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Resenha - Poulain
Resenha - Poulain
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Poulain JP. Sociologia da obesidade. São Paulo: por consequência, o autor aborda a estigmatização
var mais de perto os pontos de controvérsia por da lentidão do ajuste entre a oferta de alimentos
trás da obesidade. “A perspectiva que adotaremos e as necessidades energéticas que as condições
buscará identificar e compreender o mundo pelo modernas de vida fizeram diminuir rapidamente.
qual as informações são construídas e difundidas A obra também aponta para os riscos sanitários,
no universo da saúde pública e, em um sentido sociais e culturais aos quais está sujeita a medicali-
mais amplo, como elas entram na arena social e zação da alimentação cotidiana. A grande difusão
política”. Ele pretende, portanto, entender como as de informações sobre nutrição na ausência de pro-
controvérsias são mais ou menos deformadas, e de vas e de argumentação científica a respeito das rela-
que maneira estão a serviço de determinados in- ções entre o conhecimento e o comportamento faz
teresses. Para realizar um “agendamento político” com que, muito frequentemente, os conhecimentos
da obesidade, seria necessário construir números científicos e as representações morais dos mesmos
e fórmulas chocantes, para que os atores políticos permeiem o discurso médico sobre a obesidade e
e midiáticos reagissem mais favoravelmente. Em a educação nutricional. Por outro lado, os modelos
outras palavras, seria necessário dramatizar o convencionais de estética estariam intensificando
contexto como um todo. os distúrbios do comportamento alimentar. Nesse
Na segunda parte da obra, o ponto de partida cenário, a idealização da magreza e a desvalorização
é o processo de medicalização e as controvérsias das pessoas obesas ou com sobrepeso são as duas
ligadas ao olhar crítico sobre a obesidade. Ele faces de um mesmo fenômeno.
destaca que é “Por trás do aparente consenso das Apesar de enfatizar, em vários momentos do
controvérsias científicas, que a obesidade aparece texto, que a obesidade se transformou em uma
como uma arena da qual se confrontam conceitos “epidemia global”, Poulain não apresenta dados
científicos menos contraditórios. Seria o habitual sobre um conjunto significativo de países. As
da ciência que evolui graças ao impulso de con- informações se concentram na realidade francesa
tradições sucessivas? Ou devemos interpretá-las e estadunidense. Trata-se, portanto, de uma aná-
como o resultado da influência de atores sociais lise focada em duas realidades específicas; seriam
que têm interesses divergentes – indústrias agroali- necessários novos esforços de pesquisa em outros
mentares, indústrias farmacêuticas, associações de países para entender e comparar distintas especi-
consumidores, atores políticos, representantes das ficidades sociais e culturais.
administrações e os próprios pesquisadores?”3. Im- Em uma primeira vista, o livro pode ser enca-
portantes questionamentos que podem auxiliar na rado como uma obra direcionada para cientistas
construção de inúmeras abordagens de pesquisa. sociais; porém, o debate proposto sobre as contro-
Na visão do autor, é possível estabelecer dois vérsias do diagnóstico da obesidade e o processo
níveis de medicalização da alimentação. O primei- de medicalização da mesma amplia o escopo do
ro estaria ligado à inserção da alimentação no qua- debate para as ciências médicas. A leitura também
dro do tratamento de patologias. O segundo nível, é recomendada para os formuladores de políticas
que poderia ser qualificado de nutricionalização, públicas que serão cada vez mais acionados na ela-
relaciona-se com a difusão dos conhecimentos; boração de estratégias para lidar com o problema
corresponde à propagação de conhecimentos cada vez mais coletivo da obesidade.
junto ao corpo social, por meio de diversos ve-
ículos – a imprensa, a televisão, as campanhas
de educação para a saúde, etc. Nesse cenário, a Referências
motivação mais consistente da nutricionalização
1. Fischle C, Masson E. Comer: A alimentação de france-
estaria ligada à pressão dos modelos de estética
ses, outros europeus e americanos. São Paulo: Editora
corporal e o imenso desejo de emagrecer que a SENAC; 2010.
acompanha em algumas categorias de indivíduos. 2. Fischler C. Gastro-nomía y gastro-anomía. Sabiduria del
Ao final do percurso de Poulain, a obesidade cuerpo y crisis biocultural de la alimentación moderna.
aparece como uma patologia parcialmente de- Gazeta de Antropología 2010; 26(1):1-19.
3. Latour B. Ciência em Ação. São Paulo: Editora UNESP;
terminada pelo social. Ela seria resultante de um
2000.
processo de transição, consequência de efeitos