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DEFUMAÇÃO LÍQUIDA DE ANCHOVA (Pomatomus saltatrix):

EFEITO DO PROCESSAMENTO NAS PROPRIEDADES


QUÍMICAS E MICROBIOLÓGICAS1

Alex Augusto GONÇALVES2,*, Carlos PRENTICE-HERNÁNDEZ3

RESUMO
Com o objetivo de avaliar os efeitos do processamento na
qualidade do produto defumado, foi realizada a defumação
líquida de filés de anchova sem pele, utilizando aroma natural
de fumaça (conhecido comercialmente por fumaça líquida). A
aplicação por aspersão da fumaça líquida na concentração de
20% sobre os filés de anchova apresentou grande aceitação
sensorial. A utilização de salmoura a 20% por 15 minutos
assegurou a estabilidade microbiológica necessária no processo.
Uma pré-secagem de 45 minutos a 49,5ºC antes da aplicação da
fumaça líquida favoreceu uma maior penetração da mesma no
músculo da anchova. O tratamento térmico utilizado
posteriormente (52,8ºC por 45 minutos; 67ºC por 45 minutos e
80,8ºC por 2 horas e 30 minutos) foi suficiente para obter um
produto com boa preservação. Tanto para a matéria-prima
quanto para o produto defumado obteve-se os seguintes
resultados de composição centesimal: 69,38% e 59,79% de
umidade; 1,09% e 2,45% de cinzas; 16,80% e 22,30% de
proteínas; e, 12,43 e 15,21% de gordura, respectivamente.
Obteve-se baixa contagem microbiana e ausência de coliformes
fecais e de Salmonella, tanto na matéria-prima como no produto
final, confirmando higiene adequada durante o processo de
preparação da matéria-prima e no processamento posterior.
Palavras-chave: anchova, processamento, defumação líquida,
alterações químicas, microbiologia
SUMMARY
LIQUID SMOKING OF BLUE FISH (Pomatomus saltatrix):
EFFECTS OF PROCESSING ON THE CHEMICAL AND
MICROBIOLOGICAL PROPERTIES. In order to evaluate the
effects of processing on the quality of smoked product,
unskinned bluefish fillets were liquid smoked using natural
smoke flavouring (known commercially as liquid smoke). The
sprinkling of liquid smoke in the concentration of 20% on
bluefish fillets showed great sensorial acceptance. The 20%
pickling brine used for 15 minutes assured the necessary
microbiological stability in the process. A daily 49,5ºC pay-
drying of 45 minutes before the liquid smoke application
favored its larger penetration in the bluefish muscle. The
thermal treatment used (52,8ºC for 45 minutes; 67ºC for 45
minutes and 80,8ºC for 2 hours and 30 minutes) was enough to
get a product with good preservation. For the raw material and
smoked product there were the following results of centesimal
composition: 69,38% and 59,79% of humidity; 1,09% and
2,45% of ash; 16,80% and 22,30% of protein; 12,43 and 15,21%
of fat, respectively. Low microbiana counting and absence of
fecal coliforms and Salmonella, were found in the raw material
and in the end product as well, confirming adequate hygiene
during the process of preparation of the raw material and
posterior processing.
Keywords: bluefish, processing, liquid smoking, chemical
changes, microbiology.

1 — INTRODUÇÃO
Em nosso país, a exploração e uso dos recursos pesqueiros não alcançam os
benefícios nutricionais e econômicos que deles se espera. Uma alternativa para
melhorar os níveis nutricionais da população é propiciar o consumo de
produtos curados, cujo custo de produção é baixo comparado à outras formas
de conservação.
Dentre os produtos marinhos, a anchova (Pomatomus saltatrix) constitui um
dos principais recursos pelágicos explorado no litoral do Rio Grande do Sul,
porém apresenta baixo custo comercial. Se parte da captura desta espécie fosse
utilizada na elaboração de um produto defumado, haveria um crescimento
econômico considerável comparando-se com a atual comercialização da
anchova pelas indústrias locais, principalmente para aquelas que vêm
desenvolvendo a comercialização de anchova congelada, sem um
processamento mais sofisticado.
Além da obtenção de um produto processado, a técnica de defumação
convencional de peixes é, hoje em dia, empregada com finalidades
preservativas [14], bem como para obter um produto característico por suas
qualidades sensoriais "sui generis", de excelente palatabilidade [24, 27].
Desta maneira, a defumação do pescado contribui na dieta do consumidor,
dando-lhe proteína de baixo custo e incentivando o consumo de pescado, além
de proporcionar uma nova alternativa de sabor, cor, aroma e textura agradável
ao pescado [25, 40, 41].
A defumação de alimentos por meio de aspersão de fumaça (defumação
convencional) está sendo substituída cada vez mais pelo emprego de fumaça
líquida. O âmbito de aplicação das fumaças líquidas é muito amplo, sendo
principalmente utilizadas em carnes (bovina, suína e aves), carnes processadas,
pescado, queijo podendo-se estender, por sua grande versatilidade, a uma
grande variedade de alimentos que tradicionalmente não se defumam, como:
temperos, sopas, vegetais enlatados, ou condimentos [11, 32, 37].
As fumaças líquidas eliminaram muito dos problemas associados com o
método tradicional de defumação de pescado, além de proporcionar uma
uniformidade de sabor e cor, sem o inconveniente uso de serragem e limpeza
dos fumeiros. Os problemas de poluição utilizando fumaça de lenha também se
eliminaram, visto que o alcatrão, resina e o 3,4-benzo(a)pireno foram
eliminados nas fumaças líquidas naturais por envelhecimento e filtragem.
Várias indústrias americanas, canadenses e européias, vêm desenvolvendo
extensas linhas de fumaça líquida disponíveis para peixes, mariscos, alimentos
marinhos, carnes, aves e outros setores da indústria alimentícia desde 1960,
somando mais de 40 patentes [15, 32, 35, 36].
A composição da fumaça líquida comercial é muito variável, pois depende
principalmente da fonte de fumaça (madeira utilizada). Informações sobre os
componentes que constituem a fumaça líquida são muito importantes para
estabelecer relações entre suas propriedades sensoriais com a estabilidade de
sua estocagem e com o produto final defumado [8, 9, 10, 11, 31].
Outro aspecto de grande importância no processo de defumação de pescado é o
processo de salmouragem. Esta, em produtos defumados a quente é crítica, pois
o teor de sal na fase aquosa do produto deve ser suficientemente alto (superior
a 3%) para inibir o crescimento de qualquer organismo deteriorador,
principalmente o Clostridium botulinum [3].
MORAIS et al. [28] consideram o tratamento térmico uma etapa fundamental
no processo de defumação líquida, pois promove a formação de cor na
superfície do músculo e a homogeneização do extrato.
O produto de melhor qualidade só será obtido se parâmetros como temperatura,
umidade relativa e concentração de fumaça líquida, bem como o tempo de
defumação, estiverem em proporções adequadas ao tipo e tamanho do pescado
exposto. Além disso, para aumentar a vida-de-prateleira do produto elaborado,
também devem ser levadas em conta as condições de higiene durante o
processamento, além do local de estocagem e da embalagem utilizada [27, 40].
Verifica-se que em pescados defumados, o conteúdo de proteína e lipídios é
mais alto que no pescado in natura, principalmente devido à perda excessiva de
umidade quando comparado com a perda de lipídios e proteínas solúveis. As
mudanças químicas nos grupos funcionais dos resíduos de aminoácidos, devido
à defumação, são limitados, e não têm uma influência significativa no valor
nutritivo das proteínas desse produto [13, 14, 24].
Assim, o presente trabalho foi direcionado com o intuito de se verificar os
efeitos do processamento nas propriedades químicas e microbiológicas da
anchova defumada com fumaça líquida existente no mercado.

2 — MATERIAL E MÉTODOS
2.1 – Matéria-prima
A matéria-prima utilizada foi a espécie anchova (Pomatomus saltatrix),
capturada na região sul do Rio Grande do Sul, e desembarcada nos trapiches
localizados na 4a Secção da Barra da Lagoa dos Patos, em Rio Grande (RS).
2.2 – Infra-estrutura
O trabalho foi realizado nos Laboratórios de Bioquímica Tecnológica, de
Análise Sensorial, de Análise Instrumental Química e de Microbiologia de
Alimentos, do Departamento de Química da Fundação Universidade do Rio
Grande (FURG), na cidade do Rio Grande (RS).
2.3 – Insumos
A fumaça líquida indicada para o processo de defumação líquida [1, 37] foi
obtida por meio de uma doação da ADICON Indústria e Comércio de Aditivos
Ltda (São Bernardo do Campo - SP) e apresentava as seguintes características
físico-químicas: acidez total (como ácido acético, 14,0-16,0%), compostos de
aroma de fumaça (15,0-22,0 mg/ml), carbonilos (17,0-22,0%) e densidade
(1,12 Kg/l).
O reagentes químicos e microbiológicos (todos de qualidade P.A.) foram
adquiridos no comércio da região de Rio Grande (RS).
2.4 – Metodologia
2.4.1 - Processamento experimental
O processo de defumação líquida da anchova foi realizado de acordo com o
fluxograma apresentado na Figura 1.

FIGURA 1. Fluxograma operacional da defumação líquida da anchova

Foi efetuada a limpeza e lavagem da anchova inteira, com água corrente


potável, sendo eliminadas todas as sujidades oriundas da embarcação. Em
seguida foram realizadas manualmente as operações de filetagem e retirada da
pele. Os filés sem pele foram lavados com água corrente potável e para uma
remoção mais efetiva do sangue, utilizou-se uma solução de salmoura com 3%
de NaCl na proporção pescado:salmoura (1:1), por 15 minutos com agitação
[22, 28].
Os filés de anchova foram imersos em salmoura com 20% de cloreto de sódio,
na proporção de pescado:salmoura (1:2) por 15 minutos com agitação.
Após esse processo, os filés foram colocados em bandejas teladas, onde o
excesso de salmoura foi escorrido e levados para uma estufa com circulação
forçada de ar (velocidade do ar superior a 1 m/s) e submetidas à pré-secagem
sob temperatura de 49,5oC por 45 minutos [7], o que permitiu a eliminação do
excesso de umidade e a formação de uma superfície insaturada, favorecendo
uma maior velocidade de difusão da fumaça líquida no músculo do pescado e a
formação de uma superfície brilhante durante o processo de defumação.
As bandejas foram retiradas da estufa, a fumaça líquida foi aspergida na
superfície dos filés (nos dois lados), na concentração de 20% e em seguida
foram retornadas para a estufa com circulação forçada de ar e submetidos à
secagem de acordo com o tempo-temperatura [7] delineada da seguinte
maneira: 45 min. a 52,8oC; 45 min. a 67oC e 2h 30 min. a 80,8oC.
No final da secagem, as bandejas foram retiradas da estufa, e os filés foram
resfriados em temperatura ambiente, embalados individualmente em sacos de
poli-etileno e mantidos sob refrigeração (5oC) até o momento das análises
sensorial (a qual não ultrapassou 12 horas), química e microbiológica (feitas no
mesmo dia).
2.4.2 - Análise sensorial
Para verificar a aceitabilidade do produto defumado, utilizou-se o método
afetivo mediante um teste hedônico, que consistiu de uma escala hedônica de
nove pontos, que variava de gostei extremamente (9 pontos) até desgostei
extremamente (1 ponto) [26].
Para esta análise foram utilizados provadores não treinados (n = 60). As
amostras foram aquecidas em forno elétrico e mantidas a uma temperatura de
50oC. Os provadores receberam as amostras aquecidas para a degustação.
2.4.3 - Análise química
Amostras dos filés de anchova sem pele in natura e defumado foram trituradas
em multiprocessador, até obter-se uma polpa homogênea. Alíquotas desta
polpa foram utilizadas para as determinações de composição centesimal
(umidade, cinza, gordura e proteína), de acordo com metodologia oficial [3].
Durante a salmouragem, a cada 3 minutos, foi retirado amostras de filé de
anchova da salmoura e reservado. Foi realizada então, a determinação de
cloretos, como cloreto de sódio (segundo método de Möhr), para verificar a
absorção de sal durante a salmouragem e no produto defumado final [2], sendo
a concentração de sal na fase aquosa foi determinada através da seguinte
equação:

Para tanto, foi necessário o conhecimento dos teores de sal e de umidade, na


amostra de pescado defumado [27, 28].
2.4.4 - Análise microbiológica
Para a matéria-prima foram feitas as seguintes análises microbiológicas
recomendadas para pescado in natura utilizando a metodologia oficial [4],
citada por SILVA, JUNQUEIRA & SILVEIRA [38]:
1. Contagem total em placas de bactérias aeróbias mesófilas, pela técnica do
pour-plate [20];
2. Contagem de coliforme total pela técnica do Número Mais Provável
(NMP) [17];
3. Contagem total de coliforme fecal pela técnica do NMP [17];
4. Pesquisa de Salmonella, pela técnica de isolamento [20];
5. Presença de Staphylococcus aureus [20];
6. Contagem de Vibrio parahaemoliticus pela técnica do NMP [20].
Para pescado defumado, utilizou-se as mesmas análises microbiológicas citadas
acima, exceto Vibrio parahaemolyticus acrescida da contagem de Clostridios
sulfito redutores [20], utilizando metodologias oficiais [4, 38].
2.4.5 - Análise Estatística
Os resultados da avaliação sensorial e determinação química da anchova in
natura e defumada foram analisados estatisticamente, através da análise
descritiva de dados, utilizando o software "Statistica for Windows" versão 4.3.

3 — RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 – Análise sensorial
Com os resultados da análise sensorial das amostras defumadas por aspersão
superficial da fumaça líquida na concentração 20%, pôde-se verificar a
distribuição das pontuações outorgadas pelos julgadores (n = 60) (Figura 2).

FIGURA 2. Distribuição das notas atribuídas pelos julgadores no teste sensorial

Através da análise descritiva das notas atribuídas pelos julgadores chegou-se ao


seguinte resultado: média de 8,43 e desvio padrão de 0,76. Este resultado
mostrou que as amostras foram aceitas pelos julgadores, pois a média das notas
permaneceu acima de 5 (o que corresponde ao conceito de indiferença).
3.2 — Análise química
O conhecimento da variação sazonal da composição química do pescado é de
grande importância tecnológica pois afeta o rendimento, o sabor, a textura e a
estabilidade à oxidação da gordura [5, 18]. Procurou-se trabalhar com lotes da
mesma procedência (coleta), para evitar diferenças de composição química.
Os resultados de composição química da matéria-prima e do produto final se
encontram na Tabela 1.

TABELA 1. Composição centesimal da matéria-prima e do produto final (média ±


desvio padrão)
Componentes in natura Defumado

UMIDADE (%) 69,38 ± 1,03 59,79 ±


0,28
PROTEÍNA (N x 6,25) 16,80 ± 0,11
(%) 22,30 ±
12,43 ± 1,06 0,15
GORDURA (%)
1,09 ± 0,02 15,21 ±
CINZA (%) 0,25

2,45 ± 0,02

* feitas em quadruplicata.

O valores de composição centesimal da matéria-prima in natura estão de


acordo com dados publicados de literatura para essa espécie, e segundo
CONTRERAS-GUZMÁN [5] se enquadra na categoria B, considerada como
intermediária por sua quantidade de proteína e gordura.
O teor de gordura é muito importante para o processamento do pescado.
defumado, onde os pescados gordurosos (> 15%) são geralmente mais
adequados, pois a gordura do mesmo atua como agente absorvedor das
substâncias aromáticas presentes na fumaça [6]. Como a anchova é um pescado
com teor intermediário de gordura (5-15%), essa espécie está perfeitamente
adequada ao processo de defumação.
Verificou-se que após o processamento ficou alterada a relação percentual dos
componentes da matéria-prima original, ao diminuir o conteúdo de umidade
(de 69,38% para 59,79%). O aumento do conteúdo de cinzas (de 1,09% para
2,45%) é provavelmente conseqüência da absorção de cloreto de sódio no
músculo, durante a imersão na salmoura. Esses resultados estão de acordo com
os valores encontrados para diferentes espécies de peixes marinhos defumados
[33, 34].
Neste trabalho, a anchova defumada apresentou um teor de 59,79% de
umidade, um pouco abaixo do recomendado (65%) [28], porém sua
consistência foi boa, visto que foi aceita sensorialmente. Isto concordou com
MORAIS et al. [28] para truta defumada com fumaça líquida, que encontraram
teor de umidade de 58,35%.
3.2.1 - Penetração de cloreto de sódio durante salmouragem
A penetração de cloreto de sódio durante o processo de salmouragem pode ser
observada na Tabela 2.

TABELA 2. Penetração de NaCl durante salmouragem e


concentração de NaCl na fração aquosa do filé defumado

Tempo % NaCl no % NaCl fração


(min) músculo aquosa

in natura 1,66 2,34

0(*) 2,04 2,86

3 4,02 6,30

6 4,32 6,74

9 4,73 7,33

12 5,14 7,92

15 5,38 8,26

(*): após lavagem em salmoura a 3%

A salmouragem prévia em produtos defumados a quente (T>40oC) é crítica,


pois o teor de cloreto de sódio na fração aquosa do produto acabado deverá
inibir o crescimento de qualquer microorganismo deteriorador, principalmente
o Clostridium botulinum. Tem sido constatado que a concentração mínima de
3% de NaCl na fração aquosa, é efetiva no controle de sua deterioração
microbiana [16, 27].
Concentrações de NaCl acima de 3% também provocou uma redução marcante
na contagem de Vibrio parahaemolyticus no produto defumado. Além disso,
mesmo que os componentes da fumaça exerçam um efeito inibitório do Vibrio
parahaemolyticus nestes produtos, poderá ocorrer a multiplicação desse
microorganismo durante o processo de defumação ou durante a estocagem à
temperatura ambiente se a concentração de NaCl for reduzida [19].
Observou-se na Tabela 2 que a concentração de NaCl na fração aquosa do
músculo da anchova defumada com fumaça líquida (8,26%), encontra-se acima
do mínimo recomendado (3%). Este resultado coincidiu com MORAIS et al.
[38] para truta defumada com fumaça líquida (7,99%).
Inicialmente, esse tratamento com salmoura a 20% por 15 minutos visou
conferir ao pescado uma concentração de NaCl no músculo de 3%, de modo
que o produto acabado apresentasse um teor de NaCl de cerca de 4%. Assim
sendo, o processo de salmouragem poderia ter sido suspenso após 3 minutos ou
se estender no máximo até 5 minutos, não precisando ser revisto, para
assegurar-lhe estabilidade microbiológica, segundo a Tabela 2.
Isto concorda com BERAQUET & MORI [3], que afirmam que a salmoura
utilizada deveria ser tal que, no final do processo de defumação, o produto
tivesse um teor de NaCl de 4% (p/p), considerado sensorialmente agradável
para o mesmo tipo de produto. Pôde-se verificar que a partir de 3 minutos de
imersão em salmoura (20%), o filé de anchova já adquiriu um teor final de
NaCl, superior ao recomendado.
3.3 – Análise microbiológica
Os resultados da análise microbiológica realizada para pescado in natura e para
pescado defumado, comparados com os padrões microbiológicos exigidos pela
Legislação Brasileira [4] foram mostrados na Tabela 3.

TABELA 3. Análise microbiológica da matéria-prima in natura e produto


defumado a base de anchova.

Análises In natura Legislação* Defumado Legislação*

Contagem total 5,5 x 102  1,1 x 102 


u.f.c.
N.M.P.Coliformes totais  u.f.c 
7,8/g
N.M.P. Coliformes fecais máx. 102/g ausente máx. 102/g
ausente
Staphylococcus aureus máx. 103/g ausente máx. 103/g
ausente
Vibrio parahaemolyticus máx.  
Pesquisa de Salmonella ausente 5x103/g
ausente ausente
Clostridios sulfito ausente ausente
redutores ausente máx.
 
5x103/g

* CNNPA (4); u.f.c.= unidades formadoras de colônias

A tabela 3 indica que os índices microbiológicos determinados na matéria-


prima in natura (anchova) estão abaixo dos limites exigidos pela legislação, e a
qualifica como apta ao consumo e posterior processamento.
Em termos gerais, a anchova defumada com fumaça líquida pode ser
considerada de boa qualidade e se encontra apta para o consumo humano, por
estar abaixo dos limites microbiológicos exigidos pela legislação. Pode também
ter havido uma interação dos compostos antimicrobianos da fumaça com os
microorganismos, inibindo o desenvolvimento dos mesmos.
A baixa carga microbiana e ausência de coliformes totais e fecais no produto
final mostrou que houve precaução adequada quanto à higiene durante o
processamento, sobretudo na limpeza dos equipamentos e materiais utilizados.
A ausência de Clostridios sulfito redutores e a baixa contagem microbiana
podem estar relacionados também com o alto teor de NaCl na fração aquosa do
músculo do produto final (8,26%).
Esses resultados assemelham-se aos encontrados por LEONI & MORIGGI [21]
para trutas salmonadas defumadas.
Desde a década de 70 tem sido verificado com sucesso, o efeito bacteriostático
da fumaça líquida em pescado gordo, bem como em culturas de S. aureus,
Bacillus subtilis e Proteus vulgaris [12]. Verificou-se que existe variação na
inibição do crescimento de microrganismos conforme os tipos de fumaça
líquida comerciais. Esta capacidade inibitória está ligada à fração fenólica da
fumaça líquida, presente na superfície dos produtos defumados, que acredita-se
ser responsável pela maior atividade antimicrobiana. Outros compostos, como
formaldeído e ácido acético, entretanto, também possuem propriedades
antimicrobianas, e em conjunto podem ser mais efetivos. Quando esses
componentes inibidores estiverem bem definidos, será possível estudar melhor
o aroma e vida-de-prateleira desses produtos [23, 29, 30, 39].

4 — CONCLUSÕES
Nas condições em que os ensaios experimentais foram realizados, os resultados
obtidos permitem concluir que:
− Foi obtido um produto defumado à base de anchova (Pomatomus saltatrix)
utilizando aroma natural de fumaça, conhecido comercialmente por fumaça
líquida;
− tempo de imersão dos filés de anchova na salmoura a 20% assegurou a
estabilidade microbiológica necessária, além de conferir um sabor agradável;
− A aplicação por aspersão de fumaça líquida na concentração de 20% da
solução, sobre os filés de anchova sem pele, apresentou uma boa aceitação na
análise sensorial;
− A baixa carga microbiana e ausência de coliformes totais e fecais no produto
final mostrou boa higiene durante o processamento, indicando uma qualidade
microbiológica aceitável;

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1 Recebido para publicação em 30/06/98. Aceito para publicação em 15/11/98.


2 Engenharia de Alimentos - FURG - e-mail: lecoeale@nutecnet.com.br
3 Departamento de Química - Fundação Universidade do Rio Grande (FURG), Caixa Postal
474, CEP 96201-900, Rio Grande, RS.
* A quem a correspondência deve ser endereçada.

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