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Atividades de Língua Portuguesa – 3ª Série – Ensino médio 02-08

Quem tiver impressora poderá imprimir a atividade. Quem não tem, copie as questões e responda no
caderno.

Que este (Re) começo seja abençoado e


de grandes aprendizagens!

Seu sucesso depende do seu esforço e dedicação!

Leia com atenção o texto e responda:

Ficção

Resisti ao carro blindado. Fumo, tenho claustrofobia, é ideologicamente nefasto, uma provocação perigosa.
Enfim, a coisa piorou e passou a ser arrogante e irresponsável deixar-me morrer abrindo mão das defesas de
que disponho. Tenho filhos, exerço uma liderança produtiva na sociedade, pesquiso as origens de nossa
desarmonia social. Tenho pânico. E o pânico de ser atacada, machucada, humilhada e morta minava meu
raciocínio. Cedi ao carro blindado.

A energia que gasto andando em um é equivalente à que gastava andando em um não. Exige a mesma dose
de alienação. Se desprotegida, qualquer pedestre é um assassino, quebraram-se os códigos morais capazes de
deter sua ação predadora, o nosso fracasso. O medo dirige e transforma em hostilidade todo o humano,
torno-me uma idiota. Se protegida, blindada, perco o contato. Sem medo não há vida, afastado o mal, o bem
se vai, não faço parte, torno-me uma idiota.

A rua é um espaço vazio que percorro no vácuo. O vazio não existe, é desejo vão. Tudo deixa sua marca. As
artérias permanecem cheias e pulsantes, e o oco não existe. Se o sangue para de correr, seca e entope, os
vermes alimentam-se, sempre haverá matéria viva a ocupar os corredores estreitos da cidade.

Estava parada em um engarrafamento, no final de um dia poluído. O homem surgiu e bateu na janela com
uma arma preta. O movimento de sua boca berrava e a voz chegava baixa. Passa o dinheiro, passa o dinheiro
ou vai morrer. Agora, abre a janela, agora, agora, ou vai morrer, ou vai morrer. Olhava louco para mim,
olhava louco para mim. Ou vai morrer, ou vai morrer. Olhava sua boca, seus olhos, a arma preta, a aflição e
a raiva e me convencia que era cinema. Não tentei explicar-lhe, ele entenderia. O vidro blindado
transformava sua ação, eu podia olhar, observar os detalhes de sua roupa, a língua escura e o tamanho
pequeno das mãos agarrando a arma preta. A arma preta apontada contra meus olhos, o canal oco da arma
preta tremendo, argumento claro, abre, sua vaca, eu vou atirar. Minha curiosidade apática minava sua
decisão, o argumento oscilava.

O rapaz entendeu sua impossibilidade, titubeou, apoiou as mãos no vidro, uma fechada na arma, aproximou
o rosto e cuspiu minha morte mais uma vez. Eram de um animal os olhos, a palma da mão suada e a saliva.
Furioso, enjaulado, um fila brasileiro latindo e pulando atrás das grades enquanto caminhamos na calçada.
Ele segurou a arma com as duas mãos e mirou em meu rosto. Eu mirava calma e hipnotizada, intrigada com
o fim.

Um frio monstruoso me sobe do estômago e para meu coração. Hoje é dia de rodízio, eu não estou no
blindado. Meus olhos pulam de horror, as mãos crispadas na boca aberta e hirta, sem qualquer possibilidade
de voz, pedi piedade. Ele entendeu e riu. Num só golpe, quebrou o vidro com a mão da arma, esmurrou meu
rosto e sumiu deixando o revólver de brinquedo no meu colo manchado com nosso sangue.

BRACHER, Beatriz. Ficção. Meu amor. São Paulo: Editora 34, 2009. p. 51-52.

Claustrofobia: medo exagerado de estar em lugares fechados.


Ideologicamente: refere-se, no contexto, ao conjunto de valores da personagem.
Nefasto: desfavorável.
Alienação: distanciamento, indiferença.
Titubeou: hesitou, vacilou.
Rodízio: restrição na circulação de carros.
Crispadas: contraídas.
Hirta: rígida.

Pensando sobre o texto

1 No primeiro parágrafo do conto, quais são as justificativas da narradora para ter resistido, durante algum
tempo, à compra de um carro blindado?

2 Nesse mesmo parágrafo, ela apresenta motivos para ter cedido ao desejo de adquirir um veículo blindado.
Transcreva os trechos que evidenciam suas razões.

3 No segundo parágrafo, a narradora fala sobre o que ela denomina “o nosso fracasso”.

a) Explique o que seria esse fracasso.

b) Por que ela utiliza o pronome nosso e não meu?

4 Por que o carro blindado “idiotiza” a narradora?

5 Em geral, o discurso direto é indicado de duas maneiras no texto: pelo uso do travessão ou das aspas.

a) De que forma esse tipo de discurso é indicado no conto?

b) Explique que efeito tem no texto a forma como o discurso direto é apresentado.

6 Por que a narradora se convenceu de que aquilo que ela estava vivendo era “cinema”? Apresente
elementos do texto que justifiquem essa metáfora.

7 A metáfora do cinema transforma-se, no penúltimo parágrafo, em outra metáfora, a do “animal enjaulado”.


Explique essa figura de linguagem e sua função expressiva no texto.

8 Explique a inversão de papéis entre a narradora e o assaltante no parágrafo que serve de desfecho para o
conto.

9 Explique de que maneira a expressão nosso sangue, que encerra o conto, estabelece uma relação entre
personagens de classes sociais tão distintas.

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