósito de avaliação de sistemas que vem sendo
implantada no país tem se alertado para o impacto das mesmas na
lógica da gestão das políticas públicas e seus reflexos sobre as rela-
ções e processos de trabalho. Dentre as iniciativas de âmbito federal
estão o Sistema Nacional de Educação Básica (SAEB) que inclui a
Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e Avaliação Na-
cional do Rendimento Escolar (ANERESC). A primeira realiza-se
por amostragem em cada unidade da federação e a segunda, tam-
bém chamada Prova Brasil tem foco nas unidades escolares. Além do
SAEB figuram no âmbito federal o Exame Nacional do Ensino Mé-
dio (ENEM) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Supe-
rior (SINAES). Tal conjunto completa-se por iniciativas de avaliação
em nível estadual que em 2007 existiam em 14 estados, dos quais 12
incidiam sobre o desempenho dos alunos em provas padronizadas.
Sousa e Lopes (2010), em texto no qual acenam desde o título para
as dificuldades de se superar a questão das desigualdades, tal como
vividas no campo educacional – “Avaliação nas políticas educacionais
atuais reitera desigualdades” – afirmam:

Nas avaliações destacam-se a ênfase nos resultados; a atribui-


ção de mérito a alunos, instituições, redes; predomínio de da-
dos quantitativos etc. Os resultados são divulgados pela mídia
em forma de ranking, reforçando-se assim o papel da avalia-
ção no gerenciamento das políticas educacionais (p.55).

Poderíamos encerrar, laconicamente, diante das constatações


não muito otimistas que retomamos aqui, ao final, mas devo dizer
que, como Domingos Fernandes (2009), considero nosso dever ur-

49
gente encontrar modalidades e práticas, teorias e modos de ação jus-
tos para praticar a avaliação com vistas a melhorar a educação. E
ao nos darmos conta da possibilidade, ainda uma vez, de reinventar
práticas e processos que permitam enfrentar a questão das desigual-
dades e da democratização, gostaria de retomar algumas palavras
com as quais uma colega e eu encerramos um pequeno livro sobre
avaliação (CATANI e GALLEGO, 2009). Com o subtítulo: “Re-
conhecimento sem o qual todas são inúteis...” o item final do nosso
texto retoma uma ideia de A. M. Chartier sobre o ofício docente.

O ofício de instruir e então a gestão permanente de grupos heterogê-


neos, desses grupos nos quais é preciso tornar suportável o escândalo
recorrente de uma injusta: porque alguns sabem fazer em alguns mi-
nutos e quase sem esforço o que outros só conseguem dominar à custa
de um trabalho interminável. Não é espantoso que essa questão tenha
se tornado tão urgente numa sociedade na qual a rentabilidade das
escolas é espontaneamente pensada sobre o modelo industrial, mesmo
se se concorda que os alunos não são exatamente matérias-primas a
serem transformadas e com relação aos quais se poderia comparar bem
precisamente o valor acrescentado pela escolarização com os custos da
produção. Mesmo se o tempo da formação for o do dinheiro, se ins-
truir é sempre um ´ofício´ é porque não se consegue fazer a revolução
industrial na vida escolar. Ainda que as tecnologias mais sofisticadas
tenham entrado nas classes, elas apenas instrumentos entre outros
(computadores ao lado de lápis, vídeo ao lado de cadernos) para con-
duzir um trabalho cuja natureza continua prodigiosamente artesanal
e estável na longa duração, mesmo que se modifiquem suas missões
políticas e suas funções sociais. (CHARTIER, 1990).

50
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VIANNA, Heraldo M. Avaliação do Rendimento Escolar e a Inte-


ração Professor / Aluno. Estudos em Avaliação Educacional (Fundação
Carlos Chagas), n. 7, 1993, p. 89-94.

VIANNA, Heraldo M. Avaliação Educacional: uma perspectiva


histórica. Estudos em Avaliação Educacional (Fundação Carlos Cha-
gas), n. 12, 1995, p. 7 – 24.

52
3

Percursos Escolares e avaliação


numa escola inclusiva

JORGE PINTO
Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Setúbal

Resumo: No início deste século XXI, Portugal, bem como outros


países da OCDE, assume de forma mais consistente uma perspecti-
va de escola inclusiva, isto é, uma escola que garanta ao maior núme-
ro de alunos possível condições para estar na escola e para concreti-
zar as suas aprendizagens, de modo a garantir a conclusão dos nove
anos de escolaridade obrigatória. Contudo, ao assumir esta pers-
pectiva, a escola debate-se com um conjunto de “novos” problemas
entre os quais a necessidade de lidar com públicos com uma grande
diversidade escolar, social e cultural. Ora, numa instituição onde
a normalização é a regra, tem que se repensar para poder oferecer
condições que garantam possibilidades de concretização adequada
dos percursos escolares dos seus alunos. Assim, há que pensar a es-
cola a vários níveis, desde o organizacional até ao pedagógico, sem
deixar que este último fique à porta da sala de aula. Nesta perspec-
tiva, perceber de que modo a avaliação pode ser um instrumento de
ajuda e apoio à aprendizagem é uma tarefa inevitável para assegurar
uma escola mais inclusiva. Neste artigo, apresenta-se também uma
experiência em curso que é um pretexto para uma reflexão sobre a
aplicação de alguns dos aspetos referidos em “situação”.

Introdução
Um dos objetivos mais importantes assumidos na reunião da
Unesco em 1990, de onde saiu a Declaração de Jomtien (1990), foi
o assumir a garantia do acesso universal da educação para todos. A
concretização deste desígnio era acompanhada pela explicitação do
cuidado a ter com as questões da equidade no acesso à escola e com a
erradicação dos processos de discriminação e de exclusão da própria
escola. Ao longo da década de 90 e nos primeiros anos deste século

53
perseguiu-se este objetivo, através de inúmeras iniciativas, com me-
lhores ou piores concretizações nos diversos países subscritores. Em
2008, a Unesco reafirma a importância da construção de uma escola
para todos falando então da necessidade de construção de uma escola
inclusiva. Nesta ideia inclui-se o reforço da educação como suporte
para o desenvolvimento sustentável, bem como para a aprendizagem
ao longo da vida, reafirmando a necessidade de igualdade no acesso
de todas as pessoas à aprendizagem.
Esta perspectiva traz às escolas novos desafios e novas mis-
sões, que implicam uma reestruturação das culturas, das políticas e
das práticas pedagógicas, de modo a responderem à diversidade dos
seus públicos (Ainscow & Miles, 2008). Ora, uma das transforma-
ções que se exige às políticas educativas e às escolas na construção de
uma maior equidade relativamente às aprendizagens bem sucedidas
é uma mudança profunda nas práticas avaliativas (Field, Kuczera &
Pont, 2007). Nesta perspectiva, é necessário reforçar ou dar corpo
aos normativos que regulamentam a avaliação, salientando a impor-
tância da avaliação formativa em detrimento do papel preponderante
de uma avaliação somativa orientada para funções administrativas
que se repercutem apenas na passagem ou retenção dos estudantes.
Todavia, esta mudança de perspectiva é bastante complexa
pois, se por um lado, se fala de uma escola capaz de ajudar a aprender
todos os estudantes, por outro, há logo quem questione a necessidade
da escola apenas se ocupar dos melhores, daqueles que se esforçam,
que têm boas notas, que têm mérito. Mas esta cultura meritocrática
nada nos diz sobre o que fazer com aqueles que apesar do seu esforço
continuam com dificuldades nas suas aprendizagens e necessitam de
apoio e ajuda para aprender e saírem do ciclo falacioso do insucesso.
Associar o mérito de forma linear à obtenção de bons resultados de
aprendizagem, para além de ser um embuste, não ajuda a repensar
como é que a escola pode ajudar os estudantes que trabalham e se

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esforçam, mas não obtêm os resultados desejados.
As causas para esta situação podem ser diversas (Bettencourt
& Pinto, 2009), mas podemos afirmar hoje que apesar dos estudan-
tes e das suas singularidades ou características pessoais são as formas
de trabalhar na escola com os estudantes que fazem a diferença, pois
o insucesso não se deve fundamentalmente às características pesso-
ais dos estudantes, mas a uma construção do julgamento que deles
se faz, com base numa leitura normativa dos currículos a cumprir
e finalmente pela ausência de práticas de diferenciação pedagógica
(Perrenoud, 1992). Assim, não basta afirmar a escola como inclusiva,
é necessário torná-la capaz de apoiar e ajudar os estudantes no tempo
em que nela permanecem e trabalham, isto é, cuidar do percurso dos
estudantes. Tal implica uma necessária reorganização aos diversos
níveis do funcionamento da escola, desde a sua gestão, passando pela
organização pedagógica e culminando nas práticas de sala de aula.
Este esforço conjunto e articulado não surge de forma espontânea,
nem apenas da boa vontade de uns tantos professores. Decorre antes
de um projeto educativo de escola assumido e que envolve todos os
que aí trabalham.
Este artigo procura contribuir para o debate em torno da cons-
trução de uma escola pública preocupada em cuidar do percurso dos
seus estudantes, e discutir até que ponto a avaliação formativa pode
ser uma via interessante de diferenciação pedagógica, de apoio às
dificuldades dos estudantes, capaz de lhes dar voz nos seus percursos
escolares. Assim, organizamos o texto em três partes: (i) A escola e
as suas novas missões, onde procuramos discutir os problemas que
hoje se colocam à escola no combate ao insucesso e abandono escola-
res e possíveis necessidades de reorganização; (ii) A avaliação como
uma estratégia para a aprendizagem e a participação de todos, onde
discutimos as vantagens e as dificuldades de tais procedimentos; (iii)
Um caso em estudo, onde procuramos, através de um caso, mostrar

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como é possível caminhar neste sentido, embora com avanços e recu-
os; e (iv) finalmente e de forma muito breve tecer algumas considera-
ções finais e colocar novas perspectivas de trabalho.
A Escola e as suas novas missões
Um dos grandes desafios da Escola de hoje é combater o in-
sucesso escolar dos estudantes e evitar os abandonos. É nesta pers-
pectiva que se têm vindo a dar passos significativos no sentido de
garantir o acesso a todos os estudantes, através de mecanismos que
permitam assegurar que as condições sociais e econômicas não sejam
um obstáculo ao ingresso na escola, nem às aprendizagens escolares
(Bourdieu & Passeron, 1970). Vemos mesmo que muitas escolas têm
dado diversas respostas educativas para diferentes estudantes, tais
como e só para citar alguns, os currículos alternativos ou os cur-
sos de Educação/Formação. Apesar destas respostas de acesso dife-
renciadas serem reconhecidas, não são suficientes, por si só, para a
construção de uma escola inclusiva que garanta o sucesso educativo
a todos os estudantes.
Apesar do desejo desta missão ser assumida de forma gene-
ralizada pelas nossas escolas o fato é que tal ainda não se verifica.
Pode mesmo afirmar-se que, de um modo geral, as escolas ainda
não conseguem garantir que a maior parte dos estudantes progri-
dam em termos de aprendizagem de uma forma regular. Se tomar-
mos como referência a base de dados do Ministério da Educação
(MISI 2008/2009) referente à situação dos estudantes no final do
1º período do ano letivo de 2008/2009, podemos dizer que 10% dos
estudantes a frequentar o 5.º ano de escolaridade reprovaram já pelo
menos dois anos e que esta percentagem no 7.º ano sobe para 19%.
Não é difícil perceber que, perante o acumular de situações repetidas
de insucesso, o abandono torna-se muitas vezes uma saída possível
para os estudantes a quem a escola já não interessa, pois não é capaz
de ajudá-los, para os pais, com baixas expectativas relativamente à

56
escolaridade dos seus filhos, pois estes podem, eventualmente, tentar
entrar no mercado de trabalho e talvez mesmo, para a própria escola
que assim se vê livre de alguns estudantes que nada querem fazer
ou que perturbam o normal funcionamento das aulas (Bettencourt,
Pinto, Guimarães & Caeiro, 2009).
Na situação de igualdade de oportunidades no acesso, a sele-
ção e a exclusão deixaram de ser essencialmente sociais para passar
a ser escolar, isto é, para estar intimamente ligada à organização da
escola (Dubet, 2003) e, muito particularmente, aos processos de tra-
balho na sala de aula (Perrenoud, 1992)
Passou-se do reconhecimento do insucesso como consequência
de causas exteriores à escola, e portanto mais visível, a um insucesso
gerado em grande parte quotidianamente dentro da escola, e portan-
to mais difícil de entender (Bettencourt et al, 2009). Estamos pois
hoje perante uma situação muito mais difusa que gera um grande
desconforto social, criando um clima de disponibilidade para lutar
por uma escola de sucesso. Contudo, como Meirieu (s/d) refere, to-
dos querem lutar contra esta situação, mas nem todos o querem fazer
da mesma maneira. Ora estas diferentes formas de agir estão muito
articuladas com o modo como se explica o insucesso.
Não cabe neste artigo, teorizar de forma detalhada as diversas
teorias explicativas do insucesso, mas pela sua história, força que têm
no contexto escolar e ainda pelo modo como influenciam as práticas
na sala de aula referimos as seguintes teorias: as que se prendem com
a ideia de deficit, deficiência ou incapacidade do estudante para o que
a escola lhe exige; as que interligam com a ideia de deficit sociocul-
tural, em que o ambiente social, familiar e ou cultural não promo-
vem o desenvolvimento necessário para que o estudante se adeque às
exigências da escola e, por último, as teorias que se prendem com o
funcionamento da própria escola em que esta é também vista como
um contexto que pode potencializar ou minimizar os problemas e ou

57
as características singulares de cada estudante (Bettencourt & Pin-
to, 2009). Se as duas primeiras explicações colocam o problema das
dificuldades/insucesso fora da escola, a terceira, ao contextualizá-la,
permite cria a emergência de procura de explicações diversificadas,
embora seja a que menos caminho tem feito, pois tem sido sempre
mais fácil colocar as causas das dificuldades do estudante em causas
externas, do que no contexto das práticas escolares. (Pinto, 2002).
O problema do apoio aos percursos escolares tem de ser abor-
dado de acordo com a complexidade da situação. Nesta perspecti-
va, se não podemos negar em absoluto que as variáveis pessoais ou
sociais podem contribuir para um percurso escolar mais ou menos
frutuoso, não podemos deixar de fato de salientar o grande impacto
que a escola e a sua organização têm nesta matéria.
Como refere Ainscow (2000), a construção de uma escola in-
clusiva implica a presença de três fatores que devem funcionar de
uma forma integrada (fig.1)

Figura 1. Condições para uma escola inclusiva

Naturalmente que a acessibilidade à escola de todos os es-


tudantes com as suas singularidades é fundamental mas, por isso
mesmo, é igualmente necessário criar condições efetivas para que os
estudantes participem ativamente na vida da escola, se sintam inte-
grados e bem-vindos e que exista uma preocupação da escola pelas
suas aprendizagens. Este lugar de maior centralidade dos estudantes

58
enquanto aprendentes implica novos desafios a toda a organização e
funcionamento pedagógico. Assim, é necessário que, num primeiro
nível, os órgãos de direção da escola assumam esta missão (Betten-
court et al., 2009). Todo este trabalho é necessário ser desenvolvido
de forma antecipada em relação ao início de um novo ano letivo.
A definição de orientações para a construção das turmas, para
a construção das equipes de docentes que são alocadas a cada uma
das turmas, a definição dos ritmos de trabalho diário para os estu-
dantes e docentes, o papel dos diretores de turma como gestores dos
conselhos de turma, a afetação de condições, bem como as políticas
de avaliação e de relação com a comunidade são elementos chave que
se repercutem de forma muito direta em toda a organização no se-
gundo nível de funcionamento da escola, a organização pedagógica.
O modo como os conselhos de turma se organizam e constroem os
projetos curriculares de turma, as responsabilidades coletivas que as-
sumem enquanto grupo de trabalho, como se articulam com os gru-
pos disciplinares, como definem as regras de funcionamento; como
aproveitam e usam as áreas curriculares não disciplinares, como cada
conselho define os critérios e as modalidades de avaliação, os apoios
às dificuldades são alguns dos aspetos centrais, que por sua vez têm
fortes implicações, ao nível da sala de aula, na relação direta com
os estudantes e a sua aprendizagem. É aqui neste contexto que se
constroem contextos de trabalho desafiantes, mas sustentados, esti-
mulantes da aprendizagem e portanto menos discriminatórios sem
negar a possibilidade da existência de outros mais orientados para
reprodução de saberes, onde normalmente existe uma maior diferen-
ciação entre os que sabem ou não.
Percebe-se, de fato, como existe uma forte interligação de todos
estes espaços de ação, bem como as suas interdependências (Betten-
cout & Pinto, 2009). Pode afirmar-se que o problema não está só na
sala de aula, nem apenas na organização e gestão, mas nesta teia com-

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plexa de ações (des)concertadas que é preciso entender estudando-a
“em situação” (Pinto et al., 2009). Só desta forma a escola pode asse-
gurar, de fato, a sua missão de proporcionar a todos os estudantes um
percurso escolar de qualidade, consubstanciado não tanto nos resul-
tados escolares concretos, mas naquilo que os seus docentes fizeram
para que todos os estudantes aprendessem. (Perrenoud, 2001) .
A avaliação como uma estratégia para
a aprendizagem e participação de todos
Uma das constatações que os resultados apresentados anterior-
mente mostram é ainda o excesso do recurso às retenções como medida
para resolver o problema do insucesso escolar. De, a avaliação/exame/
fichas, tal como ainda hoje é usada de forma frequente nas nossas escolas,
tem sido um instrumento de sustentação desta escola com dificuldades
de se entender. É sempre possível dizer que se cerca de metade dos estu-
dantes não sabem ou não conseguem saber o que os outros sabem então
o problema não está na escola, nem nos professores, nem nas condições
materiais, mas nos estudantes e ou nas suas famílias, reforçando assim
as duas primeiras explicações para o insucesso. Aos mais resistentes à
aprendizagem está reservada a retenção, isto é, uma nova oportunidade
de aprender o que não aprendeu no tempo devido. Deste modo, a Escola
pode ir sobrevivendo com toda a sua estrutura organizativa e modos de
funcionamento. Como não é questionada, nem confrontada com o seu
fazer, não sente a necessidade de qualquer mudança. Contudo, as reali-
dades coletivas impõem-se muitas vezes à singularidade de cada um, que
é o que acontece, a vários níveis, na avaliação.
A retenção não é eficaz do ponto de vista do progresso dos es-
tudantes, pois estes são muitas vezes abandonados à sua sorte numa
outra turma sem que ninguém trabalhe as suas reais dificuldades.
Como se sabe hoje, para aprender não basta apenas a quantidade de
tempo, é sobretudo fundamental a qualidade do tempo. É ainda um
procedimento que pode afetar profundamente, de forma negativa,

60
a motivação e os comportamentos dos estudantes. Repetir tudo de
novo, o que se sabia e o que não se sabia completamente, não parece
ser um estímulo inerente ao trabalho. A retenção é ainda um proces-
so gerador de grandes desigualdades uma vez que a probabilidade de
um estudante com retenções ficar novamente retido aumenta relati-
vamente a outro sem retenções com o mesmo nível de conhecimen-
tos. Em síntese, e para além de todas as questões econômicas que se
podem colocar, pode dizer-se que este sistema é um sério obstáculo
ao desenvolvimento de um sistema educativo baseado no apoio e su-
porte à aprendizagem dos estudantes.
Ora, uma escola que pretenda acolher e criar condições para o
ensino e aprendizagem do maior número de estudantes possível não
pode passar ao lado de todas estas interpelações mais ou menos ex-
plícitas que se vão colocando quotidianamente, em vários domínios,
mas muito particularmente em termos de avaliação.
Contudo, estes aspetos não negam a importância de haver em
determinados momentos dos percursos escolares momentos de ba-
lanço, com repercussões nas orientações posteriores dos estudantes.
Apenas se pretende sublinhar e questionar que a retenção enquanto
instrumento pedagógico, consequência de uma ideia de avaliação liga-
da à medida, está ferida, sendo necessário dar espaço a outras “novas”
formas de pensar a avaliação e a sua relação com a aprendizagem.
É de fazer notar que a avaliação, enquanto corpo de saberes,
tem evoluído nas suas diversas dimensões: de medida passou a ser
vista como uma interação social complexa; do seu uso como cons-
tatação do saber passou também a ser vista como instrumento desse
próprio saber; e como meio de seleção passou a ser entendida tam-
bém como processo de mediação (Fernandes, 2005; Jorro, 2000;
Santos & Pinto, 2006). Embora estas evoluções não tenham tido
uma repercussão direta nas práticas profissionais dos docentes, não
deixam de ser elementos de questionamento para muitos professores

61
(Barreira & Pinto, 2006; Fernandes, 2006). Também a Escola ques-
tiona hoje se as retenções são de fato tão interessantes como pareciam
ser. Há hoje estudos que evidenciam (HCéé, 2004) que a retenção
não é uma segunda oportunidade para os estudantes porque, antes
de mais, constituiu um estigma de incapacidade.
Muitos autores reconhecem que a avaliação é essencialmente
um processo de tomada de decisão contextualizado (Barlow, 1992;
Noizet & Caverni, 1978; Pinto & Santos, 2006). Perceber o conhe-
cimento não é um processo tangível, não acontece de forma direta.
Apenas pode ser reconhecido através da sua utilização potencial ou
real, em situações concretas. Assim, o reconhecimento da existência
ou não de conhecimento faz-se através de uma construção social
(Pinto, 2002), na medida em que assenta num conjunto mais ou me-
nos alargado e complexo de interações sociais situadas. Ora, qual-
quer ação decorre sempre num espaço e num tempo que influencia
positiva ou negativamente a sua concretização.

Como se pode ver, no esquema anterior, numa qualquer si-


tuação de avaliação o professor propõe ao estudante uma tarefa
que supostamente revelará o seu saber. Mas esta proposta de tra-

62
balho tem que ser interpretada pelo estudante. Naturalmente que
o professor e o estudante não estão ao mesmo nível de igualdade
relativamente a esse saber. O professor tem uma ideia de como
é que essa tarefa deve ser feita (bem feita), a que chamamos de
expectativas, que pode ou não revelar. Contudo, para o estudante
o que o professor pede ou quer que ele faça ou responda pode
não ser nada claro. Assim, quanto mais explícito for o pedido
do professor, maior a ajuda para interpretá-lo e para construir
a resposta, a que chamamos de objeto. De seguida, o professor
compara o objeto produzido pelo estudante com as suas expec-
tativas, isto são procedimentos a um juízo avaliativo. Quanto
mais se aproximarem objeto e expectativas mais positivo será o
juízo avaliativo e vice-versa. Assim, a tarefa de avaliação consiste
neste juízo de valor entre o pedido/expectativas e a interpreta-
ção/objeto. Esta informação produzida, ou seja o juízo de valor
que o professor faz, pode agora seguir dois caminhos distintos ao
nível da sua utilização. Um consiste em usá-lo numa perspecti-
va de reconhecimento se o estudante sabe ou não, que pode ter
como consequência a retenção ou a progressão. Outro é usar essa
informação para a melhoria do processo ensino e aprendizagem,
isto é, usar essa informação não só para reconhecer o que o es-
tudante sabe ou não, mas procurar compreender a natureza das
suas dificuldades, através dos seus erros, e assim pensar como
ajudá-lo e apoiá-lo. Ou seja, no primeiro caso estamos perante
a avaliação somativa, no segundo perante a avaliação formativa.
Contudo, estas diferentes utilizações estão sempre relacionadas
com a intencionalidade do professor quando usa a avaliação, pois
esta é sempre destinada a cumprir uma certa finalidade. É nesta
perspectiva que Black et al. (2003) distinguem a avaliação das
aprendizagens da avaliação para as aprendizagens.

63
Se a avaliação das aprendizagens configura o que normalmen-
te se faz, parece-nos importante reinvestir na ideia e compreensão
sobre os modos de fazer a avaliação para as aprendizagens. Note-se
que a ideia de que a avaliação serve para melhorar os processos e os
produtos tem vindo a fazer o seu caminho depois de 1970. Primeiro
é Scriven (1967) que introduz no campo educativo esta ideia. Depois
Bloom et al.(1971) e colaboradores que enfatizam a ideia de avaliação
formativa nas práticas de sala de aula. Ao partir da ideia de que todos
os estudantes podiam aprender, mas que tinham ritmos de aprendi-
zagem diferentes, a avaliação formativa serviria assim não só para
determinar o que os estudantes tinham aprendido, mas também para
tomar decisões relativamente à ação pedagógica do professor.
Contudo, esta forma de agir implica que se recolham dados
e que se tenha um quadro teórico que permita perceber os dados
recolhidos para depois agir em conformidade. Como durante bas-
tante tempo o quadro teórico de referência foi o dos ritmos diferentes
de aprendizagens, as ações a empreender para ajudar os estudantes
cingiam-se a “dar mais tempo” aos que tinham aprendido menos.
Todavia, esta perspectiva criou uma grande interrogação: como dar
tempo a uns e o que fazer com os outros se há um programa a cum-
prir igual para todos? Os resultados, temos que admitir, não foram
muito frutuosos.

64
De fato, apesar das boas intenções do professor, o que impera é
o tempo do programa, e a retenção assume aqui o estatuto de tempo
que se dá a mais para que o estudante aprenda, que consolide o que
não foi capaz de fazer no tempo dos que transitam de ano. Alguns
autores (Allal, Cardinet & Perrenoud, 1983; Nunziati, 1990; Per-
renoud, 1999) colocaram então a questão de saber se o problema é
uma questão de tempo ou de “qualidade do tempo”. Esta perspectiva
interroga não só os quadros teóricos sobre o ensinar e aprender, que
entretanto se têm desenvolvido, como as práticas dos professores,
isto é, como é que o professor pode agir pedagogicamente “de outro
modo” para que a avaliação seja de fato útil para o processo de ensino
aprendizagem. Isto é, como construir procedimentos de regulação
pedagógica, como criar um contexto favorável a que tais procedi-
mentos ocorram? Numa palavra, como desenvolver uma prática pe-
dagógica diferenciada?
Um caso em estudo
A referência a este caso não tem a pretensão de mostrar a me-
lhor forma de fazer, mas tão só ilustrar como foram operacionaliza-
das as preocupações dos professores aqui referidas e como o trabalho
sobre a autoavaliação, enquanto não só instrumento regulador das
aprendizagens, mas sobretudo como instrumento de reflexão sobre
o próprio trabalho, foi num primeiro momento uma ferramenta im-
portante para o desenvolvimento de um processo de formação, quer
para os professores, quer para os estudantes.
O caso em análise desenvolve-se numa escola ao sul do distrito
de Setúbal, numa zona cuja população anda próxima de se caracterizar
como “escola urbana” (Maguire, Wooldridge & Pratt-Adams, 2006).
Um elevado número de crianças é proveniente de famílias da classe tra-
balhadora, com baixos rendimentos familiares, com uma escolaridade
reduzida e com apoios da assistência social e muitas delas com neces-
sidades educativas especiais. Muitas destas crianças têm ou vivem, por

65
vezes, situações complexas ao nível comportamental e emocional. Nes-
te quadro, a questão da construção de condições para garantir percursos
escolares conducentes a aprendizagens satisfatórias e a formação para a
cidadania adquirem uma relevância muito elevada.
O ponto de partida. Ao saber que ia receber no 5.º ano de
escolaridade um conjunto de estudantes com necessidades educativas
especiais, uma das responsáveis da escola propôs a um conselho de
turma, que já tinha uma cultura colaborativa de trabalho desenvol-
vida noutros projetos pedagógicos, trabalhar com estes estudantes.
A equipe era composta por seis docentes, portanto o menor número
possível para assegurar a docência nos 5.º e 6.º anos.
A turma designada por T5 era composta por 16 estudantes: 12
rapazes e 4 raparigas, com idades compreendidas entre os 11 e os 15
anos. Catorze deles tinham pelo menos uma retenção, em anos ante-
riores, e dois com seis e sete retenções, respectivamente. Eram todos
referenciados com sendo de estudantes com “necessidades educativas
especiais”. Não foi fácil aos professores assumirem este projeto de
trabalho, havendo no seu seio perspectivas distintas. Uns defendiam
a distribuição destes estudantes pelas várias turmas do 5.º ano, argu-
mentando que isso poderia ser mais vantajoso. Outros, pelo contrá-
rio, consideravam que esta via poderia ser uma “condenação” à parti-
da, pois estando incluídos numa turma “normal” seriam rapidamente
vistos como os menos capazes/incapazes, reforçando fortemente a
condição de candidatos a nova retenção. Estes docentes assumiam
que, apesar de tudo, uma turma com um projeto de trabalho especí-
fico, com uma equipe capaz de trabalhar colaborativamente, poderia
vir a fazer a diferença. Decidiram então optar por este caminho es-
tando conscientes das dificuldades desta opção, como nos relata uma
das professoras no seu balanço reflexivo:
Visto que educar deve ser uma responsabilidade partilhada e
que ninguém se consegue substituir a ninguém (…) Foi com este

66
sentimento que parti no início do ano para esta aventura gigantesca.
Fomos desbravando um caminho difícil. (AP, portefólio, 2009/10)
O projeto pedagógico. Em termos curriculares, o projeto curri-
cular configurava “ um currículo alternativo” como se pode ver na fig. 2.

Figura 2. Esquema da organização curricular

Esta organização curricular mantinha todas as disciplinas de


um currículo de 5.º e 6.º anos de escolaridade. A sua grande di-
ferença estava na organização das três oficinas que agrupavam as
diversas disciplinas. Arte e Natureza (Matemática, Ciências da
Natureza, Educação Visual e Tecnológica); De Letras (Educação
Visual e Tecnológica; Língua Portuguesa; História e Geografia de
Portugal e Língua Estrangeira); De Expressões e Criatividade (Mú-
sica e Educação Física). É de salientar aqui que a Educação Visual
e Tecnológica, pela sua equipe de docentes e pelo trabalho que de-
senvolviam, estava nas duas oficinas. A direção de turma/formação
cívica manteve-se como um espaço autônomo organizado, tanto para
desenvolver trabalhos específicos, como para o desenvolvimento de
trabalhos de projeto.

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Do ponto de vista pedagógico, foram assumidas coletivamente
pelo conselho de turma algumas orientações pois todos os docentes
estavam cientes da importância do trabalho integrado, como subli-
nha um dos participantes:
A mudança é difícil (…) mas será tanto mais concretizável se
a intervenção se organizar em conjunto com ações dirigidas à
sistematização de boas práticas na escola e foi isso que se ten-
tou fazer. (A.P. Portfólio. 2009/10)
Assim, em termos pedagógicos, foi assumido uma ação par-
tilhada por todos os docentes em redor: (i) das regras de conduta na
turma, discutindo-as com os estudantes, (ii) da necessidade do tra-
balho nuclear com os estudantes ser desenvolvido nas oficinas, pois
seria mais fácil envolver estes estudantes em trabalho de projeto (em
atividades com um princípio, meio e fim explícitos), com o objetivo
de levar os estudantes a trabalhar mais na escola do que em casa, já
que muitos deles não tinham, por diversas razões, condições de os
fazer de forma satisfatória; e (iii) da necessidade de desenvolver prá-
ticas de avaliação para a aprendizagem, de modo a poder ajudar os
estudantes e os professores a ajudarem-se mutuamente na construção
das aprendizagens e na superação das dificuldades.
A importância destas opções tinham sido já percebidas por
elementos desta equipe docente no quadro de um outro projeto de
investigação - ação, “Qualidade do ensino e prevenção do abandono
e insucesso escolares nos 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico: O papel
das Áreas Curriculares Não Disciplinares (ACND)”, desenvolvido
em parceria com a ESE de Setúbal de 2006 a 2008.
O fato de se pretender que os estudantes “trabalhassem de forma
mais autônoma” obrigou a equipe a construir um conjunto de materiais
de trabalho para ajudar os estudantes a situarem-se no trabalho a reali-
zar. Desenvolveram-se, então, dois instrumentos de base: (i) as agendas
de trabalho semanal (fig. 3) e os planos de trabalhos de projeto (fig. 4).

68
Figura 3. Agenda semanal

Estes dois tipos de instrumentos tinham por objetivos:


- Ajudar a organizar e planear o trabalho de aprendizagem individual
e coletivo;
- Permitir desenvolver processos de autoavaliação regulada (Santos,
2002);
- Permitir o professor dar um feedback oral e/ou escrito relativamente
ao trabalho proposto vs realizado bem como sobre as dificuldades
manifestadas;
- Permitir ao professor organizar o trabalho com os estudantes através
de novas propostas.

69
Figura 4. Plano do trabalho de projeto
Apesar destas iniciativas do conselho de turma, os estudantes
nem sempre reagiram bem a estas propostas de trabalho. O fato de os
obrigarem a um trabalho efetivo nem sempre era fácil de concretizar
para quem se confrontava pela primeira vez com estes processos de
trabalho. Assim, as reações dos estudantes, e por vezes o desânimo
e as perplexidades dos professores, foram fatos com que a equipe de
docentes nas sessões de trabalho do projeto de formação se teve de
confrontar e discutir, de forma aberta, procurando neste trabalho
colaborativo “forças” e novas estratégias para prosseguir o trabalho,
como refere uma das docentes:

Termos alguém com quem falar sobre os nossos constrangimen-


tos é muitas vezes um incentivo para continuarmos. Esta oficina
foi uma vez mais para mim fundamental (…) pois existiam sem-
pre vozes que nos tranquilizavam em relação aos nossos medos e
receios e fazia-nos ver progressos dos nossos estudantes que nós
não conseguíamos ver. (A:P. portifólio, 2009-2010)

Assumirem as regras definidas; trabalharem com alguma autono-


mia, ajustarem o planeado com o realizado, envolverem-se nos processos
de autoavaliação relativamente aos dois instrumentos referidos foram os
principais problemas dos alunos com que a equipe de docentes se debateu
e procurou encontrar as melhores vias para a sua consecução. A intencio-
nalidade e a persistência da equipe docente e dos estudantes trouxeram, de
fato, alguns progressos relativamente a estes problemas no 3.º período.
No final do 1.º ano, apesar da evolução da maioria dos es-
tudantes, ficaram retidos quatro. Estas retenções prendem-se com
a pouca e irregular assiduidade à escola por parte de três deles. O
quarto estudante reprovou mesmo por faltas. É de sublinhar que os
estudantes retidos eram aqueles que no início do ano já tinham mais

70
retenções. Estivemos aqui perante o dilema do que (não) se sabe e o
reconhecimento de que estas retenções não ajudarão a aprender. Ape-
sar da resolução do dilema ter pendido para a retenção, os docentes
não deixaram de assumir que não desistiam desses estudantes e que
os apoiariam em termos de tutorias que foram então organizadas.
O segundo ano de trabalho desenrolou-se com a mesma equipa
docente e com uma maior insistência nos processos de autoavaliação re-
gulada e nos feedbacks avaliativos dados aos estudantes. Para tal (corre-
construíram-se) em conjunto com os estudantes as listas de dos conhe-
cimentos a adquirir através das diversas tarefas, bem como instrumentos
de coavaliação entre estudantes, em que se explicitavam os critérios dessa
situação de avaliação mútua. A título de exemplo apresenta-se uma gre-
lha de autoavaliação regulada para situações de leitura:

Até ao momento (meio do segundo período) parece notório


o impacto que estes processos têm, não só em termos de aprendi-
zagem, mas também no comprometimento pessoal e coletivo com
o trabalho. Muito em particular, denota-se em alguns estudantes a
crescente capacidade de percepção das dificuldades individuais e pe-
didos de ajuda aos professores. Naturalmente que o comportamento
geral da turma melhorou. Havendo movimentos de avanços e recuos,
pois estes processos nunca são lineares, é hoje possível desenvolver já
momentos de trabalho individual ou de projetos de forma consistente
sem grandes sobressaltos, apesar de alguns movimentos pendulares,
parece que apesar de tudo, está aberto um caminho para o futuro.

71
Também as tutorias parecem constituir um momento privile-
giado de compreensão dos estudantes pois só assim se pode ajudar.
Podemos notar aqui o privilegiar por uma avaliação descritiva, em
detrimento da atribuição de notas:

O X tem vindo a revelar interesse e empenho na concretização


dos compromissos definidos em tutoria. É um estudante com
experiência de vida, relativamente ao desempenho de tarefas
domésticas/familiares e sempre demonstrou sentido de res-
ponsabilidade no desempenho de cargos representativos, além
de espírito de liderança (…) O X continuou a participar nas
atividades, cumprindo a maioria dos compromissos estabele-
cidos com a professora tutora. Revelou esforço em justificar
dentro do prazo imprevistos e demonstrou autonomia na reali-
zação das tarefas, tomando a iniciativa sem ter sido necessário
lembrá-lo (…) O X é uma pessoa com um projeto de vida de-
finido. Pretende terminar o 2.º Ciclo, inscrever-se num curso
profissional para adquirir o 9.º ano de escolaridade e seguir a
profissão de Bombeiro.

Considerações finais
Em termos de síntese e tendo como pano de fundo o caso
apresentado, ainda em desenvolvimento, podemos reconhecer o forte
investimento na autoavaliação como instrumento para a organização
do trabalho, confronto com o proposto, reflexão sobre as aprendi-
zagens e identificação das dificuldades. Por isso, se quisermos olhar
este caso através da teoria da atividade, proposta por Engeström
(2009), podemos dizer que esta proposta pedagógica implicou:
– A construção de instrumentos de mediação, que procuraram ajudar
o estudante na construção da sua aprendizagem, contribuindo para
que esta tivesse um sentido e um significado cada vez mais claro;

72
– Uma mudança nas regras de funcionamento do grupo, pois as
possibilidades de interação múltipla, a clarificação das regras de
funcionamento e a sua explicitação criam um contexto de tra-
balho com mais potencial, onde o estudante tem um lugar de
maior centralidade;
– Uma alteração ao nível da divisão do trabalho, pois o currículo
proposto e o trabalho desenvolvido com uma intencionalida-
de forte na construção da autonomia dos estudantes enquanto
atores centrais da sua aprendizagem reorganiza os papéis de
professor e de estudante;
– Ao nível da escola enquanto comunidade procurou encontrar-
se uma resposta específica que fosse capaz de responder de for-
ma antecipada a um problema específico que iria existir.
Em termos do trabalho docente, estes procedimentos permiti-
ram a construção de uma informação mais sistematizada pelo profes-
sor centrada no desenvolvimento das tarefas. Esta opção permite uma
interação mais dirigida para o estudante, para as suas realizações e
para as suas dificuldades. Contudo, o desenvolvimento de práticas de
avaliação para as aprendizagens não é simples. Implica olhar e ana-
lisar de forma permanente e persistente os instrumentos utilizados,
bem com o feedback dado aos estudantes (Santos e Pinto, 2009).
Apesar da evolução manifestada pelos professores, é muito evi-
dente, na prática pedagógica e na vida institucional, a contradição
entre uma avaliação das aprendizagens e uma avaliação para as apren-
dizagens. Também é evidente que, muitas vezes, os estudantes são
muito resistentes a mudanças nos seus hábitos e rotinas de trabalho.
É ainda de referir a dificuldade de levar a cabo respostas sin-
gulares para estudantes singulares, pois exige da parte da instituição
uma capacidade organização e gestão da vida pedagógica, a realizar
de forma antecipada. Para tal, é necessário também estar atento, ter a
intenção e ser capaz de liderar processos, o que nem sempre é fácil.

73
De todo este percurso realizado e das aprendizagens que fize-
mos coletivamente, ficam-nos ainda três grandes desafios: Como ca-
minhar em contexto institucional, efetivamente, para uma avaliação
predominantemente orientada para as aprendizagens? Como usar de
forma integrada a avaliação para a aprendizagem e a avaliação da
aprendizagem? Como investigar práticas de avaliação para as apren-
dizagens domo a serem úteis para os professores no seu trabalho
quotidiano, de ensino e aprendizagem, com os seus alunos?

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76
4

Avaliação de Escolas:
Estratégia de prestação
de contas e de melhoria?
M ARIA DO C ARMO CLÍMACO
Universidade Lusófona de Lisboa

Resumo: O modo como se pensa na escola e se valorizam as suas


diferentes missões determina os modelos e as finalidades da sua
avaliação. A investigação sobre a eficácia das escolas está associada
às políticas de equidade educativa. Desde o seu início tomou a for-
ma de avaliação e prestação de contas de programas de apoio ao su-
cesso educativo, tendo como populações alvo crianças socialmente
desfavorecidas e sem sucesso escolar. A insatisfação dos resultados
obtidos levou a um progressivo refinamento das metodologias e das
técnicas de recolha e tratamento de dados, bem como ao aprofun-
damento não só dos fatores de escola que se associam a melhores
desempenhos, mas à compreensão da consistência dos progressos
escolares e aos modos de ação que podem fazer a diferença na qua-
lidade e na eficácia da melhoria, numa perspectiva de longo prazo.
Nesta linha, são apresentados dois estudos que tiveram significa-
tivos impactos na avaliação e autoavaliação das escolas, bem como
nas políticas de capacitação para a melhoria.

Introdução - Pensar e avaliar a escola


Poucas realidades sociais atraem tanto a atenção dos cidadãos
em geral e da comunicação social como as questões relacionadas com
a qualidade da educação, em especial, com a qualidade das escolas.
Não existe grande convergência no modo como pensamos na escola
e como definimos o que entendemos por “qualidade” da educação,
o que explica o modo tão diverso como julgamos os professores, os
resultados dos alunos, ou os projetos educativos locais. Os nossos
valores e interesses, ou nível de envolvimento e compromisso com as

77
finalidades da instituição escolar, o conhecimento da realidade e da
política educativa nacional e local, bem como os nossos próprios per-
cursos de escolarização e formação contribuem para visões políticas e
pedagógicas diferentes. Frequentemente “resultados” dos exames na-
cionais, “processos” organizacionais e de ensino e “contextos” sociais
e escolares se misturam, como prioridades de avaliação, com ques-
tões de “satisfação” e de “valores”. Estas diferenças de pontos de vista
e de prioridades dependem da posição que se ocupa no sistema: como
prestadores de serviços educativos, dirigentes e administradores, be-
neficiários do serviço educativo, utilizadores diretos, empregadores,
cidadãos contribuintes, moradores ou vizinhos de bairro.
O modo como pensamos a “escola” não é indiferente ao modo
como pensamos a sua avaliação. A escola pode ser entendida como
unidade periférica do Sistema Educativo, constituindo um nível ope-
rativo crítico da transformação e regulação educativa. Na perspectiva
da homogeneidade e da racionalidade da gestão do próprio sistema,
cada unidade periférica funciona como uma “caixa-preta” que regis-
tra e permite identificar o nível do desenvolvimento de cada escola.
Avaliando todas as escolas avalia-se todo o sistema e o sentido da sua
evolução. Em sintonia com este entendimento, avalia-se a escola em
nome da transparência da gestão e para prestar contas da sua eficácia,
medida pelos resultados dos alunos em exames padronizados, assu-
mindo a sua responsabilidade na melhor gestão dos recursos dispo-
níveis e na ação educativa mais adequada aos alunos que serve.
Numa perspectiva diferente, a escola pode ser entendida como
um sistema em si mesmo, cujo funcionamento e qualidade depende
mais significativamente do modo como cada um dos atores escolares
desempenha o seu papel como agente transformador social e educati-
vo. Cada escola não se insere apenas num projeto nacional de educa-
ção, mas produz, de forma contextualizada, projetos políticos locais,
em função dos diferentes públicos que serve, preparados e discutidos

78
com diferentes parceiros que assegurarão de forma cooperativa, a sua
realização. Por isso, se pensa na escola como lugar de aprendizagens,
lugar social onde se participa, interage e se vive, lugar de desenvolvi-
mento profissional da própria comunidade, escolar e local.
A estas duas concepções correspondem duas culturas de ges-
tão e dois paradigmas de avaliação das escolas diferentes, mesmo
quando se verifica alguma interseção entre ambos: num assume-se
que o sistema é predominantemente centralizado e hierarquizado, e
cultiva-se a conformidade normativa; a avaliação controla o funcio-
namento do sistema e de cada uma das suas unidades, que são res-
ponsabilizadas pelos resultados a alcançar, de acordo com as metas
políticas fixadas. No outro, o sistema cultiva a autonomia das esco-
las, porque sendo as escolas as unidades onde se processam todas as
transformações significativas que conduzem ao progresso educativo
do próprio sistema, importa melhorar a capacidade de decisão e de
participação nas diferentes etapas do desenvolvimento institucional,
tendo em conta as características contextuais. Para além das metas
que a Administração fixa para o sistema, as escolas estabelecem me-
tas de desenvolvimento e sucesso para os seus alunos, e partilham
essa responsabilidade com os seus diferentes parceiros, tendo em
conta o seu histórico educativo e o conhecimento que têm de outras
escolas dentro do sistema com quem se comparam.
A avaliação da eficácia das escolas
Os primeiros estudos sobre a eficácia educativa remontam a
meados dos anos 60 e decorrem da necessidade política de avaliar as
consequências do largo investimento feito pelo governo central, no
caso da Inglaterra, ou pelo governo federal, no caso dos Estados Uni-
dos da América, em favor das populações socialmente desfavorecidas
– famílias pobres e minorias étnicas - que apresentavam índices de
aproveitamento escolar muito baixos. A avaliação deste programa ti-
nha como objetivo saber se os recursos investidos nas escolas tinham

79
produzido os efeitos procurados. As conclusões de Coleman (1966)
nos EUA, e de Plowden (1966) na Inglaterra, foram decepcionantes
ao concluírem que não fora encontrada nenhuma relação significa-
tiva entre as mudanças introduzidas nas escolas e as melhorias nas
aprendizagens dos alunos.
As críticas que foram feitas a estes estudos e a reanálise pos-
terior dos dados produzidos pela primeira equipa de avaliação, bem
como o conjunto de novos estudos empíricos sobre a eficácia das
escolas que se lhes seguiram, abriram um novo campo de investi-
gação educacional focalizado no estudo de escolas localizadas em
zonas desfavorecidas e com resultados na área das competências bá-
sicas acima da média nacional. Estes estudos caracterizaram-se por
procurar identificar os fatores determinantes do sucesso escolar que
faziam distinguir estas escolas de outras que serviam populações
semelhantes, contrariando o que se considerava um determinismo
social. O objetivo das novas investigações estava relacionado com a
garantia da equidade, um objetivo político sempre proclamado em
todos os programas dos governos. Por isso, esta primeira geração de
estudos sobre a eficácia escolar privilegiava casos de estudo em que
as populações dominantes eram pobres e de minorias étnicas, anali-
savam a aquisição de competências básicas em leitura e matemática,
e defendiam que os filhos das classes pobres podiam ter os mesmos
níveis de sucesso que os filhos das classes médias.
Numa segunda geração de estudos sobre a eficácia das escolas,
as populações estudadas deixam de ser grupos específicos de alunos e
passa a referir-se como objetivo o sucesso de todos os alunos, abran-
gendo esta noção os resultados acadêmicos, os comportamentos e
atitudes. Em complemento, introduz-se também a noção de progres-
so dos resultados escolares ao longo do tempo e define-se como es-
cola eficaz a que acrescenta valor aos seus alunos, quando comparada
com outras que servem populações semelhantes.

80
Durante muito tempo os investigadores questionaram por
que as escolas diferem tanto entre si quanto ao sucesso acadêmi-
co e quanto ao comportamento dos seus alunos, e procuraram saber
até que ponto determinadas características da organização e do fun-
cionamento das escolas, como o clima social, o moral dos seus do-
centes, e o ambiente afetam os processos de aprendizagem, os com-
portamentos e atitudes, e influenciam o progresso dos seus alunos,
nomeadamente no ensino secundário (Rutter, 1979). Nesta mesma
linha, outros investigadores focalizaram-se noutros níveis de ensino
elementar, o 1º ciclo, e procuraram responder a duas questões fun-
damentais: será que o clima psicossocial da escola e a estrutura social
respectiva são importantes para perceber as diferenças de sucesso?
Será que as variáveis do clima social explicam melhor o autoconcei-
to acadêmico dos alunos do que a composição social? (Brookover,
1979), ou serão os processos internos à organização e à sala de aula
que explicam melhor as diferenças de sucesso entre alunos com as
mesmas características em escolas diferentes? (Mortimore, 1988). Se
existem níveis diferentes de efeitos de escola, que fatores de escola
mais afetam esses efeitos? (Teddlie e Stringfield, 1993).
O conceito de “equidade”, bem como o conceito de “progresso
escolar” traduzem, de certa forma, os objetivos fundamentais de to-
das as escolas. Sabe-se que a qualidade de cada escola se define pelo
impacto que tem sobre as aprendizagens dos alunos, nomeadamente
as aprendizagens acadêmicas. Por isso, a investigação sobre a eficá-
cia, ou sobre os efeitos de escola nas aprendizagens dos alunos, tem
como noção central que os resultados das aprendizagens acadêmicas
são um dos descritores fundamentais da qualidade das escolas, a qual
resulta da interação de vários fatores internos e externos à própria es-
cola. No entanto, os resultados acadêmicos não definem as diferentes
dimensões da qualidade educativa de uma boa escola, como sublinha
Sammons (1997, p.8)

81
A investigação tem dado grandes contributos para identificar
quais os fatores mais significativos na promoção de melhores resulta-
dos acadêmicos, comportamentais, afetivos ou outros. Porém, sabe-se
menos como, em cada lugar, interagem e como prevalecem uns sobre
os outros, e como, de uma forma fiável, se medem os seus efeitos na
avaliação do valor acrescentado em cada escola. De qualquer modo,
apesar das críticas provenientes de diferentes setores do mundo aca-
dêmico e político, a avaliação dos efeitos das escolas sobre a qualidade
das aprendizagens dos alunos e o seu progresso tem tido como grande
princípio orientador que todos os alunos, independentemente das suas
diferenças e características pessoais de partida, têm direito ao sucesso
escolar. A atenção à evolução do sucesso, ou ao progresso dos alunos,
reflete-se na atenção que tem sido dada ao desenvolvimento de mé-
todos e técnicas de cálculo do valor acrescentado fiáveis que possam
explicar se as escolas fazem a diferença no sucesso dos alunos, e se há
escolas mais eficazes do que outras para o mesmo tipo de alunos.
O conceito de eficácia e a importância que lhe é atribuída de-
pende daquilo que é valorizado para medir os resultados dos alunos.
Nos países onde existem mecanismos nacionais de certificação e va-
lidação de aprendizagens, os resultados dos exames constituem o in-
dicador com maior impacto na progressão dos estudos ou na entrada
no mercado de trabalho, no caso do ensino secundário. Porém, usar
esta informação para avaliar as escolas tem como risco a não garan-
tia da comparabilidade das escolas em termos da população escolar,
da sua dimensão e organização. Se não for garantido o controlo da
comparabilidade das escolas, os resultados da avaliação acabarão por
refletir mais as características de partida dos alunos do que os efeitos
dos processos de ensino na escola e em sala de aula, ou os das estra-
tégias focalizadas no progresso mobilizadas pelas escolas. A eficácia
acadêmica tem a ver com o modo como se promove a melhoria dos
resultados. Só seguindo de forma sistemática as práticas de escola e
de aula e os resultados, se percebe melhor se há escolas melhores do

82
que outras a promover melhores resultados em que disciplinas; du-
rante quanto tempo; e para que tipo de alunos.
Foi a partir dos primeiros estudos de Goldstein e outros (1991
e 95) que se introduziram, neste tipo de investigação, metodologias
de análise multinível que permitiram o cálculo do valor acrescentado
por cada escola ao progresso dos seus alunos, controlando diferentes
variáveis de entrada como a idade, o percurso escolar ou o sucesso
anterior e o estatuto socioeconômico, permitindo, assim, uma com-
paração mais justa do desempenho entre escolas.
Decorrente desta nova abordagem metodológica à compara-
ção entre escolas, levantou-se também a questão da consistência do
progresso dos alunos e se a capacidade de promover o sucesso e pro-
gresso dos alunos nas escolas secundárias, era transversal à organi-
zação, ou se haveria departamentos curriculares mais eficazes do que
outros e porquê (Sammons et al, 1997). O primeiro estudo de Gray
et al (1991) tinha sugerido que o efeito diferenciado dos resultados
em diferentes disciplinas não era muito significativo. Em termos da
equidade, esta conclusão teve consequências de ordem prática nas
metodologias da comparabilidade, ao chamar a atenção para a ne-
cessidade. dispor de uma sequência cronológica de resultados numa
série de anos letivos, de modo a verificar a sua estabilidade, melhoria
ou retrocesso, e não se limitar a uma única medida no tempo.
Assim, tornou-se importante responder ao desafio de:
i) Alargar o conhecimento sobre a dimensão, extensão e estabili-
dade temporal da eficácia ou sucesso nos cursos gerais do en-
sino secundário;
ii) Conhecer a amplitude das diferenças da eficácia interna das
escolas, quer a nível de departamentos quer a nível de grupos
específicos de alunos;
iii) nvestigar as razões ou causas possíveis subjacentes a essas di-
ferenças.

83
A consistência do sucesso escolar
O estudo da equipe de P. Sammons (1997) sobre a “Eficácia
Diferenciada nas Escolas Secundárias” procurou responder às ques-
tões acima enunciadas, tendo sido desenvolvido em três fases. Na 1ª
fase procurou-se responder às questões de investigação relacionadas
com a estabilidade dos índices da eficácia acadêmica num período
de três anos, entre 1990 e 92. Foram utilizados dados relativos a 94
escolas e a mais de 17.000 alunos, do centro de Londres, tendo como
objetivo identificar e verificar:
– Tendências no sucesso dos alunos ao longo do tempo;
– Padrões de sucesso em grupos diferentes de alunos;
– A estabilidade dos níveis de eficácia nas disciplinas do currícu-
lo: em todas, só em algumas e quais, e a relação desses resulta-
dos com o modo de funcionamento dos departamentos.
Numa 2ª fase, o estudo foi complementado por estudos de
caso em seis escolas e 30 departamentos curriculares: língua e lite-
ratura materna, francês, história, matemática e ciência. As seis es-
colas representavam, em número igual, três tipos de desempenho
institucional identificados na 1ª fase: as escolas mais eficazes, do
ponto de vista acadêmico; as menos eficazes e as “mistas”. A análi-
se aprofundada que as metodologias qualitativas permitem, levou à
identificação dos fatores que estavam mais relacionados com as di-
ferenças de eficácia entre escolas. Por exemplo, as duas escolas mais
eficazes tinham, em comum, um conjunto de características, como a
ênfase nas aprendizagens acadêmicas e as expectativas elevadas rela-
tivamente às capacidades e aos resultados de todos os alunos, a visão
partilhada dos objetivos educacionais a desenvolver em toda a escola,
e uma liderança forte, mas flexível onde necessário. Ainda que estes
resultados sejam importantes, essencialmente confirmam muitas das
variáveis que Sammons (1995) já identificara na revisão de literatura

84
sobre a eficácia das escolas como sendo relevantes, identificando ago-
ra o valor dessa relevância e a medida da sua interação.
A 3ª fase alargou a abrangência do estudo aos departamentos
curriculares. Foi concebido um questionário dirigido aos diretores de
escola e dos departamentos, com o objetivo de recolher as suas per-
cepções quanto ao desempenho acadêmico em cada departamento e
aos fatores que mais influenciariam esse desempenho.
De um modo geral, os resultados mostram que nas escolas e
departamentos eficazes todos os alunos têm bons resultados nos exa-
mes do secundário, enquanto nas escolas menos eficazes os alunos
tinham resultados mais fracos, sendo que alguns grupos de alunos
tinham bons resultados, como os asiáticos, por exemplo. Verificou-se
igualmente a consistência das políticas e das práticas de escola em
áreas como o comportamento, a avaliação e o tempo de trabalho
escolar, com consequências diretas nas aprendizagens. Estes fatores,
em conjunto com o clima e a cultura de escola contribuíam para a
criação de um ambiente regulado e seguro, facilitador do ensino e
das aprendizagens.
O contexto de trabalho focalizado no aluno favorecia a apren-
dizagem e a coesão social, tornando, de forma indireta, a vivência
escolar estimulante para alunos e adultos. A consistência da cultura
escolar tinha origem na gestão da escola e dos departamentos, cujas
lideranças eram decisivas no desenvolvimento da consistência da
própria cultura de escola.
Muitos dos fatores explicativos da eficácia escolar agora testa-
dos tinham já sido identificados em estudos anteriores. O contributo
desta investigação deu-lhes maior fiabilidade, ao sujeitá-los a meto-
dologias mais robustas – abordagens multinível – para o cálculo do
valor acrescentado, e ao associar abordagens quantitativas e qualita-
tivas na avaliação da eficácia escolar.

85
Nas duas últimas décadas, porém, tem-se estudado a questão
da melhoria das escolas e dos efeitos da pressão que recai sobre elas
no sentido de garantir os melhores resultados para todos os alunos.
Apesar de se reconhecer que não há receitas para alcançar níveis de
qualidade educativa, e que esta decorre da interação de um largo
conjunto de fatores, a investigação tem-se debruçado sobre o que
leva umas escolas a melhorarem rapidamente e outras não o consi-
gam fazer, apesar de servirem o mesmo tipo de populações escolares.
Saber como melhoram as escolas, que padrões de melhoria se po-
dem identificar e que fatores e modos de ação podem estar associa-
dos a essas melhorias, tem vindo a constituir-se como uma área de
pesquisa educacional, com significativas consequências na avaliação
das escolas, nomeadamente na autoavaliação, e na sua gestão. Do
mesmo modo, a análise do desenvolvimento institucional veio re-
forçar a ideia de que para além de uma visão holística e sistêmica da
escola, o estudo dos departamentos curriculares e do modo como se
organizam e planejam o seu desenvolvimento demonstra que estes
constituem as verdadeiras unidades críticas da “melhoria da eficácia”
em cada escola individual. A evolução dos estudos da eficácia das es-
colas, combinando a noção de valor acrescentado com a de progresso
ao longo do tempo, reforçou a noção da importância daquele novo
conceito emergente nos anos 90.
As escolas que melhoram
O terceiro estudo de Gray “Improving Schools Project” (1999),
também centrado sobre as escolas secundárias, focaliza-se no proble-
ma da melhoria da eficácia da escola. Será que existem escolas que
apresentam melhorias contínuas? Ou esta acontece de forma irregu-
lar? Quais os índices de melhoria da eficácia que as escolas apresen-
tam? Quanto tempo é preciso para que uma escola passe de um nível
de eficácia a outro?
Foram estabelecidas três fases no desenvolvimento deste estudo.
Na 1ª fase analisaram-se os resultados dos exames do ensino secundá-

86
rio entre 1992 e 95 em 3.000 escolas do centro de Londres. Uma pri-
meira leitura mostra que durante este lapso de tempo houve melhorias
consideráveis. Uma em cada 7 escolas poderia ser considerada “ em pro-
cesso de melhoria”, isto é apresentava em 1995 (último ano do projeto)
resultados correspondentes ao progresso médio de todas as outras es-
colas (4,9%) adicionado de um desvio padrão (7.7%), relativamente aos
dados de 1992. Mas importava saber se a melhoria ocorrera num só ano
e manteve-se; ou se as escolas foram ganhando esses acréscimos nos
resultados ao longo dos três anos. Desta primeira análise foi possível
identificar três níveis de melhoria nos resultados globais da escola e três
níveis de eficácia, cada um dos quais categorizado do seguinte modo:
Níveis de melhoria:
Melhoria consistente - verificavam-se acréscimos de desem-
penhos contínuos de 1992 a 1995;
Melhoria desigual – os resultados apresentavam variações
de +/- 3% de ano para ano;
Melhoria volátil – verificavam-se resultados desiguais, com
grandes variações de ano para ano.
Níveis de eficácia:
Acima da média;
Dentro da média;
Abaixo da média.
Utilizando estes critérios, entre 1992 e 1995, num universo de
3000 escolas, uma em cada sete escolas (1/3 de todas as escolas) po-
dia ser considerada “instituição em processo de melhoria”. Assim:
– ¼ das escolas (750 escolas) mudou as suas características de efi-
cácia ao longo do tempo considerado. Destas, metade melho-
rou os níveis de desempenho, a outra metade tornou-se menos
eficaz;
– ¾ das escolas mantiveram-se estáveis nas suas características
de eficácia;

87
As escolas que mudaram consistentemente de ano para ano,
constituíam um grupo muito pequeno. Daí a questão de investiga-
ção: “ o que faz com que umas escolas melhorem mais rapidamente
que outras?”
A capacidade de mudar de nível de eficácia, por exemplo,
mudar do nível de eficácia “abaixo da média” para o nível “dentro da
média”, é muito diferente entre as escolas. Na situação mais favorá-
vel, as escolas melhoram durante três anos consecutivos até um certo
patamar, e nos anos seguintes não o conseguem ultrapassar. Para
subir de nível eram necessários 4 ou 5 anos de melhorias sustentadas,
e só uma minoria de escolas o conseguira.
Na 2º fase do estudo desenvolveram-se 12 estudos de caso,
com o objetivo de saber o que terá provocado as mudanças observa-
das e até que ponto essas mudanças estavam ligadas à melhoria de
eficácia das escolas. Para análise e avaliação do grau das mudanças
ocorridas foram estabelecidos os seguintes critérios e pontuação:
Graus de mudança:
Pouca ou nenhuma mudança - 0;
Alguma mudança - 1;
Muita mudança - 2;
Excepcional mudança - 3.
Compararam-se três grupos de instituições:
– as que eram inicialmente menos eficazes e que apresentaram
melhorias lentas ao longo do tempo;
– as que começaram por ser menos eficazes, mas melhoraram
rapidamente;
– as que eram ineficazes inicialmente, mas também melhoraram
rapidamente.
Foram muitas as áreas onde tinham ocorrido mudanças (19 áreas), as
quais foram agrupadas em três categorias principais:

88
Missão e ethos;
Focalização no sucesso;
Abordagem ao planejamento e gestão.

Em algumas áreas houve mudanças rápidas na maioria das escolas:


Por exemplo, na área do “ethos ou da cultura e do clima de
escola”, ¾ das escolas prestaram especial atenção à interação com as
famílias e com a comunidade exterior, e introduziram muitas me-
lhorias: dedicaram mais tempo à comunicação com os pais, procu-
raram ouvir os seus pontos de vista, apoiaram a revitalização das
associações de pais e encarregados de educação. Neste campo, 9 em
12 escolas promoveram “muita mudança” ou “excepcional mudança”.
Na mesma linha, mais de metade das escolas alterou o sistema de re-
compensas, sanções e formas de reconhecimento do desempenho dos
alunos, passando a prestar mais atenção ao bom comportamento e à
assiduidade, promovendo eventos para celebrar sucessos dos alunos
na área acadêmica ou em qualquer outra.
No que se refere à “focalização no sucesso”, também mais de
metade das escolas mudou as suas estratégias, introduzindo mais mo-
nitorização dos resultados por departamento curricular, mais monitori-
zação do progresso dos alunos, maior formalização das metas a atingir,
organização de programas de tutoria, mais apoios sistemáticos, mais
tempo para as aprendizagens. Do mesmo modo, tornou-se comum, por
exemplo, a elaboração e disseminação de códigos de conduta na aula,
ou a revisão das práticas de trabalhos de casa, por departamento.
Na área do “Planejamento e da gestão”, em ¾ das escolas (9
em 12) verificaram-se mudanças no estilo de gestão, tendo sido in-
troduzida maior democraticidade no sistema, mais participação dos
diferentes atores e parceiros na tomada de decisão e nas atividades
da escola, mais atenção à visibilidade da direção da escola. Em con-
sequência, foram revistos e reestruturados os papéis e funções das

89
lideranças de topo (7 em 12 escolas) e, nalguns casos, das lideran-
ças intermédias, procurou-se maior participação e consensualidade
nas mudanças a introduzir; foram criados mais grupos de trabalho
a quem foram atribuídas responsabilidades no planejamento educa-
tivo; procurou-se maior consistência nos modos de trabalho e nos
padrões de conduta.
Porém, em muitas escolas estas mudanças organizacionais
não se associaram a nenhuma mudança ou inovação significativa no
funcionamento da escola ou no comportamento dos profissionais,
mantendo-se as mesmas rotinas e práticas tradicionais de ensino.
A maioria das escolas introduziu mudanças modestas relativa-
mente ao trabalho em sala de aula, utilizando estratégias limitadas. Por
exemplo, promoveram discussões sobre o ensino e a aprendizagem, mo-
bilizando toda a escola, identificando e analisando coletivamente mode-
los de boas práticas, promovendo ações de formação para todos os profes-
sores, com o objetivo de mobilizar vontades em ordem à inovação.
Num pequeno grupo de escolas, 3, registraram-se mudanças
significativas a partir da reflexão sistemática sobre o que afetava a
aprendizagem em sala de aula e sobre o modo de funcionamento dos
departamentos. A esta reflexão sucederam iniciativas de observação
mútua de aulas, envolvendo colegas professores, os coordenadores de
departamento e um membro da direção. Todas as observações eram
seguidas da análise e discussão do trabalho desenvolvido. Como for-
ma de partilhar boas práticas, promoveram-se modalidades de ensino
colaborativo, avaliaram-se os modos de gestão da aula e o desenvol-
vimento de competências profissionais, discutiram-se e definiram-se
estratégias alternativas para o funcionamento dos departamentos.
As estratégias de mudança e melhoria
Na maioria das escolas havia consciência da necessidade de
reformar os departamentos, mas como estratégia optaram pela mo-
bilização geral dos professores, na convicção de que todos acabariam

90
por ser arrastados pelas iniciativas apresentadas e pelo seu caráter
inovador, apesar das múltiplas evidências de resistência, ainda que
não declarada.
No conjunto das escolas, houve mudanças que deram uma
contribuição maior para a eficácia escolar do que outras, dependen-
do do modo e da determinação como cada escola procurou adotar
estratégias e táticas para maximizar os resultados dos exames, de-
senvolveu apoios e adotou práticas colaborativas. No quadro de uma
estratégia de envolvimento de toda a escola, procuraram envolver os
alunos na vida da escola, atribuindo-lhes responsabilidades específi-
cas para fomentar sentido de pertença e empenho; promoveram mais
desenvolvimento pessoal e social para uns, mais desenvolvimento
profissional específico para outros. No que se refere aos departamen-
tos, introduziram-se reestruturações em departamentos específicos e
mudanças estruturais nas suas lideranças.
No seu conjunto, independentemente dos níveis de mudança obser-
vados, verificou-se que um conjunto de fatores, ainda que com intensidades
diferentes, contribuía para o progresso de cada escola. Mas o que fez a dife-
rença na consistência das mudanças, quer na sua estabilidade, abrangência
e extensão foi o modo como se trabalhou a própria mudança.
A grande maioria das escolas não fez qualquer exercício de
autoavaliação como medida preparatória da melhoria, nem planeou
um cuidado processo ou projeto de mudança. Mobilizaram-se com
bastante espontaneidade em ações que consideraram potenciais de
mudança e motivaram-se com os resultados rápidos, ainda que não
fosse visível uma metodologia de mudança específica. Em comum, as
escolas que melhoraram rapidamente tinham usado modos de mobi-
lização e de organização das pessoas que tornavam possível discutir
de forma aberta as questões profissionais da sala de aula, do ensino,
da aprendizagem, da organização e gestão do tempo e dos grupos.

91
As ações concretas em que se envolveram incluíam mais apoio, mais
monitorização, mais preparação direta para os exames, associadas a
normas de conduta em sala de aula e maior controle dos trabalhos de
casa, como táticas seguras para melhorar os resultados finais. Porém,
os esforços dispendidos a este nível exigem um grande investimento
de esforço e vontade, que, se não forem enquadradas por outras me-
didas ou formas de sustentação, não se mantém para além de um cer-
to tempo, acabando por esmorecer e não dar estabilidade à mudança
de resultados. As táticas são ações bem sucedidas no curto prazo.
Outras escolas, porém, apresentavam melhorias rápidas, mas dis-
tinguiam-se por apresentar ações a nível global de escola e ações especí-
ficas para superar determinados pontos fracos entretanto identificados.
Por exemplo, dedicavam uma atenção sistemática a departamentos que
revelavam dificuldades em instituir práticas educativas inovadoras em
sala de aula, procurando uma ação coordenada entre todos os membros
dos departamentos intervencionados. Estas escolas pelo tipo de traba-
lho desenvolvido, não se limitavam a ações pontuais de efeito imediato,
mas revelavam um pensamento estratégico que lhes permitia coordenar
ações de efeitos de curto prazo com uma programação de médio prazo,
de forma a sustentar no tempo a melhoria dos resultados dos seus alu-
nos e as competências profissionais dos docentes.
As duas escolas que apresentavam melhorias consistentes de
eficácia, demonstravam simultaneamente a capacidade de funda-
mentar o trabalho já realizado, e a realizar, para cumprir os objetivos
definidos. Não se estabeleceram por soluções táticas e pensamento
estratégico. Essencialmente, procuraram construir capacidade de
mudança interna, mobilizando todos os profissionais e parceiros e
aproveitando a sua experiência e saberes para reorganizar a escola
e algumas das suas estruturas; instituíram formas de autorregula-
ção das suas práticas inovadoras em sala de aula, que abrangiam a

92
observação mútua, a discussão e avaliação de práticas; recorreram
a apoios e formação externos especializados para garantir dinâmi-
ca e capacidade de iniciativa; constituíram-se como “organizações
aprendentes”. Enquanto a competência de planejamento estratégico
se revelava capaz de produzir efeitos no médio prazo, a atenção à
construção de capacidade de mudança era não só uma forma de dar
consistência e sustentar os processos de melhoria dos resultados dos
alunos, mas uma forma de instituir capacidade de melhoria de longo
prazo, grande parte da qual pode ser controlada pelas próprias esco-
las, mas que, para usar as palavras de Barbara MacGilchrist (2003,
p. 34), “elas sozinhas não podem garantir”. Ao saber-se com mais ri-
gor como as escolas melhoram ao longo do tempo, colocam-se novos
desafios às escolas, mas também aos governos, últimos responsáveis
pela política educativa e pela sua administração.

Bibliografia

Avila de Lima, J. (2008) – “Em busca da boa escola” – Fundação


Manuel Leão, V.N. Gaia

Gray, J. et al (1999) – “Improving schools: performance and poten-


tial” – Open University Press, Buckingham

MacGilchrist, B. (2003) – “Has school improvement passed its sell-


by date?” - Institute of Education, University of London

Sammons, P., Thomas, S. e Mortimore, P. – “Forging Links: effec-


tive schools and effective departments”. Paul Chapman Publishing
Ltd, London

Stoll, L. e Fink, D. (1997) – “Changing our schools”, Open Univer-


sity Press, Buckingham

93
94
5

Desafios na Avaliação da
Qualidade da Educação
F. JAVIER MURILLO
Universidad Autónoma de Madrid, España

Resumo: Se receber uma educação de qualidade é um direito huma-


no básico, gerar e distribuir informação sobre o cumprimento desse
direito deveria ser uma obrigação por parte de quem tem o dever
de garanti-lo: as administrações públicas. Nessa lógica, no mundo
todo estão se multiplicando as experiências de avaliação de todos os
níveis do sistema: estudantes, docentes, escolas e sistema educativo
no seu conjunto, de tal forma que cada vez temos mais informa-
ção e de melhor qualidade, o que nos permitirá ajudar a conseguir
esse direito básico de todas as pessoas. Porém, esses avanços nem
sempre tem contribuído para melhorar a qualidade da educação,
inclusive se supõe que são os responsáveis pelas as brechas de de-
sigualdade dentro do sistema. Um dos problemas é a grande dife-
rença que há entre o que consideramos uma educação de qualidade
e o que avaliamos da mesma ou como a avaliamos. Assim, perante
conceitos tais como aprendizagem para a vida toda, educação para
todos, ou educação integral, se realizam avaliações limitadas a ní-
veis que excluem muitos estudantes e centradas em algumas áreas
do conhecimento. Partindo de cinco postulados sobre a educação,
neste texto vamos desentranhar algumas das necessárias condições
que deve ter uma avaliação que contribua para melhorar a qualida-
de da educação.

Um dos elementos que caracterizam a educação em todo o


mundo nesta primeira década do novo século é a ênfase, em certas
ocasiões desmesurada, dada à avaliação. Em poucos anos passamos
de insistir na necessidade da avaliação como um elemento funda-
mental para a melhora, a certa obsessão por avaliar “qualquer coisa
que se mexa”. Isso está gerando uma grande quantidade de informa-

95
ção que ainda está por demonstrar que realmente contribua e oti-
mize a qualidade da educação e reduza as desigualdades existentes
nos sistemas educativos. É possível, inclusive, que em alguns casos
esta obsessão por avaliar, supervisar, controlar, certificar, homologar,
verificar.... esteja gerando uma certa desmotivação entre o professo-
rado. Assim, não é excessivo afirmar que a avaliação por si pode ser o
maior empecilho para a melhora da educação, para a geração de uma
educação de qualidade e equidade.
Curiosamente, enquanto o conceito de qualidade educativa dia
a dia se faz mais ambicioso e global, concitando uma adesão majori-
tária e crescente por assumi-lo e compreendê-lo é importante atender
os aspectos cognitivos, expressivos, cidadãos e os valores necessários
para o desenvolvimento integral dos seres humanos. Os sistemas na-
cionais de avaliação permanecem presos numa conceitualização da
qualidade que se reduz e se limita a dar conta do desempenho dos
estudantes em áreas curriculares chave, tais como Língua, Matemá-
ticas, Ciências e Ciências Sociais.
Assim, frente à imperiosa necessidade de gerar condições e
recursos para que as escolas ofereçam uma educação integral acorde
com as necessidades de um pleno desenvolvimento e inclusão social,
as sistemáticas e generalizadas avaliações nacionais dão poderosos
sinais que fazem da conquista cognitiva a coisa mais prioritária e
importante de medir e monitorar no campo educativo formal. Mais
ainda, tem se responsabilizado os sistemas nacionais de avaliação de
ter privilegiado um conceito de qualidade restringido a certas dis-
ciplinas e padrões que dificilmente podem cumprir as escolas que
atendem os setores pobres, podendo inclusive incentivar a seleção e
exclusão para contar com os melhores estudantes.
As críticas a esta fragmentação e redução da qualidade edu-
cativa por parte das avaliações nacionais padronizadas se veem in-
crementadas pela desconfiança e dúvidas a respeito da utilidade da

96
informação que elas geram, a fiabilidade e validez das provas utiliza-
das, os critérios de medição e a falta de consideração da diversidade
social e cultural do país no qual se aplicam, entre outros elementos.
Uma das mais duras críticas é, sem dúvida, aquela que diz que as
medições nacionais e as comparações internacionais terminam le-
gitimando diferenças que, em lugar de dar conta de diferenças nos
processos educativos, aludem à origem social das crianças.
Nesta breve reflexão, partindo de cinco postulados sobre a
educação, vamos desentranhar algumas das necessárias condições
que deve ter uma avaliação que contribua com a melhoria da quali-
dade da educação. Os postulados dos que assumimos sua veracidade
são os seguintes:
1. A educação está conformada por uma série de componentes
inter-relacionados e dependentes entre si formando um todo
global e inseparável.
2. A educação é uma tarefa compartilhada por famílias, docentes,
comunidade escolar no seu conjunto e sociedade.
3. A educação é uma tarefa para se desenvolver ao longo da vida
toda.
4. A educação, para que seja de qualidade, deve buscar o
desenvolvimento de todos e cada um dos estudantes.
5. A finalidade da educação é o desenvolvimento integral das
pessoas.
Em um segundo momento, e a modo de corolários, extraímos
algumas ideias acerca dos avanços que devem fazer os sistemas de
avaliação: a necessidade de avaliar os estudantes e os docentes nas
escolas, a importância de avaliar a participação social nas políticas
educativas assim como as Administrações educativas; a necessidade
de começar a se preocupar também pelo por quê e não só o quê: os
estudos de fatores associados; e, por último, considerar a participa-
ção social no desenho e no desenvolvimento das políticas públicas

97
de avaliação educativa. Como não pode ser de outra forma, algumas
ideias conclusivas fecham o texto.
Um enfoque global e integral da
avaliação da qualidade da educação
Partimos de dois postulados consistentes: por um lado, a edu-
cação está conformada por uma série de componentes inter-relacio-
nados e dependentes entre si formando um todo global e inseparável;
e, pelo outro, a educação é uma tarefa compartilhada por famílias,
docentes, comunidade escolar e sociedade. Se assumimos que am-
bos os postulados são verdadeiros, extremo que podemos fazer sem
excessivos problemas, nos encontramos com uma grave discrepância
entre a educação e a sua avaliação: se todos somos responsáveis, a
avaliação deve envolver a todos e sobre todos ter consequências.
Efetivamente, uma simples análise da realidade da avaliação
nos leva a comprovar que, no mundo todo, as avaliações de sistemas
educativos estão centradas quase exclusivamente no desempenho dos
estudantes, que ainda há poucas experiências de avaliação de escolas,
que pouco a pouco se estão generalizando sistemas de avaliação do
desempenho docente e que a avaliação das Administrações é pouco
mais que simbólica. E cada um destes componentes se desenvolve
como se fossem independentes do resto.
Avaliar a qualidade da educação requer um enfoque global
e integral conforme a complexidade e finalidade do objeto de dita
avaliação. Desde esta perspectiva, a avaliação exige fazer um juízo
de valor sobre como se desenvolve e que resultados gera o conjunto
do sistema educativo e seus componentes; isto é, desde a estrutu-
ra, organização e financiamento, o currículo e seu desenvolvimen-
to, o funcionamento das escolas, o desempenho dos docentes, o que
aprendem os estudantes na sala de aula e suas consequências no aces-
so a oportunidades futuras e mobilidade social. Um juízo de valor
que alimente a tomada de decisões dirigida à melhora dos níveis de

98
qualidade e equidade da educação e o faça a partir de uma adequada
leitura e análise macro e micro, assim como desde os próprios atores
do cenário educativo.
Desta forma, parece iniludível contar com sistemas de ava-
liação integrados, que considerem os diferentes componentes do
sistema educativo e cuja avaliação permita que estes se apoiem e re-
troalimentem. Isso não significa, por exemplo, que os resultados da
avaliação dos alunos devem ser a base da avaliação dos docentes, à vez
que a dos diretores. A avaliação dos distintos componentes (alunos,
docentes, diretores e outros profissionais, instituições, programas e
administrações educativas) tem seus próprios objetivos, metodologia
e repercussões diferenciadas. Porém, para que a informação gerada
desde as avaliações seja útil e oportuna para a tomada de decisões e
otimize a qualidade da educação dos sistemas, deve ser analisada e
considerada como parte de um todo e não de maneira isolada.
Com esta ideia de fundo, a pergunta é por onde começar a
mudar a avaliação para que siga este planejamento. Para ser coeren-
tes com o sentido e propósito da educação, tanto em direito humano
como da necessária qualidade que deve que ter, os sistemas de ava-
liação devem que assumir, em primeiro lugar, a relevância de po-
der aceder à educação desde cedo e permanecer nela pelo menos até
poder integra-se ao mundo do trabalho em condições de igualdade.
Em segundo lugar, uma avaliação que considere o direito de todos e
cada um dos estudantes a ser avaliados e receber os resultados; isto
é, superar o olhar sobre o rendimento a aprendizagem média para
ocupar-se da diversidade social e cultural de todos. Um terceiro as-
pecto -urgente de considerar- é a integralidade do desenvolvimento
dos sujeitos. Sendo central o potenciar e fortalecer o desenvolvimen-
to cognitivo dos sujeitos, tanto em dimensão fundamental que asse-
gura o acesso ao conhecimento, assim como o desenvolvimento das
destrezas e habilidades para sua apropriação e uso, não devemos pos-

99
tergar as dimensões valor, ética e sócio-afetiva implicadas no desen-
volvimento integral dos sujeitos, que uma educação de qualidade tem
que promover e ter a certeza de que se alcancem em e para todos.
A avaliação da educação sob o princípio
da aprendizagem ao longo de toda a vida
Considerando, talvez como terceiro postulado, que a educação
é uma tarefa a desenvolver ao longo da vida toda, a avaliação não
pode se centrar só na Educação Fundamental e na Secundária (Mé-
dia) Obrigatória, por mais importante que esta seja para o desenvol-
vimento das pessoas. Desta forma, parece necessário que os sistemas
de avaliação da qualidade da educação considerem aqueles outros sis-
temas educativos alternativos aos escolares formais, ao mesmo tempo
que abordem não só as etapas obrigatórias na trajetória formativa dos
sujeitos, senão também aquelas anteriores e posteriores, mas igual-
mente relevantes em dito percurso. Ou seja, é preciso desenvolver
sistemas de avaliação coerentes com o princípio de aprendizagem ao
longo da vida (Long Life Learning).
A educação na primeira infância mostra que os meninos e me-
ninas que acedem a ela, chegam melhor preparados para enfrentar os
processos e desafios escolares do sistema formal obrigatório, que os
que não a tem. Em efeito, a etapa do desenvolvimento que vai desde
o nascimento até os 6 ou 7 anos é considerada, desde a biologia e as
ciências cognitivas, como o período mais significativo na formação
do individuo (UNESCO, 2007); por isso, não resulta casual que a
assistência à educação pré-escolar seja uma variável de alta significa-
ção na explicação do sucesso escolar nos primeiros anos de educação
básica. Esta experiência formativa formal, anterior à idade escolar,
permite à criança desenvolver habilidades e conceitos básicos como
a ampliação e manejo de novo vocabulário, comunicação oral e ex-
pressiva, desenvolvimento do pensamento lógico, orientação espacial
e desenvolvimento da motricidade, entre outros, necessários para um

100
melhor aproveitamento de sua trajetória escolar. No caso das crian-
ças de famílias pobres e vulneráveis, esta educação infantil cobra
ainda maior relevância, por quanto contrapesa as condições desfavo-
ráveis que podem acontecer nas suas famílias, tais como baixo capital
cultural e social, limitações no acesso e uso de recursos educativos
e falta de ambientes favoráveis para a formação e a aprendizagem.
Assim, o acesso à educação infantil tem mostrado ser efetivo para
contra-restar o fracasso escolar nos primeiros anos do ensino básico.
Resulta relevante, então, poderem avaliar quais são as características
e condições de uma boa educação infantil, assim como a acessibili-
dade e disponibilidade de espaços onde isto suceda.
Por outra parte, tão relevante como concluir a educação obri-
gatória é contar com a possibilidade de uma formação e atualização
permanente para todos, não só pela sua implicância na continuidade
de estudos superiores (técnicos-universitários), senão para assegurar
um acesso permanente à geração do conhecimento, tanto tecnológi-
co como científico, necessário para conseguir reorientar e inovar no
âmbito laboral de acordo com os novos desafios e demandas próprios
do desenvolvimento e transformação sociocultural. É por isso funda-
mental que os sistemas de avaliação da qualidade integrem as ofertas
e espaços de formação permanente, para dar conta da pertinência e
utilidade da formação de adultos.
Por último, as preocupantes taxas de fracasso escolar em ida-
des de escolarização obrigatória que acontecem no mundo todo -e
que afetam principalmente os mais pobres e vulneráveis- deixam um
alto número de meninos, meninas, adolescentes e jovens sem a pos-
sibilidade de aceder ao conhecimento e com poucas oportunidades
de mobilidade social, truncando seu desenvolvimento pessoal e cida-
dão. Cobra assim especial relevância, a existência de espaços e alter-
nativas não formais para a recuperação e reinserção dos estudantes
que abandonam o sistema formal. Com ofertas alternativas adequa-

101
das é possível que os meninos/as e jovens desenvolvam projetos de
identidade pessoal e laboral baseados na aquisição de capacidades e
competências que não alcançaram no sistema formal e que resultam
indispensáveis para a incorporação e o funcionamento na sociedade
e o mundo moderno. A partir daí, então, que se requeira contar com
sistemas de avaliação que dêem conta das condições e processos que
se oferecem, tanto desde os próprios sistemas como de organismos
não governamentais, tendentes a reinserir os desertores como a ofe-
recer-lhes uma educação e capacitação alternativa.
Da avaliação da maioria, à avaliação de todos
Como quarto postulado propomos que a educação, para que
seja de qualidade, deve buscar o desenvolvimento de todos e cada um
dos estudantes. Assim, outro aspecto iniludível de abordar desde a
avaliação da qualidade da educação, é a consideração e reconheci-
mento da diversidade dos estudantes em cultura, língua materna,
gênero, capacidade, classe social... Isto supõe dar importantes passos
que façam possível o trânsito desde sistemas de avaliação desenhados
para a maioria dos estudantes, para sistemas que assumam e sejam
capazes de dar conta da diversidade e heterogeneidade dos meni-
nos, meninas e jovens, em tanto coletivos com identidades, línguas,
universos simbólicos, recursos e necessidades próprias. Requer-se de
avaliações que mostrem e reflitam o desenvolvimento e aprendiza-
gens de mulheres e homens, com diferentes capacidades, de estu-
dantes de distintos níveis socioeconômicos, provenientes de variados
contextos e zonas geográficas, pertencentes a diversos grupos étnicos
ou imigrantes, entre outros, para poder dar maior relevância e perti-
nência à educação que estes grupos e coletividades necessitam.
Falamos de uma perspectiva avaliativa capaz de fazer emergir
o diverso e o distinto dos estudantes para, a partir daí, emitir juízos
válidos e pertinentes a respeito do que eles conquistam no seu processo
educativo, tanto como os fatores ou condições que o explicam. Desde

102
esta perspectiva, corresponde à avaliação responder, por exemplo, pelo
tipo e relevância das capacidades e competências que a escola consegue
desenvolver nas diversas populações de estudantes, pelo aporte que tem
o ensino a partir da língua materna, na aquisição de habilidades e ca-
pacidades na comunicação oral e escrita da língua dominante ou, pelas
implicâncias da educação no desenvolvimento socioafetivo ou a convi-
vência democrática das suas comunidades e estudantes.
Em outras palavras, a avaliação tem que contribuir à melhora
dos níveis de inclusão da educação, facilitando a construção de es-
tratégias para que todos e todas possam desenvolver-se plenamente
a partir das suas capacidades, saberes prévios, interesses e necessi-
dades. A justiça educativa -o que implica sua qualidade- também se
deverá medir pela capacidade dos sistemas escolares de incorporar e
potenciar a todos as crianças e jovens.
A avaliação do desenvolvimento integral dos estudantes
O postulado quinto faz referência a que a finalidade da educa-
ção é o desenvolvimento integral das pessoas. Da sua veracidade ob-
temos como corolário que a avaliação da educação deve dar resposta
ao cumprimento desta missão.
Há consenso em aceitar que é importante dar conta das con-
quistas dos estudantes em termos da possibilidade de expressar e
comunica-se, ter acesso e usar a informação, desenvolver o pensa-
mento lógico, explorar e explicar fenômenos, entre outras faculdades
que se potenciam com o ensino da língua e a matemática. Mas é
igualmente relevante, analisar e emitir juízos fundados com respeito
ao aporte da educação ao desenvolvimento de atitudes, disposições e
comportamentos relacionados com o conhecimento de si mesmo, as
emoções próprias e dos demais, as normas e princípios que orientam
uma boa comunicação e criam relações de convivência harmônicas e
propositivas. Neste olhar integral tem que estar presentes, com igual
força, os princípios e critérios oferecidos e adquiridos para a tomada
de decisões que tem a ver com respostas éticas que fazem possível o

103
respeito e valoração pelo outro e a diversidade, assim como a capaci-
dade de projetar e promover uma sociedade justa e inclusiva.
Há dois aspectos a considerar neste desafio para a avaliação:
por um lado, a necessária consideração de todas as dimensões im-
plicadas no desenvolvimento integral dos sujeitos; e, pelo outro, sua
abordagem tanto em dimensões completamente inter-relacionadas,
que se nutrem e se constroem num permanente diálogo. A avaliação
tem grande poder para orientar e pressionar os sistemas, escolas e
atores em função daquilo que será avaliado. Efetivamente, um dos
efeitos perversos da avaliação é que parece que só é importante aqui-
lo que se avalia, de tal forma que muitos docentes estão centrando a
formação no ensino da Matemática ou da Língua, esquecendo que o
desenvolvimento socioafetivo e ético é tão importante como o cog-
nitivo e de fato o favorece. Por sua parte, ainda quando a escola não
intenciona nem organiza o ensino e a aprendizagem destas dimen-
sões, como sim o faz com os saberes formais, sempre incide e as afe-
ta significativamente, sendo muito pouco o que se sabe ao respeito.
Desta maneira as consequências que a educação e a escola têm nestas
dimensões ficam submergidas o ignoradas e, por conseguinte, não se
conhece que é o que ela deve melhorar para realmente desenvolver
integralmente os sujeitos.
Avaliar estudantes e docentes nas suas escolas
Dos anteriores cinco postulados, podemos extrair uma série
de corolários para a avaliação. O primeiro deles faz referência a
avaliar tanto os estudantes como os docentes dentro do contexto
da sua escola.
Efetivamente, na atualidade existe consenso em considerar a
escola no seu conjunto como o centro da atividade educativa formal
na hora de avaliar o que as crianças aprendem no seu processo. A in-
formação se fragmenta e não contribui muito para a melhora reque-
rida se, por exemplo, as obtenções ou aprendizagens dos estudantes
não se enquadram e se analisam em relação com as características

104
e condições da prática docente, com os recursos disponíveis, com
o acesso e uso de tecnologias, com o clima da escola e da sala de
aula, ou com as expectativas que sobre eles manifestem docentes e
diretores, entre outros. Por isso, se se quer avançar em qualidade, os
sistemas de avaliação devem considerar a escola na sua integralidade
e complexidade pedagógica, social e cultural, como o espaço que me-
lhor informação pode proporcionar com relação à eficácia, eficiência,
pertinência, relevância e equidade da educação que estão recebendo
os meninos, as meninas e os jovens.
A equidade se inicia e se desenvolve na sala de aula e na escola.
Em consequência, se requer contar com docentes justos e competen-
tes, assim como diretores atentos e preocupados pelo desempenho
dos professores e sua consequência nos avanços e resultados dos estu-
dantes. A qualidade e equidade educativas requerem uma convicção
profunda de que todos os meninos e as meninas podem aprender e
tem o direito de receber os recursos, a orientação e apoios pedagógi-
cos necessários para consegui-lo e desenvolver-se integralmente.
Neste ponto convém sublinhar que as conquistas e resultados
dos estudantes, assim como a apropriação de princípios e valores in-
dividuais e coletivos, são uma clara consequência das rotinas, proces-
sos, subjetividades e práticas das escolas e suas comunidades, fazendo
absolutamente necessário poder contar com estratégias e instrumen-
tos que ao avaliar o que ocorre com os estudantes - o façam consi-
derando todo o anterior, de uma maneira justa e contextualizada.
Resulta assim necessário considerar todos aqueles fatores que a nível
institucional, próprios dos docentes e da sala de aula, permitem ou
limitam o acesso ao conhecimento, à apropriação de aprendizagens
significativas e ao desenvolvimento integral dos seus estudantes.
Avaliar a escola no seu conjunto favorece a compreensão de
um micro-espaço público no qual se reflete e se projeta a socieda-
de a partir de realidades e contextos específicos e no qual as ações

105
educativas e suas consequências, adquirem uma transcendência re-
levante para orientar o desenvolvimento da sociedade que se quer
alcançar. Assim, a avaliação de centros escolares que alimenta o sis-
tema e reingressa os resultados às próprias escolas e às comunidades
educativas, contribui ao fortalecimento e apoio do sistema educativo,
como às próprias instituições escolares. Isso permite que se articu-
lem e atendam adequadamente necessidades de populações muito
diversas, desiguais e heterogêneas, entregando-lhes os elementos que
lhes permitam instalar as condições para que cada menino e menina
obtenha aprendizagens significativas, melhore seus rendimentos e se
incorpore e contribua como cidadão pleno à sociedade.
Avaliar a participação social nas políticas educativas
Se, como defende nosso segundo postulado, a educação é uma
tarefa que compete à sociedade no seu conjunto, é indispensável am-
pliar e fortalecer a participação social, fomentando o compromisso
e a corresponsabilidade de todos os setores da sociedade (públicos
e privados). Para isso, as sociedades e sistemas educativos têm que
promover esta participação, gerando as condições para integrar e
ampliar as possibilidades de contribuição cidadã na formulação, exe-
cução e avaliação de políticas educativas, no intuito de fazê-las mais
pertinentes, relevantes ao mesmo tempo em que as valida e as legiti-
ma, assegurando assim os efeitos e impactos delas esperados.
Uma ampla participação social na educação abre portas à ins-
titucionalização de mecanismos e sistemas de prestação de contas e
responsabilização, por aquilo que é feito na educação. Estes meca-
nismos se consolidam como aspectos determinantes para a qualidade
educativa e neles a avaliação pode contribuir de maneira substantiva.
A esse respeito, são ao menos quatro os elementos implicados na
prestação de contas: a) informação sobre a qualidade dos processos e
resultados do sistema educativo; b) dados para saber qual é a distân-
cia entre as conquistas alcançadas e aquelas desejáveis e esperadas; c)

106
competências e responsabilidades da escola para que tenha a capaci-
dade de tomar decisões com o propósito de melhorar a qualidade do
serviço; e d) consequências para os responsáveis.
Por último, e dado que a participação na educação comprome-
te distintos níveis e atores, resulta interessante deter-se nos princi-
pais, a fim de visibilizar quais serão os desafios para a avaliação:
i) A participação dos organismos da sociedade civil. Os diversos atores
ou grupos de interesse da sociedade civil que participam do
campo educativo requerem uma atenção especial desde a ava-
liação. Eles diferem não só desde seus interesses, senão tam-
bém respeito a sua localização no cenário educativo (adminis-
tradores, financistas, pesquisadores, avalistas ou controladores,
por exemplo) e do seu grau de incidência nas políticas que se
desenham e implementam na educação: tudo isso considerando
também sua particular expressão nos distintos países.
ii) A participação da comunidade local. No nível local, a partici-
pação da comunidade (associações comunitárias, organizações
territoriais, culturais, esportivas, etc.) na educação adquire es-
pecial relevância para dar-lhe pertinência, ao mesmo tempo
em que evidencia papéis e responsabilidades necessários de
exercer e cumprir desde este microespaço e pelos seus distintos
atores. Incluir um olhar avaliativo que, por exemplo, de conta
da existência de redes de apoio para as escolas ou de estraté-
gias e espaços de articulação com empresários, universidades
e fundações, certamente favorecerá a qualidade da educação e
dos recursos com os quais as escolas contem.
iii) A Participação das Famílias. A evidência empírica mostra uma
relação clara entre desempenho dos estudantes e participa-
ção e implicação da família na escola e no processo educativo.
Deste modo, é possível afirmar que os meninos cujos pais são
parte fundamental do processo de formação tem uma melhor
oportunidade para adquirir as habilidades sociais que os le-

107
varão ao êxito na escola e na vida. A avaliação deve dar conta
também do tipo de participação de pais e mães que contribui
em tal direção.
A partir do contexto anterior, se faz visível a relevância da
avaliação da participação social na educação, completando assim o
conjunto de dimensões e fatores que determinam finalmente os pro-
cessos e resultados que se geram e obtém na sala de aula.
As Administrações educativas também devem ser avaliadas
A possibilidade de oferecer uma educação de qualidade em
cada escola se sustenta e depende de maneira importante na qualida-
de da gestão que realizam as administrações educativas. Em efeito,
recaem nelas funções e responsabilidades pedagógicas, administra-
tivas e financeiras essenciais para o bom funcionamento dos cen-
tros e a qualidade dos resultados escolares, tais como: a política de
contratação dos professores e diretores, a fixação de remunerações, a
geração, distribuição e uso de recursos, supervisão e monitoramento
da execução de programas educativos e sociais implementados nas
escolas, ofertas de formação continua pertinentes, sistemas de super-
visão e apoio técnico pedagógico aos estabelecimentos, entre outros.
Assim, quando estas entidades instalam mecanismos de apoio
e supervisão técnico-pedagógicos o gerenciam os recursos em fun-
ção das necessidades e características próprias dos centros, se afetam
positivamente as práticas de gestão escolar, os processos de ensino-
aprendizagem e o sentido de pertença de toda a comunidade educa-
tiva, gerando identidade, compromisso e responsabilidade com os
processos de aprendizagens e com as metas de resultados dos estu-
dantes. Pelo contrario, quando persiste uma visão da administração
das escolas centrada fundamentalmente no gasto que estas represen-
tam e só se limitam a distribuir os recursos entregues pelos Minis-
térios para que elas sigam funcionando, sem atender os processos,
avanços ou dificuldades que apresentam, sua gestão não contribui

108
para fortalecer as ações que permitiriam melhorar aprendizagens e
resultados escolares, nem fortalece o desempenho profissional de do-
centes e diretores.
A qualidade da gestão e apoio das administradoras educativas
de escolas que atendem setores pobres tem sido principalmente ques-
tionadas por não estar atentas às necessidades dessas escolas e seus
atores para funcionar de maneira adequada. Se questiona seu rol na
entrega e distribuição de recursos, assim como na supervisão e regu-
lação que lhe corresponde nos aspectos administrativos que incidem
diretamente no rendimento dos meninos, tais como absentismo e
abandono escolar, seleção e distribuição de professores, substituições
e estratégias para atender o absentismo docente e para controlar essa
ausência. Da mesma maneira, se tem visto que quando as adminis-
tradoras realizam um apoio pedagógico adequado às escolas através
das suas equipes técnicas, se observam melhores processos e apren-
dizagens nos alunos. Em consequência, parece absolutamente ne-
cessário avaliar o desempenho das administradoras responsáveis das
escolas, em todos os aspectos anteriormente mencionados.
Os estudos de fatores associados
Na atualidade não é possível conforma-se com formular uma
valoração acerca do desenvolvimento ou dos resultados do trabalho
de alunos, docentes, escolas, programas ou sistemas educativos. Se
se pretende aportar ideias que contribuam a incrementar os níveis
de qualidade e equidade da educação, é imprescindível dar respostas
válidas sobre as razões que explicam esse desenvolvimento ou esses
resultados. Desta forma, e em simultâneo com o “quê”, se tem que
avançar nos “porquês” da situação.
Em coerência com esta ideia, a maioria dos sistemas de avalia-
ção se tem questionado sobre a necessidade de desenvolver estudos
de fatores associados. Porém, ainda há muito trabalho que desen-
volver nessa linha. Os estudos são escassos, pouco difundidos, não

109
sempre rigorosos desde o aspecto técnico e metodológico e, o que no
final é mais grave, tem uma utilização muito escassa para a tomada
de decisões nos diferentes níveis do sistema educativo: sala, escola e
sistema educacional. De tal forma que se faz necessário dar alguns
passos além para os estudos de fatores associados:
1. Igualmente ao que se apresentava para a avaliação, é necessário
desenhar e desenvolver estudos de fatores associados para o
nível secundário, para a educação pré-escolar e para a pós-
obrigatória; ou seja, ampliar o estudo de fatores associados à
concepção de educação ao longo de toda a vida.
2. Estudar o tema dos efeitos escolares e suas propriedades cien-
tíficas (estabilidade, consistência, eficácia diferencial e perdu-
rabilidade dos efeitos).
3. Conhecer os fatores associados à aquisição de valores.
4. Aprofundar mais em relação ao que ocorre na sala de aula.
5. Desenhar e desenvolver estudos longitudinais.

Ademais, é importante sublinhar três ideias fundamentais que


tem que orientar a investigação sobre fatores associados. Em pri-
meiro termo, é necessário não perder de vista nunca a equidade da
educação como um aspecto determinante dos estudos de fatores as-
sociados. Uma das notas características da investigação sobre fato-
res associados é a preocupação pela equidade da educação, tanto no
objeto, muito centrado em escolas em contextos menos favoráveis,
como no objetivo de estudo.
Em segundo lugar, parece necessário voltar o olhar às peda-
gogias. Já não é tudo gestão ou ação docente, também é necessário
recuperar essa visão global de porquê, para quê, quê e como da ação
educadora. Assim, além da análise das atividades que desenvolve o
docente e inclusive das didáticas como estratégias que facilitam a
aprendizagem, é preciso retornar a Pedagogia como o conjunto de

110
saberes que se ocupam da educação como fenômeno tipicamente so-
cial e especificamente humano.
Por último, é preciso avançar num olhar global dos fatores as-
sociados. Uma escola de qualidade não é a soma da soma de elementos
isolados. Estas escolas têm uma forma especial de ser, de pensar e de
agir, algo que pode ser chamado de uma cultura de qualidade. E neste
olhar global, a comunidade escolar, os “autores educativos” (mais que
os atores) cobram uma especial relevância, por quanto são eles quem
geram, criam e readequam ditas formas de ser, de agir e de pensar.
A participação social no desenho no desenvolvimento
das políticas públicas de avaliação educativa
Se pretende-se que a avaliação contribua de uma forma eficaz a
melhorar os níveis de qualidade e equidade dos sistemas educativos e não
se converta num mecanismo de dominação sobre os mais fracos, é im-
prescindível que o seu desenho e desenvolvimento se realizem mediante
um processo de negociação com o conjunto da comunidade educativa.
Efetivamente, a participação social nas políticas de avaliação
educativa se constitui hoje não só como uma exigência ética impres-
cindível, senão como a única forma em que a avaliação pode contri-
buir ao desenvolvimento de processos de mudança, tanto pessoais
como institucionais e sócio-culturais, que tenham um impacto real
na melhora da educação. E esta afirmação se vê sustentada pelos
seguintes postulados:
– Em primeiro termo, e tal como foi assinalado, a participação
social no desenho de políticas públicas se ergue como um re-
quisito imprescindível para o desenvolvimento de uma socieda-
de plenamente democrática.
– Em segundo lugar, a experiência em muitos países tem de-
monstrado que nos casos nos que a avaliação não tem sido ne-
gociada e combinada com os diferentes atores, esta se converte
numa simples máquina repressora. E isso se aplica tanto para

111
a avaliação da aprendizagem dos alunos como para a avaliação
dos docentes, as instituições ou os programas.
– O terceiro elemento a considerar é que qualquer processo de
melhora implica, necessariamente, reflexão, compreensão e
melhora da própria prática de estudantes, docentes, diretivos,
administradores ou supervisores. Portanto, a avaliação só será
útil na medida em que contribua a essa reflexão pessoal e cole-
tiva. Isto é, na medida em que seja aceita, crível e útil.
Desta forma, a avaliação em educação deve ser desenhada consi-
derando que sua finalidade última é incrementar os níveis de qualidade
e equidade dos sistemas educativos, mas também definir e combinar o
quê, o para quê e o como tem que ser feita dita avaliação; são processos
e respostas nos quais deve participar a sociedade no seu conjunto.
Ideias conclusivas
Para fechar este texto, compartilhamos algumas conclusões
que, a modo de reflexão, buscam centrar a atenção não só em qual
tem que ser o objeto da avaliação dos sistemas nacionais, ou sua pers-
pectiva e estratégia metodológica mais pertinente, senão principal-
mente no seu sentido e contribuição para fortalecer e promover uma
educação de real qualidade para todos os estudantes.
Com esse espírito, sinalizar que a envergadura dos desafios e
numerosos temas pendentes que têm que abordar e solucionar os sis-
temas educativos, suas escolas e comunidades, não podem desapro-
veitar ou ignorar o enorme potencial que tem a avaliação para ajudar
na consecução de tais metas e aspirações. Esta qualidade educativa
que se converte no norte e, a estas alturas, no centro das maiores crí-
ticas no cenário educativo, requer ser pensada também desde a ava-
liação uma vez que é mais um dos seus componentes e, nisso os siste-
mas nacionais tem um rol protagonista. Uma educação de qualidade
há de se nutrir de uma avaliação que se constitua e aja como aliada

112
e parte do mesmo desafio para encontrar as claves socioculturais,
normativas, financeiras, institucionais, pedagógicas o relacionais que
permitam educar e desenvolver plena e integralmente a cada menino,
menina ou jovem que transite pelas suas salas de aulas e escolas.
Em efeito, o Estado e as instituições educativas devem garan-
tir uma educação de qualidade para todos. Avançar em tal direção e
ter êxito em tamanha tarefa supõe agir e propor de maneira justa e
equitativa, ações pertinentes e relevantes com respeito ao desenvol-
vimento pessoal integral (cognitivo, ético-moral, emocional, físico e
criativo); ao desenvolvimento social e participação cidadã e democrá-
tica, e ao desenvolvimento econômico.
Pero promover e oferecer uma educação de qualidade, supõe
também dar atenção à necessidade de aprender ao longo de toda a
vida, desde a primeira idade até a aprendizagem contínua que acom-
panha a vida adulta. E tudo isso deve acontecer e ser conquistado
em condições de justiça, assegurando e velando para que existam as
condições, recursos e capacidades profissionais que permitam que
estas metas sejam uma realidade para todos e todas.
Desde este marco, as entidades e sistemas nacionais de ava-
liação desde onde se tem buscado atender e conhecer do estado de
avanço ou obtenção desta qualidade educativa, tem que se sustentar
sobre certos princípios e redefini-se a partir de um novo paradigma.
Repassemos seus enfrentamentos ou desafios mais importantes:
i) Assumir a complexidade e integralidade do conceito de qualidade
educativa. Os sistemas nacionais de avaliação têm que en-
riquecer e ampliar seu atual objeto de análise. Tal como se
tem sinalado, se ocupar da qualidade educativa dos sistemas
o daquela oferecida nas escolas, é bastante mais que medir as
aprendizagens cognitivas que conseguem os estudantes em
determinadas áreas do saber, ou padronizar os resultados nelas

113
esperados, para depois constatar as brechas ou distâncias com
os desempenhos dos estudantes daqui ou de lá. Com certeza, a
qualidade educativa é muito mais do que hoje se está analisan-
do e avaliando desde estes sistemas nacionais. Resulta assim
urgente desenvolver instrumentos e estratégias que permitam
dar conta da qualidade do ensino e a aprendizagem que ocorre
no âmbito dos valores, da questão cívica, expressiva ou emo-
cional, entre outros.
ii) Integrar níveis, componentes e atores. Para colaborar e assegurar
uma educação de qualidade, a avaliação tem que se deter para
olhar integradamente os desempenhos, as competências e prá-
ticas dos distintos atores do cenário educativo. Assumir assim,
desde a definição do seu objeto, seus dispositivos metodológi-
cos e perspectiva analítica, quê o quê ocorre com os estudantes,
se explica e adquire sentido por aquilo que fazem ou deixam de
fazer seus docentes e diretores. De tal forma que os sistemas de
avaliação têm que avançar numa avaliação total situada e con-
textualizada. Analisar o desempenho de estudantes, docentes
e diretores nas suas escolas, como parte e consequência de roti-
nas, culturas e realidades distintas, permite compreender o que
ali ocorre e ter maiores argumentos e certezas naquilo necessá-
rio de modificar para melhorar a qualidade buscada.
iii) Avaliação ao serviço da qualidade em educação e não tanto em juí-
za e sancionadora dos seus problemas e fracassos. Deixamos para o
final, o desafio que estimamos talvez como o mais importante
que deverão enfrentar os sistemas nacionais de avaliação: fazer
da avaliação da qualidade, um recurso relevante para fortale-
cê-la e melhorá-la, em vez de se manter como esta instancia
sancionadora e crítica que só nos lembra permanentemente o
quanto nos falta para conseguir dita qualidade.

114
Uma adequada avaliação pode contribuir para conseguir uma
melhor educação para todos e, com isso, contribuir para alcançar
uma sociedade mais justa, solidaria e inclusiva. Uma má avaliação
pode ser o melhor meio para perpetuar esta injusta sociedade.
A avaliação é uma arma poderosa; temida e respeitada no
campo educativo. Poderosa em emitir os sinais que marcam o rumo
do prioritário por fazer em nível de sistema, as escolas e as salas de
aula; temida pelas consequências políticas, pessoais e profissionais
que suas evidências acarretam, e respeitada pela sua crescente sofisti-
cação e desenvolvimento técnico e metodológico que fazem com que
seja cada vez mais complexo e arriscado “discutir” com seus resulta-
dos. É tarefa e responsabilidade dos sistemas nacionais de avaliação
ocupar e por seu grande potencial ao serviço da qualidade.

115
6

A Qualidade do ensino como


parte do Direito à Educação:
Um debate em torno dos indicadores

Romualdo Portela de Oliveira


Universidade de São Paulo

Resumo: Ao longo do século XX, expandiram-se significativamen-


te as oportunidades de acesso e permanência no sistema escolar
para amplas camadas da população. Em todo o mundo, chega-se
aos anos 2000 com o ensino obrigatório praticamente universali-
zado no que diz respeito ao acesso. Ainda que com uma distância
de quase um século entre os países desenvolvidos e os subdesen-
volvidos, esta expansão, de evidente característica democratizado-
ra, apresenta um novo desafio, tanto para a pesquisa em educação,
quanto para as políticas públicas. A incorporação das parcelas mais
pobres e discriminadas da população no sistema escolar evidenciou
uma nova forma de desigualdade: a do acesso ao conhecimento. As
medidas em larga escala evidenciam uma diferenciação entre dife-
rentes grupos sociais no que diz respeito a seus resultados escolares.
Assim, dentro de uma perspectiva de construção de um sistema
escolar que não reproduza desigualdades sociais préexistentes, a
busca por uma educação de qualidade para todos tornou-se uma
das questões centrais da agenda da política educacional. Entretan-
to, a dificuldade em se definir o que seja qualidade, ou pelo menos
se conseguir algum acordo sobre seu significado, de modo a ser um
orientador de políticas, tem levado o termo a revestir-se mais de
recurso retórico do que prático. Esta apresentação buscará discutir
o que poderia ser uma noção de qualidade da educação passível de
utilização na formulação de políticas públicas.

O panorama educacional brasileiro alterou-se substantivamen-


te nas últimas duas décadas. No final dos anos 1980, discutíamos
questões como acesso à escola, nomeadamente ao ensino fundamen-
tal e o progresso no interior do sistema. Os índices de reprovação da

117
primeira para a segunda série eram alarmantes, chegando, em 1990,
a 53%. Em seu já clássico trabalho sobre o fluxo escolar, Sérgio Costa
Ribeiro e Rubem Klein afirmavam que tínhamos uma “Pedagogia da
Repetência”. De fato, de cada cem crianças que iniciavam a primeira
série, apenas vinte e duas logravam atingir a oitava, ainda assim,
com um tempo médio de onze anos, ou seja, com uma média de três
reprovações! (Ribeiro, 1991). Tais constatações corroboravam resul-
tados de pesquisas qualitativas que evidenciavam a perversidade e a
inutilidade da reprovação, indicando-a como o principal problema
educacional brasileiro. (Cf. Patto, 1990).
Isso fez com que as políticas públicas de educação focassem no
problema da reprovação. Foram implantadas políticas de combate a
essa prática, quer implícitas, os sistemas de ensino tentavam induzir
uma cultura de aprovação, quer explícitas, simplesmente proibia-se
a reprovação, via mecanismos de ciclos ou a mal denominada “apro-
vação automática”. Entretanto, essas políticas foram implantadas de
forma caótica. Nem sempre os programas tiveram a preocupação de
dialogar com os profissionais das redes de ensino, formados na con-
cepção de que a boa escola é a que reprova. Essa assimetria entre
o que os profissionais do ensino concebiam como boa escola e os
objetivos de combate à reprovação, implantadas pelos gestores dos
sistemas de ensino, fez com que esta meta democratizadora fosse
implantada “à força”, sem se disseminar como um valor a ser defen-
dido e perseguido pelo magistério. É por conta disso, que em todo
momento que se relaxa na implementação de políticas de combate à
reprovação, esta volta a subir. Ela ainda faz parte da cultura escolar
como indicativo de boa escola.
Enquanto logramos ampliar os patamares de permanência no
sistema, não fomos capazes de enfrentar o desafio de escolarizar po-
pulações que jamais chegaram à escola ou dela eram sistematicamen-
te excluídas, com a pecha de incapazes. (Cf. Peregrino, 2006). Em-

118
prestando-se a expressão de Jonathan Kozol (1992), “culpabilizava-se
a vítima.” Combateu-se a reprovação, no seu aspecto mais evidente,
reduzindo-a, mas não se empreendeu um processo de enfrentamento
das suas causas. Estas, portanto, voltariam de outra forma. A repro-
vação é a manifestação de um não aprendizado. Quando o aluno é
reprovado entende-se que ele não conseguiu aprender os conteúdos
programáticos previstos e os processos de recuperação utilizados não
surtiram efeito. Ao combater a reprovação, os programas implemen-
tados ficaram na aparência e não se dedicaram ao problema essencial,
o não aprendizado. Isso foi agravado pela imposição da aprovação,
pois a escola que anteriormente se escudava na evasão ou nas múlti-
plas reprovações para sedimentar o discurso de que “a educação vai
bem, mas os alunos são ruins ou desistem”, passou a construir outras
justificativas para a exclusão, agora não da escola, mas na escola. A
permanência na escola de alunos anteriormente excluídos modifi-
cou profundamente o ambiente escolar. Afloraram problemas no seu
interior, a violência, a tensão entre professores e alunos, o chamado
“clima escolar” entra na agenda. Práticas escolares longamente es-
tabelecidas foram subitamente relegadas ao museu das inutilidades
pedagógicas. O professor que barganhava “nota e aprovação” por
comportamento e envolvimento perde o discurso. Mais do que isso,
as populações que permanecem na escola, além de apresentarem
resultados escolares inferiores às que já a freqüentavam, são pouco
atraídas pelo discurso da escolarização como mecanismo de ascensão
social, que garante a adesão às práticas escolares por aqueles que al-
mejam “futuro” via escola. Estas populações não encontram espaço
na escola que se lhes oferece. Questionam-na em seus métodos, seu
currículo e seu sentido social. Tal questionamento é mais acentuado
no Ensino Médio, onde se amplia a dissociação entre escolarização e
vida. De toda maneira, a indagação de sentido (incluindo seus méto-
dos e linguagens) da escolarização ganha relevância. O professorado,

119
não formado para o desafio de repensar as práticas escolares, insiste
em rotinas históricas. Essas alterações no panorama escolar tornam
a discussão em torno da qualidade de ensino, amplamente polissê-
mica, ainda que o tema seja discursivamente considerado o problema
fundamental com razoável grau de consenso.
Uma das dimensões do que vem sendo considerado como qua-
lidade, que se pode considerar hegemônica, é a expressa nos resulta-
dos das medidas em larga escala, amplamente difundidas nas últimas
décadas. As testagens apenas evidenciaram o que já se sabia. Nossos
patamares de proficiência são muito baixos. Em outras palavras, nos-
sas escolas não conseguem ensinar. Nas comparações internacionais
nos colocamos em posições muito ruins, mesmo quando compara-
dos com países vizinhos, mais pobres e menos desenolvidos que nós.
Segundo dados apresentados no Relatório de Monitoramento Glo-
bal de Educação para Todos – 2010, da Unesco, mais de 40% dos
estudantes brasileiros, mexicanos e indonésios estavam no nível 1
ou abaixo deste no PISA - Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes1: “essas crianças eram incapazes de demonstrar níveis de
alfabetização que tipicamente seriam alcançados na metade da escola
elementar nos países da OCDE.” (Unesco, 2010, p. 106).
Quando o aluno permanece na escola, é aprovado e não apren-
de, a natureza do problema muda em relação à situação anterior na
qual o aluno simplesmente reprovava e era excluído. Ainda que per-
maneçam discursos justificadores da exclusão do tipo “ o aluno não
quer aprender”, “não tem condições”, “as famílias são desestrutura-
das”, a permanência deste aluno na escola por oito anos (agora, cator-
ze anos2!), ao fim dos quais seu aprendizado é muito reduzido, coloca

1 O Pisa é uma avaliação internacional de estudantes que completaram oito anos de escolarização desti-
nada a avaliar suas condições de inserção na sociedade do século XXI. Os estudantes situados no nível 1
de proficiência são considerados em risco no processo de transição da escola para o trabalho.

2 Nos últimos anos assistimos a ampliação da obrigatoriedade da educação. Primeiramente, por meio da
Lei 11.114, de 16/05/2005, que estabeleceu a obrigatoriedade do início do Ensino Fundamental aos seis
anos. Posteriormente, por meio da Lei 11.274, de 06/02/2006, que estabeleceu o Ensino Fundamental de

120
a instituição escolar em cheque. O que estamos fazendo de errado
a ponto de trabalharmos com uma criança durante oito-nove anos,
ao fim dos quais ela não consegue demonstrar padrões mínimos de
aprendizado?
Estes elementos fizeram com que o debate educacional fosse
deslocado para a temática da qualidade do ensino. Por este termo,
no sentido dominante, entende-se a necessidade de se fazer com que
nossos alunos se saiam melhor em testes de proficiência, ou de uma
forma mais conceitual, que sejam capazes de dominar os códigos
lingüísticos e os rudimentos da matemática previstos para o Ensino
Fundamental, como mínimo. Assim, assistimos, nos últimos anos,
a uma crescente preocupação com a qualidade de ensino entendida
como aquelas práticas que tenham como resultado mensurável que o
aluno aprenda, ainda que isto se verifique em apenas alguns compo-
nentes curriculares.
Este artigo procura refletir sobre esse processo, argüindo a
necessidade de se formalizar o que se entende por qualidade de en-
sino, ao mesmo tempo em que procura sintetizar o que conseguimos
acumular de conhecimento na pesquisa recente sobre um indicador
adequado de qualidade.
Em resumo, a questão, sob uma perspectiva democrática, é
observável em um dos princípios de nossa educação, enunciado na
Constituição Federal, artigo 206, VII, que garante a todos os bra-
sileiros um padrão de qualidade3. Podemos nos indagar o que isso
significa em termos práticos? Pode-se formular nosso problema atual
nos seguintes termos: o que seria um padrão de qualidade a que to-
dos têm direito? A resposta a esta questão é complexa, posto que, em
certa medida, a temática da qualidade é condicionada pelas diferen-

nove anos e, finalmente, com a Emenda Constitucional n. 59, de 11/11/2009, que estabeleceu a obrigato-
riedade do ensino dos quatro aos dezessete anos.

3 “Art. 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...)VII - garantia de padrão
de qualidade.”

121
tes concepções pedagógicas. Assim, o nosso problema se amplia, pois
precisamos de uma definição de qualidade que transcenda esta ou
aquela escola pedagógica. Mais ainda, precisamos de uma definição
de qualidade que permita transformar o princípio constitucional em
realidade. Para tanto, teríamos de ter uma definição que permitisse
sua exigência ante o Sistema de Justiça. Ou seja, como se verifica que
o direito a um padrão de qualidade está sendo garantido a cada cida-
dão? Encontramos, pela negativa, indícios de falta de qualidade. Por
exemplo, o aluno conclui a oitava série (nono ano para atualizarmos
a terminologia), mas não é capaz de ler e entender um texto simples.
Não é capaz de realizar operações matemáticas rudimentares. Enfim,
apesar de ter “progredido” no sistema (via aprovações), este aluno não
aprendeu. Não teve garantido o seu direito à educação4.
O problema se avoluma se analisarmos a literatura sobre qua-
lidade. Apesar de conseguir estabelecer um leque de possibilidades
sobre o que se poderia definir como qualidade, essa literatura deixa-
nos a sensação de que este é um conceito que não comporta uma de-
finição. (Adams, 1993, Unicef, 2000, Chapman & Adams, 2002).
Assim, se tomamos como referência o princípio constitucional
de que todos têm direito a um padrão de qualidade, torna-se impor-
tante questão de pesquisa e de política pública estabelecer um indi-
cador sistêmico que permita aferir se a população está tendo acesso
ao direito que lhe é garantido pela Lei Maior.
Precisamos, então, de um indicador que nos permita agir ou
exigir a ação do Poder Público. O problema pode ser formulado nos
seguintes termos: o que devemos exigir como explicitação desse di-
reito a um padrão de qualidade?
Antes de adentrar na discussão de qual indicador, parece-me
necessário enfrentar uma questão. Precisamos de um indicador para
isso? A resposta, a meu ver, é sim. Ainda que, em nível de cada
escola, o conjunto dos professores possa verificar, de uma maneira

4 Em trabalhos anteriores (Oliveira & Araújo, 2005, Oliveira, 2006, 2007 e 2008) apresentei parte destas
reflexões, ainda que de forma menos articulada.

122
qualitativa, se oferecem um ensino de qualidade ou o que seria ne-
cessário para que isso viesse a acontecer, não estamos tratando de
uma questão local. Mais do que isso, como os professores se distri-
buem de maneira regressiva no território – professores com formação
mais precária provavelmente atendem as escolas freqüentadas pela
população mais pobre e menos instruída – o risco de se ter uma ava-
liação positiva de uma educação de baixa qualidade é alto. Como
estamos tratando de um componente do direito à educação (Olivei-
ra & Cardoso, 2005), há a necessidade de se pensar a desigualdade
nas percepções. Portanto, trata-se de uma questão de política pública
de dimensão nacional. Baseado em que informação pode-se afirmar
que as crianças brasileiras, e cada uma delas em particular, estão ten-
do garantido o seu direito à educação de qualidade? Isso envolve uma
discussão epistemológica complicada, pois pode-se argumentar que a
qualidade que precisamos não pode ser medida. Este é um argumento
defensável. Entretanto, se o aceitamos, renunciamos à idéia de que cabe
ao Estado garantir a todos direitos mínimos, particularmente o direito
à educação, posto que não podemos verificar a existência de tal qua-
lidade no conjunto das escolas. Transferir essa responsabilidade para
cada sistema estadual, municipal ou mesmo a cada escola não responde
a um dos requisitos básicos de uma política pública democrática, não
se garantem condições de justiça para o acesso à educação, no que diz
respeito à equidade. (Rawls, 2003). Outro elemento a ser considerado
nesse particular é que a percepção da qualidade por parte de professo-
res e usuários da escola é diferenciada. Populações que nunca foram à
escola tendem a julgar qualquer escola como boa. Assim, entendo que a
existência de padrões sistêmicos é condição de garantia de direito para
as populações mais pobres e com menor capital cultural5.
Ainda que se possa criticar a abrangência dos indicadores para
captar uma dada realidade, não é possível, em termos de decisões
de política pública, termos análises qualitativas para cada escola e

5 Este é também um argumento forte contra os vouchers (os vale-educação), que transferem a cada famí-
lia a tarefa de escolher a escola onde matriculará seus filhos. As populações mais pobres fazem escolhas
menos informadas, acentuando a desigualdade. (Cf. Olivas, 1981)

123
cada criança do país, nem mesmo que tais juízos qualitativos sejam
realizados segundo um mesmo critério. Assim, ao assumirmos que
necessitamos de um indicador de qualidade, segundo o qual avalia-
remos se se garante à população um padrão mínimo de qualidade,
estamos assumindo, também, uma simplificação. Entretanto, ter um
indicador que simplifique nossa compreensão da realidade ainda é
melhor do que não termos nenhuma compreensão dessa realidade
em seu conjunto. Não é possível, em termos sistêmicos, ter-se uma
avaliação qualitativa de cada escola e, mesmo que isso fosse possível,
emergiria o problema da manutenção de um padrão de compara-
bilidade. Assim, assumimos que há a necessidade de se buscar um
indicador de qualidade para a educação.
Isso envolve dois riscos. De um lado, há que se buscar um
indicador que expresse uma concepção de educação. Não se pode
construir um indicador de qualidade que não expresse o que se deseja
da educação. Ou, de outra maneira, não se pode reduzir a qualida-
de que queremos, à qualidade que conseguimos medir, sob pena de
valorizarem-se aspectos que não sintetizem uma visão de educação
que faça sentido. De outro, há que se tomar muito cuidado para não
corromper o indicador.
O primeiro risco é bem simples de ser explicitado. Se por
exemplo, nosso padrão de qualidade é o resultado em prova padroni-
zada, induzimos a ideia de que o único objetivo da escola é melhorar
os seus resultados em tais provas. Isso simplifica o que queremos,
socialmente, de nossa educação e induzimos que nossas escolas sejam
apenas preparadoras para os testes sistêmicos.
O segundo relaciona-se à chamada Lei de Campbell: “Quanto
mais um indicador social é utilizado para a tomada de decisões po-
líticas, mais sujeito a pressões corruptoras e mais apto será para dis-
torcer e corromper o processo social que procura monitorar.” (Cam-
pbell, 1976, p. 49). Em termos simples, poderia ser explicitado da

124
seguinte maneira: se o indicador que eu utilizo será parâmetro para
decisões políticas (ou administrativas), mais tendente a ser burlado
ele será. Por exemplo, se o salário dos professores se vinculará ao
desempenho em provas padronizadas, mais vulneráveis à preparação
para os testes ou até mesmo à fraude essas provas ficarão e portanto,
menos indicações de como está a situação elas nos darão.
Assumindo que faz sentido buscar-se um indicador de quali-
dade, deparamo-nos com a questão seguinte. O que considerar? A
resposta também não é simples. Se percorrermos a literatura espe-
cializada, observaremos que tal definição não existe, pelo menos com
um mínimo de consenso.
As respostas que têm sido dadas a essa questão têm enveredado
por dois caminhos, concentrando-se nas dimensões quantificáveis,
ou pelo menos, mais facilmente quantificáveis. A primeira delas
relaciona-se à tentativa de estabelecer um padrão de gasto por aluno.
A segunda, refere-se à uma ênfase nos resultados, particularmente
vinculada ao desempenho dos alunos em testes padronizados.
É evidente que não se pode pensar em uma educação de qua-
lidade sem que se garantam minimamente determinadas condições
de funcionamento das escolas. Da mesma forma, originalmente o
Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino fun-
damental e de valorização do magistério6) trabalhava com a idéia de
que seus valores indicariam um padrão. Assim, pode-se formular a
seguinte questão. Quanto devemos gastar, no mínimo, por aluno, de
modo a possibilitar as condições para uma educação de qualidade?
Uma das respostas mais acabadas a essa questão é a proposta de um
custo aluno qualidade inicial. (Carreira & Pinto, 2007). Ele seria a
expressão de um gasto por aluno, que garantiria aos sistemas de en-
sino, condições de provimento de um ensino de qualidade. O resul-
tado também enfrenta um de nossos problemas estruturais, o da de-

6 Implementado pela Emenda Constitucional n. 14/1996.

125
sigualdade regional. Em síntese, se tivéssemos como padrão nacional
os patamares de gasto praticados em alguns dos estados mais ricos,
teríamos condições educacionais muito superiores às que temos. Isto
indica, como conseqüência, que o Estado brasileiro precisa gastar
mais em educação. É claro, portanto, que considero equivocada a
formulação defendida nos anos 1990, que afirmava que precisávamos
apenas gastar melhor. Desconheço quem defenda gastar mal, ainda
que isso seja comum, mas gastar melhor não elimina a necessidade
de gastar mais. É uma falsa contraposição. A formulação que me pa-
rece avançar nesse debate é feita em documento da Orealc-UNES-
CO-CEPAL, de 2005, que afirmava a necessidade de “investir mais
para investir melhor.” Esse será, certamente, um dos pontos fortes do
debate em curso na perspectiva de elaborar-se um novo Plano Nacio-
nal de Educação. Creio que temos exemplos suficientes e abundantes
para sustentar a necessidade de ampliarmos o gasto por algumas dé-
cadas para algo em torno de 10% do PIB – Produto Interno Bruto.
Nossos desafios educacionais justificam isso7.
Esta dimensão, além de intuitiva (todos concordam que para
se ter uma educação de qualidade, é necessário que se gaste um mí-
nimo), é transformável em um indicador quantitativo. Neste quesito,
temos mais um problema político que educacional. Sabemos quanto
devemos gastar, minimamente, por aluno para se ter uma educação
de qualidade. Não gastamos por conta das opções de política econô-
mica e de perfil do gasto público que fazemos8.
Entretanto, isso não esgota nosso problema original. Se ga-
rantíssemos um gasto mínimo por aluno, o problema da qualidade
7 Este modelo foi adotado com sucesso em alguns países, como a Coréia. Em 1962, a Coréia tinha padrões
educacionais similares ao Brasil. Durante duas décadas investiu pesadamente em educação (algo em torno
de 10% de seu PIB). Após realizar o salto educacional que necessitava, reduziu seus níveis de investimento
em educação. Afinal, atendidas as necessidades do conjunto da população, o investimento necessário é
apenas destinado para a manutenção do funcionamento do sistema. (Cf. Birdsall & Sabot, 1996).

8 O próprio Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/2001) reconhecia tal necessidade ao apontar a
perspectiva de passarmos a gastar 7% do PIB em educação. Ainda que a parte financeira do plano tenha
sido integralmente vetada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, o que, na prática, inviabilizou sua
implementação. Entretanto, é importante que tal reconhecimento esteve presente no debate parlamentar.

126
estaria equacionado? A resposta é não. Isso nos remete a uma se-
gunda dimensão da discussão. A dos resultados. Ainda que se possa
divergir sobre que resultados o processo educacional deve garantir,
não aparecerá voz que seja contrária a que se aprenda matemática e
linguagem. Pode-se discutir o que mais é necessário, mas não haverá
quem se insurja contra este objetivo. O problema é que as medidas
disponíveis nos indicam que estamos mal nessa dimensão. Daí surge
o que tenho chamado uma segunda dimensão da qualidade, a que
se refere a resultados. Um bom exemplo de resultado desejável é o
Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado pelo
INEP em 2007. O Ideb é uma combinação de aprovação com pro-
ficiência em língua portuguesa e matemática. Modelado pelos pata-
mares dos países da OCDE, o Ideb estabelece objetivos para o país,
para cada sistema de ensino e cada escola, de modo a que em 2022
venhamos a atingir o nível educacional dos países desenvolvidos. O
Ideb tem o mérito de combinar resultados importantes. Queremos
que os níveis de proficiência melhorem, ao mesmo tempo em que os
percentuais de aprovação aumentem. Têm sido feitos dois reparos a
esse indicador, no que diz respeito à sua medida. De um lado, há a
necessidade de se considerar o percentual de respondentes às provas,
posto que uma burla simples de ser executada é excluir da prova os
alunos que provavelmente teriam as menores notas, o que faria com
que a média da escola (e por conseguinte, do município, do estado
etc) aumentasse. O segundo diz respeito aos trade offs que podem se
estabelecer entre aprovação e proficiência. Existem alguns sistemas
que aumentariam seus Idebs se aumentassem a reprovação. De toda
forma, são objeções operacionais e não conceituais.
Do exposto, ainda que o Ideb represente resultados desejáveis,
ele não se confunde com um indicador de qualidade. Sequer indica
todos os resultados desejáveis. Entendo que considerá-lo um indicador
de qualidade, como tem sido apresentado, além de um equívoco, é um

127
risco. Aqui reside um problema importante, pois se ele se generaliza
como indicador de qualidade, o risco de se modelar políticas buscando
apenas elevá-lo cria problemas conceituais e práticos complicados.
Assim, explicita-se um desafio importante. Definir quais os
resultados que queremos do processo educacional e como medi-los?
A resposta a essa questão, segundo entendo, deve ser traduzida em
um indicador que explique os valores que se quer com a educação.
Assinala-se assim, um desafio importante, que resultados incorporar
no indicador de qualidade?
Isso nos leva à terceira dimensão do conceito de qualidade
que vimos tentando delinear. Comecemos colocando o problema.
Se modelamos o sistema por uma relação entre gasto e resultado,
assumimos que o que ocorre na escola não tem importância, ou di-
zendo de outra maneira, aumentar as proficiências justifica qualquer
procedimento educativo. Além disso, seria apenas uma repetição da
antiga abordagem da Economia da Educação que reduz a análise
da educação a uma correlação entre inputs e outputs, considerando a
escola uma “caixa preta” sem importância. Evidentemente, isso não
é razoável. O que acontece na escola não é irrelevante. A escola não
é um detalhe. Se tomarmos como referência os exames vestibulares,
para os quais temos razoável expertise, observamos que os cursinhos
pré-vestibulares maximizam o resultado dos alunos. Daí não decorre
que sejam um modelo educativo a ser seguido. Ao contrário, como
expressão de um projeto educativo, os cursinhos pré-vestibulares são
deploráveis. Portanto, a questão que temos de enfrentar é, que pro-
cessos educativos são elementos constitutivos do direito à educação,
ou que valores devem ser defendidos como inerentes de qualquer
processo educacional?
De início, temos de eliminar uma objeção. Suponhamos que
determinado processo educativo seja importante para aumentar o
aprendizado dos alunos. Ora se esse processo é importante e aumen-
ta o desempenho dos alunos, quando medimos desempenho ele já

128
está sendo, indiretamente, considerado na medida e, portanto, não
seria necessária preocupação com ele. Esse argumento, certamente,
elimina uma parte da questão. Entretanto, não se corre o risco de
eliminar um processo educativo importante pelo fato dele não au-
mentar os resultados nas medidas de proficiência?
Se a resposta é sim, temos de nos perguntar se o resultado nas
proficiências é o objetivo final da educação. Dificilmente apareceria
alguém que afirmaria que sim. O que é mais plausível é admitirmos
que esses resultados são parte do que queremos, ainda que não sejam
tudo o que queremos. Daí, a primeira conseqüência é reconhecer-
mos que alguns resultados desejados não são medidos. Por exem-
plo, temos boa expertise nas medidas de proficiência em linguagem
e matemática, mas nos outros componentes curriculares, nem tanto.
Isto não os torna menos importantes. Usualmente se utiliza como
contra argumento a formulação de que bons resultados em lingua-
gem e matemática indicam que o conjunto está bem. Pode ser. Mas já
não estamos no argumento direto. Entretanto, há áreas em que esse
argumento não vale. Ética e cidadania, valores de uma maneira ge-
ral, objetivos importantes da escolarização, não decorrem de melho-
res resultados em provas de linguagem e matemática, ainda que em
história, geografia e ciências possa se considerar uma relação entre
aqueles resultados e a proficiência nestas últimas disciplinas.
Quando incorporamos temáticas mais amplas aos objetivos da
educação, não diretamente cognitivos, tais como cultura da tolerân-
cia, educação para a diversidade, civismo, valores etc, a discussão se
complica. Ainda que se possa fazer testes padronizados nessas áreas,
a medida é muito mais imprecisa. Portanto, chegamos a um ponto
em que o maior problema está em sobrevalorizar-se a medida das
proficiências. Isto certamente nos leva a uma reflexão sobre o risco de
se começar a gerir os sistemas de ensino a partir de indicadores como
o Ideb. Podem ser induzidos comportamentos não desejáveis. A for-
mulação simples disso seria substituir o processo educativo e seu

129
universo de valores pelo resultado em testagens. Ao se fazer isso se
perde uma parte importante do que se quer com a educação.
Voltemos ao problema. Que indicadores de processo tería-
mos de ter de modo a que nossa concepção de qualidade corres-
pondesse a uma concepção de educação defensável? Creio que aqui
temos uma questão de fronteira. Dizendo de outra forma. Preci-
samos estabelecer um acordo sobre processos no âmbito da escola
que têm valor formativo em si, e não que sejam apenas meios para
se atingir outro objetivo, a proficiência. Ocorre-me como exemplo
a questão da participação. Uma escola permeada pela participação
dos alunos, dos pais, enfim, dos diferentes segmentos da comuni-
dade escolar é uma escola que encarna um ideal de educação que
remonta às nossas melhores tradições republicanas. Aumentem os
resultados nas testagens ou não. A escola democrática é um com-
ponente de uma educação a ser defendida.
Assim, chego à última questão deste texto. O que sabemos
sobre processos? Uma parte grande do que sabemos está relacio-
nada a resultados, pois ou temos alguma indicação empírica que
valide ou não determinado processo, ou os aceitamos a priori a
partir dos valores que defendemos? É claro que se temos formas
mais precisas de medir os resultados, podemos avaliar o processo.
Isso é o que ocorre com os chamados estudos de fatores associa-
dos. Aplica-se uma prova e um questionário sobre características
do aluno, da escola e seus processos. Ao final, procura-se relacio-
nar os resultados com as características do alunado, da escola etc
utilizando-se sofisticados recursos matemáticos, os modelos hie-
rárquicos lineares, que ultrapassam as insuficiências de regressões
tradicionais. (RAUDENBUSH & BYRK, 2001). Isso nos permite
identificar aquelas características que se relacionam com as varia-
ções das notas. Em tese, poderiam explicar os resultados, ou pelo
menos parte substantiva deles. Entretanto, não se pode perder de
vista que o elemento com maior poder explicativo de resultados

130
em testagens em larga escala é o nível sócio-econômico. Como
é intuitivo o resultado, podemos utilizá-lo como exemplo. Ten-
dencialmente, escolas com estudantes com nível socioeconômico
mais alto, obtém melhores resultados. A redução das desigualda-
des educacionais, neste particular, estaria dependente de proces-
sos extra-educacionais, a melhoria da renda da população como
um todo, a redução da pobreza etc. Seria o argumento clássico de
Coleman. Em termos educacionais o que interessa é identificar
que características ou processos escolares impactam na melhoraria
de seus resultados? Ou pelo menos, identificar aquelas ações que
estão diretamente sob o alcance da escola ou do sistema escolar. É
claro que melhorar a renda da população melhoraria o desempe-
nho escolar, mas essa é uma questão extra-política educacional.
Ainda pode se fazer o seguinte raciocínio. Dado um nível
sócio-econômico do alunado há a possibilidade de se estimar o re-
sultado da escola. Ora, as escolas que apresentam resultados acima
do esperado, estão conseguindo “fazer a diferença”. É nessas que
tem se concentrado uma parte importante da pesquisa no tema.
Ainda que as condições sejam limitadas, elas estão conseguindo
ampliar as possibilidades de seus alunos. O que temos a aprender
com essas escolas? Certamente muito. Entretanto, também não
nos enquadramos nos que defendem a visão de que essas escolas
nos ensinariam a como fazer um bom trabalho com poucos recur-
sos. Elas poderiam ser apenas a parte de cima da curva normal,
apenas acaso estatístico.
Considerações Finais
Desse conjunto de reflexões, poderíamos sintetizar as seguin-
tes “ideias-força”:
a) Para concretizar o princípio constitucional do direito a um
padrão de qualidade é necessário construirmos um indicador
que possa ser utilizado como elemento de monitoramento do
sistema, mas principalmente como instrumento de garantia de

131
direito. No limite, que possa ser exigível junto ao Sistema de
Justiça;
b) Assumir o Ideb como um indicador de qualidade envolve riscos
perigosos. Ainda que seja um bom indicador de resultados de-
sejáveis, ele não é um indicador de qualidade. Reconhecendo
o poder indutor que os indicadores têm de modelar a política
pública, se o assumirmos como tal, simplificamos o que enten-
demos por educação e induzimos a transformação do sistema
escolar em um sistema preparador para testes;
c) Há que se pensar um indicador de qualidade que articule três
dimensões, os insumos, os resultados e os processos. No que
diz respeito aos insumos, o estabelecimento de um custo aluno
qualidade que seria responsabilidade do Poder Público garan-
tir a cada aluno é um bom ponto de partida. Já os resultados
apresentam uma primeira dificuldade. De um lado, medimos
bem a proficiência em linguagem e matemática. Teríamos,
ainda com algum esforço, condições de medir a proficiência
em outros componentes curriculares. Entretanto, aspectos im-
portantes dos objetivos educacionais não são mensuráveis por
testes padronizados;
d) O desenvolvimento desse indicador é questão de fronteira da
pesquisa em política educacional no Brasil hoje;
Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas daremos
passos significativos se conseguirmos combinar a ação no âmbito da
escola, com vistas a focar no aprendizado de todas as crianças e de-
senvolvermos uma ação sistêmica no sentido de tornar realidade uma
política educacional que persiga o objetivo de garantir a cada cidadão
neste país o direito à uma educação de qualidade.

132
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134
7

Retrato do jovem enquanto aluno:


Participar na escolaridade,
preservar a privacidade

M ARIA M ANUEL VIEIR A1


Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa

Resumo: Os sistemas educativos confrontam-se hoje com múltiplos


desafios. Se o acesso aos vários níveis do sistema tende a ser progres-
sivamente universal – no que constitui uma conquista democrática
inquestionável – o seu cumprimento efetivo tem vindo a colocar
novas questões. Uma delas prende-se com a mudança dos públicos
escolares. Neste caso, a massificação não trouxe apenas a mudança
mais imediatamente presente no discurso sociológico sobre a escola
– a da heterogeneidade social crescente da população estudantil e o
desafio da gestão da diversidade que ele comporta. Trouxe também
outras mudanças qualitativas profundas. Por um lado, a que decorre
da chegada em força do mundo juvenil à escola. Com ela, o grupo
de pares/amigos emerge como nova referência socializadora: núcleo
forte de uma vida privada de afetos, o investimento juvenil numa
intensa sociabilidade interpares retira centralidade às propostas es-
colares concebidas pelos adultos e suscita em muitos alunos uma
“adesão distanciada” (Abrantes, 2003) à escola. Por outro lado, a
que decorre da transformação do lugar do aluno na instituição e do
seu estatuto. Ela associa-se a um novo reconhecimento que a cultu-
ra educativa nas sociedades contemporâneas consagra atualmente à
criança e ao jovem, inspirando relações intergeracionais mais igua-
litárias. Na escola, o aluno conquista protagonismo e a instituição
coloca-o no centro da ação educativa. Nela, o jovem é convidado
a construir com autonomia o seu projeto (de vida), através do qual
deverá realizar-se como indivíduo.

1 A autora agradece ao Instituto de Educação e, muito particularmente, a Domingos Fernandes pelo


estimulante convite para participar como oradora na sessão, ocorrida a 20 de maio de 2010, do ciclo de
conferências do Programa de Doutoramento em Avaliação em Educação. Tal convite revelou-se um desa-
fio: o de trazer para o debate sobre avaliação em Educação – de que a autora não é especialista – temáticas
sociológicas que pudessem acrescentar inteligibilidade sobre o que se joga hoje (e avalia) na esfera escolar.
Desse desafio resultou a reflexão que suporta o presente texto.

135
Introdução
Evidenciada e posta a descoberto com a ajuda dos média, tem
vindo a emergir nos últimos anos uma nova faceta dos sistemas edu-
cativos - o protagonismo dos alunos no espaço escolar2 .
Não que os alunos não se tenham desde sempre revelado atores
nesse espaço, a partir do momento em que o sistema escolar foi imposto
pela generalidade dos Estados-Nação ocidentais como novo modelo de
socialização dos mais novos. Mas a sua ação pauta-se, até recentemente,
por uma clara subordinação aos ditames do mundo adulto, que reduzem
o seu protagonismo ao estrito desempenho da sua condição de aluno.
Nas últimas décadas, porém, observa-se uma alteração profunda
neste quadro de ação. Não se trata de uma mutação associada à mera
mudança quantitativa dos públicos da escola, ocorrida com a progres-
siva massificação dos vários níveis do sistema de ensino. Mais do que
isso, tal protagonismo deve ser entendido no quadro da consolidação de
novas formas de relação entre adultos e crianças, tendencialmente mais
democráticas e alicerçadas no diálogo e na negociação, convidando a uma
participação acrescida dos mais novos; mas, também, na sequência da
afirmação qualitativa de um público escolar específico – os adolescentes.
Para entender de que forma a consolidação de uma cultura
juvenil tem implicações crescentes na vida e na ordem escolar, co-
meçaremos muito brevemente por identificar algumas transforma-
ções sensíveis ocorridas nos sistemas educativos contemporâneos.
Desse sintético roteiro sobressai a referência à afirmação da juventu-
de enquanto condição social fortemente tributária da generalização
dos sistemas escolares, cujas condições de emergência e contornos
iremos delimitar, num segundo ponto. Finalmente, focaremos es-
2 Para só citar exemplos recentes, com impacto mediático e com fortes repercussões ao nível do debate
público sobre a escola, recorde-se quer o episódio da aluna de uma escola secundária do Porto que inter-
pela agressivamente a professora pela posse do seu telemóvel em plena sala de aula; quer o lamentável e
intempestivo suicídio de um aluno de uma escola básica do Norte por ser incapaz de suportar a rejeição e
o bullying permanente do grupo de pares…

136
pecificamente duas consequências qualitativas da chegada de novos
públicos escolares à escola: a presença duradoura de uma comunida-
de juvenil na escola, por um lado; a transformação do lugar do aluno
na escola, por outro.
A decifração das tensões e desafios que hoje se jogam no siste-
ma educativo, e o trabalho de avaliação que sobre ele cada vez mais
intensamente se produz, deverá pois ter em conta as mutações asso-
ciadas à mudança qualitativa dos públicos, em particular a afirmação
do mundo juvenil no espaço escolar. É esta a questão que nos irá
ocupar neste texto.

Mutações recentes dos sistemas escolares


É unânime reconhecer-se que se assiste a transformações sen-
síveis na escola em Portugal, particularmente intensas sobretudo a
partir da década de 90. Elas associam-se ao ensaio de reformas edu-
cativas mais vastas que transformam a instituição escolar no seu todo
e que reforçam um sentimento de instabilidade (Resende, 2008) vivido
pelos protagonistas da ação educativa.
Tal sentimento prende-se com aquilo a que François Dubet
(2002) defende ser o declínio do “programa institucional” nas socieda-
des contemporâneas. Nas palavras do autor, o “programa institucional”
refere-se a um modo específico de socialização que implica um trabalho
profissional sobre outrem, protagonizado pelas instituições do Estado,
visando a transformação de valores e de princípios societários em ação,
através da interiorização desses valores pelo sujeito (p.24).
Este programa institucional - e, de modo específico, o que
se relaciona com a instituição escolar tal como é concebida desde a
fundação da forma escolar moderna (Vincent et. al., 1994) - estaria

137
a sofrer uma profunda desestabilização nas últimas décadas, graças à
confluência de um conjunto alargado de fatores que lhe teriam modi-
ficado as suas referências. Não vou aqui enunciar exaustivamente as
teses de Dubet (2002) a este propósito. Sublinho apenas algumas das
dimensões de mudança que poderão interessar para esta reflexão.
Desde logo, as instituições perderam aquilo que era (ou acre-
ditavam ser) a homogeneidade dos seus valores e princípios estrutu-
rantes. No caso específico da escola, e tendo em conta as pressões
sociais crescentes para se abrir à diversidade e encontrar respostas
locais aos múltiplos desafios e responsabilidades que lhe têm vindo
a ser imputados, ela foi incorporando nos últimos anos uma grande
heterogeneidade de princípios e de valores. Não é pois de estranhar,
na esfera escolar, a afirmação de uma grande pluralidade de referên-
cias para a ação (Derouet, 1992 e 2000) implicando, frequentemente,
a coexistência de princípios muitas vezes contraditórios e ambivalen-
tes. Algumas dessas tensões invadem o debate público sobre a escola.
Como entender, por exemplo, o princípio da igualdade de oportuni-
dades educativas: garantir o tratamento igualitário de todos, promo-
vendo assim a “igualdade meritocrática” (Dubet, 2004) de oportuni-
dades? Ou, pelo contrário, reconhecer as diferenças de partida e dar
mais aos alunos que revelam maiores dificuldades, promovendo uma
“igualdade distributiva” (Dubet, 2004) de oportunidades?
Depois, como Dubet (2002) bem sublinha, as instituições per-
deram o seu monopólio de ação. No que concerne especificamente à
escola, nos últimos anos ela tem vindo a sofrer a concorrência de
outros meios de acesso ao saber perdendo, desta forma, o monopólio
que usufruía de transmissão dos instrumentos cognitivos que pro-
porcionavam às crianças e aos jovens alargar os seus horizontes cul-
turais bem para lá do seu restrito universo local. Para além da escola,
as crianças dispõem hoje de outros instrumentos de aprendizagem
do mundo, passando a cultura escolar a ser uma cultura entre outras,
com previsíveis implicações ao nível do seu reconhecimento.

138
Adicionalmente, as referências organizativas em que as institui-
ções assentavam o seu funcionamento alteraram-se profundamente.
O desígnio clássico da gestão das instituições através de um modelo
burocrático (conformidade às normas hierarquicamente definidas,
controle centralizado sobre os processos), tem vindo a ser substitu-
ído por um modelo diferente de gestão, mais assente na avaliação
permanente dos resultados. O deslocamento da ênfase nos meios/
processos para os fins/resultados leva a que, no caso específico da
instituição escolar, as políticas públicas apelem agora à necessidade
de os processos – isto é, a procura das respostas mais eficazes - serem
definidos a nível local, através da implicação ativa dos interessados.
Pressupondo que a descentralização das soluções poderá gerar orga-
nizações escolares mais ágeis e eficazes, as políticas educativas têm
vindo a territorializar-se, transferindo para as escolas boa parte da
responsabilidade pela busca autônoma de respostas aos problemas
locais – embora os resultados desse processo sejam confrontados e
avaliados à escala nacional e mesmo internacional.
Esta alteração prende-se, também, com uma mudança dos pú-
blicos a quem tradicionalmente se dirigia o “programa institucional”.

Emergência da juventude e novos públicos escolares


A Juventude é um produto da escola
Sociologicamente, os adolescentes são habitualmente captados
de formas distintas – quase mutuamente exclusivas - de acordo com
o lugar de observação dos investigadores, como se se tratassem de
atores radicalmente antagônicos.
Do lado da sociologia da educação, os adolescentes e jovens são
habitualmente estudados enquanto alunos – de acordo com as ca-
tegorias de definição adulta e institucional – como se os restantes
universos de experiência juvenil não fossem eles próprios constituti-
vos da vida adolescente e não interferissem também na experiência

139
escolar. Como bem sublinha Meirieu (2008) em certas análises os
adolescentes enquanto tal estariam mesmo ausentes da escola, dada a
ênfase dada pelos seus autores à perspectiva normativa e funcional da
instituição - a “transformação da criança em adulto” (p.24).
Ao invés, do lado da sociologia da juventude, os adolescentes
são quase sempre analisados enquanto indivíduos a-escolares, cen-
trando-se as pesquisas em temas associados à esfera do lazer e do
consumo, à produção e reinvenção de estilos de vida 3 naquilo que
seriam as suas especificidades diferenciadoras e inovadoras face aos
adultos, especificidades essas que se situam “fora” do universo esco-
lar, em nada aparentemente devedoras da sua condição estudantil e
da sua experiência enquanto alunos.
Na realidade, a condição juvenil é uma construção social, for-
temente ancorada ao prolongamento sucessivo da escolaridade obriga-
tória nas sociedades contemporâneas (Ariès, 1973). Apesar de se ins-
crever numa etapa biológica – uma idade da vida, uma classe etária
– a juventude tem assumido nas últimas décadas contornos de uma
condição social específica. Distinguindo-se, quer do mundo da infân-
cia, associada à forte proximidade e tutela dos adultos, e onde reside
o universo lúdico; quer da plenitude cidadã da adultez, marcada pela
imputabilidade e responsabilização, desde logo, pela própria indepen-
dência econômica, a juventude enquanto condição social só se revela
plenamente a partir do momento em que a sua presença é massiva na
escola, ou seja, quando se generaliza a todos uma condição até há pou-
co apanágio de uma minoria. Mais do que em qualquer outro quadro
quotidiano de experiência social, é no espaço escolar – ou a partir dele
– que se forja a aprendizagem da condição juvenil. É neste espaço de
confluência de diferentes proveniências sociais e culturais, de proxi-

3 A título de exemplo, uma breve incursão à pesquisa em curso no domínio da juventude até há pouco
inscrita no Observatório Permanente da Juventude do ICS-UL revela a predominância de abordagens que
excluem a dimensão escolar da experiência juvenil. Os vários projetos elencados visavam a abordagem do
corpo, da carreira profissional, da sexualidade, da autonomia e da mudança social – nenhum deles anco-
rando o jovem ao espaço escolar.

140
midades e distâncias quotidianamente partilhadas e mobilizadoras de
investimentos subjetivos intensos, que se aprende verdadeiramente a
experimentar, com o grupo de pares, a condição de “jovem”.

A emergência da juventude em Portugal


Ora, acompanhando o ritmo lento com que durante décadas se
processou a escolarização da população portuguesa, nomeadamente
a população em idade escolar, a emergência da juventude como con-
dição social em Portugal é um fenômeno bastante recente. Ainda em
1960, continuar a ser estudante era destino pouco provável para a
generalidade daqueles que terminavam os quatro anos de escola pri-
mária obrigatória. Os dados são elucidativos: apenas 7% dos jovens
com idades compreendidas entre os 10 e os 19 anos frequentava o
liceu (Almeida e Vieira, 2006:78).
Uma profunda mudança ocorre, porém, nas últimas décadas,
em particular desde os anos 80. A urbanização acelerada, o aumento
do nível de vida das famílias e das aspirações sociais a ele associa-
das, a importância acrescida dos diplomas como passaporte de inser-
ção profissional, o reforço da oferta pública de ensino e dos apoios
(transportes, atividades de tempos livres, ação social escolar, etc.) à
concretização do cumprimento da escolaridade por parte dos mais
novos, são fatores que contribuíram decisivamente para esvanecer
as causas do crônico afastamento precoce da generalidade dos jo-
vens portugueses da escola. No caso específico do ensino secundário
assiste-se a uma mudança substantiva e intensa dos públicos que o
frequentam. Em Portugal, a massificação deste nível de ensino ocor-
reu de forma particularmente acelerada, no espaço de uma década:
de 1990 a 2000, a taxa real de escolarização4 no ensino secundário
duplica - passa de 31% a 63%.

4 Taxa que mede a “eficácia” do sistema e resulta do quociente entre o nº de alunos em idade normal de
frequência de um nível de educação/ensino e a população residente com as mesmas idades.

141
Mas mesmo sem se encontrarem no nível escolar correspon-
dente à sua idade, a esmagadora maioria dos jovens portugueses até
aos 18 anos (inclusive) partilha a condição de estudante, como se
pode confirmar no quadro seguinte.
Quadro 1: Taxa de escolarização, segundo o ano letivo, por idade (%)
IDADE 1985-1986 2005-2006
11 anos 100 100
12 anos 98 100
13 anos 84 100
14 anos 67 100
15 anos 58 91
16 anos 42 82
17 anos 38 73
18 anos 33 67
FONTE: ME, Giase, Séries Cronológicas do Sistema de Ensino
(1985-86). Capucha, L. et al. (2009). Mais escolaridade – realidade e
ambição. Estudo preparatório do alargamento da escolaridade obrigató-
ria. Lisboa: Agência Nacional para a Qualificação (2005-06) .
Esta alteração, extremamente rápida, vem confrontar hoje
o sistema educativo com múltiplos desafios. Se o acesso aos vários
níveis do sistema tende a ser progressivamente universal – no que
constitui uma conquista democrática assinalável – o seu cumprimen-
to efetivo tem vindo a colocar novas questões. Uma delas prende-se,
justamente, com a mudança dos públicos escolares tradicionalmente
frequentadores de uma escolaridade mais longa – o que nos ocupa
nesta reflexão…
Ora esta mudança tem uma dimensão quantitativa evidente,
como vimos, uma vez que a maioria de um grupo etário acede e fre-
quenta níveis de ensino mais avançados, invadindo espaços e tempos
antes mais preservados - com óbvias implicações nos espaços que
exige, nos recursos que mobiliza, nas condições organizacionais que

142
requer, bem como na transformação do valor do diploma doravante
generalizado, entre outras questões. Importantes, sem dúvida, não
serão estes os temas que nos irão aqui ocupar, mas sim os que decor-
rem de outro tipo de mudanças.
Com efeito, a massificação trouxe também mudanças quali-
tativas profundas – e não apenas a mudança mais imediatamente
presente no discurso sociológico sobre a escola, ou seja, a da hete-
rogeneidade social crescente da população estudantil e o desafio da
gestão da diversidade que ele comporta. Uma delas é a que se associa
à entrada do mundo juvenil na escola; a outra, é a que se prende com
a transformação do lugar do aluno na instituição e do seu estatuto, como
bem assinala Patrick Rayou (2007).
Vejamos em que consistem e que consequências produzem no
quadro de funcionamento do quotidiano escolar.

O mundo juvenil na escola


Comecemos pela primeira, a mudança qualitativa que decorre
da chegada em força do mundo juvenil à escola.
Esta “invasão” adolescente traz consigo atributos específicos
que não deixam de produzir efeitos no espaço escolar. Como refe-
re Breviglieri (2007), a entrada na adolescência corresponde a um
período de alargamento progressivo de experimentação do mundo
e marca, no jovem, o acentuar de uma tensão entre, por um lado, o
mundo proximal familiar, onde está ancorada a infância (um univer-
so lúdico e afetivo onde habitam os próximos protetores – os pais,
a família alargada); e, por outro, a esfera pública, mais anônima e
desconhecida, a dos espaços probatórios onde tem de prestar provas
e a que acede o adolescente com o desejo de aí afirmar as suas quali-
dades de forma autônoma. No entanto, apesar de a cultura educati-
va contemporânea consagrar um reconhecimento e uma autonomia
acrescidas aos adolescentes (Barrère e Martuccelli, 2000), a verdade
é que a passagem do espaço privado doméstico para o espaço pú-
blico, enquanto lugar de afirmação de si, não se faz de todo desa-

143
companhada. O grupo de pares constitui um suporte imprescindível
para enfrentar as provas da descoberta do mundo. Nesse sentido, a
escolarização alongada e tendencialmente universal, ao prolongar a
sociabilidade quotidiana entre jovens, contribui decisivamente para
aumentar a importância das relações entre pares nos processos de so-
cialização. É por essa razão que, como vários estudos demonstram5,
a vida quotidiana no seio dos estabelecimentos escolares passa a ser
uma experiência social central para os jovens (Dubet e Martuccelli,
1996; Rayou, 2000). Isto porque no centro dessa experiência escolar
está a vida do grupo de amigos, dos pares em geral. Na convivência
quotidiana com os outros jovens “que contam” afirma-se um modelo,
quotidianamente posto à prova, de socialização horizontal assente na
“philia” (Rayou, 2005) – a amizade virtuosa – que se expressa “nas
afinidades, na amizade, nas relações de confiança, de solidariedade e
de fraternidade com os pares”.
O fato de, na escola ou fora dela, o grupo de pares/amigos
emergir como nova referência socializadora pode retirar alguma cen-
tralidade às propostas escolares concebidas pelos adultos - ainda que
apresentando declinações variáveis e por vezes contrastantes em fun-
ção dos perfis de jovens que compõem cada escola em concreto. Nes-
se caso, a massificação terá contribuído para transformar, também,
a escola secundária em “um espaço aberto a uma vida não escolar,
numa comunidade juvenil de reconhecimento interpessoal, (…) no
qual uma parte da vida dos estudantes se desenrola na escola mas
sem a escola“ (Barrère e Martuccelli, 2000: 256), no que se revela um
novo desafio colocado aos professores e restantes adultos que com
eles coabitam nos estabelecimentos de ensino.
De fato, a experiência escolar de cada adolescente pode con-
densar, por vezes, aspetos de uma tensão entre “a esfera privada de
uma vida pessoal” constituída por afinidades, afetos, cumplicidades
5 No caso português, veja-se a título de exemplo o estudo de José Machado Pais (1998) ou ainda o de
Pedro Abrantes (2003).

144
com os iguais de que não se quer prescindir, e “a esfera pública de uma
vida de alunos” (Rayou, 2005) onde se consuma a divisão, a hierarqui-
zação, a diferenciação dos amigos segundo critérios (de desempenho
acadêmico, de constituição de turmas, de regras de comportamento)
definidos pela instituição escolar.
Esta esfera privada de uma vida pessoal, onde assenta a so-
ciabilidade juvenil e que se prolonga muito para além dos tempos
escolares, através do recurso as práticas comunicacionais potenciadas
com as novas tecnologias de comunicação e informação (Metton,
2008) está, por sua vez, fortemente impregnada da cultura de mas-
sas mediática de que os adolescentes são particulares consumidores,
sob a égide do controle permanente do grupo de pares (Pasquier,
2005). Para esta autora, esta vigilância exercida pelos pares sobre as
condutas e práticas culturais demonstradas por cada adolescente no
quotidiano assumiria um poder prescritivo de tal forma intenso que
entraria mesmo, em algumas circunstâncias, em clara concorrência
com o poder prescritivo dos adultos (na família e na escola) na trans-
missão aos mais novos das normas culturais e dos valores sociais ti-
dos como mais legítimos. Esta ascensão e afirmação mais autônoma
das culturas adolescentes (Cicchelli e Galland, 2008) teria, como
contrapartida, um enfraquecimento do papel da família e da escola,
o que leva a autora a colocar a questão dos limites e até mesmo da
própria possibilidade atual de transmissão cultural intergeracional.
De fato, mesmo que não partilhemos o radicalismo de Pas-
quier, a verdade é que este reforço do peso da cultura mediática no
quotidiano juvenil, bem como o peso dos pares na vida escolar não
deixa de ter efeitos ao nível da relação com o mundo adulto.
Por um lado, por que os contornos desta cultura juvenil, as
formas de comunicação que ela exercita (Metton, 2008) e o modo de
socialização que ela transporta desafia a cultura escolar (Martuccelli,
2008). Se a cultura escolar assenta numa lógica de mensagem - um

145
emissor (o docente) e um destinatário (o aluno) perfeitamente dife-
renciados nas suas posições relativas – ao invés, as práticas adoles-
centes condensam-se em torno da comunicação e, sobretudo, “de uma
comunicação horizontal com o outro” (ibidem: 115). Neste registo,
as relações comunicacionais estabelecidas assumem, em si mesmas,
um significado central, dispensando, por vezes, a própria mensagem.
Como bem sublinha Martuccelli, “(…) fala-se, mesmo não dizendo
nada: a verdadeira atividade reside no próprio ato de comunicar” (ibi-
dem: 115-116), transformada em verdadeira exigência compulsiva6 e
fonte de prazer para os adolescentes, exercitada através de múltiplos
meios. Ora, este lugar ocupado junto dos jovens pela “comunicação
horizontal com o outro” não deixa de ter consequências ao nível da
comunicação pedagógica, nomeadamente no que concerne a relação
com a autoridade docente: a horizontalidade é reclamada agora como
critério de todo e qualquer tratamento relacional e, para os alunos
“uma boa relação pedagógica tem uma natureza igualitária e supõe
um respeito mútuo, ou seja, um tratamento recíproco, exigência in-
contornável prévia ao universo comunicacional no qual estão imer-
sos”. (Martuccelli, 2008: 116).
Por outro lado, o peso dos pares na vida escolar interfere na
própria assunção da condição de aluno confrontando, também des-
se modo, a cultura escolar. Embora a experiência estudantil pos-
sa variar consideravelmente, de acordo com o tipo de escola, cur-
so ou mesmo turma frequentados, parece haver um denominador
comum entre as novas gerações: a instauração de uma adesão mais
distanciada (Abrantes, 2003), ou pelo menos mais negociada com
os saberes e com os modos de autoridade propostos pela instituição
escolar. Com efeito, a pressão do grupo sobre as condutas individu-
ais (particularmente acentuada no caso dos rapazes) pode explicar o

6 Neste quadro se explica por que é que o uso intensivo do telemóvel como meio de conexão (efetiva ou
potencial) permanente com o outro transforma o controlo sobre a sua posse em um requisito de sobrevi-
vência social para o adolescente.

146
fenômeno do crescimento da desvalorização normativa da excelência
escolar (ou de quem a obtém) junto de muitos alunos, sobretudo no
seu período adolescente (Dubet e Martuccelli, 1996). A necessidade
de conformação aos códigos das culturas adolescentes como condição
de integração no grupo de pares, bem como a submissão a uma im-
posição, muitas vezes masculina, da definição das situações (Rocha e
Ferreira, 2002), pode gerar tensões entre as hierarquias escolares (o
aluno estudioso, interessado, aplicado x o aluno desinteressado, pouco
estudioso, pouco trabalhador) definidas pelos adultos, e as hierarquias
juvenis, pautadas pelo desejo de sociabilidade (o seguir os apelos dos
outros, estar disponível para a sociabilidade, divertir-se mesmo que
em detrimento dos estudos) definidas por alguns grupos de pares.
Em algumas circunstâncias, o que é “grande” no domínio escolar é
qualificado como “pequeno” no universo adolescente, uma vez que
representa a figura da subordinação às expectativas dos adultos e às
suas regras.
Este distanciamento relativo face à instituição reforça-se, em
alguns casos, pelo fato de as antigas promessas de ascensão/confir-
mação social e de realização profissional associadas ao investimento
numa escolarização avançada – e que constituíam um dos sentidos
para a escola – serem colocadas à prova à medida que os atuais mode-
los de desenvolvimento produzem em massa o fenômeno do desem-
prego e precariedade juvenis suscitando, quer o desinteresse e fecha-
mento de alguns adolescentes nos seus próprios interesses e problemas
(Meirieu, 2008), quer “potenciais de frustração” e “desencanto” junto
de muitos dos que terminam a escolaridade (Pinto, 2007).
A transformação do lugar do aluno
na instituição - do estatuto à prática
Como afirmamos anteriormente, a mudança quantitativa dos
públicos escolares traz consigo uma outra consequência (qualitativa)
também subliminar nos estabelecimentos de ensino.

147
É ela a “revolução copérnica”, como denomina Rayou, que
transformou “o estatuto do aluno colocando-o no centro do siste-
ma educativo” (Rayou, 2007: 16). Esta alteração associa-se, eviden-
temente, à democratização acrescida na contemporaneidade e ao
crescente reconhecimento dos menores (as crianças e adolescentes)
como indivíduos portadores de direitos7 - nomeadamente, direitos
de participação. O respeito devido aos mais novos, inscrito numa
normatividade mais democrática, expressa-se agora em relações in-
tergeracionais mais igualitárias, alicerçadas na negociação - não sem
suscitar tensões evidentes, quer na família, quer na escola. Como
afirma Ana Nunes de Almeida “o novo postulado da “similitude” e
do contrato na relação entre adultos e crianças traz para a cena so-
cial problemas de uma enorme complexidade. Não podendo excluir
a criança e o adolescente do estatuto de “semelhante”, que é, por
definição, o do indivíduo democrático, e estabelecendo com ela uma
relação na base da igualdade, como construir uma “relação educativa
“ onde, por definição, prevalece uma forma de superioridade entre o
educador e o educando?” (Almeida, 2005:590)
Ora, no caso da escola, a importância doravante conferida ao
aluno como cerne da ação educativa e enquanto interlocutor respon-
sável traduz-se na atribuição a este de um novo estatuto. Espera-se
do aluno – e particularmente do aluno do ensino secundário – que
ele aja na instituição escolar simultaneamente como estratega, como
parceiro e como cidadão (Rayou, 2007). Pretende-se, por um lado,
que ele defina estrategicamente o seu projeto escolar e profissional,
realizando opções vocacionais que se integrem num projeto de vida.
Deseja-se, também, que o aluno assuma a condição de parceiro numa
equipa educativa alargada – que pode extravasar os meros professo-
res e integrar “profissionais de mediação” (Resende e Dionísio, 2005)
como psicólogos, animadores e outros especialistas – colaborando na

7 Direitos esses consagrados expressamente na Convenção dos Direitos das Crianças, aprovada em 1989.

148
prossecução bem sucedida da sua escolaridade. Ambiciona-se, final-
mente, que o aluno exercite a sua cidadania, num espaço público onde
simultaneamente se espera que aprenda a conhecer os seus direitos.
Porém, apesar dos apelos feitos aos alunos por parte da ins-
tituição, a verdade é que a participação daqueles na vida da escola
encontra-se, à exceção da estrita dimensão da escolaridade, muito
aquém do esperado (Rayou, 2007). Quando essa participação ocorre,
através dos dispositivos de representação disponíveis, o seu registro
é muitas vezes efêmero. O caso das associações de estudantes nas
escolas secundárias é disso um bom exemplo (Lima, 1998). Para al-
guns analistas, a aparente recusa de participação cívica e política é
apressadamente justificada com fundamentos normativos - o alegado
individualismo e egoísmo dos jovens atuais, por contraste com a pre-
tenso compromisso político das juventudes de outrora.
Mais decisivo do que considerações de ordem moral, importa
descobrir o que se esconde por detrás dessa aparente8 recusa genera-
lizada de participação. Ora, parece ser plausível afirmar que os limi-
tes e modalidades dessa participação estabelecem-se por referência
ao modelo de “philia” (Rayou, 2005) em que assenta a experiência
adolescente atual. As relações de amizade e de solidariedade com os
pares, os momentos de convívio com os amigos parecem sobrepor-se
com prioridade aos convites à mobilização ativa por parte da escola
para a integração em órgãos de representação institucional ou ainda
para o envolvimento em iniciativas menos formais concebidas pelos
adultos que implicam investimento adicional dos alunos9. O não en-
volvimento, ou pelo menos o não comprometimento definitivo com

8 Aparente por que, como provam alguns autores, o que parece ter mudado são as modalidades e os temas
de implicação - formas mais autônomas e espontâneas de mobilização, manifestando-se em ações pontuais
e bem delimitadas (Muxel, 2008), contrastando com as formas clássicas de participação duradoura em
grandes coletivos – e não tanto a própria participação.

9 Como delegado de turma ou como representante dos alunos nos órgãos deliberativos em que tem
assento, no primeiro caso, ou intervenção ativa em espaços sem dividendos estritamente escolares (colabo-
ração em projetos, participação em debates, investimento na associação de estudantes, envolvimento em
clubes…) no segundo caso.

149
tais convites – ou seja, com “a entrada na lógica de funcionamento
do “mundo adulto” (Resende e Dionísio, 2005:674) - representa a
conquista de um espaço de autonomia definido pelo adolescente, um
“direito de reserva” (Rayou, 2005) à sua vida privada juvenil. Por
outras palavras, a reivindicação do “direito a uma certa opacidade”
(Cicchelli, 2001) que coloca à distância os professores (tal como os
pais) como forma de preservação da inviolabilidade do seu território
de intimidade pessoal - nomeadamente através da criteriosa triagem
da informação sobre si ou sobre os amigos nas trocas comunicacio-
nais com os adultos - constitui para o jovem requisito de participação
na vida juvenil.

Em jeito de conclusão
Esta centralidade acrescida adquirida pela sociabilidade e ex-
periência estudantil, assente na amizade, nas relações de confiança e
solidariedade com os pares, não deixa de interferir nos critérios mais
nucleares do funcionamento escolar quotidiano e de colocar à prova
os docentes.
Por um lado, a afirmação das culturas adolescentes no espaço
escolar traz para a ribalta potenciais tensões entre o poder prescritivo
dos adultos e o protagonismo juvenil, nomeadamente em torno da
missão fulcral do projeto escolar - a transmissão cultural intergera-
cional. O maior desfasamento entre os critérios das culturas adoles-
centes – baseados na cultura mediática e visual de aprendizagem do
mundo – e os fundamentos da cultura escolar – assentes na cultura
escrita como instrumento de descoberta do mundo - torna menos
automática a adesão voluntária dos alunos ao trabalho escolar, rei-
vindicando muitos destes a necessidade de serem “motivados” pelos
seus professores como condição prévia e legítima dessa adesão.
Por outro lado, o relativo desinvestimento nos espaços de par-
ticipação institucionais por parte dos alunos – geradores de senti-

150
mentos de impotência e de algum desencanto junto do corpo docente
– não significa que eles abdiquem de participar ativamente na sua
própria experiência escolar quotidiana. Trata-se de uma outra forma
de participação na esfera pública, ancorada agora em modalidades
mais espontâneas e por vezes mesmo epidérmicas de ação, mas que
relevam do confronto de si com o olhar dos outros. Tomando como
tema central a justiça escolar (Danic, Delalande e Rayou, 2006), essa
participação revela-se na interpelação crítica de alguns professores
(Resende, 2008) em situações avaliadas como injustas de que os pró-
prios (ou os amigos) se julgam alvo, nomeadamente no espaço da sala
de aula. O questionamento dos critérios com que são seriados, e que
podem provocar divisões no seio do grupo de pares (Rayou, 2007); a
denúncia das humilhações e da experiência de rebaixamento público
de que se sentem vítimas, por parte dos professores (Merle, 2005);
a reivindicação da utilização juvenil de tempos e espaços escolares
(Lopes, 1996), constituem alguns exemplos dos desafios colocados
pelas culturas adolescentes ao desempenho docente – e, nessa medi-
da, à própria ordem escolar.

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154
8

Que critérios de qualidade


para a avaliação formativa?

LEONOR SANTOS
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Resumo: Uma das mudanças mais marcantes que temos assistido no


âmbito da avaliação é encará-la como um recurso para a aprendiza-
gem. Dado assim a importância que na atualidade lhe é apontada,
há que clarificar quando falamos de práticas avaliativas formativas de
qualidade. Num entendimento de avaliação enquanto medida, a vali-
dade e a fiabilidade são habitualmente referidas como critérios de qua-
lidade. O que nos propomos discutir neste texto é saber até que ponto
estes mesmos critérios são aplicáveis, ou fazem sentido, num enten-
dimento de avaliação enquanto processo regulador da aprendizagem.
Esta discussão procura sustentar-se na investigação disponível e, em
particular, no trabalho desenvolvido no âmbito do Projeto AREA1
– Avaliação Reguladora no Ensino e Aprendizagem. Embora cons-
cientes da necessidade de elaborar uma teoria suficientemente robusta
de avaliação formativa para apontar, de forma definitiva, critérios al-
ternativos de qualidade, avançamos com a proposta de três critérios
que se relacionam entre si: a compreensibilidade, a adequabilidade e
a eficácia. Constituem um ponto de partida para uma discussão que
urge ser feita, de forma a criar-se um referencial teórico que permita
desenvolver de forma fundamentada esta avaliação, essencial para o
fim primeiro da educação, a aprendizagem.

Toda a avaliação pressupõe um julgamento e uma tomada de


decisão sobre o que é relevante para determinado fim, uma recolha de
informação, a sua interpretação e o desenvolvimento de uma ação dela
decorrente. O que permite diferenciar as modalidades de avaliação é
a função (ou funções) para a qual é pensada e executada. A avaliação
1 Projeto financiado pela FCT (nº PTDC/CED/64970/2006)

155
formativa e sumativa não são diferentes no seu tipo, mas sim nos seus
propósitos (Harlen & Gardner, 2010). Assim, associada à dimensão
social da avaliação, podemos identificar uma função certificativa e
prognóstica dirigida à orientação do prosseguimento de estudos dos
alunos e, à dimensão pedagógica, uma função dirigida à promoção
das aprendizagens (Perrenoud, 2001; Santos, 2008), isto é ao apoio
dos percursos escolares dos alunos. Distinguimos, deste modo, a ava-
liação sumativa da formativa, não porque sejam diferentes nos seus
processos ou instrumentos (podem levar à recolha de uma mesma
informação, através de um mesmo instrumento de avaliação), nem
tão pouco porque poderão ocorrer em momentos distintos, mas sim
nos fins que se procura atingir com cada uma delas (é a interpretação
que fazemos da informação recolhida e a ação consequente que são
modeladas pelos propósitos definidos). Recorrendo a uma metáfo-
ra apresentada por Harlen (2005), podemo-nos deslocar entre dois
locais com fins distintos. É o propósito que nos permite apreciar o
sucesso da viagem.
Nos dias de hoje, não negando a existência de uma avaliação
sumativa, com funções classificadora e certificadora, essencial respeti-
vamente para a sobrevivência de múltiplos sistemas educativos e para
a defesa dos cidadãos, emerge ainda com mais pertinência, se assim se
pode dizer, a importância de uma avaliação ao serviço da aprendiza-
gem. Poder-se-á mesmo afirmar que a mudança mais marcante que te-
mos assistido no âmbito da avaliação é encará-la como um instrumen-
to para a aprendizagem (Dochy & McDowell, 1997). Segundo Black
(2005), a avaliação formativa tem constituído uma indústria crescente
nos últimos anos. O seu desenvolvimento tem-se expandido em duas
vertentes: a partir da investigação, com o intuito de compreender se as
práticas de avaliação formativa melhoram o desempenho dos alunos e,
a partir da prática, procurando perceber se os professores têm incorpo-
rado as ideias vindas da investigação em práticas produtivas.

156
Para falar na melhoria das práticas avaliativas, sejam elas quais
forem e os propósitos que tiverem, necessitamos ter uma ideia clara
do que se entende por uma prática avaliativa de qualidade (Harlen,
2010). Num paradigma que entenda a avaliação enquanto medida é
habitual serem referidos como critérios de qualidade dos instrumen-
tos de avaliação usados a validade e a fiabilidade. Um instrumento
de avaliação apresentará um grau de validade tanto maior quanto
melhor medir aquilo para o qual foi feito. A fiabilidade da medida
obtida tem a ver com o seu grau de independência com a pessoa do
avaliador, isto é, um instrumento de avaliação será fiável se diferen-
tes avaliadores obtiverem medidas muito próximas umas das outras.
Estes dois critérios de qualidade são dependentes um do outro (Bla-
ck & Wiliam, 2006; Harlen, 2010). Ao alterar um deles, traz inevi-
tavelmente consequências para o outro. Este é, por exemplo, o caso
quando se restringe o tipo de perguntas de um teste, aumenta-se a
sua fiabilidade, mas reduz-se a validade.
A procura de processos de avaliação válidos e fiáveis têm le-
vado a que muitos dos conhecimentos considerados curricularmente
importantes na aprendizagem nem sempre sejam avaliados, como
seja o caso de algumas atividades mentais de ordem superior. Do
mesmo modo, perguntas de natureza mais aberta, resolução de pro-
blemas e tarefas que exigem raciocínios mais elaborados, e como
tal mais difíceis de quantificar, são muitas vezes evitadas (Harlen,
2005), muito embora possam ser consideradas como as mais adequa-
das para recolher informação respeitante a certo tipo de capacidades
ou competências. Este é, por exemplo, o caso da disciplina de Ma-
temática. Segundo Morgan (2003), as tarefas de avaliação sumativa
são em geral construídas de modo a não serem ambíguas nos seus
pedidos, de forma a garantir tanto quanto possível a validade, dando
pouca margem de dúvida sobre se a resposta do aluno é ou não cor-
reta, minimizando assim o risco da não fiabilidade. Por exemplo, a

157
resposta a uma questão de exame é comparada com a resposta “ideal”
e, quando é considerada diferente desta, é marcada como errada, re-
presentando o insucesso. Tal estabelecimento explícito de critério é,
no mínimo em princípio, acessível a todos os alunos e a todos os ava-
liadores. É assumido como evidente que todas as questões têm uma
resposta correta obtida através da aplicação de um método adequa-
do. Tal método é claramente identificado nos manuais escolares, nos
conteúdos programáticos, nas questões de exame tipo, etc. Qualquer
ambiguidade nos processos avaliativos é, em princípio, de eliminar,
substituindo-a pela explicitação clara de critérios.
Contudo, as questões abertas são largamente defendidas na
educação matemática e deste modo também consideradas na ava-
liação. Tem sido avançada como possibilidade o recurso a um pro-
cesso de classificação holístico ou impressão geral (Charles, Lester &
O’Daffer, 1990), contudo, dado que este tipo de apreciação utiliza
critérios implícitos, tal é apenas acessível e adequado a peritos e/ou
avaliadores com larga experiência. Assim, segundo Morgan (2003),
há que definir critérios especialmente pensados para uma dada tare-
fa, muito embora nem sempre sejam à partida totalmente compreen-
síveis por parte dos alunos.
Ainda sobre os critérios de avaliação, associando-os natural-
mente à validade e fiabilidade, defende-se que, numa perspectiva so-
mativa, estes deverão ser normalizados e iguais para todos os alunos.
Aliás, caso assim não fosse não seria possível serem feitas compara-
ções e o estabelecimento de hierarquizações entre os alunos. Note-
se, contudo, que esta questão não é tão linear como pode parecer à
partida. Existem diversos estudos que apontam para a diversidade de
interpretações e formas de aplicar um conjunto de critérios normali-
zados por parte do avaliador (Merle, 1996; Noizet & Caverni, 1978)
Por outras palavras, não há avaliação à prova de avaliador. Acresce o
facto de que um mesmo aluno poder responder à mesma questão de
formas distintas em momentos diferentes (Back & Wiliam, 2006).

158
Mas o que nos propomos agora discutir é saber até que ponto
estes mesmos critérios, tal como aqui foram definidos, são aplicáveis,
ou fazem sentido, num entendimento de avaliação enquanto proces-
so regulador da aprendizagem. Será que estes critérios terão de ser
repensados, como questiona Dierick e Dochy (2001)?
Num contexto de avaliação formativa, os processos avaliati-
vos têm como principal propósito contribuir para a aprendizagem.
Estamos conscientes de que não existe um significado único para
esta avaliação (Black & Wiliam, 1998; Fernandes, 2006). Abrecht
(1991), reconhecendo que não existe uma teoria unificadora sobre a
avaliação formativa, identifica um conjunto de pontos convergen-
tes que se podem encontrar em diversos significados atribuídos a
este conceito, nomeadamente que: se dirige ao aluno; procura uma
consciencialização por parte do aluno sobre a sua aprendizagem; é
parte constitutiva da aprendizagem; procura uma adaptação a uma
situação individual, devendo assim respeitar a pluralidade e a di-
versidade; o seu enfoque é tanto sobre os resultados como sobre os
processos; não se limita à observação, mas requer uma ação, uma
intervenção sobre a aprendizagem e/ou sobre o ensino; procura as
razões que dão sentido às dificuldades ao contrário de as sancio-
nar; e se dirige também ao professor para ajudá-lo a orientar a sua
prática letiva. Harlen e James (1997) acrescentam ainda o ter em
conta o progresso de cada indivíduo; não ser unicamente criterial,
no sentido de se referir a critérios de avaliação definidos (criterion-
referenced), uma vez que se dirige a aspetos da aprendizagem que
podem ir para além do currículo, dizendo respeito a características
pessoais do aluno fundamentais para se compreender os seus pro-
cessos de aprendizagem e/ou as suas dificuldades (pupil-referenced);
e requer sobretudo que o aluno desempenhe um papel central na sua
própria aprendizagem (o professor não pode aprender pelo aluno).
A estas características acrescentamos ainda o fato de ser desenvol-

159
vida de forma intencional; ser interativa, desenvolvida quer entre
professor e aluno, quer entre alunos, quer entre o aluno e si próprio;
e acontecer preferencialmente no quotidiano do trabalho da sala de
aula. A avaliação não constitui uma componente isolada e dissocia-
da de todo o processo educativo, mas acima de tudo ela é uma parte
inseparável de um complexo sistema onde o fim último do ato edu-
cativo é a aprendizagem (Pinto & Santos, 2006). Para clarificação
do entendimento que atribuímos a avaliação formativa, passaremos
a chamá-la de avaliação reguladora.
Para que a avaliação reguladora seja efetivamente reguladora, isto
é contributiva de aprendizagem, deve ter em linha de conta o que há de
específico e particular em cada aluno, respeitando a sua forma de pensar
e aprender. A investigação aponta, por exemplo, que perante duas pro-
duções iguais, o mesmo feedback pode ser eficaz para um certo aluno e
não o ser para outro (Bruno, 2006; Dias & Santos, 2009; Santos & Dias,
2006). Deste modo, mesmo que falemos de critérios de avaliação refe-
ridos às tarefas, numa avaliação reguladora têm de ser considerados cri-
térios que digam respeito aos alunos e como tal possivelmente diversos.
Assim, a validade e a fiabilidade tal como são entendidas habitualmente
parecem ser desadequadas nesta outra visão da avaliação.
Na tentativa de dar resposta a este impasse, Stobart (2006)
apresenta outras formas de entender estes mesmos critérios. En-
quanto a avaliação entendida como medida tem habitualmente como
função determinar o valor de um determinado saber ou conjunto
de saberes para daí se tirarem consequências, a avaliação reguladora
tem como principal objetivo ajudar a aprendizagem. Assim, numa
perspectiva reguladora da avaliação, a validade diz respeito à eficácia
da avaliação reguladora, isto é, procura saber até que ponto os pro-
cessos avaliativos contribuem ou não para a aprendizagem, são ou
não de fatoreguladores. É irrelevante, neste caso, estabelecer genera-
lizações a partir de um conjunto de tarefas (Black & Wiliam, 2006).

160
Deste modo, os riscos a que a validade pode estar sujeita podem
relacionar-se com aspetos do contexto da sala de aula, nomeadamen-
te a diversidade sociocultural e as formas de pensar dos alunos, que
podem constituir um obstáculo para uma comunicação efetiva entre
professor e aluno. A questão é saber se as interpretações que ocorrem
podem ser contributivas para a aprendizagem, uma vez que a vali-
dade da avaliação reguladora trata das suas consequências (Stobart,
2006). Por outras palavras, uma prática avaliativa reguladora é tanto
mais válida quanto mais contribuir/conduzir à aprendizagem.
Neste quadro, a fiabilidade deixa de ser vista como uma medi-
da consistente, passando a ser encarada como a diversidade adequa-
da de práticas que permitam contribuir para aprendizagem. Stobart
(2006) refere dois critérios alternativos apresentados por Wiliam
(1992) para definir a fiabilidade: a desocultação (disclosure) que diz
respeito ao modo como um processo avaliativo produz evidência so-
bre o desempenho de um aluno relativamente ao item que está a ser
avaliado, e a fiabilidade, enquanto o modo como a evidência de um
desempenho que foi desocultado é fielmente registrada.
Do exposto podemos afirmar que a validade e a fiabilidade en-
tendidos no seu sentido usual não são critérios de qualidade adequados
para apreciar os processos avaliativos reguladores. Não adotamos a po-
sição de alterar significados de termos tão marcados ao longo de anos
com a avaliação somativa. Deste modo propomos três critérios alterna-
tivos de qualidade para os processos avaliativos colocados ao serviço da
aprendizagem: a compreensibilidade, a adequabilidade e a eficácia.
A compreensibilidade dos processos avaliativos, no sentido de se-
rem acessíveis e claros a quem se dirigem e/ou a quem os usa, condição
essencial para poderem ter alguma margem de sucesso. Esta clareza
engloba a interpretação adequada do que se fez/do que se interpretou e
do que é esperado que se faça/do significado consensualizado, de modo
a permitir reduzir a diferença entre ambos (Sadler, 1989).

161
A adequabilidade dos processos vista com a concordância à
especificidade dos alunos e das tarefas. Esta propriedade procura a
diversidade, ao contrário da uniformidade, dado assumirmos que
existem diversas formas de pensar e de aprender.
Por último, a eficácia dos processos avaliativos, entendo-a como o
modo de apreciar os efeitos de tais processos na aprendizagem. A eficá-
cia acrescenta aos anteriores critérios uma ação e os seus efeitos.
Tal como acontece com a fiabilidade e a validade na avaliação so-
mativa, também os três critérios enunciados para a avaliação reguladora
das aprendizagens se relacionam entre si, embora de forma distinta.
Por um lado, porque os dois primeiros são condições para o terceiro se
verificar. Por outro, ao melhorarmos um destes critérios, não implica
reduzir nenhum dos outros, mas pelo contrário, esta alteração pode
produzir aperfeiçoamentos nos restantes. Por exemplo, se melhorarmos
a compreensibilidade, naturalmente criaremos um contexto mais favo-
rável para que a aprendizagem aconteça, logo aumente a eficácia.
Muito embora estejamos ainda longe de ter uma teoria suficiente-
mente robusta de avaliação reguladora para apontar, de forma definitiva,
critérios alternativos de qualidade, avançamos com a proposta destes três
critérios. Estamos certos, contudo, que devem ser entendidos como ideias
que precisarão certamente de aperfeiçoamento. Constituem, no entanto,
um ponto de partida para uma discussão que urge ser feita, de forma a
criar-se um referencial teórico que permita desenvolver de forma funda-
mentada e sustentada esta avaliação, presentemente considerada essencial
para o fim primeiro da educação, a aprendizagem.

162
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165
9

A (in)evitabilidade da avaliação do
desempenho docente em Portugal:
processos, tensões e desafios1

CELY DO SOCORRO COSTA NUNES


PEDRO RODRIGUES
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Resumo: O presente artigo analisa a polêmica atualmente


existente no sistema educativo português em torno da avaliação do
desempenho docente em vigor no ensino não superior (restringindo-
se aos professores efetivos, deixando de fora as restantes categorias:
diretores de escola, professores contratados, professores em
período probatório, professores destacados em funções não letivas).
Neste sentido, começamos por posicionar a política de avaliação
educacional como um dos elementos fundamentais da engenharia
educacional implementada pelo estado avaliador, necessária à
definição, regulação e controle das políticas educativas, em nome
da promoção da eficácia, eficiência e qualidade. Seguidamente,
com base na documentação legal, apresentamos, em traços gerais, a
evolução recente da avaliação de professores em Portugal, situando
o novo sistema de avaliação do desempenho docente e focalizando
as principais mudanças face aos modelos anteriores, as quais
estão na base da forte e generalizada contestação no seio da classe
docente, sem dúvida sediada num cálculo custo/benefício. Nesse
contexto, procuramos referenciar os termos em que essa contestação
se expressa, ou seja os argumentos que põem em causa a avaliação, a
partir das posições manifestadas por sindicatos e professores, entre
outros, e, também, recolhidas em relatórios oficiais de avaliação do
modelo em questão.

1 Artigo decorrente do projeto de investigação “A inevitabilidade da avaliação escolar e do desempenho


docente em Portugal: processos, tensões e desafios”, desenvolvido pelos respetivos autores e financiado
pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.

167
O recrudescimento da avaliação
educacional num mundo globalizado
As sociedades democráticas definiram a avaliação, precisamente
a partir das últimas décadas do século passado, como centralidade de
governança, assumindo um protagonismo sem precedentes como ins-
trumento legítimo de regulação do ente público. Nestes termos, a ava-
liação dos sistemas educativos tem sido tomada como referência pelos
governos, tendo em vista a definição de políticas educativas mais efica-
zes, equitativas e democráticas, potenciadoras de melhoria e aumento
da qualidade da educação, frente aos índices de insucesso e desempe-
nho escolar aferidos por avaliações nacionais/internacionais2 de caráter
comparativo, num mundo cada vez mais competitivo.
Neste cenário, multiplicam-se experiências avaliativas no cam-
po educacional, supranacionais/nacionais, internas/externas, estan-
dardizadas/padronizadas, com a intenção de cobrir diversos compo-
nentes do sistema educativo. De fato, o que está em jogo no cenário
europeu é uma nova agenda, globalmente estruturada, para a educa-
ção (Antunes, 2007), que precisa ser monitorada para surtir os efeitos
esperados do processo de europeização das políticas educativas.
Estas experiências (Flores, 2010; Murillo, 2007) foram con-
cebidas e desenvolvidas de diversos modos, utilizadas com diferentes
funções e objetivos, originando modelos específicos de accountability
(avaliação, prestação de contas e responsabilização). Nesta lógica, as
políticas avaliativas educacionais em curso em Portugal acabam por
submeter o sistema educativo, a escola, os professores e os alunos ao
juízo e escrutínio público, quando seus resultados passam a circular
em toda a sociedade, por força dos meios de comunicação, provocan-
do tensões e reações.

2 Os resultados dos alunos portugueses de 15 anos em Matemática, Ciências e Leitura, melhoraram no


PISA (Programme for International Student Assessment) 2009. Nos três estudos anteriores, realizados
em 2000, 2003 e 2006, estes resultados situaram-se significativamente abaixo da média da Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Em 2000, Portugal estava na 25.ª posição,
num conjunto de 27 países, em 2009 situa-se na 21.ª posição, num conjunto de 33.

168
Nas referidas décadas, consideradas da avaliação educativa,
grande parte dos países industrializados definiu e desenvolveu algum
tipo de política e prática avaliativa do sistema educacional, o que
representou, em seu conjunto, grande avanço em termos de produção
de conhecimento, de informação, de tecnologia e de tomada de de-
cisão. Ora, na prática, a avaliação educacional revela-se muito mais
complexa do que podem sugerir definições conceituais e formulações
operacionais. Ela não se faz sem contradições e conflitos. No con-
texto educacional, é possível perceber a ambiguidade da avaliação,
na medida em que, ao mesmo tempo que pode funcionar como uma
ferramenta chave do progresso, pode também ter um efeito contrário
se instituir uma prática punitiva, cujas consequências desmotivam e
imobilizam os atores sociais e as instituições.
Adverte Afonso (2009) que nem todos os modelos de accounta-
bility se inscrevem em lógicas progressistas, sendo, muitos, reduzidos
à utilização de testes estandardizados no âmbito de avaliações exter-
nas/internas, centrados na aferição do nível de aprendizagens cogni-
tivas dos alunos em áreas específicas do conhecimento, produzindo
resultados que são a base para a definição dos rankings escolares e
constituindo-se, em muitos contextos, no fator preponderante para
a tomada de decisão sobre os alunos, os docentes e as instituições
escolares.
Como reflete Afonso (2007), vive-se um excesso e uma obses-
são avaliativa em todas as esferas do estado, caracterizado não mais
como do bem-estar social, provedor e fornecedor de bens e serviços
educativos (estado educador), mas, agora, como estado avaliador 3 da
qualidade dos serviços oferecidos pelo ente público e privado, inau-
gurando uma nova forma de governança, de regulação dos sistemas
de administração pública e do modo de fazer política. Muitas destas
3 Lessard, Brassard e Lusignan (2002), citados por Barroso (2006), argumentam que, na perspectiva do
estado avaliador, o estado não se retira da educação, mesmo quando a delega noutras entidades. Ele adota
um novo papel, o do estado regulador e avaliador, que define as grandes orientações e os alvos a atingir, ao
mesmo tempo que monta um sistema de monitorização e de avaliação para saber se os resultados desejados
foram, ou não, alcançados.

169
políticas são fruto de avaliações protagonizadas por organismos in-
ternacionais, de escala global, como as desenvolvidas, por exemplo,
pela OCDE. Clímaco (2009) destaca que os resultados acadêmicos
dos alunos têm sido, desde sempre, considerados a medida da quali-
dade das escolas, dos currículos e dos próprios professores, situação
que, a nosso ver, é comprometedora, tanto mais quanto tende a re-
duzir a avaliação educacional ao âmbito da avaliação do desempe-
nho cognitivo dos alunos.
Ao governar pelos instrumentos de avaliação, enquanto ativida-
de cientificamente sustentada, é possível legitimar políticas educativas
de maneira pretensamente consensual e elidir o debate ideológico a
respeito dessas políticas. A avaliação pode, assim, ser útil para gover-
nar e regular os atores sociais de modo supostamente inquestionável.
A despolitização da ação política (Afonso e Costa, 2009), decorrente
da governança do bem público no estado avaliador, pode, contudo,
ser prejudicial, por sacralizar/dogmatizar o saber assim constituído e
nublar a discussão dos interesses visados ou alcançados.
Portugal, nos XVII e XVIII Governos Constitucionais
(2005/2009 e 2009/2011), assumiu, como uma das diretrizes para
promover a melhoria da qualidade do sistema educativo, o reposicio-
namento das políticas avaliativas. Estas, expressas por meio de diver-
sas e abundantes leis, despachos, decretos e regulamentos, publica-
dos nas legislaturas anteriores e repaginados nas atuais, demonstram
o quanto o governo vem envidando esforços para que seu projeto
educativo seja eficiente, eficaz e de qualidade. Os exames nacionais
do ensino básico e secundário (Lei nº 31/2002, de 20 de dezembro),
a avaliação das escolas (Lei nº 31/2002, de 20 de dezembro), o es-
tatuto da carreira dos docentes do ensino não superior (Decreto-Lei
nº 75/2010, de 23 de junho) e o sistema de avaliação do desempenho
do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e

170
secundário (Decreto Regulamentar nº 2/2010, de 23 de junho), são
exemplos reveladores de um programa/modelo nacional de avaliação
do sistema educativo em curso, pretensamente indutor de novas prá-
ticas e culturas avaliativas na escola4. A análise da história da ava-
liação do desempenho docente recente pode ajudar a compreender a
resistência dos professores a seu respeito, como veremos a seguir.
A recente evolução da política de
avaliação do desempenho docente em Portugal
As políticas da avaliação docente, presentes no sistema educativo
português anterior à revolução democrática de 1974, mas entretanto in-
terrompidas (Pacheco e Flores, 1999), reaparecem de modo sistemático
na década de 90 do século passado, na sequência da Lei de Bases do
Sistema Educativo português (Lei 46/86, de 14 de outubro). Os seus
propósitos assentam, desde então, na prestação de contas, desenvolvi-
mento profissional e progressão na carreira. Estes objetivos afinam-se
com a política educativa mais ampla em que subjaz a ideia de que é
necessário prestar contas regularmente à sociedade e ao estado sobre
a qualidade da escola e, consequentemente, do trabalho docente, mas,
também, que se deve recorrer à avaliação numa ótica de melhoria e re-
gulação dessa qualidade. Foi, igualmente, nessa época que se instituiu
a obrigatoriedade e se deu a possibilidade de realizar formação contínua
aos docentes do ensino não superior em Portugal. A participação em
ações de formação contínua constituiu, neste contexto, um critério e
um requisito incontornável da avaliação do desempenho docente, con-
figurando uma condição para ascender na carreira docente.
Foi, assim, fundada a 1ª politica de avaliação de professores do
Portugal pós 25 de Abril de 1974, implementada em 1992, por inter-
médio do Decreto Regulamentar 14/92, de 4 de julho, em sequência ao
4 Compartilhamos as ideias de Clímaco (2009) quando sublinha que não se chega à cultura de avaliação
por simples voluntarismo ou por pressão normativa, mas por opção pela qualidade de vida escolar, acei-
tando as exigências que a mesma implica. Argumenta, a autora, que a qualidade de vida escolar não se
dá, constrói-se.

171
Estatuto da Carreira Docente (ECD), que estipulou que a progressão
na carreira se realizaria com base na avaliação do mérito e não mais
apenas no tempo de serviço. Essa avaliação era centrada na elaboração
de relatórios críticos (de autoavaliação) e na comprovação de conclusão
de um certo número de créditos de formação continuada.
Simões (1998), ao analisar esta política, concluiu, contudo,
que o modelo de avaliação vigente pouco contribuía para o alcance
das finalidades que a fundamentavam, uma vez que, em geral, não
se traduzia numa efetiva distinção de desempenhos. Na realidade,
os Relatórios Críticos não eram sequer seriamente analisados pelas
comissões de avaliação, até porque a menção atribuída (de Satisfaz)
era o resultado do cumprimento de meros requisitos legais (ter feito
formação, não ter recusado os cargos que lhe tenham sido atribuídos
e não ter tido graves problemas de apoio e relação com os alunos
durante o período avaliado). Ela era vista pelos professores como
uma formalidade burocrática necessária à progressão na carreira e,
como tal, pouco levada a sério. Essa progressão continuava, pois, a
processar-se de forma quase automática, mais dependente do tempo
de serviço do que do desempenho efetivo, até porque a avaliação
acontecia apenas nos momentos de transição de escalão5.
Em síntese, no 1º modelo de avaliação de desempenho do-
cente, que vigorou durante 6 anos, só, e muito excepcionalmente, os
piores desempenhos eram penalizados com a não progressão, ou a
possível demissão, de resto, em geral, a compensação correspondia
a progredir em função do tempo de serviço. Com uma escala de 3
níveis (Satisfaz, Não Satisfaz e Excelente), avaliados por comissões
distintas, os extremos configuraram situações estatisticamente mar-
ginais e os melhores raramente eram premiados. Em 30 anos de ser-
viço, os professores avaliativamente reconhecidos como Excelentes
podiam chegar ao topo da carreira apenas dois anos mais cedo. O
5 Cada escalão corresponde a um nível da carreira (que vai de 1 a 10) e tem um tempo de duração deter-
minado, razão pela qual a progressão depende sempre do tempo de serviço.

172
incentivo para a melhoria do desempenho docente, nestas circuns-
tâncias, advirá mais do brio pessoal e da consciência profissional do
que do reconhecimento, retribuição e responsabilização institucional
com base na avaliação formal.
Uma vez que o modelo anterior pouco contribuíra para distin-
guir e incentivar a melhoria da qualidade pedagógica do professor,
em 1998 (6 anos depois) foi publicado um novo modelo de avaliação
docente, por meio do Decreto Regulamentar 11/98, de 15 de maio, e
uma revisão do ECD (Decreto Lei 1/1998, de 2 janeiro). A avaliação
docente propõe-se, agora, mais claramente, a reconhecer e distinguir
o mérito profissional, avaliado, nesta altura, em quatro níveis: Não
Satisfaz, Satisfaz, Bom e Muito Bom, enquanto anteriormente se
previa apenas um terceiro, de Excelente, a atribuir uma só vez, após
10 anos de serviço letivo, e a ratificar pelo Ministro da Educação,
em referência ao trabalho de uma comissão de avaliação composta
pelos Diretores Regionais da Educação6. Essa condição desencora-
jaria o docente a requerer tal avaliação, tornando-a, também por isso,
numa situação extremamente incomum. Agora, as menções Bom e
Muito Bom, que, embora sejam da responsabilidade de comissões
especializadas de avaliação, não envolvem diretamente os Diretores
Regionais da Educação nem o Ministro, pelo que não terão o mesmo
peso simbólico e a respectiva carga restritiva.
Mantém-se, todavia, a mesma lógica avaliativa, pois as men-
ções Satisfaz e Não Satisfaz dependem dos mesmos requisitos legais
do modelo anterior; o Relatório Crítico passa a designar-se Docu-
mento de Reflexão Crítica e a avaliação continua temporalmente as-
sociada aos momentos de transição de escalão e ao tempo de serviço
(efetuando-se somente de 3 em 3 ou de 4 em 4 anos).
Curado (2002) afirma que uma das questões negativas deste
modelo avaliativo diz respeito aos relatos exagerados dos professores
6 O Ministério da Educação, relativamente ao território de Portugal continental, está administrativamen-
te dividido em cinco regiões: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.

173
nos documentos de Reflexão Crítica, os quais não correspondiam ao
que realmente eles faziam e eram vistos por estes como mera tarefa
administrativa para progredirem na carreira. Argumenta ainda que,
mediante os resultados da avaliação docente, a escola era incapaz de
tomar medidas contra os maus professores e recompensar o mérito
dos bons; tais resultados também não tinham impacto na melhoria
das práticas dos professores e muito menos eram indutores de medi-
das para melhoria da qualidade das escolas.
Em síntese, o 2º modelo de avaliação de desempenho docen-
te, que vigorou 9 anos, pouco diferia do 1º, uma vez que, apesar de
aumentar potencialmente a capacidade discriminativa da avaliação, a
sua operacionalização prática tornava a diferenciação pouco expres-
siva. A grande maioria dos docentes avaliados recebia sempre a men-
ção Satisfaz, até porque a menção Muito Bom só poderia ser obtida
após ter recebido a de Bom num outro processo avaliativo e uma vez
cumpridos 15 anos de serviço letivo, o que restringia muito a reunião
das condições para requerer tal menção em mais um processo ava-
liativo. Compreende-se, neste contexto, que Machado e Formosinho
(2010) refiram que o legislador acabe por considerar que o regime
de avaliação do desempenho docente, introduzido em 1992 e refor-
mulado em 1998 (e que, ao todo, durou 15 anos), se convertera num
simples procedimento burocrático sem qualquer conteúdo, à imagem
e semelhança do ECD em que se ancorava, fazendo depender o aces-
so ao topo da carreira fundamentalmente do decurso do tempo.
Por meio do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de ja-
neiro, um 3º modelo de avaliação de professores é promulgado pelo
governo, tendo em vista regulamentar a avaliação prevista no De-
creto-Lei n. 15/2007, de 19 de janeiro, que reformula o ECD. Neste
modelo, a avaliação é bianual, pelo que não ocorre apenas nos mo-
mentos de transição de escalão. Reforçar-se-á, portanto, o peso da
promoção por mérito na progressão, até porque as diferentes menções

174
de avaliação são atribuídas em cada ato avaliativo por uma única co-
missão de avaliação (sediada na escola), não se impondo avaliações se-
paradas e sucessivas para cada tipo de menção avaliativa. Além disso,
cada avaliação aplica uma escala de diferenciação maior, que subiu de
4 para 5 níveis (Insuficiente, Regular, Bom, Muito Bom e Excelente).
O princípio da diferenciação é, de resto, garantido pela fixação de co-
tas para os níveis superiores da escala de avaliação, que, por definição,
corresponderão a desempenhos de nível mais invulgar ou ímpar.
Mas o reforço da promoção por mérito, faz-se, agora, à custa,
também, do enfraquecimento da promoção por tempo de serviço,
não se soma a ela, simplesmente, na medida em que se associa a
uma divisão da carreira em duas categorias hierarquizadas: Professor
e Professor Titular, que depende de vagas. Portanto, mesmo que a
progressão a essa categoria possa ser acelerada pelos resultados da
avaliação de desempenho, não estará acessível à maioria. Ora, além
disso, foi aumentado o tempo de cada escalão, pelo que, na prática,
a progressão vai ser mais lenta. De qualquer forma, a avaliação, no
contexto do concurso para suprimento de vagas, supostamente ditará
a seleção dos melhores. Assim se defende que a avaliação premie o
mérito, por um lado, e estimule a sua prossecução, por outro. Con-
tudo, esse modo de conceber a promoção do mérito, em termos de
escolha dos melhores, é situado num contexto de mudança global-
mente negativo, na medida em que, simultaneamente, nega a possi-
bilidade de progressão aos lugares de topo a um grande número, ao
contrário da situação que existia anteriormente e torna mais lenta a
progressão.
De fato, já não se trata só de despromover os incompetentes
e de promover os competentes, ou de premiar os excelentes, numa
estrutura vertical de carreira, aberta a todos. Trata-se de partir a car-
reira em dois, tornar a progressão mais lenta e restringir a progressão
a partir do 6º escalão. A mudança do sistema de avaliação opera-se,

175
assim, num fundo de promoção com consequências mais negativas
que positivas, pois a par de poder premiar os melhores, reduz as pers-
pectivas de carreira a um contingente muito maior. Desta maneira,
a avaliação perde muito da sua conotação positiva, associada à dis-
tinção, reconhecimento, retribuição e prêmio do esforço, empenho e
desempenho. É como se o legislador estivesse a comunicar que, para
que a avaliação possa premiar o desempenho, é preciso, antes, come-
çar por penalizar todos os professores. Neste contexto, em vez de se
constituir num incentivo à melhoria, ela corre o risco de se converter
num fator desmoralizador.
Nestas circunstâncias, a rejeição do modelo por parte da classe
docente vai ser massiva e violenta. Nos dizeres de Abrantes (2010),
a avaliação de professores constitui o processo mais controverso de
toda a legislatura atual, gerando enormes manifestações e greves.
Mas a contestação operar-se-á em duas frentes, refutando a divisão
da carreira (e da classe) em dois, por um lado, e descredibilizando a
própria avaliação por outro lado. Na verdade, se a avaliação não for
credível não pode ser utilizada para distinguir os professores uns dos
outros (incluindo os titulares e não titulares). Ao pedirem a suspen-
são da avaliação os professores procuravam também inviabilizar a
aplicação do novo ECD.
No plano do ataque à avaliação, a credibilidade dos ava-
liadores vai ser posta em causa pelos professores, entre outras
razões, porque os professores titulares não tiveram formação es-
pecífica para exercer as funções de avaliador, situação agravada
pela possibilidade de contaminação do seu trabalho por inf luên-
cia das relações pessoais prévias com os avaliados no interior da
escola (Couto, 2010).
Por outro lado, o trabalho da avaliação é também contestado,
argumentando-se que exige muito esforço, tempo e registros, de-
finidos como papelada burocrática (Guinote, 2008), constituindo

176
uma tarefa acrescida para todos os envolvidos (CCAP, 2009), que
entra em conflito com os afazeres pedagógicos essenciais. A ava-
liação, mais exigente no plano dos processos, instrumentos, fontes
de informação e evidências (não dependendo primordialmente do
autorrelato e da autoapresentação), é vista, então, como uma tarefa
árdua que desvia os professores da sua verdadeira missão, perturban-
do o seu desempenho e, por isso, afetando da pior maneira aquilo
que pretende avaliar.
Ela será referida, além do mais, como potencialmente artifi-
cial, desigual e injusta, uma vez que as cotas podem levar a impor
diferenciações (no plano da avaliação) que na prática não existirão,
ou não terão significado pedagógico, sobretudo nos casos em que os
professores com uma nota global correspondente a Muito Bom ou
Excelente não possam receber tal menção por o número previsto nas
cotas não permitir. Nesses casos os avaliadores terão que procurar
qualquer pormenor que possam utilizar para diferenciar os professo-
res e justificar que uns possam receber essa menção e outros não.
Os critérios e referentes da avaliação vão, igualmente, ser
criticados, especialmente no que se refere à responsabilização dos
professores pela melhoria da aprendizagem dos alunos, pelo sucesso
escolar e pela redução do abandono escolar, não inteiramente nas
suas mãos, dependentes de fatores que a escola não controla e, por
isso, difíceis de avaliar (Santiago, Roseveare, Amelsvoort, Manzi e
Matthews, 2009).
As fontes da avaliação são também contestadas, nomeadamen-
te no que refere à observação de aulas, cujo número (duas, por biênio)
dificilmente será representativo do desempenho global do professor,
tanto mais quanto são objeto de agendamento prévio com o visado.
Pode questionar-se, assim, se não refletirão aquelas aulas que o pro-
fessor preparou melhor ou em que à partida estava mais preparado.

177
A avaliação vai, portanto, ser acusada pelos professores de
inexata, não representativa, artificial, tendenciosa, pouco transpa-
rente, infundada, burocrática, pesada, perturbadora, inexequível,
ineficaz, inútil, injusta, desmoralizadora, geradora de um clima
conflitual e nada formativa. Numa palavra, incompetente e inca-
paz de cumprir a sua missão. Se antes era pouco frequente e con-
siderada como irrelevante, inócua e inconsequente, agora é sentida
como inaceitável. De qualquer modo, os sindicatos e os professo-
res vão defender que as funções docentes são basicamente as mes-
mas ao longo da sua vida profissional e que não há razão para,
artificialmente, criar categorias profissionais diferentes. Nestes
termos, combate-se a divisão da classe e a instituição de relações
hierárquicas entre professores (chefes e subordinados, avaliadores
e avaliados), bem como a organização da carreira, da escola e do
trabalho docente nessa base.
A resistência a este modelo levou o ME (no final do 1º ciclo
de aplicação, decorridos dois anos) a editar uma outra política de
avaliação do desempenho docente em 23 junho de 2010 (Decreto
Regulamentar nº 2/2010) associada ao Decreto-Lei nº 75/2010,
que altera o ECD. Este 4º modelo de avaliação mantém as carac-
terísticas do anterior, mas articula-se a uma carreira que não está
definitivamente partida em duas (embora mantenha a contingen-
tação de vagas para o acesso ao 5º e 7º escalões), pelo que se tradu-
zirá em consequências também diversas. Essas consequências po-
dem traduzir-se na bonificação de um ano, ou 6 meses, de tempo
de permanência num dado escalão, mas só para ¼ dos professores,
ou menos, pois é preciso que tenham duas menções de Excelente
e/ou Muito Bom consecutivas.
A observação de aulas deixou, também, de ser obrigatória,
salvo em certos casos, que incluem progressão aos 3º e 5º escalões

178
e a obtenção das menções mais altas da avaliação. Nestes termos,
é reconhecida a liberdade de se submeter ou não a uma avaliação
mais exigente, ficando os professores menos expostos à estigma-
tização que a avaliação pode operar no contexto escolar, risco que
seria mais frequente se não dependesse da sua escolha. No entanto,
comparando o 4º modelo com o anterior a 2008, a progressão será
em geral mais lenta, porque os escalões têm uma duração maior
(já não há escalões com 3 anos) e estrangula-se a passagem aos 5º
e 7º escalões. O contexto em que a avaliação vai operar, continua,
assim, menos favorável que então, apesar de ter melhorado face ao
regime de carreira imediatamente anterior, que, provavelmente,
por ter sido tão obstaculizado e fugaz, acabou por não chegar a ser
completamente interiorizado pela classe docente.
Por conseguinte, apesar de a avaliação ser agora realizada
por um júri derivado do órgão pedagógico da escola, não mais
por superiores hierárquicos, de estar um pouco mais simplifica-
da, de não enfatizar o sucesso escolar dos alunos, de exigir uma
formação especializada em avaliação do desempenho, de incluir,
mais do que antes, uma dimensão formativa e de não se associar
a uma carreira dividida (no interior de um quadro legal que, além
disso, prevê uma revisão do modelo com base no balanço do 1º
ciclo de aplicação), ela continuou a suscitar a contestação geral
dos professores, até que, em 25 de março de 2011, menos de um
ano após a implementação do 4º modelo, a iniciativa parlamentar
dos partidos políticos da oposição, reunidos na Assembleia da Re-
pública, suspendeu temporariamente a avaliação de desempenho
docente até que outro modelo, porventura mais consensual, seja
delineado.

179
Considerações finais
Como vimos, as consequências da avaliação ou as decisões
tomadas com base nela, configuram diferentes mecanismos de ar-
ticulação entre a avaliação do desempenho e a carreira, com a cor-
respondente tradução remuneratória. Mecanismos que podem ser
tomados como formas de reconhecimento e retribuição do mérito e
que, nesses termos, podem ser vistos como incentivos à melhoria da
qualidade do desempenho. Tais consequências são, principalmente,
no contexto português, a demissão/reconversão profissional, a manu-
tenção no escalão, a progressão, a redução do tempo para progredir,
os prêmios pecuniários e a seleção, de entre os candidatos a um con-
curso para preenchimento de vagas.
Para que essas decisões sejam acertadas é preciso fundarem-
se numa informação avaliativa credível, decorrente de um processo
eticamente adequado e exequível, bem como rigoroso. Na realidade,
para que a avaliação seja eficaz na diferenciação e retribuição do mé-
rito, como deseja o legislador, é necessário que essas decisões tenham
uma expressão que reflita as reais (e pedagogicamente significativas)
diferenças de desempenho. Mas para que ela funcione como incen-
tivo é preciso que seja reconhecida e aceite pelos envolvidos e isso
parece depender também da razoabilidade que eles reconhecem às
consequências em causa.
A mudança do 2º para o 3º modelo de avaliação do desempe-
nho docente implicou redesenhar o processo de avaliação em relação
com a reconfiguração dos mecanismos de articulação entre avaliação
e carreira, reforçando a dimensão e o valor do mérito nesse contexto,
pelo que, tecnicamente, incrementaria a motivação para a melhoria,
supostamente com repercussões na qualidade da educação. Com efei-
to, reforçaram-se todas essas articulações, mas o modelo não pode
ser visto apenas de per si, e em abstrato, pois ele articula-se a uma
carreira e a uma estrutura global de incentivos, que mudou e que vai

180
ser comparada com a anterior. Dessa comparação parece ressaltar
um saldo global negativo, de perda de direitos supostamente adquiri-
dos pelos professores, que os ganhos da avaliação provavelmente não
chegarão para compensar. Neste contexto, a avaliação (ou o que dela
resulta) dificilmente será encarada como um incentivo. Efetivamen-
te, olhando para os primeiros 3 modelos, o 3º tem mais incentivos e
reforça o papel da avaliação na administração desses incentivos, mas
a comparação entre o 2º e o 3º não perspectiva melhorias para os
potenciais avaliados. Para eles o 3º modelo e a carreira que lhe subjaz
não representará propriamente um estímulo.
O reconhecimento, a retribuição e o incentivo, ao serviço dos
quais as referidas decisões, bem como a avaliação, se colocam, não
constituem realidades objetivas, diretamente observáveis e identifi-
cáveis na materialidade das ações ou dos registros administrativos.
O incentivo (mudança de escalão, bonificação de tempo de serviço
para progredir, melhoria salarial, prêmio pecuniário, entre outros)
e a importância que lhe é conferida são experiencial, interpretativa,
cultural e politicamente construídas (e investidas simbolicamente)
pelos atores. Por isso não bastará mudar os modelos de avaliação de
desempenho, é preciso negociá-los e (re)construí-los com os inte-
ressados. Será preciso que os professores encontrem nas consequên-
cias da avaliação incentivos razoáveis e compensadores para que se
possa dizer que ela constitui um fator de motivação e de incentivo
ao desenvolvimento profissional e à melhoria da prática pedagógica,
mesmo que apenas pela via da articulação a uma estrutura de recom-
pensas financeiras.
O atual estado de (des)ânimo dos professores portugueses
frente às recentes políticas de avaliação de desempenho sublinha a
advertência de Fernandes (2008, 2009), segundo a qual não pode
deixar de se ter presente que a avaliação é sempre um processo de-
licado e moroso que tem que ser gerido pela administração e pelas

181
escolas com particular cuidado. Processo este que, para ser legítimo,
precisa ser extenso, fruto de debates, discussões, consensos possíveis
e contratualizações entre as partes envolvidas, ou seja, tem que ser
fruto de negociações, de modo a que as cláusulas possam ser hon-
radas por ambas as partes. No contexto desta problemática a avalia-
ção do desempenho docente em Portugal apresenta-se como um dos
grandes desafios que se coloca a qualquer governo e administração.

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184
10

Avaliação de Programas e
Projetos Educacionais:
Das Questões Teóricas às
Questões das Práticas
DOMINGOS FERNANDES
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Resumo: A avaliação de programas e de projetos em educação é


hoje legalmente obrigatória em muitos países europeus. Esse fac-
to, por si só, tem contribuído para que este domínio prático da
avaliação em educação faça hoje parte das rotinas mais ou menos
institucionalizadas do Estado. Os estudos de avaliação que venho
desenvolvendo há duas décadas no contexto do sistema educativo
português, têm-me mostrado que a avaliação de programas pode
ser um importante processo de apoio ao desenvolvimento das po-
líticas públicas de educação. Mas, por outro lado, também me têm
mostrado que é necessário cuidar da qualidade das avaliações, en-
quadrando-as teórica e conceptualmente, não ignorando as suas li-
mitações e sublinhando o seu valor e a sua utilidade. Assim, a ideia
central deste artigo é a de discutir questões de natureza conceptual
e paradigmática que considero relevantes para sustentar práticas de
avaliação que produzam resultados mais credíveis, mais plausíveis,
mais prováveis e mais úteis.

Introdução
Avaliar sempre fez, faz e fará parte do nosso dia a dia. A capaci-
dade para avaliar é, seguramente, uma das que mais cedo desenvolve-
mos nas nossas vidas, ajudando-nos a distinguir o que gostávamos do
que não gostávamos ou a escolher o que melhor correspondia às nossas
necessidades. Durante milhares de anos, fomos vivendo e tomando
decisões mais ou menos complexas baseados no que hoje designamos

185
por avaliações informais ou não formais. Conseguimos, dessa forma,
ir ultrapassando as adversidades e, em muitos aspetos, ir melhorando
substancialmente as nossas vidas. Sempre baseados em análises e juízos
que, no fundo, e tal como nos dizem Stake (2006) e Stake e Schwandt
(2006), tinham a ver com o discernimento da qualidade.
Hoje em dia, a avaliação de programas públicos em domínios
como o da educação, da saúde ou da segurança social, é uma prática
obrigatória em muitos países. Dir-se-ia que, na maioria dos países
europeus, não há praticamente nenhum programa ou medida de po-
lítica que não tenha associado um qualquer processo de avaliação.
Veja-se, por exemplo, o papel e o lugar da avaliação no desenvolvi-
mento das políticas públicas de educação em Portugal entre 2005 e
2010 (Rodrigues, 2010). Reconhecidamente, a avaliação tem uma
relevância (e.g., social, política, cultural, económica) incontornável,
podendo estar associada à transformação, à melhoria, à transparên-
cia, à inovação e, em geral, ao desenvolvimento de programas pú-
blicos. As avaliações formais, propositada e deliberadamente desti-
nadas a acompanhar e a analisar programas, têm que estar apoiadas
em princípios claros e devem ter em conta normas que permitam
escrutinar a sua qualidade tais como o rigor, a adequação ética, a
exequibilidade e a utilidade (Joint Committee on Standards for Educa-
tional Evaluation - JCSEE, 1994).
Para que os programas e projetos possam cumprir cabalmente
os seus desígnios, é necessário encontrar métodos e procedimentos
que permitam proporcionar feedback oportuno, rigoroso e profundo
que retrate o mais fielmente possível o que funciona, como funciona
e porque funciona. A inexistência de feedback torna praticamente im-
possível perceber se o programa está a desenvolver-se de acordo com
o que se pretende e, consequentemente, não se consegue conhecer,
compreender e progredir na resolução dos problemas.

186
A avaliação de programas e de projetos deve permitir obter in-
formação que nos permita considerar formas alternativas de resolver
um dado problema, orientar o desenvolvimento de medidas de polí-
tica e a tomada de decisões e dar a conhecer práticas que funcionem e
que sejam eficazes. Por natureza, a avaliação de programas é um pro-
cesso que torna acessível aos cidadãos a informação e a evidência que
contribuem para: a) tornar mais transparente o seu funcionamento;
b) responder a uma diversidade de questões relativas a problemas
existentes ou emergentes; c) verificar se um programa ainda faz sen-
tido; d) ajudar a melhorar um programa e as medidas de política que
lhe possam estar associadas; e) monitorar o desempenho, a eficiência
e a eficácia do programa, identificando problemas relacionados com
a sua concretização e com os seus resultados; e f) orientar a eventual
necessidade de desenvolvimento de novos programas.
Nestas condições, tendo em conta a emergência da avaliação
de programas e de projetos em Portugal como domínio em franco
desenvolvimento, pareceu útil desenvolver um trabalho que, no es-
sencial, pudesse discutir duas coisas. Por um lado, questões de natu-
reza teórica e conceptual que pudessem clarificar conceitos e, por ou-
tro, questões de natureza paradigmática que pudessem proporcionar
um enquadramento geral para a avaliação de programas e projetos
educacionais e para as suas práticas.
Assim, para além da introdução, este artigo está organizado
em três seções. Na primeira discutem-se algumas questões concei-
tuais, com destaque para os conceitos de programa, de projeto e de
avaliação de programas. Na segunda, analisam-se os principais con-
tornos dos paradigmas que informam as múltiplas abordagens de
avaliação de programas existentes e discute-se o papel do discerni-
mento pragmático na conceção do processo de avaliação. Na terceira,
produzem-se algumas reflexões e conclusões sobre algumas questões
das práticas.

187
Questões conceptuais
Um dos problemas com que sempre nos debatemos no desen-
volvimento de qualquer domínio do conhecimento é o da clarifica-
ção do significado das designações que utilizamos para identificar
conceitos que, por vezes, são utilizadas indistintamente, ainda que
possam estar a referir-se a coisas muito diferentes. Esta é uma situa-
ção que pode ser atribuída à ausência de uma sólida construção teó-
rica que nos ajude a clarificar os conceitos utilizados. Por isso, nesta
secção, faz-se uma breve discussão sobre conceitos de interesse para
o domínio da avaliação de programas tais como programa, projeto e
teoria da avaliação de programas.
Há precisamente duas décadas, Michael Scriven, no seu in-
contornável Evaluation Thesaurus (Scriven, 1991), referia que a na-
tureza conceptual da avaliação de programas estava bem presente
na literatura. Na verdade, já então existia um conjunto consolidado
de conceitos que abrangia uma diversidade de domínios tais como
a avaliação formativa e a avaliação somativa; as avaliações apoiadas
em métodos experimentais e quase-experimentais; as avaliações de
natureza emancipatória, participativa, construtivista e responsiva; as
avaliações de contexto, de processo, de input e de produto; as normas
para procurar garantir a qualidade das avaliações; e a meta-avaliação.
Ou seja, há 20 anos já se considerava que as bases para o desenvolvi-
mento de uma teoria da avaliação de programas estavam relativamen-
te bem estabelecidas (ver igualmente Scriven, 1993, 1994). Apesar
disso, nos dias de hoje, e de acordo com vários autores (e.g., Christie
e Fleisher, 2009; Fitzpatrick, Christie e Mark, 2009; Stufflebeam e
Shinkfield, 2007) muito há ainda a fazer no domínio da investigação
para que as práticas de avaliação de programas venham a ser apoia-
das numa teoria sólida e consistente. De igual modo, também parece
evidente que as relações entre as práticas e a teoria necessitam de ser
mais discutidas e melhor compreendidas (Fernandes, 2010).

188
Para o JCSEE (1994) um programa integra uma variedade de
atividades educacionais que são disponibilizadas de forma contínua
e um projeto distingue-se de um programa na medida em que o
seu horizonte temporal é, por norma, mais limitado. Ou seja, neste
entendimento, os programas estão de certo modo mais enraizados e
institucionalizados na administração do Estado e têm uma duração
longa ou muito longa, enquanto que os projetos possuem estruturas
menos formais e temporárias e, como tal, não chegam a integrar-se
plenamente nas lógicas e nas rotinas de funcionamento da adminis-
tração pública.
Na perspectiva de Weiss (1997) e, mais recentemente, de
Spaulding (2008) a avaliação de programas consiste num processo
deliberado e sistemático de análise dos procedimentos e/ou dos pro-
dutos de uma determinada medida de política ou programa que, por
sua vez, se compara com um conjunto de normas mais ou menos
explícitas, como forma de contribuir para melhorar esse mesmo pro-
grama ou a política que lhe está subjacente. Há, nesta visão, uma
lógica de avaliação como processo que se destina a formular um juízo
acerca do valor e do mérito de um dado objeto (e.g., programa, polí-
tica) que pode ser traduzida nas quatro etapas seguintes:

1. Definir critérios que indiquem as dimensões a ter em conta na


avaliação de um dado programa.
2. Determinar normas (standards) a partir das quais se pode de-
terminar o desempenho do programa.
3. Determinar o nível de desempenho do programa através da
medida que resulta da sua comparação com as normas defi-
nidas.
4. Determinar o valor e o mérito do programa a partir da síntese
e integração das evidências recolhidas.

189
Esta é talvez a lógica mais universal da avaliação pois aplica-
se a todas as suas áreas práticas (e.g., avaliação der políticas, avaliação
de programas, avaliação das aprendizagens, avaliação de materiais pe-
dagógicos). No entanto, as práticas de avaliação mostram-nos que a
definição dos critérios e das normas e os métodos e procedimentos uti-
lizados na recolha e na síntese da informação avaliativa, podem variar
com os contextos, com os objetos e com os avaliadores. Assim, os juízos
acerca do valor e do mérito de um dado ente podem variar, de acordo
com o sistema de valores que determinou a escolha de determinados
critérios e normas. Daí ser importante que, na avaliação de programas,
sejam disponibilizados o quadro de valores e de orientações que foram
utilizados para que todos os interessados se possam apropriar do real
significado das conclusões avaliativas a que foi possível chegar. Nestas
condições, é importante que a definição de critérios, a partir da qual se
pretende determinar o valor de um dado programa, tenha em conta: a)
os objetivos do programa; b) as necessidades dos principais destinatá-
rios do programa; c) os objetivos da medida de política a que o progra-
ma possa estar associado; e d) as preferências daqueles que, de algum
modo, possam ser afetados pela avaliação e/ou que tenham interesse
nos seus resultados, os chamados stakeholders.
O que parece ser importante entender aqui é que a questão
dos valores e das conceções que se sustentam em relação ao pro-
grama em si, mas também em relação à educação, à aprendizagem
ou ao ensino, não pode ser subestimada. É, por isso, importante
saber-se em que valores, visões e entendimentos sociais, educa-
cionais, políticos e outros nos estamos a basear quando determi-
namos, através de uma avaliação, o valor de um programa. Um
dos desafios mais complexos que um avaliador tem que enfrentar
na avaliação de um programa é o da diversidade de perspeti-
vas, valores e interesses dos stakeholders. Porque é ao avaliador
que cabe a difícil tarefa de lidar com tal diversidade no processo

190
de desenvolvimento da avaliação (e.g., planificação, negociação,
participação dos intervenientes).
Kushner (2002) desenvolveu uma visão mais sofisticada e elabo-
rada de programa educacional. Para este autor, um programa é uma in-
tenção deliberada para pôr em prática uma dada política, ou uma dada
ideia, num determinado período de tempo, através do apoio, mais ou
menos institucionalizado, de uma ou mais estruturas ou departamentos
do Estado. Um programa está associado a uma reforma ou a uma ino-
vação e, de acordo com Kushner, é um acontecimento relevante porque
é uma oportunidade para investigar práticas sociais e os seus efeitos e
relações com uma diversidade de variáveis. Ainda na conceção deste
autor, os programas são meios de aprendizagem para as pessoas a quem
se destinam mas também para a sociedade em geral. E , além disso,

Os programas são microcosmos da sociedade democrática


uma vez que possuem estruturas de poder, políticas de apoio,
representam relações entre os cidadãos e as elites, revelam as
prioridades das políticas porque exibem as decisões de alo-
cação de recursos e possuem características culturais. Cada
avaliação é, por isso, um estudo de caso do contrato social.
(Kushner, 2002, p. 21).

Os conceitos de programa e de projeto podem assumir dife-


rentes significados de acordo com os contextos em que são utilizados.
Por exemplo, para Westat (2002), no contexto da National Science
Foundation (NSF) dos Estados Unidos da América, “um programa é
uma abordagem coordenada para explorar uma área específica rela-
cionada com a missão da NSF no sentido de fortalecer as ciências, a
matemática e as tecnologias” (p. 6). Nestas condições “um projeto é
uma atividade específica de investigação ou de desenvolvimento fi-
nanciada por aquele programa” (p. 6). Assim, um programa “abriga”

191
um determinado número de projetos através dos quais aquela Funda-
ção espera poder atingir as suas finalidades. A avaliação de progra-
mas, neste contexto, implica necessariamente analisar um conjunto
de projetos para se poder determinar o valor das atividades que lhe
são inerentes. A avaliação de projetos concentra-se num projeto que
integra um determinado programa.
Stufflebeam e Shinkfield (2007), consideram que a teoria da
avaliação de programas é apenas uma parte da teoria da avaliação em
geral. A verdade é que a fronteira entre as duas parece ser muito ténue,
ou mesmo impercetível. Estes autores valorizam o papel da teoria no
desenvolvimento da “disciplina da avaliação de programas” (p. 57) mas
sempre vão dizendo que tal teoria ainda não existe porque lhe falta
um corpo mais substancial de investigação empírica. Talvez por isto
mesmo refiram que uma teoria significativa de avaliação de programas
deve ter seis características principais: a) uma assinalável coerência en-
tre todas as suas partes; b) um núcleo duro de conceitos; c) um sistema
de testagem de hipóteses que verifique que certos procedimentos de
avaliação produzem determinado tipo de resultados; d) um conjunto
de procedimentos e de princípios pragmáticos que já se revelaram úteis
e eficazes nas práticas de avaliação e que estão acessíveis na literatura
(e.g., Fitzpatrick et al., 2009; JCSEE, 1994; Stufflebeam e Shinkfield,
2007); e) uma definição clara de princípios, nomeadamente éticos, que,
aliás, já estão identificados pelo JCSEE (1994) e pela grande maioria
das sociedades e associações de avaliação de todo o mundo (e.g., Ame-
rican Evaluation Association; European Evaluation Association); e f)
um conjunto estruturado de orientações para a prática de avaliação de
programas e para investigar essa mesma prática.

Questões Paradigmáticas e Pragmáticas


Em trabalhos anteriores tem sido inevitável discutir questões
paradigmáticas como forma de clarificar e de fundamentar as opções

192
que se têm que fazer em relação a uma diversidade de aspetos das
práticas de avaliação tais como o papel do avaliador; os propósitos da
avaliação; o papel e envolvimento dos stakeholders; e os procedimen-
tos e métodos utilizados (Fernandes, 1992; 1997; 2009; 2010). Farei,
aqui também, uma breve referência aos paradigmas de investigação/
avaliação como forma de enquadrar a discussão que se segue.
Paradigmas Revisitados
Um paradigma pode ser entendido como um conjunto de con-
ceções básicas, de natureza axiomática, que nos proporciona uma
dada visão da realidade e da sua natureza. Foucault (1979) dizia que
um paradigma de investigação, ou um paradigma em ciência, não
era mais do que um “regime de verdade”, ou seja, um conjunto de
práticas e discursos de uma comunidade científica que, em última
análise, determina o que é, ou não é, investigação legítima. Kuhn
(1970), por seu lado, tinha uma visão dinâmica dos paradigmas,
chamando a atenção para a sua natureza transitória. As chamadas
“revoluções científicas”, segundo este autor, não são mais do que
fases ou momentos em que emerge um “novo paradigma” que ques-
tiona, pondo em causa, os métodos, as concepções e até os valores
do “velho paradigma”. Surgem então novas práticas, novas formas
de pensar a realidade e novas construções teóricas que a comunidade
científica utiliza na tentativa de responder a problemas e questões a
que o “velho paradigma” já não responde cabalmente. Como facil-
mente se compreende, estas fases de rutura, ainda que não aconte-
cendo de um momento para o outro, são sempre dramáticas porque
questionam o status quo e uma variedade de rotinas e interesses há
muito instalados.
Guba e Lincoln (1994) referiram que as conceções básicas de
um dado paradigma podiam sintetizar-se através das respostas dadas
a cada uma das seguintes questões:

193
1. Qual é a forma e a natureza da realidade? O que é que “existe
lá fora” que pode ser conhecido por quem está interessado em
conhecer? (Questão Ontológica)
2. Como é que aquele que quer conhecer se relaciona com aquilo
que pensa que pode ser conhecido? (Questão Epistemológica)
3. Como é que aquele que quer conhecer procede para conhecer
aquilo que pensa que pode ser conhecido? (Questão Metodo-
lógica)

As questões estão relacionadas de tal forma que a resposta a


uma delas vai determinar a resposta dada a cada uma das outras. Se,
por exemplo, em relação à primeira pergunta, considerarmos que exis-
te uma e uma só realidade suscetível de ser compreendida de forma
imparcial e objetiva na sua totalidade, então é natural que a resposta à
segunda pergunta direcione-se no sentido de considerar que o inves-
tigador age de uma forma distante, neutra e objetiva, não “contami-
nando” nem se deixando “contaminar” por essa mesma realidade.
Guba e Lincoln caracterizaram e contrastaram quatro paradig-
mas: o positivismo, o neopositivismo, a teoria crítica e o construtivismo.
Não cabe, no âmbito deste artigo, discutir cada um destes paradigmas
e, por isso, para uma análise aprofundada das questões paradigmáticas
o leitor pode consultar, além do artigo daqueles autores, os trabalhos
de House (2000), House e Howe (1999), Howe (2003), filósofos que
se têm dedicado profundamente a esse debate e que, além disso, são
reputados avaliadores proponentes da chamada abordagem deliberativa
e democrática de avaliação (House e Howe, 2000; 2003). Um trabalho
mais recente de Christie e Fleisher (2009), também avaliadoras notá-
veis, inspirou a breve discussão que se segue.
Ao referir-me aos pós-positivistas estou a referir-me a todos
aqueles que ainda se reveem nas perspectivas positivistas mas que
admitem que a compreensão da realidade exige outros olhares, ou-

194
tras formas de recolher informação e outras formas de construir co-
nhecimento. Na verdade, os pós-positivistas continuam a considerar
que existe apenas uma e uma só realidade que é suscetível de ser
estudada com objetividade, mas reconhecem que é impossível apre-
endê-la integralmente, na sua totalidade. Isto significa que, como
avaliadores ou investigadores, podemos fazer aproximações mais ou
menos aprofundadas à verdade, à compreensão total dos fenómenos,
mas nunca, verdadeiramente, lá chegaremos. Os pós-positivistas
tendem a utilizar mais predominantemente o raciocínio dedutivo e
os métodos quantitativos, não rejeitando o uso de outras formas de
raciocínio nem dos métodos qualitativos. Além disso, creem que é
possível estabelecer relações de causa e efeito nas avaliações e, por
isso mesmo, consideram que é possível ir identificando ações, proce-
dimentos, que causam certos efeitos predeterminados. Finalmente,
os pós-positivistas reconhecem que os valores e os enviesamentos dos
avaliadores existem e podem influenciar as suas avaliações mas cre-
em nos métodos que se podem utilizar para controlar tais “ameaças”
à validade interna dos estudos.
Os construtivistas, por seu lado, identificam-se com o cha-
mado “relativismo ontológico” que admite a existência de múltiplas
realidades mutáveis e subjetivas, dependentes das experiências, dos
saberes e dos contextos de cada investigador e/ou avaliador. Ao con-
trário dos pós-positivistas, que não se “misturam” nem se deixam
“misturar” com a realidade ou com o fenômeno que querem estudar,
os construtivistas assumem tal “mistura”, considerando-a inevitável
e desejável para produzir conhecimento que faça real sentido. Nes-
te sentido, assumem a subjetividade, os valores e os enviesamentos,
considerando-os indissociáveis do processo de construção do conhe-
cimento. A lógica indutiva é utilizada para que, a partir de instâncias
particulares se possam ir construindo padrões que, desejavelmente,
acabam por ter uma aplicação mais abrangente. No entanto, o conhe-

195
cimento e a compreensão dos fenômenos tem um significado “local”
que os construtivistas valorizam especialmente. As relações de causa
e efeito são consideradas impossíveis de estabelecer porque, na sua
visão, tudo está relacionado com tudo e, por isso, “tudo causa tudo
ao mesmo tempo”. Além disso, dão preferência aos métodos qualita-
tivos porque respondem melhor às suas conceções epistemológicas.
As concepções pragmatistas relativas à realidade e às relações
que avaliadores e investigadores estabelecem com o conhecimento, não
foram discutidas por Guba e Lincoln no artigo acima referido, sendo,
no entanto, analisadas por Christie e Fleisher (2009). Os pragmatistas
aceitam a existência de uma realidade objetiva e a possibilidade de a
estudar com rigor, admitindo, no entanto, a existência de uma diversi-
dade de perspectivas sobre essa mesma realidade e a prevalência, num
dado momento, de uma delas sobre todas as outras; ou seja, não há uma
verdade absoluta sobre a realidade. No processo de recolha de infor-
mação, o método a utilizar deve estar dependente dos propósitos e das
questões de avaliação, sendo importante articular métodos qualitativos
e quantitativos. Além disso, os pragmatistas também advogam a arti-
culação entre os métodos dedutivo e indutivo na construção do conhe-
cimento e reconhecem a relevância das relações de causa e efeito; no
entanto, consideram que é impossível afirmar com certeza absoluta que
um dado efeito é o resultado direto de uma dada causa. Finalmente,
tal como os construtivistas, os pragmatistas defendem que a avaliação
e a investigação não são livres de valores e que estes fazem parte dos
processos de construção do conhecimento.
O alcance das discussões paradigmáticas no contexto das ciên-
cias sociais e da educação, é o de nos chamarem a atenção para o fac-
to de estas não serem propriamente ciências exatas. Isto significa, por
exemplo, que, em vez da utilização da demonstração e da lógica deduti-
va e indutiva e da procura da verdade e dos resultados certos, marcos da
investigação no domínio das ciências ditas exatas, nas ciências sociais

196
utilizam-se formas de argumentação e outras racionalidades e busca-
se a credibilidade, a plausibilidade e os resultados úteis. Consequente-
mente, a avaliação de programas não é uma ciência exata e desse facto
terão que se retirar as devidas consequências. Na verdade, as avaliações
de programas não nos podem dar a certeza da prova ainda que em cer-
tas abordagens de avaliação se procurem utilizar “provas cartesianas” e
métodos indutivos. Mas a verdade é que dificilmente teremos avalia-
ções de programas, ou avaliações em geral, que sejam definitivas. A este
propósito vale a pena atentar nas seguintes palavras de Ernest House
que aqui traduzo livremente:

Em suma, a avaliação persuade mais do que convence, argu-


menta mais do que demonstra, é mais credível do que certa e a
aceitação que suscita é mais variável do que o que seria desejá-
vel. Isto não significa, porém, que se reduza à mera retórica ou
que seja completamente arbitrária. O fato de não estar limitada
ao raciocínio dedutivo e indutivo não significa que seja irra-
cional. A racionalidade não é equivalente à lógica. A avaliação
utiliza outras formas de raciocínio. Afastada a carga da certeza,
as possibilidades de uma ação informada aumentam, em vez de
diminuírem. (House, 2000, p.72).

Esta breve discussão permite chamar a atenção para as seguin-


tes asserções que, do meu ponto de vista, deverão ser consideradas
em qualquer processo de avaliação de programas.
1. A avaliação de programas é uma prática social sofisticada e, por isso,
não é uma questão técnica nem se reduz a um conjunto de medidas.
2. A avaliação de programas não é uma ciência exata e é necessá-
rio saber retirar desse facto as devidas ilações.
3. A avaliação de programas não chega, em geral, a conclusões defi-
nitivas e exatas mas pode ser credível, plausível, provável e útil.

197
Discernimento Pragmático
A ideia do discernimento pragmático, que discuti brevemente
num trabalho anterior (Fernandes, 2010), inspira-se nas perspetivas
paradigmáticas dos pragmatistas e de alguns teóricos da teoria da
atividade (e.g., Engestrom, 1999; Engestrom e Miettinem, 1999).
Tais perspectivas rejeitam uma visão dicotômica da realidade (e.g.,
quantitativo vs. qualitativo; objetivo vs. subjetivo; local vs. global);
veem a vida social como uma rede de sistemas de atividade que se
sobrepõem e se inter-relacionam uns com os outros e não como uma
pirâmide de estruturas rígidas que dependem de um único e isolado
centro de poder; e propõem uma racionalidade alternativa à raciona-
lidade do controle e da generalização dos positivistas e à racionali-
dade relativista dos construtivistas. Na verdade, sublinham a relação
dialética que existe entre o indivíduo e a estrutura social, não refu-
tam a existência de uma realidade objetiva e reconhecem a necessi-
dade de se formularem juízos de valor acerca dos entes e fenómenos
sociais que nos rodeiam.
Perante a diversidade de abordagens de avaliação de progra-
mas e depois de, por volta dos anos 80, se ter passado o período mais
conturbado do debate paradigmático, muitos autores começaram a
sublinhar a importância de articular perspetivas, procedimentos e
metodologias na investigação e na avaliação de programas (e.g., Fer-
nandes, 1994, 2010; Fernandes, Borralho e Amaro, 1994; Greene,
Caracelli e Graham, 1989; Howe, 2003; Talmage, 1982). Tratava-se
da possibilidade de compreender mais profunda e detalhadamente
o objeto de avaliação (e.g., programa, projeto, medida de política)
através da combinação seletiva de aspetos de diferentes abordagens.
Apesar desta posição ter sido questionada por vários avaliadores e
investigadores, para quem era impossível compatibilizar abordagens
com pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos an-
tagónicos (e.g., Guba e Lincoln, 1981, 1989, 1994; Lincoln e Guba,

198
1985; Stake, 1978), a verdade é que ela foi fazendo o seu caminho. O
próprio Stake (2006) acabou por vir a defender a vantagem de se ar-
ticularem perspetivas de avaliação baseadas no chamado pensamento
criterial, mais objetivas, quantitativas e centradas essencialmente nos
resultados, com perspetivas baseadas nas práticas e nas experiências
pessoais que são mais subjetivas, qualitativas e orientadas para os
processos. Embora estas duas abordagens genéricas sejam bastante
diferentes, a sua utilização articulada tem permitido compreender
mais profunda e rigorosamente as realidades e os fenómenos sociais
em diferentes contextos de avaliação. De facto, a sua articulação se-
letiva, tendo em conta os propósitos e as questões de avaliação, é
uma forma de obter melhores descrições, análises e interpretações
dos programas a avaliar e de produzir juízos mais rigorosos acerca do
seu mérito e do seu valor.
O discernimento pragmático é indissociável de um conheci-
mento profundo das abordagens existentes no domínio da avaliação
de programas. Afinal, é aí que reside a teoria e, obviamente, é aí que
está traduzido o que aprendemos a partir das práticas. Porém, não
cabe aqui caracterizar as principais abordagens de avaliação de pro-
gramas e/ou as sistematizações e “arrumações” que se têm produzido
acerca delas. Esse trabalho tem vindo a ser realizado por uma di-
versidade de autores (e.g., Alkin e Christie, 2004; Fernandes, 1992,
1994; Schwandt e Burgon, 2006; Shadish, Cook e Leviton, 1991;
Stufflebeam, 2000; Stufflebeam e Shinkfield, 2007, Vianna, 2000).
O que eu gostaria de sublinhar nesta altura é que o esforço de racio-
nalização, de sistematização e de discernimento que tem vindo a ser
feito por estes e outros autores, é uma condição importante para o
desenvolvimento da teoria e das práticas de avaliação de programas.
A opção por uma perspetiva eclética, articulando e integran-
do sempre que considerado necessário uma ou mais abordagens de
avaliação de programas, poderá ser a que melhor se ajusta à comple-

199
xidade de muitos contextos em que as avaliações se desenvolvem. Tal
opção deve depender mais dos propósitos e questões da avaliação e
das suas potencialidades para gerar a informação que é necessária, e
muito menos de ideias pré-concebidas acerca do que são abordagens
legítimas de avaliação.
Em suma, no contexto específico da avaliação de programas, o
discernimento pragmático está associado a três ideias fundamentais:

1. A avaliação de programas, realizada a partir da integração de


múltiplas perspectivas e da cooperação interdisciplinar, tem
que ser socialmente útil no sentido em que tem que contribuir
para resolver problemas sociais e para criar bem-estar junto
das pessoas, das instituições e da sociedade.
2. A avaliação de programas tem que estar baseada num forte
enquadramento teórico que resulte da integração e da utiliza-
ção de abordagens que se revelem mais adequadas no contexto
concreto em que a avaliação se desenvolve.
3. A avaliação de programas é, por natureza, um contexto privile-
giado para o desenvolvimento de relações entre as práticas e as
questões teóricas resultantes da compreensão sobre o que de mais
essencial caracteriza a diversidade de abordagens existentes.

Questões das Práticas (Em Jeito de Conclusão)


Ao longo de 20 anos de experiência como avaliador, em que
tenho tido a oportunidade de participar na avaliação de uma diversi-
dade de objetos, nos mais variados contextos, sempre me vi confron-
tado com a necessidade de ter na devida conta questões tais como o
papel dos avaliadores, as questões e metodologias a utilizar e a diver-
sidade de interesses dos stakeholders (e.g., Fernandes, 1992; Fernandes
et al., 2007, 2009; Fernandes et al., 2010; Fernandes et al., 2011). Na
mesma linha se têm referido outros autores (e.g., Fitzpatrick et al.,

200
2009; Stufflebeam e Shinkfield, 2007; Vianna, 2005). Assim, nes-
ta secção, em jeito de conclusão, apresentam-se e discutem-se cinco
questões a considerar no desenvolvimento das práticas de avaliação
de programas e projetos educacionais.
Conhecimento do Programa ou do Projeto
Julgo que a avaliação de qualquer projeto ou programa pres-
supõe o desenvolvimento prévio de um profundo conhecimento
acerca desse mesmo projeto ou programa. Os seus propósitos, a sua
estrutura organizacional, o seu funcionamento, as relações com os
potenciais beneficiários e os materiais que são utilizados são apenas
algumas das coisas que necessitamos de saber. Sem tal conhecimento
profundo, os avaliadores terão dificuldade em selecionar e definir os
objetos de avaliação mais adequados, em identificar os participantes
e os seus grupos de interesses e, deste modo, comprometem a quali-
dade da avaliação.
Problema e Questões da Avaliação
Determinar o que se vai avaliar depende, antes do mais, de um
profundo conhecimento do programa ou do projeto. É a partir desse
conhecimento que se pode definir uma matriz de avaliação em que
estejam claros os objetos e as dimensões que se pretendem avaliar.
Além disso, a natureza das questões também depende do tempo e
dos recursos disponibilizados e ainda do contexto em que decorre
a avaliação. As questões de avaliação podem ser influenciadas pelas
visões e pelas expectativas que os diferentes stakeholders têm acerca
do programa e ainda pelas próprias conceções filosóficas, éticas, polí-
ticas e educacionais dos avaliadores. Por outro lado, a avaliação pode
ser mais centrada nos processos, nos produtos ou em ambos, nos
resultados a curto ou a médio ou longo prazo e pode ter um pendor
mais descritivo, mais analítico ou interpretativo. Em determinadas
situações, em que os avaliadores não dominam o conteúdo do pro-
grama, pode ser necessário consultar especialistas ou rever literatura

201
adequada para que se possam formular questões que tenham real
valor e utilidade para quem encomenda a avaliação, para a audiência
e para os diferentes stakeholders.
Papel dos Avaliadores e dos Stakeholders
Esta é uma questão da maior relevância na avaliação de pro-
gramas e de projetos. Os avaliadores poderão fazer parte da equipa
do programa ou estar muito próximo dela. Nestes casos assumem
claramente o seu envolvimento e, inclusive, certas causas e pontos
de vista que podem ser coincidentes com um ou mais grupos de
stakeholders. Obviamente que assumir-se uma grande proximidade
pode não ser incompatível com o enviesamento ou a imparcialida-
de que os avaliadores poderão querer garantir. Mas os avaliadores
poderão querer manter-se distanciados e assumir uma posição que,
supostamente, é neutra e lhes permite olhar objetivamente para os
processos e produtos do programa.
Os stakeholders podem ser chamados a participar na avaliação
de programas através de uma diversidade de formas. Os avaliadores
podem optar por trabalhar muito de perto com todos ou apenas com
os que se revelarem mais determinantes para a avaliação do progra-
ma em causa. Algumas abordagens de avaliação preconizam que não
se pode deixar de dar voz àqueles que normalmente não a têm pois,
de outro modo, está a utilizar-se a avaliação como forma de perpetu-
ar as desigualdades sociais e outras. Ou seja, tal como é preconizado
pelos proponentes das abordagens orientadas por uma agenda social
e mesmo política (e.g., Guba e Lincoln, 1989; House e Howe, 2000;
Patton, 2003; Stake, 2003) as avaliações de programas só farão real
sentido com um forte envolvimento por parte de todos os stakehol-
ders. Fica sempre por discutir quem é que, em última análise, detém
o poder para proferir o veredicto avaliativo; trata-se de uma questão
pertinente que continua a suscitar reflexão e debate. Por outro lado,
em determinadas situações, a natureza, o contexto e os propósitos de

202
um dado programa podem não requerer ou justificar a participação
ativa dos stakeholders no processo de avaliação. Em suma, a escolha
dos avaliadores não deve ignorar os interesses dos diferentes stakehol-
ders e dos potenciais utilizadores e/ou beneficiários da avaliação.
Método
Tal como relativamente às anteriores questões das práticas, o mé-
todo está naturalmente dependente dos propósitos e do contexto em
que a avaliação ocorre. Mas as opções metodológicas estão muito de-
pendentes das conceções paradigmáticas dos avaliadores e/ou de quem
encomenda a avaliação. Assim, poderemos ter uma avaliação baseada nas
perspetivas da investigação experimental e quase-experimental, em que
o controlo das variáveis, o estabelecimento de relações causa-efeito e a
generalização são aspetos primordiais. Neste caso estamos perante uma
conceção de avaliação como uma ciência e, por isso, a procura de padrões
e de generalizações que possam gerar leis mais universais, a objetividade
e a neutralidade está no centro das preocupações dos avaliadores. Po-
rém, avaliadores que perfilhem epistemologias e ontologias mais críticas
ou construtivistas, poderão optar por desenvolver avaliações de inspira-
ção etnográfica recorrendo à participação ativa dos diferentes grupos de
stakeholders. Podem assim ser construídos estudos de caso de forte pendor
descritivo com recurso mais ou menos intensivo a entrevistas, observa-
ções e a todo o tipo de artefatos. Neste caso, os avaliadores imergem nos
programas a avaliar e preocupam-se em compreender os pontos de vista
dos diferentes intervenientes e os significados que atribuem às realidades
e fenômenos inerentes ao desenvolvimento do referido programa.
Utilizações da Avaliação
Em geral espera-se que os resultados da avaliação de um pro-
grama ou de um projeto sejam utilizados direta ou instrumental-
mente na tomada de decisões. De fato, num número de casos, os
resultados de uma avaliação são utilizados de forma formativa ou
sumativa, para melhorar aspetos do programa ou para não lhe dar

203
continuidade, respetivamente. A verdade é que a investigação sobre
a questão da utilização direta dos resultados da avaliação não é pro-
priamente conclusiva. Nuns casos diz-se que raramente são utiliza-
dos dessa forma, enquanto noutros se afirma que são mais utilizados
do que se pensa. Em todo o caso, interessa salientar aqui que há uma
variedade de utilizações dos resultados das avaliações, umas mais
subtis, outras mais explícitas. Por exemplo, as avaliações podem aler-
tar as pessoas para uma diversidade de situações em que ainda não
tinham pensado e pode influenciar e/ou questionar as suas conce-
ções, os seus conhecimentos ou perspectivas acerca de um programa,
de uma política ou mesmo de um sistema educativo. A participa-
ção ativa dos stakeholders no processo de avaliação incentiva o que se
designa na literatura por utilização processual; ou seja, uma pessoa
acaba por utilizar de forma mais ou menos consciente os resultados
da avaliação porque a viveu por dentro e porque isso lhe permitiu ter
uma outra visão das coisas.
Como um dia me disse pessoalmente Helen Simons, a avalia-
ção de programas educativos, em última análise, contribui para criar
cultura educacional. E isso é, indubitavelmente, um bem necessário.

204
Sobre os autores
António Dias de FIGUEIREDO é con-
sultor e investigador independente, tendo sido
professor catedrático da Universidade de Coim-
bra entre 1984 e 2007, ano em que se aposentou.
A sua investigação decorre no Centro de Infor-
mática e Sistemas da Universidade de Coimbra
(CISUC), que criou em 1992, e no Departamen-
to de Engenharia Informática da Universida-
de de Coimbra, que fundou em 1994. Foi vice-
presidente do Programa Intergovernamental de Informática da UNESCO,
presidente do programa Europeu PROMETEUS, presidente do Context
& Learning SIG da rede europeia Kaleidoscope, membro do NATO Spe-
cial Programme Panel on Advanced Educational Technology e consultor da
Comissão Europeia para TIC na educação. Foi agraciado com o título de
doutor honoris causa pela Universidade Aberta, o Sigillum Magnum pela
Universidade de Bolonha e o Prémio Personalidade do Ano da Sociedade de
Informação 2005 pela APDSI. É autor e coautor de vários livros e de cerca
de duzentos artigos publicados no país e no estrangeiro.

Denice Bárbara CATANI é professora


Titular da Faculdade de Educação da Univer-
sidade de São Paulo e Pesquisadora do CNPq
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien-
tífico e Tecnológico). Desenvolve estudo nas áre-
as de história da educação brasileira e de forma-
ção de professores. Publicou diversos capítulos
de livros e artigos em periódicos especializados.
Dentre os vários livros publicados estão: Educa-
ção Em Revista: a Imprensa Periódica e a História da Educação (em col., São
Paulo: Escrituras, 1997); Educadores à meia-luz (Bragança Paulista: Edito-
ra da Universidade São Francisco, 2002); Formação e autoformação: saberes

205
e práticas nas experiências dos professores (em col., São Paulo: Escrituras,
2006); Avaliação (em col., São Paulo: UNESP, 2009).

Jorge PINTO é doutorado em Educação


na área de Estudos da Criança, na Universida-
de do Minho. É professor coordenador na ESE
de Setúbal onde trabalha na formação inicial e
contínua de professores. É atualmente o coor-
denador do mestrado em ensino do Pré-escolar
e professores do 1º ciclo. Coordena o projeto de
investigação-ação TEIP: melhorar as aprendi-
zagens; formar para a cidadania. Tem colaborado de forma estreita com
algumas instituições em mestrados na área da avaliação e avaliação de pro-
jetos. Tem desenvolvido trabalho em várias missões nos PALOP. Deste,
destaca-se o trabalho realizado, como perito, para a Lux Development so-
bre o Ensino Secundário Técnico em Cabo Verde. Na investigação os seus
interesses incidem sobretudo nas interações avaliativas no quotidiano da
sala de aula. Integra o projeto AREA (Avaliação Reguladora das Apren-
dizagens), financiado pela FCT. É autor de várias publicações e artigos
editados em Portugal e no Estrangeiro. Integra, desde 2009, o Conselho
Científico Pedagógico da Formação Contínua.

Maria do Carmo CLÍMACO é doutora-


da em Política Social – Educação, pela Escola
de Gestão da Universidade de Cranfield, UK, e
mestre em Ensino das Línguas, pela School of
Education da Universidade de Boston, EUA.
Foi dirigente nos serviços centrais do Ministé-
rio da Educação, onde iniciou os primeiros es-
tudos sobre indicadores do desempenho escolar
e acompanhou diversos projetos de avaliação. Como Subinspetora Geral da
Educação, entre 1997 e 2005, foi responsável pela conceção e organização
do “Programa de Avaliação Integrada das Escolas” e do “Programa de Afe-

206
rição da Qualidade Educativa”. Desenvolveu larga atividade internacional,
tendo sido presidente da “Associação Internacional das Inspeções de Edu-
cação” entre 2001 e 2004, e acompanhou diversos projetos de renovação da
avaliação das escolas. Em 2006 integrou o Grupo de Trabalho responsável
pelo atual modelo de Avaliação Externa das Escolas. Atualmente, exerce
funções docentes na Universidade Lusófona, em Lisboa. Tem publicados
vários trabalhos na área da Avaliação das Escolas.

Javier MURILLO é profesor Titular


de Universidad en Métodos de Investigación y
Evaluación en Educación, Universidad Autóno-
ma de Madrid - UAM (España). Director del
Posgrado en Educación en la UAM (Doctora-
do y Másters en Educación). Coordinador de
la Red Iberoamericana de Investigación sobre
Cambio y Eficacia Escolar (RINACE), Direc-
tor de la Revista Iberoamericana sobre Calidad, Eficacia y Cambio en Edu-
cación (REICE); y co-director de la Revista Iberoamericana de Evaluación
Educativa. Fue Coordinador General del Laboratorio Latinoamericano de
Evaluación de la Calidad de la Educación (LLECE), de la UNESCO, y
Director de Estudios del Centro de Investigación y Documentación Edu-
cativa, Ministerio de Educación de España. Ha trabajado como consultor
experto en Investigación yEvaluación Educativas en diferentes países de
América Latina – México,Panamá, Bolivia, Perú y Brasil –, y con distintas
agencias internacionales –UNESCO, OCDE y CAB.

Romualdo Portela de OLIVEIRA possui


graduação em Matemática-Licenciatura (1982),
mestrado em Educação (1990), doutorado em
Educação (1995) e Livre Docência, em 2006, to-
dos realizados na Universidade de São Paulo. Rea-
lizou estágio de pós-doutoramento na Universida-
de de Cornell (1996-7) e em 2004-5 foi consultor

207
do Laboratório Latino Americano de Avaliação da Qualidade da Educação
(LLECE), Orealc-Unesco, Santiado do Chile. Atualmente é professor titu-
lar no Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação,
da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em Política Educacional, atuando prin-
cipalmente nos seguintes temas: politicas educacionais, financiamento da
educação, avaliação educacional, ensino superior e direito à educação. Foi
coordenador do Curso de Pedagogia da FEUSP (1999-2001), coordenador
do GT Estado e Política Educacional da Anped (1993-1996) e coordenador
do Programa de Pós-Graduaçao em Educação da FEUSP e pesquisador do
CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa, do MCT do Brasil).

Maria Manuel VIEIRA, socióloga,


doutorada pelo ISCTE, é atualmente inves-
tigadora auxiliar convidada no Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Cocoordenou o Observatório Permanente
de Escolas deste Instituto, é atualmente co-
ordenadora do Observatório Permanente de
Juventude do ICS-UL e membro do Centro
de Investigação CesNova (FCSH-UNL).
As suas pesquisas incidem sobre educação das elites, classes sociais e es-
tratégias de escolarização, género e educação, juventudes e relação com a
cultura escolar e, mais recentemente, sobre a relação entre escolarização e
individuação nas sociedades contemporâneas. Coordena presentemente um
projeto de investigação FCT que visa estudar a escolha vocacional no en-
sino secundário enquanto dimensão atual do processo de individuação dos
jovens. De entre as suas publicações destaca-se A escola em Portugal (Lis-
boa, Imprensa de Ciências Sociais, 2006 - em coautoria com Ana Nunes de
Almeida), Escola, jovens e media. (Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais,
2007) e a coletânea (organizada com José Resende) The crisis of schooling?
Learning, knowledge and competencies in modern societies (Newcastle,
Cambridge Scholars Publishing, 2009).

208
Leonor SANTOS é professora auxiliar
do Instituto de Educação da Universidade de
Lisboa. Tendo-se doutorado nesta universidade,
em Educação, na especialidade de Didática da
Matemática, tem lecionado na formação inicial
e contínua de professores, coordenando diversos
cursos de Mestrado em Educação e Doutora-
mentos, orientando teses e colaborado estreita-
mente com outras instituições do ensino superior nacionais e estrangei-
ras. Os seus interesses na área da investigação têm incidido na avaliação
das aprendizagens e no conhecimento e desenvolvimento profissional dos
professores, tendo participado e/ou coordenado diversos projetos de in-
vestigação. Durante os últimos anos coordenou o Projeto AREA, projeto
financiado pela FCT. É autora de várias publicações e múltiplos artigos,
editados em Portugal e no estrangeiro, sendo membro do Conselho edi-
torial de diversas revistas nacionais e internacionais. Foi coordenadora do
Conselho da Secção de Educação Matemática da SPCE e é membro da
CIEAEM (Commission Internationale pour l´Étude et l´Amélioration de
l´Enseignement des Mathématiques). Coordena a Comissão de Acompa-
nhamento do Plano da Matemática, medida do ME para a melhoria das
aprendizagens matemáticas dos alunos portugueses do Ensino Básico.

Cely do Socorro Costa NUNES for-


mou-se como professora primária pelo Insti-
tuto Estadual de Educação do Pará e graduou-
se em Pedagogia pelas Faculdades Integradas
Colégio Moderno – FICOM (PA). É mestre e
doutora em Educação pela UNICAMP (SP).
Professora adjunta aposentada da Universidade
do Estado do Pará (UEPA) e titular da Univer-
sidade da Amazônia (UNAMA). Atualmente
vincula-se como investigadora à area de investigação e ensino Políticas de
Educação e Formação, Grupo de Investigação Avaliação Educacional, do

209
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Desenvolve pesquisas e
trabalhos no campo da formação de professores e avaliação educacional.

Pedro Miguel Freire da Silva RODRI-


GUES é licenciado em Psicologia e mestre e
doutor em Ciências da Educação pela Faculdade
de Psicologia e de Ciências da Educação da Uni-
versidade de Lisboa. Foi docente da Faculdade
de Psicologia e de Ciências da Educação dessa
universidade e atualmente é professor auxiliar do
Instituto da Educação da Universidade de Lisboa,
que deriva dessa faculdade. Integra o núcleo de
Avaliação Educacional da área de investigação e ensino Políticas de Educa-
ção e Formação e desenvolve pesquisas e trabalhos no âmbito da avaliação
em educação e formação.

Domingos FERNANDES é professor


associado com agregação no Instituto de Edu-
cação da Universidade de Lisboa onde integra
a área de investigação e ensino de Políticas de
Educação e Formação e coordena o grupo de
investigação de Avaliação Educacional. É ain-
da coordenador dos cursos de graduação e de
pós-graduação do mesmo instituto no domínio
da avaliação. Colabora regularmente em vários
cursos de pós-graduação de universidades nacionais e internacionais em di-
ferentes domínios da avaliação, do desenvolvimento curricular, da didática
e da formação de professores. Tem coordenado vários projetos e estudos
de avaliação financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, pelo
extinto Instituto de Inovação Educacional e por diversos departamentos do
Ministério da Educação português. É autor e coautor de mais de uma cen-
tena de relatórios, livros e artigos publicados em Portugal e no estrangeiro.
O seu último livro Avaliar para Aprender foi publicado no Brasil pela Fun-
dação Editora da Universidade Estadual Paulista (UNESP) em 2008.

210
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