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Ao chegarem ao 

Brasil, os portugueses encontraram um território povoado.


Seus habitantes, porém, desconheciam a escrita e não deixaram documentos
sobre o próprio passado. O conhecimento que temos sobre os índios
brasileiros do século 16 baseia-se principalmente em relatos e descrições dos
viajantes europeus que aqui estiveram, na época. Particularmente, os livros do
alemão Hans Staden e do francês Jean de Lery, que conviveram com os índios
por volta de 1550.
Os dois apresentam detalhadamente o modo de vida indígena, relacionando
aspectos que vão dos mais triviais, como as vestes e adornos, aos mais
complexos, como as crenças religiosas. Sobre as épocas anteriores à chegada
dos portugueses, os estudos históricos contam com a contribuição da
antropologia e da arqueologia, que permitiram traçar um panorama abrangente,
apesar da existência de lacunas.

O povoamento da América do Sul teve início por volta de 20.000 a.C., segundo


a maioria dos pesquisadores. Existem indícios de seres humanos no Brasil
datados de 16.000 a.C., de 14.200 a.C. e de 12.770 a.C., encontrados nas
escavações arqueológicas de Lagoa Santa (MG), Rio Claro (SP) e Ibicuí (RS).
A dispersão da espécie por todo o território nacional aconteceu em cerca de
9000 a.C., quando o número de homens aumentou muito.

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Tupis e guaranis
Ao longo desse processo, teria ocorrido a diferenciação linguística e social que
deu origem aos troncos indígenas Macro-Jê e Macro-Tupi. Deste último, entre
os séculos 8 e 9, originaram-se as nações Tupi e Guarani. São as que mais se
destacam nos últimos 500 anos da História do Brasil, justamente porque
tiveram um contato mais próximo com o homem branco.

Na chegada de Pedro Álvares Cabral, em 1500, estima-se que os índios


brasileiros fossem entre um e cinco milhões. Os tupis ocupavam a região
costeira que se estende do Ceará a Cananeia (SP). Os guaranis espalhavam-
se pelo litoral Sul do país e a zona do interior, na bacia dos rios Paraná e
Paraguai. Em outras regiões, encontravam-se outras tribos, genericamente
chamados de tapuias, palavra tupi que designa os índios que falam outra
língua.

Apesar da divisão geográfica, as sociedades tupis e guaranis eram bastante


semelhantes entre si, nos aspectos linguísticos e culturais. Os grupos se
formavam e se mantinham unidos principalmente pelos laços de parentesco,
que também articulavam o relacionamento desses mesmos grupos entre si.
Agrupamentos menores, as aldeias ligavam-se através do parentesco com
unidades maiores, as tribos.

Modo de vida dos índios


Os índios sobreviviam da caça, da pesca, do extrativismo e da agricultura. Nem
esta última, porém, servia para ligá-los permanentemente a um único território.
Fixavam-se nos vales de rios navegáveis, onde existissem terras férteis.
Permaneciam num lugar por cerca de quatro anos. Depois de esgotados os
recursos naturais do local, migravam para outra região, num regime semi-
sedentário.

Suas tabas (aldeias) abrigavam entre 600 e 700 habitantes. Levando em conta
as possibilidades de abastecimento e as condições de segurança da área, um
conselho de chefes determinava o local onde eram erguidas. As aldeias eram
formadas por ocas (cabanas), habitações coletivas que apresentavam formas e
dimensões variadas. Em geral, as ocas eram retangulares, com o comprimento
variando entre 40 m e 160 m e a largura entre 10 m e 16 m. Abrigavam entre
85 e 140 moradores. Suas paredes eram de madeira trançada com cipó e
recobertas com sapé desde a cobertura.

As várias aldeias se ligavam entre si através de trilhas, que uniam também o


litoral ao interior. Algumas eram muito extensas como a do Peabiru, que unia a
região da atual Assunção, no Paraguai, com o planalto de Piratininga, onde se
situa a cidade de São Paulo. Descobrimentos arqueológicos confirmam
contatos entre os tupis-guaranis e os incas do Peru: objetos de cobre dos
Andes foram desenterrados em escavações, no Rio Grande do Sul e no Estado
de São Paulo.

Alimentação: mandioca, peixe e mariscos


A alimentação dos índios do Brasil se compunha basicamente de farinha de
mandioca, peixe, mariscos e carne. Conheciam-se os temperos e a
fermentação de bebidas alcoólicas. Com as fibras nativas dos campos e
florestas, fabricavam-se cordas, cestos, peneiras, esteiras, redes, abanos de
fogo; moldavam-se em barro diversos tipos de potes, vasos e urnas funerárias,
pois enterravam seus mortos.
Na taba, vigorava a divisão sexual do trabalho. Aos homens cabiam as tarefas
de esforço intenso, como o preparo da terra para o cultivo, a construção das
ocas e a caça. Além destas, havia a atividade que consideravam mais gloriosa
- a guerra. As mulheres, além do trabalho natural de dar a luz e cuidar das
crianças, semeavam, colhiam, modelavam, teciam, faziam bebidas e
cozinhavam.

Os casamentos serviam para estabelecer alianças entre aldeias e reforçar os


laços de parentesco. A importância da família se contava pelo número de seus
homens. As grandes famílias tinham um líder e as aldeias tinham um chefe, o
morubixaba. Em torno dele, reunia-se um conselho da taba, formado pelos
líderes e o pajé ou xamã, que desempenhava um papel mágico e religioso. As
crenças religiosas dos índios possuíam papel ativo na vida da tribo.
Praticavam-se diversos rituais mágico-sagrados, relacionados ao plantio, à
caça, à guerra, ao casamento, ao luto e à antropofagia.

Antropofagia (canibalismo) e vida após a morte


Basicamente, os tupi-guaranis acreditavam em duas entidades supremas -
Monan e Maíra - identificados com a origem do universo. Ao lado das
divindades criadoras, figurava também uma entidade - Tupã - associada à
destruição do mundo, que os índios consideravam inevitável no futuro, além de
ter ocorrido em passado remoto. Acreditavam também na vida após a morte,
quando o espírito do morto iniciava uma viagem para o Guajupiá, um paraíso
onde se encontraria com seus ancestrais e viveria eternamente. A prática da
antropofagia talvez estivesse especialmente ligada a essa viagem sobrenatural,
sendo uma espécie de ritual preparatório para ela, segundo alguns estudiosos.

Para outros, o ritual antropofágico servia para reverenciar os espíritos dos


antepassados e vingar os membros da aldeia mortos em combate. Após as
batalhas contra tribos inimigas, a antropofagia tinha caráter apoteótico,
mobilizando todos os membros da aldeia numa sucessão de danças e
encenações que terminavam com a matança de prisioneiros e o devoramento
de seus corpos.

Na organização política de uma aldeia, destacava-se a figura do chefe, o


morubixaba, mas este só exercia efetivamente o poder em tempos de guerra.
Ainda assim não podia impor a sua vontade, devendo convencer um conselho
da aldeia, por meio de discursos. A guerra era uma atividade epidêmica.
Acontecia por razões materiais, como conquistar terras privilegiadas; morais e
sentimentais, como a vingança da morte de parentes ou amigos por grupos
adversários; ou ainda religiosas, vinculadas à antropofagia.

Povos guerreiros
O caráter beligerante das sociedades indígenas brasileiras desmente a versão
da história segundo a qual os índios se limitaram a assistir à ocupação da terra
pelos europeus, sofrendo os efeitos da colonização passivamente. Ao
contrário, nos limites das suas possibilidades resistiram à ocupação territorial,
lutando bravamente por sua segurança e liberdade. Entretanto, o contato inicial
entre índios e brancos não chegou a ser predominantemente conflituoso. Como
os europeus estivessem em pequeno número, podiam ser incorporados à vida
social do índio, sem afetar a unidade e a autonomia das sociedades tribais.

Isso favoreceu o intercâmbio comercial pacífico, as trocas de produtos entre os


brancos e os índios, principalmente enquanto os interesses dos europeus se
limitaram ao extrativismo do pau-brasil. Em geral, nas três primeiras décadas
de colonização, os brancos se incorporavam às aldeias, totalmente sujeitos à
vontade dos nativos. Mesmo em suas feitorias, os europeus dependiam de
articular alianças com os indígenas, para garantir a alimentação e segurança.

Posteriormente, quando o processo de colonização promoveu a substituição do


extrativismo pela agricultura como principal atividade econômica, o padrão de
convivência entre os dois grupos raciais sofreu uma profunda alteração: o índio
passou a ser encarado pelo branco como um obstáculo à posse da terra e uma
fonte de mão-de-obra barata. A necessidade de terras e a de trabalhadores
para a lavoura levaram os portugueses a promover a expulsão dos índios de
seu território, assim como a sua escravização. Assim, a nova sociedade que se
erguia no Brasil impunha ao índio uma posição subordinada e dependente.

Confederação dos tamoios


Contra essa ordem, a reação indígena assumiu muitas vezes caráter violento,
como a guerra dos Tamoios, que se estendeu por três anos, a partir de 1560.
Incentivados por invasores franceses estabelecidos na Baía da Guanabara,
vários grupos desses índios uniram-se numa confederação para enfrentar os
portugueses, ao longo do litoral entre os atuais estados do Rio de Janeiro e
São Paulo. A atuação dos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de
Anchieta resultou num acordo de paz, realizado em Iperoígue, uma aldeia
situada onde hoje se localizam os municípios paulistas de São Sebastião e
Ubatuba.
Outra possibilidade de reação indígena ao avanço português era a submissão,
assumida sob a condição de "aliados" ou escravos. Essa forma de convivência
"pacífica" foi obtida particularmente graças ao trabalho dos padres missionários
que, promovendo a cristianização dos índios, combatiam sua cultura e
tradições religiosas, além de redistribuí-los territorialmente, em geral de acordo
com os interesses dos colonizadores.

Índios sobreviventes
Finalmente, para preservar a unidade e a integridade de seu modo de vida, os
índios optaram também pela migração para as áreas interioranas, cujo acesso
difícil tornava o contato com o branco improvável ou impossibilitava a este
exercer seu domínio. Essa alternativa, porém, teve um preço alto para as tribos
indígenas, forçando-as a adaptar-se a regiões mais pobres ou inóspitas.

Ainda assim, em relação ao enfrentamento ou à submissão, o isolamento foi o


que permitiu parcialmente aos índios preservarem sua herança biológica, social
e cultural. Dos cinco milhões de índios da época do descobrimento, existem
atualmente cerca de 460 mil, segundo a Funai - Fundação Nacional do Índio.

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