Você está na página 1de 221

HELENO CLÁUDIO FRAGOSO

•1
J

CONDUTA
PUNÍVEL i
!
Dissertação apresentada à Faculdade Nacional de Direito,
1
para a Livre Docência da Cadeira de Direito Penal. i

JOSÉ BUSHATSKY, Editor


Livros Jurídicos - Edições próprias c alheios

Rua Riochuelo, 201 - 5.° and. (Atrás da Fac. de Direito) - Fone: 37-1252 - S. Paulo

19 6 1

1
CONDUTA PUNÍVEL
HELENO CLÁUDIO FRAGOSO

CONDUTA
PUNÍVEL
Dissertação apresentada à Faculdade Nacional de Direito,
para a Livre Docência da Cadeira de Direito Penal.

JOSÉ BUSHATSKY, Editor


Livros Jurídicos - Edições próprias e alheias

Ruo Riochuelo, 201 - 5.° and. (Atrás da Foc. de Direito) - Fone: 37-1252 - S. Paulo

196 1
I

I
TRABALHOS JURÍDICOS DO AUTOR

Lições de Direito Penal, Parte Especial, arts. 121 a 226, José


Bushatsky Editor, São Paulo, 1958.
Lições de Direito Penal, Parte Especial, arts. 227 a 361, José
Bushatsky Editor, São Paulo, 1959. i
Direito Penal e Criminologia, Revista Forense, vol. 153 e Inves­
tigações, vol. 52.
i
O problema da pena, Revista Forense, vol. 161.
O concurso de agentes na qualificação do furto, Revista Fo­
rense, vol. 173.
Crimes contra o casamento. Adultério e Bigamia. Revista Fo­
rense, vol. 179.
Objeto do crime, Revista Forense, vol. 189.
Conceito jurídico-penal de cadáver. A questão do natimorto.
Revista Brasileira de Criminologia, vols. 14/15 e Investiga­
ções, vol. 47.
Emissão de cheque sem fundos. Crime continuado, Três Pode­
res, Out. 1960.
A questão do júri, Revista Forense, vol. 193.

Em preparo:
Teoria Geral do Delito
Lições de Direito Penal, Introdução e Parte Geral.
B

i
ABREVIATURAS USADAS NESTA OBRA

Aníbal Bruno, Dir. Pen. Aníbal Bruno, Direito Penal, Parte Ge­
ral, 1956.
Antolisei, Manuale Francesco Antolisei, Manuale di Diritto
Penale, Parte Generale, 1955.
Asúa, Tratado L. Jimenez de Asúa, Tratado de Derecho
Penal, vols. I/III, 1950/1.
Basileu Garcia, Instituição* Basileu Garcia, Instituições de Direito
Penal, 1954.
Battaglini, Dir. Pen. Giulio Battaglini, Diritto Penale, Par­
te Generale, 1949. . f
Beling, Esquema Ernest v. Beling, Esquema de Derecho
Penal (Grundzuege des Strafre-
chts), trad. Soler, 1944.
Bettiol, Dir. Pen. Giuseppe Bettiol, Diritto Penale, Parte
Generale, 1958.
Binding, Handbuch Karl Biding, Handbuch des Strafrechts
1885.
Binding, Normen Karl Binding, Die Normen un ihre
Uebertretungen, vol. I, 1916; vol. II,
1914; vol. IH, 1918 e vtl. IV, 1919.
Carnelutti, Teoria Francesco Carnelutti, Teoria general
del delito, trad. V. Conde, 1953.
Garrara, Programa Francesco Garrara, Programa del curso
de derecho criminal, trad. Soler,
1944.
Delitala, II fatto Giacomo Delitala, II •‘fatto” nella teo­
ria generale del reato, 1930.
De Marsico. Dir. Pen. Alfredo De Marsico, Diritto Penale,
1935.
Ferri, Princípios Enrico Ferri, Princípios de Derecho Cri­
minal, trad. Rodrigues Munoz, 1933.
Florian, Trattato Eugênio Florian, Parte Generale del
Diritto Penale, vols. I/II, 1934.
Frank, Kommentar Reinhard Frank, Das Strafgesetzbuch
fuer das Deutsche Reich, 1931.
Frank Festgabe Festgabe fuer Reinhard von Frank, vols
I/II, 1930. Publicação em homena­
gem a Frank.
Graf Zu Dohna, Aufbau des Alexander Graf Zu Dohna, Aufbau der
Verbrechenslehre Verbrechenslehre, 1950.
Grispxni, Dr. Pen. Filipo Grispini, Diritto Penale Italiano,
vols. I/n, 1950.
viu
| Hellmuth Mayer, Strafrecht Hellmuth Mayer, Strafrecht, Allgemei-
ner Teil, 1953.
i
Kohlrausch-Lange Strafge- Eduard Kohlrausch-Rtchard Lange.
setzbuch Strafgesetzbuch, 1950.
Leipziger Kommentar Ebermayer-Lobe-Rosemberg, Strafgese­
tzbuch Kommentar, 8a edição atua­
lizada por Jagusch, Mezger, Schae-
fer e Werner, vols. I/II, 1957.
Liszt-Schmujt, Lehrbuch Franz v. Lizt, Lehrbuch des deutschen
Strafrechts, 26.a edição, preparada
por Eberhard Schmidt, 1932.
i M. E. Mayer, Lehbuch Max Ernest Mayer, Der Allgemeiner
Teil des deutschen Strafrechts
Lehrbuch, 1915.
Maggiore, D ir. Pen. Giuseppe Maggiore, Diritto Penale, Par­
te Generale, vols. I/II, 1949.
Manzini, Trattato Vincenzo Manzini, Trattato di Diritto
Penale Italiano, vols. I/HI, 1950/52.
Massari, Le dottrine Eduardo Massari, Le dottrine generali
del reato, 1928.
Maurach, Lehrbuch Reinhart Maurach, Deutsches Strafre-
chet, Allgemeiser Teil, ein Lehr­
buch, 1954.
Mezger, Strafrechtsdogmatik Edmund Mezger, Moderne Wege der
Strafrechtsdogmatik, 1950.
Mezger, Studienbuch Edmund Mezger, Strafrecht, ein Stu­
dienbuch, 9a edição, 1960.
Mezger, Tratado Edmund Mezger, Tratado de Derecho
Penal, trad. Rodriguez Munos, 1955.
Mezger. Festschrift Festschrijf fuer Edmund Mezger, 1954
Publicação em homenagem a Mez­
ger.
í Meyer-Allfeld, Lehrbuch Hugo Meyer, Lehrbuch des deutschen
Strafrechts, 8.a edição, preparada
por Phillip Allfeld, 1922.
Nelson Hungria, Nelson Hungria, Comentários ao Códi­
Comentários go Penal, vol. I, 1948.
Pannain, Manuale Remo Pannain, Maunale di Diritto Pe­
nale, Parte Generale, 1950.
Petrocelli, Principi Biagio Petrocelli, Principi di Diritto
Penale, 1943.
Ranieri, Dir. Pen. Silvio Ranieri, Diritto Penale, Parte
f Generale, 1945.
Rocco, L’oggetto del reato Arturo Rocco, Uoggeto del reato e del­
ia tutela giuridica penale, vol. I da?
Opere Giuridiche, 1932.

i Riv. It. ■
Rocco, Lezioni
Rivista Italiana di Diritto Penale.
Arturo Rocco, Lezioni di Diritto Pena­
le, 1932*
í Sabatini, Istituzioni Guglielmo Sabatini, Instituzioni di Di­
ritto Penale, Parte Generale. 1946
-
IX
Santoro, Circostanze Arturo Santoro, Le circostanze
tt, 1952. < rea_
Santoro, Dir. Pen. Arturo Santoro, Diritto Pendle,
Sauer, Strafrechtslehre Wilhelm Sauer, AUgemeine SíK949.
chtslehre, 1949. hjre-
SCHOENKE-SCHROEDER, Adolf Schoenke, Strafgesetzbuch .
Kommentar mentar, 7* edição, preparad^tom-
Horst Schroeder, 1954. por
Soler, Der. Pen. Sebastian Soler, Derecho Penal 4
tino, vols. I/II, 1954. tfen-
StrAbh Strafrechtliche Abhandlungen,
ção em cadernos (He/íe),
por Hans Benecke e editad^ada
Breslau, desde 1896. em
Von Hippel, Strafrecht Von Hippel, Deutsches Strafrecht^ Al_
Igemeine Grundlagen, vols. t/tt”
1925.
Von Weber, Grundriss Hellmuth Von Weber, Grundris^ ^es
deutschen Strafrechts, 1949.
Welzel, Strafrecht Hans Welzel, Das deutschen Strafrechtt
eine Systematische Darsteliungt
1954.
ZStW Zeitschrift fuer die gesamte Strafrech-
tswissenschaft, revista fundada por
Von Liszt e A. Dochow, editada em
Berlim, desde 1881.

i
Embora o Direito Penal moderno se oriente no sen­
tido da culpabilidade, atribuindo a este aspecto do
delito primacial importância, a teoria da ação constitui, i
sem dúvida, o setor mais debatido da teoria do crime,
onde surgem os maiores problemas e as mais graves
incertezas.
O presente trabalho constitui uma tentativa de ela­
boração doutrinária da teoria da conduta punível, em
seus vários momentos e aspectos. É dividido em duas
I
partes: a primeira é representada por uma exposição I
doutrinária, e a segunda, pelas conclusões a que chega í
o autor. i
Todo o trabalho é presidido pelo espírito de síntese.
É evidente que cada uma das partes do conjunto poderia
dar lugar a uma obra autónoma, de largas dimensões.
O propósito do autor, todavia, foi o de dar uma visão
ampla dos problemas doutrinários, mantendo-se, porém,
em estreitos limites. A documentação bibliográfica que I
se oferece, servirá para suprir as falhas da exposição e
facilitar a pesquisa dos mais doutos, no estudo de
I
árduos problemas, muitos dos quais apenas puderam ser
I
mencionados.
A matéria que compõe a primeira parte dêste tra­
balho, na parte que se refere a conclusões doutrinárias,
não representa, em regra, a opinião do autor. Sempre
que possível, foi seguida a ordem histórica de apareci­
mento das questões.
XII

Na segunda parte do trabalho está propriamente a


tese, exposta também de forma sintética, evitando o
autor a repetição de argumentos e idéias já suficiente­
mente expostos e debatidos na parte inicial.
i Ao fim do trabalho, está indicada a bibliografia geral
e especial, sobre cada parte da matéria estudada.

I
í

>
3

i
ÍNDICE

Primeira parte

EXPOSIÇÃO DOUTRINARIA

Ação

I , . lo C'-

Teorias sõbre a ação 5


Teoria naturalística 7
Teoria sintomática 11
Teoria normatica 13
Teoria finalista 17

Estrutura da ação 27
Vontade e sua manifestação . 28
Face externa do comportamento 30
Espécies de conduta .... 31
Crimes de mera suspeita . 33
Ação em sentido estrito . . . 34

Omissão 87
Causalidade da omissão . . 43
Estrutura da omissão . 52
Antijuridi cidade da omissão 55
XIV

IV

Evento 67
Crimes materiais e formais 74
Evento em relação ao objeto da tutela jurídica . 76
Dano 77
Perigo 80
Limitação do evento 84 i

Relação de causalidade 89
I Teoria da equivalência dos antecedentes . 92
I Teoria da causalidade adequada
Teoria da causa eficiente..................................
98
103
l A questão do nexo causal no direito positivo . 104
A causalidade no direio brasileiro . . . . 106

I
II 1
Tipicidade

Carater “fragmentário” do Direito penal 115

1 Conceito de tipo
A tipicidade e a doutrina italiana .
117
127

II 1
!1
Função e estrutura do tipo 131
1
Estrutura do tipo .... 134
Elementos normativos do tipo 138
Elementos negativos do tipo 150
t Ausência de tipicidade . . 153
Tipo de fato e tipo de autor 156
ii

i
XV

SSGUNDA PARTE

CONCLUSÕES

Conceito de conduta............................................ 163


Conduta e tipicidade............................................ 175
Ação e omissão.................................................. 177
Ação em sentido estrito................................. 181
Omissão.................................................................. 183
Crimes omissivos puros....................................... 134
Crimes comissivos por omissão...................... 185
Causalidade da omissão................................. 189
Evento.................................................................. 191
Relação de causalidade....................................... 195
Tipicidade............................................................. 199
Carater “fragmentário” do Direito penal . 203
Função do tipo.................................................. 203
Estrutura do tipo............................................ 204
Elementos normativos....................................... 207
Ausência de tipicidade....................................... 210
Tipo de fato e tipo de autor............................ 211
PRIMEIRA PARTE

EXPOSIÇÃO DOUTRINÁRIA

2
AÇÃO
1

TEORIAS SÔBRE A AÇÃO

1. O elemento básico e fundamental do conceito


de crime é o que se refere à conduta ou à ação.1 O
crime é, antes de tudo, ação ou comportamento através
do qual o homem se põe em contraste com as exigências
da ordem jurídico-penal. A análise do fato punível re- "
vela que êle é, essencialmente, uma conduta a que se
acrescentam os atributos a que se referem a tipicidade,
a antijuridicidade e a culpabilidade, características que,
(
1. Desejamos assinalar que a palavra ação é comumente
empregada como designação genérica do comportamento puní­
vel, abragendo, assim, o fazer (atuação positiva) e o não fazer
(omissão). A conduta positiva é a ação em sentido estrito. Esta
nomenclatura pode dar lugar a dúvidas, motivo pelo qual
muitos autores preferem falar em conduta ou comportamento,
para designar genericamente a ação e a omissão. É difícil, â
porém, evitar a palavra ação no sentido genérico, pois ela é ,
assim extensamente empregada pela doutrina. Ao leitor aten­
to não passará despercebido o sentido com que a palavra ação
será a seguir empregada, juntamente com as expressões con­
duta, comportamento e ação em sentido estrito. Observe-se, f
ainda, que nossa legislação desconhece um têrmo genérico,
referindo-se sempre às espécies ação e omissão, quando pre­
tende significar a atuação delituosa em qualquer de suas moda­
lidades (cf. arts. 11 e 51 Cód. penal).
6 Heleno Cláudio Fragoso

de certa forma, adjetivam o dado elementar que é o


comportamento.
A doutrina moderna reconhece, sem discrepâncias i
dignas de relêvo, que a ação é o dado objetivo primário
I da mais alta importância na teoria do crime, e é preci­
samente nesse terreno que hoje se travam os mais
i acesos debates e as mais disputadas controvérsias da
Ij j moderna dogmática jurídico-penal. Welzel chega a

dizer que a teoria da ação, por sua importância ético-
social no seu modo de ser jurídico, torna-se a própria I
teoria do crime. 2

2. Os clássicos não se ocuparam em analisar e pre­


cisar o conceito de ação, desconhecendo, pràticamente,
os problemas, que só começaram a despertar interêsse
quando o Direito Penal penetrou, a rigor, numa fase
científica. Limitavam-se, em regra, a expor e justifi­
car a necessidade de um ato externo como essencial
para a imposição de pena. Referindo-se a esta época
clássica, Radbruch, com muita propriedade, afirma que i
o conceito de ação deambulava como um espírito, sem
nome e sem forma, através do sistema penal 3. A “ma­
terialização” dêsse espírito foi realizada pela primeira
vez pelos hegelianos, em particular Abegg, Berner e
Koestlin, que identificavam a ação e a imputabilidade:
somente o que fosse imputável, em sentido jurídico, se-

2. Welzel, Studien zum System des Strafrechts, in


f ZStW, vol. 58, p. 947 (1938); Mezger, Tratado, vol. I, p. 172, afir­
ma que o que não é ação não pertence à teoria do delito, pois
ela se apresenta como fundamento estrutural da definição do
delito, cuja primeira característica é a ação.
i

3. Radbruch, Der Handlungsbegriff in seiner Bedeutung


! juer das Strafrechts system, 1904, p. 85.
Conduta Punível 7

ria ação. Êste entendimento resultava de considerarem i


que ação é expressão causal da vontade no fato, sendo \
êste o conteúdo da vontade, de modo que, sem impu- )
tabilidade, não poderia haver causalidade, e, portanto, \ >
ação. É através da imputabilidade que a ação penetra ]
no sistema do Direito Penal. 7

Teoria naturalista

3. Não tardou em surgir o chamado conceito na-


turalístico de ação, sob influência do positivismo filo­
sófico que dominava no último quartel do século pas­
sado. A ação é concebida, assim, como conduta volun­
tária que causa modificação no mundo exterior. Tal
conceito é puramente naturalístico, sendo estranho a
qualquer valor e excluindo qualquer apreciação norma­
tiva. Ação é posição de causa, e como tal, neste pri- '
meiro momento, isenta de qualquer valoração própria
do mundo do Direito. Por isso, esta teoria também se
chama causal.
Esta concepção remonta à obra de Liszt e Beling.
Êste afirmava que se deve entender por ação um com­
portamento corporal (fase externa, “objetiva” da ação),
produzido pelo domínio sobre o corpo (liberdade de ener-
vação muscular, “voluntariedade”, fase interna, “subje­
tiva” da ação); isto é, um comportamento corporal vo­
luntário, consistente já em um “fazer” (ação positiva),
ou seja, um movimento corporal, por ex. levantar a mão,
movimentos para falar, etc., já em um “não fazer”
(omissão), isto é, distensão dos músculos4. Liszt, por

4. Beling, Esquema (Grundzuege), p. 19. Em seu Die


Lehre vom Verbrechen, p. 11, Beling sustenta um conceito na­
turalístico de conduta, puramente formal e “incolor”, como
1

i
i
8 Heleno Cláudio Fragoso

seu turno, expressando esta concepção naturalística, en­


!
tendia que, em realidade, o que constitui crime resulta
sempre numa modificação do mundo externo material,
perceptível através dos sentidos, embora possa não ser
i visível, mesmo se tal modificação se limita, como de re­
gra nos crimes de palavra, ao movimento de vibrações
do ar e de processos fisiológicos no sistema nervoso de
quem é agredido 5.
O conceito naturalístico difundiu-se largamente,
penetrando na doutrina italiana e nos setores influen­
ciados por esta, especialmente na América latina. Va­
mos encontrá-lo na obra de Rocco: Per azione umana
si intende la volontaria produzione (azione positiva o
azione in senso stretto) o il volontario non impedimen­
to (inazione, omissione) d/i una modificazione del mon­
do esteriore (realtà estertore), A vontade era enten-
' dida, segundo Liepmann, como “aquêle fenômeno da
consciência mediante o qual estabelecemos causas”
A ação teria, assim, por componentes, (a) — a vontade;
(b) — a efetivação ou manifestação da vontade no
mundo exterior, através de um fazer ou não fazer, e,
s
j
mera posição de causa, devida a um ato de vontade. Uma
concepção naturalística aparece também em Meyer-Allfeld,
Lehrbuch, p. 98: “Por ação em sentido jurídico deve entender-
se o comportamento humano, voluntário e consciente, seja
através de movimento corpóreo com efeito no mundo exterior,
seja que êsse efeito resulte de omissão, no caso em que a
* ação seja esperada”. Binding censurava definições como esta,
chamando-as de injurídicas (unjuristischen), pois não incluem
a relevância jurídica do comportamento.
5. Von Liszt, Strafrechtliche Aufsaetze und Vortraege,
' 1905, vol. I, p. 222.
I
6. Rocco, Uoggetto del reato, p. 314/5.
Conduta Punível
9

(c) — o resultado dessa manifestação de vontade No-| -


te-se, porém, que o conteúdo da vontade permanece es-/
tranho ao conceito de ação. Basta apenas a certeza de\
que o agente atuou voluntàriamente, sendo irrelevante
o que quis. O conteúdo da vontade só terá importân­
cia na determinação da culpabilidade, a ser feita em
momento posterior7.
Contra a teoria naturalística objetou-se, porém, que
ela vê na ação apenas uma abstração de fatos, sendo
insustentável porque esquece o que é essencial na con­
duta, valorando como ilícito a simples relação causal;
que os efeitos causais de toda ação são intermináveis ê
que a omissão constitui uma não causação, e, portanto,
o oposto à ação 8. Tornava-se, assim, difícil compor o
sistema, pois um rígido enquadramento naturalístico e
causal da ação e de seu conteúdo psicológico conduzia
a dificuldades com os crimes culposos, e, especialmente,
com a omissão. Insurgiu-se Radbruch contra o enqua­
dramento de ação e omissão num conceito superior de
comportamento, que compreendesse ambas as formas
de atuação delituosa, pois não se pode colocar sob uma
categoria superior Posição e Negação (A e não-A). A
omissão pode ser querida, mas conceitualmente não

7. Mezger, Tratado, vol. I, p. 221: “Só a teoria da culpa­


bilidade suscita a questão relativa a se os efeitos do querer
foram conteúdo do querer e até que ponto o foram. Êste pro-
blema escapa à teoria da ação e interessa só mais adiante,
quando se trate de determinar até que ponto a ação é imputa- •
vel ao agente”. J
8. Mezger, Strafrechtsdogmatik, p. 12; Hellmuth MayerA
Strafrecht, p. 43; Maihofer, Der Handlungs begriff im Verbre- ■
chessystem, 1953, p. 11 e segs.; Bettiol, Dir. Pen., p. 186. Outras
críticas, mais violentas, foram movidas pela teoria finalista, '
como veremos.
I

10 Heleno Cláudio Fragoso

precisa sê-lo. “Assim como um conceito e seu contra­


ditório; assim como Posição e Negação, A e não-A, não
/ • podem ser colocados sob outro superior comum a êles,
do mesmo modo têm de aparecer a ação e a omissão
uma ao lado da outra e sem conexão entre si” Graf
f Zu Dohna, igualmente, tendo em vista que ação é a
! vontade objetivada (objektivierter Wille), concluía que
a única possível forma de culpa da ação é o dolo, afir­
X.
mando que não há culpa, stricto senso, em sentido
! naturalístico ou psicológico, mas somente em relação
a uma norma10. Ação culposa seria uma contradictio
( in adjecto. Em consequência, no crime culposo não
haveria ação, não sendo, assim, o crime, necessariamen­
te, ação. Entendia, também, a omissão como oposto
da ação, estabelecendo um paralelo entre a culpa stricto
senso e a omissão, que se refeririam aos conceitos corre­
lativos de dolo e ação, na mesma relação lógica. Todos
os crimes omissivos dolosos são ação, em sentido psico­
lógico. Os crimes comissivos culposos são, no mesmo
sentido, omissões (o que aqui se omite é a atenção e
diligência exigidas pela vida social). Concluía, assim,
que a violação da norma é a única característica geral
, válida, essencial a todas as ações puníveis 11.

9. Radbruch, Der Handlungsbegriff, p. 143, Cf., ainda


Engisch, Der finale Handlungsbegriff, in Festschrift fuer Kohl-
rausch, 1944, p. 145. Em outro trabalho, publicado muitos anos
mais tarde (Zur Systematik der Verbrechenslehre, in Festgabe
f fuer R. Frank, 1930, vol. I, p. 158), Radbruch entendia que um
' conceito superior poderia ser reconhecido na realização do
tipo (.Tatbestandsverwirklichung').
( 10. Graf Zu Dohna, Zur Systematik der Lehre vom Ver-
3 /brechen, in ZStW, vol. 27, p. 329/331 (1907).
11. p. 336: Die Normwidrigkeit ist also das einzige allge-
mein gueltige Merkmale, das allen strafbaren Handlung wesen-
Conduta Punível 11

O conceito naturalístico está hoje abandonado pelos \


autores na Alemanha, os quais sustentam uma con­
cepção normativa (social) ou finalista da ação. Na Itá­
lia, porém, muitos são ainda partidários da teoria natu­
ralística 11 bis, o que ocorre também entre nós 11 ter.

Teoria sintomática

4. Opondo-se à teoria naturalística, alguns auto


auto-­
res formularam uma teoria sintomática da ação, afir- '
mando ser esta um simples indício ou sintoma da per- \_
sonalidade do agente. Ferri afirmava que “existe em z
todo delito um aspecto causal (bem jurídico ofendido
ou pôsto em perigo), e um aspecto sintomático (peri-
culosidade de seu autor); porém este último reveste uma
importância prevalente, se é que a justiça penal deve
servir à defesa social, valorando, portanto, a potencia­
lidade ofensiva do sujeito, que pode ser distinta da gra­
vidade do delito” 12. Na mesma tendência de prevenção
especial, Tesar entendia que a conduta só tem signi­
ficado como meio para descobrir no autor determinada

tlich ist. Cf., ainda, na mesma tendência, Kollmann, Der symp-


tomatische Verbrechensbegriff, in ZStW, vol. 28, p. 449 (1908).
11 bis. Dali/Ora, Condotta omissiva e condotta permanen­
te nella teoria generale del reato, 1950, p. 10; Delitala, II fatto,
p. 124; Ranieri, Dir. Pen., p. 167; Manzini, Trattato, vol. I,
p. 599; Maggiore, Dir. Pen., p. 233.
11 ter. Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 288; José Frede­
rico Marques, Curso de Direito Penal, 1956, vol. II, p. 50; João
Bernardino Gonzaga, O crime de omissão de socorro, 1957, p. 30.
Cf., ainda. Soler, Der. Pen., vol. I, p. 297.
12. Ferri, Princípios, p. 289.
r
12 Heleno Cláudio Fragoso

disposição psicológica13. Kollmann, porém, apresen­


tava objeções mais sérias, afirmando que o conceito rea­
lista é insustentável, porque não há causalidade na
omissão e porque a ação e a omissão não podem rece­
ber os atributos de culpável e punível, que só ao agente
podem ser aplicados 13 b<s.
Contra a teoria sintomática, observava Rocco que,

I em face da incerteza dos sintomas, sua adoção impli­


caria na perda de todo critério objetivo no campo da
justiça penal, abrindo caminho a numerosos e gravís­
.1 simos erros e perigos14. Mezger, por seu turno, sem
discutir a possibilidade de utilização do critério pro­
posto pela teoria sintomática, afirmava que êle não é
o adotado pelo direito positivo. Não há dúvida de que
o direito positivo vigente apóia seu juízo desvalorativo
i

I sôbre a ação considerada como tal15.


Dada a grande importância que a periculosidade do
agente veio a assumir no Direito Penal moderno (me-
didas de segurança), o aspecto sintomático do crime
não pode deixar de ser considerado, sendo assim aco-

13. Tesar, Die symptomatische Bedeutung des verbreris-


chen Verhaltens, 1907; Der symptomatische Verbrechensbegriff,
in ZStW, vol. 29, p. 82 (1909). Ferri reivindica para os positivis­
tas a primazia, negando originalidade aos autores alemães
(Princípios, p. 131).
13 bis. Kollmann, Die Stellung des HandlungsbegriJf im
Strafrechtssystem, in StrAbh Heft 91 (1908); Der symptoma-
tische Verbrechensbegriff, in ZStW vol. 28, p. 449 (1908). Expo­
sição e crítica da teoria em Mezger, Tratado, vol. I, p. 195.
14. Rocco, L’oggetto del reato, p. 413.
/ 15. Mezger, Tratado, vol. I, p. 196. Veja-se ainda a crítica i
de Hegler, Die Merkmale des Verbrechens, in ZStW, vol. 36, I
I
p. 24, nota 13 (1915).
Conduta Punível
13
Ihido por muios autores16. É evidente, porém,
teoria da ação resulta do direito positivo, pois a a
mática Jurídico-Penal constitui a reconstrução
fica do direito vigente, de sorte que as observações t
muladas pelos partidários da teoria sintomática só A
dem ser consideradas no campo da Política Crimi^ j \
Como bem diz Maggiore, o Direito Penal consider^ 0 !
sujeito sempre sub specie actionis. i

Teoria normativa

5. Deitando raízes especialmente na filosofia dos


valores, surgiu a teoria normativa, segundo a qual a
ação é conceito de valor e finalístico, que não se esgota
numa simples posição de causa. Só é ação o atuar
consciente dirigido a um fim, não nos interessando, co­
mo diz Eberhardt Schmidt, como fenômeno fisiológico,

16. O próprio Rocco admitia o aspecto sintomático do


crime, reconhecendo mesmo uma importância sintomática
especial (do crime em relação à pessoa do agente) e uma im­
portância sintomática geral (da delinquência em geral, em
relação à sociedade em geral). Cf. Uoggetto del reato, págs. 406
e segs. e Lezioni, p. 161. Cf., ainda, Ranieri, Dir. Pen., p. 61;
Grispigni, Dir. Pen., vol. I, págs. 150 e 206; Florian, Trattato,
vol. I, p. 583 (afirmando que a teoria sintomática triunfou no
código Rocco): Ciò che vale è non la gravita del reato di per
sè, bensi la pericolosità del delinquente, df cui la materiale gra­
vità del reato è un coeficiente ed una manifestazione insieme.
Antolisei, em seu trabalho Uazione e Vevento nel reato, 1928,
p. 59, partindo de outras premissas, formula também uma teoria
sintomática: Non è azione soltanto Vatto volontario, ma qualsiasi
atto volontario o involontario, positivo o negativo, che dbbia
un valore sintomático per la personalità delVautore, che siq
“proprio” di lui, che possa dtrsi “suo”. O autor admitia a inexis­
tência de vontade na omissão culposa.
/
I
14 Heleno Cláudio Fragoso
(
sob o ponto de vista das ciências naturais, mas como
fenômeno social17. A modificação do mundo exterior
passa aqui a um plano secundário, adquirindo impor­
tância a valoração da conduta no meio social ou no
campo do direito.
Há aqui, realmente, duas tendências: uma mais am­

I pla e outra mais restrita. Uma em que a valoração da


conduta é dada pelo meio cultural e outra em que a
valoração é dada pelo direito. A primeira constitui um
conceito social de ação e a segunda, um conceito que
se poderia chamar de normativo, ou, mais propriamen­
te, jurídico. Um conceito valorado nesse último sen­
tido é o que nos ofereciam os antigos penalistas hege-
lianos, já que excluíam a conduta nos casos de ação
,j praticada por inimputável. O expoente máximo nessa
tendência, porém, foi Binding, segundo o qual ação,
para a ordem jurídica, não é mais do que realização
de vontade juridicamente relevante, de modo que, para
o jurista, o conceito de ação da linguagem comum, nem
sequer existe 18. No primeiro sentido, há uma acentua-

17. Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 153. Eberhardt Schmidt,


atualizando o Tratado de Von Liszt, após sua morte, alterou
sua concepção sôbre a matéria. Cf. também seu Der Artz im
Strajrecht, 1933, p. 75. Além de Eberhardt Schmidt, destaca-se
nessa tendência, Engisch. Cf. seus trabalhos, Der finale Han-
i dlungsbegriff, in Festschrift -juer Kohlrausch, 1944, p. 160 e
! Vom Weltbild des Juristen, 1950, págs. 380 e segs. Um conceito
social de ação vamos encontrar também em vários outros auto­
res, entre os quais Bockelmann, Mtttasch e Maihofer.

18. Binding, Handbuch, vol. I, p. 565 e Normen, vol. n,


p. 82. Conduta é contravenção à norma e desde o início é con-
I
- ceito jurídico. Não deve ser estabelecido naturalisticamente,
! \ mas derivado do de ilícito. Substancialmente de acordo,
I

I
Conduta Punível
15

ção do conteúdo finalístico da conduta, de modo que


para que se possa reconhecer uma modificação do mun­
do exterior, é necessário invocar certos valores sociais},/
na apreciação do fato10. v
Mezger ensaiou uma “justificação metódica”, para
assumir uma espécie de compromisso entre a teoria na-
turalística e a normativa. Em seu Tratado, contradi­
toriamente, afirma que, em última instância, o conceito
de ação, num sistema de Direito Penal, é um conceito-
-valor (p. 191). Todavia, coloca, ao início do sistema,
um conceito descritivo, livre de valoração, “natural” (p.
189), entendendo que os interêsses dessa disciplina exi­
gem que, de antemão, não se carregue aquêle conceito
valor com propriedades que fariam impossível enlaçar
com êle um estudo e a análise específica das diferentes
características do delito. Em outras palavras: o pró-

Schaffstein, Rechtswidrigkeit und Schuld vm Aufbau des neuen


Strajrechtssystems, in ZStW, vol. 57, p. 312. Censurando Binding,
Liszt dizia que, em sua definição, havia equívoco entre conceito
e objeto, abstração e realidade (Aufsaetze und Vortraege, vol. I,
p. 240). Para Binding, o inimputável não poderia agir. M. E.
Mayer, Lehrbuch, p. 102, observava que muitas absolvições são . \
pronunciadas pelos tribunais em relação a ações, que, segun­
do Binding, não existiriam em sentido jurídico.

19. Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 19, por exemplo,


definem ação como “comportamento corpóreo dominado pela
vontade”, esclarecendo, porém, que êste conceito não é natu-
ralístico, já que somente se pode saber se existe ação num
sucesso do mundo exterior, aplicando-lhe determinados valores
sociais (bestimmte soziale Wertungen). Assim, os crimes de
esquecimento (Vergesslichkeitsdelikte) entram no conceito de
ação. Esta concepção é hoje amplamente dominante na doutri­
na alemã.
16 Heleno Cláudio Fragoso

prio Direito Penal exige, em virtude de sua referência


à realidade mesma, que o conceito de ação seja estru­
turado e construído como “um conceito natural”, pois
I só assim pode servir de ponto de partida para o siste­
ma20. Já em seu Compêndio (Grundriss), publicado
em 1938, Mezger procura esclarecer que a origem da
ação jaz no mundo dos valores e das considerações fi­
nalistas, criando, assim, um conceito final de ação. Não
o suceder externo, não o fazer ou deixar de fazer exte­
!
riores fundamentam a essência própria do conceito de
i ação, que consiste no fato de que aquêle fazer ou dei­
xar de fazer são, um e outro, condutas endereçadas a
uma meta, a um fim, e como tal animados, impulsio­
nados pela vontade. “A problemática do conceito de
ação se resolve com o fato de que o direito positivo não
se edifica sôbre um conceito natural de ação, senão que
'• toma como ponto de partida uma conduta valorada”
(P- 46).

6. Respondendo à objeção de Radbruch e susten­


tando a unidade do sistema, Mezger afirma que as agu­
das observações feitas por êle esquecem que o fazer e
o omitir puníveis não são só conceitos contraditórios
i
i
de um suceder externo, senão também conceitos referi-

20. Cf., ainda, Studieríbuch, 49; Maihofer, Der Handlun-


gsbegriff im Verbrechenssystem, 1953, p. 8. A incongruência de
Mezger é assinalada por vários autores. Cf. Bettiol, Rilievi
metodologici sul concetto di azione, in Riv. It., 1940, p. 11;
Dali/Ora, Condotta omissiva, p. 17: Invero pare che un con-
cetto possa o essere inteso naturalisticamente o essere inteso
come concetto di valore. Rodriguez Munoz, na tradução do Tra-
\ tado, de Mezger, vol. I, p. 193. Petrocelli, Principi, p. 296, tam­
bém entende que nenhuma das teorias sôbre a ação, tomadas
em sentido absoluto e adotadas separadamente, pode reger.
Conduta Punível 17
dos a um valor. Em tal sentido apresentam o fazer e 0
omitir, com referência ao Direito Penal vigente, “ca-
racterísticas positivas comuns”, e especialmente a de
serem, tanto a ação como a omissão, condutas huma­
nas valorizadas de determinada maneira. Não se trata,
portanto, de simples Posição (P) e Negação (N), senão
de Posição (Pe) e Negação (Ne), com determinadas pro­
priedades, de sorte que é possivel a existência de um
conceito superior (Oe), que é precisamente a ação em
sentido amplo 21.

7. Em crítica ao conceito normativo de ação tem- i


-se afirmado que o arbítrio do legislador na fixação dos '
conceitos jurídicos tem limites, sendo imprescindível que'
êle tome em consideração certos elementos naturalís-
ticos básicos e que o conceito normativo não correspon­
de às necessidades do direito vigente, não podendo de­
sempenhar sua função como fundamento geral do cri­
me. Afirma-se, por outro lado, que buscamos estabele­
cer o conceito de ação, e não o de ação punível, não
sendo preciso recorrer a valores para constatar objeti­
vamente o movimento ou a inércia do corpo e, ainda,
que a valoração só é necessária para afirmar a ilicitude
da conduta, constituindo esta o elemento objetivo bá­
sico, que é precisamente o objeto do juízo de valor22.

Teoria finalista
8. A teoria finalista resultou de largo desenvolvi­
mento doutrinário, fundando-se na filosofia de N. Hart-

21. Mezger, Tratado, vol. I, p. 189.


22 Cf., entre outros, Maurach, Lehrbuch, p. 35 e Dau/Ora,
Condotta omissiva, p. 10 e segs.

3
18 Heleno Cláudio Fragoso

mann. Explicando o surgimento da teoria naturalista,


Welzel assinala que a teoria da ação aparece condicio­
nada por longo tempo, por pressupostos culturais do
velho positivismo naturalístico, que procurava reduzir
tôda a realidade às relações externas entre as coisas,
i transportando para o campo das ciências do espírito
os critérios e os métodos das ciências naturais 23. A teo­
;; ria naturalística contemplava a ação como simples pro­
cesso causal, constituindo uma concepção que Maurach

chama de pré-jurídica e que remontava à psicologia as-
sociacionista. Esta, como se sabe, teve grande voga no
século XIX, tendo a defendê-la grandes nomes como os
de John Stuart Mill e Herbert Spencer. Reduzia a
atividade do espírito a uma espécie de mecânica men­
tal, dêle fazendo pura receptividade 24. A teoria norma­
tiva, que se inspirava na filosofia dos valores, foi por
i
Welzel considerada puramente um complemento da
teoria naturalística, pois “a vontade da ação é tratada
| exclusivamente do ponto de vista causal, como uma
I
modificação do mundo exterior, enquanto o conteúdo e
o significado do querer, ou seja, o que é querido, vem
separado como pertencente exclusivamente à culpabili-
dade”20. Aqui está o ponto básico da teoria finalista:
o conteúdo da vontade integra o conceito de ação. Não

! i 23. Welzel, Naturalismus und Wertphilophie im Stra-


frecht, 1935, p. 3.
24. A. Cuvillier, Prècis de Philosophie, 1953, vol. I, p. 30,
afirma que foi em Taine que esta corrente, inspirada na analo­
i gia das ciências físicas, atingiu seu apogeu: a psicologia se
torna uma espécie de química mental, que deve decompor nossos
estados d’alma, como as ciências físicas decompõem os corpos
em elementos simples.
25. Welzel, Naturalismus, p. 64.
Conduta Punível 19

basta estabelecer apenas que houve vontade, pois assim /


a ação fica diluída, apresentando-nos esta teoria um
tronco, com extremidades bem construídas, mas sem
cabeça (Maurach), não passando de um fantasma (Wel-
zel) .
Concepções finalistas da ação aparecem também ;
sustentadas por outros autores, como Mezger, Hell- ,
muth Mayer, Schoenke, Schroeder, Nagler, etc., tendo '
em vista que não há querer humano sem finalidade20;»
mas o que caracteriza a teoria finalista é a introdução *
do dolo como parte subjetiva da ação 27. De notar-se, - Ã
porém, que o dolo aqui é o que se tem chamado de dolo
natural, ou seja, a simples direção da vontade, sem
qualquer conteúdo de reprovação ético-jurídica: a pos­
sibilidade de querer não depende da imputabilidade.
A palavra dolo já envolve a idéia de valoração jurídica
da vontade e é inadequada no caso, sendo empregada
à falta de outra. À culpabilidade fica reservado ape­ V
nas o juízo de reprovação e a consciência da ilicitude
da conduta.
A teoria finalista é o têrmo final de longo desen­
volvimento, que abalou profundamente a concepção na-
turalística e causal da ação e do crime. O têrmo ini­
cial foi a descoberta dos elementos subjetivos do ilícito,
que vieram destruir a harmonia do esquema proposto

26. Mezger, Strafrechtsdogmatik, p. 13: Der “Finalitaet” !


untersteht alies menschliche Wollen. Es gibt kein Wollen ohne ;
Zweck (Ziel); Massari, II momento esecutivo, p. 160: “Não é
concebível uma vontade que não tenha um fim”.
27. ] , Finalitaet, Vorsatz,
Niese . Fahlaessigkeit,
, 1951,
, p., 11: i /
______
“Como representante de uma teoria finalista efetiva no Direito I •
Penal, só pode ser quem considere o dolo na ação ilícita”. Cf., ;
no mesmo sentido, Maurach, Lehrbuch, p. 131.
20 Heleno Cláudio Fragoso

, por Beling. A teoria causal sofreu também grande


impacto com as idéias revolucionárias introduzidas pela
Escola de Kiel, que acentuava o aspecto subjetivo do i

crime, com o Direito Penal da Vontade (Willensstra- 1


frecht), passando a um plano secundário o sentido clás­
I sico de causação de ofensa a um bem ou interêsse ju­
rídico 28. Era, porém, tal corrente, expressão do regime
político vigente na Alemanha àquela época, tendo de­
I
saparecido com o Estado autoritário, pràticamente sem
! deixar vestígios. Ensejou, porém, uma reação contra o
í
primado incontrastável da concepção causal da condu-
J ta punível, com a obra de Hellmuth Weber e Hell-
-
muth Mayer. O primeiro demonstrou que existem fi-
‘ guras de delito em que a descrição do comportamento
anti-social faz-se em tipos que expressam uma atividade
causal e também em tipos que expressam uma ativi­
i
dade final, isto é, tipos em que o legislador toma em
consideração a vontade do agente, para submeter a
pena determinado comportamento dirigido a um resul­
tado (finale Taetigkeitsworte). No primeiro caso (kau-
sale Taetigkeitsworte) é proibido um comportamento
. que dá causa a um resultado. “Chegamos, assim, a um
I duplo conceito de comportamento: um objetivo e um
I
subjetivo. Àquele corresponde um Direito Penal do re­

sultado; a êste, um Direito Penal da vontade” 20.


Hellmuth Mayer, por seu turno, insurgiu-se con­
tra o que chamava de dogma causal, que êle próprio
i

/ 28. Heleno Cláudio Fragoso, Objeto do Crime, in Rev.


~ For., vol. 189, p. 55.
(
29. Von Weber, Zum Aufbau des Strafrechtssystems, 1935
p. 8 e Grundríss des Strafrechts, 1948, p. 55: Wir erhalten damit
einen doppelten Verhaltensbegriff: einen objektiven und einen
subjektiven. Jener entspricht dem Erfolgs —, dieser dem Wil-
lenstrajrecht.
Conduta Punível 21

definia: “O conteúdo do dogma causal que hoje domi­


na a construção dos tipos é o seguinte: considera-se
como protótipo de um delito a produção pelo agente
de uma modificação no mundo exterior, a qual supõe
a lesão de um bem jurídico” 30. Procurava mostrar os
problemas que esta concepção oferece, em relação aos
crimes comissivos por omissão, mostrando que muitas
infrações penais não podem, sem mais, ser considera-
das lesões consumadas de bens jurídicos, pois muitos [
tipos não são suscetíveis de serem compreendidos co- i V
mo simples processos de causação do resultado (p. 168).■
Desta elaboração surgiu a teoria finalista. Welzel
afirma que a finalidade e a causalidade são conceitos
ontológicos, constituindo uma lei estrutural do Ser e
do comportamento humano. Ação humana é exercício I < f
de atividade dirigida a um fim, sendo a ação, pois, ’ \
acontecimento final e não apenas causal. A finalidade
funda-se no fato do conhecimento causal do homem,
das possíveis consequências de sua atividade em deter­
minada extensão, dispondo, assim, de diversos fins, e
dirigindo o planejamento de sua atividade para obten­
ção dêsses fins. A pura causalidade não é dirigida a
um fim, mas simples resultante fortuita de precedentes
componentes causais. Figuradamente falando, a fina­
lidade “vê”; a causalidade é “cega”31. Censurando a

30. Helmuth Mayer, Dos Strafrecht des deutschen Vol- ,


kes, 1936, p. 163: “A utilidade da teoria causal já é muito du- ’
vidosa, porque sua base, o dogma da causação, introduziu-se \ z
furtivamente na época do positivismo legal, sem que, em abso-
luto, tivesse sido fundamentado”. O mesmo autor volta extensa­
mente ao assunto em seu Strafrecht, págs. 124 e segs.
31. Welzel, Strafrecht, p. 28 e Das neue Bild des Stra-
frechtssystems, 1957, p. 3.
1
22 Heleno Cláudio Fragoso

teoria naturalística, afirma ser ela “logicamente insus-


■ tentável e axiològicamente inaplicável”. Isto porque
' destrói a estrutura ontológica da ação, esquecendo a
1 função do dolo no Direito Penal. O dolo não pode ser
separado do acontecimento externo, pois pertence a êle
I como fator próprio finalístico que lhe dá forma. Não

basta a simples voluntariedade, pois esta não compre-
ende
pyi inteiramente a
Hp infpirQmpnto ç» nnãn como fpnnmpnn
ação nnmn fenômeno social 32.
cnrial 32

f Em sua formulação original a teoria parte do re­


conhecimento de que os crimes culposos e dolosos cons-
x tituem duas categorias independentes, apresentando es-
\ truturas ontológicas diversas, sendo a primeira causal
e, a segunda, final33. Assim, o sistema deveria ser di­
vidido de alto a baixo, em duas partes distintas, como
há muitos anos Graf Zu Dohna sustentara. Êste era
! o entendimento de v. Weber. Welzel, porém, procurou
subordinar a ação culposa e a dolosa ao conceito geral
de ação finalística, e aí surgiram as dificuldades, pois
i a ação culposa não é dirigida a um fim injurídico. Wel­
|
zel buscou resolver o problema afirmando que a finali­
dade nos crimes dolosos é atual, ao passo que nos cri­
mes culposos é potencial, pois êstes podem ser evitados
através de atividade finalística34. Esta concepção foi
objeto de críticas irrespondíveis 35. Não é possível con-

32. Welzel, Strafrecht, p. 32; Maurach, Lehrbuch, p. 137.


33. Cf. sôbre a matéria, Busch, Moderne Wandlungen der
Verbrechenslehre, 1949, p. 7.
34. Welzel, Das deutsche Strafrecht, p. 122.
35. Engisch, Der finale Handlungsbegriff, in Festschrift
fuer Kohlrausch, 1944, p. 141; Bockelmann, Ueber das Verhaelt-
nis von Taeterschaft und Teilnahme, 1949, p. 20; Mezger, Stra-
I
| frechtsdogmatik, p. 16, Studienbuch, p. 52 e Leipziger Kommen-
Conduta Punível 23

ceber a existência de ação culposa, qualificada pela fi-­ <!’


nalidade como potencialmente evitável, sem que isto en­
volva, desde logo, um juízo sôbre a culpabilidade. Im-
põe-se de pronto uma valoração que o juízo sôbre a
evitabilidade implica, de modo que nos crimes culposos
não é possível separar a culpabilidade da antijuridici-
dade36. Para evitar tais problemas, alguns chegam ao
ponto de pretender excluir os crimes culposos do Direito
Penal. Busch sustenta que a consideração do dolo e i
da culpa como formas da culpabilidade mostrou que os
crimes culposos, tanto do ponto de vista dogmático, \
como do da Política Criminal, constituem corpos estra- \
nhos (Fremdkoerper) no Direito Penal. Germann che­
ga a propor que a culpa stricto sensu seja abandonada
como forma da culpabilidade, e que os crimes culposos
passem a ser crimes dolosos de perigo ou sejam limita­
dos a meras contravenções37.
As críticas seríssimas que nesse sentido foram apre­
sentadas, terminaram por ser acolhidas pelos próprios
partidários da teoria finalista, como Niese e Maurach,
que propuseram uma nova formulação, a que veio ade-

tar, p. 8; Maihofer, Der Handlungsbegrifj im Verbrechenssys-


tems, págs. 38 e segs.; Grispigni, La sistemática del reato nella\ <
piu recente dottrina tedesca, apêndice em Dir. Pen., vol. II, \ \>
p. 299 (sôbre êste trabalho, cf. Welzel, in Riv. It., 1951, p. 136); \ y
Dall’Ora, Condotta omissiva, p. 20; Aníbal Bruno, Dir. Pen., I
vol. I, p. 293; Asúa, Tratato, vol. III, p. 313. Veja-se ainda a nota I
de Rodriguez Munoz, no Tratado, de Mezger, vol. I, p. 197.
36. Mezger, Strafrechtsdogmatik, p. 48. Welzel, Das deuts- '■
che Strajrecht in seinen Grundzuegen, 1949, p. 85, admitia, t
aliás: “Nos crimes culposos, a distinção entre a antijuridicidade
e a culpabilidade não tem objeto e é pràticamente impossível”. •
37. Buch, Moderne Wandlungen, p. 43; Germann, Das Ver-
brechen im neuen Strajrecht, 1943, p. 94, cit. por Busch.
24 Heleno Cláudio Fragoso

I , rir Welzel: tanto nos crimes dolosos como nos culpo­


!
sos, há ação finalística, pois em ambos os casos o autor
’ antecipa mentalmente um resultado38. No crime cul­
poso, porém, a finalidade é pura finalidade do Ser, um
real processo psicológico, que se refere a um resultado
que está fora do tipo (Niese). Que o resultado seja,
no primeiro caso, conforme ao tipo, e, no último, não
i conforme ao tipo, permanece sem influência para a teo­
ria da ação, à qual só é essencial que tanto nos crimes
dolosos como nos culposos haja vontade e sua efetiva­
ção. Nos crimes culposos a vontade se dirige a um fim
não típico e em regra juridicamente irrelevante (Mau-
rach).

As consequências da teoria finalista da ação afe­


tam todo o sistema. Já vimos que o dolo passa a fazer
parte integrante do ilícito objetivo, sendo característica
. subjetiva do fato, como um dolo naturalístico. A cul­
pabilidade nos crimes dolosos transforma-se em puro
l juízo de valor, integrando a consciência da ilicitude da
!
\ ação. A teoria do êrro, do concurso de crimes, de par­
ticipação acessória, da ação de inimputáveis, das causas
subjetivas de justificação (descriminantes putativas),
etc. é submetida a revisão, que em alguns pontos é pou­
co menos que revolucionária30.

38. Niese, Finalitat, Vorsatz, Fahrlaessigkeit, p. 43, obser-


» vou que a finalidade existe ou não existe, como ser e estado de
fato e que a finalidade potencial é típica valoração da culpa
■^íJ (typische Schuldbewertung): o conceito de finalidade potencial
\ é infimamente contraditório. Cf. ainda, Maurach, Lehrbuch,
p. 142: “Se uma ação é evitável, só com a culpabilidade pode ser
1
- verificado”.
|
39. Cf. Maurach, Lehrbuch, p. 141. Para exposição da teo­
ria, além da obra de Busch, cf. os trabalhos de Welzel, Um die
Conduta Punível 25

A teoria finalista tem sido vivamente criticada na


Alemanha e fora dela, sendo ainda uma doutrina em;
elaboração, representando, sem dúvida, uma vigorosa^ /
corrente da doutrina penal moderna, que oferece soluj- V
ção sedutora para muitos árduos problemas. As objel-
ções mais comuns são no sentido de que ela não corres­
ponde ao direito positivo 40, e também que torna im­
possível uma concepção unitária da culpabilidade, con­
duzindo a confusão desnecessária na teoria do crime.
Na Alemanha é indiscutível que a teoria progride, so­
bretudo entre os novos juristas. Na Itália, suas idéias
encontraram eco na obra notável de Bettiol, que, to­
davia, não ousou atravessar o Rubicon, introduzindo o
conteúdo da vontade na teoria da ação 41.

/inale Handlungslehre, 1949; Aktuelle Strafrechtsprobleme tm


Rahmen der jinalen Handlungslehre, 1953 e Das neue Bild des
Strafrechtssystems, 1957, bem como o seu valioso compêndio,
Das deutsche Strafrecht, eine systematische Darstellung, 1954.
40. Gallas, Zum gegenwaertigen Stand der Lehre vom
Verbrechen, 1955, p. 29; Engisch, Mezger Festschrift, 1954,
p. 132.
41. Bettiol, Dir. Pen., p. 189: È nel mondo dei valori che
Vazione va inquadrata e intesa. È un concetto che deve essere
esaminato in base a criteri di valore che non permettono di
prescindere da un elemento finalistico: solo chi opera per fini . /
cosciente compie un*azione nel vero senso delia parola. P. 190: '
II contenuto dal volere appartiene alia teoria delia colpevolezza, > z
non a quella deWazione. P. 191: Mesmo a ação culposa tem ele- »
mento finalistico, embora diverso daquêle que o agente causou.


II

ESTRUTURA DA AÇÃO

9. Uma vez expostas as várias teorias que visam


a estabelecer o conceito geral do comportamento puní­
vel, vamos submeter a análise a estrutura da ação. Os
elementos de que aqui se cogita são, em geral, três:
a vontade; a manifestação exterior ou efetivação da
vontade, e, o resultado da conduta, ou evento. Reina,
porém, grande divergência entre os autores. Graf Zu
Dohna, por exemplo, referindo-se a êstes elementos, afir­
ma que só nos crimes dolosos de resultado êles apare­
cem juntos: nos crimes omissivos puros não há lado ex­
terior evidente; nos crimes de pura atividade há apenas
um movimento corpóreo, sem resultado; nos crimes co-
missivos por omissão, um resultado, sem movimento
corpóreo ,2.

42. Graf Zu Dohna, Aufbau der Verbrecheiislehre, p. 14. O ;


autor afirma que excepcionalmente pode haver crime sem í
ação, como no caso da mãe que, no sono, atinge o próprio filho ■
que tem a seu lado: “não há qualquer possibilidade de estender
o conceito de ação para abranger também êstes casos”. \
Hellmuth Mayer, Strafrecht, p. 48, observa, porém, que neste
exemplo a ação punível existe no momento anterior, em que a
mãe, dolosa ou culposamente, deitou-se junto ao filho. “Por esta
ação, e só esta ação, é ela responsabilizada”. Para Maurach,
f

28 Heleno Cláudio Fragoso

Vontade e sua manifestação

10. A vontade, segundo o entendimento dominan­


te, é o conteúdo essencial do conceito de ação. É o
{ elemento psicológico, subjetivo, que caracteriza a ação
humana e a distingue dos acontecimentos do mundo fí-
. sico. M. E. Mayer dizia que o limite da vontade deve
ser o limite da ação43. Esta conclusão, porém, como ve­
remos, não é pacífica, pois muitos autores entendem que
à omissão a vontade não é imprescindível. Recente­
mente, Maihofer procurou destacar a vontade da teoria
>
da ação, para constituir a base da teoria da participa-
Ção, definindo a ação como comportamento humano so-
ciai. Para o conceito de ação bastaria o operar44.
i
A vontade, como coeficiente psíquico da conduta,
tem sido admitida em maior ou menor extensão. A de-

I
I
Lehrbuch, p. 173, evidentemente, as situações de sono e de in­
consciência tornam a ação impossível, resolvendo-se com os cri­
térios da actio libera in causa.
43. M. E. Mayer, Die schuldhafte Handlung und ihre Arten
im Strajrecht, 1901, p. 18.
44. Maihofer, Der Handlungsbegriff im Verbrechenssys-
■ tem, 1953, págs. 65 e segs.. Welzel afirma que, excluindo a vo-
! luntariedade do conceito de comportamento, Maihofer estabe-
j lece um conceito que é pré e sub-humano, compreendendo inclu-
i sive o comportamento animal (Strafrecht, p. 27). Antolisei,
Uazione e Vevento nel reato, 1928, págs. 59/60, entendendo que
i o coeficiente psíquico da ação non deve ravvisarsi nella volon-
tarietà delVatto, sibbene nelVattribuità delVatto al soggetto; in
i altri termini: nella “suità,” delVatto. Ecco il minimum sufficiente
per Vesistenza delVazione. Destacando a relevância excepcio-
/ nal da vontade, Maggiore, Dir. Pen., vol. I, p. 241, afirma: noi
{ i crediamo che a nessun costo in un diritto penale, a base ética.,
<5 si debba uscire dal concetto di volontà, che è assolutamente
I! fondamentale.
Conduta Punível 29

finição de Liepmann, que já recordamos, segundo a qual


a vontade é aquêle fenômeno da consciência mediante
o qual estabelecemos causas, é extremamente estreita
e dificilmente poderia ser aplicável a todas as espécies
de conduta delituosa. Liszt também acolhia uma con­
cepção mecanicista, ao sustentar que “o querer que ca-
racteriza a manifestação de vontade, e portanto a ação,
significa aqui apenas o impulso da vontade (Willen-
simpuls). Fisiològicamente é a enervação e psicologi­
camente é aquêle processo consciente através do qual
causamos algo”44 bis.
A regra que aqui se estabelece é a de que a ativi­
dade ou a inatividade deixam de ser ação quando não
podem ser referidas à vontade como sua causa (Graf
Zu Dohna) , porém, mais prudentemente, vários autores
alargam esta referência. Assim, Welzel ensina que a
voluntariedade, em relação ao comportamento, deve en-
tender-se não circunscrita ao efetivo empreendimento de
um ato de vontade, mas ao poder de dominação da ati­
vidade ou passividade corpórea através da vontade 45.

11. Se a vontade condiciona a existência da con­


duta, não há ação onde falta êste coeficiente psicoló­
gico, ou seja, no caso de movimentos que se processam

44 bis. Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 155. No mesmo sentido,


Delitala, II fatto, p. 145. Binding, Normen, vol. II, p. 819, igual­
mente, afirmava: querer é causar {Wollen ist verursachen).
45. Welzel, Strafrecht, p. 27. No mesmo sentido, Maggio-
re,Dir. Pen., p. 241: Azioiie è insomma non solo Vatto volontario,
ma non involontario: non inibito cioè dalla volontà, quando
poteva e doveva essere inibito. Aníbal Bruno, Pen., vol. I,
p. 290: “A vontade que constitui elemento do conceito de
crime é apenas aquela necessária para fazer do comportamen­
to um ato próprio do agente”.
r‘’-'

\/

I u
<

i 30 Heleno Cláudio Fragoso

sem intervenção da consciência, devidos a estímulos fi­


siológicos, como nos movimentos reflexos (espirros, vó­
mitos, etc.). A doutrina, porém, pacificamente admite
que há conduta punível nas chamadas ações em curto-
i
| -circuito e nos atos automáticos (resultantes de prolon-
I
F' gada repetição dos mesmos movimentos), embora se
7; trate, em regra, de conduta involuntária e inconsciente.

Afirma-se que podem tais ações ser controladas pela
atenção, o que basta para que constituam ação puní­
vel -10.
IB Face externa do comportamento

12. Ao comportamento humano é indispensável po­


der referir um acontecimento externo, pois a simples
voluntariedade não basta. A simples cogitação somente
I pode interessar às normas éticas ou religiosas 47. É con­
quista antiga do Direito Penal a exigência de ato ex-
terno como elemento indispensável para a existência de
I
um crime. Êste princípio tem sido expresso, especial­
mente pelos partidários da teoria naturalística, com a

fórmula da modificação do mundo exterior. Liszt di­
r zia que ação é comportamento voluntário no mundo ex­
terior, ou, mais propriamente, modificação sensível
(Sinnfaellige) do mundo exterior através de um com­
portamento voluntário, seja tal modificação causada

I ’
j 46. Entre muitos outros, cf. Mezger, Tratado, vol. I, p. 215;
—Maggiore, Dir. Pen., vol. I, p. 239.
47. É famosa a regra de Ulpiano, contida no Digesto: co-
i ! gitationis poenam nemo patitur (D. 48.19.18). Os glosadores for­
mularam a regra: Statuti puniunt factum et non animum. Em
V alemão há um ditado antigo, que reza: pensamento não paga
I ” I imposto (Gedanken sind Zollfrei).
I

I
1
Conduta Punível
31
por um fazer ou por uma omissão48. Sabatini r-
P°rém,
sustentava que não é indispensável uma modificação
do
mundo exterior, como manifestação da conduta penal
mente relevante: “O caráter comum da ação e da omis'
são é o de determinar uma situação an tijurídica no
mundo exterior, modificando-o quando a lei comanda
deixá-lo imudado, e deixando-o imudado quando a lei
impõe o contrário•”40. Outros preferem falar em efeti-
vação da vontade 50, o que torna mais fácil compreen-
der a ação e a omissão como espécies de um conceito
superior de conduta.

Espécies de conduta

13. A norma incriminadora pode apresentar uma


proibição (como no crime de homicídio) ou uma ordem

48. Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 154; Meyer-Allfeld,


Lehrbuch, p. 98. Rocco, L*oggetto del reato, p. 314, seguindo a
Liszt, falava também de modificazione del mondo esteriore e
de estrinsecazione o mxmifestazione di volontà, come volontà
obiettiva (p. 315). Cf. também Asúa, La ley y el delito, p. 260.
Uma variante desta concepção é a que foi introduzida pelos
que defendem a teoria normativa: a modificação é, no mundo
social exterior, o que exclui que se trate de modificação pura­
mente física.
49. Sabattni, Istituzioni, vol. I, p. 263. Cf. também Graf zu
Dohna, Aufbau der Verbrechenslehre, p. 14, e seu Zur Syste-
matik der Lehre vom Verbrechen, p. 343. Liepmann, ZStW, vol.
22, p. 74, também substitui a modificação do mundo exterior
pela modificação do mundo jurídico (Veraenderung der Re-
chtswelt).
50. Maurach, Lehrbuch, p. 147: Os componentes da ação ! >
são: a vontade e a efetivação da vontade (Willensbetaetigung).
Graf zu Dohna, Aufbau der Verbrechenslehre, p. 14: Ação é •
r ■

32 Heleno Cláudio Fragoso

(como no crime de omissão de socorro). São, assim, os


crimes classificados em comissivos e omissivos, segundo
violem uma proibição ou uma ordem, sem que esta clas­
sificação implique em comportamento ativo ou negativo.
. Pode um crime comissivo ser praticado por um fazer ou
* por um não fazer; pode um crime omissivo ser praticado
« por um fazer (ação diversa) ou por um não fazer (ina-
) tividade corporea). Esta concepção está longe de ser
pacífica, pois muitos entendem que em tôda omissão há
i;
inobservância de uma ordem ou um comando de agir.
Vigorosa corrente procura hoje distinguir, com
l maior ou menor rigor lógico, a ação e a omissão do fazer
/ ou não fazer. A atividade ou inatividade são expressões
I naturalísicas do comportamento, ao passo que ação e
omissão são formas de violação da norma: só em face da
I norma é possível saber se estamos diante de uma ação
ou de uma omissão. O problema projeta-se, assim, no
/ plano da tipicidade, onde deve ser resolvido. Ação e

omissão constituem valorações jurídicas da conduta 51.

i essencialmente efetivação da vontade (Handlung ist wesentlich


Willensverwirklichung); Binding, Normen, vol. I, p. 92.
51. Esta colocação aparece com bastante clareza em al­
guns trabalhos de Mezger (Grundriss, p. 52 e Studienbuch,
p. 47), mas vamos encontrá-la também em Hellmuth Mayer,
! Strafrecht, p. 111; Sauer, Strafrechtslehre, págs. 59 e 78; Eber-
hardt Schmidt, Der Arzt im Strafrecht, 1939, p. 79; Exner, Franx.
h'
I i Festgabe, vol. I, p. 586. Na Itália, no mesmo sentido, Grispigni,
Dir. Pen., vol. II, p. 29. Ela repousa no entendimento básico
de que a norma ora se apresenta como uma proibição, ora como
uma ordem. Esta concepção é amplamente dominante entre os
V autores alemães. A objeção de que tôda proibição reduz-se a
uma ordem, e vice-versa (que aparece reproduzida em vários
autores), remonta a Kelsen, Hauptprobleme der Strafrechts­
lehre, 1911, p. 669. A idéia original provém de Binding, Normen,
vol. I, p. 108.
Conduta Punível 33

Crimes de mera suspeita

14. As espécies de conduta punível que a doutrina


contempla são a ação em sentido estrito e a omissão.
Todavia, nem sempre a ação e a omissão têm sido enten­
didas como as únicas formas do comportamento punível.
Manzini procurou introduzir a categoria de crimes de
mera suspeita, os quais consistiriam em simples situação,
que por si não constitui atuação positiva ou negativa.
Incrimina-se a situação apenas pela suspeita que provo- |
ca. Fatos puníveis desta natureza seriam as contraven-
ções previstas nos artigos 707 e 708 do Código Rocco, os
quais punem a posse de chaves alteradas ou falsificadas
e petrechos para arrombamento, bem como a posse
suspeita de dinheiro e objetos de valor. Afirma Manzini
que a posse não é ação nem omissão, mas situação, e V*"
que a origem ou causa de tal posse não tem eficácia cons­
titutiva52. O grande prestígio de Manzini suscitou o
debate sôbre a questão e várias objeções foram apre­
sentadas.
Petrocelli, mostrando que os exemplos apresenta­
dos eram reminiscência de antigas leis de polícia mal
elaboradas, afirmava que ao Direito Penal não interessa,
nem pode interessar, que surja uma suspeita; somente
pode interessar que se faça existir uma conduta, positiva
ou negativa, capaz de fazê-la surgir. Por outro lado, é
evidente que não é possível conceber sanção onde não

52. Manzini, Trattato, vol. I, p. 602. Raros foram, os se­


guidores de Manzini. Entre êles estão Bellavista, I reati senza
azione, 1937, que admite a existência de crimes de posição, e o
nosso Benjamin Moraes, Crimes sem ação, 1941, que reconhece
crimes desta espécie na incriminação de fatos como “ter em
depósito” (art. 277), “trazer consigo” (art. 281), etc.

4
'l I-

it

*i 34 Heleno Cláudio Fragoso


!
i I haja infração de um comando53. Outros autores enten­
í
i
dem que a própria posse constitui ação 54; que a posse
i •I pressupõe a ação 55, ou que constitui uma presunção de
ação 5C. Outros ainda afirmam que aqui a lei, embora
se refira a condição ou situação, incrimina verdadeira­
í mente uma atividade: a de nela colocar-se ou a de nela
permanecer, havendo, assim, conforme o caso, uma ação
*■ • * ou uma omissão57.

■- I
Ação em sentido estrito

/ 15. A conduta positiva, segundo a doutrina domi­


nante, é aquela em que a manifestação da vontade se
' realiza através de um movimento ou de uma atividade
*■ corporal. Alguns, porém, entendem que ação não é
|l‘ 1 apenas a conduta dinâmica, podendo também expres-
ií i sar-se de maneira estática, como na hipótese da invasão

53. Petrocelli, Principi, p. 320. Bettiol, Dir. Pen., p. 193,


também observa que o ilícito penal pressupõe a violação de
uma obrigação, que só pode ocorrer enquanto o agente opera.
ll I
: 1 54. Pannain, Manuale, p. 221; Antolisei, Manuale, p. 153.

55. Maggiore, Dir. Pen., p. 239; Nelson Hungria, Comentá­


rios, vol. I, p. 189; Florian, Trattato, vol. I, p. 590; Hellmuth
\ Mayer, Strafrecht, p. 45.
í
56. Battaglini, Dir. Pen., p. 170; Bettiol, Dir. Pen., p. 192.

57. Mezger, StrajrechtsdogmativL, p. 22: Sich-in-den-Zus-


tand-versetzen oder Im-Zustand-bleiben. Veja-se, ainda, as crí­
ticas de Santoro, Dir. Pen., p. 129; Grispigni, Dir. Pen., vol. II,
4
p. 27; Baglivio, Sui reati di mero sospetto, in Scuola Positiva,
] 1932, p. 548; Delitala, II fatto, p. 139; Pérgola, II reato, 1930,
p. 287; Asúa, Tratado, vol. III, p. 381.
Conduta Punível 35

de domicílio, na forma de permanecer58. Esta con­


cepção é, todavia, rara, afirmando-se em regra que a
conduta positiva constitui um facere, ou seja, um mo­
vimento corpóreo (Koerperbewegung) ou um movimento
muscular, no qual se expressa a manifestação de von­
tade 50.
Pela sua alta relevância, veremos a seguir, destaca- i
damente, os problemas que nos apresenta a teoria do j
evento e da omissão. /

58. Cf. Pannain, Manuale, p. 210: Non è azione soltanto


rattegtamento dinâmico ma anche Vattegiamento statico; per
esempio, si commette violazione di domicilio sia colVintrodursi,
sia col trattenersi; il trattenersi non è omissione, ma azione
positiva di natura statica. De acordo: Aníbal Bruno, Dir. Pen.,
vol. I, p. 292; Vannini, Istituzioni, p. 91. A doutrina ampla- L /
mente dominante reconhece naquela espécie de invasão de do- \
micílio uma omissão. Cf. Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. •'
399 {Der Hausfriedensbruch ist dann Unterlassungsdelikte).
Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 62, nota.
50. Antolisei, Manuale, p. 153; Florian, Trattato, vol. I.
p. 586; Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 28 {movimento corporeo
esterno, percepibile dagli altri, sia dagli arti, sia delle altri
parti del corpo); Bettiol, Dir. Pen., p. 187; Liszt-Schmidt,
Lehrbuch, p. 161 (causação de um resultado através de movi­
mento corpóreo voluntário); Meyer-Allfeld, Lehrbuch, p. 105;
Graf Zu Dohna, Aufbau der Verbrechenslehre, p. 14; Mezger,
Studienbuch, p. 49. Para Helmuth Mayer, Strafrecht, p. 113,
a inatividade corpórea constitui, juridicamente, um fazer e
um comportamento ativo, quando exige a mesma quantidade
de energia volitiva (Willensenergie) contrária ao direito, que
a atividade positiva. A mãe que deixa de alimentar o filho,
portanto, não pratica uma omissão, mas uma ação {Tun). i
Decisivo seria o uso comum da linguagem {natuerliche Sprach-
gebrauch), que nesse caso afirma que a mulher mata. Asúa,(
La ley y el delito, p. 269, também entende que naquele exem­
plo não há omissão, mas crime puramente comissivo. É evi- '
dente que concepções como estas levariam à perda de todo cri­
tério objetivo nesta importante matéria.
III

OMISSÃO

16. A omissão punível tem dado ensejo a graves


disputas doutrinárias, constituindo um dos temas mais
difíceis e uma das questões mais tormentosas da ciência
do Direito Penal. Os autores antigos não cogitavam da :
omissão como princípio geral, dela tratando apenas com
referência a alguns crimes (homicídio, infanticídio, V,
omissão de denúncia de um crime, omissão de auxílio } '
em caso de perigo, etc.). Os praxistas italianos, aliás,
entendiam que o crime praticado por omissão deveria
ser mais brandamente punido, idéia que aparece também
em Carpzóvio e outros praxistas alemães (Delictum quod
in faciendo consistit, gravius est et gravius punitur eo
quod in omittendo consistit)co. A causalidade da omis-

60. A punibilidade mais branda da omissão é, assim, uma


idéia antiga, que ressurge em muitos autores modernos, como
Mezger, Tratado, vol. I, p. 316; Hoepfner, Zur Lehre vom Un-
terlassungsdelikte, in ZStW, vol. 36, p. 118 (1915); Guarneri,
II delitto di omissione di soccorso, 1937, p. 34 (menor capaci­
dade de delinquir); Santoro, Circostanze, p. 108 (menor res­
ponsabilidade). O projeto preliminar de código penal italiano,
de 1949, acolheu esta idéia, facultando a diminuição de pena
(art. 20), tendo em vista a menor culpabilidade do réu. Mui­
tos autores, porém, apresentam reservas à tendência de punir
38 Heleno Cláudio Fragoso

são, igualmente, não era problemática para Feuerbach


e os autores de sua época, bem como para os que os pre­
cederam. Boehmero afirmava: omissio non minus even-
tum noxium prodxiLCit, quam commissio 01
Os problemas começaram a surgir com as questões
propostas pela teoria da causalidade, ou seja, da impu­
I i tação física, e com a determinação mais rigorosa do con­
r. ceito de ação_ punível. A bibliografia existente sôbre a
I
I matéria é muito extensa, fruto de largo debate que
muitos consideram inútil e infrutífero.
í ?!
! 17. Geralmente, afirma-se que existem duas espé-
eics de crimes omissivos, tendo sido Luden o primeiro a
f j distinguí-las nitidamente02. Crimes omissivos próprios
ou puros são aquêles que consistem na simples violação
•' I’ de uma ordem. Omissivos impróprios ou comissivos por
omissão seriam os crimes que se concretizam na violação
de uma proibição através da abstenção de uma ati­
1 I
vidade. 03

mais levemente o crime omissivo. Cf. Battaglini, Dir. Pen.,


p. 167; Dall’Ora, Condotta omissiva, p. 109; Armin Kaufman.
Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte, 1959, p. 300 (veja-se,
porém, os autores por êle citados — p. 301 —, favoráveis à
atenuação: Danm, Drost, Kern, Kissin, Nagler, Roeder, Sauer,
Traeger, Bockelmann, Jescheck, Lange, Roesch, Sieverts, Gal- 1
íI / las e Welzel) . A idéia básica é a de que, contràriamente à
omissão, a atividade exige resolução e o ato potencial, sendo
~ ■ menor o merecimento de pena (.Strafwuerdigkeit).
|l 61. Cf. Clemens, Die Unterlassungsdelikte in deutschen
Strafrecht von Feuerbach bis zum Reichsstrafgesetzbuch, in

i StrAbh, Heft 149 (1912).


íi 1 • 62. Luden, Ueber den Tatbestand der Verbrechen, 1840,
p. 259.

63. As duas espécies de crimes omissivos são considera­



das muito diversas, apresentando diferente estrutura e de-
Conduta Punível 39

O problema básico que aqui se apresenta é o seguin­


te: a omissão é uma realidade, um fato externo, perceptí-
vel através dos sentidos (concepção naturalística), ou
é apenas uma criação da lei e como tal uma irrealidade
espacial, que somente surge em face de uma exigência
estabelecida por uma norma (concepção normativa)?

vendo ser separadas distintamente, tanto no plano da dogmá­


tica, como para efeitos práticos. Cf. Nagler, Leipziger Kom-
mentar, p. 33 e Maurach, Lehrbuch, p. 167. Para Grispigni,
Dir. Pen., Vol. II, p. 50, a conduta omissiva dá lugar a três r
formas de crimes: (a) — crimes de mera conduta omissiva;
(b) — crimes de omissão de evento; (c) — crimes comissivos 1
mediante omissão. Entende que haveria crimes de comando
de ação e de comando de evento, sendo êstes últimos normas i
em que o preceito consiste no comando de causar uma deter­
minada modificação do mundo exterior. Manzini, por seu
turno, admite a existência de crime omissivo mediante ação,
que Battaglini, Dir. Pen., p. 167, julga admissível quando a
própria lei prevê uma ação como causa da não verificação de
um evento comandado (como na contravenção do art. 702 do
Código Rocco: permitir que pessoa menor, incapaz ou inexpe­ I
riente, porte ou leve arma). Contra esta concepção, obser­
va-se que, se o comando se refere ao evento, a norma penal
exige a ação em vista de sua capacidade causal, enquanto
serve a impedir a superveniência do evento (Guarneri, II de-
litto di omissione di soccorso, 1937, p. 24). Petrocelli assinala
também que para o direito só tem relevância, em tais hipó­ !
teses, o não cumprimento dos atos que se devia cumprir (Prfn- I
cipi, p. 303), e que não existem comandos (ou proibições) de
eventos, mas, somente, de ações (p. 301). Sôbre a questão der I
saber se nos crimes comissivos por omissão há violação de i
uma proibição ou de uma ordem, cf. Von Hippel, Strafrecht,
vol. I, p. 154. Mezger, no Tratado, vol. I, p. 294, afirma que
esta controvérsia não tem importância. No Studtenbuch, p.
64, sustenta que em tais crimes há, ao mesmo tempo, violação
de uma ordem e de uma proibição, impostas pela norma: o
agente não faz o que deve fazer e assim conduz a um resul­
tado que não deveria causar.
r 40 Heleno Cláudio Fragoso

O desenvolvimento doutrinário desta indagação proces­


sou-se com o estudo da causalidade nos crimes comissivos I
por omissão, matéria que desde logo preocupou os
autores.
i
Os partidários da teoria naturalística sustentam que
a omissão é uma forma de comportamento que se encon­
tra na natureza, podendo ser constatada através dos
sentidos, sem qualquer necessidade de se recorrer à
I norma. Esta tem somente a função de atribuir relevância
jurídica à omissão. Aníbal Bruno entende que “como
a ação em sentido estrito, ela é um comportamento vo­
ií luntário, manifestação exterior da vontade do omitente, I
que, embora não se realize com a materialidade de um
l•

movimento corpóreo, não deixa de ser uma realidade
que percebemos com a evidência de um acontecer objeti­
• f! vamente realizado. Êste é o elemento naturalista da
omissão”04. Assim sendo, poder-se-ia afirmar que a
conduta consiste na atividade realizada em dado mo­
1 mento e mais na omissão de tudo aquilo que, no mesmo
momento, o sujeito não fêz.
Contra esta concepção naturalista objetou-se que
não pode haver omissão em si05. Omissão não é simples
I !
!
i
64. Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 302; Dall’Ora, Con-
dotta omissiva, p. 79; JoÃo Bernardino Gonzaga, O Crime de
omissão de socorro, p. 31; José Frederico Marques, Curso, vol. II,
p. 59; Carnelutti, Teoria, p. 189; Maggiore, Dir. Pen., vol. I,
\ p. 267.
J
I 65. Welzel, Strafrecht, p. 147: Es gibt keine Unterlas-
sung “an sich”, sondem nur die Unterlassung einer bestimmter
II i Handlung. Respondendo a Dall’Ora, Gallas, Zum gegenwaer- i
ii! tigen Stand der Lebre vom Verbrechen, 1955, p. 9, agudamente
Iu • observa que a omissão não pode resultar de uma simples cons­
tatação do comportamento realizado, mas de uma comparação
entre a conduta que se observa e aquela que se imagina.
Conduta Punível
41
não fazer, mas não fazer algo, de sorte que só é possí
a idéia de omissão em relação a um têrmo de referência
Como tal, não tem a omissão realidade, surgindo apenas
em face de uma ação esperada »«, devida ou imposta por
uma norma, de qualquer natureza. Realidade tem
apenas a inércia. A omissão surge de um juízo que
constata que a ação esperada, dentro de certo ponto de
vista, não se realizou 67. Esta é a chamada teoria nor­
mativa, que, em última análise, somente reconhece a
existência da omissão referindo a inatividade a uma nor-

66. Mezger, Tratado, vol. I, p. 288; Antolisei, L’obbligo


di impedir e Vevento, in Scritti di dirttto penale, 1955, p. 300;
Meyer-Allfeld, Lehrbuch, p. 115.
67. Graf Zu Dohna, Aufbau der Verbechenslehre, p. 21;
Vannini, I reati commissivi mediante omissione, 1916, p. 13:
L’omissione non è una realtà. Non è una realtà come fenó­
meno esterno, non è tale neppure come fenomeno psicologico;
reale à soltanto la rappresentazione che Vomtttente ed i terzi
subiscono dalla omissione stessa. Ma Vomissione in sè consi-
derata sfugge dal campo del reale... non è una realtà tem-
porale o spaziale. Bettiol, Dir. Pen., p. 196: Naturalistica-
mente parlando, Vomissione è un “nihil”. Ciò che ha rile-
vanza è solo il giudizio. Mezger, Tratado, vol. I, p. 293: “Não
o omitente, senão quem, julga, dá realmente vida à omissão”;
Kollmann, Die Stellung des Handlungsbegriff im Strafrechts-
systems, in StrAbh, Heft 91 (1908), p. 37. Radbruch, Hand­
lungsbegriff, p. 131. Mesmo alguns partidários da teoria nor­
mativa opõem-se à idéia de que a omissão é apenas um juízo,
reconhecendo uma realidade ou um fato externo na não rea­
lização da ação esperada ou da ação que se deveria realizar.
Cf. Gallas, Zum gegenwaertigen Stand der Lehre vom Ver-
brechen, p. 11 (sozialen Realitaet); Pannain, Manuale, p. 216.
Petrocelli, Principi, p. 304, afirma, no mesmo sentido: “Não
é possível negar que a omissão seja uma realidade e susten­
tar que se reduza a um juízo de nossa mente”. De acordo:
Antolisei, Manuale, p. 178; Manzini, Trattato, vol. I, p. 597;
Battaglini, Dir. Pen., p. 168; Maggiore, Dir. Pen., vol. I, p. 265.
I

42 Heleno Cláudio Fragoso

1' i ' ma e identificando-a na não realização de um dever ju­


rídico C8. r'

!
À teoria normativa censura-se o fato de antecipar o
' juízo de ilictude; de tornar a omissão parte da teoria da
antijuridicidade, pois só esta pode dizer quando uma
I ação é esperada ou devida, o que depende do dever jurí­
dico de agir °9. Afirma-se, por outro lado, que faz da
omissão o produto de um juízo de outrem, e não uma
r
realidade existente por si mesma70. \
Realmente, alguns partidários da teoria normativa
i deslocam a omissão para o campo da antijuridicidade,
i
entendendo que somente aí pode ela ser entendida.
I Mezger afirma que, dentro de uma concepção rigorosa­
mente sistemática, a omissão pertence à antijuridicidade

I' i
f
I
68. A teoria normativa é hoje amplamente dominante.
Cf., além dos autores já mencionados, Grispigni, Dir. Pen., vol.
II, p. 30; Bettiol, Dir. Pen., p. 196; Ranieri, Dir. Pen., p. 172;
Santoro, Dir. Pen., p. 138; Pannain, Manu ale, p. 214; Sabatini,
i! Istituzioni, vol. I, p. 293. Na Alemanha, pràticamente não se
i cogita de uma concepção naturalista da omissão. São poucos
os autores que se opõem à teoria da ação esperada (Erwartungs-
theorie). Entre êles estão M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 108; Wel-
zel. Strafrecht, p. 148; Armin Kaufmann, Die Dogmatik der
i
Unterlassungsdelikte, 1959, p. 56. Êste último afirma que a
teoria tem caráter puramente metafórico (metaphorische Cha-
i rakter). Welzel entende que a teoria não é correta, porque
J há omissão mesmo nos casos em que a ação não era esperada
por aquêle a quem beneficiaria. É evidente, porém, que não é
nesse sentido que se fala em ação esperada. O esperar aqui
j
é uma categoria que independe do juízo de qualquer indi­
víduo, constituindo uma exigência objetiva da ordem jurídica.
í T A propósito, com precisão, Gallas, Zum gegenwaertigen Stand
der Lehre vom Vefbrechen, p. 10.

69. Dall’Ora, Condotta omissiva, p. 26.

70. Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 302.


Conduta Punível «/WX
e só para fins didáticos pode ser situada na teoria da
ação71. Grande parte da doutrina vem reconhecendo \ **
que os problemas da omissão situam-se realmente no í
plano da antijuridicidade e não no da causalidade72.

Causalidade da omissão

18. Como dissemos, foi em face da teoria da causa­


lidade que se apresentaram os primeiros problemas da
omissão, os quais surgiram com os crimes comissivos por
11
i
omissão. Nestes, um resultado externo é atribuído ao
agente como consequência de sua conduta omissiva. Se
a omissão é um nada, um nihil, como pode causar um
resultado? Do nada, nada pode provir. Ex nihilo
nihil fit.
A mais antiga das respostas dadas àquela indagação
foi formulada por Luden, e constitui a teoria do aliud
agere (Andershandeln). A omissão se concretiza na ativi-' \
dade positiva que o agente realiza enquanto omite a ação V
delituosa. Esta teoria teve grande sucesso. Delitala,
por exemplo, afirmava que a essência da omissão consis­
te num aliud facere, e, invocando Massari, entendia que i

ela constitui uma ação inversa à que se podia e devia !

71. Mezger, Strafrechtsdogmatik, p. 16. No mesmo sen­


tido, Radbruch, Frank Festgabe, vol. I, p. 159; Schaffstein, Die
materielle Rechtswidrigkeit im kommenden Strajrecht, in
ZStW, vol. 58, p. 24. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 33, afirma
que no caso em que a omissão é excepcionalmente lícita, a
rigor, não existe omissão. ‘ i
72. Schoenke-Schroeder, Kominentar, p. 31; Hoepfner, Zur
Lehre vom Unterlassungsdelikte, p. 105. Referindo-se ao as­
i
pecto da causalidade, Graf Zu Dohna, Aujbau der Verbrechens-
lehre, p. 21; Welzel, Strafrecht, p. 152.
I -I
1

44 Heleno Cláudio Fragoso

|1!
I 1 !
realizar 73 A causalidade, pois, a ser considerada era a
l : I que se relacionava com a ação praticada durante a omis­
são. Contra esta teoria foram apresentadas objeções se­
ríssimas. Krug, ironicamente, observava que, se a mãe
deixa o filho morrer de inanição, enquanto costura meias,

i
causa da morte da criança seria o fato de costurar
meias... Observou-se, ainda, que é possível ao agente
não praticar qualquer outra ação enquanto omite a que
é devida, e que de forma alguma pode o direito atribuir
relevância à conduta diversa, que é indiferente, nem
precisando ser constatada. Por outro lado, enquanto
: omite, pode o agente praticar muitas outras ações diver-
' sas, que não podem, em conjunto, constituir o elemento
físico da omissão74.
Outros autores (Krug, Glaser, Merkel) procura­
1;
ram reconhecer o elemento físico e causal da omissão na
! ação que imediatamente a precedia. Tal ação seria,
assim, causa do resultado injurídico. Esta teoria, esbar­
rava na dificuldade intransponível de não ser possível

Ii
73. Favoráveis à teoria do aliud agere: Luden, Ueber den
I
Tatbestand der Verbrechen, 1840, p. 250; Massari, II momento
! si esecutivo, p. 56; Delitala, II fatto, p. 134; Redslob, Die krimi-
nelle Unterlassung, StrAbh, Heft 70, p. 13 (1906); Bonucci,
i ’ L’omissione nel sistema giuridico, 1911, p. 17.
74. Petrocelli, Principi, p. 305; Antolisei, Manuale, p.
' Íl u 155; Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 301-noía; Dall’Ora,
:I : Condotta omissiva, p. 83. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 36,
observa que a teoria do aliud agere é inexata, enquanto con­
cebe a omissão como um facere (ação positiva). É exata, po­
i rém, enquanto concebe a omissão como uma conduta diversa.
pois de outra forma se chegaria ao absurdo de um crime que,
í

III !
ir11 não sendo uma conduta seria.. .nada. “A conduta diversa,
segundo a concepção normativa, não vem em consideração
como causa, mas só como objeto do juízo de não conformi­
dade à conduta devida”.
Conduta Punível 45

conceber a culpa em momento diverso daquele crn que «se


dá a efetivação da vontade. Não há dolo subseqUente
Procurou-se, ainda, descobrir na própria omissão urn
conteúdo causal, com a teoria da interferência, que teve
seguidores em Binding, Buenger, Haelschner, Ortmann,
tendo sido formulada por Von Buri. Consiste em afir­
mar que na omissão o agente realiza um esforço para
dominar o impulso que o compele a agir, produzindo-se
destarte uma resistência, ou seja, um fenômeno de in­
terferência, entre os impulsos no sentido de agir e de
evitar a ação. Observou-se que tal processo interno não
corresponde à realidade dos fatos, faltando nos crimes
omissivos culposos, sendo de prova dificílima nos crimes
dolosos, sem contar que não exclui a objeção já formula­
da sôbre a correspondência entre o processo interno do
querer e sua manifestação no mundo exterior76.
Modernamente, existem outras correntes a respeito
da causalidade da omissão. A primeira afirma que não
há, de forma alguma, causalidade na omissão, e que aqui
somente é possível falar de uma causalidade jurídica ou
normativa, estabelecida pelo direito, ou seja, de uma
quase-causalidade. A segunda, com base na teoria na-
turalística, entende que a omissão é causa, no sentido
de que um fenômeno resulta de todas as condições posi­
tivas e negativas de sua realização.

75. Cf Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 171; Mezger, Tratado,


vol. I, pg. 295.
76. Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 171; Von Hippel. Stra-
frecht, vol. II, p. 158: Mesmo que existisse repressão de im­
pulso na culpa inconsciente, não se explica como poderia tor­
nar-se causa do ponto de vista naturalístico. A repressão ê
mero fato psíquico interno, enquanto para a punição é neces­
sária conduta externa. Maggiore, Dir. Pen., vol. I, p. 262.
I
46 Heleno Cláudio Fragoso
• :
i
Mezger representa bem a corrente (hoje dominante)
que nega a causalidade da omissão. Afirma que não há
remédio senão reconhecer resignadamente, ante o fra­
casso das teorias aventadas, que a omissão não é causal

com respeito ao resultado, transformando-se a causalida­
de da omissão em uma causalidade jurídica ou quase-
causalidade, construída ad-hoc num “mecanismo da or-
. dem social”, equiparando-se, para os fins jurídicos, o
não impedimento do resultado à causação do mesmo,
I ainda que dito não impedimento não seja, a rigor, causal.
I
A questão é, assim, deslocada para a antijuridicidade, de
I
modo que a punibilidade dos crimes omissivos impró­
i
prios (únicos em que a questão da causalidade se apre­

i r
h senta) depende de dois pressupostos: o dever de atuar e
que tal atuação evitasse o resultado. Antes, porém,
/ cumpre indagar se o agente tinha possibilidade de reali-
i
I
f zar a ação exigida e se tinha possibilidade de influir no
!
I í resultado77.
I i

77. Mezger, Tratado, vol. I, ps. 297/300. Negam a causa­ \


lidade da omissão: Graf Zu Dohna, Aujbau der Verbrechens-
I lehre, p. 21; Traeger, Das Problem der Unterlassungsdelikte im V
f
Straj- und Zivilrecht, 1913, p. 27; Hoepfner, Zur Lehre vom
Unterlassungsdelikte, p. 105: “‘É errado equiparar a não evi-
tação antijurídica de um resultado à sua causação. Nos cri­
mes omissivos, o problema não é a causalidade, mas a anti-
juridicidade. Só é possivel reconhecer um fato punível na
I ! *• prática de um crime por omissão, quando tal omissão é cau­
sal, no sentido da lei. A questão que surge, pois, não é: Quan­
do é a omissão antijurídica?, mas, quando é a omissão, no
■ sentido da lei, causal? Pode-se responder: causal, no sentido
da lei, é aquela não evitação do resultado que tem o mesmo
valor da causação”. Gerland, Das deutsche Reichsstrafrecht,
■íi .* 1922, p. 25; Rohland, falando em Rechtskausalitaet e em ft-
Íji gierte Kausalitaet; Mittermaier, Ueber den Begriff Verbrechen.
| in ZStW, vol. 44, p. 10 (considera-se “como se” (aZs ob) o
agente tivesse causado); Welzel, Strafrecht, p. 151: o autor

I
Conduta Punível
■ i

O código penal italiano contém, a próposito


salidade da omissão, um dispositivo expresso: no^ Qatu I !
dire un evento, che si ha 1’obbligo giuridico di irn-^^pe^
equivale a cagionarlo (art. 40). Em face desta ' i.i
ção, a própria Exposição de Motivos ministerial
rência a uma causalidade jurídica, que é admitic^
maioria dos autores. Afirma-se que o próprio
positivo reconhece que a omissão não é causal, eq^
^osi>
1
rando o não impedimento do resultado à sua caUsação !
nos casos em que o agente tem o dever jurídico de
pedí-lo 78. Contra a causalidade normativa, tem-se afir­
mado que ela é um perfeito contra-senso, pois o direito í

da omissão não é punível por ter causado o resultado típico, í


mas por não o ter evitado. Graf Zu Dohna, Aufbau der Ver-
brechenslehre, p. 21: “Mesmo nos crimes omissivos impróprios
há transgressão de uma ordem de impedir o resultado, embor?
condicionalmente exposta. Partindo-se daí, desaparece o pro­
blema da causalidade da omissão: quem é responsável por
um resultado que não impediu, será punido embora não o í'
tenha causado. Problemático nesses crimes não é a causali-i
dade, mas a antijuridicidade”. Frank entendia que a causa-,
lidade da omissão é criação da lei, que por motivos práticos
considera a omissão como causal. Armin Kaufmann, Die Dog-
matik der Unterlassungsdelikte, p. 61, também nega que possa
haver relação causal entre a pessoa que omite e a ação omi­
tida. Reconhece, porém, causalidade nesta última. No seu
entender, a questão não é de causalidade real, mas de causa­
lidade potencial (possibilidade de agir).
78. Petrocelli, Principi, p. 373: “Se a mãe deixa morrer
de fome seu filho, causa da morte é, segundo a relação de
causalidade material, o processo orgânico de desnutrição que
conduz ao esgotamento das energias vitais; não o fato da mãe
que permanece, dolosa ou culposamente, inerte. Na lei, 0
têrmo causa significa, em tais hipóteses, uma relação de cau­
salidade moral ou jurídica, no sentido de que se atribui a
produção do evento no mundo exterior a quem, tendo a po$-
F-
J li

48 Heleno Cláudio Fragoso

pode interpretar a causalidade, mas não pode criá-la: a


causalidade está na natureza70.
11 Muitos são os que admitem como causa também as
condições negativas do resultado, o que no campo da
filosofia tem sido sustentado por vários filósofos, entre os
quais John Stuart Mill. Maurach afirma que a contro­
vérsia sôbre a causalidade da omissão somente se esta­
beleceu com a penetração do pensamento naturalístico
na Dogmática Penal do séc. XIX. Acrescenta que a dú­
vida surgiu com a teoria kantiana da causalidade, que
I- concebia a lei da causalidade no sentido da física mecâni­
ca, como a cadeia funcional de acontecimentos, uns rela­
cionados aos outros, como causa efficiens, excluindo o
entendimento prevalente, de identificação entre não evi­
tar e causar80. Afirma-se, assim, que do ponto de vista
i
sibilidade e o dever, não o impede”. Ranieri, Dir. Pen., p. 209:
“Nos crimes omissivos há uma equiparação do não impedi­
mento à sua causação, atuando por isso um causalismo que
pode dizer-se jurídico”. Santoro, Dir. Pen., p. 141: “Quem deixa
de impedir a morte de outrem, quando tem a obrigação de o
i fazer, não se pode dizer que produza o evento, que é de atri-
buir-se a outras causas, mas é como se êle tivesse produzido
a morte de outrem. Trata-se de um conceito normativo de
í causalidade, que se explica com o fato de que a lei, em deter­
minadas situações, erige um sujeito em contra-causa, que de­
veria operar para neutralizar a série causal que traz o perigo
: i de certo evento”. Pannain, Manuale, p. 214: causalidade jurí­
1 dica, isto é, uma responsabilidade por não ter impedido o
evento. Sabatini, Istituzioni, vol. I, p. 291: causa de natureza
essencialmente jurídica, porque criada pelo direito. Grispigni,
Dir. Pen., vol. II, p. 44 (causa normativa); Battaglini, Dir.
Pen., p. 167-nota; JoÃo Bernardino Gonzaga, O crime de omissão

! de socorro, p. 61 (a norma equipara o não impedir ao causar).

79. Dali/Ora, Condotta omissiva, p. 137.

80. Maurach, Lehrbuch, p. 174.


Conduta Punível
49

causal, realmente, a fôrça que age equivale à fôrça qUe


não agiu, desaparecendo o problema, em face de tal COn- /
ceituação de causa. Cumpre indagar se a ação esperma A)
teria evitado o resultado81.
Uma colocação análoga encontramos naqueles que
resolvem o problema da causalidade da omissão não mais
concebendo a causalidade no sentido mecânico-natura-
lístico, como um processo de desencadeamento de forças,
mas como um conceito de relação. Êste enquadramento
da matéria deve-se a M. E. Mayer, sendo adotado, entre
outros, por Sauer e Eberhardt Schmidt 82 Êste último
afirma que causalidade não é mais do que a ligação

81. Von Hippel, Strafrecht, vol. II, p. 160: “Causa é um


conceito que compreende o causar da ação e o não impedir da
omissão”. Cf. Antolisei, Manuale, p. 178; Santoro, Circostanze,
p. 179; Costa e Silva, Código Penal, 1943, p. 73: “A omissão é
tão causal como qualquer outro antecedente do resultado”.
A teoria da condição negativa, segundo a qual o evento de­
pende de condições positivas e negativas, parece ter sido intro- .
duzida no Direito Penal por Landsberg, Die sogennante Kom- í l /
missivdelikte durch Unterlassung, 1890. ~

82. M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 140; Sauer, Grundlagen, p.


447; Eberhardt Schmidt, no Lehrbuch (de Liszt) , p. 172. Cf.,
ainda, Sauer, Frank Festgabe, vol. I, p. 207: “A causalidade não
é uma fôrça misteriosa intrínseca às coisas, mas um juízo ló­
gico de necessidade (logisches Notwendigkeitsurteil) ”; Id., Stra-
frechtslehre, p. 74: categoria do nosso conhecimento; elemento
de nossa consciência; conexão lógica de conduta e evento.
Von Weber, Grundriss, p. 60: “A causalidade da omissão tor­
na-se um problema muito debatido, quando se concebe a cau­
salidade não como um conceito de relação (Relattonsbegriff),
mas, incorretamente, como um conceito de fôrça física (phy-
sikalischen Kraftbegriff) No mesmo sentido, Vocke, Problem-
reste der Unterlassungskausdlitaet und ihre Loesung, in ZStW,
vol. 51, p. 695. A concepção da causalidade como categoria
do conhecimento (Erkenntniskategorie) é deduzida do idealis-

-S
mi
Hl

:: 50 Heleno Cláudio Fragoso


I lógico-teorética do conhecimento de dois dados, não como
um Ser (Sein) ou Vir a ser (Werden) físico, porém como
nada mais do que uma forma de nosso pensar e do nosso
'■
conhecer. Causar não significa produzir 83.

19. Em qualquer caso, o têrmo de relação a ser con­


i
siderado é a ação que o agente omitiu. Não é possível
indagar se, suprimindo-sé a omissão, o resultado não se
i teria verificado, como se faz nos crimes de ação. Cumpre
*■ í

i
i
mo transcendental de Kant. Welzel, Kausalitaet und Hand~
lung, in ZStW, vol. 51 (1931), p. 705, observa, porém, que há
aqui um equivoco, pois de acordo com a concepção transcen­
dental a causalidade não é uma forma de conexão subjetiva
de nosso conhecimento, que nós aplicamos aos objetos, por­
• H que nós não podemos compreendê-los diversamente. A cau­
salidade é uma lei lógica objetiva, à qual os objetos estariam
submetidos, ainda que nós não existíssemos. Mesmo para o
idealismo transcendental a causalidade é categoria do objeto
(Gegenstandskategorie), que nada tem a ver com a organiza­
ção do sujeito. O pensamento de Kant nesta matéria, pode
ser visto na “Crítica da Razão Pura”, trad. José del Perojo,
Buenos Aires, 1957, págs. 218 e segs.. Para Kant, a causalidade

i !
II é realmente uma categoria da razão e como tal um conceito
puro do entendimento, que se refere a priori aos objetos da
intuição (p. 220). Kant desenvolveu a concepção de Hume,
para quem na realidade existem apenas sequências, não sendo
a causalidade laço necessário e racional entre duas instâncias.
I Esta posição, como se sabe, foi retomada por vários filósofos
da ciência, no séc. XIX, especialmente Mach, que combateram
a noção de causa, considerando-a vaga e mais metafísica que
científica.
83. Cf., ainda, Frank, Kommentar, p. 17. Beling, Esque­
í ma (Grundzuege), resolvia o problema de forma mais simples:
h “Não existe motivo algum para duvidar de que entre o nega­
tivo (não fazer) e o positivo (resultado, modificação do mun­
do exterior) possa haver relação causal, pois esta dúvida está
I

1
I ■ arraigada em considerações de ordem filosófica (conhecimento

I
í
Conduta Punível 51

indagar apenas se a ação omitida excluiria o resultado84.


Como diz Welzel, é um juízo hipotético de causalidade
dizer se o agente, através de sua atividade, teria evitado
o resultado. Graf Zu Dohna acrescenta que a questão
relativa a que influência a ação hipotética positiva exer­
ceria sobre o resultado, oferece dificuldades especiais e
'7
ainda não resolvidas. Pràticamente a questão se resolve I
com a seguinte fórmula: há causalidade quando a ação
omitida, ou seja, a ação esperada, não pode ser suprimida
sem afetar o resultado85.

do sistema total de relação) e prescinde da questão jurídica,


que é a única que interessa. O uso verbal corrente, empregado
pelo legislador, sob as expressões “matar” ou as demais corres­
pondentes aos outros tipos, compreende também o não evitar
o resultado”. Outros entendem que êste problema deve ser
resolvido no plano da tipicidade: Schoenke-Schroeder, Kom­
mentar, p. 26; Nagler, Die Problematik der Begehung durch
Unterlassung, in Gerichtssaal, vol. III, p. 1; Id., Leipziger Kom-
mentar, p. 33; Dahm, Beinerkungen zum Unterlassungsproblem,
in ZStW, vol. 59, p. 111; Hellmuth Mayer, Strafrecht, p. 111.

84. Graf Zu Dohna, Aufbau der Verbrechenslehre, p. 21;


Antolisei, Uobbligo di impedire Vevento, p. 301; Nelson Hun­
gria, Comentários, vol. I, p. 242; Meyer-Allfeld, Lehrbuch,
p. 114.

85. Welzel, Strafrecht, p. 151; Graf Zu Dohna, Aufbau


der Verbrechenslehre, p. 21; Schoenke-Schroeder, Kommentar, !
p. 30. Maurach, Lehrbuch, p. 177, assinala que êste processo ■
hipotético de raciocínio só pode ser realizado com base na z
causalidade adequada. Afirma-se em geral ser necessária a
certeza ou a probabilidade (WahrscheinlichJceit) próxima da
certeza. Para Von Weber, Grundriss, p. 61, não basta uma
probabilidade estatística (es genuegt also nicht eine statistische
Wahrscheinlichkeit). Nagler, Leipziger Kommentar, p. 41, fala
em verossimilhança do mais alto grau.
i
I!
li
52 Heleno Cláudio Fragoso

Estrutura da omissão
Av /
i
20. Ao estudar a estrutura da ação, vimos que ela
consiste, fundamentalmente, segundo a doutrina domi­
nante, na vontade e sua manifestação ou realização. No
que concerne à omissão, porém, a controvérsia é mais
l séria, comprometendo a possibilidade de um conceito
í superior de comportamento, que inclua ambas as espé-
í cies de conduta punível. Liszt afirmava que o conteúdo
psicológico da omissão consiste no voluntário não em­
preendimento de um movimento corpóreo80. Mezger
I
censurava a definição de Liszt, mostrando que ela não se
aplica aos crimes de esquecimento. Sustentava, por seu
turno, que a omissão conceitualmente, não precisa ser
voluntária: a omissão pode ser querida, quando é dolosa,
mas em tais casos a exigência do querer pertence à esfera
da culpabilidade, não ao conceito de omissão, o que
afirma ser claro na omissão culposa e nos crimes de es-
/ quecimento. Estabelece-se, assim, a corrente que enten-
! de não pertencer a voluntariedade à essência da
omissão 87.
A maioria dos autores contenta-se com a voluntarie­
dade da conduta diversa, o que é uma forma de despistar
o problema fundamental. Grispigni, definindo a omis­
são como conduta positiva ou negativa de um sujeito, a
<

86. Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 170. A omissão era de-


finida como voluntário não impedimento do resultado (p. 169).
•’ Rocco, Uoggetto del reato, p. 314, seguia a Liszt.
87. Mezger, Tratado, vol. I, p. 291; Id., Strafrechtsdog-
j matik, p. 16; Binding, Normen, vol. II, p. 104; Radbruch, Hand-
• lungsbegriff, p. 134; Frank, Kommentar, p. 22; M. E. Mayer,
/ Lehrbuch, p. 132; Maihofer, Der Handlungsbegriff im Verbre-
> chenssytems.
chenssytems, 1953.
1953, n.
p. 22.
Conduta Punível 53

qual — a juízo de quem a considera — é diversa da que


era de esperar-se à base de uma norma de qualquer na­
tureza, entende que, para que haja vontade na omissão,
ou seja, para que esta possa ser referida psiquicamente
ao sujeito, exige-se apenas que haja vontade da conduta
diversa88. Outras soluções foram tentadas. Alguns colo­
cavam a vontade em momento anterior, realizando-se
para produzir a inércia80, o que constituiria uma espécie
de volição indireta. Outros dão ao ato de volição aqui
um sentido mais amplo. Soler, por exemplo, entende
que basta para a voluntariedade um mínimo de partici­
pação subjetiva do indivíduo, de modo que, ao invés de
falarmos em vontade do ato que se omite, devemos refe­
rir-nos à possibilidade de haver querido o ato esperado: [
se esta possibilidade não existiu, não houve omissão s,°.
Aproximando a omissão da culpa stricto sensu, como
Graf Zu Dohna já fizera, Welzel afirma que a caracte-

88. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 38: “Do ponto de vista
naturalístico só existe uma conduta, e só com respeito a essa
é necessário constatar a vontade (p. 41). De acordo: Santoro,
Dir. Pen., p. 142; Maggiore, Dir. Pen., vol. I, p. 269. Contra
esta solução, afirma-se ser inconcebível que a vontade tenha
por objeto o aliud facere, e a culpabilidade o non facere (cf.
Dall’Ora, Condotta omissiva, p. 87).
89. Carrara, Programa, § 126; Delitala, II faito, p. 151.

90. Soler, Der. Pen., vol. I, p. 338; Ranieri, Dir. Pen., p.


176; Id. Colpevolezza e personalità del reo, 1933, p. 50 (à von­
tade devem ser referidos todos os movimentos que o indiví­
duo executa, havendo possibilidade de abster-se). JoÃo Ber-
nardino Gonzaga, O crime de omissão de socorro, p. 34. Cf. no­
ta 45, supra. A vontade é, assim, reduzida à possibilidade da
vontade. Esta possibilidade é, aliás, exigida por Mezger, Tra­
tado, vol. I, p. 294, como essencial ao conceito de omissão, o
que situa a disputa num plano puramente terminológico.
v l
54 Heleno Cláudio Fragoso

rística constitutiva da omissão é a dominação finalista


potencial do fato (potentielle finale Tatherrschaít) . E,
assim, não se exige para a omissão um ato de vontade
i atual, bastando um possível ato da pessoa. Quem esque­
ce podendo lembrar-se com maior concentração, omite 91.
O elemento físico ou naturalístico da omissão con-
' siste na não realização da conduta esperada, o que nem i

sempre corresponde a uma inatividade do agente, que


pode praticar uma ação diversa. Petrocelli afirma que
na omissão não há elemento físico, no sentido de ates
que se desenrolam no exterior da psiquê, alegando que
i
I a volição pode subsistir sem imprimir-se em atos exter­
nos: “Em tais casos, volição e ação são uma só coisa” °2. A
crítica a esta estranha concepção se faz observando que
a omissão não pode consistir em puro ato de vontade, já
que assim haveria crime de puro ato interno. Por outro
I 5 lado, nos crimes de esquecimento não há vontade de
omitir °3.
A possibilidade de agir tem sido considerada elemen­
to ou pressuposto do conceito de omissão, que surge como
!

91. Welzel, Strafrecht, p. 147; Armin Kaufmann, Die Dog-


matik der Unterlassungsdelikte, p. 34. A “dominação finalís-
8 tica potencial” dá lugar às mesmas críticas que já menciona­
mos (cf. p. 22).

92. Petrocelli, Principi, p. 307. Entende que se supera os


? limites da simples cogitatio, porque, no juízo da experiência
comum, é por ela (volição) que se realiza o que é contrário ao I

direito, seja deixando inalterada a realidade circunstante, seja
dando livre curso às forças naturais que as modificam e que
o sujeito podia e devia dominar.
93. Cf. Grispigni, Dir. Pen.f vol. H, p. 31.
Conduta Punível
55
não realização de conduta possível e esperada94.
possibilidade ora é física, psíquica ou físio-psíquica. *ta
via, outros têm afirmado que a possibilidade de ag^.
se confunde com a omissão, sendo puramente um ão
suposto do dever de agir 05 ou causa de exclusão da,
pabilidade, quando eventualmente faltar nos cr^
omissivos90.

Antijuridicidade da omissão

21. A antijuridicidade da omissão deveria ser estu-


áo.da, sistemàticamente, em outro ponto do sistema em que
a teoria do delito se desenvolve. Todavia, os autores a
examinam, em geral, na parte relativa à conduta puní­
vel, tendo em vista que desempenha função especial nos
crimes omissivos. Alguns 2~/Xpretendem mesmo, UUUiy
tUtXXVXKÍXXX ÃXXUQXXXV, VX“ !1
como vi-
mos, que todo o estudo da omissão
< pertence à antijuridi- í r-y
cidade, já que seu elemento básico é o da contrariedade,
a um dever. Carrara já afirmava que os crimes de pura
inação não podem ser concebidos senão nos casos em

94. Cf., entre outros, Von Hippel, Strajrecht, vol. II, p. 153;
Liszt, Lehrbuch (22.a ed.), p. 126; Radbruch, Handlungsbegriff,
p. 141; Sauer, Frank Festgabe, vol. I, p. 213; Vogt, Das Pflicht-
problem der komissiven Unterlassung in ZStW, vol. 63, p. 382;
Mezger, Tratado, vol. I, p. 294; Honig, Frank Festgabe, vol. I,
p. 191. Esta concepção é dominante.

95. Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 27.

96. Hellmuth von Weber, Grundriss, p. 53. Para completo


exame da matéria, cf. o excelente trabalho de Armin Kaufmann,
Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte, 1959, págs. 28 e segs.
Êste autor segue a Welzel, tomando por base da omissão a pos- \ /
sibilidade de ação, entendida como finalidade potencial de agir ''
(p. 313).

56 Heleno Cláudio Fragoso


■■

que alguém tenha direito exigível à ação omitida 97. Al­ <

I guns colocam a questão em outros têrmos, seguindo o


entendimento adotado sobre o próprio conceito de omis-

. são. Von Weber sustenta que é pressuposto da omissão


’•


que haja um dever jurídico de agir, afirmando que as
proibições se dirigem a qualquer um, mas as ordens, só
i a um restrito círculo de pessoas 98. Outros afirmam que
a omissão só pode ser equiparada à ação se fôr prelimi­
í
narmente estabelecida sua antijuridicidade90, ou que,
tipicamente, a omissão só pode corresponder à ação
quando uma especial relação de dever existe, por força
da qual o agente é chamado a afastar o resultado típico,
através de forças que se lhe oponham 10°. Os partidários
do conceito naturalístico de omissão entendem que a an-
!

m 97. Garrara, Programa, § 30. Grispigni, Dir. Pen., vol. II,


p. 32, distingue conceitualmente a omissão da antijuridicidade,
mas sustenta que sem o elemento do dever ser, seja puramente t
instrumental, não é possível falar de omissão. O autor concebe
a omissão como contradição a qualquer espécie de norma, in­
I
clusive técnica.
I
98. Von Weber, Grundriss, p. 58.

99. Hoepfner, Zur Lehre vom Unterlassungsdelikte, in


( ZStW, vol. 36, p. 115 (1915): Die Rechtswidrigkeit des Unterlas-
-i sens fuer uns Vorfrage fuer die Gleichwertigkeit ist. No mesmo
sentido, Traeger, Das Problem der Unterlassungsdelikeit, 1913,
p. 112.

100. Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 27 (Pflichtver-


i haltnis), cogitando dos crimes comissivos por omissão. De acor­
do: Maurach, Lehrbuch, p. 236. Há uma corrente muito impor­
tante que desloca o problema para o plano da tipicidade: o
dever jurídico de agir que dá vida à omissão integra a tipicl-
dade, não a antijuridicidade do fato. Cf. Nagler, Die Problematik
der Begehung durch Unterlassung, in Gerichtsaal, vol. 111, p.
Conduta Punível 57

tijuridicidade apenas atribui relevância jurídica ao com­


portamento, não tendo, assim, qualquer efeito constitu­
tivo ou essencial.
Nos crimes omissivos puros, a própria norma penal
contém uma ordem, e o crime consiste tão somente na
transgressão dessa ordem, ainda que se demonstre que
a conduta positiva não teria evitado o resultado. A anti­
juridicidade nesta espécie de crimes, portanto, não apre­
senta problemas.
Nos crimes comissivos por omissão, todavia, afir- 2
ma-se que a tipicidade não é indício da antijuridicidade,
que deve ser determinada especificamente, não sendo ca­
bível admitir a presunção a que se referia M. E.
Mayer 101.

22. Seja como fôr, é indispensável, nos crimes co­


missivos por omissão, que o agente tenha o dever jurídico
de impedir o resultado. A evolução doutrinária nesta

51 e Leipziger Koimnentar, p. 33; Schoenke-Schroeder, Kommen-


tar, p. 26; Hellmuth Mayer, Strafrecht, p. 111, Vogt, Das Pflicht-
problem der komissiven Unterlassung, in ZStW, vol. 63, p. 391;
Gallas, Zum gegenwaertigen Stand der Lebre vom Verbrechen,
1955, p. 26. Engisch, Die normativen Tatbestandselemente im
Strajrecht, in Mezger Festschrift, 1954, p. 129, inclui também o
dever de agir nos crimes comissivos por omissão no que chama
de Gesamttatbestand, e, pois, no plano da tipicidade. Contra,
entre outros, Sauer, Die beiden Tatbestandsbegriffe, Mezger
Festchrift, p. 119-nota: tal dever de agir pertence à antijuridi- •
cidade material.
101. Cf. Welzel, Studieríbuch, p. 152; Liszt-Schmidt, Lehr-
buch, p. 189. M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 52, afirmava que a tipi­
cidade constitui uma conclusão a respeito da antijuridicidade,
até prova em contrário (.bis zum Beweis des Gegenteils).
58 Heleno Cláudio Fragoso
iH
matéria tem apresentado grande imprecisão, em face das
deficiências do próprio direito positivo. Feuerbach exi-
\gia, para fundamentar êste dever, a lei ou o contrato
í ; (Gesetz oder Vertrag) e Spangenberg afirmava serem ne­

I i
cessárias especiais relações jurídicas (besonderen rechtli-
chen Verhaeltnisse). Luden, porém, já sustentava fun­
damentação mais ampla, não se limitando à existência
de simples obrigação jurídica de fazer 102. A jurispru­
dência e a doutrina são, hoje, no sentido de afirmar a
necessidade de um dever jurídico de agir. Divergem,
porém, grandemente, quando tratam de definir o que
entendem aqui por dever jurídico.
Não há dúvida de que surge dever jurídico de agir
em face da lei: não há quem o negue. A maioria dos
autores, porém, entende que o dever de agir que decorre
dos crimes omissivos puros não basta para fundamentar
o dever de evitar o resultado, nos crimes comissivos por
omissão. Afirma-se que o dever jurídico que surge dos
crimes omissivos puros é um simples dever de agir, ao
passo que nos crimes comissivos por omissão é neces­
sário um específico dever de evitar o resultado (Erfolg-
sabwendungspflicht). Meyer-Allfeld esclarecem que o
dever jurídico não se refere aos casos em que a norma
põe uma ordem para agir, e ela mesma comina pena

102. Cf. Clemens, Die Unterlassungsdelikte, cit., págs. 8 e


segs. Westphal, Kriminalrecht, v785, também se referia a um
dever especial de não estar inativo. Encontramos em Tobias
Barreto, Delitos por omissão, in Estudos de Direito, 1926, vol. I,
p. 224, uma amplíssima interpretação da causalidade nos crimes
í comissivos por omissão: “O delito comissivo não pode consistir
i somente no não cumprimento de uma oíbligatio ad jaciendum;
í e tampouco pode uma simples relação contratual tomar-se o
fundamento de direito da criminalidade”. Tobias, em dia com a
ciência penal de seu tempo, seguia a Luden.
Conduta Punível 59

para a omissão. Neste caso, concluem, aplica-se apenas


a lei especial, embora a omissão da ação ordenada con­
duza ao resultado que a ameaça penal procura evitar 103.
Surgiu, assim, a teoria da garantia (Garantenlehre). é
de mister que o agente tenha assumido ou que lhe seja
imposta uma função de garantia da não superveniência
do resultado típico. Não basta um dever quemvis ex
populo 104.

103. Quem, podendo, não salva uma pessoa que pratica


suicídio, responde apenas por omissão de socorro, e não por
homicídio. Cf. Meyer-Allfeld, Lehrbuch, p. 116; Welzel, Stu-
dienbuch, p. 153; Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 30, Von
Hippel, Strafrecht, vol. II, p. 157; Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p.
190, Nagler, Die Problematik der Begehung durch Unterlassung,
p. 66; Mezger, Studienbuch, p. 82; Id. Tratado, vol. I, p. 305:
“Não pode o dever jurídico fundar-se na incriminação autóno­
ma da omissão, pois é óbvio que a lei em tais casos só quer a
aplicação da pena aí especialmente prevista”. Traeger, Das Pro-
blem der Unterlassungsdelikte, 1913, p. 72; Von Weber, Grun-
driss, p. 58; Maurach, Lehrbuch, p. 246; Kohlrausch Lange,
Strafgesetzbuch, p. 6. Afirmam que o dever jurídico pode surgir
da norma que define os crimes omissivos puros: Niethamer,
Strafbares Unterlassen, in ZStW, vol. 57, p. 454; Graf zu Dohna,
Zur Lehre von den Kommisstvdelikte durch Unterlassung, in
DStR, 1939, p. 147 (diversamente, porém, no Aufbau der Verbre-
chenslehre, p. 38); Antolisei, L’obbligo di impedire Vevento, in
Scritti, p. 311 (salvo nos casos dos crimes omissivos puros em
que a lei prevê condição de maior punibilidade para o resultado
de dano, pois aí a disposição especial derroga a geral); Gris-
pigni, Dir. Pen., vol. II, p. 55; Petrocelli, Principi, p. 301; Mag-
giore, Dir. Pen., vol. I, p. 268.

104. Maurach, Lehrbuch, p. 239; Welzel, Strafrecht, p.


153; Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 27; Antolisei, Ma-
nuale, p. 180; Bettiol, Dir. Pen., p. 218; Aníbal Bruno, Dir. Pen.,
vol. I, p. 307. Contra a Garantenlehre, Dahm, Bemerkungen zum
Unterlassungsproblem, in ZStW, vol. 59, p. 139. Para Dall'Ora,
60 Heleno Cláudio Fragoso
!
Afirma-se também ser indiscutível que o dever de
agir e a posição de garantidor surgem de obrigação con­
i tratual, quando o agente se tenha obrigado pelos riscos
I decorrentes de certa ação 105. Outros entendem que há
I também dever de agir quando o agente espontaneamen­
te assume função tutelar ou encargo sem mandato, co­
mo no caso do médico que socorre um ferido em situa-

I Condotta omissiva, p. 128, não se trata de uma teoria, mas de


uma forma aguda e sugestiva de representar o conceito de
dever. O dever jurídico de afastar o resultado é, para muitos, a
t F
própria essência dos crimes comissivos por omissão. É interes­
sante observar que o § 14 do recente projeto de Código Penal,
formulado pela chamada Grande Comissão de Direito Penal,
convocada pelo Ministério da Justiça, na Alemanha, obedece à
seguinte fórmula: ‘‘Comissão por omissão— (1). Quem omite
1 evitar um resultado, equipara-se tipicamente ao autor ou partí­
cipe que causa o resultado por ação, tão somente, se por fôrça
I
de lei tem o dever de evitar o resultado, e, em face das circuns­
tâncias, deve garantir que o resultado não sobrevirá. (2). O
dever de evitar o resultado subsiste também para aquêle que,
através de seu comportamento, faz com que surja a próxima
i verossimilhança (.nahe Wahrscheinlichkeit) da superveniência
do resultado, ou assume a garantia de que o resultado que
ameaça sobrevir não se verificará”.
105. Beling, Esquema (Grundzuege), p. 69; Aníbal Bruno,
Dir. Pen., vol. I, p. 305. Contra: João Bernardino Gonzaga,
I ■ O crime de omissão de socorro, p. 66: “A simples circunstância
/ de assumir alguém um encargo privado não pode ter fôrça
1
I para provocar as pretendidas consequências penais”. Schoenke-
Schroeder, Kommentar, p. 29, aliás, observam, que não é o con- í
trato, mas a objetiva aceitação da correspondente situação do
■ dever. Maurach, Lehrbuch, p. 241, também assinala que não é
o contrato, pois êste faria depender a posição de garantidor do
direito privado, mas a livre aceitação e seu entrelaçamento no
processo social. Daí não terem valor as limitações da responsa­
bilidade civil e as cláusulas sine obligo. Cf., no mesmo sentido,
Nagler, Leipziger Kommentar, p. 39.

,1
i
!

Conduta Punível 61

ção de emergência106. Alargando mais a esfera do de­ l' c


ver de agir, muitos sustentam que se fundamenta na
! U
precedente atividade culposa107 ou mesmo não culposa ’
•I
e inconsciente, criadora de uma situação de perigo108. ■ 'I
Na Alemanha, entende-se que êste princípio tem por
base o direito consuetudinário, cuja admissão, segundo
Mezger, não afeta o princípio da reserva legal porque ah
tipicidade permanece incólume. Pronunciando-se com
cautela, Mezger afirma, porém, que só pode ser reco­
I
nhecido nos casos em que uma cuidadosa consideração Ir i ■
e exame do caso concreto demonstrem que sua existên­
cia corresponde a necessidade real e inevitável 10°. Ou­
tros, todavia, sem se referir ao direito consuetudinário,
entendem que o dever de agir pode ser tácito ou pode 'I

ser extraído do sistema110.


Ui
106. Antolisei, L’obbligo di impedir e Vevento, p. 315; Be-
ling, Esquema (Grundzuege), p. 69; Mezger, Tratado, vol. I,
p. 309.

107. Hoepfner, Zur Lehre vom Unterlassungdelikte, in
ZStW vol. 36, p. 116.
108. Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 306; Mezger, Trata­ Hl |
do, vol. I, p. 314; Nelson Hungria, Comentários, vol. I, p. 243; i

Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 55; Beling, Esquema (Grundzue-


ge), p. 69; Welzel, Strafrecht, p. 154; Maurach, Lehrbuch, p.
243; Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 28; Binding, Normen,
vol. I, p. 118; Merkel, Lehrbuch, p. 41; Meyer-Allfeld, Lehrbuch,
p. 116. Contra: Frank, Kommentar, p. 56; opinião que remon­
ta a Feuerbach.
109. Mezger, Tratado, vol. I, p. 313. As reservas de Mezger
não são compartilhadas pela doutrina, que se orienta hoje
noutro sentido, como o próprio autor, mais tarde, reconheceria.
Cf. nota 111, infra.
110. Bettioi. Dir. Pen., p. 218; Grispigni, Dir. Pen., vol. II,
p. 55; Antolisei, L’obbligo di impedire Vevento, p. 304.
H
I
l;
i I
I
62 Heleno Cláudio Fragoso
i

I . | No direito alemão, como no direito brasileiro, não


existe norma que discipline o dever de agir, nos crimes
omissivos impróprios. No direito italiano, porém, o art.
I 40 do Código Rocco, já invocado, dispõe: Non impedire
un evento, che si ha Vobbligo giuridico di impedire, equi­
vale a cagionarlo. Há, assim, expressa referência a de­
I
I ver jurídico.
i
Na Alemanha, a tendência é hoje no sentido de tor­
nar mais ampla a fundamentação do dever de agir, e.
como dizem Schoenke-Schroeder, a jurisprudência se
I move sôbre bases inseguras (unsichere Grundlagerí).
Maurach, expressando tipicamente esta tendência, en­
■ sina que a noção do dever jurídico deve ser entendida
em sentido amplo e que ao dever jurídico pertencem, nãc
apenas os deveres que decorrem como norma geral das
' disposições legais e do direito consuetudinário, mas tam-
—bém aquelas obrigações que surgem de uma concreta
visão da situação objetiva da vida, assim, especialmente,
através de aceitação de fato, através de anterior com­
portamento gerador de perigo ou através de comunhão
de vida ou de perigo (Lebens- oder Gefahrgemeinschaft).
De um modo geral, afirma-se que o dever de ação, que a
Ética social de hoje reconhece como obrigatório, com
referência à situação concreta do sujeito, atribuindo-lhe
um efeito de garantia, vale também como dever jurí­
dico ni. Dever resultante de uma comunhão de vida
seria, por exemplo, o cuidado devido pela avó ao neto, i

residente com a filha, na mesma casa, e o dever do

111. Maurach, Lehrbuch, p. 238, Mezger, Studieríbuch, 80:


. “O desenvolvimento do Direito Penal indica a tendência de subs-
tituir uma fundamentação formal do dever, para extraí-lo da
situação concreta, estendendo o círculo dos deveres puramente
morais a efetivos deveres jurídicos”.
Conduta Punível
63
marido de impedir o suicídio da mulher, O dever re-
sultante de uma comunhão de perigo é o que incumbe í
aos que participam de uma situação perigosa, chegan­
do-se a falar aqui em estreita solidariedade (engere So-
lidaritaet). É evidente que desta forma vem-se admi­
tindo o simples dever moral como gerador da obriga­
ção de agir e de impedir o resultado nos crimes comis-
sivos por omissão 112. 1

23. Segundo Welzel, o dever jurídico surge no mo­ \ r


mento em que o agente tem consciência dos pressupos­
tos de sua posição de garantidor da não superveniên-
cia do resultado e se exclui em face de dever jurídico 'í
de igual categoria ou mais alto113.
O dever de agir nos crimes comissivos por omissão
apresenta ainda um problema controvertido. Para al­
guns trata-se de um puro momento de dever (Pflicht-
moment), exterior ao tipo, de sorte que o êrro a res­
peito do mesmo constitui êrro de direito inescusável11 *.
Na Alemanha, a doutrina dominante, porém, sustenta
que o elemento subjetivo nos crimes comissivos por
omissão compreende não só a consciência da conduta

l’'i
112. Asúa, Tratado, vol. III, p. 362, entende que a obriga­
ção pode surgir de normas de natureza exclusivamente moral.
De obrigação ética também falava Von Bar, Gesetz und Schuld
im Strafrecht, vol. II, 1907, p. 244. João Bernardino Gonzaga,
O crime de omissão de socorro, p. 65: “O que se pode admitir,
em hipóteses raras, é que se funde no costume”.
113. Welzel, Strafrecht, págs. 155/6; Maurach, Lehrbuch,
p. 245. Grispigni, Dir. Pen., vol. H, p. 55, porém, limita o dever
jurídico na possibilidade de agir, e Antolisei, Uobbligo di impe­
dire Vevento, p. 320, no estado de necessidade.
114. Welzel, Strafrecht, p. 156.

I
•I ■
I í
!íi
64 Heleno Cláudio Fragoso
I
I V í t
;r típica, como também da existência de um dever jurí­
• i dico de evitar o resultado, bastando o dolo eventual115.

;24.
A esta altura é fácil compreender
x a controvér-
<
sia a que tem dado lugar um conceito superior de com­
portamento, que compreenda a ação em sentido estrito
e a omissão. Já fizemos referência à objeção de Rad-
bruch e Graf Zu Dohna, que tem por objeto um con-
; ceito naturalístico. Afirma-se que a omissão é logica­
A
mente a negação da ação110. Os que defendem a im­
possibilidade de um conceito superior de comportamen­
to, entendem que a omissão é um juízo necessàriamen-
li te normativo, de modo que um mesmo comportamento
pode ser, ao mesmo tempo, ação e omissão117.
i
Alguns autores, admitindo como irrecusável esta
premissa, afirmam a unidade do sistema concebendo a
conduta punível de modo puramente formal118, como
! violação de uma norma ou como comportamento refe-

115. Maurach, Lehrbuch, págs. 233 e 245. Sauer, Mezger


Festschrift, p. 119, entende também que a posição de garantidor
integra o tipo objetivo. O próprio Welzel aderiu a êste entendi­
i ’ mento. Os autores italianos nem chegam a cogitar dêste pro­
blema.

I 116. Esta afirmação tem suscitado muitas objeções. M. E.


—- | Mayer, Lehrbuch, p. 108, observava que o conceito de omissão
opõe-se ao de atividade, não ao de ação.
117. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 29.
í
118. Bettiol, Dir. Pen., p. 196: “O têrmo comportamento é
expressão usada por comodidade: é uma ficção”. Acrescenta:
È da avvertire come non sia giustificato violentare la realità,
I per faria rientrare in uno schema a tutti i costi (p.197). Cf.,
ainda, do mesmo autor, II problema penale, 1948, p. 90.

6
PUNÍVEL »
Conduta
alor Partindo dc diferente#
rido a um tl’jna pronunc.lu-.se hoje, de v»"*,
todavia, a do sentido du unidade 6<, Mw*, *.
ou menos paci • c0nccito superior de
l
tÍetXa»^oeaOm'S8S0'"
IV

EVENTO

25. Com o problema da manifestação ou efetiva­


ção da vontade liga-se a questão do evento, matéria ex­
tremamente controvertida, que tem dado lugar a tôda
sorte de dúvidas 120.
Para muitos autores o evento integra a ação, vale
dizer, é parte da conduta. Êste entendimento corres­
ponde a um conceito extensivo, segundo o qual o resul­
tado inclui-se na ação e é parte desta, não sendo con­
cebível ação sem resultado 121. Outros, porém, susten-

120. A expressão “evento” é empregada impropriamente


pela doutrina para significar o resultado da conduta delituosa.
Esta palavra, em nossa língua, significa apenas acontecimento,
sucesso. A palavra resultado, empregada pelos autores alemães
(Erfolg) é usada como sinónima de evento, tendo já penetrado
em nossa literatura jurídico-penal. Constitui, inclusive, o título
do trabalho de Everardo Luna (O resultado, no Direito Penal,
1959). Em castelhano, o uso impróprio da palavra evento tam­
bém já foi censurado por Asúa e Eusebio Gomez. Nos clássicos
italianos, encontramos a palavra sucesso com o significado de
evento. J
121. Rocco, L’oggetto dei reato, p. 316. Partidários do con­
ceito extensivo de ação, entre outros, Civoli, Manuale, 1900,
p. 314; Liszt-Sciímidt, Lehrbuch, p. 157; Aníbal Bruno, Dir. Pen.,
vol. I, p. 292; Delitala, II fatto, p. 169; Gerland, Deutsches Rei-
!■

68 Heleno Cláudio Fragoso

! *
tam um conceito restritivo de ação, distinguindo-a do
K.z- resultado por ela produzido. Ação seria apenas a sim­
ples manifestação de vontade. O evento constituiria,
assim, um conceito distinto, situando-se fora da ação e
• integrando o tipo ou o fato122.
Esta divergência entre os autores conduz a outra,
mais importante, que diz com a própria conceituação
do evento. Surgem aqui duas concepções distintas: a
primeira é a do chamado conceito naturalístico, segun­
do o qual se entende por evento o efeito natural da
ação, ou seja, o resultado juridicamente relevante pro­
duzido no mundo exterior pelo movimento corpóreo do
agente e a êle ligado por uma relação de causalidade
material123. Haveria, pois, crimes em que não há re-

[
chsstrafrecht, 1922, p. 88; Asúa, Tratado, vol. III, p. 294. Para
I Mezger, Tratado, vol. I, p. 172, no conceito de ação está com­
preendido o conceito de resultado. Resultado, porém, é a total
realização típica exterior, ou seja, a totalidade dos efeitos que
produz no mundo exterior o ato de vontade (p. 174), compreen­
dendo tanto a conduta corporal do agente, como o resultado
l i exterior (Aussenerfolg). Haveria, assim, um resultado em sen­
I H tido estrito (que não é indispensável a todos os crimes)., e um
resultado em sentido lato (cf. Studienbuch, p. 63). Contra a
concepção de Mezger, Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 59, obser­
va: tale terminologia non può servire che ad accrescere la con-
fusione già notevole in tale argomento.
•z122. Esta opinião remonta a Binding, Liszt-Schmidt,
( Lehrbuch, p. 157. Veja-se ainda, no mesmo sentido, Zimmerl,
> Aufbau des Strafrechtssystems, 1930, p. 45; Meyer-Allfeld,
£ \ Lehrbuch, p. 99-nota 7; Antolisei, Uazione e Vevento nel reato,
) 1928, p. 99; Van Calker, Strafrecht, 1927, p. 25; Ranieri, Dir.
d Pen., p. 182; Maurach, Lehrbuch, p. 148; Radbruch, Handlungs-
B
begriff, p. 75.
123. Êste conceito realmente não é naturalístico, porque
introduz um elemento de valor ação jurídica quando limita o
Conduta Punível 69

sultado, ou seja, crimes cuja existência não depende da \


superveniência de um acontecimento distinto da ação \
ou da omissão, como nos crimes omissivos puros e nos •
crimes formais ou de simples atividade. 1
A segunda concepção é a que nos oferece o con­
ceito jurídico', evento é a lesão ou perigo de lesão de
um bem ou interêsse tutelado pela norma penal. Em
todo crime seria, assim, reconhecível, necessàriamente,
um evento de dano ou de perigo: não há crime sem
evento.
Os que defendem o conceito naturalístico ou ma­
terial de evento afirmam que a ofensa ou a lesão não
pode ser um efeito, um resultado do fato, sendo apenas '
uma qualidade do mesmo124, de modo que, quando se /
faz referência ao evento como dano, não se considera
o resultado da conduta, mas se valora uma consequên-

evento ao resultado juridicamente relevante. Pode-se dizer


apenas que é conceito de base naturalística ou que parte de
fundo naturalístico. Para um conceito puramente naturalístico, V
que constitui posição rara na doutrina, cf. Dali/Ora, Condotta
omissiva, p. 168; Carnelutti, Teoria, p. 187.
124. Antolisei, Uevento e il códice penale, in Scritti, p.
271: A ofensa é em si eventualmente modificação do mundo
jurídico: em nenhum caso é modificação da realidade exterior.
L’offesa di per sè non è un effetto vero e proprio deWazione,
ma lo stesso fatto (risultato esteriore deWazione o simplice azio-
ne) considerato da un punto di vista speciale, e precisamente
dal punto di vista delia tutela apprestata dalVordinamento giu-
ridico a determinati interessi. Petrocelli, Principi, p. 331: o fato ;
de ser de dano ou de perigo, é já uma qualificação do evento.
Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 65: o evento é fato natural. A
ofensa jurídica tem existência meramente normativa e se veri- ;
fica, não no mundo sensível, mas no mundo do direito, no :
campo de dever ser.

I
i!
1
70 Heleno Cláudio Fragoso

i
cia do crime 125. Observa-se, por outro lado, que a dis­
I tinção entre crimes de dano e de perigo é extremamen­
te imprecisa e que a análise de várias figuras de delito
?
demonstra que em muitos casos a existência do crime
não depende da superveniência de um resultado do com­
I
portamento, o que basta para tornar válida a categoria
II
IV
de crimes sem evento 12°. Na solução de vários proble­
mas, o efeito natural da conduta deve ser considerado
I (relação de causalidade, tentativa, delitos omissivos im­
próprios, etc.) e é certo que em várias oportunidades a
lei contrapõe o evento à ação ou omissão. A lei não
se refere a resultado como modificação do mundo jurí­
i dico, mas como modificação da realidade exterior, cau­
I
sada pela conduta ,27. Santoro chega a dizer que a pró­
pria distinção entre crimes dolosos e culposos, que se
funda na voluntariedade ou não do evento, não seria

125. Ranieri, Dir. Pen., p. 181; Bettiol, Dir. Pen., p. 200:


“A questão da lesividade do fato diz respeito ao capítulo da
antijuridicidade, isto é, do fato enquanto contrasta com os
interésses tutelados”. No mesmo sentido, Soler, Der. Pen., vol. I,
:|
p. 299; José Frederico Marques, Curso, Vol. II, p. 66.
I 126. Antolisei, Manuale, p. 185; Petrocelli, Principi,
p. 299.
I
I 127. Antolisei, Manuale, p. 160; Ranieri, Dir. Pen., p. 182.
i A concepção naturalística surge, assim, como exigência prática
da ciência do direito. Admitem a existência de crimes sem
evento: Von Hippel, Strafrecht, vol. II, p. 131; Radbruch, Hand-
■4
lungsbegriff, p. 137; Meyer-Allfeld, Lehrbuch, p. 104; Finger,
j Lehrbuch des deutschen Strajrechts, 1904, vol. I, p. 240; Pérgo­
B la, II reato, 1930, p. 343; Frank, Kommentar, p. 12; Petrocelli,
■ I Principi, p. 329; Ranieri, Dir. Pen., p. 183; Santoro, Circostanze,
p. 152; Beling, Lehre vom Verbrechen, 1906, p. 204; Hirschberg,
Die Schutzobjekte der Verbrechen, in StrAbh, Helft 113 (1910),
p. 23; Dall'Ora, Condotta omissiva, p. 6; Bettiol, Dir. Pen., p.
201; Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 63.
Conduta Punível 71

inteligível senão destacando o evento da ação e enten­


dendo-o como acontecimento natural, dependente des^
ta 127 bis

26. Os que defendem o chamado conceito jurídico


afirmam que evento é o efeito jurídico, que consiste na
lesão ou periclitação do interêsse tutelado. Massari
afirmava que o conceito de violação postula, na ordem
jurídica, o de lesão, e que o conceito de lesão postula o
v 1
\
de evento 12S. Observa-se ainda que crime sem evento ,
seria ação ou omissão juridicamente irrelevante e que o
resultado que o direito considera é a lesão jurídica, e
não quaisquer efeitos naturais da conduta129. Todos os .
crimes têm evento, mesmo aquêles que se consumam
com a simples atividade, havendo nestes uma coincidên- :
cia cronológica entre ação e evento, a qual não nos deve '
iludir sobre a dualidade lógica dos conceitos 13°.
Tendo em vista as disposições contidas no direito
italiano e no direito brasileiro, há ainda um valioso ar­
gumento a reforçar o entendimento de que não há crime

127 bis. Santoro, Circostanze, p. 150. Há grande improprie­


dade em afirmar que o evento pode ser voluntário. Como muitos
já observaram, só há vontade da ação. Cf. Frank, in ZStW, vol.
10, p. 204; M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 113; List-Schmidt, Lehr­
buch, p. 155; Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 304.
128. Massari, II momento esecutivo, p. 46; Id., Le dottrine
generali, p. 123.
129. Pannain, Manu ale, p. 228.

130. M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 119. Afirmam que não há


crime sem evento: Manzini, Trattato, vol. I, p. 540; Vannini,
Istituzioni, p. 144; Massari, loc. cit.; Delitala, II jatto, p. 164;
Maggiore, Dir. Pen., vol. I, p. 241; Cecchi, L'evento nel reato,
1931, p. 31; Sabatini, Istituzioni, vol. I, p. 243; De Marsico, Dir.
72 Heleno Cláudio Fragoso
I
I sem resultado. Os artigos 40 e 43 do Código Rocco e os
artigos 11 e 15 de nosso vigente diploma penal, ao trata-
’ rem da relação de causalidade e da culpabilidade, parece
: deixarem claro que a todo crime é necessário um resul-
■ tado ou um acontecimento exterior à conduta. A Ex­
posição de Motivos de nosso código (§ 13) esclarece o
pensamento do legislador a respeito, de forma a excluir
qualquer dúvida131. Estas disposições do direito po­
sitivo, porém, ao que parece, não convencem os adversá­
rios daquela tese. Antolisei afirma que o argumento
literal que se extrai dos artigos 40 e 43 é frágil, pois a
expressão demonstraria apenas que a existência de um
crime pode depender de um evento, não se excluindo,
! porém, que possa haver crime sem evento. Ademais,
nada impede que na disposição sôbre a culpabilidade a
palavra resultado venha empregada como evento em sen­
! í tido jurídico, o que não deve surpreender, já que o códi­
I! i go adota, em outras passagens, o mesmo têrmo com
i P
significados diversos (ação, fato, circunstância, punibi-
I í }
lidade, crime, etc.)132. Para Petrocelli, ainda que um

II !
Pen., p. 100; Battaglini, Dir. Pen., p. 173; Pannain, Manuale,
p. 229; Rocco, L’oggetto del reato, p. 316. Entre nós, Nelson
f
Hungria, Comentários, vol. I, p. 190; Aníbal Bruno, Dir. Pen.,
vol. I, p .291; Basileu Garcia, Instituições, vol. I, p. 204; João
Bernardino Gonzaga, O crime de omissão de socorro, p. 47. Cf.,
I ainda, nesse sentido, Asúa, La ley y el delito, p. 265, bem como
Pisapia, Introduzione, p. 93 e Leone, Del reato abituale, p. 403.
, 131. “Com o vocábulo resultado, o citado artigo designa
o efeito da ação ou omissão criminosa, isto é, o dano efetivo ou
- potencial, a lesão ou perigo de lesão de um bem ou interêsse
-1 í penalmente tutelado. O projeto acolhe o conceito de que não
I há crime sem resultado”.
I -------------
132. Antolisei, Manuale, págs. 160/161, Grispigni, Dir. Pen.,

I I !' vol. II, p. 66, entende que os artigos 40 e 43 referem-se apenas


Conduta Punível 73

argumento literal pudesse extrair-se dos artigos 40 e 43,


sobre a existência de evento em todos os crimes, isto não
exclui que a doutrina possa corrigir o êrro 133.

27. A tendência da doutrina é hoje no sentido de


reduzir a disputa sobre o evento a proporções mais mo­
destas. Delitala já observava que a distinção que se es- \
tabelece entre o conceito natural e o jurídico é mais apa- y. \
rente que real, quando se limita o evento ao resultado
natural relevante para o direito: Veffetto naturale giuri-
dicamente relevante non è altro che Veffetto danoso13'.
Muitos autores assinalam que a controvérsia é pura­
mente terminológica, dependendo do ponto de vista que
se adote, não faltando os que reconhecem como válidas
as duas concepções135.

ao tipo comum e frequente de crime, que é o que tem evento,


ao passo que os crimes sem evento apresentam-se como forma
excepcional.
133. Petrocelli, Principi, p. 328.
134. Delitala, II fatto, p. 170. O autor evidentemente se
engana, porque o efeito natural relevante para o direito pode
ser a realização do tipo, independentemente da indagação sôbre
o dano.
135. Mezger, Tratado, vol. I, p. 176; Liszt-Schmidt, Lehr-
buch, p. 154. Costa e Silva, Código Penal, 1943, p. 60: “Na ques­
tão de saber se todo crime tem evento, a divergência é de sim­
ples terminologia. Uns e outros têm razão no ponto de vista
em que se colocam”. Florian, Trattato, vol. I, p. 591: Modesta­ V-
mente noi ritieniamo che Vargomento non valga tante fati- V
i che e cosi sottili dissertazioni. Pronuncia-se„ porém, confusa­
mente, pois afirma que o evento não é requisito do crime
(p. 587), mas considera como evento o resultado de lesão ou
perigo (p. 586) e declara que não há crime sem evento (p. 588).
5 Sabatini, Istituzioni, vol. I, p. 278, entende que o evento pode
*

74 Heleno Cláudio Fragoso

á Crimes materiais e formais


28. Ao debate em torno da existência ou não de
crimes sem evento está ligada a classificação dos delitos
em materiais e formais.
Os critérios que presidem a esta classificação nem
sempre são os mesmos. Partindo da estrutura da ação,
alguns entendem que os crimes formais são os crimes
de simples ou pura atividade {reine oder schlichte
Taetigkeitsdelikte), contrapondo-se aos crimes materiais
ou crimes de resultado {Erfolgsdelikte). Pressupõe-se,
assim, que o evento é o resultado exterior da ação e que
pode não existir em certos crimes 13C. Opõem-se a esta
construção os que recusam a tese de crimes sem evento.
Alguns, porém, apresentam uma variante: crimes for­
mais são aquêles em que o evento (jurídico) coincide
-C, com a ação, e crimes materiais são aquêles em que o
j •evento constitui resultado exterior da ação ou omissãoJ37.
i'
I ser material ou jurídico. Êste último é que deve ser indefectível.
i -I Battaglini, Dir. Pen., p. 171 (evento em sentido formal e em
sentido substancial). Deve ainda ser mencionado que alguns
* autores entendem que evento é a realização concreta do con­
teúdo da figura típica do delito (Verwtrklichung eines Kon-
Kreten Delikstatbestandes) , só nesse sentido admitindo que
não há crime sem resultado. Cf. Von Hippel, Strafrecht, vol. II,
p. 132; Maurach, Lehrbuch, p. 201; Maggiore, Dir. Pen., vol. I,
í p. 269.
136. Graf zu Dohna, Aufbau der Verbrechenslehre, p. 14;
I Florian, Trattato, vol. I, p. 593; Bettiol, Dir. Pen., p. 202; Be-
ling, Esquema (Grundzuege), p. 45. Contra os crimes de pura
atividade: Pannain, Manuale, p. 228; Nelson Hungria, Comen­
tários, vol. I, p. 190; Delitala, II fatto, p. 170; Massari, II mo­
mento esecutivo, p. 86-nota; Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 155;
- Rocco, Uoggetto del reato, p. 321.
137. Sabatini, Istituzioni, vol. I, p. 279; Vannini, Ltneamen-
ti, p. 87; Maurach, Lehrbuch, p. 148; Basileu Garcia, Instituições,
Conduta Punível 75

Outros, porém, entendem que a classificação tem por


base o momento consumativo do crime e se funda na
relação entre o elemento objetivo e a intenção do agente.
Crimes materiais seriam aquêles que se consumam com
a verificação do resultado visado pelo agente, consistente
na ofensa de fato ao bem tutelado. Crimes formais, os
que se consumam independentemente do resultado visa- \
do pelo agente, ao qual a lei exige seja a vontade dirigi- . \
da. Crimes formais seriam, pois, crimes de consumação
antecipada,3S. J
Esta classificação tem sido criticada e vivamente
combatida, pondo-se em dúvida o valor prático que apre­
senta 13u. Em seu favor, observa-se que só nos crimes
materiais surge a questão da causalidade física como
fundamento da responsabilidade penal; que crimes for­
mais não podem ser comissivos por omissão e que nêles

vol. I, p. 204; Battaglini, Dir. Pen., p. 172; Asúa, La ley y el


delito, p. 265.
138. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 81; Santoro, Dir. Pen.,
p. 15; Meyer-Allfeld, Lehrbuch, p. 104; Pannain, Manuale,
p. 237; Sermonti, La figura giuridica del reato formale, p. 24.
Carrara, Programa, § 99, de certa forma, antecipava esta con­
cepção, definindo crime formal aquele que se consuma com ai v-
simples violação do direito subjetivo. Crime material seria *
aquéle em que a consumação requer ademais a violação do
direito em seu objeto, isto é, que se tenha privado do bem que
constitui objeto do direito. Petrocelli, Principi, p. 330, acolhe
a definição de Carrara.

139. Von Hippel, Strafrecht, vol. II, p. 132, criticava as ex­


pressões “delito formal” e “delito material”. Maurach, Lehrbuch,
p. 201. Partindo de diferentes premissas, cf. Rocco, L’oggetto
del reato, págs. 318 e segs.; Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 155;
M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 117; Saltelli-Romano, Comento, vol.
I, p. 251.

76 Heleno Cláudio Fragoso


! 4
1 Í-Í4 não pode haver crime falho nem arrependimento eficaz.
A isto se acrescente que o reconhecimento do caráter for­
mal de um delito é extremamente útil na aplicação da
7» lei penal.
x

Evento em relação ao objeto da tutela jurídica


í

29. Os que admitem o evento no sentido jurídico


entendem que êle constitui sempre a lesão do interêsse
penalmente tutelado, representando, conforme o caso,
um resultado de dano ou perigo. Os que admitem ser
h o evento apenas o resultado material da conduta susten­
tam que a indagação sobre a natureza do evento perten­
‘ -
ce à antijuridicidade, reconhecendo, porém, em regra,
que a ofensa a que o evento corresponde constitui dano
ou perigo, conforme a figura de delito descrita no mo-
i 1! dêlo legal. Os fatos puníveis são, assim, em geral, clas­
sificados em crimes de dano e crimes de perigo. Tal
classificação, todavia, não é pacífica. Binding susten­
tava que os crimes se distinguem em delitos de agressão
i (Angriffsdelikte) e delitos de simples desobediência {De-
likte einfache Ungehorsams), sendo êstes últimos os cri­
mes de perigo abstrato 140.
A idéia de Binding ressurge em outros autores. Flo-
rian, por exemplo, classificava os crimes em três cate­
gorias : de dano, de perigo e de simples atividade. Nestes
• I . últimos, o fato punível se configura independentemente
da efetividade de um evento danoso ou perigoso, que
a lei não exige 141. Grispigni procura introduzir a cate­
i
goria de crimes com evento não ofensivo, entendendo que
i
140. Binding, Normen, vol. I, p. 399.

1 141. Florian, Trattato, vol. I, p. 592.


I
Conduta Punível 77

não se pode considerar como de perigo todos os eventos


que não são de lesão: Só se pode falar de perigo quando
a lei exige que se verifique se o evento apresenta exata­
mente o caráter de perigo. Crimes com evento não ofensi- .
vo seriam os crimes que a doutrina dominante classifica .
como de perigo abstrato ou presumido (ex.: instigação a
delinqúir, denunciação caluniosa, injúria, etc.) 142. A
idéia de evento não ofensivo é considerada absurda e z
inadmissível pelos que sustentam o conceito jurídico de \ .
evento.

Dano

30. Há certa imprecisão terminológica na doutrina,"


aparecendo a palavra dano como sinónima de lesão e .
ofensa. Rocco, a quem se deve a mais valiosa aprecia- '
cão da matéria, identificava o dano e a lesão, entendendo
que dano não é mais que a lesão considerada do ponto de
vista da pessoa lesada e que a lesão não é mais do que
o dano considerado do ponto de vista de quem o infli­
ge 143. Grispigni e Antolisei adotam o vocábulo ofensa
como expressão genérica, que compreende o dano e o •I
142. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 69. O autor entende I
que a distinção entre perigo concreto e presumido (ou abstrato),
deriva de um equívoco, que é o de confundir o momento legis­
lativo com o judicial e dogmático. Entre os autores que dão
aos crimes de perigo presumido uma categoria especial, cf. Be-
ung, Esquema (Grundzuege), p. 45 e Meyer-Allfeld, Lehrbuch,
p. 100: admitem a existência de crimes em que se incrimina
uma ação ou omissão como tais, nos quais o perigo não é ca-
racterística do tipo, mas apenas motivo para o legislador, que
presume sua existência.
143. Rocco, Uoggetto del reato, p. 200. No mesmo sentido,
Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 74.
li
78 Heleno Cláudio Fragoso
*1
f perigo, como espécies. Carnelutti, porém, entende que
ofensa é a ação delituosa, e dano, o evento 144.
A ideia central que constitui o conceito de dano é
a da alteração prejudicial de um bem. Rocco entendia
que dano, em sentido jurídico é a subtração ou a diminui­
ção de um bem; o sacrifício ou a restrição de um inte-
i rêsse alheio, garantido por uma norma jurídica145. É
inútil procurar distinguir se o dano atinge o bem ou
interêsse jurídico, pois é evidente que não se pode atingir
um bem sem afetar o interêsse que o tem por objeto146.
O dano parte, assim, de uma base naturalística, mas
é conceito essencialmente jurídico, pois é necessário que
o objeto do dano seja um bem tutelado pelo direito, ou
! H; seja, um bem jurídico 147. Bettiol esclarece esta idéia
r
j; quando ensina que o conceito de dano é puramente nor­
mativo e que, naturalísticamente falando, o dano não
existe: é fruto de uma valoração. Os eventos naturais
só assumem a categoria de dano quando são considerados
lesivos a situações que interessam à vida de relação entre
!
144. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 73; Antolisei, Uoffesa
e il danno nel reato, p. 70; Carnelutti, Teoria, p. 231. Segundo
a nomenclatura de Carnlutti, o perigo seria uma espécie de
dano (p. 194). Bettiol, Dir. Pen., p. 238, também entende que
dano é expressão genérica, sendo o perigo dano em potencial,
e, pois, uma especificação do dano. Cf., ainda, Petrocelli, L’An-
tigiuridicttà, 1951, p. 134; Sabatini, Istituzioni, p. 242.
145. Rocco, L’oggetto del reato, p. 276 .
146. Rocco, L/oggetto del reato, p. 283. Pannain, Manual e,
p. 230, entende que o dano e o perigo somente se referem ao
■ bem, e Carnelutti, II danno e il reato, p. 25 e Teoria, p. 194,
afirma que dano é tão somente a lesão de um interêsse.
i! 147. Sôbre o conceito de bem jurídico e o objeto da tutela
jurídica, cf. Heleno Cláudio Fragoso, Objeto do crime, Revista
Forense, vol. 189, págs. 53 e segs.
i q
Conduta Punível 79
‘ ■
os homens. Em consequência, smente através da ação
humana, culpável ou não, é possível haver dano em sen­
tido jurídico: pela simples ação de forças naturais não
há dano 148.
II
Carrara distinguia o dano efetivo do dano potencial.
Dano efetivo haveria quando ocorresse realmente a perda
do bem atacado, e dano potencial quando tal perda, Ir I
conquanto não tivesse ocorrido de todo com o resultado I il I
do ato externo, êste tenha revelado a potência de cau­
sá-la, com isso se completando a violação de um direi- f í
to 14°. Êste dano “potencial” nada mais é que perigo 15°. ’ V
Outra distinção clássica que aparece na obra de
Carrara e na de outros autores é a que se faz entre dano
direto ou imediato e dano indireto ou mediato 1W. O dano
mediato consistiria na ofensa ao sentimento de seguran­
ça de todos os cidadãos, ou seja, no alarma social provo­
cado pela ação delituosa. Alguns autores modernos re- ;
conhecem a existência de um dano mediato em todos os
crimes, considerando-o um misto de dano e perigo 152. .
V
Trata-se, porém, de concepção despida de qualquer in-
terêsse prático.

148. Bettiol, Dir. Pen., págs.237/8; Petrocelli, L’Antigiu-


ridicttà, 1951, p. 119: Per aversi danno in senso giuridico non
basta il verificarsi naturale di esso, ma occore si tratti di danno
il
che abbia rilevanza per il diritto, di un danno cioè la cui pre-
venzione o riparazione è disposta, con mezzi giuridici, a carico
di un soggetto e a javore di un altro.
I
149. Carrara, Programa, § 96. I

150. Rocco, Uoggetto del reato, p. 281; Grispigni, Dir.


Pen., vol. II, p. 74. Rocco afirma que não é possível distinguir
‘i
entre dano potencial e perigo de dano (p. 284).
151. Carrara, Programa, §§ 102 e 121. If
152. Cf. Rocco, L’oggetto del reato, p. 285. ■v

!IL
•II
80 Heleno Cláudio . Fragoso

I Perigo
pi
ii 31. O conceito de perigo é geralmente referido ao
vI
de dano, sendo, como já vimos, considerado uma especi­
ficação do dano, ou dano em potencial. Observava Flo-
rian que é questão puramente terminológica saber se o
! perigo é espécie do dano ou se com êste constitui lesão
ou ofensa.
I • Existem fundamentalmente duas concepções a res­
peito do perigo. Uma subjetiva, segundo a qual o perigo
não tem existência concreta, sendo apenas fruto de nossa
imaginação e de nossa incapacidade de conhecer todas
as causas e condições dos fenômenos. Não existem acon­
tecimentos perigosos, mas tão somente necessários ou
não necessários153. À teoria subjetiva contrapõe-se a
objetiva, que sustenta haver um perigo objetivo, baseado
i I na possibilidade objetiva de superveniência do dano. O
perigo seria, assim, um trecho da realidade, com existên­
cia fundada na experiência comum. Não é verdade que
existam apenas fenômenos necessários ou não necessá­
rios, já que podemos afirmar ser um fenômeno possível
ou provável, tendo em vista a potencialidade causal de
seus antecedentes, com base na experiência do que ge­
ralmente ocorre154.
Rocco parte da determinação do conceito de possi­
bilidade e de probabilidade, junto ao conceito de dano,
I para estabelecer o conceito de perigo. Perigo é a po-

H 153. Partidários da teoria subjetiva, entre outros, Janka,


Finger, Von Buri. Cf. bibliografia e extensa exposição crítica
i ’ í sôbre a matéria em Rocco, L’oggetto del reato, págs. 285 e segs.
í . li 154. Sustentam a teoria objetiva, entre outros, Von Kries,
Binding, Von Liszt, Florian. Cf. Rocco, Uoggetto del reato,
págs. 288 e segs. Entre nós, Everardo Luna, O resultado, no Di­
II i reito Penal, 1959, p. 61.
i
Conduta Punível 81

tência (aptidão, idoneidade, capacidade) de um fenôme- ■ I


no para causar a perda ou a diminuição de um bem, o | I
sacrifício ou a restrição de um interêsse jurídico alheio. !| .
II
O debate entre estas duas concepções é teórico e i < I1 f
pode-se dizer ultrapassado. Hoje a doutrina reconhece,
de forma mais ou menos tranquila, que o perigo é cons­
h
i
■s

1
tituído de um elemento objetivo e de um elemento subje­ I -
tivo, o que, aliás, ja era admitido por Rocco 155. Objetiva­
mente, constitui perigo o conjunto das circunstâncias e I
condições em que se verifica o fato de que pode surgir
o dano; subjetivamente, integra-o o juízo sôbre o perigo
(Gefahrlichkeitsurteil), ou seja, o juízo que estabelece,

com base na experiência, a possibilidade ou a probabili­ F
dade de superveniência do dano. O perigo é, assim, uma
‘I
í
realidade e uma abstração. O juízo deve ser realizado de
!i
acordo com a chamada prognose póstuma, avaliando o
.sujeito ex ante as possibilidades do evento temido. Fa­ I!
la-se aqui também em perigo subjetivo e perigo objetivo,
conforme o juízo sôbre a existência do perigo seja for­
mulado pelo agente ou pelo juiz 15°. A doutrina geral­
mente sustenta que o juízo deve ser objetivo, no sentido
de ser estranho ao agente, provindo da coletividade e vá­
lido para todos, tendo-se em vista as circunstâncias
II
cognoscíveis pelo homem médio. Em qualquer caso, êsse II í
juízo deve ser formulado pelo julgador 157.

155. Rocco, L’oggetto del reato, p. 303: Ogni pericolo è un


quid di subiettivo, anzi di obiettivo e subiettivo insieme, e non
esiste un pericolo puramente oggettivo e puramente soggettivo.

156. Rocco, Uoggetto del reato, p. 303; Mezger, Tratado,


HHl
vol. I, p. 252. di
157. Antolisei, Manuale, p. 163. Grispigni, Dlr. Pen., vol.
II, p. 77, entende que o perigo deve ser constatado objetivamen- ií

!•

7
82 Heleno Cláudio Fragoso
i ■

i p. 32. Divergência mais séria é a que existe com refe­


rência ao grau de possibilidade exigido para configurar
o perigo. Rocco dizia que perigo não é apenas a possi­
bilidade próxima do dano; a probabilidade, maior ou me­
nor, do dano (perigo próximo), mas é a possibilidade de
dano em geral, baixa ou elevada, maior ou menor, próxi­
ma ou remota (perigo próximo ou remoto): per il con-
> cetto del pericolo è indifferente il piu o il meno, il grado
di possibilita158. Seguindo a Rocco, muitos se conten­
tam com a simples possibilidade 15°. Outros, porém, sus­
tentam a insuficiência da simples possibilidade, afirman­
l do que esta compreende também o improvável, o raro e
o raríssimo, sendo bastante considerar que, com a admis-
são da possibilidade, teríamos de prescindir do indis­ «
pensável reflexo subjetivo do perigo, que é o temor ,<w.
Torna-se, pois, necessário reconhecer uma possibilidade

h próxima 101, uma relevante possibilidade 102 ou uma pro-

te, na base dos conhecimentos do juiz, eventualmente assistido

l de peritos.
158. Rocco, Uoggetto del reato, p. 303.
159. Florian, Trattato, vol. I, p. 411; Delitala, II fatto,
p. 169; Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 25; M. E. Mayer,
Lehrbuch, p. 128; Von Weber, Grundriss, p. 56; Hellmuth Mayer,
Strafrecht, p. 69.
160. Antolisei, Manuale, p. 161; Petrocelli, Principi,
íI p. 334.
I I 161. Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 158: Nahe Moeglichkeit.
Meyer-Allfeld, Lehrbuch, p. 100; Mezger, Studienbuch, p. 83.
162. Pannain, Manuale, p. 233; Petrocelli, Principi. p, 334;
Grispigni, Dtr. Pen., vol. H, p. 76. Nelson Hungria, Comentários,
vol. I, p. 195, também declara a insuficiência da mera possibili­
dade. Aníbal Bruno observa que é sutilíssima a linha que pode
Conduta Punível 83

balidade 163. Santoro chega a afirmar que a probabili-


dade a ser considerada pelo jurista coincide com a proba­
/
bilidade matemática ou estatística: prevalência das con- ' ,
dições favoráveis à verificação de um acontecimento, sô- \
bre as condições contrárias. Os que exigem a probabili­
dade, porém, em regra afastam-se do critério matemático,
contentando-se com qualquer grau de probabilidade,
desde que tenha certo relêvo (Antolisei) .
Alguns referem-se, indistintamente, a possibilidade
ou probabilidade 1C4, indicando que nem todos os casos
podem ser resolvidos com o mesmo critério. Na tenta- t
tiva, por exemplo, para julgar-se da idoneidade dos atos I
praticados, não seria necessária a probabilidade, sem
contar que a própria lei, em certas passagens, parece
contentar-se com uma possibilidade de menor grau 165.

distinguir esta relevante possibilidade da verdadeira probabi­


lidade (Dir. Pen., vol. I, p. 574).
163. Santoro, Dir. Pen., p. 149; Antolisei, Manuale, p.
162; Santoro, Circostanze, p. 157; Carnelutti, Teoria, p. 194;
Bettiol, Dir. Pen., p. 238; Maggiore, Dir. Pen., vol. I, p. 285;
Ranieri, Dir. Pen., p. 185; Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 574,
Rastiglia, II reato di pericolo nella dottrina e nella legislazione,
1931, p. 23, entende que em certos casos o perigo pode consistir
em relevante possibilidade, mas em casos maiores é indispen­
sável real probabilidade. Cit. por Manzinx, Trattato, vol. I, p. 596,
que observa ser a possibilidade notável ou relevante autêntica
probabilidade. Muitos autores alemães aderem a esta corrente
exigindo a Wahrschetnlichkeit da superveniência do dano. As­
sim, Maurach, Lehrbuch, p. 202 e Welzel, Strajrecht, p. 39.
164. Manzini, Trattato, vol. I, p. 595 e Sabatini, Istituzioni,
vol. I, p. 283.
165. Isto ocorreria nos crimes contra a inviolabilidade dos
segredos (arts. 153 e 154), nos quais o fato só é punível se a
divulgação ou revelação puder produzir dano a outrem. Cf.
> 1

84 Heleno Cláudio Fragoso

33. É comum classificarem os autores os crimes de


perigo em crimes de perigo concreto e de perigo abstra­
i 1
to ou presumido. Nos primeiros, a consumação depende
da efetiva superveniência de uma situação de perigo. Nos
últimos, o perigo é presumido e o crime não depende da
efetiva constatação do perigo, sendo irrelevante a prova
de que não houve qualquer probabilidade de dano (ex.
epidemia). Os autores italianos afirmam que não há pe­
rigo abstrato: todo perigo é concreto. O que há é tão so­
mente perigo presumido 10°. Os autores alemães, todavia,
usam correntemente a expressão crimes de perigo
abstrato.

Limitação do evento

34. Seja qual fôr a concepção adotada sobre o con­


ceito de evento, isto é, seja êle considerado naturalísti-
camente, como o resultado da conduta no mundo exte-

Manzini, Trattato, vol. I, p. 596. Sabatini, Istituzioni, vol. I, p.


283, entende que nestes casos não há perigo, mas dano poten­
cial: incrimina-se aqui a conduta pelo só fato de se revelar
idónea para causar a lesão do bem jurídico, idoneidade essa
que constitui o evento de lesão potencial ou dano potencial.
O autor procura reviver a velha categoria de Garrara (cf. nota
. 150, supra) , que não resistiu às críticas que lhe foram opostas.
Dano potencial e perigo são a mesma coisa. Grispigni, Dir. Pen.,
vol. II, p. 74, entende que a expressão “se do fato derivar pre­
juízo” é substancialmente idêntica à seguinte: “se do fato de­
rivar perigo de prejuízo”.
166. Rocco, Uoggetto del reato, p. 304; Antolisei, Manuale,
p. 186; Petrocelli, Prindpi, p. 340; Saltelli-Romano, Commen-
' to, vol. I, p. 236. A categoria de pericolo appreso (perigo de
perigo) e pericolo corso (perigo passado), que formulou Garrara,
j
não se atribui hoje na doutrina maior relevância. Cf. Antolisei,
Manu ale, p. 163 e Rocco, L’oggetto del reato, p. 310.
-I í
Conduta Punível
85
rior, relevante para o direito; seja entendido como lçS£O
ou ofensa ao bem ou interêsse jurídico tutelado, é neCeS_
sário estabelecer seus limites.
Carrara concebia a existência de crime “exaurido”
ou “esgotado”, que reconhecia nas hipóteses em que>
após a consumação, ocorressem outras consequências que
viessem modificar os efeitos da ação delituosa. Crime
exaurido seria aquêle que tivesse produzido todos os efei­
tos danosos a que o agente visava107. A doutrina não
reconhece qualquer direito de cidadania a esta categoria
de crimes na moderna Dogmática Jurídico-Penal. Roc-
co dizia que objetivamente nunca o crime está exaurido,
pois não há modificação do mundo exterior que não pos­
sa produzir, por seu turno, modificações ulteriores. Por
outro lado, o que sucede após a consumação não tem
relevância jurídica 1CS.
Resultados relevantes para o direito são também as
condições de maior punibilidade, que certas agravantes
configuram, bem como as condições objetivas de puni­
bilidade, que se situam no desdobramento causal da
ação. Em verdade, alguns autores afirmam que os re­
sultados que importam em aumento de pena também

167. Carrara, Programa, § 49 bis. A matéria foi objeto de


elaboração doutrinária com a obra de Barsanti, Del delitto
esaurito, 1890.
V
168. Rocco, Uoggetto dei reato, p. 316; Maggiore, Dir. Pen.,
vol. I, p. 270: La categoria del delitto esaurito mentre ha un
serio fondamento logico, perchè mette in valore Vinfinito pro­
cesso delle cause e degli ejjetti, non ha una giustijicazione in
sede dommatica. O que ocorre após a consumação só pode ser
considerado na medida da pena. É o que os alemães chamam
de Straflos Nachtat. Cf., ainda, Grispigni, Dir. Pen., vol. II,
p. 63.
!

86 Heleno Cláudio Fragoso


i 61 ■ i

constituem evento 10°, estendendo esta categoria inclusive


'. i . às condições objetivas de punibilidade 17°.
Admite-se, assim, a pluralidade de eventos. Os par­
i tidários do conceito jurídico de evento também admitem,
Jjl em regra, a pluralidade de eventos, já que de uma só
ação pode surgir ofensa a vários bens jurídicos. Assim,
um só resultado material (conjunção carnal) pode cons­
tituir várias figuras de delito a um só tempo (adultério,
estupro e incesto 171. Admite-se também pluralidade de
eventos nos crimes complexos 172. Embora seja neste sen­
>! tido a doutrina dominante, alguns autores se pronun­
ciam no sentido da unidade do evento, distinguindo-o
das circunstâncias agravantes e das condições objetivas
H de punibilidade. Pannain afirma que mesmo nos crimes
complexos há unidade de evento, porque há sempre um

r, í|
169. Antolisei, Manu ale, p. 159.
170. Florian, Trattato, vol. I, p. 600; Grispigni, Dir. Pen.,

I vol. II, p. 79 (crimes qualificados pelo evento); Petrocelli,


Principi, p. 331; Ranieri, Dir. Pen., p. 183; Bettiol, p. 165; Ric-
cio. I delitti agravati dali’evento, 1936, p. 20; Delitala, II fatto,
p. 175. Contra: Maggiore, Dir. Pen., p. 272; Pannain, Manuale,

p. 231.
171. Admitem, neste caso, a pluralidade de eventos, Mas-
sari,Le dottrine generali, p. 233 e Delitala, II fatto, p. 203. Con­
tra: Santoro, Circostanze, p. 146: pode o crime apresentar ao
mesmo tempo evento de dano e de perigo. Cf. Santoro, Dir.
Pen., p. 156.
B i 172. Battaglini, Dir. Pen., p. 173. Contra: Leone, Del reato
abituale, continuato e permanente, 1933, p. 371. Dos crimes com
5 I
pluralidade de eventos alguns distinguem os crimes com duplo
evento, nos quais dois eventos são elementos constitutivos. Um
:! exemplo seria o crime de dano com perigo de incêndio, previsto
no art. 424 do Cod. Rocco. Cf. Santoro, Circostanze, p. 156;
Delitala, II fatto, p. 175.
Conduta Punível 87
• I
interêsse prevalente que caracteriza o delito e lhe em-|
presta objetividade jurídica173. Como se vê, êste é um '■ V
2
dos setores em que a teoria da ação apresenta graves ‘
incertezas doutrinárias.
I

I
I
I

I
I
I;
173. Pannain, Manu ale, p. 231.

í
V

RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

35. O entendimento de que a relação de causali­


dade constitui uma característica geral do delito, desen­
volveu-se com a obra de Von Buri, em 1863. Os autores
antigos somente cogitavam da causalidade em relação
ao crime de homicídio, para declarar como causa a ação
que necessàriamente tivesse produzido o resultado. Dis­
tinguiam, assim, a letalitas absoluta e relativa, in abs-
tracto e in concreto, per se ou per accidens. Apesar de
referências ao problema em alguns precursores, é a par­
tir dos trabalhos de Von Buri que se fixou a relevância
da ação delituosa como causação de um resultado e a
importância da imputação objetiva do mesmo à conduta.
Os praxistas, porém, já haviam estabelecido a distinção
entre a imputatio facti e a imputatio juris.
O nexo causal assumiu, assim, a condição de cate­
goria fundamental na economia do delito, idéia grande­
mente influenciada pela filosofia positivista do século
passado. O crime surge como um processo de causa­
ção de um resultado, ou seja, de modificação do mundo
exterior. Esta é a concepção que alguns autores moder­
nos têm chamado de dogma causal, a que já nos referi­
mos, ao estudar o surgimento da teoria finalista da
ação. A tendência moderna é a de limitar a importância
da matéria, afirmando-se que a questão do nexo causal
90 Heleno Cláudio Fragoso

í não surge em todos os crimes, mas tão somente nos cri­


I
mes materiais (ou de evento), dela não se cogitando nos
crimes omissivos puros e nos crimes de pura atividade
ou formais. Como diz Battaglini, non bisogna esagera-
re Vimportanza delia questione delia causalità materiale,
i come se dovesse su di essa poggiare tutto Vedifício del
i
| diritto punitivo 174. Por outro lado, demonstra-se que o
■ crime não se esgota, em seu conteúdo de desvalor social,
no processo de causação de ofensa a um bem jurídico 17C.
| ' Seja como fôr, a relação de causalidade continua a ser
|l! ‘ um dos problemas mais debatidos da parte geral, dêle
surgindo uma série de questões práticas de inegável
transcendência.
I
36. O estudo da causalidade faz-se, em geral, na
teoria da ação, como um desdobramento da questão do
evento. Esta colocação, porém, não é pacífica: alguns
'
I; ■ situam a relação de causalidade no plano da tipicidade

1 j
Ii 174. Cf., entre muitos outros, Hegler, Die Merkmale des
Verbrechens, in ZStW, vol. 36 (1915), p. 34-nota; Liszt-Sch-
midt, Lehrbuch, p. 152; Meyer-Allfeld, Lehrbuch, p. 98; M. E.
* Mayer, Lehrbuch, p. 109; Von Hippel, Strafrecht, vol. II, p. 128;
Mezger, Strafrechtsdogmatik, p. 13; Maurach, Lehrbuch, p.
i 172; Beling, Lehre vom Verbrechen, p. 207; Graf Zu Dohna,
Aufbau der Verbrechenslehre, p. 18; Welzel, Strajrecht, p. 34;

’ h
= :■
I
;
Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 21; Hellmuth Mayer,
Strafrecht, p. 126; Sauer, Strafrechtslehre, p. 73; Maggiore, Dir.
Pen., vol. I, p. 260; Petrocelli, Principi, p. 294; Battaglini, Dir.
Pen., p. 166; Carnelutti, Teoria, p. 189; Bettiol, Dir. Pen., p.
203; Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 85. Engisch, Die Kausali-
I >
taet ais Merkmale der strafrechtlichen Tatbestaende, 1931, p.
I 3, como outros, entende que há relação causal em todos os
crimes, mas em alguns não oferece problema.

175. Cf. Heleno Cláudio Fragoso, Objeto do crime, Rev.


For., vol. 189, p. 56.
Conduta Punível 91

(como fazem, aliás, com a própria conduta punível) 17ft.


E Mezger entende que, rigorosamente, a teoria da rela-
cão causal pertence à antijuridicidade (Unrecht), sò- i <
V
mente podendo ser antecipada por razões de ordem prá- | X
tica e para fins didáticos 177. •

37. A relação de causalidade extrai sua relevância


do condicionamento que oferece relativamente à culpa­
bilidade ou à responsabilidade penal, e por isso alguns a
entendem como limite da responsabilidade ou como seu
fundamento ou pressuposto. Maurach observa que a
tendência básica das diversas teorias da causalidade é a
mesma: elaboração do limite da responsabilidade, em
correspondência com a questão fundamental do direito
penal moderno, que é a culpabilidade 178. j

38. Dados os limites dêste trabalho, não nos é pos­


sível examinar tôdas as teorias que os autores imagina­
ram para disciplinar o nexo causal. A maior parte de

(
176. Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 20. Para Be-
ling, Esquema (Grundzuege), p. 65, a causalidade é adequação
ao tipo: “É um êrro metodológico levar a questão da causali­
dade a um terreno pré-jurídico e apriorístico, para daí ex­
trair consequências de natureza jurídica. O problema jurídico-
-penal de que aqui se trata não é, de modo algum, o problema
u
da causalidade como tal, senão a compreensão do conteúdo
dos delitos-tipos em particular, de uma particular “causali- /
dade típica”’*.. Devemos recorrer à figura e especialmente ao
verbo, que expressa o sentido de causação que quer reprimir”. •
Na mesma orientação, Proebsting, in ZStW, vol. 42, p. 740.
177. Êste entendimento aparece em Radbruch, Frank Fest-
gabe, vol. I, p. 159; Mezger, Strajrechtsdogmatik, p. 14. Em
suas obras anteriores, Mezger seguia a concepção tradicional.
178. Maurach, Lehrbuch, p. 155.
92 Heleno Cláudio Fragoso

tais teorias são variações ou simples modificações das


duas principais, que são a teoria da equivalência dos an­
tecedentes e a teoria da causalidade adequada. Nestas
duas nos fixaremos, especialmente, pela grande reper­
cussão que tiveram, na doutrina e na legislação.

Teoria da equivalência

i'i 39. A teoria da equivalência dos antecedentes, tam­


bém chamada da conditio sine qua non, surgiu na dou-
** trina do Direito Penal com a obra de Von Buri, que re­
conhece como seus precursores Berner, Haelschner e
Koestlin. Há, porém, quem entenda que a teoria surgiu
com Glaser, que a formulou no Direito Penal aus­
tríaco 17°.
I
Esta teoria, como se sabe, afirma a equivalência de
tôdas as condições do resultado concreto, não distinguin-
do entre causa e condição. Von Buri afirmava não ser
possível distinguir entre condições essenciais e não es­
senciais ao resultado, sendo causa do mesmo tôdas as
forças que cooperaram para sua produção, quaisquer
que sejam.
r A teoria da equivalência, como geralmente se reco­
nhece, constitui a expressão mais completa da influên­
cia exercida pela filosofia naturalista do século XIX, a
que já aludimos, e à qual se refere o pensamento de
9!
i'
■i 179. Von Buri escreveu mais de setenta trabalhos sôbre
a matéria. Como mais representativos de seu pensamento, in-
dicam-se: Ueber Kausalitaet und deren Verantwortungf 1873;
Die Kausalitaet und ihre strafrechtlichen Beztehung, 1885; Bei-
J traege zur Theorie des Strafrechts und Strajgesetzbuch, 1894.
li
r-

Conduta Punível 93

John Stuart Mill 180, contemplando a causalidade como


fôrça produtiva do resultado, no sentido de causa eficien­
te. Causa material é todo anfecedênte que se manifeste
como energia produtiva de determinado evento no mundo
exterior (Sabatini). O próprio Von Buri afirmava que
sua concepção correspondia à causalidade das ciências
naturais e ao conceito lógico de causalidade, o que, depois
dêle, muitos partidários da teoria repetiram 181. Há, aqui,
porém, um equívoco, pois no plano filosófico causa é
o conjunto ou a totalidade das condições antecedentes
necessárias de um fenômeno, e não qualquer das condi­
ções isoladamente 182.
Considera a teoria da equivalência o resultado como
um acontecimento concreto, ou seja, nas circunstâncias
em que efetivamente ocorreu, e é bem esclarecida pelo
processo hipotético de eliminação, que se deve a Thyrén :
causa é tôda condição que não pode ser suprimida in
mente, sem afetar o resultado.

40. A crítica mais constante a esta teoria é a que


V
y
censura sua desmedida extensão 183. Condição do homi-

180. Mezger, Tratado, vol. I, p. 227; Bettiol, Dir. Pen.,


p. 207; Maurach, Lehrbuch, p. 150.
181. Nelson Hungria, Comentários, vol. I, p. 239; Sabatini,
Istituzioni, vol. I, p. 288.
182. M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 137; Meyer-Allfeld, Lehr­
buch, p. 107; Mezger, Tratado, vol. I, p. 225; Helmuth Mayer.
Strafrecht, p. 134; Engisch, Die Kausalitaet ais Merkmal der
strafrechtlichen Tatbestaende, 1931, p. 9; Grispigni, Dir. Pen.,
vol. II, p. 87; Maurach, Lehrbuch, p. 152 (Ursache im philoso-
phischen Sinne ist die Gesamtheit aller Erfolgsbedingungen).
183. Cf., entre muitos outros, Antolisei, Manuale, p. 167:
“A teoria da equivalência pode censurar-se sua extensão do
i
94 Heleno Cláudio Fragoso
I
I cídio vamos encontrar na própria fabricação da arma de
que se serviu o assassino. Condição vamos encontrar no
antecedente necessário de ínfima importância, em rela­
ção ao qual o resultado é totalmente imprevisível. Nas
legislações que contemplam a responsabilidade objetiva,
esta extensão ê perigosíssima. Responderia, por exem­
plo, por lesão corporal seguida de morte, quem ferisse le­
vemente seu adversário, vulnerandi animo, e o forçasse
a mudar o rumo do seu caminho para ir à farmácia, vin­
do êle a morrer de um desastre que ocorre em frente à
mesma 184. Procurando estabelecer limitações à teoria,
Frank formulou a chamda proibição de regresso (Re­
gressverbot) , segundo a qual não é possível retroceder
além dos limites de uma vontade livre e conciente, diri-
gida à produção do resultado. Não seria lícito conside­
rar como causas do resultado as condições anteriores 18:\
i

conceito de causa, a qual conduz a resultados em contraste


com as exigências do direito e do sentimento de justiça”. Pe-
trocelli, Prindpi, p. 344.
li
184. O exemplo tem outra solução em nosso direito posi­
tivo. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 89, apresenta alguns ca­
sos de soluções aberrantes, com a teoria pura da equivalência,
entre os quais o seguinte: A abre com chave falsa uma porta
para roubar. B se introduz pela porta e mata o proprietário.
H O homicídio seria imputado a A.

185. Frank, Kommentar, p. 19. Em Liszt-Schmidt, Lehr-


buch, p. 166, a concepção de Frank aparece desfigurada. Con­
tra o Regressverbot, Mezger observa que esta rutura do nexo
= causal não existe no direito positivo {Tratado, vol. I, p. 247).
No mesmo sentido, Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 22 e
Von Hippel, Strafrecht, vol. II, p. 142, considerando-a uma
-d ficção. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 91, julga de tal forma
=H arbitrária a concepção do Regressverbot, que nem vale a pena
= J| confutá-la.
Conduta Punível 95

Em relação às concausas supervenientes (que constituem


o verdadeiro tormento da teoria), alguns afirmaram que
o fato voluntário de terceiro romperia o nexo causal.
Outros, entendendo que a teoria não oferece solução
para o problema e tendo em vista especialmente a res­
ponsabilidade objetiva, sustentaram que nos crimes qua­
lificados pelo resultado deve ser adotada, expecionalmen-
te, a teoria da causalidade adequada 18°. Muitos autores,
porém, manifestaram-se partidários da teoria, em todas

186. Partidários da teoria da equivalência, mas admitin­


do excepcionalmente a causalidade adequada nos crimes qua-
lificados pelo resultado: Graf Zu Dohna, Aufbau der Verbre-
chenslehre, p. 20: “Nos crimes qualificados pelo resultado, por
enquanto, temos de tentar trabalhar com a causalidade ade-
quada, como fôr possível”. Kohlrausch-Lange, Strafgesetzbuch,
p. 4; Hugo Meyer, Lehrbuch, 5a edição, p. 189 (nas edições
preparadas por Allfeld, é adotada a teoria da causalidade
adequada); Frank, Kommentar, p. 32, além dessa limitação à
teoria da equivalência, apresentava outra: na causalidade por
meios psíquicos só há participação e não autoria); Von Liszt,
até a 9.a edição do Lehrbuch, como se pode ver na tradução
de José Higino {Tratado de Direito Penal Alemão, 1899, p. 203);
Van Calker, Grundriss des Strafrechts, 1927, p. 26. O leitor
perceberá que estamos considerando a teoria em tese, sem
apreciá-la em face do direito positivo. O debate na Alemanha
é ilustrativo, pois o código penal alemão não contém qualquer
norma sôbre a causalidade. A respeito da extensão da teoria
da causalidade (que é adotada pelo Reichsgericht), em face
dos crimes qualificados pelo resultado, Welzel, Strafrecht, p.
37, afirma que o argumento perdeu muito valor após a refor­
ma do § 56 do código germânico, que suprimiu a responsabili-
dade objetiva nos crimes qualificados pelo resultado, estabele­
cendo que nestes casos o agente só responderá pelo evento mais
grave, se o tiver causado, pelo menos, culposamente. Maurach,
Lehrbuch, p. 158, porém, afirma que a objeção permanece vá­
lida nos casos de condições objetivas de punibilidade.
96 Heleno Cláudio Fragoso

as suas consequências 187, repondendo que sua extensão


é corrigida pela culpabilidade, o que para alguns é uma
petição de princípio e lógicamente um absurdo (M. E.
Mayer), além de não constituir solução para todos os
casos.

41. Uma outra limitação à teoria da equivalência


surgiu com o critério formulado por Max Ludwig
Mueller, a que se chamou de teoria da relevância (Re-
levanztheorie), segundo a qual a relação causal é limita-
da pelos tipos, através da interpretação de seu sentido.
H ' Estabelece-se, assim, a necessidade de adequação do re­
li''
sultado ao tipo 188.

I
187. Partidários da teoria, da equivalência, na Alemanha:
Welzel, Strafrecht, p. 35; Schoenke-Schroeder, Kommentar, p.
í 23; Von Weber, Grundriss, p. 60; Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p.
162; Gerland, Deutsches Reichsstrafrecht, 1922, p. 113; Olshau-
I); ' sen, Kommentar zum Strafgesetzbuch, 1927, p. 56, Von Lilien-
;l i thal, Grundriss, 1916, p. 21; Haelschner, Das gemeine deuts-

I che Strafrecht, 1881, vol. I, p. 227. No essencial, também, Mez-


ger, Tratado, vol. I, p. 222; M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 154;
Rittler, Lehrbuch des Oesterreichichen Strafrechts, 1954, vol.
I, p. 270. Entre os autores italianos, Vannini, II problema
I
i
delia causalità, in Giust. Pen., 1948, p. 113; Battaglini, Dir.
il 1 Pen., p. 181; Rocco, Uoggetto del reato, p. 302; Civoli, Manu ale,
p. 145; Nino Levi, II códice penale tllustrato, vol. I, p. 173;
Bernau, Causalità adeguata?, in Sc. Pos., 1932, p. 112; Sabatini,
Istituzioni, vol. I, p. 239; Santoro, Circostanze, p. 173.

188. M. L. Mueller, Die Bedeutung des Kausalzusamme-

íh
nhanges im Straf- und Schadensersatzrecht, 1912. O mais
destacado defensor da teoria (que não teve maior sucesso),
foi Mezger, Tratado, vol. I, p. 243 e Studienbuch, p. 67. Allfeld,
f Lehrbuch des deutschen Strafrechts, 1934, p. 105, observa que
j os resultados da teoria da relevância, coincidem com a teoria
-■ da causalidade adequada. Contra a teoria observa-se, geral-
1 mente, que a questão da relevância é estranha à causalidade.
I’
Conduta Punível 97

42. Outras objeções, porém, foram apresentadas


contra a teoria da equivalência. Afirma-se que não £
possível cogitar, no campo do direito, do conceito lógico
ou filosófico de causa, pois o agente apenas introduz
uma das condições do resultado, e que a esta teoria falta
todo fundamento racional, pois é contrária às exigências
ético-jurídicas, dando lugar a consequências iníquas. «O
direito e a ética exigem que o agente responda apenas
por aquilo que causou, o que não se verifica quando êle .
apenas realizou uma condição do evento 180. Em outra
ordem de idéias, afirma-se também que não é possível
equiparar a causalidade humana aos demais fatores cau­
sais: a causalidade humana tem relêvo e significdo todo
próprio, podendo erguer-se sôbre os outros fatores para
coordená-los a fim 10°. A questão da causalidade —
acrescenta-se — deve ser resolvida no plano do direito,
tendo-se em vista as exigências da ordem jurídica, inda­
gando-se quando, no sentido da lei, deve ser reconhecida
a causalidade da conduta 101.

Hellmuth Mayer, Strafrecht, p. 133, também sustenta uma


teoria da relevância: é relevante a relação causal que seja
comandada pela vontade.
189. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 88; Florian, Trattato,
vol. I, p. 609.
190. Bettiol, Dir. Pen., p. 204/7; Grispigni, Dir. Pen., vol.
II, p. 97; Binding, Normen, vol. II, p. 481: “O direito separa
o querer humano como causa, de tôdas as outras causas”.
Para o direito, a única causa efetiva é a atuação voluntária
do homem. O homem faz algo que as forças cegas não fazem:
serve-se delas.
191. Maggiore, Dir. Pen., vol. I, p. 242: o princípio da
causalidade assume significações e posições próprias no campo
jurídico”; Petrocelli, Principi, p. 355: O problema da relação
de causalidade entre a ação e o evento tem e deve ter cará-

8
II 98

Teoria da causalidade adequada


Heleno Cláudio Fragoso

1 i 43. Surgiu esta teoria com a obra de Von Bar, em


1871, e seu desenvolvimento se deve ao fisiólogo Von
Kries 102: causa é a condição adequada j?ara produzir o
resultado. A condição não é considerada em relação ao
evento in concreto, mas, abstratamente, em relação a
um acontecimento do gênero daquele a que se refere o
juízo de causalidade. A condição é causa quando se
apresenta geralmente proporcionada ou adequada ao
i ! resultado, o que se constata através de um juízo de pro­
lí í babilidade ou possibilidade. Von Bar e Von Kries enten­
i diam que êsse juízo deveria ser feito do ponto de vista
do agente, o que, como logo se observou, levava a con-
fundir a causalidade com a culpabilidade.
i
ter estritamente jurídico: Non è il rapporto di causalità nel
senso logico, fra azione e Vevento, che si vuole, in definitiva,
stabilire, ma una base idónea per la responsabilità. Florian,
I’ i Trattato, vol. I, p. 207: Occorre un giudizio di causalità nel

I significato umano e giuridico. Bettiol, Dir. Pen., p. 207: “A


equivalência não se justifica no plano dos valores, em que n
causalidade deve mover-se”. Soler, Der. Pen., vol. I, p. 302:
O problema não é filosófico, mas prático: saber até onde quer
o Direito que os homens respondam por seus atos. Meyer-
-Allfeld, Lehrbuch, p. 107; Maurach, Lehrbuch, p. 152: “O
conceito jurídico-penal de causa não é o da filosofia geral
nem o das ciências naturais. Causa, no sentido filosófico, é
H o conjunto das condições do resultado”.

l.l 192. Von Bar, Die Lehre vom Kausalzusammenhang im


Rechte, besonders im Strafrecht, 1871; Von Kries, Die Prtnzi-
pien der Wahrscheinlichkeitsrechnung, 1886. Von Kries escre­
veu muitos outros trabalhos sôbre a matéria, entre os quais i
o que aparece no vol. 9 da ZStW, p. 528 (Ueber die Begriff der
WahrscheinlichJceit und Moeglichkeit und ihre Bedeutung im
Strafrecht). Cf., ainda, Von Bar, Gesetz und Schuld im Stra­
frecht, vol. H, 1907, p. 178.

I
Conduta Punível
§9
Aperfeiçoando a teoria, Max Ruemelin formulo^
critério da prognose objetiva posterior, segundo a 0
juízo deveria ser realizado pelo juiz, ex ante, iniagiix^0
do-se no momento do fato e considerando tôdas as co^^.
ções existentes e as posteriores previsíveis pelo agente
Ao critério subjetivo, do agente, substituiu-se o critérjo
do homem normal, e mesmo, do homem excepcionai. A
doutrina, via de regra, considera na prognose objetjy^
posterior o critério do homem médio ou do homem nor­
mal, mas não faltam os que acrescentam a êste as
condições próprias do agente 195, bem como os que não
excluem um juízo técnico e científico 10°. É evidente
que a teoria em questão introduz uma certa elasticidade
na apreciação do nexo causal (Bettiol). Resumindo as
conclusões da teoria, Florian observava que, em substân-

193. O trabalho de Max Ruemelin, publicado em 1900, é


Die Verwendung der Kausalbegriff im Straf- und Civilrecht.
Cf. precisa informação em Mezger, Tratado, vol. I, p. 236 e Von
Hippel, Strafrecht, vol. I, p. 148. A teoria da causalidade ade­
quada foi ainda desenvolvida por Traeger, Die Kausalbegriff
im Straf und Civilrecht, 1904, que entendia dever o juízo de
possibilidade ter por base o total conhecimento deduzido da
experiência e tôdas as condições existentes no momento do
fato, capazes de serem conhecidas pelo homem mais perspi­
caz, e também as condições conhecidas pelo agente. O crité­
rio da prognose objetiva posterior teve grande sucesso.

195. Bettiol, Dir. Pen., p. 212; Grispigni, Dir. Pen., vol.


II, p. 102; Von Hippel, Strafrecht, vol. II, p. 418; Maurach,
Lehrbuch, p. 161; Meyer-Allfeld, Lehrbuch, p. 110: entendem
ser supérfluo considerar também as condições que o agente
calculava, pois isto apenas complica o problema.

196. Traeger, Die Kausalbegriff, p. 59; MeyertAllfeld,


Lehrbuch, p. 111.
100 Heleno Cláudio Fragoso

cia, com ela se distinguem as consequências normais das


consequências anormais e extraordinárias. Em relação
j I a estas últimas, seria excluído o nexo causal197.

i
197. Florian, Trattato, vol. I, p. 606. É comum os parti­
dários da causalidade adequada admitirem o critério da con-
ditio sine qua non como um ponto de partida ou um limite
para indagar se determinada condição é causa. Cf. Bettiol,
Dir. Pen., p. 208; Soler, Der. Pen., vol. I, p. 323; Von Hippel,
Strafrecht, vol. I, p. 143. A teoria da causalidade adequada é
adotada pelo Reichsgericht em matéria civil (o que Von Hippel
julgava uma incongruência). Entre os partidários desta teo­
ria, na Alemanha, estão: Koehler, Lehrbuch des deutschen
Strafrechts, 1917, p. 196; Von Hippel, Strafrecht, vol. II, p. 148;
i
Tarnowksi, Die systematische Bedeutung der adaequaten
Kausalitaetstheorie fuer den Aufbau des Verbrechensbegriff,
1927; Baumgarten, in ZStW, vol. 37, p. 524; Meyer-Allfeld,
Lehrbuch, p. 110; Merkel, Lehrbuch des deutschen Strafrechts,
1889, p. 95; Maurach, Lehrbuch, p. 161; Sauer, Strafrechtslehre,
;l p. 70. Entre os autores italianos, Bettiol, Dir. Pen., p. 203;
Guarneri, In diffesa delia causalità adeguata, in Annali, 1935,
p. 609; Petrocelli, Principi, p. 358; Massari, Le dottrine gene-
rali, p. 132; Florian, Trattato, vol. I, p. 609; Delitala, II fatto,
p. 134; Cecchi, L'evento nel reato, p. 117. Alguns reconhecem
em Romagnosci, Genesi, §§ 593 e 594 e em Garrara, Programa,
§ 1093, precursores da causalidade adequada. Na Suíça, a ju-
risprudência e a doutrina adotam a teoria da causalidade
adequada, sem discrepâncias dignas de nota. Cf. Haftep.;
Lehrbuch des schweizerischen Strafrechts, vol. I, 1946, p. 82;
Germann, Das Verbrechen im neuen Strafrecht, 1943, p. 163;
Paul Logoz, Commentaire du Code Penal Suisse, partie génc-
rale, 1941, p. 46. Vamos encontrá-la também em Wharton,
Treatise of criminal law, 1885, vol. I, p. 363: If he acts negli-
gently, and from his negligence, as a natural, usual and likely
result, death follows, it is undoubtedly negligence. No direito
I anglo-americano êstes problemas nunca foram especificamen-
te considerados. Orientando-se no sentido da equivalência,
cf. Kenny’s Outlines of criminal law, 18.a ed., 1958, p. 17.
II
1
Conduta Punível 101

44. Contra a teoria da causalidade adequada obser­


vou-se que ela se baseia no conceito de possibilidade, onde i
existe não esta, mas a realidade de um evento 108. Afir­
ma-se, ainda, que introduz o critério da previsibilidade,
com o que antecipa a questão da responsabilidade , e que
a declaração de irresponsabilidade pelos efeitos atípicos e ;í
anormais é excessiva 19°. Mezger sustenta que esta con­
cepção ataca a teoria da equivalência em ponto falso,
pois nega a conexão causal, quando deveria negar suà
relevância jurídica, utilizando um conceito de causalida­ V
de concebido arbitrária e unilateralmente, do ponto de
vista jurídico 20°.
i I

45. Grispigni formulou a teoria da condição quali­


ficada ou da condição perigosa, que, em última análise,
constitui apenas uma tentativa de aprimoramento da
causalidade adequada. A conduta seria causa do evento
quando, examinada com referência ao momento em que

198. Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 148; Battaglini,. Dir


Pen., p. 178; Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 102, considera esta
a mais forte objeção.

199. Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 24: “A teoria


da causalidade adequada apresenta problemas quando o co­
nhecimento e a experiência do agente estejam acima do co­
mum e êle introduza em seu plano uma relação causal anor­
mal”. Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 319.

200. Carnelutti, Teoria, p. 197, criticando a designação


da teoria, mostrava que a expressão ‘‘causalidade adequada”
é imprópria, fiois uma causa não adequada não é causa. No
mesmo sentido, Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 107. Mezger. f
Tratado, vol. I, p. 240: A teoria da adequação é uma teoria !
sôbre a responsabilidade, ou, de modo mais amplo, uma teo­
ria sôbre a relevância jurídica. i
102 Heleno Cláudio Fragoso

se desenvolveu e tendo-se em conta as circunstâncias


I !
I
preexistentes, concomitantes e previsivelmente subse­
quentes, apresenta-se idónea — na base da experiência
il — a produzir aquêle determinado evento. Deve ser uma
conduta que constitua um perigo à realização do even­
to 201. Esta teoria difere da causalidade adequada, fun­
damentalmente, porque a idoneidade da conduta não é
apreciada em abstrato, ou seja, como capacidade geral
para produzir o resultado, mas sim, em concreto, consi­
derando-se as circunstâncias do que efetivamente ocor­
reu. Assim, uma conduta geralmente inidônea pode ser

i
• idónea, e vice-versa. Por outro lado, não exige a pro­
babilidade, contentando-se com a possibilidade de certa

I
relevância 202.

46. Outra tentativa de superamento das dificulda­


des vamos encontrar também na teoria da causa huma­
na exclusiva, formulada por Antolisei: para a existên­
cia da relação de causalidade, no sentido do direito, é
necessário que o homem, com sua ação ou omissão, tenha
criado uma condição do evento. Exige-se mais que o

i evento não se verifique com o concurso de fatos excepcio-


nais (raríssimos), porque, se assim fôr, o nexo entre ação
e evento é puramente ocasional e não basta para imputar
! o evento ao sujeito203. Alguns exemplos de problemas

201. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 100.


202. Bettiol, Dir. Pen., p. 210, também se refere à idonei­
dade da causa, non in linea astratta, ma nelle condizioni nelle
- quali Vagente aveva concretamente operato. Ver Honig, Frank
Festgabe, vol. I, p. 184.
203. Antolisei, 11 rapporto di causalità nel diritto penale,
l 1934, p. 179; Id., Manuale, p. 177. Pannain, Manuale, p. 266,
I julga qué a teoria de Antolisei deve ser seguida.
I
Conduta Punível 103

que o autor resolve com esta teoria: A desfere um golpe


em B, com intenção homicida; B esquiva-se e é colhido
por um corpo que cai do alto. C impreca a morte a D
ou faz exorcismos invocando-lhe a morte; D, que é muito
supersticioso, morre por paralisia cardíaca. E, desejando
desfazer-se de F, pede-lhe que viaje através de uma mon­
tanha em que raras vêzes ocorrem avalanchas; sua es­
perança se realiza, com a morte de F. G fere H, que
põe teia de aranha no ferimento, vindo a morrer de téta­
no. I fere J, o qual, desesperado com os sofrimentos da
cura, arranca os curativos e morre de hemorragia. Alguns
afirmam que esta teoria corresponde à teoria da causali­
dade adequada201, mas outros entendem que não passa
da mesma conditio sine qua non, com o corretivo de ex-
cluir o nexo causal no caso de concurso de condições
imprevisíveis ou excepcionais20S.

Teoria da causa eficiente

47. Merece ainda referência a teoria da causa efi­


ciente, que teve vários seguidores na Itália, tendo sido
adotada pela jurisprudência, ao tempo em que vigorava o
código Zanardelli. Esta teoria foi formulada por Stop-

204. Bettiol, Dir. Pen., p. 211, Santoro, Circostanze, p.


184; Battaglini, Dir. Pen., p. 177.

205. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 91, apresentando crí­


tica severíssima à teoria de Antolisei. A teoria de Ranieri
(da sucessão, necessidade e uniformidade), fundamentalmente
corresponde à teoria da equivalência. Cf. Battaglini, Dir. Pen.,
p. 179. Groppali, Filosofia del diritto e diritto penale, in Sc.
Pos., 1948, p. 93, a aproxima da causalidade adequada, o que
faz também com a teoria de Antolisei.
104 Heleno Cláudio Fragoso

pato. Distingue-se entre causa, condição e ocasião. Há


r nexo causal quando o homem fôr causa eficiente. Enten­
de-se por causa eficiente a força ou o ser que, com a sua
ação, produz um fato qualquer. Condição é o que permi­
te à causa eficiente operar, predispondo-a à operação ou
removendo os obstáculos; ocasião é uma coincidência,
uma circunstância mais ou menos favorável, que con­
vida à ação 20C.
Esta teoria, que é hoje mais ou menos histórica, re­
cebeu críticas de várias direções. Afirma-se não só que
I
todas as condições produzem o evento, como também que
freqúentemente é difícil identificar que força produziu o
resultado, distinguindo causa de condição.

A questão do nexo causal no direito positivo

III i I 48. As divergências que existem entre as várias


concepções a respeito da relação de causalidade surgiram
ii II e se desenvolveram na Alemanha, onde o direito positivo
não prevê uma solução legislativa para o problema. Os

autores recorreram, então, a formulações apriorísticas,
que pretenderam aplicar ao direito positivo, a fim de
assegurar a sua realização prática. Os códigos antigos
e mesmo muitos códigos modernos nada mencionam so­
bre esta difícil matéria, disciplinando apenas, a propósito

206. Stoppato, Lfevento punibile, 1898, p. 61. Seguidores:


!: Longhi, Del Giudice, Manzini. Êste último, últimamente, de
forma duvidosa, ajjroximando-se da causalidade adequada
I Trattato, vol. I, p. 637. Battaglini, La causa sopravvenuta, iii
Studi Rocco, vol. I, p. 128, entende que somente com os crité­
rios desta teoria se resolve o difícil problema da interrupção
do nexo causal.
Conduta Punível 105

do homicídio, a ocorrência de concausas. Êste era o


sistema do código Zanardelli e de nosso código de 1890.
Na Itália, quando se elaborou o Código Rocco, a
questão da causalidade material foi largamente debatida
no seio da comissão encarregada de prepará-lo, na qual
havia defensores intransigentes de concepções inteira­
mente opostas. Foram incluídas no código várias dispo­
sições sobre o nexo causal 207, mas dificilmente se poderá
afirmar que o legislador italiano seguiu esta ou aquela
teoria. Alguns entendem que foi adotada a teoria da
equivalência, com temperamentos 208; outros afirmam

207. Art. 40: Nessuno può essere punito per un fatio pre-
veduto dalla legge come reato, se Vevento dannoso o perico-
loso, 7iO7i è co7iseguenza delia sua azione od omissione. Non
impedire U7i evento, che si ha Vobbligo di impedire, equivale
a cagionarlo. Art. 41: II concorso di cause preesistente o si-
multanee o sopravvenute, anche se indipendenti dalVazione o
dalVomissione del colpevole, 7ion esclude il rapporto di causa­
lità fra Vazione od omissione e Vevento. Le cause sopravve-
7iute escludO7io il rapporto di causalità quando sono State da
sole sufficiente a deter7?ii7iare Vevento. In tal caso, se Vazione
od omissione costituisce per sè un reato, si appltca la pena
per questo stabilita. Le disposizioni precedenti si applicano
anche qua7ido la causa preesiste7ite o simultânea o sopravve-
nuta consiste nel fatto illecito altrui.

208. Maggiore, Dir. Pen., vol. I, p. 259 (tendo em vista a


disciplina do concurso de pessoas; porque o art. 40 fala em
consequência da ação ut sic e também pela abolição das con-
causas). Vannini, Istituzioni, p. 155; Sabatini, Istituzioni, vol.
I, p. 288; Pannain, Ma7iuale, p. 258; Florian, Trattato, vol. I,
p. 627; Bernau, Sc. Pos„ 1932, p. 112; Battaglini, Dir. Pen., p.
181. Para Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 114, o art. 41 do có-
digo penal nada tem a ver com a equivalência dos anteceden-
tes.~Julga sua teoria a única aplicável. Antolisei, II rapporto
di causalità, p. 161, também sustenta que o código, de forma
■ »

106 Heleno Cláudio Fragoso

I que a escolhida foi a teoria da causalidade adequada209


mas não faltam os que sustentam que o código apresenta
uma formulação própria, que não é possível identificar
com qualquer das teorias aventadas. Com passagens dos
trabalhos preparatórios e das Exposições de Motivos, jus-
tifica-se qualquer teoria.

A causalidade no direito brasileiro

49. Dir-se-ia que o legislador brasileiro teve mais


coragem na solução do problema, pronunciando-se ex­

I T
■ If
pressamente a favor da teoria da equivalência. O art. 11
do Cód. Penal não permite dúvidas: “Considera-se causa
a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido”. A Exposição de Motivos é explícita: “O pro­
jeto adotou a teoria chamada da equivalência dos antece­
I I
! <111 dentes ou da conditio sine qua non. Não distingue entre
causa e condição: tudo quanto contribui in concreto
para o resultado é causa”. Somente de jure condendo
;! •
é possível, assim, à doutrina, pronunciar-se favorável­
mente a outra concepção quanto ao nexo causal.

50. As dúvidas surgem, porém, com referência à


interrupção da causalidade, que é o punctum pruriens da
teoria da equivalência. Esta dificilmente poderia ser

alguma, acolheu o princípio da equivalência. Santoro, Dir.


Pen., p. 167: “Parece que a teoria adotada pelo código foi a
da causalidade eficiente, que corrigiu, eliminando a distinção
4 ! entre causa e condição”.
I
209. Bettiol, Dir. Pen., p. 212: A teoria _da_ causalidade
adequada está nas veias do código. Guarneri, In diffesa delia
I causa adeguata, Annali, 1935, p. 620; Altavilla, Lineamenti di
diritto penale, p. 119; Cecchi, L’evento nel reato, p. 17.
i
I
Conduta Punível 107

adotada em toda a sua extensão, sic et simpliciter, sendo


necessário prever uma limitação ou uma exceção. O le­
gislador brasileiro, pràticamente reproduziu, no pará­
grafo único do art. 11 Cód. penal, a disposição obscura
contida no art. 41 Cód. Rocco: “A superveniência de
causa independente exclui a imputação quando, por si só,
produziu o resultado”.
Que se entende, porém, por causa independente? Há,
aqui, duas possibilidades: a primeira é a de interpertar-se
o texto como significando a causa absolutamente inde­
pendente. É a hipótese clássica do barqueiro ferido que
vem a morrer porque um tufão faz o barco naufragar. A
morte deve-se a um curso causal inteiramente indepen­
dente, de sorte que a ação anterior não é conditio sine
qua non do resultado. Esta interpretação é admitida
por muitos autores210. Contra ela, porém, observa-se
que tornaria a disposição legal perfeitamente inútil. É
claro que a causa absolutamente independente já está ex­
cluída, por fôrça do que dispõe o próprio art. 11 caput,
de modo que o parágrafo único seria uma excrescência e
um esclarecimento supérfluo.
À vista disto, surgiu uma outra concepção: o pará­
grafo único contempla apenas a concausa relativamente
indepedente ou aparentemente independente, isto é,
aquela causa que, operando em face da ação anterior,

210. Vannini, Istituzioni, p. 155 e Lineamenti, p. 196 (tra­


ta-se apenas de um esclarecimento); Battaglini, Dir. Pen., p.
184; Sabatini, Istituzioni, vol. I, p. 297 (o art. 41 é aplicação
da regra geral); Punzo, II problema delia causalità materiale,
1951, p. 156; Bernau, Sc. Pos., p. 121; Florian, Trattato, vol. I,
p. 626. Entre nós, Basileu Garcia, Instituições, vol. I, p. 226
e João Bernardino Gonzaga, O crime de omissão de socorro,
p. 56.
108 Heleno Cláudio Fragoso

age como se por si só tivesse produzido o evento. É o


caso do ferido que, transportado ao hospital, morre de
um desastre com a ambulância. A interpretação no
sentido da independência relativa da causa superve­
niente é acolhida também por muitos autores 211.
51. A lei, todavia, prevê apenas a concausa super­
veniente, de forma que literalmente exclui as concausas
preexistentes e concomitantes, que, em caso algum, rom­
periam o nexo causal. Esta é a interpretação dominan­
te 212, mas muitos entendem que a restrição não se jus­
tifica e que. é possível, através da analogia in bonam par­
tem, incluir também as concausas preexistentes ou con­
comitantes que, assim, romperiam também a relação de
causalidade 2l3.

211. Petrocelli, Principi, p. 362; Santoro, Dir. Pen., p.


166 (causa aparentemente independente) e Circostanze, p. 176;
Pannain, Manuale, p. 258; Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 115;
Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 328; Nelson Hungria, Comen­
tários, vol. I, p. 241; José Fredericco Marques, Curso de Direito
Penal, 1956, vol. II, p. 99; Battaglini, La causa sopravvenuta,
p. 127.
212. Punzo, II problema delia causalità materiale, 1951,
p. 151; Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 329; Nelson Hungria,
Comentários, vol. I, p. 240.
213. Florian, Trattato, vol. I, ps. 621 e 625; Xntolisei,
Manuale, p. 177; Carnulutti, Teoria, p. 290; Sabatini, Istitu-
I zioni, vol. I, p. 298; Battaglini, Le cause sopravvenute, p. 148,
afirmando que não se trata de aplicação analógica: as causas
I preexistentes e concomitantes, que por si sós produziram o re­
sultado, excluem o nexo causal por fôrça do próprio art. 40:
a ação do réu, em tais casos não foi conditio sine qua non do
resultado. Cf., ainda, Costa e Silva, Código Penal, 1943, p. 71.
Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 114, objeta, porém, que a pala­
vra da lei é claríssima e que, ademais, trata-se de norma ex-
j cepcional, relativamente à primeira parte do artigo, sendo
insuscetível de interpretação analógica.
F
Conduta Punível 109

52. Um problema mais delicado surge quando se


procura definir, de forma mais precisa, o que se deve
entender por causa que por si só produziu o resultado.
Petrocelli começa por observar que a expressão “causa
que por si só produziu o resultado” é imprópria, porque,
do ponto de vista da lógica causal, não existem causas
por si sós suficientes para determinar um evento: todo
evento é sempre o produto de muitos antecedentes. Não
é possível tomar ao pé da letra a expressão “por si só
suficiente”B14. Alguns autores propõem um critério
quantitativo: as causas supervenientes excluem a relação
de causalidade quando têm relevância tão grande, de
forma a parecer como se tivessem sido por si sós suficien­
tes para determinar o resultado213. Êste critério, na
prática, pode conduzir a dúvidas importantes. Vejamos
os seguintes casos: um caçador chega a um albergue,
deixando sua espingarda a um canto, enquanto faz sua

214. Petrocelli, Principi, p. 361; Grispigni, Dir. Pen., vol.


II, p. 90; Wiechowski, Die Unterbrechung des Kausalzusamme-
nhanges, StrAbh, Hert õõ. p. 467 (1904), censurando também a
expressão “rompimento do nexo causal”, afirmando que cons­
titui uma contradictio in adjecto. Hellmvth. Mayer, Strafrecht»
p. 138, classifica tal expressão de “infeliz”: um nexo causal
existe ou não existe; não pode ser rompido.
215. Esta é a colocação também de Pannain, Mantttite.
p. 263: “A regra posta pelo art. 41 se refere àquele» fatos no­
vos que, embora tendo relação com a ação ou omissão, assu­
mam, porém, uma função dominadora, demonstrando que* são
essas, e essas apenas, causa do evento, A ação ou omissão
assumem, então, o valor de simples ocasião”. No mnsmo sen­
tido, Santoro, Circo.rtanze, p, 184, Os partidários da causali­
dade adequada afirmam, que a questão nunca poda sm‘ da
quantidade, mas de tpialidade. Cf. br/mot,, Dlr. Pen.t p. tíl».
Petrocelli, Principi, p, 367: 11 critério delta “rllemtHeil euM
grande” ha carattere merarnente quantitativo e notl rtrõd-
gliersi.
110 Heleno Cláudio Fragoso

refeição. Surge a seu lado uma briga e um dos conten­


dores toma da arma, alvejando o adversário. Seria pos­
sível afirmar, aqui, que houve interrupção do nexo cau­
í
sal, pela independência relativa da ação superveniente,
que é como se por si só tivesse produzido o resultado.
Imagine-se, porém, que o caçador estivesse de acordo
com um assaltante que tomasse a arma para a prática
do crime, ao ser ela deixada no refeitório. Suponha-se,
ainda, que surgissem crianças no local, que com a espin­
garda dessem causa a um acidente. Haveria, mesmo
assim, interrupção do nexo causal? A resposta negativa
poderia levar a crer que a solução depende do elemento
subjetivo 21C.
Outros critérios foram formulados: não há rompi­
mento do nexo causal quando a causa superveniente
acha-se, com referência à ação, no desenvolvimento te­
mível desta, em posição de homogeneidade com a ação
(Petrocelli) , ou na linha evolutiva do perigo criado pela
ação (De Marsico) . Grispigni também formula um cri­
tério duplo, que se poderia dizer qualitativo e quantita­
tivo: para rompimento da cadeia causal é necessário que
haja imprevisibilidade, no momento da ação, do novo
elemento causal (excepcionalidade, fato atípico com res­
peito à experiência de casos análogos), bem como caráter
de prevalência dêste sôbre a série antecedente, de forma
a parecer como causa verdadeira e exclusiva do evento,
i 216. Sabatini, Istituzioni, vol. I, p. 292, aliás, afirma que
a relação entre a conduta e o evento depende do elemento
.subjetivo, quando a valoração dêste como dolo ou culpa atribui
o valor de causa a um comportamento que, em si considerado,
I
do ponto de vista físico e naturalístico, constitui fato irrele­
vante e puramente ocasional. É a hipótese do agente que
convida alguém a penetrar num edifício que desmorona: In
questi e altri casi simili il rapporto di causalità s’identifica con
la causalità morale, perche scaturisce da elementi normativi.
Conduta Punível

figurando a conduta anterior como ocasião217. CO^


isso, porém, se introduz no sistema a causalidade adequ^
da. Há mesmo quem queira, com esta teoria resolver
problema 218. Rocco, na exposição de motivos do códig^
penal italiano, esclarece que a introdução das palavr^
siano State (resultantes de proposta de Marciano, eme11'
dada por D’Amelio) , visaram precisamente a eliminar &
possibilidade de que algum juiz menos atento pudesse
resolver a questão sôbre a potencialidade da causa para
produzir o evento, considerando apenas o que ordinária"
mente acontece, sem ter em conta as peculiaridades do
caso concreto. Não caberiam, assim, os critérios da cau­
salidade adequada, devendo a valoração ser feita err posí
e não ex ante 21°, tendo-se em vista o fato como efetiva­
mente ocorreu.
Battaglini sustenta que a questão deve ser resolvida
com a teoria da causa eficiente. Entende que o código
italiano adotou a teoria da equivalência, mas no art. 41
há uma exceção que requer outros critérios. Há rompi-
meno da cadeia causal quando o fato anterior torna-se
mera ocasião ou condição do fato posterior, que tenha
plena suficiência para causar o resultado. Há aqui uma
restrição no conceito da causa 220. O sistema da causa

217. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 116. Contra: Batta­


glini,Causa sopravvenuta, p. 127. Antolisei, Manuale, p. 177,
também interpreta o art. 41 no sentido de excluir a causali­
dade, quando o resultado é devido à superveniência de aconte­
cimento absolutamente anormal (raríssimo ou excepciona.1).
restrição no conceito de causa 220. O sistema da causa
218. Petrocelli, Principi, p. 369.
219. Rocco, Relazione, vol. I, p. 19; Groppali, Filosofia
del diritto e diritto Penale, Sc. Pos., 1948, p. 90.
220. Battaglini, La causa soppravvenuta sufficiente da
sola a determinate Vevento, in Studi Rocco, vol. I, p. 128.
j
112 Heleno Cláudio Fragoso
I
eficiente, como solução para êste problema, está implíci­
to no entendimento de vários autores que se pronunciam
Jii sôbre a matéria e constitui, fundamentalmente, um cri­
tério quantitativo.

53. A adoção da teoria da equivalência como prin­


cípio geral, no entender de vários autores, não resolve­
1 t ria tôdas as questões que a relação de causalidade susci­
ta no Direito Penal (sem falar no problema da inter­
rupção do nexo causal). Não só na tentativa haveria
mister de recorrer à causalidade adequada, a fim de es­
tabelecer a idoneidade da ação, como também na omis­
são, somente com a teoria da causa adequada seria pos­
p• sível afirmar a causalidade da ação omitida. Para saber
se omissão é causa, não bastaria eliminá-la hipotética­
mente e ver se isto afetaria o resultado. Seria preciso
eliminar hipoteticamente a ação devida ou a ação es­
i:
. perada, e a causalidade desta só pode resular de um juízo
hipotético ex ante, com base em sua idoneidade geral
para evitar o resultado221.

221. Santoro, Dir. Pen., p. 180; Vannini, Lineamenti, p.


91; Levi, II códice penale ilustrato, p. 186. Cf. nota 85, supra.
TIPICIDADE

9
I

CONCEITO DE TIPO

54. As noções de tipo legal e tipicidade surgiram n^


Dogmática Penal alemã, tendo penetrado na doutrina de
outros países, como contribuição geral à teoria do fato
punível. Trata-se de concepção extremamente fecunda,
que trouxe notável desenvolvimento ao estudo técnico
do delito. Surgiu com a famosa obra de Beling, em
1906, estando longe, porém, de ter atingido uma formu­
lação definitiva. Tem razão Gallas quando afirma que
a teoria da tipicidade é hoje mais debatida e controver­
tida do que antes, pois são fundas e radicais as divergên­
cias entre os autores modernos. O desenvolvimento da
matéria tem sido incessante, embora com escassa reper­
cussão fora da Alemanha. Em outros países, os parti­
dários da concepção tripartida do delito sustentam ainda
a teoria original de Beling, por êle mesmo, mais tarde,
substancialmente alterada.

O caráter “fragmentário” do Direito Penal

55. A ilicitude penal surge sempre, nos regimes


berais, enquadrada em específicas figuras de delito, erq
obediência ao princípio nullum crimen nulla poena sin§
lege, e por isso tem-se afirmado que o Direito Penal consx
’ I

I 116 Heleno Cláudio Fragoso

titui um sistema descontínuo de ilícitos \ tendo caráter


necessariamente fragmentário2. A formulação técnica
dêste caráter do Direito Penal seria precisamente a teoria
do tipo, com a exigência fundamental de que a conduta
punível ou a antijuridicidade penal se ajuste aos tipos de
delito, tendo, assim, tipicidade.
A afirmação de que a tipicidade é característica pró­
pria do ilícito penal não é pacífica. Ainda recentemente,
Aftalión declarava que todo ramo do direito é um siste­
ma contínuo de licitudes e descontínuo de ilícitos, sendo
a tipicidade comum a todos os setores do direito 3. Have­
ria tipicidade também na ação de compra e venda e em
outros atos jurídicos, lícitos e ilícitos, de natureza civil,
mercantil, etc., porque deveriam corresponder a institu­
tos e a figuras específicas contidas na regulamentação
legal aplicável. Muitos, porém, insistem na peculiari­
I ' dade do tipo jurídico-penal4.
5

1. Soler, Der. Pen., vol. II, p. 164.


í
2. Binding, Lehrbuch, vol. I, p. 20; Hellmuth Mayer,
Strafrecht, p. 56; Welzel, Strafrecht, p. 5; Gallas, Zum ge-
• genwaertigen Stand der Lehre vom Verbrechen, 1955, p. 17.

3. Aftalión, Appunti per una definizione realística del


reato, in Riv. It., 1956, p. 256/7. Esta idéia remonta a Fischer,
Rechtswidrigkeit, 1911, p. 115. No mesmo sentido, Grispigni,
i
Dir. Pen., vol. II, p. 22.

4. Soler, Der. Pen., vol. H, págs. 165/8; Asúa, Tratado, vol.


III, p. 682. Além de BEling e Mezger, sustentam ser a tipicidade
específica do Direito Penal, Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 146
(Die Tatbestandsmaessigkeit ist das Artmerkmal des Verbre-
chens); Hellmuth Mayer, Strafrecht, p. 43(spez:/isc7t strafre-
| i chtlichen Begriff); Mittermaier, Ueber der Begriff “Verbre-
chen”, in ZStW, vol. 44, p. 9; Asúa, Tratado, vol. III, p. 682.
Conduta Punível 117

Conceito de tipo

56. Como se sabe, o conceito de tipo surgiu da pa­


lavra alemã Tatbestand, que inicialmente correspondia,
naquela língua, à expressão latina corpus delicti. O Tat-
bstand seria, assim, o fato material do delito, em contra­
posição ao seu conceito 5. Êste sentido processual, toda­
via, já não aparece na doutrina do século passado, se- ?
gundo a qual por Tatbestand entendia-se o próprio deli- í
to, na totalidade de seus elementos, objetivos e subje-
tivos °.
Com a obra de Beling, Die Lehre vom Verbrechen,
publicada em 1906, o conceito de Tatbestand, ou seja, o
conceito de tipo, assumiu um significado técnico mais
restrito. Para Beling o tipo não tem qualquer conteúdo
valorativo, sendo meramente objetivo e descritivo, re­
presentando o lado exterior do delito, sem qualquer re­
ferência à antijuridicidade e à culpabilidade. Haveria
no tipo, tão somente, uma delimitação descritiva de fatos
relevantes penalmente, sem que isto envolvesse uma

5. Cf. Asúa, Tratado, vol. III, p. 657; Schweiket, Die Wan-


dlungen der Tatbestandslehre seit Beling, 1957, p. 12. Para uma
exposição histórica, cf. Schnoor, Ursprung und Entwicklung der \
Lehre vom Tatbestand bis Beling und ihre Bedeutung fuer die ;
heutige Zeit, 1939.
6. A palavra Tatbestand aparece na primeira parte do
§ 59 do código penal alemão, que cuida da culpa e do erro: ‘‘Se
alguém ,ao praticar uma ação punível, desconhecia a existência
de circunstâncias do fato, que pertençam ao tipo legal (gesetz-
lichen Tatbestande) , ou que agravem a punibilidade, tais cir­
cunstâncias não lhe serão imputadas”. É em tôrno desta dis­
posição que se desenvolveram os conceitos de tipo e tipicidade.
A palavra Tatbestand é substantivo composto de Tat (fato) e
bestehen (consistir), e literalmente significa aquilo em que o ‘ ’
delito consiste.
118 Heleno Cláudio Fragoso

( valoração jurídica dos mesmos 7. O tipo seria, pois, um


mero conceito, ao qual deveria ajustar-se a ação, sendo
livre de qualquer momento relativo à antijuridicidade8.

Hl Poderia, assim, a ação, ser típica e não ser antijurídica,


pela ocorrência de causas de justificação.
As idéias de Beling foram recebidas com reservas, a
começar por Binding, que considerava o novo conceito
de Tatbestand ao mesmo tempo obscuro e nocivo Von
Hippel, igualmente, entendia que a teoria da tipicidade
“não é incorreta, mas desnecessária. Que o fato deve
í ajustar-se um tipo legal de delito resulta do princípio
básico nullum crimen nulla poena sine lege e se extrai
da característica ação ameaçada com pena” 10.
i
! 57. Importante contribuição ao desenvolvimento da
matéria surgiu com a obra de Max Ernst Mayer, em seu
tratado sobre a parte geral. Mayer, como Beling, con­
cebia o tipo livre de toda valoração, e, pois, perfeitamente
íi distinto da antijuridicidade. Atribuiu-lhe, porém, o ca­
ráter de indicio da antijuridicidade, a respeito da qual
permitiria uma conclusão “até prova em contrário” n.

7. Beling, Die Lehre vom Vefbrechen, 1906, p. 116.


8. Lehre vom Vefbrechen, p. 145: Der Tatbestand ist frei
\vom aliem Rechtswidrigkeitsmomenten.
9.- Binding, Normen, vol. II, p. 161: ebenso unklar so un-
9
« gesund.
10. Von Hippel, Strafrecht, vol. I, p. 84. Entre as mais
importantes apreciações críticas está o trabalho de Goldsch-
midt, publicado no Archiv fuer Strafrecht und Strafprozess,
vol. 54, p. 20 (1907). Veja-se também o seu Normativer Schuld-
begriff, in Frank Festgabe, vol. I, p. 463.
11. M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 51: A tipicidade e a antiju­
ridicidade se relacionam como fumo e fogo (wie Rausch zum-
Conduta Punível Í19

Firmou-se, assim, o entendimento de que o Tatbestand


é a base da valoração jurídico-penal, como ratio cognos-
cendi da antijuridicidade.

58. Para Mezger, porém, a função do tipo, em rela­


ção à antijuridicidade é outra, mais importante: é ratio
essendi, fundamento da antijuridicidade. O antigo pro­
fessor da Universidade de Munique entende que não a
ação, mas, sim, a antijuridicidade é típica: nem tôda
ação antijurídica é punível, mas somente a ação tipica­
mente antijurídica. O tipo é, assim, o próprio portador
da desvaloração jurídico-penal que o injusto supõe12.
Êste entendimento, em verdade, remonta a Hegler e
Sauer, que entendiam ser função do tipo expressar que

Peuer). A idéla de Mayer difundiu-se amplamente, tornando-se


logo dominante, mesmo entre os autores que não seguiam a
primitiva concepção de Beling. Cf. Liszt-Schmidt, LeTirbucTi,
p. 185: “A tipicidade é o primeiro e mais importante indício da
antijuridicidade penal”. Graf Zu Dohna, Recht und Irrtum,
1925, p. 4: “A tipicidade de uma ação estabelece uma presun­
ção de sua antijuridicidade” (eine Praesumtion fuer thre
Rechtswidrigkeit). Welzel, Strafrecht, p. 41; Maurach,
Lehrbuch, p. 119; Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 10;
Asúa, La ley y el delito, p. 313; Beling, Esquema (Grundzuege),
p. 23. Welzel, Das neue Bild des Strafrechtssystems, 1957, p. 20,
critica o uso das expressões ratio cognoscendi e ratio essendi.
12. Mezger, Tratado, vol. I, p. 364: “Para nós, o tipo é um
grupo relevante de pressupostos materiais do delito e da pena,
sobrecarregado com todo o pêso da valoração jurídico-penal ”.
Esta concepção distancia-se muito da que Beling originalmente
apresentava, segundo a qual o tipo é inteiramente independente
e isolado da antijuridicidade, tendo apenas a função de ofere­
cer o molde a que deve ajustar-se o fato para constituir crime.
A posição de Eberhardt Schmidt, no Lehrbuch, de Von Liszt, '
p. 185, é semelhante à de Mezger, embora mantenha a afirma­
ção de que a tipicidade é indicio da antijuridicidade.

120 Heleno Cláudio Fragoso

condutas atingem os interêsses da sociedade, de modo


n I que a realização da conduta típica é demonstração da
nocividade social da mesma, assim como o sintoma de
uma moléstia em relação à moléstia 18. No mesmo sen­
tido, vários outros autores, antes e depois de Mezger,
afirmavam ser o tipo a antijuridicidade tipificada ou o
portador do juízo de antijuridicidade 14.
A concepção do tipo como ratio essendi da antijuri­
dicidade, todavia, esbarra numa dificuldade seríssima,
pois não permitiria distinguir a tipicidade da antijuridi­
d cidade. Tôdas as condutas típicas deveriam ser antiju-
rídicas. Isto, realmente, é o que sustentam hoje vários
autores, para os quais as causas de justificação consti­
i i
tuem características negativas do tipo, de modo que sua

! 13. Hegler, Die Merkmale des Verbrechens, in ZStW, vol.


36, p. 35; Sauer, Grundlagen des Strafrechts, 1921, p. 307.

..
14. Gruenhut, Methodischen Grundlagen der heutigen
I
1í Strafrechtswissenschaft, in Festgdbe fuer Frank, vol. I, p. 5;
Zimmerl, Aufbau des Strafrechtssystems, 1930, p. 55; Hellmuth
von Weber, Negative Tatbestandsmerkmale, in Mezger Fests-
chrift, p. 186; Arthur Kaufmann, Das Unrechtsbewusstsein,
1949, p. 164. Cf., ainda, os trabalhos mais recentes de Sauer:
Strafrechtslehre, p. 63 e Die beiden Tatbestandsbegriff, in Mez­
ger Festschriff, p. 119: Der Tatbestand vertypte Rechiswidrig-
keit ist. Engisch, Die normative Tatbestandselemente im Stra-
frecht, Mezger Festschrift, p. 132, também defende a existência
de um tipo de ilícito (Unrechtstatbestand), como ratio essendi
da antijuridicidade. Cf., ainda, Moro, L'Antigiuridicità penale,
1947, p. 132: La fattispecte è pregna del divalore eticogiuridico
del fatto, di quel carattersitico che essa, per essere tipica, pro­
priamente esprime. Ogni separazione o anche solo distinzione
di un momento descrittivo puro e di un momento di valore è
arbitraria fratttura delVunica e indissolubile realtà, che è Fatto
umano orientato verso scopi valutabili. La tipicità del fatio è
propriamente espressiva del suo valore giuridico.
Conduta Punível

ocorrência exclui a tipicidade 15. O sistema de HeGl


Sauer e Mezger, porém, dificilmente escapa à crític
afirma que com a tipicidade estabelece-se o comporta
mento normalmente (normalerweise) antijurídico, tor'
nando confusa a relação entre a tipicidade e a antijuri
dicidade 1C.
Observa-se, por outro lado, que a concepção da ti­
picidade como ratio essendi da antijuridicidade levaria
a criar uma antijuridicidade penal distinta da antiju­
ridicidade geral, o que hoje se considera inadmissível17.

58. Reconhecendo a procedência de muitas das crí­


ticas dirigidas à sua teoria, Beling a reformulou, em
seu opúsculo Die Lehre vom Tatbestand, aparecido em

15. Esta é a posição de Sauer, Strafrechtslehre, p. 63; Von


Weber, Negative Tatbestandsmerkmale, p. 183 e Engisch, Die
normative Tatbestandselemente, p. 133, entre outros. Cf., sôbre
a matéria, o excelente estudo de Kunert, Die normative Merk-
male der Strafrechtliche Tatbestaende, 1958, p. 55. Nuvolone,
I limiti taciti delia norma penale, 1947, p. 17, identifica também
fato e antijuridicidade. Cf. n.° 74, infra.
16. Cf. Hirsch, Die Lehre von den negativen Tatbestands-
merkmalen, 1960, p. 214. Em um de seus últimos trabalhos
(Leipziger Kommentar, p. 489), Mezger, pronuncia-se favorà-
velmente à teoria dos elementos negativos do tipo. Na última e
recente edição do seu Studienbuch (9.tt edição, 1960, p. 112),
esclarece, porém, que a expressão “elementos negativos do
fato”, não devem conduzir à falsa idéia de que exclui o tipo.
Assume, assim, o grande mestre, uma posição duvidosa. Ade­
rindo, também, à teoria, Sauer, Strafrechtslehre, p. 57. Welzel
Das neue Bild, p. 19, assinala que a concepção de Sauer e Mez­
ger termina num círculo visioso: a tipicidade só pode ser esta­
belecida depois de afirmada a antijuridicidade, e esta só por
meio da tipicidade pode ser fixada.
17. Cf. Asúa, Tratado, vol. III, p. 665.
I

122 Heleno Cláudio Fragoso

1930, bem como nas últimas edições do Grundzuege des


Strafrechts 18, afirmando que nenhum de seus críticos
íl i atinou com a solução do problema. Beling introduz
então uma nova nomenclatura técnica, para afirmar
que o tipo constitui um esquema unitário, para cada
figura delictiva autónoma, esquema no qual tôdas as
suas características se entrelaçam como num fio. Tal
esquema seria o Leitbild ou figura retora, dominante
comum para a face objetiva e a subjetiva. Os elemen­
d tos puramente objetivos de alguns delitos (condições
objetivas de punibilidade) e os elementos puramente
subjetivos de outros (fim de agir), não pertencem ao
esquema retor, cuja essência consiste precisamente em
iluminar ambas as faces do fato. A idéia central de
Beling é a de que a face externa de todo crime consti­
tui um elemento a que deve corresponder também o in­
terno do agente, para que possa configurar-se determi­
nada figura de delito. É preciso, porém, distinguir o
delito-tipo, que é o Leitbild ou figura retora, da figura
delictiva ou tipo de delito. O delito-tipo é um puro con­
ceito funcional, sem conteúdo, que expressa apenas o
elemento orientador para uma dada figura de delito.
i Pode-se dizer que o delito-tipo se extrai indutivamente
i
i
í das figuras de delito que regula, pois várias figuras de
delito (typus delicti) podem corresponder ao mesmo de­
■1 lito-tipo (typus regens). Êste é o caso, por exemplo,
do delito-tipo “matar alguém”, que rege, compreensiva­
mente, o homicídio, o assassinato, o homicídio culposo,
íl o infanticídio, etc. As várias figuras de delito distin-

hh 18. Existe tradução argentina de ambos, realizada por


Soler, Esquema de Derecho Penal e La doctrina del delito-tipo,
Buenos Aires, 1944. Pode ver-se um resumo da nova concepção
de Beling em Asúa, Tratado, vol. m, págs. 666 e segs.
i
Conduta Punível 123
I
guem-se entre si, neste caso, por elementos “extra-
-típicos”. i

59. A contribuição mais importante de Beling


nesta fase foi, porém, de ordem metodológica, com um
novo enquadramento da análise técnica do delito, a qual
veio a influenciar extraordinàriamente a teoria do cri­
me. Se fracionarmos uma figura de delito — dizia —
nos elementos que a constituem, veremos que o pri­
meiro dêsses elementos é precisamente o delito-tipo, pró­
prio dessa figura. Trata-se de um conceito, e não de
um fato. Não é possível confundir uma representação
conceituai com sua realização exterior: é certo que o
quadro representativo “matar um homem”, se extrai
de fatos reais que a êle correspondem; mas, uma vez
abstraído, torna-se logicamente independente, de tal
modo que, não só é algo distinto dos fatos que nêle se
enquadram, mas conserva seu conteúdo ainda quando
se declare inexistente o fato. Comparativamente, é o
caso da relação entre uma peça de música e o concêrto,
pois a execução de uma composição não só não pode
identificar-se com o concêrto, mas nem sequer é parte
constitutiva do concêrto: é uma criação conceituai do
compositor que vem a integrar o programa para o con­
cêrto. !
O primeiro característico da figura autónoma de
delito é a adequação da conduta ao delito-tipo (Tat- i

bestandsmaessigkeit). Nas demais características da fi­


gura delictiva, há uma referência ao delito-tipo (Tatbes-
tandsbezogenheit): a intenção de matar e a premedi-
tação da morte não são “matar um homem”, mas mo­
mentos psíquicos orientados nesse sentido.
Beling, porém, continuou sustentando o caráter pu­
ramente descritivo do delito-tipo, dêle excluindo total-

F
124 Heleno Cláudio Fragoso

I p mente qualquer aspecto subjetivo: o delito-tipo só pode


ser a cópia de um fato externo, sem referência ao in­
terno do autor. Punha-se, assim, em contraste com a
teoria dos elementos subjetivos e normativos do tipo,
que já vinha, então, em franco desenvolvimento.

I 'i ■
' I
60. É claro que a teoria do tipo perde muito de
seu interêsse e valor prático, sempre que sua função
de garantia desaparece, através da aplicação analógica
da lei penal. Foi o que sucedeu na Alemanha, com a
II
Escola de Kiel, com o advento do regime nacional-socia­
i lista. Para o Direito Penal da Vontade, o delito era
essencialmente um atentado contra a comunidade, se­
gundo o “são sentimento do povo alemão”, de modo que
o sentido fundamental do fato punível passava a ser
o de violação de um dever. Em face de tais idéias, a
teoria do tipo, como aspecto objetivo do crime, passou
a um plano secundário, perdendo pràticamente o inte­
rêsse 10.

61. Modernamente, a noção de tipo, na doutrina


i
alemã, é bastante incerta e duvidosa. Geralmente os
autores distinguem vários conceitos de tipo (Tatbes-
tand):
(a) — Em primeiro lugar, fala-se de tipo, no sen­
tido da teoria geral do direito, como conjunto de todos
os pressupostos de uma consequência jurídica. No cam­
po do Direito Penal, tipo seria o conjunto dos pressu-
I
I
I I 19. O trabalho mais representativo desta fase é o de
i Dahm, Verbrechen und Tatbestand, in Grundfragen der neuen
Rechtswissenschaft, 1935.
i :
Conduta Punível
125

postos materiais da ameaça penal, ou seja, o total de­


II
lito !5

(b) — Distingue-se, a seguir, entre tipo geral (all-


gemeiner Tatbestand) e tipo especial (besonderer Tat­
bestand) . Tipo geral seriam as características gerais l'
de todo fato punível. Tipo especial seria o conjunto
das características que constituem as específicas figu­
ras de delito descritas na parte especial21.

(c) — Originando-se na classificação anterior, é !


muito difundida a distinção entre tipo objetivo (Objek-
tive Tatbestand) e tipo subjetivo (Subjektive Tatbes­
tand), correspondendo às características objetivas e
I
i
20. Esta é a antiga acepção da palavra Tatbestand. Mez-
ger, Tratado, vol. I, p. 365; Engisch, Die normative Tatbestands-
elemente, p. 130 (excluindo apenas os pressupostos processuais); I
Meyer-Allfeld, Lehrbuch, p. 99; Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p.
180. Contra a conveniência desta denominação: Beling, Esquema
(Grundzuege), p. 49; Lehre vom Tatbstand, p. 14: “expressão
pomposa e desnecessária para o próprio conceito de delito”.
I
21. Mezger, Tratado, vol. I, p. 365; Liszt-Schmidt, Lehr­ !
buch, p. 180; Meyer-Allfeld, Lehrbuch, p. 100. Contra esta
classificação: M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 18; Beling, loc. cit.;
Engisch, Die normative Tatbestandselemente, p. 130: reúne
ambas as acepções no que chama de tipo de delito (Verbre-
chenstatbestand), que compreende as características gerais e
especiais, positivas ou negativas, escritas ou não escritas do de­
lito, em contraposição, não apenas aos pressupostos processuais,
mas também às condições de punibilidade “exteriores”, que
deixam o crime intacto. Ao tipo de delito pertenceriam também I
as causas de aumento de pena (condições de maior punibilida­ I
de) e também as características da culpabilidade (tipo subje­
tivo). Cf., ainda. Soler, Der. Pen., vol. II, p. 165.
li
126 Heleno Cláudio Fragoso

subjetivas da ação delituosa22. Esta classificação é mui­


to valiosa para a exposição sistemática 23.
Não nos interessa expor todas as concepções exis­
tentes a respeito do Tatbestand, o que refoge mesmo ao
escopo do presente trabalho. Lembraremos ainda uma
vez a idéia de Beling, do delito-tipo como Leitbild ou
esquema retor, pela sua notável influência na última
classificação a que aludimos. Ela ressurge, de certa
forma, no que Engisch chama de tipo legal (Gesetzli-
chen Tatbestand), que seria aquela parte do ilícito tí­
pico a que deve referir-se a culpabilidade, quer se trate
de tipo de dolo ou de culpa. Ao tipo legal seriam estra­
nhas as condições objetivas de punibilidade e a culpa­
bilidade 24.
Merece menção, ainda, o esquema apresentado por
Welzel, que distingue o tipo em sentido estrito e em

22. Liszt-Schmidt, Lehrbuch, p. 183; Welzel, Strafrechi,


p. 43; Meyer-Allfeld, Lehrbuch, p. 100; Hellmuth von Weber,
Grundriss, p. 56; Maurach, Lehrbuch, p. 195 (parte objetiva e
parte subjetiva do tipo); Schoenke-Schroeder, Kommentar,
p. 11 (tipo interno e externo, este compreendendo a tipicidade e
a antijuridicidade, e aquêle, a culpabilidade); Graf zu Dohna,
Aufbau der Verbrechenslehre, p. 13 (afirmando o valor relativo
da distinção); Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 127 (fattispecie
oggettiva e fattispecie soggettiva).
23. Esta clasificação é análoga à que foi introduzida pelos
clássicos italianos, de elemento objetivo e elemento subjetivo.
É mais estrita, porém, pois se refere apenas aos aspectos obje­
tivo e subjetivo da conduta, não incluindo as condições objeti­
vas de punibilldade, e, para muitos, também, a antijuridicidade.
24. Engisch, Die normative Tatbestandselemente, p. 132.
Ao tipo legal, porém, pertenceriam também os elementos subje­
tivos do ilícito, os quais devem, igualmente, ser objeto do dolo.
Êste não se referiria, portanto, apenas a elementos externos.
Conduta Punível 127

sentido lato. Em sentido lato, tipo é o conjunto ou a


totalidade dos pressupostos da pena, abrangendo:
(a) — O tipo em sentido estrito, ou seja, a maté­
ria da proibição jurídico-penal (Verbotsmaterie) , que
compreende materialmente o comportamento proibido,
apresentando uma descrição objetiva e subjetiva das ca-
racterísticas da ação, inclusive o evento.
(b) — A antijuridicidade, A separação entre o
tipo e a antijuridicidade encontra-se no fato de que tô-
da proibição contém uma matéria proibida, quando é
concretamente determinada. No tipo dá o Estado o
comportamento concreto que quer proibir, motivo pelo
qual é o tipo indício ou sede da antijuridicidade. O au­
tor distingue a antijuridicidade do ilícito (Unrecht).
(c) A culpabilidade, que, para o autor, é apenas
a reprovabilidade da conduta, pois o dolo é parte inte­
grante da ação.
(d) — As condições objetivas de punibilidade, que,
por vêzes, surgem em certos delitos 23.

A tipicidade e a doutrina italiana

62. A doutrina italiana nunca recebeu sem reser­


vas a copiosa elaboração dos juristas alemães sobre a
tipicidade e o tipo. Com muita propriedade, Bettiol
afirma que a admissão da teoria do Tatbestand entre
os autores italianos constitui uma espécie de spaventa-

25. Welzel, Strafrecht, p. 43. Sauer, Strafrechtslehre, p.


57, também admite a existência de tipo em sentido estrito e em
sentido lato, compreendendo êste último os pressupostos da
pena que independem da vontade e da ação.
128 Heleno Cláudio Fragoso

passeei. Alguns consideram a teoria do tipo uma sim­


ples expressão técnica do princípio nullum crimen nulla
poena sine lege2<J. Outros afirmam que a idéia de cor­
respondência à figura abstrata de crime está implícita
no conceito de violação do preceito penal, não carecen­
do de especial consideração 27. Muitos adotam a nomen­
clatura introduzida por Beling em sua concepção ori­
ginal, sem lhe atribuir, porém, maior relevância, ou
I usam a expressão fato no sentido em que a empregava
Delitala para significar o conjunto dos elementos obje­
tivos da conduta delituosa, prescindindo completamente
da antijuridicidade 62. A doutrina italiana também em-

26. Maggiore, Dir. Pen., vol. I, p. 207: “Pode dar-se livre


! ingresso à Tatbestandsmaessigkeit na teoria do crime, se por
esta se entende conformidade ao tipo ou tipicidade, e por
Tatbestand se entende a fattispecie ou modêlo legal. Evidente­
mente, a teoria do Tatbestand, reduzida a seus verdadeiros têr-
mos, não passa de uma circunlocução para replicar ao princípio
nullum crimen”. Florian, Trattato, vol. I, p. 376: “com a
Tatbestandsmaessigkeit se traduz em linguagem técnica o se­
cular princípio nullum crimen”. Para Ferri, Principi, p. 387, a
teoria de Beling foi criada “nuvolescamente tra le nuvole”.

! 27. Antolisei, L’analisi del reato, in Scritti di Dtritto Pe-


’ nale, 1955, p. 78: “A necessidade de correspondência do fato co­
metido à figura abstrata era subentendida e pela sua
I■ evidência não parecia merecer relêvo especial”. À p. 77
e no Manuale, p. 136, observa que a conformidade ao tipo legal
que verdadeiramente ocorre para a existência do crime, não é
propriamente aquela de que fala Beling, o qual considera apenas
as notas objetivas que figuram na singular disposição de lei.
Também o elemento subjetivo deve ser conforme ao tipo legal
e isto em todos os casos. Para Antolisei, a distinção feita por
Beling, em 1930, entre conformidade ao tipo e conformidade à
figura retora (Leitbildj, é “capilar” (Scritti, p. 74).

28. Delitala, II fatio, p. 32.


Conduta Punível 129 II
prega extensamente a palavra jattispecie, que, segundo
Betti, deriva do latim medieval (jacti species), signifi­ ,!
cando “figura do fato”20. -
Entre os que atribuem importância especial ao re­ !
quisito da correspondência ao tipo, destaca-se Grispigni,
cuja obra é de excepcional valor 30. Define a jattispecie
legal objetiva como o conjunto dos elementos necessá
rios e suficientes para individualizar e distinguir entre
||j
si os tipos de conduta (entendida tal expressão em sen­ í :
I I
tido lato) a cuja verificação — se concorrerem os outros
dois requisitos da culpabilidade e da ausência de justi­
i
ficação — o direito faz seguir o dever de aplicar a pe­
na31. A correspondência ao tipo é um dos requisitos
do crime. I

I I

!
!

Cit. por Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 125. I


29.
30. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 125 e segs.
31. Grispigni, Dir. Pen., vol. H, p. 127: Piu brevemente può
dirsi che la fattispecie legale è Vinsieme degli elementi esterm
propri di un sfrigolo reato.

10
I

II

FUNÇÃO E ESTRUTURA DO TIPO !

I
I
63. É mais ou menos generalizado o entendimento
de que ao tipo corresponde, bàsicamente, uma dupla í
função: a de garantia e a de fundamentação do fato
punível32. Por um lado, o tipo limita o poder punitivo I
do Estado, introduzindo um elemento de segurança na
justiça punitiva e excluindo o arbítrio, pois toda ilici- í

I
tude penal só pode ser ilicitude típica. A exata reali­
zação da conduta típica constitui pressuposto do crime
e da imposição de pena33. Por outro lado, o tipo fun­
damenta a ilicitude penal, constituindo o esquema a
que deve ajustar-se a antijuridicidade (tipo de ilícito),
funcionando como indício ou como expressão da mes­
ma 3I.

32. Maurach, Lehrbuch, p. 192; Sauer, Strafrecktslehre,


p. 57.
33. Sôbre a função de garantia do tipo, cf. Engisch, Die
normative Tatbestandselemente, págs. 130/1, aceitando a exis­
tência de um tipo de garantia (Garantietatbestand), introduzi­
da por Lang-Hinrichsen: o tipo de garantia compreende aquelas
características válidas para o princípio fundamental nullum
crimen sine lege.
34. Aníbal Bruno, Dir. Pen.> vol. I, p. 339.
132 Heleno Cláudio Fragoso

A distinção essencial entre a concepção de Beling t-

e a que foi inaugurada por Hegler, Sauer e Mezger é


a do tipo como isento de valor (Wertfrei), em contra­
posto ao tipo como referido a valor (Westbezogen), isto
é, uma concepção formal e uma concepção material35.
Em outras palavras: do tipo como esquema conceituai
e como expressão do desvalor ético-jurídico do fato.

64. A teoria dos elementos negativos do tipo30 so­


mente adquire consistência em face de um conceito ma­
terial de tipo. A mais perfeita expressão desta tendên­
cia é, porém, a teoria da ação socialmente adequada.
i Esta teoria foi sustentada na Alemanha por Welzel 37
e, na Itália, por Bettiol. A ação que atende aos fins
da vida social, em dado momento, não pode ser puní­
vel, estando excluída, inclusive, sua tipicidade. A mor­
te dada a um inimigo no campo de batalha, a operação
cirúrgica realizada com êxito, a circuncisão, etc., não
seriam ações típicas. Bettiol afirma que valorar co­
mo típicos fatos que representam a manifestação de
n
atividade adequada às exigências e às finalidades so­
h ciais em certo momento histórico-cultural significa ex­
primir um juízo de lógica abstrata, que está fora da
vida. Sustenta ainda que não é possível conceber as
figuras delituosas como esquemas, em contraste com a

= i
35. Gallas, Zum gegenwaertigen Stand der Lehre vom
Vefbrechen, 1955, p. 17, afirma que a tendência moderna é no
sentido de uma concepção material. Um conceito livre de valor
é hoje clássico.
36. Cf. n.° 74, infra.
31. Welzel, Das Deutsche Strafrecht, 2.a edição, 1950, págs.
62 e 108. Cf., ainda, seu trabalho, Studien zum System des
Strafrechts, in ZStW, vol. 58, p. 526 (1938).
Conduta Punível 133

história, ou figuras geométricas que vivem num mundo


ideal, sem qualquer nexo com o mundo social no qual
o direito exerce sua eficácia, constituindo, assim, estru­
turas de vida rígidas e mumificadas. A jattispecie pe­
nal é apenas um aspecto patológico da vida de relação,
não um aspecto normal da própria vida38.
Contra a teoria da ação socialmente adequada,
tem-se objetado que ela torna incertos os limites entre
a tipicidade e a antijuridicidade 30, bem como que torna
os limites do tipo legalmente indeterminados, já que só
o direito consuetudinário poderá dizer o que é social­
mente adequado 40. A teoria em questão não teve se­
guidores, e o próprio Welzel a abandonou posteriormen-
te, passando a considerar a adequação social apenas ex-
cludente da antijuridicidade, como princípio geral de
justificação do fato41.

38. Bettiol, Dir. Pen., p. 245.


39. Maurach, Lehrbuch, p. 258.
40. Hellmuth Mayer, Strajrecht, p. 108. Observa ainda
Mayer que nem tôdas as ações socialmente inadequadas são
puníveis, o que demonstra que o que é penalmente permitido
ou proibido não está em correlação com o que é socialmente
adequado ou inadequado. Contra a teoria da ação socialmente
adequada, cf., ainda, Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 211;
Graf zu Dohna, ZStW, vol. 60, p. 292; Dali/Ora, Condotta omissi-
va, p. 38; Nuovolone, I limiti taciti delia norma penale, 1947,
p. 23: “Não há motivos para distinguir os casos de ação social­
mente adequada dos casos em que ocorrem condições de licitu-
de”. Êstes casos, porém, o autor julga que excluem a tipicidade:
il fatto tipico non rimane se cade Vantigiuridicità (p. 17). Sòbre
a impropriedade da expressão “adequação social”, cf. Nuvo-
lone, ob. cit., p. 74.

41. Na 3.a edição de seu Das deutsche Strafrecht, 1954 e


também em seu Das neue Bild des Strafrechtssystems, 1957,
p. 24.
• 1

! 134 Heleno Cláudio Fragoso

Estrutura do tipo
65. A estrutura do tipo tem no verbo que expressa
a conduta punível o seu elemento fundamental, já que
bàsicamente o tipo é a descrição de um comportamento
incriminado. Trata-se, em regra, de um verbo transi­
tivo, que surge com seu objeto42. Em geral, não apa­
rece no tipo indicado o sujeito ativo, o que ocorre, po­
rém, nos crimes próprios. O sujeito passivo, igualmen­
te, só em poucas figuras de delito vem determinado.
Há, nos tipos, ainda, elementos relativos ao objeto, ao
lugar, ao tempo, ao instrumento ou aos meios empre­
gados, à ocasião, etc. Um estudo comparativo e siste­
mático dos tipos constituiria uma parte geral da parte
especial do código, e é reclamada por muitos autores
como indispensável43.
ii

42. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p. 148, lembra como exem­
i;
plo de tipo com verbo intransitivo a hipótese de auto-mutila-
ção do código penal militar. Cf. Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I,
p. 334.
43. O estudo da parte especial do código penal limita-se,
em regra, à exegese, com o que se pode dizer não constitui real­
mente ciência do Direito Penal. Deve-se a Grispigni, Dir. Pen..
vol. II, págs. 148 e segs., uma tentativa de estudo sistemático dos
tipos, que examina e classifica segundo as espécies de conduta

I (ação e omissão); de evento; de nexo causal; de sujeito ativo


(crimes próprios e plurissubjetivos) ; de objeto material; de
instrumento; de lugar (crimes de espaço circunscrito) e de
tempo (crimes de tempo circunscrito). Um superamento dos
critérios tradicionais nos oferece também Sauer, System des
Strafrechts, bes. Teil, 1954. Cf., sobre êste tema, Pisapia, Intro-
duzione alia parte speciale del diritto penale, 1948; Carlos Fon-
tán Balestra, Introducctón a la parte especial del derecho pe­
nal, in Studi in memória di Arturo Rocco, 1952, vol. I, p. 409;
Asúa, Tratado, vol. III, p. 801. Mezger, Studienbuch, p. 98, afir­
5 ma que a moderna teoria do tipo constitui uma ponte que
liga a parte geral à parte especial.
Conduta Punível 135

66. A doutrina, em geral, não tem dado maior aten­


ção à classificação dos tipos em espécies, preferindo es­
tabelecer a classificação das espécies de crimes. Entre
os que procuram formular um enquadramento mais
completo e rigoroso dos tipos, por espécies, destacam-se
Mezger e Asúa.
Em seu Studieríbuch, Mezger começa por conside­
rar o tipo em sua estrutura interna, para afirmar que
nela existem elementos descritivos e normativos 44. Es­
tuda, a seguir, as seguintes categorias, em relação ao
tipo:

I. Elementos do tipo referentes ao agente (cri­


mes próprios e comuns) e referentes ao fato
(objeto material, meios e formas de exe­
cução; tempo e lugar) 45.

II. Tipos referidos à ação e ao resultado.

1. Crimes de simples atividade e crimes de re-


sultado.

44. Cf. n.° 68, infra.


45. Relaciona-se com as circunstâncias típicas do fato a
distinção assinalada por Carnelutti, Teoria, p. 206, entre os
crimes de forma livre e de forma vinculada. De forma vinculada
seriam os crimes nos quais a atividade executiva está descrita
no tipo de forma mais ou menos precisa. De forma livre seriam
os crimes em que a conduta punível é indicada de forma gené­
rica, como causação de um evento, que pode ser provocado de
formas diversas. Acolhendo esta classificação, Pannain, Ma-
nuale, p. 213. Em suas Lezioni, Carnelutti abandonou esta idéia,
afirmando que não há crimes de forma livre (p. 243). Sabatini,
Istituzioni, vol. I, p. 266, fala, a propósito, em crime genérico,
de conduta inominada.
136 Heleno Cláudio Fragoso

2. Os crimes de resultado como crimes de dano


e de perigo (concreto), nos quais o dano ou
perigo são elementos do tipo 40.
III. Tipos básicos e suas derivações.
Casos qualificados (agravados) e privilegia­
dos (atenuados) e de crimes sui generis47.
IV. Tipos simples e compostos.
Compostos são os tipos cumulativos, como o
roubo (que constitui furto e constrangimen­
to); os fatos puníveis com resultado cumu­
5 lativo, especialmente os qualificados pelo re­
sultado; osjtipos de ação múltipla (que exi­
gem mais de uma ação); os crimes perma-
nentes47 bis.
V. Tipos unívocos (eindeutige) e mistos.
Os tipos unívocos são os que apenas apre­
sentam uma única via para sua realização.
Mistos são os que, realmenAe^jcompreendem
■. ■
mais de um tipo, sob uma unidade exterior
IF . (Mischgesetze). Os tipos mistos podem ser
( alternativos, quando há mais de uma varie-
; dade do mesmo caso, e cumulativos, quando
i, í há mais de um caso. Exemplo de tipo misto
I
l;

46. Nos crimes de perigo abstrato, o tipo não exige a efe.


tivação do perigo, que é apenas motivo para o legislador *(ge-
setzgeberische Motiv). Mezger, Tratado, vol. I, p. 392 e Stu-
dienbuch, p. 102.

— !
I 47. Mezger, Tratado, vol. I, p. 392 e Studienbuch, p. 102.
47 bis. Mezger, Studienbuch, p. 103 e Tratado, vol. I, p.
394; Maurach, Lehrbuch, p. 203.
-- í f
Conduta Punível 137

alternativo, na nossa lei, seria o crime de in-


duzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.
As ações aqui são fungíveis e permutáveis,
sendo indiferente a realização de mais de
uma, no que concerne à unidade do delito4S.
Nas hipóteses de leis mistas cumulativas, de­
saparece aquela fungibilidade e cada uma
das modalidades previstas constitui uma fi­
gura autónoma, dando lugar ao concurso ma­
terial. Há, porém, grande imprecisão nos
critérios para o reconhecimento de leis mis­
*
tas cumulativas 40.
VI. Tipos completos e tipos que carecem de com­
plemento (leis penais em branco). O com-
plemento, seja qual fôr a sua natureza, é
parte integrante do tipo.

67. Beling classificava ainda os tipos de delito em


autónomos e dependentes. A cominação de penas é ora
formulada em prescrições penais fundamentais (autó­
nomas, imediatas, independentes), que funcionam por
si mesmas, num marco penal determinado, sendo quan­
titativamente firmes; ora a cominação se faz em pres­
crições penais dependentes (subordinadas, mediatas),

48. Delogu entende que estas hipóteses são de normas con­


juntas. Nelson Hungria, Comentários, vol. I, p. 222, afirma que
'são tipos de conteúdo variável.
49. Cf. Mezger, Studieríbuch, p. 104 e Tratado, vol. I, p.
i 395; Beling, Esquema (Grundzuege), p. 38; Grispini, Dir. Pen.,
vol. II, p. 130; Bettiol, Dir. Pen., p. 179; Asúa, Tratado, vol. UI,
p. 790; Liszt-Schmidt, Lehfbuch, p. 180; Soler, Der. Pen., vol. II,
p. 175. A questão se entronca com o concurso aparente de
normas.
•| I

138 Heleno Cláudio Fragoso

que simplesmente ministram uma relação quantitativa


com respeito à pena fundamental, mas que, em si mes­
mas, são indeterminadas em seu conteúdo e quantita­
tivamente variáveis, adquirindo sentido absolutamente
distinto segundo a pena que se tome por base de cál­
culo. — _____ _____

1' As prescrições penais subordinadas, segundo Beling,


têm dupla função. Ou tornam punível uma ação que,
p' sem elas, seria impunível, ou modificam uma pena que
sem elas já existe. Nas leis penais com penas básicas,

h
; il'. I
apresentam-se as espécies (e subespécies) de delitos: são
figuras delictivas autónomas. Nas leis penais depen­
dentes, surgem figuras delictivas subordinadas, as quais,
sem apoio de uma das espécies delictivas, ficariam no
ar, adquirindo significado jurídico-penal só em união
com uma das mesmas. Estas formas delictivas acessó­
I rias, no Direito Penal alemão, Beling afirma serem a
tentativa, a instigação e a cumplicidade: tècnicamente
o legislador teria podido colocar, na parte especial, a
- tentativa de furto e a co-autoria no furto, no homicí­
dio, etc., como figuras delictivas autónomas, cada uma

I provida de uma pena básica própria. Estabelecendo as


penas para as figuras acessórias, de forma genérica,
obtém uma simplificação, regulando ditas figuras In
I blanco, a punibilidade com referência ao respectivo va­
d lor 30.

Elementos normativos do tipo


í
68. Como vimos, Beling afirmava ser o tipo pura­
! mente descritivo, mesmo quando referido a valor, nêle
j
50. Beling, Esquema (Grundzuege), págs. 38/40.
111.

I
Conduta Punível 139

havendo completa ausência de conteúdo valorativo. Se­


ria, assim, pura objetividade. Max Ernst Mayer, po­
rém, assinalou a existência de elementos normativos,
ou seja, elementos essenciais da conduta típica que têm
apenas uma importância valorativa determinada. Tais i
elementos, embora sendo partes essenciais da ação, dis­
tinguem-se das meras referências ao ato, porque não
estão em relação de causalidade com o movimento cor­
póreo. Assim, o fato de ser a coisa subtraída alheia
não é causado pelo ladrão. A difusão de uma falsidade
é causada pelo difamador, mas não a falsidade do fato51
Êstes elementos, para Mayer, seriam características im­
próprias do tipo (unechte Tatbestandsmerkmale), pois
êle, como Beling, concebia o tipo isento de qualquer
valor (Wertfrei) C2. Constituiriam, para o grande mes­
tre, elementos próprios da antijuridicidade, pois não
funcionam como simples indício, mas como fundamento
(ratio essendi), sendo, portanto, parte essencial da anti­
juridicidade: “Enquanto na subtração há um indício
do apossamento antijurídico, a condição de ser alheia
a coisa é sua parte essencial; se falta a condição de
coisa alheia, exclui-se a antijuridicidade do apossamen­
p
to”53. Mayer considerava, pois, os elementos normati-

51. M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 183.


1
52. M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 182. Como Beling, Mayer
considerava no tipo apenas as características objetivas, ou seja,
aquelas cuja verificação no mundo exterior é perceptível pura­
mente através dos sentidos. A verificação dos elementos nor­
mativos, porém, no seu entender, não se processa no mundo
exterior, mas exclusivamente no mundo do direito (in der Re-
chtswelt). Para crítica à concepção de elementos normativos,
cf. Delitala, 11 faíto, p. 119.
53. M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 184.
140 Heleno Cláudio Fragoso

\vos “corpos estranhos” no tipo. Em face da definição


legal, todavia, êstes elementos são também elementos
(impróprios) do tipo, sôbre os quais deve também re­
cair o dolo.
!
69. A noção de elementos normativos alargou-se
com a obra de Gruenhut e Mezger, entre outros. Grue­
nhut entendia que elementos normativos são todos os
que exigem por parte do juiz um juízo de valor (Wer-
turteil), não sendo apenas características de fato que
descrevem uma ação. Exigem uma pura atividade in­
telectual (e não simples enquadramento no modêlo),
pois não são descritivas, dando lugar, portanto, a uma
livre estimação (freiem Ermesserí) por parte do juiz,
em face de sua elasticidade M.
Gruenhut classificava os elementos normativos do
tipo em duas categorias: (1) — conceitos que se refe­
rem ao quadro ideal da ordem jurídica positiva, tais
como a condição de coisa alheia. O juiz aqui se serve
de juízos de valor de outros ramos da ordem jurídica55;
(2) — elementos normativos de caráter geral. A lei

54. Gruenhut, Begriffsbildung und Rechtsanwendung im


Strafrecht, 1926, págs. 5 e segs., apud Kunert, Die normative
merkmale, cit., p. 31. Cf., ainda, Gruenhut, Methodische Grund-
lagen der heutigen Strafrechtswissenschaft, Frank Festgabe,
vol. I, p. 21.
55. Não há, nesta espécie de elementos normativos, aquela
liberdade de apreciação que Gruenhut considerava caracterís-
tlca de todos os elementos normativos. Cf. Kunert, Die norma-
tive Merkmale, p. 31. Hofmann, Die normative Elemente des
besonderen und allgemeinen Tatbestands im Strafrecht, in
StrAbh, Heft 272 (1930), p. 6, aliás, afirma que nestes casos o
juiz não emite qualquer juízo de valor, limitando-se puramente
a aplicar o seu conhecimento da lei.
i!
Conduta Punível 141

exige aqui do juiz um julgamento com base na expe­


riência geral da vida; uma valoração extrajurídica; uma
colocação com base em certa concepção do mundo (wel-
tanschaulicher Grundlage). Elementos desta ordem se­
riam, por exemplo, o caráter de obscenidade de um ato,
a condição de pessoa honesta, etc.
Para Mezger, os elementos normativos distinguem-
-se daquelas partes do tipo penal fixadas descritivamen­
te pelo legislador, como determinados estados e proces­
sos, corporais e anímicos, a serem comprovados, caso
por caso, cognitivamente, pelo juiz. Os elementos nor­
mativos constituem pressupostos do ilícito típico, que
só podem ser determinados mediante especial valoração
da situação de fatoõ0. Êstes elementos normativos são
muito numerosos e de índole muito diversa. Além dos
elementos puramente normativos (que contêm uma va­
loração jurídica), encontramos elementos que depen­
dem de um juízo cognitivo (kognitiver Beurteilung) que
são constituídos por características típicas sôbre as quais
recai um determinado juízo, que deriva da experiência
e dos conhecimentos que esta proporciona. Exemplo:
quando se trata de determinar se certa conduta ou meio
é perigoso57. Há, ainda, os elementos normativos com
valoração cultural, nos quais o juízo deve ser realizado
com respeito a determinadas normas e concepções vi­
gentes, que não pertencem à esfera do direito. Tais,
por exemplo, a condição de ato obsceno, a de pessoa ho­
nesta, etc. Em síntese, entende Mezger que podemos

56. Mezger, Tratado, vol. I, p. 388.


57. A opinião de Mezger sôbre o caráter desta classe de
elementos não é uniforme» em suas várias obras. Cf. nota 68,
infra.
i

142 Heleno Cláudio Fragoso

afirmar que existem elementos normativos cuja deter­


minação exige do juiz juízos valorativos puros (afirma­
ções valorativas), e elementos que reclamam dêle juí­
zos valorativos não genuínos, impróprios, ou seja, con­
firmações valorativas, constituídas por aplicação de va-
lorações que defluem de outros setores, especialmente
a aplicação de conceitos jurídicos já existentes 58.
••
! 70. Partindo da filosofia dos valores, Erik Wolf,
!
a propósito dêste tema, chamava atenção para o fato
de que todos os elementos que integram o tipo são nor­
mativos, pois são conceitos jurídicos e, como tal, con­
ceitos valorados e construídos teleològicamente 5n. Des­
de o momento em que a realidade empírica é cristali­
zada no tipo legal, ela passa a ter referência a um va­
lor, sendo, assim, conceitualmente, de natureza norma­
tiva00. Assim sendo, quando na ciência do Direito Pe­
nal surgem conceitos como “ação”, “instigação”, “au­
xílio”, “doença”, etc., o seu objeto não é o que se en­
tende por “doença”, “ação”, etc. pela própria natureza
das coisas, porque determinados fatos ou relações cul­
turais, empiricamente determinados, através de sua in­
- 'i
trodução na lei (Vergesetzlichung), adquirem uma re­
• i ferência a valores jurídicos ou teleológicos61.

58. Mezger, Tratado, vol. I, págs. 389/90. Cf., ainda, espe­


cialmente, Vom Sinn der strafrechtlichen Tatbestaende, in
Festschrijt juer Ludwig Traeger, 1926, págs. 187 e segs.
59. Erik Wolf, Strafrechtliche Schuldlehre, 1928, vol. I,
p. 79.
60. Erik Wolf, Die Typen der Tatbestandsmaessigkeit,
1931, p. 59.
61. Erik Wolf, Strajrechtliche Schuldlehre, p. 84.
Conduta Punível 143

A observação de Wolf foi reconhecida por multo»


autores pelo seu evidente fundamento, embora êlc a ti­
vesse exposto, em certas passagens, com indiscutível exa-
gêro. Eberhardt Schmidt, por exemplo, afirmava que
não há no tipo características puramente descritivas,
pois todos os seus elementos têm sentido valorativo e são
normativos. Saber o que é “homem’ ou “embrião”, nos
crimes de homicídio e aborto, não é um problema de
ciência natural, mas um problema jurídico. Portanto,
a distinção introduzida por Max Ernst Mayer, entre
elementos descritivos e normativos, só pode ser aceita
cum grano salis: há características no tipo de conteúdo i
essencialmente fático, em completa concordância com
o uso verbal sobre o dado objetivo que indicam (“ho­
mem”, “conjunção carnal”, “faca”, “membro”, “vida”,
etc.), em relação aos quais o juiz se limita a pura ativi­
dade cognoscitiva. Nestes casos é admissível falar de
elementos descritivos do tipo. Em outros casos, porém,
o tipo apresenta características especificamente norma­
tivas, cuja determinação exige por parte do juiz uma
atividade valorativa (eine wertende Taetigkeit des Rich-
ters erfordern). Essa valoração pode ser não apenas
jurídica, mas também cultural. Em qualquer caso, po­
rém, não se trata, de forma alguma, de realizar o julga­
dor uma valoração puramente subjetiva, de acordo com
seus próprios valores, devendo, ao contrário, ater-se a
valores fixados, objetivos, culturais ou jurídicos, vigen­
tes no meio social C2.

62. Eberhardt Schmidt, no Tratado, de Von Liszt (Lehr-


buch, págs. 182/3). Mezger, Tratado, vol. I, p. 388, dando ra­
zão a Wolf, segue a orientação de Schmidt. Assim também He-
gler, Frank Festgabe, vol. I, p. 275; Engisch, Normative Tat-
bestandselemente, p. 142; Hellmuth Mayer, Strafrecht, p. 108;
144 Heleno Cláudio Fragoso

Êste enquadramento generalizou-se, sendo acolhido
•i
expressa ou implicitamente por muitos autores. O pró­
prio Wolf mostrou que sua observação era mais de or­
dem metodológica, ao assinalar que a expressão “nor­
mativo” poderia ser empregada não apenas no sentido
amplo (de referência a valor), mas também em sentido
estrito, de valoração ampliativa, a ser realizada pelo
juiz C3. Distinguia-se, assim, entre normatividade como
referência ao escopo (telos) da norma (que todos os
tipos têm), e normatividade como referência implícita

í-
■h!'
Arthur Kaufmann, Unrechtsbewusstsein, 1949, p. 167. Rad-
bruch, Zur Systematik der Verbrechenslehre, in Frank Fest ga­
be, vol. I, p. 167, observava que não há qualquer característica
do tipo que não seja, ao mesmo tempo, descritiva e normativa.
Hofmann, Die normative elemente, cit., págs. 8 e 13, sustenta
que a classificação de elementos normativos e descritivos não
significa que êles se situem no mundo dos valores ou no mun­
do do ser, mas tão somente, que nos elementos normativos a
valoração é entregue ao juiz, enquanto que nos descritivos tal
valoração já é realizada pelo legislador. Maurach, Lehrbuch,
Hl p. 208, pronuncia-se com reservas sôbre o enquadramento que
fazem Mezger e Schmidt, entre outros, afirmando que a dis­
tinção entre elementos descritivos e normativos tem valor
muito restrito, como a prática mais de cem vezes já demons­
trou: não erram os que negam a existência de caracteres pu­
n- ramente descritivos no tipo. Grispigni, Dir. Pen., vol. II, p.
131, sustenta que a opinião dêstes autores resulta de um equí­
voco entre o momento em que se forma a norma e o mo­
--11 ■ mento em que ela já está formulada: al dommatico interessa
solo tale secondo momento, rispetto al quale non vi è dubbio
che alcuni concetti delia norma sono meramente descrittivi.
Para Grispigni também a valoração nos elementos normativos
deve ser feita do ponto de vista objetivo do juiz, isto é, segun­
do a consciência do povo.
! 63. Apud Kunert, Die normative Merkmale, p. 44: erga-
enzenden Bewertung.
Conduta Punível
*15
ou explícita de um conceito do tipo a quaisquer no^
ou valores (normatividade em sentido estrito ou em
tido próprio) °4.

71. Opondo-se à filosofia dos valores, defer^.


pela Escola Sudocidental Alemã, Welzel censurav^ a
concepção de Wolf, afirmando que os conceitos jur^
cos não constituem uma transformação metodológica
um material amorfo, mas, sim, descrições de um ger
ôntico provido de forma, e, sempre, conceitos descriti-
vos 64 bi3. Esta descrição, porém, nem sempre se refere
unicamente a características não valoradas do Ser, mas
também ao Ser ôntico provido de concreta referência a
valor, exigindo apenas para seu entendimento uma dis­
posição do conhecimento, de caráter emocional-valora-
tiva (no sentido de ser disposta à apreciação do valor) ®5.
Por outro lado, podem os conceitos jurídicos conter ele­
mentos do Ser, de caráter biológico, psicológico, psiquiá­
trico, etc., os quais, através da transformação jurídica,
não perdem o seu caráter do Ser naturalístico. Assim
sendo, o duplo conceito de normatividade corresponde
a um duplo conceito de “descriptividade”: “descriptivi­
dade” em sentido amplo, como propriedade dos conceitos i
jurídicos, de compreender um Sêr ôntico (mesmo quan­
do, eventualmente, apenas um Sêr ôntico valorado), e !
“descriptividade” em sentido estrito, como concordân­
cia com um ser “naturalístico”. Em consequência, di-

64. Cf. Engisch, Die normative Tatbestandselemente, p.


140.
64 bis. Welzel, Naturalismus und Wertphilosophie, 1935,
p. 74.
65. Einer emotional-werterfuehlenden Erkenntniseinstel-
lung.

11
I

146 Heleno Cláudio Fragoso

videm-se as características do tipo em descritivas (em


i> sentido estrito), que constituem características percep-
tíveis através dos sentidos, e normativas, que são com­
$ preensíveis através do espírito (referentes, porém, a um
Ser valorado, e, portanto, descritivas em sentido am­
plo) °°.

72. Verifica-se da exposição feita que, em realida­


i de, para fins práticos, a divergência entre os autores
é superficial. Parece não haver dúvida de que no tipo
há elementos cuja determinação exige apenas uma ati­
vidade cognoscitiva e outros que exigem referência a
valores.
Os critérios usados na determinação dos elementos
normativos, todavia, nem sempre coincidem. Para
1 Kunert, autor de recente e valiosa monografia, a con-
ceituação dos elementos normativos é feita por exclu­
são: “São características descritivas do tipo aquelas cir­
cunstâncias cuja existência se constata com base numa
percepção através dos sentidos, sem qualquer processo
ideativo prolongado. Todas as outras características
■p são de caráter normativo” °7. Esta concepção é muito
i ampla. Há certas características que entrelaçam, como
’ i
diz Engisch, aspectos descritivcos e normativos. Assim,
por exemplo, os elementos de juízo cognitivo, como “ver­
dade”, “verossimilhança”, “probabilidade”, “perigo”cs,

66. Exposição e crítica do pensamento de Welzel nesta


= matéria: Engisch, Die normative Tatbestandselemente, p. 141
e Kunert, Normattve Tatbestandsmerkmale, págs. 45/47.
67. Kunert, Normative Tatbestandsmerkmale, p. 1.
í 68. Esta classe de características Mezger considerou su­
cessivamente como descritivas, intermediárias e normativas.
Cf. Engisch, Normative Tatbestandselemente, p. 144.
Conduta Punível 147

bem como características que exigem do juiz uma apre­


ciação quantitativa, como “logo após o parto”, “pequeno
valor”, etc. Alguns autores incluem elementos desta
classe entre os descritivos 60. Outros, porém, os conside­
ram normativos 70.
Os elementos normativos apresentam relevância es­
pecial em matéria de dolo e de êrro. A tendência domi­
nante é no sentido de exigir, para integrar o dolo, cons­
ciência da valoração exigida para existência do elemen­
to normativo. Assim, por exemplo, para que surja um
fato punível em relação a um documento, não basta que
seja perceptível o escrito, sendo indispensável que o
agente tenha consciência de sua relevância jurídica (ou
de sua função como meio de prova) 71. Para muitos,

69. Cf. Engisch, Normative Tatbestandselemente, p. 145,


que invoca em seu apoio a opinião de Wolter e Thierfelder.
Engisch afirma que êstes elementos possuem um conteúdo obje­
tivo, que é decisivo, e são apenas objeto de percepção interna
(p. 149).
70. Kunert, Normative Tatbestandsmerkmale, p. 105. Ar-
thur Kaufmann, Unrechtsbewusstsein, p. 167: “Entende-se por
características normativas do tipo tanto as que exigem para
sua compreensão um juízo de valor, como as que exigem um
juízo cognitivo. O decisivo é que elas exigem sempre, para
seu entendimento, um juízo, ao passo que os elementos des­
critivos se constatam através dos sentidos”. Como se percebe,
os critérios aqui são dois: o da referência a valor (Wertbezue-
glich) e o da referência à reflexão (Sinnbezueglich'). Para
Wolter, normativo, neste sentido, nada tem a ver com valo-
rações, indicando apenas que a significação se acha no mundo
das normas (Normenwelt). Veja-se a crítica de Kunert, Nor­
mative Tatbestandsmerkmale, p'. 76.

71. Welzel, Strafrecht, p. 55. Evidentemente, não se exi­


ge que o agente realize perfeito enquadramento da circuns­
tância, sendo bastante a consciência da significação que ela
I=
1 148 Heleno Cláudio Fragoso

a consciência do elemento normativo, corresponde à


í consciência da antijuridicidade da ação, excluindo a
indagação a respeito desta. Afirma-se, também, que os
elementos normativos tornam incertos os limites entre
o êrro de fato e o êrro de direito 72.

73. A introdução no tipo de elementos normativos,


ou, como diz Engisch, normativo-subjetivos, tem sido jul­
gada diversamente, do ponto de vista de sua conveniên­
cia. É claro que tais elementos introduzem considerá­
vel indeterminação no conteúdo do tipo, enfraquecendo
sua função de garantia, pois fazem depender puramente
I da valoração judicial a própria existência da conduta pu­
nível em sua materialidade. Hellmuth Mayer assinala
que a própria Constituição Federal alemã, no art. 103,
I proibe ao legislador o estabelecimento de “leis penais im­
precisas, cuja descrição típica seja de tal forma indeter­
íi! minada, que possa dar lugar a dúvidas intoleráveis sôbre
o que seja ou não permitido ou proibido”73. Exemplos
dessa espécie de indeterminação temos no art. 240 do

•i tem na esfera do leigo. Binding, Normen, vol. III, p. 146. É o


íi que Mezger chamava de “valoração paralela na esfera do lei­
|| go” (Parallelwertung in der Laiensphaere): apreciação da ca-
racterística do tipo no círculo de pensamentos da pessoa indi­
vidual e no ambiente do autor do crime, que marche na mes­
ma direção e sentido que a valoração judiciário-legal. Cf. Stu-
li' dienbuch, p. 173 e Tratado, vol. II, p. 136/7.

i 72. Schroeder e Lang-Hinrichsen sustentam que, em face


dos elementos normativos, não é possível distinguir entre o
êrro de direito e o êrro de fato. Contra: Engisch, Die norma-
tive Tatbestandselemente, p. 128.
73. “Unbestimmte Strafgesetze zu erlassen, deren Tat-
bestandsbeschreibung so unbestimmt ist, dass vertraegliche
Zweifél uebrigbleiben, was erlaubt und was verboten ist”.
■ i
I
Conduta Punível 149

nosso código penal, que incrimina o adultério, sem o de­ ?


finir. O que constitui adultério, em última análise, cabe
ao juiz declarar. Para que se perceba o perigo desta
fórmula, imagine-se o crime de estelionato assim defini­
1
do: “Quem praticar estelionato, será punido...”74. !■

Os elementos normativos do tipo ,especialmente os -


de valoração cultural, contribuem, sem dúvida, para a 8

indeterminação e insegurança do tipo, comprometendo o


princípio da reserva legal. Daí observar Bettiol, com I
muita propriedade, que a presença de tais elementos
constitui não apenas um problema de técnica legislativa,
mas também de política, já que êles vêm alargar de I
muito os podêres discricionários do juiz, tornando “elás­
ticas” as figuras de delito. Para o insigne professor da i
Universidade de Pádua, os elementos normativos corres­
pondem, em princípio, a uma concepção autoritária do
Direito Penal, ou melhor, a uma concepção que contem­
pla sem apreensões um aumento dos podêres discricioná­
rios do juiz, aos quais corresponde um perigo para a li­
berdade individual14bis. Schoenke-Schroeder, porém, afir­
mam que a tendência da legislação moderna tem sido no
sentido de aumentar o número das características nor-

74. Cf. Hellmuth Mayer, Strafrecht, p. 86. Para demons­ !


trar a insegurança introduzida pela indeterminação do tipo,
Maurach, Lehrbuch, p. 207, invoca o exemplo de certos crimes
como o de sabotagem, traição, atos terroristas, etc., no código
soviético, de 1926.
74 bis. Bettiol, Dir. Pen., p. 183. Sobre êste aspecto dos
elementos normativos, cf. Engisch, Normative Tatbestandsele-
mente, p. 156; Arthur Kaufmann, Unrechtsbewusstsein, p. 166;
Asúa, Tratado, vol. ni, p. 781; Hofmann, Die normative ele-
mente, p. 16; Mezger, Tratado, vol. I, p. 389; Liszt-Schmidt, I
Lehrbuch, p. 183: “O perigo de valorações arbitrárias não está
excluído”. Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 337. !

i
150 Heleno Cláudio Fragoso

mativas do tipo, fato que o IV Congresso Internacional


de Direito Penal, da Association Internationale de Droit
Pénal, em 1937, julgou recomendável75.

Elementos negativos do tipo

74. A teoria dos elementos negativos do tipo surgiu


na Dogmática alemã como solução técnica para dis­
ciplinar o êrro sobre circunstâncias que, se existissem,
tornariam a ação legítima, ou seja, êrro sôbre causa de i
H

exclusão da antijuridicidade do fato. O parágrafo 59


do código penal alemão, ao tratar do êrro de fato, refe­
re-se apenas ao desconhecimento de circunstâncias do
fato que pertençam ao tipo legal ou agravam a punibili-
dade, de sorte que surgiu o problema da relevância do
êrro sôbre causas de justificação.
ii
1 De elementos negativos do tipo já falava Adolf
Merkel em seu Tratado, ao cuidar da legítima defesa,
mas tinha em vista a concepção de tipo como conjunto
todos os pressupostos da pena (Gesamttatbestand) 7fl,
de sorte que as causas de exclusão da antijuridicidade
pertenceriam indubitàvelmente ao tipo. Vários autores
pronunciaram-se pela aplicação do § 59 às descriminan-
tes putativas, com fundamentos diversos 77, mas outros

75. Schoenke-Schroeder, Kommejitar, p. 16. A conclu­


são do Congresso foi a seguinte: “É desejável que as prescri­
ções das leis penais, que definem, ações puníveis, sejam con­
cebidas em têrmos bastante amplos, a fim de facilitar sua

i adaptação, pelos órgãos da jurisdição, às necessidades sociais”


76. Adolf Merkel, Lehrbuch, l.a edição, 1889, p. 82.
77. Haelschner, Strafrecht, vol. I, 1881, p. 271 (tôdas as
causas que aumentam, diminuem ou excluem a pena perten-
Conduta Punível 151

negavam a possibilidade de aplicação daquele dispositi­


vo, afirmando a irrelevância daquela espécie de erro78.
Desde que se destacou a antijuridicidade como ca-
racterística autónoma do fato punível, as dificuldades
i :
aumentaram. A antijuridicidade foi também entendida
como característica negativa do crime70, mas isto em
nada concorreu para a aceitação dos elementos negativos
do tipo, dificultando-a, inclusive, pelas críticas que ense­
jou. A inexistência de causas de justificação não se
identifica com a antijuridicidade. Segundo Hirsch, foi
Baumgarten o primeiro defensor da teoria dos elementos
negativos, que os enquadrou tècnicamente no tipo, como
característica do crime 80.
Aproveitando-se da elaboração de Hegler, Sauer e
Mezger, entre outros, do tipo como fundamento da anti-

cem ao tipo); Olshausen, Kommentar zum Strafgesetzbuch,


1880, p. 273 (aplicação analógica); Hugo Meyer, Lehrbuch,
4a edição, 1888, p. 197. Cf. Hirsch, Die Lehre von den nega-
tiven Tatbestandsmerkmale, 1960, págs. 26 e segs.. A aplica­
ção analógica da disposição sobre o êrro de fato era corrente
na jurisprudência do Reichsgericht.
78. Von Liszt, Lehrbuch, p. 171 (3.a edição, 1888); M. E.
Mayer, Lehrbuch, p. 319.
79. A teoria em questão já aparecia no Handbuch des
Strafrechts, de Binding, publicado em 1885 (vol; I, p. 664)
Binding, porém, a ela se opôs nas Normen, vol. III, p. 307.
Além de Frank, defenderam-na, entre outros, Merkel, Lehr­
buch, p. 82; Baumgarten, Der Aujbau der Verbrechenslehre,
1913, p. 221; Zimmerl, Zur Lehre vom Tatbestand, StrAbh, Heft
l
237 (1928), p. 66; Radbruch, Zur Systematik der Verbrechens­ -
lehre, Frank Festgabe, 1930, vol. I, p. 167. O próprio Frank,
a partir da 18.a edição de seus Comentários, a rejeitou.
80. Hirsch, Die Lehre von den negativen Tatbestands­
merkmale, p. 78.

11
152 Heleno Cláudio Fragoso

juridicidade, e levando tal concepção às últimas conse­


quência, a teoria dos elementos negativos afasta-se de
uma compreensão puramente formal do tipo, tal como o
Leitbild, de Beling. Sustenta que o tipo compreende
todos os pressupostos do ilícito, inclusive a ausência de
causas de justificação. Estas seriam características ne­
gativas do tipo. Assim sendo, para a teoria em questão,
com a realização da conduta típica estabelece-se defini­
tivamente a antijuridicidade do fato: tipicidade e anti-
juridicidade; características do tipo e características da
antijuridicidade são uma só e mesma coisa81.
Como Baumgarten já havia sugerido, deveria enten­
der-se que o tipo objetivo do crime de homicídio, por
exemplo, é o seguinte: “Matar alguém, salvo repelindo in­
justa agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de
outrem, pelo uso moderado dos meios necessários; ou
para salvar de perigo atual, que não provocou por sua
vontade nem odia de outro modo evitar, direito próprio
í ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era

i razoável exigir-se, bem como em estrito cumprimento


de dever legal, etc.”. O tipo resulta, assim, de elemen­
tos positivos e negativos, constituindo, em essência, o
comportamento ilícito. O homicídio praticado em le­
gítima defesa não é um fato típico.
Os defensores da teoria afirmam que não há outra
= forma de atribuir relevância ao êrro sobre causas de
i exclusão da antijuricididade. Êste êrro — afirma-se
— não é de fato, mas de direito82.

í
81. Hirsch, Negativen Tatbestandsmerkmale, p. 15.
82. Consideram-no, porém, como êrro de fato vários au­
tores, que não aceitam a teoria dos elementos negativos: cf
Schofnke-Schroeder, Kommentar, p. 259.
I
I

i
Conduta Punível 153 i -

A teoria dos elementos negativos é hoje defendida I


por vários autores 83. Todavia, a maioria dos tratadis­
tas a ela se opõe, mantendo a teoria clássica do tipo
como indício da antijuridicididade. Entende-se que o
êrro sobre os pressupostos da antijuridicidade é êrro
sôbre o tipo, porque é êrro sobre as circunstâncias de
fato. Um êrro desta natureza evidentemente excluiria
o dolo, que exige consciência das circunstâncias do fato,
como fundamento do juízo de reprovação84
I
Ausência de tipicidade II

75. A tipicidade, sendo a realização objetiva do


fato punível, fica excluída, quando na ação empreendi­
da falta qualquer elemento integrante do tipo. A falta
de correspondência ao tipo implica, evidentemente, na

83. Engisch, Normative Tatbestandselemente, p. 133 e


Tatbestandsirrtum und Verbotsirrtum bei Reichtsfertigungs-
gruende, in ZStW, vol. 70, p. 583; Von Weber, Negattve Tat-
bestandsmerkmale, p. 183; Busch, Ueber die Abgrenzung von
Tatbestands- und Verbotsirrtum, Mezger Festschrift, p. 180;
Arthur Kafmann, Unrechtsbewusstsein, p. 66; Hirsch, Negati-
ven Tatbestandsmerkmale, 1960; Mezger, Leipziger Kommen­
tar, p. 489; Schroeder, ZStW, vol. 65, p. 207; Sauer, Strafrechts-
lehre, p. 57. Entre os autores italianos, no mesmo sentido.
Nuovolone, I limiti taciti delia norma penale, 1948, p. 24.
Maurach, Lehrbuch, p. 263, afirma que a distinção entre ele­
mentos negativos do tipo e causas de justificação é de índole
terminológica.
84. Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 259: "O concei­
to de características negativas do tipo é muito controvertido
e problemático”. Cf., ainda, Maurach, Lehrbuch, p. 407; Wel-
zel, Strafrecht, p. 59 e Das neue Bild des Strafrechtssystems.
1957, p. 22; Hellmuth Mayer, Strajrecht, p. 262.
154 Heleno Cláudio Fragoso

impunibilidade do fato 85. Através da obra de Graf Zu


Dohna e Frank, a teoria da ausência de tipo (Mangel
am Tatbestand) foi aplicada à tentativa inadequada
(crime impossível), na qual se afirmou a inexistência de
tentativa e falta de correspondência do fato ao tipo.
Para Dohna, há ausência de tipo em todos os casos em
que falta qualquer característica do tipo que não se
ache em relação causal com a conduta. Há tentativa
quando o dolo é dirigido à realização do tipo e a ação
não produz o resultado SG~ Para Frank há ausência de
tipo quando falta, não o resultado (caso em que haveria

85. Beling, Lehre vom Verbrechen, 1906, p. 328. Para o


autor somente se pode falar em ausência de tipo (expressão
que mpitos consideram imprópria) quando há realização in­
completa dos elementos da figura típica. A tentativa constitui
exceção, pois a tipicidade não desaparece quando há comêço
de realização do tipo e tão somente ausência do fim. Na cha­
mada tentativa absolutamente impossível, não haveria ten­
tativa nem ausência de tipo, mas um nada jurídico. No Grund-
zuege, aparece mais perfeita elaboração da matéria (cf. Es­
quema, p. 100). Autores antigos, como Feuerbach e Koestlin,
também empregaram a expressão Mangel am Tatbestand, po­
rém em sentido muito diverso. Procuravam assim designai
ações a que faltava uma característica do crime, mas que
5
eram muito semelhantes ao mesmo, devendo ser punidas mais
s
levemente. Esta concepção conduzia à aplicação analógica da
lei penal. Cf. Bending, Normen, vol. III, p. 488. Completa ex­
posição da matéria em Schueler, Der Mangel am Tatbestand,
1914, p. 41. Cf., ainda, Hellmuth Mayer, Strafrecht, p. 287.

86. Graf Zu Dohna, Festgabe juer Gueterbock, 1910, p


49, citado por Mezger, Tratado, vol. II, p. 242. Dohna reco­
nhece, porém, tentativa na hipótese de ausência de tipo, que
ocorre quando o objeto visado se achava fora do lugar atin­
gido.
I
Conduta Punível

tentativa), mas outra circunstância do fato erronea­


1Õ5
I
mente suposta87.
I
i
Há, modernamente, grande imprecisão a respeito
da ausência de tipicidade. Alguns autores distinguem
os casos de falta de realização de elementos do tipo das
hipóteses de impropriedade absoluta do meio, para nes­
tas identificar uma ausência de causalidade88, assina­
lando, por outro lado, que o tipo aqui deixa de reali-
zar-se, não porque falte algum de seus elementos cons­
titutivos, mas porque a atuação da vontade do agente
toma, por êrro, um caminho que não pode conduzir a
essa realização80.
A teoria da ausência de tipo, como se vê, relacio-
na-se com a tentativa e o crime impossível, apresentan­
do problemas que aqui nem sequer podem ser mencio­
nados. Muitos afirmam que as hipóteses de ausência 1
de tipo são casos de tentativa punível °°, parecendo ser I
!

87. Frank, Kommentar, p. 202. Esta é também a opinião


de Schmidt, exposta no Lehrbuch, de Liszt (cuja opinião foi,
assim, revista), p. 298/9. M. E. Mayer, Lehrbuch, p. 364, par­
tindo de sua concepção sôbre os elementos normativos do tipo,
entendia que nestes casos há, não exclusão do tipo, mas da
antijuridicidade. Para muitos, há ausência de tipo também
nos crimes putativos (Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 343; il
Nelson Hungria, Cojnentários, vol. I, p. 276). i;
88. Sauer, Strafrechtslehre, p. 94. ii

89. Aníbal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 344.


i;
90. Mezger, Tratado, vol. II, p. 246: Trata-se de tentativa ■ 11
inadequada. Uma coisa é tentativa, outra é tentativa punível.
Hellmuth Mayer, Strafrecht, p. 287; Welzel, Strafrecht, p. 143;
Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 155. Para Schmidt o con­
ceito de tentativa que Mezger apresenta (“ação que deve ser­
vir para realizar no mundo externo uma resolução de vontade

í
156 Heleno Cláudio Fragoso

esta a tendência da doutrina alemã, que se desenvolve


no sentido de negar relevância a êste conceito01.

Tipo de fato e tipo de autor

76. Como vimos, exerce o tipo uma função de ga­


rantia, fundamentando a valoração jurídico-penal sôbre
o fato. A chamada teoria do tipo de autor procura
substituir um Direito Penal do fato (Tatstrafrecht) por
um Direito Penal do autor {Taeterstrafrecht), no qual
a pena é irrogada não pela prática de um fato, mas em
virtude de determinadas qualidades do agente.
Em qualquer de sua formulações, como nota Mau­
rach, a teoria é de inspiração criminológica, sendo estru­
turada sob a idéia básica de que punível é o homem e
Ijí não o fato (Liszt). Esta teoria adquiriu maior relêvo
na Alemanha, ao tempo do nacional-socialismo, pois
afinava com as idéias então dominantes, introduzidas
pelo Direito Penal da Vontade92.

77. Existem duas concepções na teoria do Taeter-


typ: a primeira, que surgiu com a obra de Wolf 93, é a

do autor”), é pré-jurídica {Lehrbuch, p. 300). Graf Zu Dohna


Aufbau der Verbrechenslehre, p .57: É um êrro conceber como
tentativa as hipóteses de ausência de tipo, e um duplo êrro
concebê-las como tentativa inadequada.
91. Hellmuth Mayer, Strafrecht, p. 287; Maurach, Lehr­
buch, p. 441; Hellmuth Von Weber, Grundriss, p. 78. Contra a
teoria, cf., ainda: Von Hippel, Srafrecht, vol. II, p. 397; Weg-
ner, Strafrecht, 1951, p. 226; Kohlrausch-Lange, Strafgesetz-
I buch, p. 86; Hafter, Lehrbuch, vol. I, p. 202.
|!
92. Sôbre o Direito Penal da Vontade, cf. n.° 8, supra.
93. Erik Wolf, Vom Wesen des Taeters, 1932.
Conduta Punível 157

do chamado tipo normativo de autor, segundo a qual o


legislador delineia no tipo a figura de autor indispensá­
vel para que possa configurar-se o delito. Trata-se do
autor típico de determinada espécie de fato, de modo
que não haveria o crime se o agente não reunisse as
condições de autor típico. Para alguns, a todos os tipos
correspondia uma figura específica de autor. Para
outros partidários da teoria, somente seria a mesma
aplicável nos casos em que à base da figura típica está
uma correlativa condição pessoal de vida, que pode ser­
vir à interpretação do tipo ou com nítida correspondên­
cia na consciência popular04.
Uma outra tendência nesta teoria é a chamada do
tipo criminológico de autor, inaugurada por Bockel-
mann 90f que apresenta, sem dúvida, maior consistência.
Fundamento da pena não é a prática de determinado
fato, mas certa forma de viver especial do agente, ou
certo comportamento geral do mesmo. Algumas figu­
ras de delito contemplariam, assim, tipos criminológicos

94. Mezger, Studienbuch, p. 57 (diversamente, porém, em


ZStW, vol. 60, p. 362); Schaffstein, cit. por Schoenke-Schroe-
der, Kommentar, p. 17; Dahm, Der Taetertyp im Strafrecht.
1940, p. 24: nem em todos os crimes se manifesta esta compe-
netração entre autor e ação, mas só naquelas figuras nas quais
se apresentam determinados modêlos de “tipos de autor”, ten-
do precisa correspondência na consciência popular. Schaffs-
tein e Dahm procuraram valer-se da teoria do tipo normativo
para resolver os problemas que oferece a causalidade nos cri­
mes comissivos por omissão. Maurach, Lehrbuch, p. 213, afir­
ma que a teoria do tipo normativo está hoje pràticamente aban­
donada.

95. Bockelmann, Studien zum Taetersstratrecht, vol. I,


1939; vol. II, 1940. Para crítica à obra de Bockelmann, cf.
Lange, ZStW, vol. 62, p. 192.
158 Heleno Cláudio Fragoso

de agente, aos quais estariam limitadas, circunscreven- r


do-se aos mesmos a possibilidade de autoria96. É hoje
mais ou menos pacífico, entre os autores alemães, o en­
tendimento. apoiado, aliás, pela jurisprudência, de que
em certos crimes, como o de rufianismo, e em certas
disposições da parte geral, como o § 20a (que agrava
especialmente a pena do delinquente habitual perigo-
sp) , a base das consequências do ilícito, não é a prática
de um fato, mas determinada qualidade do agente ou
sua existência anti-social97.

78. Contra a teoria do tipo de autor observa-se


que fundamento da valoração jurídico-penal é e deve
permanecer sendo o fato™. Que os tipos de autor não
têm correspondência na realidade99 e que a teoria

96. Daqui deriva a ideia de culpa pela vida que o agente i

leva (Lebensfuehrungsschuld'), a que se referem Mezger e


Bockelmann.

97. Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 17; Welzel, Stra-


frecht, p. 92; Maurach, Lehrbuch, p. 214; Mezger, Studieríbuch,
p. 53; Kohlrausch-Lange, Strafgesetzbuch, págs. 52 e 257.
Sauer, Strafrechtslehre, p. 32, entende que a questão dos au­
1 tênticos tipos de autor deve ser tratada no capítulo referente
à culpabilidade.
98. Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 18. Entendem
êstes autores que um Direito Penal do autor somente pode de­
sempenhar uma função complementar num Direito Penal do
fato, relacionando-se com o mesmo, assm, como a regra e a
exceção. Maurach, Lehfbuch, p. 213, afirma que os tipos de
autor previstos pela lei vigente constituem corpos estranhos
no sistema. Liszt, aliás, assinalava que o diverso tipo de
agente só na medida da pena poderia ser considerado.
99. Petrocelli, Principi, p. 290; a transferência do fulcro
da valor ação do fato ao autor é puramente ilusória, retoman-
E
|
Conduta Punível 159

constitui fórmula vaga e imprecisa, compronrietendo a

í
função de garantia do tipo 10°. Tendo-se em vista a con­
cepção normativa, objetou-se também que nenhum de
seus partidários descreveu um tipo de autor. Tais tipos f
de autor, portanto, segundo Mittermaier, nãho são ho­ < /
mens em carne e osso, com cérebro e coração, mas con­
ceitos normativos que derivam do arbítrio do legislador:
assim, em definitivo, o que vem a'ser apresertfca.do como
k
\ z : tipo de autor é, em realidade, nada mais do qo. e um tipo
ação mm
dea anãn
H uma varía
com nma veste de» autor 102
de fmtnr 1Q2.

do-se sempre ao tipo de ação, à antijuridicidade e à culpa,


para concluir se subsiste ou não o crime. Hellivtu^th Mayer,
Strafrecht, p. 65: a teoria trabalha com ficções.
100. Petrocelli, Principi, p. 291; Schoenke — Schroeeer,
Kommentar, p. 18; Welzel, Strafrecht, p. 93 (endereçando 3
crítica apenas à concepção normativa de tipo de au.tor); Aní­
bal Bruno, Dir. Pen., vol. I, p. 345; Manzini, Trattcit;*^ 9 Voi j, p,

i 532; Bettiol, Dir. Pen., p. 219; Antoltsei, Manuale,


101. Battaglini, Dir. Pen., p. 157; Pisapia,
423.

alia parte speciale del dirttto penale, 1948, págs. 1OS e


V
102. W. Mittermaier, Der Taetertyp im
'^ht, in \
Schweizerische Zeitschrift fuer Strafrecht, 1942, p.
usei, Manuale, p. 423; Nuovolone, I limiti to&ti
r; at*70- , 7
no fina í• ,
penale, p. 70. Para uma apreciação mais ponderad^- Toria j <
cf. Guarneri, II delinquente tipo, 1942 e ^u°vi"
teoria del delinquente tipo, in Giustizia Penale -
SEGUNDA PARTE

CONCLUSÕES

;ia

!
I

CONCEITO DE CONDUTA

79. O primeiro problema que nos surge é o de saber


se o conceito de ação é um conceito jurídico, ou se o di­
reito deve partir de um conceito psicológico ou natura-
lístico, ou seja, de um conceito pré-jurídico. Que os con­
ceitos jurídicos sejam normativos e valorados, não é pos­
sível pôr em dúvida. Isto resulta da própria natureza
da ciência jurídica e das normas que constituem o di­
reito, as quais situam-se no campo do dever ser e são
referidas a valores.
A norma pode, assim, dar um sentido próprio, ou
seja, jurídico e normativo, a conceitos que, em outros
ramos do conhecimento e em outras disciplinas, têm
significados diverso. Isto se dá, por exemplo, no Direito
Penal, com as expressões “casa” (art. 150 § 4.°) e “fun­
cionário público” (art. 327 § único), para mencionar dois
casos evidentes. Não é certo, porém, que todos os con­
ceitos jurídicos tenham um sentido próprio e caracterís-
tico, introduzido pela norma jurídica, como pretendia
Erik Wolf. Para êste, “conceitos como vontade, doença
ou cão tomam um significado especificamente jurídico, e
perdem, com isso, o seu caráter psicológico, médico ou
zoológico”. Há, aqui, evidentemente, excesso e impro­
priedade. O que se pretende expressar quando se afirma
que o direito é objeto de uma ciência normativa é, tão

164 Heleno Cláudio Fragoso

sòmente, que seus conceitos são estabelecidos por normas


e que estas normas são referidas a valores. Isto não
exclui que as normas jurídicas incorporem em suas dis­
posições conceitos estabelecidos pelo conhecimento vul­
gar e mesmo naturalístico, os quais passarão a vigorar
para o direito x.
í
No que concerne à ação, não se exclui que o legisla­
dor pudesse defini-la com uma fórmula, por exemplo,
como esta: “Entende-se por ação o comportamento vo­
luntário”, ou “Entende-se por conduta a manifestação
exterior da vontade”. Êste processo é, aliás, frequente­
mente usado. Veja-se, exempli gratia ,o conceito de
causa (art. 11 Cód. penal). Em tal hipótese, teríamos de
nos cingir ao conceito normativo, não sendo válidas, para
o jurista, quaisquer outras acepções que se pudessem
encontrar, em outros setores, para aquela expressão. No
que tange à ação, todavia, não nos parece seja possível
extrair do sistema um conceito especificamente jurídico,
nem parece que haveria, no estabelecimento de tal con­
ceito, interêsse prático.

!• 80. Poderíamos, então, concluir que o legislador


adotou um conceito naturalístico de ação? Qual é o
conceito naturalístico de ação? Não é possível imaginar
que a conduta humana é apenas um processo mecânico
de formação da vontade e de modificação do mundo ex­
terior através da vontade. Isto seria uma visão muito
simples e esquemática de um fenômeno extremamente
complexo como é a conduta humana, remontando a
concepções totalmente ultrapassadas do comportamento.
No campo da Psicologia, comportamento tem senti­
do muito amplo, abragendo, inclusive, os atos involun-

1. Cf., ainda, n. 108, infra.


Conduta Punível 165

tários, reflexos e mesmo instintivos (como o da criança


que suga o seio materno). Conduta, nesse sentido, de-
fine-se como “conjunto dos modos pelos quais o organis­
mo responde aos estímulos” (Bela Szekely). Há, então,
níveis de comportamento, partindo das formas mais ele­
mentares de reação aos estímulos, às formas mais elabo­
radas, que culminam na conduta consciente e voluntária.
Temos, por exemplo, o comportamento reflexo, que, atra­
vés de um estímulo subcortical, constitui reação motora
ou secretória, sem intervenção da vontade e, até mesmo,
sem participação da consciência. Ainda falando em ní-
veisjde comportamento, poderíamos mencionar as ações
automáticas, que se realizam com a repetição do movi­
mento, e as ações em curto-circuito ou impulsivas, nas
quais a participação da vontade e da consciência é, tam­
bém, nebulosa. Ao fim da escala, situa-se, como é óbvio,
o ato voluntário e consciente, que é a mais perfeita ex­
pressão da conduta, constituindo, porém, sempre, uma
das formas do comportamento (e não a única).
Se deixarmos o campo da Psicologia e penetrarmos
no da Fisiologia (que também nos dá um conceito natu-
ralístico), vamos encontrar acepções ainda mais amplas
para a expressão comportamento ou ação, falando-se in­
clusive em comportamento fetal3, e mesmo em compor­
tamento animal4.

2. A importância do comportamento reflexo é assinalada


por muitos autores. Cf. Cuvillier, Précis de Philosophie, To­
me I, Psychologte, p. 65: II faut reconnaitre que le comporte­
ment réflexe tient dans Vensemble de notre comportement une
place bien plus grande qu’on ne se 1’imagine.
3. Arnold Gesell, L’embryologie du comportement, trad.
Paul Chauchard, 1953, p. 64.
4. Clifford Morgan, Psychologie physiologique, trad. Ho-
noré Lesage, 1949, p. 161.
I .1

166 Heleno Cláudio Fragoso


3
Firma-se, por outro lado, o entendimento de que o
comportamento humano não pode ser decomposto, se­
gundo a antiga concepção atomista e mecanicista, sur­
gindo então idéias como a de estrutura do comportamen-
_tp, de Merleau-Ponty, no sentido de que nossas rea­
ções, mesmo as inconscientes, não podem ser isoladas do
conjunto da atividade nervosa, guiadas em cada caso
pela situação interna e externa. Há, assim, para cada
indivíduo, uma estrutura geral do comportamento, que
se exprime por certas constantes de conduta, sem rela­
ção causal entre um excitante e uma reação, mas urna
relação dialética, entre um ser psico-biológico e uma si­
tuação de conjunto 5. Uma concepção causal da conduta
humana é hoje puramente histórica.
■I
I 81. Qual seria, assim, o conceito naturalístico, se o

II que fornece a própria ciência que estuda o comportamen-^


to, sob o aspecto puramente descritivo, não pode ser em­
I
I
pregado? Quando o jurista define ação como compor­
tamento voluntário que provoca uma modificação no
mundo exterior, de que critério se serve para afirmar
que êste conceito é naturalístico, se êste não é o concei­
to de qualquer das ciências que têm por objeto o com­

portamento? Há, aqui, evidentemente, uma limitação
arbitrária.
! É de notar-se, em especial, a incongruência e a
contradição manifesa que existe em afirmar quer ação
■i i
é comportamento voluntário, e depois esclarecer que a
participação da vontade pode ser apenas potencial, bas­
tando a possibilidade de querer. É o que afirmam, ex-

5. Merleau-Ponty, La structure du comportement, 1942,


p. 73.
Conduta Punível 167
!
pressamente, vários autores °. Não há quem não perce­
ba que a possibilidade de querer é coisa substancialmen­ r
(I
te diversa do querer. Uma coisa é a vontade; outra a
capacidade psicológica de querer. Uma coisa é o com­
portamento voluntário; outra, o comportamento que se I
realiza, sem participação da vontade, mas com a possi­ I i
bilidade de inibição ou determinação através da vontade.
Se basta a possibilidade de querer, ação não é necessà-
riamente comportamento voluntário. Esta observação
ainda é mais séria para a teoria finalista, segundo a qual
ação é manifestação da vontade dirigida a um fim (“Agir
significa operar para fins conscientes”). Como é possí­ I
vel conciliar êste conceito com uma vontade em po­
tencial?
Verifica-se que os autores tiveram de restringir o i
conteúdo psicológico, em face de determinadas ações,
juridicamente relevantes, nas quais não é possível iden­
tificar a existência de um ato voluntário. Impunha-se,
porém, uma revisão no conceito de conduta. Os juristas
não podem continuar a repetir idéias arbitrárias e sem
fundamento na realidade, para construir um sistema a
que falta, inclusive, lógica.
Dir-se-á que o conceito naturalístico tem por base
pura descrição do comportamento, sem necessidade de
qualquer valoração, sendo, por isso, naturalístico. A
observação, porém, nos obrigaria a reconhecer compor­
tamento humano no sentido amplo em que a Psicologia
descreve tôdas as formas de conduta do homem em rela­
ção ao meio ambiente, conduzindo-nos certamente a
limites muito extensos. Por outro lado, é evidente que

6. Cf. ns. 10 e 20, supra.

u

168 Heleno Cláudio .Fragoso

se teria de excluir a referência à vontade, que surge no


conceito “naturalístico”.
Se se insiste em afirmar que ação é comportamento
I voluntário ou que a ação é a efetivação da vontade,
tem-se de concluir, como faz Graf Zu Dohna, que o
,i crime nem sempre é ação. Há aqui, pelo menos coerên­
cia. É claro que a vontade não surge como coeficiente
psíquico indispensável em certas formas de fatos puní­
veis, como as omissões culposas e os crimes de esque­
cimento.
É indubitável, por outro lado, que o conceito natu­
ralístico seria incapaz de compreender também a omis­
são, que não se confunde com a inatividade corpórea.
1'1
Partindo-se de base naturalística, não é possível estabe­
lecer um conceito genérico de comportamento, que com­
'•
preenda o fazer (ação em sentido estrito) e a omissão.
É claro que um tal conceito genérico deveria apresentar
características comuns às duas formas de comporta­
mento. A omissão não é necessàriamente comportamen­
to voluntário e não apresenta modificação do mundo
exterior, pois é conceito puramente negativo: a omissão
não é alguma coisa.
Mesmo concepções como a de Mezger, que pretendeu
i responder à objeção de Radbruch, são contraditórias e
insustentáveis. Para aquêle grande professor, p fazer e
J o omitir são comportamentos “referidos a um valor”,
“sendo o ato de vontade o ponto de partida e a base do
conceito de comportamento” 7. Tal ato de vontade seria
H a “causa” do acontecimento exterior: no fazer, o ato de
querer é sempre “querer algo” (etwas wollen), e mesmo
=' nas ações culposas, um acontecimento psicológico real,
=
7. Studienbuch, p. 63.
Conduta Punível 169

referido a um fim. Na omissão o ato de querer é ^não


querer algo” (etwas nicht vjollen). Na omissão culposa
inconsciente não seria um processo psíquico real, mas
um não querer que se apresenta referido ao que concre­
tamente se espera. Ora, ninguém consegue compreender
como subsista o querer, como efetivo momento psicológi­
co, na omissão inconsciente. O não querer esperado e a
realidade imaginada constituem pura abstração, que só
no mundo dos valores pode encontrar significação. Mez-
ger termina por projetar a conduta no plano do valor,
mas não oferece conceituação que sirva a ambas as for­
nias de comportamento, pois insiste na formulação de
base naturalística, em que a vontade é elemento
essencial.
O conceito de vontade é bastante contraditório. Não
há dúvida, porém, de que não há vontade sem motivo e
representação. Não há vontade sem deliberação, sem
escolha entre motivos, ou seja, razões de ordem inte­
lectual ou afetiva que se opõem a determinada ação ou a
favorecem. Jaspers dizia que só podemos falar de von­

tade quando tivermos, de qualquer modo, a impressão de


realizar uma escolha ou uma decisão. A decisão é de !
fato o momento essencial da vontade, podendo conside-
rar-se a deliberação como um fenômeno mais intelectual
que voluntário (Cuvillier) . Não há vontade sem repre­
sentação, sem que se tenha nitidamente a antecipação >
de um fim a atingir. Nihil volitum nisi praecognitum. A
vontade pressupõe, assim, a consciência de um fim a
atingir. Como dizia Max Ernst Mayer, o que é querido
existe primeiramente como representação (Das Gewollte
existiert zuerst ais Vorstellung).
Embora muitos penalistas não se tenham detido a
analisar o processo volitivo, a concepção tradicional nao
se tem recusado a admitir a vontade na sua precisa ex-
170 Heleno Cláudio Fragoso
í

tensão de fenômeno psicológico. Maggiore, por exem­


plo, em vigoroso trabalho (Prolegomeni al conceito di
colpevolezza), afirma: Diciamo “volere” u tendersi spon-
taneo del vivente verso un fine consapevole. Em sua
opinião, somente o dirigir-se conscientemente a um fim
]i confere ao ato volitivo a sua autonomia e a sua dignidade.
I > Não é preciso muito esforço para demonstrar que a
• vontade não está presente, como elemento psicológico,
em algumas formas de comportamento humano que
constituem infrações penais. Baste argumentar com
/
a .omissão culposa nos crimes de esquecimento . Esta­
I belece-se, portanto, claramente, a seguinte alternativa:
ou há ação sem vontade, ou há crime sem ação. É im-
possivel afirmar que todo crime é ação ou comportamen­
to humano voluntário. A existência de crimes sem ação,
admitida por alguns autores, é totalmente inaceitável,
pois a própria lei, em várias passagens, faz referência ao
crime como ação ou omissão.

82. Ação é comportamento humano. O conceito


de conduta de que o jurista deve servir-se é o conceito
que o comportamento apresenta na vida social. Em
outros têrmos: o jurista deve partir do conceito de com­
! portamento vigente no grupo; é o conceito que a vida
social nos oferece. Entende-se, aí, por conduta, o com­
portamento próprio do sujeito, aquêle que expressa a
sua maneira de ser ou a sua personalidade, no sentido de
constituir uma manifestação de vida própria, em relação
ao meio ambiente8. É preciso, porém, distinguir, pois

8. Del Vecchio, II concetto del diritto, 1912, p. 10, assi­


nalava bem esta idéia ao afirmar: azione à il modo di essere
di un soggetto, il contegno suo, in quanto ha il suo principio
nel soggetto medesimo; azione non è altro che attegiamento.
Conduta Punível 171

não nos referimos a modo de ser, nem a ato próprio do


jj
sujeito, como conduta que corresponde à personalidade, -
no sentido especial que lhe atribui, por exemplo, Bettiol
(L’azione è specchio delia personalità), introduzindo um
conteúdo ético e relacionando-a com o caráter do indiví­
duo. Esta concepção social-valorativa da conduta difere
da que procuramos estabelecer quando nos reportamos
ao entedimento comum, da vida diária, que é mais am­
plo, abrangendo inclusive atos que possam estar even­
tualmente em contraste com o caráter do indivíduo, e,
portanto, com a sua personalidade moral. Tais são, por
exemplo os atos praticados sob influência de vis com­
pulsiva, para não mencionar outras hipóteses mais evi­
dentes.
Ação é comportamento social. O conceito de com­
portamento, como a vida em comum o entende, é um
conceito valorativo e cultural. Com critérios puramente
naturalísticos seria impossível afirmar a existência de
conduta, no sentido prático, ou seja, no sentido social
do têrmo. Conduta é comportamento social: sua exis­
tência depende de certa valoração que se faz sôbre de­
terminada atividade ou inatividade corpórea, para nela
reconhecer um ato próprio do sujeito.
Não se pode dizer que o elemento vontade seja total­
mente estranho a êsse conceito de comportamento. A
atividade ou inatividade que fosse psicologicamente um
nihil, não só não poderia ter qualquer sentido como vio­
lação de um dever, como não poderia sequer assumir
o significado social de comportamento. Como já vimos,
o ato voluntário é a mais perfeita expressão da conduta, í

não sendo a vontade, todavia, elemento indispensável


para que possa haver comportamento humano. Já vi­
mos, também, que não se pode decompor a conduta,

i
172 Heleno Cláudio Fragoso

para nela reconhecer ou descobrir componentes, repre­


sentados por êste ou aquêle aspecto interior ou exterior.
/ A vontade não é um dos elementos : ação ou conduta é
i manifestação própria do homem no mundo exterior, re­
presentando expressão de sua maneira de ser. O juízo
sobre o comportamento, porém, não prescinde de uma
referência à vontade, e aí se apresenta também um as-
Ipecto valorativo. Basta efetivamente uma vontade po-
) tencial, uma possibilidade de vontade, pois de outra for­
ma não se pode dizer que se trate de uma manifestação
própria, com o significado de comportamento. Ação é
. comportamento referido à vontade', não há conduta
sem que exista, pelo menos, possibilidade de dominação
da atividade ou inatividade corpórea, através da vontade.
É importante não esquecer que estamos tratando
de estabelecer o que é conduta e não o que é conduta
( punível. É evidente que é através da vontade que o com­
h portamento vai adquirir maior significado e relevância,
inclusive para o direito, mas êste é um momento poste­
rior. A vontade não surge na teoria da ação, a não ser
de forma indireta: seu estudo deve ser feito como ele­
mento da imputabilidade (capacidade geral ou abstrata
1
I
de querer) e como integrante da culpabilidade, em seu
aspecto psicológico. Neste ponto, basta-nos constatar o
que se entende por ação como comportamento humano
social, sendo certo que a vontade não entra aqui como
elemento psicológico indispensável. Em virtude de sua
imprecisão, é difícil considerar a vontade fora do plano
ético do conportamento. No campo da Psicologia ela
I ’ somente integra os chamados atos voluntários. Ber-
trand Russel afirmava, com inegável acêrto, que “a
noção de vontade é muito obscura e, provàvelmente, de­
I
saparecerá da Psicologia científica. Em sua maior par-
i
I

Conduta Punível 173


*
te, nossas ações não estão precedidas por nada que se
pareça a um ato de vontade”
Somente num sentido muito amplo seria possível
admitir que o conceito de ação que deixamos estabelecido
é naturalística Sentido que sustenta, por exemplo, Pe.-
trocelli, compreendendo não só a realidade física, mas
também e sobretudo a realidade social. Parece-nos, po­
rém, indiscutível, em tal sentido, a impropriedade da
expressão. O conceito é, sem dúvida, um conceito va-
lorativo e cultural. I

84. Seguindo a Radbruch, mas limitando a sua fór­


mula, poderíamos dizer que a ação só é pensável, desde o
início, como um acontecimento da vida social, ou, mais
propriamente, como projeção da conduta própria do
indivíduo na vida social. Podemos, em consequência,
afirmar, que não constituem ação os movimentos refle­
xos, nem os atos praticados sob coação física irresistível
(vis absoluta). Mas não deixam de ser ação os movi-
mentos impulsivos, das chamadas ações em curto-cir­
cuito, e os movimentos habituais ou mecânicos.
Não nos parece seja necessário insistir na crítica à
teoria finalista da ação. O entendimento que sustenta^
mos sobre a colocação da vontade no comportamento pa­
rece-nos que basta para expressar a divergência radical-
A culpa stricto sensu continua sendo o ponto nevrálgic°
da teoria finalista, exigindo o recurso a noções absurda5
como a de vontade potencial, não só nos crimes culposg^
mas também na omissão. Será inútil acrescentar arg1^
mentos para criticar estas concepções no próprio pla*^
em que se colocam.

9. Bertrand Russel, Religión y ciência, trad. Samuel


mos, 1956, p. 114.
1
174 Heleno Cláudio Fragoso

Podemos, certamente, afirmar que o conceito de


comportamento ou conduta é genérico, abrangendo tanto
o fazer como o não fazer. Tanto é comportamento a I
atividade, como a inatividade, desde que uma e outra so­
cialmente constituam um ato próprio do sujeito. A ati­
vidade e a inatividade, porém, como veremos, não cor­
respondem à ação e à omissão, como formas de conduta
punível.

■I

!■

5-

í
I
II

CONDUTA E TIPICIDAO^^

85. Costuma-se dizer que a ação é el^mento bá-


conduta
sico e essencial do crime, que se define*
é correta,
típica, antijurídica e culpável. Esta defin
mas imprópria, pois contempla o crime <= «rz>mo realidade
Ora, aaciência
fenomênica. Ora, Direito RezrrB.------ rir ão estuda
doDireito
ciênciado
o crime como fato, mas, sim, como instifcut- ■fco jxarídiçQ. O
Direito é um complexo de normas que corts -fcituem objeto
da Dogmática Jurídica. Não é missão
dar a realidade social na elaboração cientí
j turista estu-V
<=^° direito |
7
t

vigente. Assim sendo, quando pretendem s es tabelecer '


a definição do delito, não devemos partir u xma reali- .
dade fenomênica, mas, sim, de uma realidaczX e^no^rniatiya
O crime nos interessa aqui como concez^o, existindo
ainda que jamais surja como fato social det^rmznado. a
análise dêsse conceito nos demonstra que o eir0 ej
mento, ou a primeira característica do delitcz»^ é c>_íip0
conduta que a norma incriminadora apresezrx t-a.
Há, portanto, evidente impropriedade
ção de que o crime é ação típica, antijurídica- e —
partindo-se da observação dos fatos para 'ávei
s .5
conceito. Não é possível confundir uma
conceituai, com sua realização, como BELINr<3=L 1
mente acentuava.

I
176 Heleno Cláudio Fragoso

Assim sendo, a conduta punível integra a tipicidade,


como componente da parte exterior do delito. Ri­
gorosamente, a ação deve ser estudada no capítulo re­
ferente à tipicidade. Convém, todavia, esclarecer me­
lhor esta idéia. Ela constitui apenas uma retificação
metodológica, tendo em vista as exigências impostas
i
pela própria natureza da Dogmática Jurídico-Penal, que
é ciência normativa. A análise do conceito de crime
revela que êle apresenta, em primeiro lugar, a descrição
i objetiva de um comportamento humano, expressando-se
por uma ação ou omissão, a que se ajuntam as caracterís-
A ticas da antijuridicidade e da culpabilidade, além de,
eventualmente, uma condição objetiva exterior (condi­
l ções objetivas de punibilidade). Daí poder afirmar-se
que o crime (como conceito) é tipicidade, antijuridici­
dade e culpabilidade. A afirmação de que o crime é
ação típica, etc., não é incorreta, mas parte da conside-
/'! ração do crime como Jato, o que evidentemente não é
I , admissível no campo da ciência do direito, que não
estuda fatos, mas normas. Não se pretende, porém, que
o tipo seja anterior à conduta humana: a conduta existe
como realidade, anterior ao direito. Com o tipo reali­
za-se uma valoração jurídica do comportamento (ativi­
dade ou inatividade corpórea), através da criação de con­
duta típicas (ação ou omissão). O estudo de tais con­
dutas típicas, é óbvio, só pode ser feito no plano da tipi­
cidade.

1I
III

AÇÃO E OMISSÃO

86. Como já deixamos entrever, a atividade e a


inatividade corpórea não correspondem à ação e à omis­
são como fôrmas de conduta punível. É essencial esta­
belecer esta distinção básica, pois aqui está o nervo da
questão. Ação em sentido estrito e omissão constituem
uma valoração jurídica da conduta, projetando o com­
portamento no campo da tipicidade. Ação ou omissão
são as formas pelas quais é transgredido o comando con­
tido na norma, ou seja, modalidades de conduta com as
quais se desatende às exigências do direito.
O ato não se confunde com a ação. Ato é o movi­
mento corpóreo, e uma ação pode consistir de uma série
de atos. Dentro de uma concepção valorativa do com­
portamento, podemos dizer que não é o direito que trans­
forma vários atos numa ação. Já no campo social, isto
é, já no entendimento da própria vida, vários atos trans-
formam-se numa ação ou num comportamento. Mesmo
num entendimento vulgar podemos dizer que uma pes­
soa escreve à máquina (ação), quando realiza vários mo­
vimentos corpóreos (atos). A ação, considerada como
forma de transgressão da norma penal, constitui, por
seu turno, uma valoração do comportamento, mas tal
valoração é normativa, situando-se no plano da tipicida­
de, e tem por objetivo o comportamento social do indi-

13
i •
í

d
178 Heleno Cláudio Fragoso
I
I víduo. Pode, assim, dizer-se que a diferença entre ato
e ação é pré-jurídica.
i
87. Ação em sentido estrito é a violação de uma
proibição, um facere quod non debetur, através de uma
atividade positiva, que conduz a um resultado anti-social.
I A omissão pode resultar de uma atividade ou de uma
inatividade. A mãe que deixa o filho morrer de inani-
ção, tanto omite se dorme ou se costura no momento do
fato. Há omissão quando o agente transgride um co­
mando, que lhe impõe uma atividade. A omissão con­
[ siste em um non facere quod debetur e surge diante
de um comando de agir. São duas as espécies de crimes
jil omissivos: (1) — Omissivos puros, nos quais a omissão
consiste na transgressão pura e simples de um comando
que estabelece um dever de agir; (2) — Omissivos impró­
prios ou comissivos por omissão — crimes nos quais a
omissão consiste na transgressão de um dever de impedir
o resultado.
Muitos entendem que este enquadramento da con­
duta punível repousa no fato de que as normas penais se
apresentam como proibições (Verbotsnormen) e coman­
dos (Gebotsnormen). As primeiras são observadas pela
omissão da atividade proibida, e são transgredidas pela
atuação positiva da conduta proibida. As segundas, são
!
observadas pela atuação positiva que comandam, e trans­
gredidas pela abstenção da atividade que impõem. Con­
■!í
tra este entendimento, Kelsen afirmava que tôda proibi­
ção corresponde a uma ordem ou comando, e vice-versa.
A objeção, todavia, é superficial: evidentemente, a proi­
bição de matar corresponde à ordem de respeitar a vida
humana, mas uma e outra constituem uma só e mesma
norma (não matar), que se transgride através de uma
atividade positiva, exigindo a ordem jurídica uma abs-
i.
Conduta Punível 179

tenção. A forma de expressão verbal é secundária. O


que é decisivo, como diz Husserl, é que a ordem jurídi­
ca diga “sim” ou “não”’ em face de determinado com­
portamento.
Esta colocação, porém, não nos parece imprescindí­
vel para que se conclúa que ação e omissão são valora-
ção jurídicas do comportamento, e formas de descum-
primento das exigências da ordem jurídica. Frequente­
mente as normas se apresentam de forma duvidosa em
relação ao seu conteúdo (proibição ou comando), e não
poucas dúvidas foram levantadas, a êste propósito, em
relação aos crimes comissivos por omissão.
IV

AÇÃO EM SENTIDO ESTRITO

88. É a forma de comportamento através da qual


é violada a norma que proíbe uma ação. Como vimos, I
i
pode-se dizer que o agente aqui faz o que não deve, mas
convém esclarecer que a ação não envolve uma valora- I
ção sobre a antijuridicidade do comportamento. Há, por
certo, uma valoração jurídica indispensável, para cons­
tatar a existência de uma ação, mas esta se realiza no
plano da tipicidade.
Dentro de uma concepção normativa e valorada,
não seria impossível admitir como ação uma inatividade
(inconcebível é que isto se sustente por parte dos que
defendem uma teoria naturalística), mas tal conclusão
nos levaria à perda de todo critério objetivo. Não é pos­
sível violar um comando que impõe uma proibição de
fazer, senão praticando a ação proibida. E tal ação não
se realiza, a não ser através de um movimento corpó­
reo. Estaticamente só é possível violar uma ordem de
agir.

i
I

I
I
!
V

OMISSÃO i

89. Há omissão quando o agente transgride ux^a


!
ordem, sendo-lhe imposto o dever jurídico de agir. Cor^o
já se observou, o conceito de omissão é puramente nega­
tivo: a omissão não é alguma coisa. Não há omissão em
si. É um equívoco supor que naturalisticamente pode­
ríamos reconhecer omissão, pela simples observação do
comportamento humano. Esta somente nos pode reve­
lar uma atividade ou uma inatividade corpórea. A omis­
são, porém, envolve sempre a necessidade de um têrmo
de relação, que depende não de quem realiza o compor­
tamento que se considera, mas de um juizo objetivo, rea­
lizado por quem constata a inexistência de uma ativida­
de devida ou esperada (que não tem qualquer correspon­
dência com a inércia ou a atividade corpórea). A omis­
são é, porém, uma realidade social, e não apenas um
juizo: é realidade social, como a ação, constatada atra­
vés de um juizo objetivo. Pode-se falar de omissão tam­
bém fóra do campo do direito, tendo em vista a valoração
social do comportamento, sempre que haja abstenção de
atividade devida ou esperada, em face de qualquer es­
pécie de norma. É perfeita a observação de Grispigni
quando afirma que a omissão, em sentido jurídico, é ape­
nas uma espécie do genus omissão. Para o Direito,
184 Heleno Cláudio Fragoso

omissão é violação de uma norma, que impõe o dever


jurídico de agir. Sem a idéia de dever jurídico de agir,
não é possível falar em omissão no campo do direito,
pressuposta, evidentemente, a existência do objeto da
ação omitida.
Como a ação em sentido estrito, a omissão também
tem sua séde no plano da tipicidade. O estudo da omis­
são deve partir de uma valoração da conduta, como for­
ma de violação da norma.
i A omissão não consiste na conduta diversa que o
1
agente realiza enquanto omite. A omissão consiste na
abstenção da atividade devida, ou seja, na não realização
i da conduta positiva, que o agente tinha o dever jurídico
! e a possibilidade de realizar. A possibilidade de agir é
pressuposto indispensável do dever jurídico de agir. É em
relação à ação omitida e não à atividade ou inatividade
corpórea durante a omissão, que se verificará a culpa­
bilidade e a antijuridicidade da omissão. A vontade,
que não é indispensável ao conceito de ação, com maior
soma de razões, também não é indispensável ao conceito
de omissão. É um absurdo referir a vontade ao aliud
facere e a culpabilidade à ação omitida. Certamente, não
haverá omissão dolosa sem vontade de omitir. Mas, na
omissão culposa, basta uma vontade potencial, ou seja,
uma possibilidade de dominação volitiva do comporta­
mento. Isto é evidente nos crimes de esquecimento. À
omissão não é indispensável um movimento corpóreo,
nem ela é apenas um ato interno: o elemento externo é
constituído pela referência da realidade social a que
aludimos, a uma atividade ou inatividade do agente.

Crimes omissivos puros


90. A conduta típica nos crimes omissivos puros in­
tegra-se com a simples desobediência ao comando de
Conduta Punível 185

agir, contido na norma. São crimes em que não se


exige qualquer outro resultado, consumando-se com a
abstenção daquela atividade que a própria norma penal
impõe, independentemente de qualquer dano ou perigo.
Por isso, alguns autores dizem que estes são crimes de
simples desobediência. São exemplos, o crime de omis­
são de socorro (art. 135 Cód. penal) e o de omissão de
notificação de moléstia perigosa (art. 269 Cód. penal),
nos quais qualquer outro resultado é tipicamente irrele­
vante, de nada valendo a demonstração de que a ação
omitida não teria impedido o dano ou perigo que o le­
gislador procurou afastar.

Crimes comissivos por omissão

91. Apresentam estrutura inteiramente diversa da


que têm os crimes omissivos puros. Os crimes comissivos
por omissão constituem um dos problemas mais difíceis
da teoria do delito. A doutrina cria, frequentemente,
peculiaridades que só a êste tipo de crimes se aplicam,
como as características especiais da antijuridicidade (na
concepção tradicional), e do tipo (como se passou a en­
tender, a partir da obra de Nagler) . Não é fácil estabele­
cer a disciplina jurídica dos crimes omissivos impróprios,
sem recorrer a circunstâncias especiais. O dever de
agir, nesses crimes, é momento especial da antijuridici­
dade ou integra o tipo? Neste último caso, integra o
tipo de ação ou é característica própria do agente? Por
que o dever de agir nestes crimes difere do que ocorre
nos crimes omissivos puros e do dever de abstenção que
surge nos crimes comissivos?
O direito positivo não ajuda a resolver estes proble­
mas, que têm sido, para a doutrina, um verdadeiro tor­
mento. A tendência mais recente é a de incluir o dever
186 Heleno Cláudio Fragoso i

em questão no tipo, de sorte que a antijuridicidade destes


crimes, em nada difere da dos crimes omissivos puros e
comissivos. Isto, porém, não se faz sem dificuldades se­
ríssimas. Como é possível incluir no conceito de tipo
um aspecto subjetivo desta ordem?
É notável o esforço que uma parte da doutrina vem
realizando, no sentido de introduzir os crimes comissivos
por omissão dentro da sistemática geral do fato punível.
Trata-se, sem dúvida, de crimes omissivos, em que a
punição surge, não porque o agente tenha causado o
resultado, mas, porque não o evitou. O que dá vida ao
ilícito é, pois ,aqui, a violação do dever jurídico de im­
pedir o resultado. É irrecusável, portanto, que nestes i
crimes não há violação de uma proibição, mas de um
comando ou de uma ordem, que surge, como diz Kauf-
mann, paralelamente à norma proibitiva. Esta é a nor­
ma que impõe o dever de ativar-se, constituindo o agente
em garantidor da não superveniência do resultado. O
dever de agir, aqui, em nada difere do que ocorre nos 4

crimes omissivos puros, nem do dever de abstenção que


surge nos crimes comissivos. Êste é o dever jurídico que
surge com a norma, e como tal não integra nem o tipo,
nem a antijuridicidade da conduta. É evidente, porém,
que integram o tipo, como características ou elementos
não escritos do mesmo, os pressupostos de fato de que
surge este dever jurídico (à semelhança do que ocorre
nos crimes omissivos puros). E por isso, o êrro a res­
peito de tais elementos é êrro de fato, excluindo a culpa­
bilidade da conduta.
Esta construção, de absoluto rigor lógico, não está
isenta de críticas, em face de nosso direito positivo. Êste
poderia, numa próxima reforma, que o progresso cientí­
fico impõe, disciplinar os crimes comissivos por omissão,
tendo em vista o seu verdadeiro sentido.
Conduta Punível 187

Poderia objetar-se que a norma de comando a que


se refere esta construção (e que é seu ponto de partida
básico), é pura abstração, e que se a admitíssimos, per­
deríamos contato com a realidade normativa do direito.
O nosso direito positivo parece firmemente fundado na
causalidade da omissão e silencia totalmente a respeito
do dever jurídico de agir. É inegável, todavia, que não
há crime comissivo por omissão, sem que haja um espe­
cial dever jurídico de atuar, atuação que, por força das
circunstâncias (o crime exige um resultado), deve impe­
dir o resultado: parece claro que neste caso o dever de
agir é um dever de evitar o resultado. Esta conclusão é
hoje perfeitamente tranquila na doutrina. Se não pu­
dermos situar este dever no lugar a que pertence, que é a
norma jurídica contida na lei, teremos de deslocá-lo
para o plano da antijuridicidade, com graves defeitos.
O primeiro é o de que a tipicidade, nestes crimes, depen­
deria da antijuridicidade. Por outro lado, como Nagler
agudamente observava, não se explica porque os tipos da
ação e da omissão tenham de colocar-se diversamente em
face da antijuridicidade, de tal sorte que o tipo de ação
teria estrutura inteiramente diversa do tipo de omissão.
Teríamos, ainda, uma dupla antijuridicidade para estes
crimes: a antijuridicidade geral, comum a todas as espé­
cies de delitos, e a antijuridicidade especial, consistente
na violação de um especial dever jurídico. Observa-se,
igualmente, que o êrro a respeito de tal dever seria um
êrro sobre a antijuridicidade da conduta, e, pois, irrele­
vante. Esta é a solução tradicional, ainda dominante.
A solução proposta por Nagler, para introdução do dever
jurídico de agir no tipo, só poderia ser aceita com a
admissão de um tipo especial para os crimes comissivos
por omissão, o que nos ofereceria outros problemas, para
a estruturação e conceito do tipo.
188 Heleno Cláudio Fragoso

92. O dever de impedir o resultado, como é óbvio,


deve ser um dever jurídico. Não é possível alargar o
i conteúdo desse dever jurídico, na ausência de texto ex­
I presso. Êle somente pode resultar da lei, do negócio
jurídico ou de anterior atividade, culpável ou não, cria­
dora do perigo. É perigosíssima a extensão desmedida
que se vem dando, na jurisprudência alemã, ao conceito
i
de dever jurídico, para reconhecê-lo em casos onde há
apenas dever moral. Trata-se de um processo de enfra­

I
quecimento da função de garantia do tipo, com nítida
confusão entre o campo do Direito e o da Ética, em si­
tuações em que parece não haver nitidamente a cons­
ciência de um dever jurídico. Nada impede, porém, que
o direito positivo venha a transformar em dever jurídico

I
o dever moral de agir que decorre de certas situações de
vida. Isto, todavia, é um problema de política criminal,
dependendo da sensibilidade do legislador, e não um pro­
1 blema de nosso direito positivo.
É de indubitável procedência a observação que se

I

tem feito, de que no caso de negócio jurídico, não é pro­
priamente do contrato, que surge o dever jurídico, mas
de sua projeção social, como espécie de dever de direito
público, exercendo-se não em relação ao outro contra­
tante, mas ao corpo social. As limitações impostas pelo
contrato e que se fundam no direito privado, não têm,
assim, relevância.

I A fundamentação do dever jurídico de agir na an­


terior atividade geradora de perigo, culpável ou não, é
bastante imprecisa. Evidentemente, não se pode falar
aqui em direito consuetudinário, em relação ao nosso
direito, mas é perfeitamente cabivel admitir que o dever
de agir é, neste caso, tácito, ou, ainda, que resulta do
sistema, pois quem cria o perigo de um dano, tem obri-
Conduta Punível 189

Use, pela própria imprecisão J T em


sitúa, seja licito ao juiz eXaMn. ,° «n
ereto, se êle corresponde a eftt T°
c d eietiva realidade social.
. . cei^° que ° dever jurídico de agir, nos crimes co-
nnrmo pori omissão
missivos 14.. ’ nãn
119,0 P°de Ser ° QXle ^eSUlta14-0 hda
pena le a iva aos crimes omissivos puros. Em
is casos, a propila norma penal estabelece a sanção
paia a inobservância da ordem, sendo incabível qualquer
outra consequência penal pelos resultados da omissão.
Os piessupostos de fato, de que surge o dever jurídi­
co de agir, como vimos, integram o tipo, sendo, pois, con­
teúdo necessário da culpabilidade. O agente deve ter,
assim, consciência, de sua posição de garantidor da não
superveniência do resultado, excluindo-se a culpa em
caso de êrro. Basta, porém, a dúvida, como expressão do
i
dolo eventual. A extensão e conteúdo do dever jurídico
dependem de sua fundamentação e podem ser de im­
portância decisiva no caso concreto. O dever de agi?
pode excluir-se na hipótese de colisão com dever d:
mesma categoria ou superior.

Causalidade da omissão.

93. O erróneo entendimento sobre o conceito


omissão explica as dificuldades e incertezas da doutri
neste capítulo. O enquadramento que realizámos,
niina qualquer
gita da problema.
causalidade Como
nos crimes é ey^en^e> não se
om*
tão surge apenas nos crimes puros: a q
Não há causalidade algUrna Ssivos por onuss?
pratica a omissão punível, não
jssão éé punível, não oinissão. Ç
T ^°rque causou o i
I

í
!

190 Heleno Cláudio Fragoso

tado típico, mas porque não o evitou. A omissão como


abstenção de uma atividade devida nada pode causar.
É preciso, assim, retificar o enquadramento do proble­
!
ma. As coisas se complicaram neste assunto, porque a
doutrina persiste em procurar manter a unidade do sis­
tema a todo custo, mesmo violentando a realidade e a
lógica.
A indagação a ser feita, portanto, é apenas esta:
a ação omitida teria evitado o resultado? A resposta
somente pode ser dada por um juizo hipotético, e a afir­
mação somente pode fundar-se numa alta probabilida­
de, próxima da certeza. Tendo em vista a fórmula prá­
tica que vem sendo adotada, e enquadrando-nos no art.
11 Cód. penal, podemos dizer que a omissão foi “cau­
sal” (ou seja, que o agente não evitou o resultado),
••i
quando não se pode eliminar a ação omitida sem que
o resultado seja afetado. Não é o caso de lançar mão
da teoria da causalidade adequada no juizo hipotético
sobre a idoneidade da ação omitida, para afastar o re­
sultado, pois a apreciação não pode ser feita in abs-
tracto (tendo-se em vista a capacidade geral da ação
para evitar um resultado daquêle gênero), mas, sim,
em face das circunstâncias específicas do caso concreto.
Em face da definição de nossa lei, podemos dizer
que ela equipara o não impedimento à causação do re­
sultado, considerando como causa a omissão, sem a
qual o resultado não teria ocorrido.
i
VI

EVENTO

94. A questão do evento também, deve ser resolvi­


da no plano da tipicidade. O dano ou perigo que resul­
tam ou podem resultar da ação delituosa, nada tem a
ver com o evento em seu enquadramento técnico. É cla­
ro que constituem uma qualificação jurídica do evento,
que pertence à antijuridicidade, não sendo, pois, o caso
de estudar-se o assunto no capítulo referente à condu­
ta punivel. Para sabermos se há dano ou perigo, como
resultado de determinada conduta, é necessário consi­
derar o interêsse ou interêsses e bens jurídicos atingi­
dos pela ação delituosa, tendo em vista os valores a que
atendeu o legislador na incriminação do fato. Um mes­
mo crime pode ser de dano ou perigo, e não há quem
não perceba como é artificial a classificação dos crimes
de perigo abstrato ou presumido. Ora, considerações
relativas à valoração jurídica do resultado da conduta,
do ponto de vista do interêsse tutelado, somente têm
i
cabimento em tema de antijuridicidade. Pode-se, tam­ i
bém, cogitar de dano e perigo, como formas de classi­
ficação dos tipos, como faz, por exemplo, Mezger. To­
davia, quando se cogita de evento não se considera o
resultado de dano ou perigo, mas o acontecimento tipi­
camente relevante.

I
192 Heleno Cláudio Fragoso

O chamado conceito jurídico de evento é, portanto,


impróprio e inaceitável, por razões de método e de sis­
tema, tendo por base um erróneo enquadramento da
matéria. O chamado conceito naturalístico poderia ser
aceito, pois se apresenta com fundamentos mais sóli­
dos. Perturba, porém, inutilmente, a elaboração do
sistema, além de esbarrar na dificuldade seríssima que
I j
constitúi o próprio texto legal n.
I A séde natural do problema é a tipicidade, pois se
r trata de indagar da configuração da conduta típica ou
da realização da conduta típica. Quando se diz que
evento é o resultado natural da conduta relevante para
o direito, evidentemente, coloca-se a questão no plano
da tipicidade. É preciso extrair daí todas as consequên­

L
ti !
cias: evento é a realização da conduta típica. Todo
crime tem evento. A distinção entre crimes materiais
e formais é útil e deve ser mantida, mas não se refere
1' aos crimes de resultado e crimes sem evento: esta clas­
sificação tem por base o momento consumativo. Cri­
mes formais são aqueles que se consumam com a ati­
vidade incriminada (ação ou omissão), independente­
mente de qualquer outro resultado, ou seja, aquêles em
que ação e evento coincidem, pois a ação realiza,
por si só, a conduta típica. São os chamados crimes de
consumação antecipada. Crimes materiais são os que
exigem um resultado distinto da atividade do agente e
a ela ligado por relação de causalidade. Somente nes­
tes últimos é que cabe cogitar da causalidade, sendo

11. No art. 15 n. I do cód. penal. Não, porém, no art. 11,


onde a palavra resultado poderia aplicar-se somente aos cri­
mes que exigem uma consequência natural da ação ou da
omissão.
Conduta Punível 193

esta uma das consequências mais importantes desta


distinção.

95. O evento não se confunde com as condições


objetivas de punibilidade, pois estas estão fóra do tipo,
de que são meros acessórios. Nos crimes em que há i
condição objetiva de punibilidade, o evento não se con­ I
funde com o momento consumativo, que será aquele
em que ocorre a condição de que depende a punibili­ !
dade do fato.
A condição de maior punibilidade, que é sempre,
pelo menos, culposa, constitui também evento. Há,
aqui, uma expansão da conduta típica, constituindo os
chamados crimes qualificados pelo resultado. Evento,
em tais casos, será apenas o resultado mais grave, pois
este é que regulará o enquadramento típico da conduta
punível.
Não há crimes com duplo evento (dois eventos co­
mo elementos constitutivos). A pluralidade de even­
tos, porém, é inegável, a ela correspondendo a plurali­
dade de crimes, ou seja, a pluralidade de enquadramen­
tos típicos da conduta punível12.
I
1

II •
12. Há, no concurso formal, uma múltipla valoração ju­
rídica do comportamento.

14
VH

RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

96. Filosoficamente, o vocábulo causa apresenta


vários significados diversos. Em sua “Metafísica”, Aris-
tóteles, como se sabe, a empregava em quatro sentidos
diferentes, que na Escolástica vieram a ser a causa for-
i malis, materialis, efficiens e finalis. O conceito pró­
prio de causa é o de causa eficiente (fenômeno que pro­
duz outro), mas mesmo aqui é possivel, no plano filo­
sófico, identificar sentidos diversos. Ao jurista não in­
teressa a indagação no plano da Filosofia e da Lógica:
basta-nos estabelecer um princípio prático, para limitar
a responsabilidade penal.
É inegável que a questão da causalidade não tem
hoje a importância que no passado lhe foi atribuída. i

Somente surge nos crimes materiais, apresentando di­


ficuldades apenas em número muito restrito de casos.
Sistemàticamente, a causalidade é matéria que se sitúa
no plano da tipicidade, juntamente com a ação e a
omissão e o evento.

97. Em face de nosso direito positivo, a discussão


das várias teorias aventadas pela doutrina é tarefa ocio­
sa. Nosso código adotou a teoria da equivalência, cujo
fundamento lógico é indubitável. Isto não significa,

I
196 Heleno Cláudio Fragoso

porém, que a teoria da equivalência seja a aplicação


pura e simples de um princípio lógico ou filosófico in-
contrastável, como supunha Von Buri. A conditio sine
qua non expressa, para dizer com Welzel, apenas uma
fórmula eurística, para estabelecer a relação de causa­
lidade: considera-se causa a ação ou omissão, sem a
qual o resultado não teria ocorrido.
Como tivemos oportunidade de ver, em nosso di­
reito positivo, somente a interrupção do nexo causal
pode apresentar dificuldades ao intérprete. O pará­
grafo único do art. 11 Cód. penal, positivamente, é uma
das passagens mais imperfeitas de nosso vigente diplo­
ma penal, a tantos títulos digno de encómios.
Parece-nos que não é possível, sèriamente, pôr em
dúvida, que no parágrafo único há uma exceção à re­
gra geral, prevista na cabeça do artigo. É inútil afir­
mar, como faz Grispigni, que a teoria da equivalência
não admite exceções: a lei penal tem sentido prático
e frequentemente o legislador sacrifica a coerência cien­
tífica por razões de oportunidade. A lei estabelece o
rompimento do nexo causal (melhor será dizer a exclu-
são do nexo causal), pela concausa relativamente inde­
pendente, ou seja, aquela que é, como se, por si só, pro­
duzisse o resultado. Admitir que o parágrafo único seja
mera aplicação da regra geral, e, pois, uma inutilidade
e uma excrescência, é repugnante. O exame doutriná­
rio da matéria nos leva a concluir, com perfeita segu­
5 rança, que se trata de concausa aparentemente inde­
5 pendente.
I Para os que entendem que a lei contempla a con­
s
causa absolutamente independente é uma necessidade
3
lógica a inclusão das concausas antecedentes e conco­
I mitantes, através da analogia. Aliás, sendo, como se-
Conduta Punível 197

ria, uma disposição inútil, nem se deveria, em tal caso,


perder tempo com esta matéria: não seria preciso in­
terpretação analógica, porque é claro que com lei ou
sem ela, a concausa antecedente ou concomitante abso­
lutamente independente, excluiria o nexo causal. Con­
siderando-se, porém, como nos parece irrecusável, que
a lei se refere apenas a concausa de independência re­
lativa, é totalmente inadmissível estender a mesma dis­
posição às concausas preexistentes e concomitantes (es­
tas, aliás, raríssimas). Esta extensão comprometeria
l
irremediavelmente o efeito prático pretendido pelo le­
gislador. Seria um absurdo excluir a relação de cau­
salidade nas hipóteses em que o evento se deve a con­
causa preexistente, que age como se por si só tivesse
produzido o resultado. Imagine-se o caso em que o !
agente causa a morte de um cardíaco através de um
susto.
I
98. A concausa superveniente, que por si só pro­
duziu o resultado, é aquela que inaugura um novo cur­
so causal, dando ao acontecimento uma nova direção,
com tal relevância (em relação ao resultado), que é
como se o tivesse causado sozinha. Não se trata ape­
nas de um critério quantitativo. Cumpre identificar
novo curso causal, que se aparte da linha de desdobra­
mento de perigo, que se iniciou com a ação, dando-lhe
novo sentido, que leva ao resultado. O famoso exem­
plo do hospital esclarece bem a hipótese de exclusão
do nexo causal, a que deve permanecer estranha qual­
! quer consideração subjetiva: de nada valem aqui os
princípios da causalidade adequada. Os critérios da
teoria da causa eficiente, propostos por Battaglini, não
podem ser aceitos, pois introduzem no sistema concei­
tos que contrastam violentamente com a teoria da equi-
198 Heleno Cláudio Fragoso

valência, adotada pelo código. Somente poderão ter


valor subsidiário, inclusive porque não basta um crité­
rio quantitativo ou de maior eficiência, sendo necessá­
rio que ocorra um desvio do curso causal, de modo a
dar um sentido novo à sucessão dos fatos.

i
l

|
ír
I
VIII

TIPICIDADE

99. Já vimos como é importante a tipicidade na


estrutura do delito. As noções de tipicidade e tipo exer­
cem, na moderna teoria do delito, função a que cada
vez se atribui maior relevância, pelo papel que desem­
penham em relação à conduta punivel e à antijuridici-
dade. Embora o estudo do tipo, em seus vários aspectos
nos ofereça matéria para uma larga disgressão, procura­
remos fixar, de forma suscinta, seus pontos básicos, de
acordo, aliás, com o plano traçado para o presente tra­
balho.
A primeira e mais importante opção que o estu­
dioso deve fazer, diz com a essência do tipo, no qual,
uma concepção tradicional via um mero esquema, livre
de qualquer valor, ou seja, um conceito puramente fun­
cional, sem conteúdo, e uma concepção, modernamente
muito difundida, vê um conceito material, nêle reco­
nhecendo a própria expressão da ilicitude do fato.
É inegável que um conceito material do tipo vem.
progredindo na doutrina. É um êrro supor que o tipo i
não constitui, por si só, uma valoração jurídica da con­
duta, sendo totalmente inaceitável o entendimento de
Beling, de que a tipicidade é uma característica pura­
mente formal e livre de qualquer valoração. A ilicitude

II
200 Heleno Cláudio Fragoso

penal é sempre estabelecida pelo legislador em tipos de


ação ou omissão, de sorte que estas correspondem a uma
conduta a que a ordem jurídica atribui relevância. Tal
relevância se expressará pela sua antijuridicidade ou
pela sua conformidade ao direito, em casos excepcionais.
A conduta típica, porém, nunca é isenta de valor, mes­
mo quando ocorre causa de licitude. Não se pode su­
por que a morte dada a alguém em legítima defesa va­
lha o mesmo que a ação de matar um mosquito 13. A
ordem jurídica não contém apenas normas que estabe­
lecem proibições e comandos, mas também permissões l\
podendo estas ocorrer nas hipóteses de proibições, para
retirar-lhes o caráter de ilicitude.

100. O tipo é, assim, valoração jurídica da condu­


ta, mas não implica necessariamente em sua antijuri­
dicidade, em relação à qual apenas serve, em regra, de
indício. É possível manter a concepção clássica, intro­
duzida por Max Ernst Mayer, em face de um conceito
valorado do tipo, sem identificá-lo com a antijuridici­
dade, desde que se o faça com as devidas reservas. O
tipo apresenta, na precisa observação de Welzel, a ma­
téria da proibição, delimitando materialmente o com­
portamento proibido. Constitui o tipo expressão da
i ‘
conduta penalmente ilícita, que êle circunscreve e de­
I limita. Funciona, em relação à antijuridicidade, em
geral, numa relação de regra-exceção.
A identificação de tipo e antijuridicidade, como
grande parte da moderna doutrina vem fazendo (recor-

13. Welzel, Das neue Bild des Strafrechtssystems, 1957,


p. 22.
14. Binding, Normen, vol. I, p. 104.
Conduta Punível
201

rendo à teoria dos elementos negativos), conduz ao en


tendimento inaceitável de que há uma antijuridicidade
especificamente penal, sem evitar o círculo vicioso que
já foi assinalado: a tipicidade depende da antijuridici­
dade, e esta, da tipicidade. Parte, por outro lado, de
um pressuposto erróneo, qual seja o de que a ordem
jurídica contém apenas normas que estabelecem proi­
bições, e não também permissões. Nuvolone, por exem­
plo, afirma: “Quem considere o fato como elemento do
crime, junto à antijuridicidade, vem, substancialmente,
a dizer que há no crime um material amorfo. Em rea­
lidade, o fato, enquanto se o vê do ponto de vista do
Direito Penal, é um fato antijurídico: de outra forma,
é um fato diverso” 15. Ora, não se considera um ma­
terial amorfo, mas sim um comportamento que contém
a valoração jurídica, constituindo a matéria proibida.
O fato visto do ponto de vista do Direito Penal será um
fato antijurídico ou lícito, mas nunca um fato indife­
rente. O conceito de tipo é um conceito valorado.

101. Por tipo entende-se o conjunto da parte ex­


terior da conduta punivel, à qual deve ajustar-se a
parte subjetiva do fato, correspondente à culpabilidade.
Este conceito estrito é o único tecnicamente útil. Não
há elementos subjetivos no tipo. Muitos são os auto­
res que reconhecem também no tipo elementos subje­
tivos, ou seja, os elementos que a doutrina dominante,
na Alemanha, entende constituírem características sub­
jetivas do injusto. A doutrina italiana os considera
como “dolo específico”. A admissão de elementos sub­
jetivos no tipo compromete irremediavelmente o sis te-

15. Nuvolone, I limiti taciti delia norma penale, 1943,


p. 20.
l

202 Heleno Cláudio Fragoso

ma, pois o tipo é um esquema a que deve ajustar-se a


face subjetiva do crime. Se se incluísse no tipo ele­
mentos subjetivos, a face subjetiva do crime deveria re­
i
ferir-se a si mesma, o que parece insustentável16. Os
elementos subjetivos do injusto, pertencem à antijuri-
dicidade.
Não se pode dizer que haja uma parte subjetiva
5 no tipo, compreendendo o processo psíquico constituti­
vo do crime, como sustentam os paiitidários da teoria
finalística. Pode-se recorrer aqui com proveito à ideia
do esquema retor (Leitbild), de Beling, tendo-se em
vista, porém, que a vontade de matar não é “matar al­
guém”, mas um momento psíquico orientado nêsse sen­
tido 17. Somente com grandes reservas é possível falar
) num tipo subjetivo, correspondente à culpabilidade.
O tipo compreende, assim, a ação ou omissão in­
criminadas, a relação de causalidade, quando houver,
e o evento. As condições objetivas de punibilidade, sen­
i do elementos estranhos à culpabilidade, não integram
o tipo. Podemos, portanto, identificar o tipo com o fato
que constitui o crime, precisamente como a lei a êle se
refere na primeira parte do art. 17 Cód. penal, que dis­
ciplina o êrro de fato. Em consequência, o tipo, como
característica do crime, abrange apenas a parte obje­
tiva da conduta, e mesmo assim pode fazê-lo apenas
parcialmente. Para designar o conjunto de toda a fi­
gura do delito, abrangendo o tipo, a culpabilidade, a
antijuridicidade e as condições objetivas de punibili­
dade, podemos empregar a expressão fato punível.

16. Não, porém, para Engisch, Normative Tatbestandsele-


mente, p. 132. Cf. Beling, Esquema (Grundzuege), p. 53.
17. Beling, Die Lehre vom Tatbestand, 1930, p. 27.
Conduta Punível 203

Caráter fragmentário do Direito Penal

102. Tendo em vista a exigência básica de que os


crimes se apresentem em tipos de conduta, alguns au­
tores, especialmente Soler, têm afirmado que o Direito
Penal constitui um sistema descontínuo de ilícitos. Es­
ta idéia não pode ser aceita sem reservas. Não há dú­
vida de que todo ramo do direito é um sistema contí­
nuo de licitudes e descontínuo de ilícitos. Há inega­
velmente certo fundamento na observação de que tam­
bém existe tipicidade em certos atos, lícitos ou ilícitos,
disciplinados pelo direito privado.
No Direito Penal, porém, é atribuída ao tipo uma
função específica e peculiar. O Direito Penal não rea­
liza uma tutela genérica de determinados interêsses ju­
rídicos: a ilicitude penal só pode existir se corresponder
a determinada figura de delito, que esgota e limita, nos
extremos da definição legal, a conduta punível. Esta
característica, o ilícito civil certamente não tem, desco­
nhecendo a importância basilar que só o Direito Penal
atribui à modalidade da ação. Nêsse sentido, nenhuma
dúvida existe quanto ao caráter “fragmentário” do Di­
reito Penal.

Função do tipo

103. Realmente, o Direito Penal atribui ao tipo


um sentido peculiar, em virtude do princípio da reserva
legal, que é postulado de natureza política, inscrito nas >•
constituições de todos os regimes liberais. Porisso se
afirma, corretamente, que a função primacial do tipo é
de garantia. Todavia, não se pode dizer que exista um
tipo de garantia (Garantietatbestand), como pretende
Lang-Hinrichsen, ou seja, uma espécie de tipo compre-

I
204 Heleno Cláudio Fragoso

endendo as características válidas para o princípio nul-


Lum crimen. Vários autores, na Alemanha, sustentam
a existência de diversas categorias de tipos, a cada uma
correspondendo uma conceituação distinta. Engisch.
por exemplo, entende que existem cinco (tipo geral, tipo
legal, tipo de garantia, tipo de ilícito, tipo de delito).
São, sem dúvida, os conhecidos excessos da Dogmática
Penal alemã.
i
Não há um tipo de garantia. A garantia resulta

da função do tipo em face do princípio da reserva lega],
I pois êle contém a descrição da conduta incriminada, a
que o fato deve necessàriamente ajustar-se.

104. O tipo desempenha também a função de in­


dicar ou indiciar a antijuridicidade do fato, sem que
seja preciso estabelecer a existência de um especial tipo
de ilícito (Unrechtstatbestand) . Mesmo porque o tipo
p nem sempre é indício da ilicitude jfènal do fato. Esta
i
função do tipo Gesaparece ou é grandemente diminuída
nos crimes culposos e nas figuras de delito em que há
especial referência à antijuridicidade . Se se admitir
que nos crimes comissivos por omissão o dever de agir
é momento da antijuridicidade, nêstes também a tipi-
cidade não constituiria indício da antijuridicidade. Se­
ria útil atribuir relevância processual a esta diferença
na realização da conduta típica, conforme seja ou não
í o tipo indício da antijuridicidade.

■i Estrutura do tipo

105. O estudo da estrutura interna do tipo em ge­


ral, e dos vários tipos de delito previstos em lei, é uma
das mais interessantes tarefas a que pode dedicar-se o
penalista de nossos dias. O estudo sistemático dos ti-
Ii
Conduta Punível 205

pos de delito constitui, realmente, como diz Mezger,


um ponto de conexão entre a Parte Geral e a Parte
Especial. Esta matéria, porém, tem sido negligenciada
pela doutrina, injustificadamente, como tudo o que diz
respeito à Parte Especial.
Evidentemente, o núcleo do tipo é a conduta incri­
minada, expressa por um verbo, que aparece com seu
objeto e ^complementos de modo, tempo^ lugar, etc. É
possivel, assim, classificar sistemàticamente os tipos,
tendo em vista os diversos elementos de que se com­
põe a descrição legal da conduta punivel, tendo por
critério o agente, a modalidade da ação, o objeto ma­
terial, o tempo e o lugar, o evento, os meios, bem como
os complementos necessários (leis penais em bran­
co), etc.

106. O exame externo dos tipos nos levaria a clas­


sificá-los em ficndamentais e derivados, compreendendo
estes _as figuras de crimes qualificados e privilegiados.
Podenamqs tanrbem afirmar a existência de tipos sim­
ples e mistos. Estes últimos seriam os que a doutrina
alemã chama de Mischgesetze. yipos simples são aque-
les que descrevem uma única espécie de conduta puni­
vel (ex. art. 215). Tipos mistos são os que descrevem
mais de um,a^pé^e de_^iiduta. Fala-se aqui em ti-
pos mistos alternativos e cumulativos. Os tipos mistos
alternativos são muito numerosos. Correspondem a ca­
sos em que o legislador incrimina da mesma forma, al­
ternativamente, hipóteses diversas do mesmo fato, to­
das atingindo o mesmo bem ou interêsse, a todas atri­
buindo o mesmo desvalor. A alternatividade pode dar-
-se em relação à conduta (ex. art. 211: “destruir, sub­
trair ou ocultar”); em relação ao modo de execução
(ex. art. 121, § 2.°, n.° IV: “à traição, de emboscada,
206 Heleno Cláudio Fragoso

ou mediante dissimulação ou outro recurso que difi­


culte ou torne impossivel a defesa da vítima”); em re­
lação ao objeto material (ex. art. 234: “escrito, desenho,
pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno”); em re­
lação aos meios de execução (ex. art. 136: “quer privan­
do-a de alimentação, ou cuidados indispensáveis, quer
sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer
abusando de meios de correção ou disciplina”); em re­
lação ao resultado material da ação (ex. art. 129, § 2.°,
n. III: “perda ou inutilização”); em relação a circuns­
tâncias de tempo (ex. art. 123: “durante o parto ou
logo após”); em relação a circunstâncias de lugar (ex.
art. 233: “lugar público, ou aberto ou exposto ao pú­
I
blico”) ; em relação à condição do agente (ex. art. 177,
ii § l.°, n. I: “o diretor, o gerente ou o fiscal”); em rela­
ção à condição do sujeito passivo (ex. art. 175: “adqui­
rente ou consumidor”); em relação a quaisquer outras
circunstâncias do fato (ex. art. 168: “posse ou deten-
ção”; art. 160: “contra a vítima ou contra tercei-
ro”, etc.).
Apresenta o tipo misto alternativo, realmente, um
conteúdo variavel, porque descreve não uma, mas vá­
rias hipóteses de realização do mesmo fato delituoso. O
característico dêstes tipos é que as várias modalidades
são fungíveis, e a realização de mais de uma não altera
a unidade do delito. Isto não ocorre com os chamados
tipos mistos cumulativos. Esta designação é evidente­
mente imprópria: não há tipos cumulativos. Há dis­
posições legais que contêm independentemente, mais de
uma figura típica de delito, ou seja, nas quais há tipos
acumulados. Nestes casos, haverá sempre concurso, em
caso de realização de mais de um tipo. São exemplos
de leis mistas cumulativas os artigos 135, 180, 208, 242,
244, 248, 326, etc.
s
Conduta Punível 207

107. As descriminantes não são elementos negati­


vos do tipo, mas causas de exclusão da ilicitude do fato.
Situam-se, assim, fóra do tipo e sua ocorrência exclui
apenas a antijuridicidade, não a tipicidade. A teoria
dos jlementos negativos, como é exposta por muitos
p^nalistas modernos, leva a identificar a tipicidade e a
antijuridicidade, o que é inadmissível, como acima já
demonstrámos.
Os únicos elementos negativos do tipo são aquêles
cuja ausência a própria descrição da conduta punível
exige. Nosso código nos fornece de tais tipos vários
exemplos: art. 125 (“sem o consentimento”); art. 151,
n. IV (“sem observância de disposição legal”); art. 166
(“sem licença da autoridade competente”); art. 171, §
2.°, n. VI (“sem suficiente provisão de fundos”), etc.

Elementos normativos

108. Mais importante é a categoria dos elementos


normativos. As observações de ^Volf sobre a normatí-
vidade de todo conceito jurídico são inegavelmente acer­
tadas. Têm elas por fundamento princípios, a nosso
ver, corretíssimos, da Filosofia dos Valores. A norma-
tividade que aqui interessa, porém, é apenas a da refe­
rência a um valor, o que não implica numa transfor­
mação necessária dos conceitos pelo fato de sua inclu­
são no tipo. Nessa ordem de idéias, podemos afirmar
que o jipn contém,_em sua^estrutura interna, três espé­
cies de elementos: (a) — elementos descritivos — re­
conhecidos através dos sentidos, por atividade mera­
mente cognoscitiva (ex. “parto”, “membro”, “relações
sexuais”, “moléstia venérea”, etc.); (b) — elementos
que exigem reflexão — não decorrem de uma simples
verificação sensorial, mas de certa reflexão e de um
!

208 Heleno Cláudio Fragoso


l
momento subjetivo. Elementos desta categoria são, por
exemplo: “perigo’, “logo após o parto”, “sem risco pes­
soal”, “grave ameaça”, “justificável confiança”, etc. Des­ ■

ses elementos pode dizer-se que são impropriamente


normativos, pois não envolvem um genuino juizo de
valor; (c) — elementos normativos — nestes o legisla­
dor atribui ao juiz a tarefa de completar a valoração
jurídica, ou seja, o juizo sobre o desvalor da conduta.
Constitui o tipo, portanto, uma conduta valorada juri­
dicamente, cuja expressão legal contém elementos pu-
ramente descritivos; elementos de certa forma subje­
tivos, e elementos normativos.
Os elementos normativos podem ser de duas espé-
cies: jurídicos e culturais. Elementos normativos jurí­
dicos são aqueles que contêm conceitos que se situam
no mundo do direito, como o de “coisa alheia”, “do-
cumento’^, “duplicata”, “cheque”, “warrant”, etc. Cul­
turais são os elementos normativos cujo reconhecimen­
I
to exige por parte do juiz recurso a valores éticos vi­
!
gentes no meio social/ Tais são, por exemplo, os con­
ceitos de “ato obsceno”, “mulher honesta”, “adultério”,
“perigo moral” (art. 245), etc. Por vezes, surgem ele­
mentos normativos também em disposições da parte
geral: art. 20 (“sacrifício que não era razoavel exi-
gir-se”).

109. Qualquer das três espécies de elementos inte­


4
gra a descrição da conduta típica e portanto exige ade­
quação da face subjetiva do delito. É claro que^a cul­
pabilidade deve abranger a consciência -da valoração
ético-jurídica do fato (nos elementos normativos) e a
consciência do significado daqueles elementos que exi­
3
gem reflexão. Em relação ao primeiro caso, pode-se re­
correr ao que Mezger chamava de valoração paralela
IBUMUU

Conduta Punível 209

na esfera do leigo, isto é, a valoração que, sem ser no


plano jurídico, orienta-se, no campo da Ética, no mesmo
sentido. Nem se diga que ficam, assim, incertos, os li­
mites entre o êrro de direito e o êrro de fato.

110. É claro que os elementos normativos, e mes­


mo os que exigem reflexão, introduzem certa indeter-
minação no conteúdo do tipo, embora a valoração, em
qualquer caso, deva ser objetiva, isto é, realizada se­
gundo os padrões vigentes (e não conforme o entendi­
mento subjetivo do julgador). Não se pode, porém, afir­
mar que tal indeterminação constituía um-perigo para
as garantias do cidadão. Já não vivemos na época em
que Montesquieu afirmava “les juges de la nation ne
sont que la bouche qui prononce les paroles de la loi,
des êtres inanimés qui n’en peuvent modérer ni la force*
ni la riguer”18, e Beccaria sustentava que os juízes cri-
mirftiis não podem siquer ter a autoridade de interpretar
asileis penais: Nemmeno 1’autorità d’interpretare le leg*
gi penali può risiedere presso i giudice criminali, per la
stessa ragione che non sono legislatori19.
A tendência da legislação moderna é no sentido de
alargar os poderes discricionários do juiz, para que me­
lhor possa a justiça penal atingir seus fins. É verdade
que essa indeterminação surge sempre como nota ca-
í racterística da legislação dos países totalitários 20, mas

9 18. Montesquieu, Uesprit des lois, 1864, liv. XI, cap. VI,
p. 134.
19. Beccaria, Dei delitti e deite pene, Florença, 1950, § IV,
P. 170.
20. Exemplo eloquentíssimo é o do novo código penal so-
viético, de 1958. A legislação do chamado bloco soviético se-
gue, fielmente, a mesma orientação.

15
j
I
210 Heleno Cláudio Fragoso

ainda aqui a maior censura talvez deva ser feita ao es­


pírito que preside à formulação e à aplicação das leis.
Não há, aliás, muitos motivos para apreensões. Po­
demos verificar que os elementos normativos culturais
só surgem nas figuras de certos fatos puníveis, como
I
os crimes contra os costumes, nos quais há referência
a valores, de certa forma flutuantes, que não seria opor­
tuno ao legislador cristalizar na configuração do tipo.
O valor e a eficiência das leis penais, como instrumento
de preservação e defesa de valores fundamentais da vi-
da social, reside na qualidade da magistratura. É pre­
ciso torná-la culta, independente, especializada, hones­
ta. Os elementos normativos poderão concorrer para
tornar a justiça penal menos dura e cruel, como tantas
vezes necessariamente tem de ser.

Ausência de tipicidade

111. Tipo é a descrição objetiva da conduta puní­


vel. Tipicidade é a adequação do fato ao tipo de delito
contido na norma incriminadora. Podemos dizer que
há ausência de tipicidade sempre que o fato não se ajus­
tar ao tipo, tornando, assim, a conduta impunível, por
falta de uma das características essenciais do fato pu­
nível.
O caso mais evidente de ausência de tipicidade é o
do crime putativo: o agente supõe que pratica um fato
punível, não havendo, porém, adequação de qualquer
tipo de delito à conduta realizada.
As hipóteses de crime imposível também são, em
última análise, casos de ausência de tipicidade. O códi­
go penal alemão não contém um dispositivo análogo ao
do art. 14 de nosso vigente diploma, de sorte que a teoria
Conduta Punível 211

impropriamente chamada de ausência de tipo (Mangel


am Tatbestand), é uma dessas geniais invenções doutri­
nárias com que a Dogmática Penal alemã vem suprindo
as lacunas e os defeitos do velho código em vigor. Infe-
lizmente, os tribunais na Alemanha, adotando a teoria
subjetiva da tentativa, repelem hoje, seguidos da maioria
dos autores, a teoria da ausência de tipo, para reconhecer
tentativa punível em casos de impropriedade absoluta do
objeto, como o da mulher que ingere substâncias abor­
tivas, supondo-se erroneamente grávida.21.
Nossa legislação parte de outros pressupostos, ado­
tando a teoria realística do crime, e, em relação ao crime
impossível, a chamada teoria objetiva temperada. A ação
de atirar sobre um cadáver não se ajusta ao tipo “matar
alguém”. O mesmo se diga do emprêgo de meios abso­
lutamente inidôneos. É claro que aqui falta a potencia­
lidade causal, mas esta se resolve numa ausência de tipi-
cidade, pois o tipo inclui a relação de causalidade. Nos
casos de impropriedade relativa do objeto e inidoneida-
de relativa do meio, não se pode negar o início de exe­
cução, e, portanto, o início de violação da norma e da
realização da conduta típica.

Tipo de fato e tipo de autor

112. Não há dúvida de que o Direito Penal vigente


repousa sobre o desvalor social do fato. O crime é o
pressuposto da pena e constitui sempre uma ação ou

21. Entscheidungen des Reichsgerichts in Strajsachen, vol.


47, p. 66, cit. por Schoenke-Schroeder, Kommentar, p. 154.
A p. 160, cf. outras decisões, no sentido da punibilidade, como
tentativa de abõrto, de casos em que a mulher supõe-se grá­
vida e emprega meio inidôneo para o abortamento.
1

I 212 Heleno Cláudio Fragoso


I i
uma conduta, com a qual o agente viola a norma penal.
i
A punição é, assim, irrogada, pela infração.
A teoria do tipo normativo de autor constitui uma
construção vazia e abstrata, inteiramente nas nuvens.
Não há tipos normativos de agentes, isto é, não se en­
contra em qualquer tipo delineada a figura do agente,
• com as características mínimas indispensáveis para sua
identificação. A teoria do tipo criminológico tem maior
fundamento, pois é inegavelmente possível estabelecer a
clasificação de criminosos em tipos, com maior ou menor
exatidão. Na Alemanha, os autores admitem esta teoria,
não sem certas reservas, porque o Reichsgericht a adotou
em relação ao crime de rufianismo e também em face
I da disposição geral sobre os criminosos habituais.
Não há como dar ingresso a tais idéias em nosso
/
direito positivo.

I .

’ I

I
1 i
t

I
IIIIUII

BIBLIOGRAFIA GERAL

(Além das obras mencionadas na relação de abreviaturas mais usadas)

Asúa, Luiz Jimenez de, La Ley y el delito, 1945; v. Bar, Ludwig


Gesetz und Schuld im Strafrecht, vols. I/IH, 1906/9; Balestra, Car­
los Fontán, Manual de Derecho Penal, Parte General, 1949; Baumgar-
ten, Arthur, Aufbau der Verbrechenslehre, 1913; Bettiol, Giuseppe,
II problema penale, 1948; Binding, Karl, Grundriss des gemeinen
deutschen Strajrechts, vols. I/II, 1897/1909; Bouzat, Pierre, Traité
théorique et pratique de Droit Pénal, 1951; v. Calker, Strafrecht, 1927;
Carnelutti, Leciones de Derecho Penal, El delito, trad. Melendo, 1952;
Costa e Silva, Código Penal, 1943; Cuello Calón, Eugênio, Derecho
Penal, tomo I, 1956; Engisch, Karl, Vom Weltbild des Juristen, 1950;
Finger, August, Lehrbuch des deutschen Strajrechts, 1904; Gallas,
Wilhelm, Zum gegenivaertigen Stand der Lehre vom Verbrechen, 1955;
Gerland, Heinrich, Deutsches Reichsstrafrecht, 1932; Germann, Oskar
Adolf, Das Verbrechen im neuen Strafrecht, 1943; Id., Kommentar
zum schioeizerischen Strafgesetzbuch, vol. I, 1953; Graf Zu Dohna,
Zur Systematik der Lehre vom Verbrechen, ZStW, vol. 27, p. 329;
v. Hippel, Robert, Lehrbuch des Strajrechts, 1932; Hegler, A., Die
Merkmale des Verbrechens, ZStW, vol. 36, p. 19; Husserl, Gerhart,
Negatives Sollen im Buergerlichen Recht, 1931; Kadecka, Ferdinand,
Willensstrafrecht und Verbrechensbegriff, ZStW, vol. 59, p. 1; Kanto-
rowicz, Hermann, Tat und Schuld, 1933; Kaufmann, Armin, Leben-
diges und Totes in Bindings Normentheorie, 1954; Kelsen, Hans,
Hauptproble?ne der Staatsrechtslehre, 1911; Koehler, August, Deut­
sches Strafrecht, 1917; v. Liszt, Franz, Strafrechtliche Aufsaetze und
Vortraege, vols. I/II, 1905; Logoz, Paul, Commentaire du Code Pénal
Suisse, Partie Générale, 1941; Luna, Everardo, Estrutura Jurídica
do Crime, 1958; Lyra, Roberto, Expressão Mais Simples do Direito
Penal, 1953; Magalhães Noronha, Edgar, Direito Penal, vol. I, 1960;
Malaniuk, Lehrbuch des Strajrechts, vol. I, 1947; Mantovani, Luciano
Pettoello, II concerto ontologico del reato, 1954; Marques, José Fre­
derico, Curso de Direito Penal, vols. I/HI, 1954/56; Maurach, Rel-
nhart, Grundriss des Strajrechts, Allgemeiner Teil, 1948; Mayer, Hell-
muth, Das Strafrecht des deutschen Volkes, 1936; Merkel, Adolf,
Lehrbuch des deutschen Strajrechts, 1889; Mezger, Deutsches Straf­
recht, cin Grundriss, 1943; Moro, Aldo, La antijuridicidad penal, trad.
Santillan, 1949; Nuvolone, Pietro, I limiti taciti delia norma penale.
D

214 Heleno Cláudio Fragoso

1947; Olshausen, Justus, Kommentar zum Strafgesetzbuch fuer dav


Deutsche Reich, 1916; Pérgola, II reato, 1930; Pisapia, G. Domenico,
Introduzione alia parte speciale del diritto penale, 1948; Rtttler,
|! Theodor, Lehrbuch des Oesterreichichen Strafrechts, vol. I, 1954;
Salgado Martins, Sistema de Direito Penal Brasileiro, 1957; Schmidt,
Eberhardt, Der Arzt im Strafrecht, 1939; Stoos, Lehrbuch des oester­
.1 reichichen Strafrechts, 1912; Stoppato, L’evento punibile, 1898; Thor-
mann-Overbeck, Das Schweizerische Strafgesetzbuch, vol. I, 1940;
Turner, Kenny’s Outlines of Criminal Law, 1958; Vabres, H. Donne-
il dieu, Traité Êlementaire de Droit Criminei et de Droit Pénal Com­
pare, 1947; Vannini, Ottorino, Manuale di Diritto Penale, Parte Ge-
nerale, 1947; Vouin, Robert, Manuel de Droit Criminei, 1949; v. We-
ber, Hellmuth, Zum Aufbau des Strafrechtssystems, 1935; Wegner,
Arthur, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 1951; Welzel, Hans, Das neue
Bild des Strafrechtssystems, 1957; Welzel, Hans, Naturalismus und
Wertphilosophie, 1935; Welzel, Hans, Studien zum System des Slraf-
rechts, ZStW, vol. 58, p. 497; Zimmerl, Leopold, Aufbau des Straf­
rechtssystems, 1930.

1 BIBLIOGRAFIA especial

i' Sobre Conduta punível:


Angioni, Mauro, La voluntarietà del fatto nei rcati, 1927; Anto-
lisei, Sul conceito di azione nel reato, Riv. Pen., 1925, p. 305; Id.,
Uazione e Vevento nel reato, 1928; Bagltvio, Sui reati di mero sospetto,
Annali, 1938, p. 89; Bellavista, I reati senza azione, 1937; Bettiol,
Giuseppe, Rilievi metodologici sul conceito di azione, Riv. It., 1940,

í p. 5; Buenger, Ueber Handeln und Handlungseinheit ,ZSCW, vol. 8,


p. 565; Busch, Richard, Moderne Wandlungen der Verbrechenslehre,
1949; Engisch, Karl, Der finalen Handlungsbegriff, Festschrift fuer
Kohlrausch, 1944, p. 160; Gallo, La teoria delVazione Jinalistica nella
piu recente dottrina tedesca, 1950; Grispigni, La nuova sistemática
del reato nella piu recente dottrina tedesca, Scuola Positiva, 1950, p. 4
(cf. também apêndice in Dir. Pen., vol. II); Kollmann, Horst, Der
I symtomatische Verbrechensbegriff, ZStW, 28, p. 449; Id., Die Stellung
des Handlungsbegriff im Strafrechtssystems, StrAbh, Heft 91 (1908);
’ ? Mauíofer, Werner, Der Handlungsbegriff im Verbrechenssystem, 1953;
Mayer, Max Emst, Die schuldhafte Handlung und ihre Arten im
b Strafrecht, 1901; Mezger, L’importanza delia teoria Jinalistica per i
I concetti di azione, antigiuridicità e colpevolezza, Jus, 1952, p. 508; Id.,
Die Handlung im Strafrecht, Festschrift fuer Theodor Rittler, 1957,
p. 119; Moraes, Benjamin, Crimes sem ação, 1941; Niese, Finalitaet,
Vorsatz, Fahrlaessigkeit, 1951; Ponz De Leon, La condotta nella sua
I < struttura concetuale, Riv. Pen., 1950, p. 481; Radbruch, Gustav, Der
Handlungsbegriff in seiner Bedeutung fuer das Strafrechtssystem,
1904; Ranieri, Silvio, II reato come azione dannosa, Riv. Pen., 1928,
p. 5; Rodriguez Munoz, La doctrina de la acción jinalistica, 1953; IiA
Porta, La teoria Jinalistica delia condotta, Giustizia Penale, 1952, n,
Conduta Punível 215

p. 1; Santamaria, Próspettive del conceito Jinalistico di azione, 1955;


Tesar, Otto, Die symtomatische Bedeutung des verbrerischen Verhal-
tens, 1907; Id., Der symtomatische Verbrechensbegriff, ZStW, vol. 29, F
p. 82 (1909); Tesauro, Su i cosi detti reati di mero sospetto, Scuola F
Positiva, 1932, I, p. 548; Welzel, Aktuelle Strafrechtsprobleme im
Rahmçn der finalen Handlungslehre, 1953; Id., Um die /inale Hand­ ■
lungslehre, 1949; Id., La posizione dogmatica delia dottrina finalistica I
delCazione, Riv. It., 1951, p. 1.

Sobre omissão:

Altavilla, Enrico, Inerzia ed omissione nel processo causale, Riv.


It., 1933, p. 165; v. Alberti, Rechtswidrige Unterlassung, 1908; Id..
r
Verbotsverletzende Unterlassung, 1917; Antolisei, Cobbligo di impe-
dire Vevento, in Scritti di Diritto Penale, 1955, p. 297; Bonucci, Volon-
tarietà e causalità nell’omissione colposa, Riv. Pen., vol. 90, p. 193
(1919); Carnelutti, Illiceità penale deli’omissione, Annali, 1933, p. 1; i
Corsonello, II reato omissivo, 1934; Bonini, Comissione nel reato, i
1947; Boehm, Die Rechtspflicht zum Handeln bei den unechten
Unterlassungsdelikten, 1957; Costanzo, La causalità deli'omissione,
Giustizia Penale, 1948, II, p. 147; Clemens, Die Unterlassungsdelikte
in deutschen Strafrecht von Feuerbach bis zum Reichsstrafgesetzbuch,
StrAbh, Heft 149 (1912); Dahm, Bemerkungen zum Unterlassungs-
problem, ZStW, vol. 59, p. 133; Dall’Ora, Alberto, Condotta omissiva
c condotta permanente nella teoria generale del reato, 1950; Dondina,
Alcune considerazioni sulla seconda parte deli’art. 40 códice penale,
Riv. It., 1934, p. 765; Drost, Der Aufbau der Unterlassungsdelikte, in
Gerichtssaal, vol. 109, p. 1; Fischer, Das kausale Element im sogen-
nanten Begehungsdelikte durch Unterlassung, ZStW, vol. 23, p. 459;
Franta, Rudolf, Die Unterlassungsdelikte nach alter und neuen
Rechtsaufjassung, 1938; Geisler, Das unechte Unterlassungsdelikte,
1930; Gand, Du délit de commission par omissions, 1900; Georganis,
Hiljspjlicht und Erfolgsabwendungspflicht im Strafrecht, 1938; Gon­
zaga, João Bernardino, O crime de omissão de socorro, 1958; Gris-
pigni. Comissione nel diritto penale, Riv. It., 1934, p. 592; Graesel,
Die Unterlassungsdelikte im auslaendischen Strafrecht, 1909; Guar-
nerí, Causalità deli’omissione, Annali, 1934; Id., II delitto di omis­
sione di soccorso, 1937; Gruenwald, Das unechte Unterlassungsdelikte,
1957; Guthmann, Die negativen Bedingungen in ihren Beziehungen
zu dem unechten Unterlassungsdelikten, 1898; v. Hippel, Unterlas-
sungsdelikte und Strafrechtskommission, ZStW, vol. 36, p. 501; Hoepf-
ner, Zur Lehre vom Unterlassungsdelikte, ZSTW, vol. 36, p. 104;
Honig, Die Entwicklung des Unterlassungsdelikts vom Roemischen
Recht bis zum gemeinen Recht, 1932; Kissin, Die Rechtspflicht zum
Handeln bei den Unterlassungsdelikten, StrAbh, Heft 317, 1933; Koll-
mann. Der Begriff des kommissiven Unterlassens, ZStW, vol. 29, p.
372; Landsberg, Die sogennante Kommissivdelikte durch Unterlassung
im deutschen Strafrecht, 1890; Luden, Ueber den Tatbestand der
Verbrechen, 1840; Maggiore, La “volontà” nella teoria del reato omis­
sivo, in Studi in memória di Pietro Rossi, 1932; Kaufmann, Armin,
!
3

216 Heleno Cláudio Fragoso

Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte, 1959; Nagler, Die Problematik


der Begehung durch Unterlassung, Gerichtssaal, vol. III, p. 1; Nie-
thammer, Strafbares Unterlassen, ZStW, vol. 57, p. 431; Peterson,
Untaetigkeit und Energie, StrAbh, Heft 126 (1911); Ponz De Leon, II
reato d’omissione nel sistema del códice penale, Riv. Pen., 1947, p.
759; Richter, Die strafrechtliche Bedeutung der Rechtspflicht zum
Handeln, 1921; Rohde, Die Natur des echten Unterlassungsdelikte,
1913; Rohland, Die strafbare Unterlassung, 1887; Redslob, Die krimi-
nelle Unterlassung, StrAbh, Heft 70 (1906); Sauer, I delitti di omis-
:í sione nel códice penale tedesco, Riv. Pen., 1941, p. 761; Id., Kausa-
I litaet und Rechtswidrigkeit der Unterlassung, Frank Festgabe, vol. I,
p. 202; Schaffstein, Die unechten Unterlassungsdelikte im System
'1 des neuen Strafrechts, in Gegenwartsfragen der Strajrechtswissen-
schaft, 1936, p. 70; Schwarz, Die Kausalitaet bei den sogennanten
Begehungsdelikten durch Unterlassung, StrAbh, Heft 254 (1929); Spa-
sari, Mario, L’omissione nella teoria delia fattispecie penale, 1957;
Studt, Koennen Verbote durch Unterlassen, Gebote durch Handeln
I uebertreten werden?, 1913; Tesauro, L’omissione nella teoria del reato,
ni Studi in memória di Massari, 1938, p. 469; Id., L’omissione nella
I teoria del reato, Foro penale, 1946, vol. 5; Tobias Barreto, Delitos
por omissão, in Estudos de Direito, 1926, vol. I, p. 224; Traeger, Das
I
Problem der Unterlassungsdelikte, in Festgabe fuer Ennecerus, 1913;
Ure, E. J., L’omission en Derecho Penal, La Ley, vol. 34, p. 1094;
Vannini, I reati commissivi mediante omissione, 1916; Id., L’Omissione
í causale, Riv. It., 1931, p. 37; Vocke, Problemreste der Unterlassungs-
kausalitaet und ihre Loesung, ZStW, vol. 51, p. 690 (1931); Vogt,
Das Pflichtproblem der kommissiven Unterlassung, ZStW, vol. 63.
p. 381; Zeppieri, L’omissione causale, 1935.

Sobre evento:
|
Antolisei, La disputa sulVevento, Riv. It., 1934, p. 3; Id., L’evento
I e il nuovo códice penale, Scritti di Diritto Penale, 1955, p. 263; Id.,
i
L’ojjesa e il danno nel reato, 1930; Barsanti, Del delitto esaurito, 1890;
I Battaglini, L’evento come elemento costitutivo del reato, Annali, 1934;
Caiotti, I cosiddetti reati senza evento, Giustizia Penale, 1948, II, p.
769; Carnellutti, II danno e il reato, 1928; Cecchi, Teoria deli’evento
nel reato, 1937; Grispigni, L’evento come elemento costitutivo del
I reato, Annali, 1934, p. 857; Luna, Everardo, O resultado, no Direito
Penal, 1959; Rastiglia, II reato di pericolo nella dottrina e nella le-
gislazione, 1931; Rende, Esistono reati senza evento?, Riv. It., 1935,
p. 663; Riccio, I delitti agravati dali’evento, 1936; Tornaghi, Hélio, A
questão do crime formal, 1944.
,'í
'I
| .! Punti fermi sul problema delia causalità, Scritti di Diritto Penale
Sõbre relação de causalidade:
Antolisei, II rapporto di causalità nel diritto penale, 1934; Id..
1955, p. 287; Asúa, La relación de causalidad y la responsabilidad cri­
minal e Nuevas reflexiones sobre la causalidad en matéria penal, in
Conduta Punível ■

217 I
r El Criminalista, tomo U, págs. 107 e 159; Azzali, Contributo alig t
delia causalità nel diritto penale, 1954; v. Bar, Die Lehre vom Kae°ria
!
zusammenhange im Recht, besonders im Strafrecht, 1871;
i L’interruzione del nesso causale, 1953; Id., La causa soprauvenut^1'
sufficiente da sola a determinare Vevento, vn Studi in Memorir? n-
Arturo Rocco, vol. I, 1952, p. 119; Bernau, Causalità adeguata?, Scuoi
Positiva, 1932, p. 112; v. Buri, Ueber Kausalitaet und deren Verant^
wortung, 1873; Id., Die Kausalitaet und ihre strafrechtlichen Be
ziehung, 1885; Cavallo, II principio di causalità nel códice penale
1936; Costa e Silva, O problema da causalidade, apêndice ao Código
Penal, vol. II, 1938, p. 449; Curatola, Del nesso oggetlivo di causalità
nel diritto penale, 1955; Drapkin, Relación de causalidad y delito, 1943.
EngischT-D^ Kausalitaet ais Merkmal der strafrechtlichen~~Tatbes-
taende, 1931; Finzi, Rapporto di causalità e concorso di cause nel
códice penale italiano, Riv. It., 1936; Guarneri, La diffesa delia cau­
salità adeguata, Annali, 1934; Grispigni, II nesso causale nel diritto
penale, Riv. It., 1935, p. 3; Hartmann, Das Kausalproblem im Stra-
Jrecht, StrAbh, Heft 27 (1900); Honig, Kausalitaet und objektive Zu-
rechnung, Frank Festgabe, vol. I, p. 174; Hungria, Nelson, As concausas
c a causalidade por omissão perante o novo código penal, Rev. Fo­
rense, vol. 89, p. 851; Huther, Ueber Kausalzusammenhang, ZStW,
r
vol. 17 (1897), p. 175; Kollmann, Die Bedeutung der metaphysischen
Kausaltheorie fuer die Strafrechtszoissenschaft, StrAbh, Heft 84
(1908); Kueck, Die Lehre von Kausalzusammenhang im auslaendis-
chen Strafrecht, StrAbh, Heft 137 (1911); v. Kries, Ueber die Begriffe
der Wahrscheinlichkeit und Moeglichkeit und ihre Bedeutung im
Strafrecht, ZStW, vol. 9, p. 528; Id., Die Prinzipien der Wahrscheinli-
chkeitsrechnung, 1886; Id., Ueber den Begriff der objektiven Moegli­
chkeit und einige Anwendung desselber, 1888; Leonhard, Die Kausali­
taet ais Erklaerung durch Ergaenzung, 1946; Mandrioli, Le cause so-
pravvenute, Riv. Pen., 1931; Montalbano, II rapporto di causalità nel
códice penale, Scuola Positiva, 1933, I, p. 133; Mueller, Max Ludwig,
Die Bedeutung des Kausalzusammenhanges im Straf- und Schadens-
ersatzrecht, 1912; Musotto, II problema del rapporto di causalità nel
diritto penale, in Studi in memória di Arturo Rocco, 1952, vol. H,
p. 242; Pomp, Die sog. Unterbrechung des Kausalzusammenhanges,
StrAbh. Heft 134 (1911); Punzo, II problema delia causalità materia-
le, 1951; Ranieri, La causalità nel diritto penale, 1936; Rohland, Die
Kausallehre des Strafrechts, 1903; Saltelli, II rapporto di causalità
materiale nel reato, Annali, 1939; Spendel, Die Kausalitaetsformei der
Bedingungstheorie fuer die Handlungsdelikte, 1948; Tarnowski, Díp. I
systematische Bedeutung der adaequaten Kausalitaetsbegriffs, 1927;
Traeger, Der Kausalbegriff im Straf- und Zivilrecht, 1904; Thyrén,
I
Bemerkungen zu den kriminalistischen Kausalitaetstheorien, Abhand-
lungen I, 1894; Vannini, II problema delia causalità, Giustizia Penale,
= 1948, II, p. 113; Id., Una parola ancora sul nesso di causalità, Archivio
i Penale, 1952, p. 3; Id., Ancora sul problema delia causalità, Annali,
1934, p. 1321; Welzel, Kausalitaet und Handlung, ZStW, vol. 51 (1931),
p. 703; Wiechowski, Die Unterbrechung des Kausalzusammenhanges,
StrAbh, Heft 55 (1904); Zeiler, Zur Lehre vom Kausalzusammenhang,
s
ZStW, vol. 27, p. 493 (1907).

íl
218 Heleno Cláudio Fragoso

Sôbre Tipicidade:
Beling, Die Lehre vom Verbrechen, 1906; Id., Doctrina del delito-
tipo (Die Lehre vom Tatbestand), trad. Soler, 1944; Bettiol, La dot-
trina del Tatbestand nella sua ultima formulazione, Riv. It., 1932;
Bockelmann, Studien zum Taetersstrafrechet, 1939/40; Bruns, Her-
mann, Kritik der Lehre vom Tatbestand, 1932; Burns, Hans Juergen,
Der untaugliche Taeter im Strafrecht, 1955; Class, W., Grenzen des
Tatbestandes, StrAbh, Heft 323 (1933); Dahm, Der Taetertyp im Straf­
recht, 1940; Delitala, II “fatto” nella teoria generale del reato, 1930;
Delogu, Le norme penale congiunte, Annali, 1936, p. 521; Dahm, Ver­
brechen und Tatbestand, in Grundfragen der neuen Rechtswissens-
chaft, 1935; Eichmann, Der Vorstaz bei normativen Tatbestandsmerk-
malen, StrAbh, Heft 255 (1929); Engisch, Die normative Tatbestand-
selemente im Strafrecht, Mezger Festschrift, 1954, p. 127; Graf Zu
Dohna, Der Mangel am Tatbestand, Festgdbe fuer Gueterbock, 1910;
Guarneri, II delinquente tipo, 1942; Id., Nuovi sviluppi sulla teoria
i del delinquenti tipo, Giustizia Penale, 1943; Gruenhut, Begriffsbildung
und Rechtssanwendung im Strafrecht, 1926; Hofmann, Die normati­
ven Elemente des besonderen und allgemeinen Tatbestands im Stra-
jrecht, StrAbh, Heft 272 (1929); Hirsch, Die Lehre von den negativen
Tatbestandsmerlcmale, 1960; Kessler, Horst, Die Tatbestandsmaes-
i
sigkeit der unechten Unterlassung, 1951; Kunert, Die normative Merk-
male strafrechtlichen Tatbestaende, 1958; Mayer, Hellmuth, Die ge-
i setzliche Bestimmtheit der Tatbestaende. in Materielcn zur Strafre-
chtsreform, vol. I, 1954; Mezger, Vom Sinn strafrechtlicher Tatbes­
taende, Festschrift fuer Ludwig Traeger, 1926, p. 187; Id., Der Tabestand

im Strafrecht, Festschrift fuer Maurovic, 1934; Id., Wege und Irrweg in
f der Lehre von Taetertyp,’ Deutsche Justiz, 1944, p. 216; Mtttermaier,
Der Taetertyp im Strafrecht, in Schweizerische Zeitschrift fuer Stra­
frecht, 1942; Natorp, Der Mangel am Tatbestand, StrAbh, Heft 272;
Roncagli, La fattispecie penale, 1947; Sauer, Die beide Tatbestandsbe-
griffe, Mezger Festschrift, 1954, p. 117; Schnoot, Otto-Ernst, Ursprung
und Entwicklung der Lehre vom Tatbestand bis Beling und ihre Be-
deutung fuer die heutige Zeit, 1939; Schueler, Die Mangel am Tat­
bestand, 1914; Schweikert, Die Wandlungen der Tatbestandslehre seit
Beling, 1957; v. Weber, Hellmuth, Negative Tatbestandsmerkmale,
Mezger Festschrift, 1954, p. 183; Wolf, Erik, Die Typen der Tatbes-
tandsmaessigkeit, 1931; Id., Vom Wesen des Taeters, 1932; Zimmerl,
Zur Lehre vom Tatbestand, StrAbh, Heft 237 (1928).
■p

I 'i
i

í
ÍNDICE ALFABÉTICO

(Os números referem-se aos parágrafos)

Ação, 1, 87, 88 Crimes comissivos por omis­


— teoria naturalística, 3, 81 são, 85, 91
— teoria sintomática, 4 — complexos, 34
— teoria normativa, 5 — de mera suspeita, 14
— teoria finalista, 8 — de resultado, 28
Ação e omissão, 13, 86 — materiais e formais, 28, 94
Ação em sentido estrito, 88 — omissivos puros, 85, 90
Ação socialmente adequada, 64 — impróprios, 85, 91
Ações em curto circuito, 11 Dano, 30
Aliud facere, 18, 89 — efetivo, 30
Antijuridicidade da omis­ — potencial, 30
são, 21 Delitos de agressão, 29
Ato, 86 — de simples desobediência, 29
Atos automáticas, 11 Dever jurídico de agir, 89, 92
Ausência de tipicidade, 75, 111 Direito penal da vontade, 8
Bem jurídico, 30 Dogma causal, 8
Características negativas do Elementos negativos do ti­
tipo, 57, 74, 107 po, 57, 74, 107
Caracter “fragmentário” do — normativos do tipo, 68, 108
Direito penal, 55, 102 Equivalência dos anteceden­
Causa, 96 tes, 39, 97
— eficiente, 47 Espécies de conduta, 13
— independente, 50 Estrutura da ação, 9
Causalidade adequada, 43 — do comportamento, 79
— da omissão, 18, 93 — da omissão, 20
— no direito brasileiro, 49 — do tipo, 65, 105
Concausa superveniente, 51 Evento, 25, 94
Conceito de conduta, 79 Exclusão do nexo causal, 97, 98
— de crime, 85 Face externa do comporta­
— de tipo, 56, 101 mento, 12
Condição, 47 Função do tipo, 63, 103
— qualificada, 45 Garantenlehre, 22
Condições de maior punibili- Impropriedade :absoluta do
dade, 34 meio, 75
Condições objetivas de punibi- Interrupção da causalida-
lidade, 34, 95 de, 50, 97, 98
Conduta e tipicidade, 85 Leitbild, 58
Crime exaurido, 34 Lesão, 30
220 Heleno Cláudio Fragoso

Limitação do evento, 34 — da condição perigosa, 45


Mangel am Tatbestand, 75 — da condição qualificada, 45
Normas de proibição e de co­ — da equivalência, 39, 97
mando, 87, 91 — da interferência, 18
Ocasião, 47 — da relevância, 41
Ofensa, 30 Teoria finalista, 8
Omissão, 16, 87, 89 — naturalística, 3, 81
Perigo, 31 — normativa, 5
— concreto e presumido, 33 — sintomática, 4
Pluralidade de eventos, 34 Tipicidade, 54, 99
Tipo, 56, 99, 101
Proibição de regresso, 40 — criminológico de autor, 77,
Prognóse póstuma, 31 112
Regressverbot, 40 — de fato e tipo de autor, 76,
Relação de causalidade, 35, 96 112
Tatbestand, 56 — de garantia, 104
Teoria da ação socialmente — normativo de autor, 77, 112
adequada, 64 Tipos autónomos e dependen­
— da causa efiicente, 47 tes, 67
— da causa humana exclusi­ — mistos alternativos, 66, 106
va, 46 — cumulativos, 66, 106
— da causalidade adequa- Vontade, 10, 81, 83
da, 43 Willensstrajrecht, 8

i
I

'!
I.

Composto e Impresso por


“IMPRES” - Companhia Brasileira
de Impressão e Propaganda
São Paulo — Brasil

Você também pode gostar