Você está na página 1de 15

ALFRED THAYER MAHAN

O domínio do Mar conduz à riqueza em tempo de paz e


à vitória em tempo de guerra. Almirante Alfred Mahan

Carlos Teixeira Moreira1

RESUMO
O ensaio apresentado em formato de entrevista (imaginária), por opção do autor, transmite,
consubstanciado na análise dos seis “elementos do poder marítimo” explanados no livro de
Alfred Thayer Mahan The influence of sea power upon history, 1660-1783, o pensamento
geopolítico que está na base da visão geoestratégica que permitiu que os EUA
ultrapassassem, à época, o impasse político interno e assim se tenham assumido e ainda
mantenham a condição de potência mundial.
Num momento, em que em Portugal - Mahan identificou como uma das primeiras
potências marítimas do mundo-, se volta a sentir a necessidade de trilhar novos caminhos,
após, mais uma vez, e no pós 25 de abril se ter adotado uma estratégia de desenvolvimento
que voltou as costas ao mar, considera-se relevante visitar o seu pensamento e assim
perspetivar uma Visão estratégica, fundada em conceitos validados pela história que nos
leve a usar as vantagens competitivas existentes e evitar erros passados.
A obra The influence of sea power upon history é a peça fundamental do pensamento
geopolítico sobre assuntos marítimos considerando-se que a abordagem geoestratégica
apresentada continua extremamente útil para a compreensão do mar no contexto do poder
marítimo e de desenvolvimento económico dos povos.

Palavras chave: Alfred Thayer Mahan; elementos do poder marítimo;


poder naval; talassocracia; geopolítica; geoestratégia; relações
internacionais.

ABSTRACT
The essay, written as an imaginary interview, uses the discussion of the six “Elements of
sea power” as explained in the book of Alfred Thayer Mahan The influence of sea power
upon history, 1660-1783, to understand the geopolitics vision and geostrategic posture of
the USA that has been the cornerstone of the strategy that turned the tide, in a moment of
political impasse, to become a world great power.
Portugal – identified by Mahan as one of the first sea power nation in the world -, is living,
once again, a moment of economic and political impasse, after choosing a continental
geostrategic posture and the consequent abandon the sea related activities, that it is
considered relevant reading the basics of his thoughts to serve as a base to build a New
strategic vision, based in the national history, using our competitive advantages e avoiding
the same mistakes of the past.
The book The influence of sea power upon history is the world reference to understand the
maritime geopolitics and it is considered that it’s geostrategic concepts are still valid to all
who wants to understand the importance of the sea, related with sea power and the social
and economic development.

Tags: Alfred Thayer Mahan; elements of sea power; naval power;


thalassocracy; geopolitics; geostrategy; international relations.

1
Licenciado em Relações Internacionais pelo ISCSP

1
ALFRED THAYER MAHAN

(Foto: Alfred Thayer Mahan)2

1. INTRODUÇÃO
Alfred Mahan, oficial da marinha de guerra dos EUA escreveu, entre outras, a obra “The
Influence of Sea Power upon History 1660-1783”, publicada em 1890, onde identifica os
aspectos centrais do seu pensamento estratégico e a sua tese geopolítica relacionada com as
características do poder marítimo divulgados por todo o mundo com impacto significativo
nos EUA, França, Alemanha, Japão, Rússia, Itália e China. Constatou pela análise da
história, tendo como principal referência o caso do Reino Unido – sendo a posição insular
potenciadora do poder marítimo -,que os países com maior sucesso no seu
desenvolvimento tinham conseguido alguma hegemonia mundial, através da enorme
flexibilidade que proporciona o domínio do mar (objectivo estratégico do Estado), o que
lhe confere potencial estratégico.
Os líderes políticos daqueles países conseguiram associar a riqueza e o desenvolvimento
económico dos Estados através do desenvolvimento das suas capacidades navais, ou seja,
ligando o poder marítimo, o poder nacional e a hegemonia mundial. Mahan entende que o
poder marítimo não é sinónimo de poder naval – é apenas o potencial militar que o integra
–, e define-o como a “…soma de forças e factores, instrumentos e circunstâncias
geográficas que cooperam para conseguir o domínio do mar, garantir o seu uso e impedi-
lo ao adversário”. Considera, que para o desenvolver é necessário ter em conta os cinco
elementos básicos do poder marítimo, como sendo os que condicionam a construção e
manutenção do Poder do Estado com base no mar: a posição geográfica do território, a sua

2Mahan, Alfred Thayer. Photograph. Encyclopædia Britannica Online. Web.


http://www.britannica.com/EBchecked/topic/357900/Alfred-Thayer-Mahan [6 Apr. 2012, 18:11].

2
configuração física e extensão, a população (efectivos e o seu carácter) e carácter dos
governos e instituições nacionais. Na substância do seu pensamento, o desenvolvimento
teria como finalidades essenciais a melhoria da capacidade de afirmação do Estado, bem
como dos índices de prosperidade e segurança nacionais.
O seu pensamento estratégico também é traduzido no silogismo do poder marítimo ou de
Mahan, como é conhecido pela história: “Quem domina o mar domina o globo”. Através
dele, atinge-se a riqueza em tempo de paz e a vitória na guerra, sendo necessário que os
governos mantenham as opções estratégicas assumidas para que se adquira o poder
marítimo. Terão também que fomentar no âmbito da paz o interesse e mobilização do povo
pelas actividades ligadas ao mar e, no campo da guerra a manutenção de uma Armada cujo
poder (naval) possa reflectir o grau de importância dos interesses que a mesma defende.
Neste contexto, Mahan destaca a acção de Colbertt (século XVII) pela sua influência no
desenvolvimento do mercantilismo e promoção do poder marítimo de França, pontos em
que coincidem as suas teses, havendo outros em que se afastam. Para além dos factores
mencionados que permitem o desenvolvimento das talassocracias, identifica os requisitos
necessários à aquisição e conservação do poder marítimo: capacidade de produção própria,
o transporte marítimo e necessidade de bases terrestres de apoio de natureza estratégica, o
que implicaria alianças, criando assim uma rede de interdependência (base de todo o
processo de globalização).
Tendo Portugal aplicado a tese geopolítica de Mahan, que foi por ele considerada como
uma das primeiras potências marítimas do mundo, conclui-se não só da sua actualidade e
validade, como também a história proporcionar ensinamentos, que se constituem como
guias do futuro. Por isso, Portugal tem de defender os seus interesses vitais, tendo em
conta a geometria estável de parcerias (UE, ONU; OTAN e CPLP), mas também o país
marítimo que sempre foi, pela sua geografia, história e carácter do seu povo. Numa fase,
que o país atravessa uma grave crise em que o modelo de desenvolvimento se encontra
esgotado, falta concretizar a opção pelo mar -vector estratégico para o desenvolvimento
sustentado -, fazendo prevalecer a sua mais valia oceânica e o respectivo potencial
estratégico na sua ligação à África lusófona, ao Brasil e a Timor-Leste.
A entrevista (imaginária) foi uma opção do estilo do autor, que permite de forma simples e
apelativa transmitir o pensamento estratégico de Mahan consubstanciado nos cinco
factores referidos e exemplificando a sua aplicabilidade, que influenciou o sistema
geopolítico dos EUA, bem como dos requisitos necessários ao desenvolvimento do poder
marítimo dos Estados.

3
2. MAHAN E O PODER MARÍTIMO
Alfred Thayer Mahan nasceu a 27 de Setembro de 1840, em West Point, Nova Iorque, e
veio a falecer no dia 1 de Dezembro de 1914. Graduou-se na United States Naval Academy
em Annapolis tendo exercido, durante cerca de 40 anos, diversas funções na Marinha
Americana (United States Navy – US Navy) de que se destaca ter combatido na Guerra
Civil americana (1861 – 1865), integrado na marinha dos Estados Unidos da América
(EUA), o que lhe veio mais tarde a permitir ascender, administrativamente, ao posto de
almirante e os períodos de 1886 a 1889 e 1892 a 1893 em que lecionou história e tática
naval, no recém-criado Naval War College, em Newport, Rhode Island.
Para esta função de docente foi convidado em 1885, pelo presidente da instituição de
ensino, que simultaneamente o orientou para investigar a influência do poder naval na
história e de preparar escritos sobre o assunto. Em 1889 publicou esses textos académicos
sob o título The Influence of Sea Power upon History, 1660 – 17833, onde argumenta que a
história demonstra ser o poder marítimo4 de primordial importância para a supremacia dos
Estados, tornando-se a partir daí, desde os finais do século XIX e princípios do século XX,
o seu expoente em todo o mundo.
Este livro foi publicado numa altura de grande desenvolvimento tecnológico nos navios e
em que os Estados Unidos se encontravam num dilema estratégico de ocupação
progressiva e efetiva do seu vasto território continental - após o final da Guerra Civil
Americana - e um almirantado com um pensamento que se opunha ao abandono dos navios
à vela em detrimento da adoção da propulsão a vapor.
Reuniram-se assim as condições objetivas para que as ideias do pensamento estratégico
marítimo de Mahan fossem divulgadas em todo o mundo5 (Ribeiro, 2009) e adotadas com
vigor acrescido pelos ambiciosos líderes políticos dos EUA, mas também do Reino Unido,

3 Mahan, A.T., 1890. The influence of sea power upon history, 1660-1783. [e-book] Boston: Little, Brown
and Company.
Disponível em: California Digital Library
http://archive.org/details/seanpowerinf00maha [10 março 2012, 1500h].
4 Neste trabalho utilizarei como referência conceptual:
- Poder Marítimo: como sendo o Poder que possibilita ao Estado desenvolver as suas actividades e
prosseguir com os seus fins através do uso dos mares;
- Poder Naval: como a componente da expressão Militar do Poder do Estado, em conjunto com o Poder
Militar Terrestre e o Poder Militar Aeroespacial, integrante do Poder Marítimo. Materializa-se na
capacidade de atuação militar no mar, em águas interiores e em certas áreas terrestres limitadas de
interesse para as operações navais, incluindo o espaço aéreo sobrejacente.
5 No Japão as suas obras foram traduzidas e estudadas nas escolas da Marinha Imperial, fato que se associa

ao estado de desenvolvimento das forças navais japonesas que se envolveram na II Guerra Mundial. Na
Alemanha, onde como comandante do United States Ship - USS Chicago realizou uma visita de
demonstração de força, inspirou os estrategistas do tempo de Guilherme II a conceberem um ambicioso
programa de reequipamento naval (Ribeiro, p. 4).

4
porque conseguiam associar a riqueza e o desenvolvimento económico dos estados através
do desenvolvimento das suas capacidades navais, ou seja, ligando o poder marítimo, o
poder nacional e a hegemonia mundial.
Também em Portugal Mahan veio a ter uma grande influência, designadamente no início
do século XX, em que o país vivia uma acentuada decadência, incluindo na área da defesa
militar. Na sequência de uma proposta apresentada no Parlamento para reduzir os efetivos
da Armada, um conjunto de oficiais, sócios do Clube Militar Naval, baseados nos
pensamentos de Mahan e recorrendo ao modelo utilizado em Inglaterra - através da Navy
League, fundada em 1894 -, fomentou com sucesso o interesse pelos assuntos marítimos e,
consequentemente, foi capaz de garantir a operacionalização de uma estratégia naval em
antecipação à I Guerra Mundial, fundaram, em 1901, a Liga Naval Portuguesa.
É neste enquadramento geral, em que Portugal, que Mahan identificou como uma das
primeiras potências marítimas do mundo, se volta a sentir a necessidade de trilhar novos
caminhos, após, mais uma vez, e no pós 25 de abril ter adotado uma estratégia de
desenvolvimento que voltou as costas ao mar, que considero relevante visitar o seu
pensamento, designadamente através da análise dos “Elementos do poder marítimo” que
identificou na sua obra acima referida e assim contribuir para que se possa perspetivar uma
Visão estratégica, fundada em conceitos validados pela história que nos leve a usar as
vantagens competitivas existentes e evitar erros.

3. MAHAN E OS “ELEMENTOS DO PODER MARÍTIMO”


P.1: O senhor [Alfred Mahan] considera que o mar, do ponto de vista político e social, é
uma grande auto-estrada, que o tráfego marítimo é mais barato que o terrestre e que pela
análise da história se conseguem identificar um conjunto de condições naturais que
determinam o caráter marítimo de uma nação. Importa-se de detalhar?
R.1: Efetivamente a primeira e a mais óbvia forma de percecionar o mar é como um vasto
espaço comum que os seres humanos usam para se movimentarem em todas as direções.
Numa análise mais detalhada, do ponto de vista científico, para apoio a decisões de
natureza estratégica, que naturalmente necessitava de ser realizada, identifiquei que existe
contudo um padrão no uso de determinadas rotas de passagem em detrimento de outras.
Por outro lado e dadas as boas condições, entretanto criadas, nas vias terrestres e mesmo
mantendo-se o tráfego marítimo como mais económico, mais rápido e mais seguro que o

5
terrestre, [designadamente o rodoviário]6 a sua destruição é entendida, nas sociedades
modernas, como uma simples inconveniência. A realidade porém é que o comércio interno
é somente uma parte da atividade económica dos países com fronteiras marítimas. Para o
comércio externo o país necessita de portos e rotas seguras, sendo também desejo de todas
as nações que o transporte seja realizado por meios próprios.
Em tempos de conflito armado a proteção do tráfego marítimo, que suporta este tipo de
comércio, deverá ser garantida por meios navais do estado. O estabelecimento do comércio
externo está dependente de bases comerciais, em território estrangeiro, onde os agentes
económicos se fixam, em razoável segurança, e realizam as trocas dos produtos. Em tempo
de paz esses abrigos são suficientes mas há que garantir que continuam, mesmo em
situações em que a paz não prevaleça.
Em jeito de conclusão e respondendo à sua pergunta, os aspetos chave, mais ou menos
permanentes que encontrei na história e na política das nações, que designo por marítimas,
são a capacidade de produção autónoma de bens, que origina a necessidade de troca desses
produtos através do comércio, meios de transporte marítimo para movimentar esses
produtos e “colónias”7 que permitem alargar, em segurança, a navegação desses meios de
mercantes associados à posição geográfica e à extensão, bem como à configuração da costa
do país, à população e ao caráter do povo.
P.2: Identificou algum padrão na política adotada pelos líderes de países que possa servir
de referencial para as nações utilizarem tendo em vista, através do desenvolvimento do
poder marítimo, cumprirem o objetivo último do estado de assegurar o bem estar do seu
povo?
R.2: As políticas tem sido diversificadas ao longo das épocas, dependentes que estão da
visão dos líderes e muitas vezes da própria conjuntura. Não tenho dúvidas que a visão e
ação de diferentes personalidades ao longo dos tempos tiveram uma preponderância
enorme no desenvolvimento do poder marítimo, através da ação comercial pacífica, como
forma de enriquecimento e consequentemente da melhoria do bem estar das suas
populações. Retirei como lições da história que o líderes e as instituições políticas
influenciam de duas formas os seus povos.
Na paz: podem favorecer o desenvolvimento natural da apetência dos seus povos para a
indústria e o comércio, no âmbito do crescimento económico e as atividades lúdicas

6Comentário do autor.
7 Postos ou bases de apoio de natureza estratégica, não especificamente para a realização do comércio, mas
para a sua proteção embora em alguns casos o mesmo local fosse importante do mesmo ponto de vista, como
era o caso de Nova Iorque à época (Mahan, p. 28).

6
ligados ao mar; ou podem tentar desenvolver tais indústrias e atividades marítimas quando
não se desenvolvem com naturalidade no seio das populações, ou, podem, por ação não
intencional, impedir ou restringir o natural desenvolvimento que as pessoas adotariam. Em
qualquer dos casos a influências da liderança política será sempre sentida, favorecendo ou
prejudicando o desenvolvimento do poder marítimo de um país.
Na guerra: A influência da liderança política far-se-á sentir na sua legítima
responsabilidade mantendo uma marinha de guerra, com capacidade proporcional à sua
marinha de comércio8 e à importância dos seus interesses ligados a ela. Mas mais
importante que o tamanho da sua marinha de guerra são as instituições que apoiam o
desenvolvimento de um espírito e atividade geral favorável à edificação, em tempo de
guerra, da necessária reserva humana e material fundada na reserva moral do povo com
espírito marinheiro.
Neste pensamento estratégico inclui-se a existência ou a edificação de bases navais nos
locais onde os navios de comércio realizam a sua atividade. A segurança destas bases ou
pontos de apoio deverá ser garantida pela presença armada própria ou serem instaladas em
locais onde exista população amiga.9
P.3: Anteriormente referiu que a marinha de guerra deve possuir uma capacidade
proporcional à da marinha de comércio e na sua obra que está a servir de base a esta
entrevista, The influence of sea power upon history, 1660-1783 refere que a existência de
uma marinha de guerra está intimamente ligada, até dependente, da existência de uma
marinha mercante (Mahan, pp. 26, 87 e 88). Pode detalhar o seu pensamento?
R.3: Tenho que voltar um pouco atrás na explicitação do meu pensamento. Considero que
os estados só têm condições de se assegurarem o bem-estar das suas populações pelo
adoção de uma política marítima que promova o desenvolvimento interno, através da
capacidade produtiva própria com o objetivo de atingir a auto-suficiência, da edificação de
uma marinha mercante que promova as trocas comerciais externas e o estabelecimento de
bases navais de apoio que possibilitem a operação daquela e de uma marinha de guerra.

8Transporte (carga e passageiros), pesqueira e de recreio.


9Mahan aponta para que a existência de bases amigas materializa o verdadeiro império quando associadas ao
um adequado poder naval. Afigura-se ter sido este aspeto que numa primeira fase conduziu a que os EUA
seguissem uma estratégia de estabelecer bases e pontos de apoio naval em “colónias”, que Mahan (1890, p.
83) considerava “Such colonies the United States has not and is not likely to have”, e através de acordos de
cooperação (o mesmo caminho seguiu a NATO) e na atualidade seja seguida uma estratégia mais
cooperativa, interna nos EUA envolvendo a USNavy, o USMC e a USCoast Guard mas também entre
marinhas de todo o mundo (USMC, USNAVY, USCG. 2007. A cooperative strategy for the 21st century
seapower, [online] Outubro. http://www.navy.mil/maritime/Maritimestrategy.pdf [06 abril 2012, 19:33].

7
Entenda-se que me dirigia aos EUA que acabava de terminar a sua Guerra Civil - também
conhecida como Guerra de Secessão - e que a política que estava a ser seguida, decorrente
da análise que fiz da história, colocava em risco a segurança nacional, uma vez que só
estava a privilegiar o primeiro anel da cadeia que assegura o poder marítimo. Feita esta
contextualização considero que só existe racionalidade na edificação de uma marinha de
guerra se for adotada uma política marítima como base de desenvolvimento dos estados.
A necessidade de uma marinha de guerra decorre, em sentido restrito, da existência de uma
marinha mercante. Há exceções no caso de nações com tendências agressivas e que por
isso mantém uma marinha, exclusivamente como ramo militar. É caso da marinha
edificada pelo déspota Luís XIV, de França e que em resultado de não ter sido edificada no
contexto de uma política marítima a sua existência foi efémera. Assim que o rei colocou os
seus olhos na fronteira terrestre a sua marinha definhou.
Em governos representativos qualquer investimento em capacidades militares deve possuir
fortes interesses representados na sua base que justifiquem a necessidade. Também a forma
como uma marinha mercante se edifica é uma questão exclusiva do foro económico.
P.4: Quando detalha as condições que afetam o poder marítimo de um estado e embora
considere que a história das nações marítimas revela que tem sido menos influenciada pela
inteligência, sentido prático e antecipação dos líderes políticos do que pelas condições
naturais é certo que, não pude deixar de reparar, usa a ação de Colbert, enquanto Ministro
de Estado de Luís XIV como um exemplo positivo de uma pessoa de génio para o
desenvolvimento do poder marítimo da França.
R.4: É verdade. A ação de Colbert enquadra-se na influência que os líderes políticos
podem ter em tempo de paz, como detalhei anteriormente, no desenvolvimento de
indústrias e atividades ligadas ao mar quando as suas populações não possuam esse caráter
marítimo intrínseco.
Num ambiente político de completo absolutismo, despótico até, do Rei Sol, Colbert foi
capaz de edificar, de forma inteligente, providente e centralizada o poder marítimo no
estado francês: desenvolveu a produção interna nas áreas agrícolas e da indústria; criou as
condições para facilitar o comércio interno e estabeleceu regras aduaneiras que
promoveram o comércio externo e favoreceram as trocas comerciais com a França
assegurando desta forma a edificação de uma marinha de comércio através da qual os
produtos das colónias e para as colónias eram transportados; o estabelecimento de uma
administração colonial que promoveu o contínuo desenvolvimento económico de forma a
serem criadas as condições de monopólio absoluto por parte de França; o estabelecimento

8
de tratados e acordos de comércio externo que favoreceram a França e a criação de taxas
aduaneiras aos produtos e navios estrangeiros – ou seja, os três anéis do poder marítimo:
Produção, Marinha mercante e Colónias com os seus mercados. Em poucos anos de
administração de Colbert é visível de forma completa a teoria do poder marítimo colocada
em prática de forma sistemática e centralizada como é tradição em França.
Este desenvolvimento foi forçado e como tal dependente da persistência do poder absoluto.
Colbert não tinha esse poder e assim com a sua saída e consequente atribuição de
prioridades a questões terrestres foram cortadas as frágeis raízes do poder marítimo
francês. Além disso, foi alienado o seu aliado marítimo (Holanda), foram destruídas as
fontes de rendimento e a sua marinha de comércio - embora a sua marinha de guerra ainda
tivesse continuado a operar com esplendor e eficiência, por mais alguns anos -, no final do
reinado de 54 anos, de Luís XIV havia praticamente desaparecido e com ela a política
marítima francesa.
Uma falsa política de expansão e desenvolvimento continental, destruiu a fonte de
rendimentos do comércio externo, exauriu os recursos do estado e conduziu a França à
humilhação, entre os anos de 1760 e 1763.
P.5: Os líderes políticos, como vimos anteriormente, acabam por desempenhar um papel
relevante na forma como um povo cuida do seu desenvolvimento. Referiu contudo, no
inicio da nossa conversa, que existe um conjunto de condições naturais para que um estado
se torne uma potência marítima, ligadas diretamente ao território e autónomas
relativamente à ação dos líderes dos estados, designadamente a posição geográfica, a
extensão e a configuração do território. Quais são, em sua opinião os aspetos, mais
determinantes?
R.5: Efetivamente as condições naturais, em minha opinião são os alicerces que permitem
que um povo edifique a sua riqueza através de uma política marítima. Como referi
anteriormente o papel dos líderes políticos é subsidiário e infelizmente, para alguns povos,
acabam por ter um papel negativo ao prejudicar o uso dessas potencialidades naturais.
Um território ocupado por um estado que, pela sua posição geográfica, não imponha a
necessidade de se defender ao longo de fronteiras terrestres nem o induza a aumentar o seu
espaço terrestre cria condições favoráveis a que essa nação estabeleça um objetivo sólido
de desenvolvimento centrado no mar.
Mas não é suficiente um estado só possuir fronteiras marítimas. A configuração da sua
costa é uma outra condição relevante, pela facilidade ou pela dificuldade que oferece no
acesso ao mar. Quanto mais fácil for o acesso natural da população ao mar maior será a

9
tendência para as pessoas adotarem uma atitude de abertura ao contato com outros povos
do mundo, usando o mar como via de comunicação. Estas duas condições territoriais por si
só também não são suficientes. A extensão do território, entendida com o cumprimento da
linha de costa e não como o tamanho de território, associada à quantidade e às
características dos seus portos, designadamente se facilitarem a ligação ao interior através
dos rios, promovendo assim o comércio interno, materializa a terceira e última condição
natural para um estado se possa tornar uma potência marítima.
P.6: Referiu que embora o mar seja uma excelente auto-estrada, ao longo das épocas
identifica-se um padrão nas rotas marítimas utilizadas no comércio e por outro lado que a
existência de portos que facilitem o acesso ao mar e a existência de rios aptos ao comércio
interno são condições favoráveis ao desenvolvimento do poder marítimo.
R.6: É importante que nos situemos no tempo em que a navegação se fazia com recurso ao
uso dos ventos predominantes (navios à vela), às condições naturais dos portos de abrigo e
aos pontos de passagem naturais existentes. Com o aparecimento dos navios a vapor a
primeira realidade alterou-se mas manter-se-ão os bons portos uma vez que as suas
condições naturais são também consequência de condições atmosféricas e oceanográficas
favoráveis ao seu uso.
A abertura de um canal no Mar das Caraíbas poderá originar alterações significativas no
uso marítimo daquele mar que passará então a ser um ponto de passagem.
O estado ribeirinho deverá fazer uso da sua posição para gerar riqueza potenciando as
condições naturais que possui, designadamente os seus portos, aproveitando as rotas
marítimas que passam na sua costa para oferecer produtos e serviços de valor
acrescentado. No caso de os portos estarem inseridos em rios navegáveis há inegáveis
vantagens em concentrar à volta deles o fluxo do comércio interno. A minha avaliação é
que se a natureza que disponibilizou a um país portos com grande facilidade de acesso ao
mar alto e onde simultaneamente pelas suas costas passa significativo tráfego marítimo
mundial, que pode controlar, então a posição geográfica desse estado é de grande valor
estratégico10.
P.7: Como justifica a epopeia marítima de Portugal, que possui uma linha de costa do
mesmo tamanho da sua fronteira terrestre e as tentações territoriais do seu vizinho?

10 O mar português encontra-se no centro de algumas das principais rotas marítimas e é diariamente
atravessado por elevado número de navios (Marinha. S.d.. Portugal, uma nação marítima. [internet].
http://ema.marinha.pt/PT/Documents/Portugal_uma_nacao_maritima.pdf [07 abril 2012, 18:09h]).

10
R.7: Peralta (2009, p.2) refere que “no caso concreto de Portugal, a sua posição face ao
oceano e à facilidade ímpar de livre acesso às grandes rotas de navegação que ligam a
Europa à África e ao continente americano, coadjuvadas pela ameaça terrestre que vinha
de Castela e o entretenimento das potências europeias com a Guerra dos Cem Anos (1337-
1453) e dos Trinta Anos (1618-1648), contribuíram para que o país olhasse o mar como o
único meio de salvação. A necessidade gerou assim uma certa interpretação de um meio
tradicionalmente hostil que da condição de limitador, passou à condição de libertador.
Todavia, no caso concreto de Portugal, há que precisar que a interacção com o Oceano
realizou-se em três fases: a fase da litoralização devido à navegabilidade de muitos rios
(Douro, Tejo, Lima, Mondego, Guadiana, Cavado, por exemplo), atlantização e
universalização segundo a análise de Virgílio de Carvalho.”. E continua “a configuração
arquipelágica do Império, como do próprio Estado Português, proporcionou-lhe, e
proporciona, algumas mais-valias como a garantia da sua sobrevivência política em tempos
de ocupação. Para tal, basta recordar a ida da família real portuguesa para o Brasil,
preservando-se intacta a soberania, para grande irritação de Napoleão, ou ainda a
resistência dos terceirenses nos Açores às investidas espanholas durante a ocupação do
reino, e da qual é hoje testemunho o topónimo de Angra do Heroísmo.”
P.8: Passemos agora à caraterização das condições, necessárias ao desenvolvimento do
poder marítimo, associadas às pessoas e que na sua análise são as quantidade e o seu
caráter. Quando fala em quantidade refere-se ao número da população de um país ou há
alguma particularidade que importa sublinhar?
R.8: Já referi anteriormente que na extensão territorial o que interessa, como valor
acrescentado para o desenvolvimento da talassocracia11, é a extensão e caraterísticas da sua
costa e não o tamanho do território por si. Também no que diz respeito população o que
importa não é o total de população de um estado mas sim a parte que está afeta às
atividades marítimas (no mar ou em apoio logístico às atividades marítimas).
Anteriormente não detalhei mas na extensão territorial (extensão da costa) deverá ser
considerada uma vulnerabilidade se a disponibilidade populacional não for suficiente para
fazer o seu uso ou impedir que outros façam uso dessa mesma extensão de costa.
Quando me referi ao papel dos líderes políticos, designadamente em tempo de guerra
identifiquei que mais importante que o aparelho militar disponível são as instituições que
apoiam, no dia-a-dia, o desenvolvimento de um espírito e atividade geral favorável à

11 Estado cujo poder reside especialmente no domínio marítimo.

11
edificação da necessária reserva humana e material fundada na reserva moral do povo com
espírito marinheiro, como fator diferenciador na guerra. A história de confronto entre a
França e da Inglaterra no final do século XVIII é um exemplo concreto da importância
dessa reserva (reserva tática, população dedicada às atividades marítimas, especialistas e
capacidades mecânicas e riqueza).
Este aspeto ainda se torna mais relevante em sociedades democráticas em que a
justificação para manter ativos aparelhos militares dispendiosos é questionado a todo o
momento e se o tempo, como se admite, é um fator supremo na guerra, ser suficientemente
forte para ganhar o tempo necessário para a reserva material e moral da nação reagir é de
maior importância. Há que ter presente que a capacidade para possuir a reserva de
população apta e disponível para a vida no mar e as competências mecânicas só é possível
existirem fundadas numa marinha mercante.
P.9: Como carateriza o caráter de um povo numa talassocracia?
R.9: O poder marítimo é baseado no comércio marítimo, exceto nos casos em que déspotas
usam o mar para fins agressivos e nessas circunstâncias mantém uma marinha
exclusivamente como ramo militar. A atitude de um povo para a atividade económica12 é a
caraterística diferenciadora das nações que, numa época ou noutra se assumiram como
potências marítimas. Como refiro com a exceção dos Romanos não encontrei nenhum
exemplo que contrarie esta afirmação.
O meu entendimento é que todos os homens procuram enriquecer mas a forma como o
fazem tem um efeito marcante no sucesso e na história das pessoas que vivem nesse país.
Uso dois exemplos históricos para justificar esta minha análise: o caso da Espanha e
Portugal, quando debaixo do mesmo rei e da Inglaterra e Holanda.
Espanha13 procurou a riqueza através de ganhos fáceis no ouro e na prata, não desenvolveu
novas indústrias, nem procurou explorar novos territórios ou a aventura. A avareza deixou-
lhes nódoas no seu caráter e também lhes deu um golpe fatal no crescimento comercial
saudável.
Por oposição os Ingleses e os Holandeses também foram arrojados, empreendedores e não
menos pacientes que os espanhóis, na procura do enriquecimento pelo trabalho. Mas estes
povos possuíam outras caraterísticas não menos importantes, que combinadas com a

12 Mahan apresenta-se como um defensor claro do mercantilismo económico o que não será estranho a
glorificação que faz da ação de Colbert.
13 A que associa Portugal: Mahan (1890, pp. 52 e 53) “O destino de Portugal, unido a Espanha durante um

período critico da sua história, seguiu-lhe o mesmo caminho decadência; embora tenha iniciado a corrida,
para o desenvolvimento através do mar, muito à frente acabou por ficar irremediavelmente para trás”.

12
envolvente favoreceram o seu enriquecimento usando o mar. Em boa verdade escolheram
o caminho mais longo para o enriquecimento e isto deveu-se ao seu caráter de homens
ligados ao negócio e ao comércio, produtores e negociadores. Assim, tanto no seu território
como no estrangeiro, quer instalados em portos de regiões civilizadas ou não ou até nas
suas colónias lutaram por extrair os recursos da terra visando sempre aumentar a sua
riqueza.
O seu instinto comercial encontrou sempre novos artigos para trocar e este espírito
associado ao seu empreendedorismo transformou-os em produtores. No seu território natal
tornaram-se industriais e os territórios que controlaram tornaram-se mais ricos, os produtos
multiplicaram-se e a necessidade de trocas comerciais com o seu país de origem exigiu
maior número de navios.
A tendência para o comércio, envolvendo a necessidade de produção de algo para
comerciar é a mais importante caraterística necessária para o desenvolvimento do poder
marítimo. Assegurado que esteja esta condição não serão os perigos ou qualquer aversão à
vida no mar que deterá um povo na sua procura de riqueza usando o comércio marítimo.
Onde a riqueza seja perseguida de outra forma ela não conduzirá, necessariamente, ao
poder marítimo. Para justificar esta minha última afirmação uso o exemplo da França. A
França tem um território agradável, a sua população é industriosa e o país possui uma
posição geográfica admirável. A marinha francesa conheceu períodos de grande glória e
nos seus momentos menos positivos nunca desonrou a reputação militar da sua nação.
Contudo enquanto Estado marítimo a França, comparada com outros povos marítimos,
nunca ultrapassou uma posição respeitável. A minha avaliação é que isto se deve à forma
como a riqueza é procurada. O seu modelo de planeamento meticuloso e centralizado
inibiu o desenvolvimento das suas colónias. As colónias para se desenvolverem necessitam
de serem deixadas à vontade e ao empreendedorismo dos colonos e não do governo
central.
A atitude geral dos governos para com as suas colónias tende a ser de completo egoísmo14.
A indiferença na procura de novos desenvolvimentos, exceto quando forçados pelas
circunstâncias, e a satisfação com o ganho, acompanhada da falta de ambição política,
conduziu a uma postura despótica de manutenção das colónias como meras dependências
comerciais de França e de Espanha e assim foi cerceado o natural princípio do crescimento
económico.

14 the colony became to the home country a cow to be milked; to be cared for, of course, but chiefly as a
piece of property valued for the returns it gave. (Mahan 1890).

13
Considero, assim, ser fundamental serem retirados os obstáculos legais que dificultam a
atividade comercial como base para que o poder marítimo se desenvolva. No caso do povo
americano não tenho dúvidas que possuem instinto comercial, são empreendedores,
procuram o ganho e tem um faro apurado para seguir os trilhos que conduzem a ele. E se
no futuro houver lugar a colonização que não se duvide que será executada com uma
atitude orientada para o auto-governo e o crescimento económico independente.

4. CONCLUSÃO
Senhor Afred Mahan muito obrigado pela explanação que fez dos “Elementos do poder
marítimo”. É reconhecido como uma pessoa profundamente convicta da importância do
mar na centralidade e grandeza dos países. A sua obra The influence of sea power upon
history é a peça fundamental do seu pensamento geopolítico sobre assuntos marítimos e
um instrumento prático para demonstrar a importância do uso da história como recurso
para percecionar, fundamentar e elaborar novas teorias, doutrinas e mesmo táticas.
Não esquecendo que a doutrina e a teoria são resultado do respetivo contexto considera-se
que a sua abordagem geoestratégica continua extremamente útil para a compreensão do
mar no contexto do poder marítimo e de desenvolvimento económico dos povos.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Almeida, F.E., 2009. A história Segundo Alfred Thayer Mahan, In: Academia de
Marinha, XI Simpósio de História Marítima. Lisboa, Novembro 2009. [online].
http://www.marinha.pt/pt/amarinha/actividade/areacultural/academiademarinha/pages/
xisimposiodehistoriamaritima.aspx [06 abril 2012, 17:08h]
- Mahan, A.T., 1890. The influence of sea power upon history, 1660-1783. [e-book]
Boston: Little, Brown and Company. Disponível em: California Digital Library.
http://archive.org/details/seanpowerinf00maha [10 março 2012, 15:00h].
- Mahan, Alfred Thayer. Photograph. Encyclopædia Britannica Online. Web.
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/357900/Alfred-Thayer-Mahan [06 abril
2012, 18:11h].
- Marinha. S.d.. Portugal, uma nação marítima. [internet].

14
http://ema.marinha.pt/PT/Documents/Portugal_uma_nacao_maritima.pdf [07 abril
2012, 18:09h].
- Monteiro, N.S., 2009. Mahan e Corbertt em confronto, In: Academia de Marinha, XI
Simpósio de História Marítima. Lisboa, Novembro 2009. [online].
http://www.marinha.pt/pt/amarinha/actividade/areacultural/academiademarinha/pages/
xisimposiodehistoriamaritima.aspx [06 abril 2012, 17:06h]
- Peralta, S.M., 2009. Mahan avant la lettre – o exemplo português, In: Academia de
Marinha, XI Simpósio de História Marítima. Lisboa, Novembro 2009. [online].
http://www.marinha.pt/pt/amarinha/actividade/areacultural/academiademarinha/pages/
xisimposiodehistoriamaritima.aspx [06 abril 2012, 17:07h]
- Ribeiro, A.S., 2009. Mahan e as marinhas como instrumento político. In: Academia
de Marinha, XI Simpósio de História Marítima. Lisboa, Novembro 2009. [online].
http://www.marinha.pt/pt/amarinha/actividade/areacultural/academiademarinha/pages/
xisimposiodehistoriamaritima.aspx [06 abril 2012, 17:05h]
- U.S.Marine Corps, U.S.Navy, U.S.Coast Guard, 2007. A Cooperative Strategy for
21st Century Seapower [online] Outubro.
http://www.navy.mil/maritime/Maritimestrategy.pdf [06 abril 2012, 19:33h]

15

Você também pode gostar