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Claus Roxin

Funcionalismo e
imputa~äo objetiva
no Direito Penal
(Tradu~äo dos §§ 7 e 11, nm. 1/119,
de Strafrecht, Al/gemeiner Teil,
3" edi~äo, München, Beck, 1997)

Tradm,;äo e introdm;:äo de Luis Greco

RENOVAR
Rio de Janeiro • Scio Paula
2002
3. As categorias do delito enquanto perspectivas
de considern_;-äo.. . ........ 249
4. A teoria do delito teleol6gica / polftico-criminal e
o metodo de construc;äo do sistema e de conceitos ......... 252

PARTE II
(§ 11). A imputac;äo ao tipo objetivo. .259
A) A teoria do nexo causal. . 271
I. Sobre a problem3tica do conceito de causa nas ciCncias
da natureza e na filosofia... .. 271 Imputa~äo objetiva:
II. A teoria da equiva!Cncia (teoria da condic;äo) ............. 273 uma iutrodu~äo
III. Problemas especfficos da teoria da equivalCncia. . 287
IV. Teoria da adequac;äo e da relev3nda . . ......... 302
Luis Greco
B) A ulterior imputac_;:äoao tipo objetivo. .................... 306
1. Crimes de lesäo . .................... 306
1. Introduc_;:äo... 306
2. Criac_;:äode um risco näo permitido ............... 313
a) A exclusäo da imputac_;:äona diminuü;äo do risco ..... 313
b) A exclusäo da imputac;ä0 na ausencia de criac;äo
de perigo ............ 315 I. Uma serie de problernas näo resolvidos
c) Criac;äo de perigo e cursos causais hipotE'ticos. . .. 318
d) A exdusäo da imputac;äo nos casos de risco permitido . 323 A imputa~äo objetiva e, sem sombra de dUvida, o
3. Realizac;äo do risco näo permitido.... ......... 327
tema que suscita maior interesse no ämbito do Direito
a) A exclusäo da imputac;äo no caso de ausencia
de realizac;äo do perigo. ..... 327 Penal brasileiro na atualidade. Quando pensävamos po-
b) A exclusäo da imputac;äo no caso de näo-realizac;äo der descansar, eis que segufamos um sistema "moderno"
do risco näo permitido. ....... 331 (o finalista), posicionävamos o dolo no tipo, distinguia-
c) A exclusäo da imputac;äo no caso de resultados näo
mos erro de tipo de erro de proibi(;:äo etc. publicou-se,
compreendidos no firn de protec;äo da norma
de cuidado ... 335 num curto espa~o de tempo, uma s<§riede trabalhos 1 que
d) Comportamento alternative conforme ao Direito
e teoria do aumento do risco .. 338
Andre CALLEGARI, A imputafdo objetiva no Direito Penal, ern:
e} Sobre a combinac;äo das teorias do aumento
do risco e do firn de protec;äo.. ........ 349 RT 764 (1999), p. 434 e ss. (tambem em Revista Brasileira de Ciencias
4. 0 alcance do tipo .. ...... 352 Criminais 30 (2000), p. 65 e ss.); CIRINO DOS SANTOS, 0 tipo dos
a) A contribuic;äo a uma autocolocac_;:äo
em perigo dolosa. 353 crimes dolosos de a,;:ao,cm: Discursos sediciosos, ns. 7 e 8, (1999), p. 61
b) A heterocolocac;äo em perigo consentida .. .... 367 e ss.; o mesmo, A moderna teoria do fato punivel, Freitas Bastes, Rio de
c) A atribuic;äo ao §mbito de responsabilidade alheio ...... 375 Janeiro, 2000, p. 57 e ss., p. 103 e ss.; Fernando GALVÄO, lmputa,;:O.o
objetiva, Mandamentos, Belo Horizonte, 2000; Luiz Flivio GOMES,
d) Outros casos . 382
acabou corn nossas certczas. Estes trabalhos tinham por desaprovado e a realizai_;äodeste risco no resultado" 2 . A
objeto, de modo cxclusivo ou näo, uma nova tcoria, leitura desses trabalhos permite a seguinte conclusäo: o
chamada "imputa~äo objetiva", quese apresentaria com tipo objetivo näo se esgota mais nos elementos ai_;äo,
a pretensäo de reformular por completo o tipo, com base resultado e nexo de causalidade; para que ele se realize
na ideia central do "risco". A tcoria parecia resumir~se e necessärio, adernais, que se acrescentem os requisitos
em dois pontos de vista: cria~äo de um risco proibido e da criai_;äode um risco juridicamente desaprovado e da
realiza~äo deste risco no resultado: "a imputar;äo ao tipo realizai_;äodeste risco no resultado.
objetivo pressupöe a criai;:äode um risco juridicamente Contudo, esta conclusäo näo satisfaz. Apesar da qua-
lidade das publicai_;6es,o clima entre os estudantes, pro-
fessores e aplicadores do Direito ainda e de total deso-
Teon·a co11s1it11ciona/
da de!ito no limiar do 3" mi/Jnio, em. Boletim do
lbccrim. n° 93, (2000J, p. 3, Damäsio de JESUS, fmputap:i.o objetiva, rienta<_;äo.. Aos olhos do pllblico, varias questOes perma-
Saraiva, SaoPaula, 2000; o nwsmo, lmputa9do objetiva: o "fugu assassi· necem mal resolvidas.
no" eo "carrasco frustrado", em: Boletim do lbccrim, n° 86, (2000), p. A primeira delas diz respeito 8.quilo que se poderia
13; O mesmo, lmputa,;do objetiva e dogmriticapenal, Baletim do !bccrim, chamar de aspecto externe, a "cara", da teoria. Ao invE's
n° 90, (2000), p. 2; o mcsma, 0 consentimento do ofendido emface da
teoria da imp11ta9doobjetiva, Boletim da /bccrim n° 94, {2000), p. 3,
de um conjunto reduzido de enunciados, a teoria da
lw:irez TAVARES, Teoria da injusto penal, Dei Rey, Belo Horizonte, imputa<_;äotrabalha de modo disperso, difuso, fazendo
2000, p. 205 e ss.; CHAVES CAMARGO, lmputa9do objetiva e direito referencia a vdrios grupos de casos, o que nos parece
penal brasileiro, Cultural Paulista, Säo Paula, 2001, a mesmo, I111p1tta9do sumamente estranho. Palavras como "comportamento al-
objetiva e direito penal brasi/eiro, em: Boletim do Ibccrim, 107, (2001 J, ternativo conforme ao Direito", "diminuii_;äodo risco",
p. 7 e ss.; Fernando CAPEZ, 0 declfnio do dogma causal, cm: RT 791
(2001), p. 493 e ss.; F.'lbio Roberta D'AVIU\., Crime culpaso e a teoria
"contribuii_;äo a uma autocolocai_;äo em perigo", desig-
da imputa9do objetiva, RT, Säo Paula, 2001, p. 38 e ss.; JESUS, Jmpu- nam hip6teses mais ou menos concretas, dentro das
tafdo objetiva e causa superveniente, em: Revista da Associa9ao Paulista quais näo raro se procede a novas subdistini_;öes(por ex.,
daMinistiirio PUblico,n° 36 (2001), p. 54 e ss.; Jose Carlos PAGLIUCA, entre o comportamento alternativo conforme ao Direito
A imp11ta9aoobjetiva e real, em. Boletim do Ibccrim, 101, (2001), p. ]6; que com certeza näo evitaria o resultado e aquele que s6
o mesmo, Breve enfoque sabre a imputa9do objetiva, em: Revista da
Associa9do Paulista do Ministerio PUblico, n° 37 (2001), p. 44 c ss.;
talvez o evitaria), o que acaba dificultando sobremaneira
Paula de QUEJROZ, Direito Penal - lntrodu9do crftica Saraiva Säo o aprendizado da teoria. 0 estudante, acostumado a
Paulo, 200], p. l 32 e ss.; o mesmo, A teoria da imputa9d; objetiva'. em: aprender coisas simples, como "a culpa pressupöe a vio-
Boletim lbccrim 103, (2001), p. 6 e ss.; Rodrigo de SOUZA COSTA, lai_;äodo clever objetivo de cuidado", ou "o erro de proi-
Algumas cHticas ao conceita de incremento de risco, em: Boletim do
Ibccrim 108 (2001), p. 14 e ss.; ZAFFARONI, Panorama de les esfuerzas
te61icos para establecer criterias de irnputaci6n objetiva, em: Ester Ko- 2. Cf as formulai;öes mais ou menos similares em CIRINO DOS
sovski / Zaffarom ( cds.), Estudos em homenagem a lodo Marcello AraUjo SANTOS, Moderna teoria ... , p. 57; GALVÄO, lmputafiia ... , p. 27;
Ir., Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2000, p. 187 e ss. Segundo me parece, JESUS, lmputa9iio ..., pp. 33/34; TAVARES, Teoria ... , p. 225; CAPEZ,
o primeiro a falar na teoria entre n6s foi Juarcz TAVARES, Direita penal 0 declinio ... , p. 502; D'AVIU\., Crime culpaso... , p. 44; PAGLIUCA,
da negliglincia, RT, Säo Paulo, 1985, p. 151 e ss. Breve enfoque ... , p. 44; QUEIROZ, A teoria ... , p. 6.

2 3
bii;äo exclui a culpabilidade, quando inevitävel", agora se 0 prescnte estudo visa, na rnedida do passive], a
vE'fori;ado a memorizar numerosas distini;6es e subdis- suprir esta lacuna. Eie tentara mostrar corno surgiu a
tini;6es. Par que tantas referE'ncias a casos? Por que esse imputac;:äo objetiva, que caminhos ela atravessou ate
crescente uso da indw;;äo, de casos da jurisprudE'ncia, se ehe gar a sua formulac;äo atual, ou melhor I a suas formu-
a tradicional deduc;äo nos fornecia um sistema täo mais lac;6es atuais. Far-se-3. um esfon;;o no sentido de apontar
simples? como teorias jil familiares ao pU.blicobrasileiro - o con-
Existe um segundo problema, correlacionado ao pri- ceito social de ac;äo, a teoria da adequac;äo social, a teoria
meiro, mas que com ele näo se confunde: em face de da causalidade adequada- säo, na verdade, precursoras
urna teoria täo detalhada e complicada, täo diferente de da imputac;:äo objetiva, porque tentam resolver os mes-
tudo que jä vimos, qua! serä a melhor postura ... apren- mos problemas que ela atualmente soluciona. A.Jem dis-
dE'-la, au simplesmente ignorä-la? Afinal, valerä a pena o so, tentar~se-a situar o surgimento da imputac;äo objetiva
esfon;o? A questäo que pede uma resposta, portanto, diz dentro de um contexto metodol6gico maior: o da supe-
respeito a legitimidade / necessidade de uma tal teoria rac;äo da sistem.itica finalista, de cunho ontologista, em
da imputafäo: para que precisamos de uma imputac;äo favor de um sistema valorativo, teleol6gico, funcionalis-
objetiva? No que ela supera as construc;6es sistematicas ta na teoria da delito. A explicac;äo do que seja o funcio-
anteriores? Ela realmente promete um ganho em justic;a nalismo sera capaz, a uma s6 vez, de esclarecer o porque
da aplicai;äo do Direito Penal? Se o finalismo era insufi- da uso do metodo indutivo (de grupos de casos), bem
ciente, por que näo nos demos conta disso .antes? Se a como o porque da teoria, respondendo a pergunta quan-
teoria da imputac;äo e täo necessäria, como sobrevive- to a sua necessidade. Proceder-se-3 a uma fundamenta-
mos ate agora sem ela? c;äo funcional da teoria, na linha da escola de ROXIN,
Estes dois problemas säo, na verdade, conseqüE'ncias ap6s o que seräo expostos, como constrw;öes alternati~
de um fator quese pode qualificar de genetico-estrutu- vas, alguns das principais sistemas de imputac;äo da atua-
ral: a imputac;äo objetiva e uma construc;äo estrangeira. lidade: o de JAKOBS, FRISCH e PUPPE. Far-se-a, a
N6s näo assistimos a seu nascimento, näo a vimos lutar seguir, uma reflexäo sobre os efeitos da teoria da impu-
pela sobrevivE'ncia, näo sabemos que mutac;6es sofreu ao tac;äo no restante da teoria da delito, e, para concluir,
passar pelos severos mecanismos de selec;äo natural exis- seräo apontados alguns aspectos com os quais a doutrina
tentes na dogmatica alemä ate quese consolidasse. Re- brasileira, segundo me parece, deve ter especial cuidado.
cebemos como se estivesse pronta uma teoria que veio,
aos trancos e barrancos, sendo discutida e reformulada
ao longo de trE's decadas. Logo, e natural tanto que es-
II. Esclarecimentos preliminares: o que e a teoria da
imputas:äo objetiva?
tranhemos o metodo de que ela se vale - a construc;äo
de grupos de casos - como que näo saibamos para que Antes de prosseguirmos em nossa investigac;äo, cum-
ela serve.
pre deixar claro o que significa imputac;äo objetiva. Ten-

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tar-se-3., por ora, uma simples aproxima,;;äo, cujo objeti- sern a respectiva finalidade. Outros dados psiquicos,
vo maior e permitir que tambem o leitor iniciante com- corno fins especiais de agir (firn libidinoso, no rapto, firn
preenda aquilo de que se esta a falar. de assenhorarnento, no furto), tarnbE'rn passarn a inte-
Para o sistema naturalista, o tipo dos crimes de re- grar o tipo. 0 tipo, assirn, come,;;a a conter elernentos
sultado (tambE'm chamados, entre n6s, de crimes mate- objetivos e subjetivos. 0 conjunto dos prirneiros deno-
riais) esgotava-se na descri,;;äo de uma modificar;äo no rnina-se tipo objetivo; o conjunto das segundos, tipo
mundo exterior 3 . 0 tipo do hornicidio consistia ern "cau- subjetivo. Logo:
sar a rnorte de alguE'rn"; o dano significava "causar dano
a coisa alheia". Esquernaticarnente: Finalisrno: tipo = tipo objetivo + tipo subjetivo,
onde
Naturalisrno: tipo = a,;;äo + nexo causal + resultado. tipo objetivo = ar;äo + causalidade + resultado,
tipü subjetivo = dolo + elementos subjctivos
0 finalismo acrescenta a este tipo uma cornponente especiais.
subjetiva: a finalidade (dolo)4. Näo havera ar;äo tfpica
Note-se, contudo, que o finalisrno nada rnais fez que
acrescentar, ao conceito de tipo do naturalisrno, a corn-
3. Este sistema foi defendido, entre n6s, principalmente por HUN- ponente subjetiva. 0 tipo objetivo da finalismo (afiiO +
GR!A, Comentdrios ao C6digo Penal, vol. I, tomo II, 5" edir;äo, Forense, causalidade + resultado) i id§ntico ao tipo da naturalis-
Rio de Janeiro, 1978; Anfbal BRUNO, Direito Penal, Parte Gera/, Tomo
l, 3a edir;äo, Forense, Rio de Janeiro, 1967.
mo. E exatamente isto que vern a ser rnodificado pela
4. 0 finalismo €:sustentado pela maior parte de nossa atual doutrina: imputa~äo objetiva. A imputar;äo objetiva vern rnodificar
cf., por ex., Ctzar B!TENCOURT, Manual de Direito Penal, vol. I, 6" o contelldo do tipo objetivo, dizendo que näo basta es-
edir;äo, Saraiva, Säo Paulo, 2000; Clii.udio BRANDÄO, Teoria juridica tarern presentes os elernentos a<;äo, causalidade e resul-
do crime, Forense, Rio de Janeiro, 2001, p. 30; Rene DOTTI, Curso de tado para que se possa considerar deterrninado fato ob-
direito penal, Forense, Rio de Janeiro, 2001, p. 309; FRAGOSO, Liröes
de direito penal, Parte Gera!, 5' edii;äo, Forense, Rio de Janeiro, 1983,
jetivarnente tfpico. E necess8.rio, adernais, um conjunto
p. 152, n. 123; JESUS, Direito penal - Parte Gera/, vol. I, 19• edii;äo, de requisitos. Este conjunto de requisitos que fazem de
Sara1va, Säo Paulo, 1995 1 p. VI; MA YRINK DA COST A, Direito Penal uma determinada causafiiO uma causafiiO tfpica, viola-
- Parte Gera/, vol. 1, 2° cdii;äo, Forense, Rio de Janeiro, 1988, p. 380; dora da norma, se chama imputafäO objetiva.
MESTIERI, Manual de direito penal, vol. 1, Forense, Rio de Janeiro,
1999, p. 112 e ss.; REGIS PRADO, Curso de Direito Penal Brasileiro,
Editora Revista dos Tribunais, Säo Paulo, 1999, p. 158 e ss.; SILVA dor (täo lembrados, aliäs, pelos finalistas!), quc pode dispor com obriga-
FRANCO, cm: Silva Franco/ Rui Stoco, C6digo penal e sua interpreta- toriedade sobre as conseqüencias jurfdicas surgidas ap6s a ocorrencia de
f&O jurisprudencial, 7" edi,;;äo, RT, Siio Paulo, 2001, p. 309; ZAFFARO- detenninados fatos, mas näo sobre as teorias que a doutrina seguirii em
N!/PIERANGELI, Manual de Direito Pena/ Brasileiro, I' edir;äo, Edito- seu trabalho interpretative. lsso sem mencionar que, sc o fma!ismo
ra Revista dos Tribunais, Säo Paulo, 1997, p. 409 e ss., n. 190 e ss. entende seu conceito de ai;äo como uma reahdade ontol6gica, pr€:-juri-
Costuma-se, inclusivc, dizer ter a Rcforma Penal de 1984 adotado o dica, independente do legislador, causa estranheza que se Fundamente o
finalismo; tal afinnativa desconhcce certos limites ii. atuar;äo do legisla- sistema finalista com a sua ador;äo pelo lcgislador.

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Que requisitos sao esses? Fundamcntalrnente, dois. tränsito. 0 autor näo realizou todas as elementares do
0 prirneiro deles e a criar;ao de um risco juridicamente tipo do homicfdio.
desaprovado. A~öes que näo criarn riscos, isto e, a~öes Par ora, bastam estas considera~6es preliminares.
näo perigosas, jamais säo tfpicas, ainda que venham Completemos, unicamente, nosso esquema, da seguinte
eventualmente a causar les6es. Para usar o exemplo clas- forma:
sico, mandar o tio para a floresta desejando quc cle seja
atingido por um raio näo E'uma ac;fo perigosa. Ainda que Doutrina moderna 5: tipo = tipo objetivo + tipo subjetivo,
o raio caia sobre a cabe~a do tio, vindo a matä-lo, ainda onde
assim o sobrinho nfo tera praticado uma a~äo tfpica de tipo objetivo = a~äo + causalidade + resultado +
homicfdio, uma vez que enviar alguem a floresta näo e criafäO de um risco juridicamente desaprovado + reali-
arriscado. Alem disso, ac;6es que, apesar de perigosas, zafäo da risco 1
respeitam as exig@ncias de cuidado, säo permitidas (ris- tipo subjetivo = dolo + elementos subjetivos es-
co permitido), mesmo que no caso concreto ocasionem pecia1s.
um resultado descrito em tipo. Um exemplo seriam as
interveni:;6es cirllrgicas conformes a lex artis: ainda que Por firn, um esclarecimento terminol6gico. E comum
näo tenham sucesso, se o mE'dico agiu conforme as nor- que os critE'rios da imputa~äo objetiva sejam designados
mas da sua arte, näo tera praticado um homicfdio. por outras palavras. Fala-se, por vezes, em risco, por
Contudo, para que se impute ao autor a causac;äo de vezes em perigo; ou em risco juridicamente desaprova-
um resultado, näo basta que ele crie o risco näo permi- do, risco reprovado, risco censurado, risco proibido, ris-
tido (isto ~, juridicamente desaprovado) de um certo co näo permitido, risco näo tolerado; ou em realiza~äo,
resultado. E necessclrio, ademais, que o resultado decor- materializa~äo, concretiza~äo do risco no resultado. Ne-
ra justamente deste risco, que seja o desenvolvimento nhuma dessas variai:;6es indica qualquer diferern:_;:asubs-
natural do perigo cuja prodw;äo o Direito houve por bem tancial. No curso do texto, utilizarei indistintamente as
proibir. Noutras palavras: o segundo requisito da impu- diversas formulai:;6es, guiado por considerai:;6es predo-
ta~äo objetiva e a realizafäO do risco no resultado. Um minantemente de clareza e estilo.
exemplo claro em que o risco näo se realiza e o famoso Agora, que sabemos em que consiste a moderna teo-
ria da imputai;äo objetiva, poderemos analisar seus ante-
caso da ambulfincia: a vftima, ferida pelo autor (que
cedentes, suas atuais formulai:;6es e suas conseqü@ncias
criou, portanto, um risco juridicamente desaprovado),
falece em virtude de um acidente com a ambuläncia que
a levava ao hospital. 0 risco criado pelo autor, que e de 5. Falo, aqui, em moderna, e näo em funcionalista, porque, apesar de
morrer em virtude das feridas provocadas por sua a~äo filha do funcionalismo (vide a seguir, IV, 2J, a imputas;äo objetiva hoje e
acolhida por praticamente todas as orienta.;öes doutrinärias no Oireito
de lesionar, näo se realizou no resultado, mas foi substi- Penal, inclusive as näo-funcionalistas. S6 o finalismo ainda a recusa (ao
tufdo por outro: o risco de morrer em um acidente de menos nominalmente - cf. a seguir, IV, 4).

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para o restante da teoria do delito. Come<.;aremoscom cos7 • Daf por que a teoria naturalista do crime se estru-
uma exposi<.;äodo contexto que lan<.;ouas bases para que ture sobre um conceito de a<.;äosegundo o qua! esta näo
sequer se pudesse falar em uma qualquer teoria da im- passa de a causas;äo voluntäria de uma modifica<.;äono
puta<.;äo:o contexto da supera<.;äodo naturalismo positi- munde exterior 8 . 0 tipo tambem se esgota na descri<;;äo
vista pelo neokantismo.

7. Sobre o contexto jusfilos6fico maior do naturalismo, cf. LJ\.RENZ,


Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 6" edi<;:lo, Springer, Berlin etc.,
III. Antecedentes hist6ricos da moderna teoria da 1991, pp. 36 e ss. (ha tradu<;äo portuguesa, de Jose Lamego, Calouste
imputa~äo objetiva Gulbenkian, Lisboa, 1997); Art. KAUFMANN, Problemgeschichte der
Rechtsphilosophie, em: Art. Kaufmann/ W. Hassemer, Einführung in die
Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der Gegenwart, 6" edi<;äo, C. -~·
1. A superafiio do naturalismo pelo neokantismo Müller, Heidelberg, pp. 30 e ss., (p. 87 e ss., em especial p. 91J; RU-
THERS, Rechtstheorie, Beck, Mlinchen, 1999, nm. 466 e ss., uma carac-
Imputar significa atribuir algo a alguem; imputa<.;äoe teriza<;äo da imagem de mundo naturalista, da perspectiva de um direito
natural de inspira<;äo religiosa, Ernst v. HIPPEL, Zur Uberwindung des
a valora<.;äode algo como atribuivel a alguem 6 • Estä claro,
Naturalismus in Recht und Politik, em: Esser/ Thieme (eds.), Festschrift
assim, que s6 se come<.;aräa falar em imputa<_;äoa partir für Fritz von Hippel, Mohr-Siebeck, Tübingen, 1967, p. 245 e ss.; para
do momento em que se admitir que a teoria do delito um enfoque sobre o naturalismo em suas conseqüencias para o sistema
näo se esgota em descri<.;6esou verifica<.;6esde fatos, mas juridico-penal, cf. ROX!N, Politica criminal e sistema juridico-pern;il
constitui um conjunto de valora<.;6esa que se ha de (trad. Lufs Greco), Renovar, Rio de Janeiro, 2000, pp. 22/23; SCHU-
NEMANN, Einführung in das strafrechtliche Systemdenken, em: Schü-
submeter determinado fato, para que ele possa ser con- nemann (ed.), Grundfragen des modernen Strafrechtssystems, DeGruy-
siderado um crime. Este momento e aquele em que se ter, Berlin/New York, 1984, p. l e ss., (p. 19 e ss. - ha tradm;äo
da a transis;äo do naturalismo para o neokantismo. espanhola, de Silva-S:inchez, em: Schünenrnnn [ed.J, EI sistema moder-
0 naturalismo, que era a perspectiva dominante dos na de/ derecho penal: questiones fundamentales, Tecnos, Madrid, 1991,
fins do sec. XIX, ignorava a dimensäo valorativa da cien- p. 31 e ss.); FIGUEIREDO DIAS, Sobre a construrao dogmtitica do fato
punfvel, em: Questöes fundamentais de Direito Penal revisitadas, RT,
cia jurfdica e de seus conceitos. Para esta postura, mo- Säo Paulo, 1999, p. l 87 e ss., (p. 192 e ss.J; TAVARES, Teoria ... , p. 134
delos de ci€:ncia säo a Ffsica, a Biologia, a Psicologia. Se e ss.; Lufs GRECO, lntrodurao ä dogmritica funcionalista do delito, em:
o Direito quiser ser digno deste titulo-Ciencia- deve Revista Brasileira de Cie-ncias Criminais n. 32, 2000, p. 120 e ss., (p.
construir seus conceitos com base no metodo empirico 122 e ss.), estudo tambem publiczdo na Revista Juridica, 272, (2000),
e avalorado destas ci€:ncias da natureza (daf: naturalis- p. 35 e n.; e em Noticia do Direito Brasileiro, 7, (2000), p. 306 e ss. e
mo). Conceitos valorados säo simplesmente acientffi- ROXIN Funcionalismo e imputar;ao objetiva, trad. Luis Greco, Renovar,
Rio de Janeiro, 2002, § 7/13 (= Strafrecht, Allgemeiner Teil, 3" edi<;äo,
Beck, München, 1997, § 7/13), neste volume que o leitor tem em mäos.
6. Cf MIR PUIG, Die Zurechnung im Strafrecht eines entwickelten 8. Cf., por ex., RADBRUCH, Der Handlungsbegriff in seiner Bedeu-
sozialen und demokratischen Rechtstaates, em: Jahrbuch für Recht und tung für das Strafrechtssystem, Wissenschaftliche Buchgesellschaft,
Ethik, vol. 2, (l 994), p. 225 e ss., (p. 227): "lmputar e adscrever, näo Darmstadt, reedi<;äo de 1967 da obra de 1904, pp. 71-72; L!SZT,
descrever, e uma tal adscril,;äo significa uma valora~äo." Lehrbuch des deutschen Strafrechts, 21" e 22" edi<;äo, DeGruyter, Berlin

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da referida modifica~ao no mundo exterior, sendo valo- resultado, estcl precnchido o tipo. Se tal causa~äo foi
rativamente neutro 9 . A culpabilidade consistirB. na "rela- prcvista ou, ao menos, previsfvel, havera culpabilidade.
~äo subjetiva entre autor e fato" 10 , sendo que "a rela~äo Näo ha o que valorar, basta verificar.
subjetiva entre fato e autor s6 pode ser psicol6gica" 11 • E Contudo, no come~o do sE'culo XX j3. saltavarn a
a antijuridicidade - categoria que, jcl por defini~äo, näo vista as insuficiE'ncias do naturalismo. Come~a a ganhar
pode scr apreendida em termos meramente empfricos for<;:aa perspectiva neokantiana, que questiona a premis-
- perde sua carga valorativa e reduz-se a uma dimensäo sa segundo a qual somente as ciE'ncias naturais merecem
puramente l6gica: rela~äo de contrariedade entre o com- o nome de ciE'ncia. Haveria, ao lado das ciE'ncias da
portamento e as normas da ordern jurfdica 12 . natureza, ciE'ncias da cultura, que trabalhavam com um
Para um tal sistema, a questäo da imputa~äo sequer mE'todo pr6prio: o mE'todo referido a valores. Seria err6-
se coloca. Cabe ao juiz, unicamente, verificar se os ele- neo que o Direito, enquanto ciE'ncia da cultura, traba-
mentos descritivos de quese compöem o tipo e a culpa- lhasse com conceitos empfricos e avalorados. Seus con-
bilidade sc apresentam ou näo. Se o autor causou o ceitos tinham, isso sim, de referir-se a valores, de modo
a realizB.-los da forma mais completa possfvel1 3 .
A partir de agora, a teoria do delito normativiza-se,
e Leipzig, 1919, p. 116: "A as;äo eo comportamento voluntärio em passando a ser compreendida como um conjunto de va-
dire,;äo ao mundo exterior; ma1s exatamente: modificac;;äo,1sto e, causa-
lora~6es. A teoria da causalidade entra em crise, passan-
s;äo Ou naü evitas;äo de uma modi-fica,;äo (de um resu\tado) no mundo
exterior, atravCs de um comportamento volunt:l.no", BELJNG, Die Leh-
do a ser atacada de todos os lados, tanto que recebe a
re vom Tatbstandslehre, Mohr, Tübingen, 1906, pp. 9-10: a a,;äo como alcunha pejorativa de "dogma causal" 14 . 0 tipo näo E' s6
"comportamento humano voluntärio".
9. Cf., em especial, BELING, Die Lehre ... , p. 145; para a evoluc;;äodo
conceito de tipo ate o finalismo, vide SCHWEIKERT, Die Wandlungen 13. Sobre o neokantismo em gern\, cf. PASCHER, Einführung in den
der Tatbestandslehre seit Beling, C. F. Müller, Karlsruhe, 195 7, que a p. Neukantismus, W. Fink Verlag, München, 1997; sobre o neokantismo
14 e ss. expöe a teoria do tipo de BELJNG. no Direito, RADBRUCH, Rechtsphilosophie, repuhlica~äo da 3' edi,;äo,
10. LISZT, Lehrbuch .. , p. 151; para a evolw;äo do conceito de culpabi- de 1932, C. F. Müller, Heidelberg, 1999, p. 13 e ss., p. 30 e ss. (hä
lidade, cf. ACHENBACH, Historische und dogmatische Grundlagen der tradu,;äo portuguesa, de Cabral de Moncada, 5a ed1,;äo, Annfnio Amado
strafrechtssystematischen Schuldlehre, J. Schweitzer Verlag, Berlin, 197 4 Editor, Coimbra, 1997), LARENZ, Methodenlehre .. , p. 92 e ss., Luiz
(a teona naturalista da culpabilidade e exposta a p. 37 e ss.). LU!SI, Notas sobre a filosofia juridica dos valores, em: Filosofia do
11 L!SZT, Lehrbuch ... , p. 152. Direito, Sergio Fabns, Porto Alegre, 1993, p. 41 e ss., para o enfoquc
12. BELJNG, Die Lehre ... , p. 117, quese refere expressamente ateoria juridico-penal, cf., principalmente, o clässico trabalho de SCHWINGE,
da antijuridicidade de BIND!NG, calcada na ideia de violas;äo anorma; Die Auswirkungen des wertbeziehenden Denkens in der Strafrechtssyste-
de BINDING, ( defensor do positivismo legalista, e näo naturalista), vide matik, DeGruyter, Berlin, 1939; e tambem ROXIN, Politica criminal . .,
Die Nonnen und ihre Übertretung, vol. I, 4" edi,;äo, Felix Meiner, Leip- pp. 23/27; SCHÜNEMANN, Einführung ... , p. 24 e ss., FJGUEIREDO
zig, 1922, p. 132: "E necessD.riomanter estritamente separados os con- DIAS, Construfdo dogmdtica . ., p. 195 e ss.; TAVARES, Teoria ... , p.
ceitos de antijuridicidade de uma ar;äo e de contrariedade de uma a,;iio 137 e ss.; GRECO, lntrodurcio ... , p. 124 e ss.; ROX!N, Funcionalismo ... ,
näo proibida em face dos interesses de uma vida juridicamente ordena" 7/14ess.
da"; p, 134: "a norma cria a a,;ao antijurfdica; a lei penal, a a,;äo crimino- \4. Assim, princ1palmente, Hellmuth MAYER, Das Strafrecht des
sa" deutschen Volkes, Ferdinand Ente Verlag, Stuttgart, 1936, p. ]63.

12 13
a descri<;äode um acontecimento externo, mas antijuri- "moderna" teoria da imputai;:äo. A moderna teoria da
dicidade tipificada 15, ou seja, anälise do fato sob a pers- imputa~äo consiste, em suas linhas mestras, naquilo que
pectiva de sua lesividade sociaJI6 . A culpabilidade deixa expus anteriormente (item II): conjunto de pressupos-
de ser a mera descri~ao de um estado pslquico, para tos que fazem de uma causa~äo uma causa~äo tfpica, a
tornar-se a avalia~äo do fato tendo em vista a reprovabi- saber, cria~äo e realiza~äo de um risco näo permitido er:n
lidade do autor 17 . um resultado. 0 que diferencia, a meu ver, a teona
Neste momento, em que o tipo deixa de ser s6 cau- moderna das primeiras teorias, e justifica que estas se-
salidade, come~a a fazer sentido perguntar o que faz de jam tidas como meros precursores, e näo como formas
uma causa~äo qualquer uma causa~äo tfpica. Noutras menos desenvolvidas da moderna teoria da imputa~äo,
palavras: a partir desse momento comera a interessar o säo dois fatores: primeiramente, a formula~äo moderna
problema da imputaräo. trabalha com a ideia de risco, de perigo, ainda näo pre-
E neste contexto metodol6gico - supera~äo do na- sente de forma explicita nas primeiras constru~6es; em
turalismo pelo metodo referido a valores do neokantis- segundo lugar, a formula~äo moderna desenvolve uma
mo - que surgem os primeiros esfor~os que podem ser serie de criterios de exclusäo da imputa~äo, enquanto as
tidos como precursores da moderna teoria da imputa~äo teorias primitivas esgotavam-se, fundamentalmente, em
objetiva. Eies seräo, agora, objeto de nossa aten~äo. excluir os resultados imprevisfveis 18 •

2. 0 nascimento da "primeira" teoria da imputafiiO a)LARENZ

Falarei, aqui, em uma "primeira" teoria da imputa- Coube ao civilista e jusfil6sofo Karl LARENZ o me-
~äo, para diferenciä-la daquilo que estou chamando de rito de redescobrir o conceito de imputafäO para o Di-
reito. Ern sua tese de doutorado, de 1927, sobre "A
teoria da imputa~äo de Hegel e o conceito de imputa~äo
15. MEZGER, Tratado de Derecho Penal, tomo l, trad. Rodriguez Mu-
objetiva" 19 , LARENZ vai buscar na filosofia de Hegel os
i'J.oz,Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid, 1955, p. 364,
SAUER, Derecho Penal, Parte General, trad. da 3 3 edil;äo a]emä, de
1955, por Juan de! Rosa] eJose Cerezo, Bosch, Barcelona, 1956, p. l 11:
"tipicidad es antijuridicidad tipificada"; cf., por firn, SCHWEJKERT, JS. Tarnbern ressalta as diferem;:as entre a antiga e a moderna teoria da
Die Wandlungen ... , p. 48 e ss. imputai;:äo ROXIN, A teoria da imputar;äo objetiva, minha tradui;:ao de
16. A respeito desta assim chamada "antijuridicidade material", cf. "Die Lehre von der objektiven Zurechnung", originalmente publJCado em
HEiNlTZ, Die Lehre von der materiellen Rechtswidrigkeit, em: Straf- Chengchi Law Review, vol. 50, ma10 1994, (Edi,;3.o especial para o
rechtliche Abhandlungen, 211, Breslau, 1926, p. 108 e ss. Simp6sio Taiwanes-Alemao-Espanhol de Direito Penal), item V, 2, a ser
17. Pioneiramente, FRANK, Über den Aufbau des Schuldbegriffs, Al- publicada em breve na Revista Brasileira de Ci§ncias Criminais.
fred Töpelmann Verlag, Giessen, 1907, p. 11: "Culpabilidade e re- 19. LARENZ, Hegel.s Zurechnungslehre und der Begriff der objektiven
provabilidade"; cf., ademais, ACHENBACH, Historische und dog- Zurechnung, re1mpressäo da edio;äo de 1927, Scientia, Aalen, 1970. As
matische ... , p. 97 e ss., que questiona a ideia, comumente aceita, de ter (ita,;öes entre partnteses presentes neste apartado referem-se sempre a
sido FR/1.NKo pai da teoria normativa da culpabilidade (p. 103). este livro. Sobre a teoria de LARENZ, cf., adernais, Elena LARRAURI,

14 15
fundamentos para uma teoria da imputac;=äo.Inicialmcn- aqao de acaso 23 . "A imputac;:äo trata da seguinte pergun-
te, limita-se LARENZ a expor o pensamento de Hege] 20 , ta: o que se deve atribuir a um sujeito como ac;:5.osua,
para s6 mais adiante tentar adapt.i-lo iis exigE'ncias do pelo que pode ser ele responsabilizado?" (p 51). A im-
Direito. puta,;;:äo objetiva "nas diz, portanto, quando um acante-
Para Hegel. a liberdade e inerente ao homem en- cimento e ato de um sujeito" (p. 51).
quanto sujeito racionaF 1• Esta liberdade manifesta-se no Se ac;:äo e, em essf:ncia, a vontade, o que estiver
mundo atravf'.s da vontade, da vontade livre, da vontade contido nesta vontade sera atribufvel ao sujeito. Apare-
moral. A vontade, por sua vez, exterioriza-se sob a forma ce, aqui, a ideia de finalidade: "Sao imputadas aquelas
de uma a,;;:äo22 . A as;äo e, portanto, uma objetivac;:äo da conseqü§ncias que formam um todo com a a~aü, a qua]
vontade. A vontade tem o poder de controlar os cursos e dominada par uma finalidade" (p. 54). 0 acaso, obvia-
causais em determinada sentido, de maneira que o resul- mente, ser.i aquilo que näo est.i campreendi~o na vonta-
tado de todo este empreendimento podc-se considerar de, na finalidade. "E acaso tudo aquilo que lor estranho
aa final, obra do sujeito. E' a vontade que anima as nossas' a vontade, que n3.o for conhecido" (p. 52). Note-se que,
a,;;:öes,e ela que faz de uma ac;:äouma ac;:äo. segundo a leitura que faz LARENZ de Hegel, este s6
Daf j.i transparece a problema b.isico que a teoria da conheceria a imputa,;;:äo de ac;:6esdolasas; a culpa jamais
imputac;:äo visa a resolver: dentre as diversas canseqüE'n- seria imputada aa sujeito, porque exterior a sua vonta-
cias de nossos atos, quais nos devem ser atribufdas como de24. 0 que estiver compreendida na vontade do agente
obra nossa, quais devem ser entendidas camo mero aca- e um ato seu, a que ali näo se encontrar e acaso, näo lhe
so? A tearia da imputac;:äo tentara justamente distinguir
podendo ser imputado.
Na segunda parte de seu livro, tenta LARENZ aplicar
Notas preliminares para una discusi6n sobre la imputaci6n objetiva, a canstruc;:äo de Hegel no campo da Direito. LARENZ
AD PCP i:1·41, (1988), p. 715 e ss., (p. 733 c ss); ROXJN, A teoria ... , deseja, fundamentalmente, corrigir a estreiteza da con-
V 2; SUAREZ GONZALEZ / CANCIO MELIA, La reformulaci6n de ceito hegeliano de ac;:äo,que desconhece a responsabili-
la tipicidad a traves de la teoria de la imputaci6n objetiva, em: JAKOBS, dade fora dos casos de dolo. Para isso, mantem toda a
La imputaci6n objetiva en derecho penal, Civitus, Madrid, 1996, p. 21 e constru,;;:äo de Hegel, principalmente a concepc;:äa de
ss. (p. 22 e ss.); CHAVES CAMARGO, lmputa17iioobjetiva ... , p. 61 e
que a vontade constitui a essE'ncia da a,;;:äo,s6 se podendo
"20. Estou omitindo as considera<;;:öesiniciais (pp. 1-29), em que LA-
RENZ analisa e critica o pensamento de Kant, mostrando a necessidade
de superar as contradi<;;:öcsa ele inerentes com base no metodo dialetico 23. "A imputa,;äo näo e nada mais do que a tcntativa de distinguir o
hegeliano, e resumindo consideravelmente a exposi<;;:äoda filosofia de pr6prio ato daquilo que ocorre por acaso" (p. 61).
Hegel, por ser ela de diffcil compreensäo, o que levaria a extrapolar o 24. Este e, porem, um ponto bastante controvertido entre os intCrprctes
marco da tema. de HEGEL. Para um panorama atua! das discussöes, vide LESCH, Der
21 "A vontade livrc Ca vontade racional" (p. 46) Verbrechembegriff Grundlinien einer funktionalen Re11ision,Carl Hcy-
ZZ. "'A liberdade e a determinac;äo fundamental da vontade, sua essen- manns, Köln etc., 1999, pp. ] 00/101, p. ] 25 e ss., que esposa ponto de
cia, sua identidade" (p. 45). vista contrario ao de LARENZ.

16 17

imputar a a]guem aquilo que esteja compreendido pela Ern sintese, LARENZ acaba por erigir a "possibilida-
sua finalidade. Contudo, enquanto Hegel falava de im- de de previsäo" (p. 77) (previsibilidade) em critE'rio de
putai_;äo a um sujeito, LARENZ passa a p6r o foco sobre imputac;äo. Esta possibilidade näo deve ser analisada
uma nova ideia, bastante presente na Filosofia do Direito subjetiva, mas objetivamente: näo E' o autor concreto,
de Hegel2 5 : a de pessoa. "A pessoa e o homem näo en- mas a pessoa, o ser racional, que deve estar em condic;öes
quanto ser natural, mas enquanto ser racional, portador de prever um determinado acontecimento (p. 84). As
de uma razäo supraindividual, sujeito e espfrito" (p. 63). conseqü§ncias objetivamente previsiveis siio, portanto,
A noi_;äo de sujeito individual, homem fisico, presente atribuiveis a pessoa, enquanto ser racional.
em Hegel, da lugar a ideia normativa de pessoa ser A importdncia do pequeno escrito de LARENZ difi-
racionaL Com base nessa ideia, que se desvincul~ da cilmente pode ser sobrestirnada. Eie teve, primeiramen-
indivfduo especffico, colocando-se em um nivel generi- te, o mE'rito de redescobrir o conceito de imputa<_;aüe
co, objetivo, tambem a finalidade deixa de ser aquilo que apresenta~lo aos juristas que, sob a influencia do natura-
o indivfduo efetivamente previu e quis, para passar a lismo, dele tinham se esquecido. E, justamente por For-
abranger tudo aquilo que objetivamente a a<_;äo tendia a mular, antes de mais nada, uma teoria da a<_;äo - como
atingir. "O conceito de finalidade s6 naü pode ser com~ vimos, para LARENZ a imputa<_;äodetermina o que e
preendido de modo subjetivo, mas sim objetivamente; obra, ac;äo, de um sujeito - seu trabalho inAuenciou de
isto e, näo podemos nos contentar em imputar aquilo modo decisivo o infcio do debate em torno do conceito
que foi conhecido e querido, mas temos tambem de de ac;äo. Epouco sabido, mas nem por isso menos verda-
imputar aquilo que poderia ser conhecido e compreen- deiro, que a primeira formulac;äo da teoria finalista da
dido pela vontade, o objeto possfvel da vontade" (p. 68). ac;äo, de 1931, foi marcadamente influenciada pela teo-
Logo, torna-se possfvel imputar como obra da pessoa ria da imputa<_;äo de LARENZ 26 . WELZEL, o pai do
aquelas conseqüencias compreendidas na finalidade ob- finalismo, inclusive chega a apontar para a identidade de
resultatlos entre sua teoria e a de LARENZ 27 . Par mais
jetiva da ac;äo, isto e: tudo aquilo que for objetivamente
previsivel. LARENZ termina o livro analisando a impu-
ta<_;~o de omissöes (p. 85 e ss.J e a responsabilizac;äo pelo 26. WELZEL, Kausalität und Handlung, em: ZStW 51 (1931), p. 703
a.to Imputado (no plano da antijuridicidade e da culpabi- e ss.; neste estudo, WELZEL ainda näo falava em finalidade, mas em
hdade, p. 89 e ss.), com especial aten<_;äopara os funda- "intenciona!idade" (p. 709), e ao apresentar seu conceito de ar;äo, refe-
re-se, claramente, ao tenno "imputa,;äo objetiva": "Um fato pr6prio ou
mentos da responsabilidade com base na idt"ia de risco
uma a,;äo pertence a um sujeito, sendo"lhe, neste sentido, objetivamente
bastante comum no Direito Civil (p. 103 e ss.). ' imputiivel 1 se o resultado descrito no tipo for determinado intencional-
mente (sinnhaft gesetzt) pelo autor, ou a sua evita,;äo lhe for previsfvel e
intencionalmente determin:ivel" (p. 720, grifo meu)
25. E famoso o imperativo que figura como ideia central na fi!osofia 27. WELZEL, Kausalität, p. 719, nota 30: "Alegra-nos, portanto, qu.e
juridica de HEGEL "seja mna pessoa, e respeite os outros enquanto cheguemos aos mesmos resultados que a bela exposi,;äo de Larenz,
pessoas" (Grundlinien der Philosophie des Rechts, 4' edi,;äo, Felix Mei- Hegels Zurechnungslehre und der Begriff der objektiven Zurechnung, ape-
ner Vedag, Hamburg, 1955, § 36, p. 52). sar de nosso ponto de partida ser completamente diverse".

18 19
r

inacreditavel que parei;a, e bem possfvel afirmar que a O comportamento humano e uma exteriorizac;:äo da
teoria finalista da ai;äo e a imputai;äo objctiva tal como a vontade (p. 183). E atraves da vontade que o homem
conhecemos hoje säo irmäs, ambas filhas da teoria da intervem na natureza, controlando os cursos causais para
imputai;äo de LARENZ. atingir seus fins (p. 183). Contudo, a von:a~e aqui näo
deve ser compreendida em termos subJetlvos, como
b)HONIG aquilo que o autor almejava, e sim em termos objetivos,
como aquilo que podia ter almejado (p. l 83). Logo, esta
Alguns anos ap6s a contribuii;äo de LARENZ, resolve direc;:äo objetiva da vontade e a pec;:a-chave no juizo de
HONIG levar a ideia de imputai;äo para o Direito Pe- imputac;:äo: "Corno ejustamente a intervenc;:äo orientada
naF8. Aludindo a crise em que se encontra a teoria da a um firn que constitui a essencia do comportamento
causalidade, afirma HONIG que o Direito näo pode humano, a dirigibilidade objetiva a um fim (objektive
considerar suficiente o nexo causal entre um comporta- Bezweckbarkeit) 29 e o criterio para a imputac;:äo de um
mento e um resultado. E preciso um nexo normative, resultado e, portanto, para o distinguir de um aconteci-
construldo segundo as necessidades da ordern juridica, mento fortuito. Serd imputdvel aquele resultado quese
para que uma causai;äo adquira importäncia para o Di- possa considerar dirigido a um fim" (p. 184; grifos no
reito (p. 175). Contrariamente a causalidade, este pro- original). Assim, como ele mesmo ressalta, acaba HO-
blema - que HONIGchamade imputai;äo objetiva NIG por chegar a conclus6es identicas as de LARENZ,
e estritamente axiol6gico (p. 178). 0 jufzo de imputac;:äo a saber, a exclusäo da imputac;:äo de resultatlos impre-
objetiva visa, justamente, a "resolver a questäo axiol6gi- visfveis, näo compreendidos na direc;:äoobjetiva da von-
ca quanto a releväncia do nexo causal para a ordern tade.
juridica" (p. 179). Corno LARENZ, HONIG pensa que HONIG ainda ressalta que, na verdade, a teoria da
imputa<.;äo objetiva e uma teoria da a<.;äo;contudo, para
somente ac;:öeshumanas säo relevantes para o Direito; a
ele, s6 interessam ao Direito Penal as a<_;öes tlpicas. "Se
ac;:äohumana e,portanto, o objeto exdusivo do juizo de
a atua<_;äoda vontade näo e tfpica, ela sequer e uma a<_;äo
imputac;:äo (p. 182). Porem, diferentemente de LA-
no sentido que interessa ao Direito Penal" (p. 195).
RENZ, HONIG diz construir seu modelo com inde-
Neste ponto, diverge HONIG de LARENZ, que estava
pend€:ncia de qualquer filosofia, partindo, unicamente,
da Teoria Gera! do Direito (p. 182).
29. Näo existe consenso a respeito de qua! a tradui;äo mais adequada.
MARTINEZ ESCAMILLA,La imputaci6n objetiva del resultado, Eder-
28. HONIG, Kausalität und objektive Zurechnung, em: Hegler (ed.), sa, Madrid, 1992, p. 35, nota de rodape 127, arrola as diversas tentativas
Festgabe für Reinhardt v. Frank, vol. I, Mohr, Tübingen, 1930, p. 174 e dos tradutores espanh6is e opta por "possibilidade objetiva de preten-
ss. As citai;öes entre parenteses presentes neste apartado referem-se der". 0 essencial e entender a estrutura do neologismo de HONIG:
sempre a este trabalho. Sobre HONIG, vide, ademais, ELENA LAR- Bezweckbarkeit, substantivo, vem do adjetivo bezweckbar (aquilo que
RAURI, Notas prel.iminares... , p. 738 e ss.; ROXIN, A teoria .. , V. 2; pode ser pretendido, objetivado, a!mejado, buscadoJ; a tenninai;äo keit
CHAVES CAMARGO, Imputaqii.o objetiva ... , p. 63. substantiviza o adjetivo.

21
20
desenvolvendo uma teoria da a~äo em geral: para HO- 3. Os precursores da "mod(?rna"teoria da imputafii.O
NIG, a teoria da imputa~äo e uma teoria da a~ao, mas da
a~äo tfpica. No restante do trabalho, HONIG tenta levar Os anos passaram, a ciencia do Direito Penal näo
sua teoria para o ambito da omissäo (p. 189 e ss.} e da cessou de avan~ar, mas a palavra imputa~äo foi aos pou-
autoria e participa~äo (p. 197 ,e' ss.). , cos desaparecendo. Contudo, os problemas para cuja
Fazenda uma confronta~äo entre HONIG e LA- resolu~äo ela foi criada (cursos causais imprevisiveis),
RENZ, pode-se repetir, aguisa de sintese1 que, enquanto bem como aqueles que a moderna teoria da imputa~äo
o ultimo se ap6ia expressamente em Hegel, o primeiro atualmente resolve, mantiveram-se presentes no debate.
busca ver-se livre de qualquer patrono intelectual; en- Daf por que se possam considerar muitas das teorias
quanto LARENZ constr6i um conceito de a~äo, HONIG discutidas nos anos de silencio eni torno da imputa~äo,
trabalha sobre a a~äo tipica; mas ambos estäo empenha- que foram as decadas de 40 ate:öinicio da decada de 70,
dos, precipuamente, em distinguir a obra do sujeito da- verdadeiras precursoras da.·,atual teoria da imputa~äo
quilo que ocorre por mero acaso, chegando a identicos objetiva.
resultados praticos, com base em um criterio que s6 Muitas destas teorias que a seguir seräo expostas säo
difere em sua denomina~äo. conhecidas do publico brasileiro. Minha preocupa~äo,
0 merito de HONIG esta näo s6 em ter sido o pri- contudo, sera menos de apresenta-las em detalhe do que
meiro que, no ambito especificamente penal, falou em demonstrar em que medida elas possibilitaram o surgi-
uma imputa~ao objetiva. Muito do que se encontra e:m mento da moderna teoria da imputa~äo.
seu trabalho e valido ate os dias de hoje~ em espedat a
clareza com que distingue a questäo ontologica (causali- a) A teoria da causalidade adequada
dade} da questäo normativa, axiol6gica (imputa~ao).
Igualmente, o fato de vislumbrar na teoria da imputa~äo Corno sabemos, a teoria da equivalencia considera
uma teoria näo da a~äo, como queria LARENZ, mas da causa tudo aquilo que contribui para o resultado, toda
a~äo tipica, e a recusa de fundamentar sua conc~äo na condi~äo de que ele ocorresse 31 . Esta teoria, que acabou
filosofia hegeliana abrem a possibilidade de quese fun- por consolidar-se na doutrina e na jurisprudencia alemäs,
cionalize a teoria com considera~~s· que dizem respeito em grande parte pela influencia de v. BURP 2, levava,
aos fins do Direito Penal. E e jusiamente rsso que fara
ROXIN, no fundamental estudo de 1970- dedk:ado a
Verlag Otto Schwarz, Göttingen, 1970, p. 133 e ss. (o artigo encontra-se
HONIG - no qual faz nascer a moderna teoria d:a im- traduzido para o portugues, Ana Paula Natscheradetz, no livro Problemas
puta~äo objetiva 30 . Fundamentais de Direito Penal, zaedi<;ao,Vega Universidade, Lisboa,
1993, p. 145 ss.).
31. Cf., por todos, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts,
30. ROXIN, Gedanken zur Problematik der Zurechnung im Strf.l/recht, Allgemeiner Teil, 5a edi<;ao,Duncker & Humblot, Berlin, p. 279, com
em: Strafrechtliche Grundlagenprobleme, DeGruyter, Betlin, 1972, p. referencias; entre n6s, BITENCOURT, Manual ... , p. 178 e ss.
123 e ss., publicado originalmente em Festschrift für Richard Honig, 32. Por ex., v. BURI, Über Causalität und deren Verantwortung, Leip-

22 23
l--'u1 c:111, a senas lllJUSt1,;asem alguns casos, especialrnente
os dos chamados crimes qualificados pelo resultado. An-
tes da reforma de 1953, que introduziu um novo § 56 no
entäo vigente C6digo Penal A.Jemäo, para que alguem
r
l
1eg1·sJativa e o desenvolvimento
-
tai;ao,p ossui ela
.
reduz1do
,
numero
de uma teoria da impu-
ddf
. • . e e ensores
35
• d - d
Se para a teoria da equiva 1encia causa : to a con
- do resultado para a teoria da adequa~ao causa sera
1:
respondesse por les6es corporais seguidas de morte, por ,ao· ' /d··
ex., bastava ter praticado dolosamente a primeira ac;:äo, umcam en te a condirdo adequada do resu ta o, 1sto de,
causando - mesmo sem dolo ou culpa! - o resultado aquela condii;:äo "que, segundo as r,el_a<;:6es comuns _a
33
qualificador . Aquele que ferisse dolosamente a vitima vida social, possua idoneidade genenca para produz1r
que viesse a falecer por causa de um acidente com a tais ]es6es" 36 , noutras palavras, a condii;:~o-qu: prod~~a
esultado de modo previsivel. As cond1c;:oes1mprev1s1-
ambuläncia responderia pelo crime qualificado pelo re-
da resultado näo säo causa em sentido juridico. Ern
sultado: les6es corporais seguidas de morte. Para evitar
ue porE'm, consiste essa previsibilidade? Apesar das
uma tal punic;:äo sem culpa, a teoria da adequac;:äo come-
· t'.i.merasformulai;:6es que de irnoo
q ' . . a teona. apresen t ou
i;:oua ganhar adeptos na doutrina 34 . Hoje, ap6s a reforma
:ara concretizar a previsibilidade 37, seus defensores aca-

zig, L. Gebhardts Verlag, 1873, o mesmo, I ·- Wiflensfrriheit. II --


Unterf.assung. fl1 - Causalität und Theilnahme, em: Gerichtssaal 56 35. Destacam-sc, subrctudo, BOCKELMANN / VOLK, Strafrecht, All-
(I 899), p. 418 e ss., (p. 449 e ss.J. gememer Teil, 4" edi<;;äo,Beck, München, 1987~p. 64 c so., c STRATE.N-
33. JESCHECK / WEIGENO, Lehrbuch ... , p. 261, para os deta!hes da WERTH, Strafrecht, Al/gemeiner Teil, 4a cdic;ao, Carl Heymanns, Koln
evolu\äo legislativa, at€ a reforma de 1953, cf RENGJER, Erfolgsquali- etc., 2000, § 8/21 e ss. .. .
fizierte Delikte und verwandte Erscheinungsfonnen, Mohr, Tübingen, 36. Assim, a fonnula\äo da teoria por seu criador, V. KRIES, Uber ~1e
1986, p. 54 e ss., especialmente p. 60. Begriffe der Wahrscheinlichkeit und Möglichkeit und ihre Bedeutung im
34. Na doutrina mais antiga, vide, por todos, TRA.EGER, Der Kausal- Strafrechte, em: ZStW 9 (1888), p. 528 e ss., (p. 532).
begriff im Straf- und Zivilrecht, Lippert & Co., Naumburg, 1904, p. 115 37. Uma exposic;äo detalhada encontra-se em TRAEGER, Der Kausal-
c ss.; LIEPMANN, Zur Lehre von der adäquaten Ventrsachung, cm: GA begriff .., p. 130 e ss., e GJMBERNAT ORDEJG, Die innere und äussere
19_05, p. 326 e ss.; na doutrina mais pr6xima ii reforma legislativa, Problematik der inadäquaten Handlungen in der deutschen Strafrechts-
veJam-se ALLFELD, Lehrbuch des deutschen Strafrechts, 83 edic;äo, A. dogmatik. Zugleich ein Beitrag zum Kausalproblem im Strafrecht, Diss~r-
Deichertsche Verlagsbuchhandlung, Leipzig, 1922, p. 109; Robert v. tac;äo Hamburg, 1962, p. l 5 e ss. Note-se, curio~amente, que o pnme1ro
HlPPEL, Deutsches Strafrecht, vol. II, Springer, Berlin, 1930, (reedi\äo, autor acaba por fonnular a teoria da adequa\ao de mane1ra bastante
Scientia Verlag, Aalen, 1971), p. 145, na postenor a reforma, MAU- pr6xima (mas näo idl'.:ntica, por adotar uma pcrspectiva ex ante) do
RACH, Deutsches Strafrecht, Allgemeiner Teil, 4' cdi,;:iio, C. F. Müller, principio do risco, de Roxin (adiante, IV, JJ. "Uma a.;;äoou fato q;1c se
Karlsruhe, 1971, p. 203 e ss., o mesmo, Adäquanz der Ventrsachung mostre conditio sine qua 110nde um detenninado resultado sera sua
oder der Fahrl.ä.ssigkeit?,em GA 1960, p. 97 e ss., (p. 103); SAUER, condi\äo adequada quando ela for uma circunstäncia genericamente
Allgemeine Strafrechtslehre, 3" edic;äo, DcGruyter, Berlin, 1955, p. 79. favorecedora de resultados da espec1e ocorrida, isto e, quando ela t1ver
Alguns autores, como RA.DBRUCH, Die Lehre von der adäquaten Ver- genericainente elevado a possibihdade objetiva do resultado de um_ re-
~rsachung, Guttentag Verlagsbuchhandlung, Berlin, 1902, p. 65 / 389 ( o sultado da especie do ocorrido de modo näo irrelevante" (p. 159)~ Esta
hvro aprescnta duas numera,;:öes paralelas), queriam adotar a teoria da referencia a "ar,;6es que aumentam as possibil_idades de produc;ao do
adequa.;;äo unicamente para os crimes qualificados pclo resultado. resultado lesivo" encontra-se jii cm v. KRIES, Uber die Prinzipien .., p.
532.
24
25
r
baram por concordar a respeito do criterio da prognose
entre a<_;äoe resultado; este nexo causal, unicamente, e
p6stuma-objetiva: ser.1 previsfvel tudo aquilo que um
irrelevante para o Direito, porque inadequado. Dai por-
homem prudente, dotado dos conhecimentos medios
que a doutrina moderna recusa ad,equa<_;äoenq~anto
adicionados aos conhecimentos especiais de que O autor
teoria da causalidade, para cons1dera-la uma teona da
porventura disponha, no momento da pratica da ac;äo
imputa<;äo 40 . _ ,
(isto e,ex ante) entenda como taJ38 . Logo, para quese
A importdncia da teoria da adequai_;ao, contud?, est_a
examine se uma ac;äo (por ex., mandar o tio a uma
em dois fatores: primeiramente, ela da provas da msufi-
viagem de aviäo) e ou näo causa adequada do resultado
ciencia de um tratamento exclusivamente causal-natura-
(morte em atentado terrorista}, basta quese pergunte se
listico da realizai_;äo do tipo. Corno vimos, o principal
um_ homem prudente, colocado na posii;äo do autor, impulsionador da teoria da adequai_;äo foi resolver, de
tena a possibilidade de prever o resultado. E claro que,
modo politico-criminalmente satisfat6rio, a problemati-
neste exemplo do atentado terrorista, inexistirä causali-
ca dos crimes qualificados pelo resultado, que näo alcan-
dade, por inexistencia de previsibilidade. Contudo, se o
<_;avaresposta defensavel da parte daqueles que enten-
autor soubesse do atentado, o jufzo de previsibilidade
diam estar o tipo preenchido unicamente com a causa-
objetiva deveria ser formulado partindo-se tambem des-
<_;äo- no sentido da teoria da equivalencia - de um
tes conhecimentos especiais. A resposta, portanto, seria
resultado. Ern segundo lugar, ao excluir do campo do
outra; o autor aqui teria causado o resultado.
penalmente relevante tudo que seja imprevisivel, ist? e,
Mas, ao procurar um conceito jurfdico de causalida-
tudo que se produza por acaso, ela näo deixa de reabzar
de, acaba a teoria da adequa<_;äopor exceder-se em sua
uma importante tarefa a qua! näo pode furtar-se nenhu-
oposi<;äo ao naturalismo. Corno ja ressaltara HONIGJ9
ma teoria da imputa<_;äo. Mesmo LARENZ e HONIG,
ela näo distingue com clareza o problema ontol6gico, d~
em que pese a diversidade dos pontos de ~arti~a e ~a
:a,usalidade, do problema axiol6gico, de imputa<_;äo. O
terminologia, no campe pratico näo consegmra1:1 lf }Tllil-
JUizo de previsibilidade, apesar de aparentemente um
to alem das conseqüencias da teoria da adequas;ao. E por
jufzo de fato, uma verifica<_;äo,e uma valora<_;äo:trata-se
isso, tambem, que a maior parte das autores reser~ou 3
da previsibilidade segundo o homem prudente. Negar a
teoria da adequai;äo um lugar entre os diverses topoi que
causalidade neste exemplo do atentado terrorista e ir
compöem a imputa<_;äoobjetiva 41 • Afinal, a ideia de que
longe demais, uma vez que aqui bem existe nexo causal

40. Por ex., ROXIN, Funcionalismo... , § 11/38; MAURACH_/ ZIPF,


Strafrecht, Allgemeiner Teil, vol. I, 8" edü;äo, C. F. Müller, Heidelberg,
38. Cf. os atuais defensore5 da teoria da adequar;äo, BOCKELMANN /
1992, § 18/35.
VOLK, Strafrecht ... , p. 66; STRATENWERTH, Strafrecht ... , § 8/22;
41 ROXIN, Funcionalismo... , § 1l/50; cf., tb., o e5tudo de TRIFFTE-
defendendo-a, entre n65, COSTA JR., Nexo causal, 2" edi<;äo, Malhei-
RER, Die "objektive Voraussehrbarkeit" (des Erfolgs und des ~a~alver·
ro5, Säo Paula, 1996, p. 106; REALE JR., Teoria do delito, RT, Säo
Paulo, 1998, p. 180. !aufs) - unverzichtbares Element im Begriff der Fahrlässigkeit oder
39. HONIG, Kausalität .., p. 177 e 55. allgemeines Verbrechenselement aller Erfolgsdelikte?, e~: Art. Kaufmann
etc. (eds.), Festschrift fair Paul Bockelmann, Beck, Munchen, 1979, P·
26
27

-
o autor tem de criar um risco, um risco näo juridicamen- [entes näo irnplica ern sua equivalencia juridica" (p.
t~ irrel~van_te, c o criterio da prognose p6stuma objetiva, 122). Causa tipica e a condi~äo relevante do rcsultado.
sao aphca~oes claras da teoria da adequa~äo. Ern que consiste, porem, este juizo de relevtincia?
Primeiramente, ele engloba dentro de si o juizo de ade-
b] A teoria da relevimcia
quar;ao (p. 123). Sera irrelevante tudo aquilo que for
imprevisivel para o homem prudente, situado no mo-
A teoria da adequa~fo, como vimos, encontra-se ern rnento da prätica da ac;äo. S6 o objetivamente previsfvel
um dilema: sua fecundidade prätica, de um lado, con- e causa relevante de um resultado (p. 124). Contudo,
fronta-se com sua insustentabilidade te6rica, de outro. E MEZGER vai um pouco alem da teoria da adequac;äo, ao
MEZGER quem aponta o caminho para a solu~äo deste trabalhar, simultaneamente, com um segundo critefio: a
dilema, conseguindo uma formula~äo que chega aos rc- interpretar;iioteleol6gicadas tipos43 . Aqui, näo e possfvel
sultados desejäveis da teoria da adequa~äo, mas com enumerar nada de genefico: sera o telos especffico de
outros fundamentos te6ricos. cada tipo da parte especial que dirä o que näo pode mais
Para MEZGER, a teoria da equivalencia e a Unica ser considerado relevante. Por ex., no famoso caso da
teoria correta para a causalidade 42. Causa serä mesmo inundac;äo 44 - o autor joga um balde de agua nas torren-
toda condi<;;äo do resultado. Contudo, ao decfdir-se s~ tes que acabam de estourar a represa e avam;:am sobre a
um determinado fator e ou näo causa, näo se estä dizen- cidade - o autor, certarnente, teria causado o resultado
do ainda nada a respeito de sua releväncia para o Direito: em sua forma concreta (a inundac;äo com exatamente X
o problema da teoria da equivalencia e "igualar, errada- litros de ägua), eo teria feito de modo objetivamente
mente, nexo causal e nexo de responsabilidade" (p.
116). 0 que os tipos entendem por causa vai alem do
43 No citado Lehrbuch, MEZGER foz referencia a este critefio, mas
sentido que a teoria da equivalencia atribui a esta pala- parece que ele em nada difcre da adcqum;äo (p. 123). J:i em MEZGE_R,
vra. Para o Direito Penal, s6 serä tfpica a causa~äo quese Modeme Wege der Strafrechtsdogmatik, Dunck<:r & Humblot, Berlin,
puder dizer relevante (p. 122). "O foto de todas as ]950, p. 15, faz o autor qucstäo de ressaltar que a teoria da releväncia
etapas de uma cadeia causal serem causalmente equiva- näo e s6 "uma teoria da adequai;äo com outro nome"; pois esta despreza
o ponto de vista decisivo para o Direito, "os tipos penais" (da mesma
forma, MEZGER-BLEI, Strafrecht l, Allgemeiner Teil, 15° edii;äo, Beck~
München, 1973, p. 78). E BLEI, Strafrecht l, Allgemeiner Teil, 18
20 l c ss., que tenta demonstrar em que medida a previsibilidade objctiva edii;iio, Beck, München, 1983, p. 104, (a ültima edii;;äo do hvr'.l de
(ou se;a, a adequai;;äo, p. 213) e elementar do t1po objctivo dos crimes MEZGERJ, scquer se rcfere a idE:ia da adequai;äo ao exp?r a teona da
doiosos c culposos. Um dos poucos criticos ferrenhos e JAKOBS Stra- relcväncia (p. 104), sublinhando com clarez.a o cadtcr fom1al de sua
frec~t -Allgemeiner Teil, Die Grundlagen und die Zurechnungslehre, 2" tcoria, que näo apresenta critfrios gcnfaicos. A relev:1.nci~de uma ~aus:-
ed1i;;ao,DeGruyter, Berlin/New York, 1991, § 7/33 e ss. i;;äos6 poded ser analisada "atraves da interpr~tai;äo do ttpo cspenfJCo .
42. MEZGER, Strafrecht, Ein Lehrbuch, 3" edii;;äo, Duncker & Hum- 44. O cxcmplo parcce remontar a v. BURJ, Uber Causalität und deren
b!ot, _Berlin & Mü~chen, 1949, p. 109, P- 122. Os nUmcros de p.igina Verantwortung, Leipzig, L Gebhar<lts Verlag, 1873, p. 69, que, contudo,
refendos entre parenteses no presente apartado pertencem a este livro. nega a causalidadc.

28 29
previsfvel. Contudo, jogar um balde de ägua numa inun- lho de 1939 1 em que pela primeira vez cunhou o concei-
dac;:äonäo se pode considerar relevante em face do tipo to de adequar;;äo social, dizia jamais serem tipicas aquelas
de inundac;:äo. ar;;öesque, apesar de formalmente subsumfveis aos tipos,
A grande importdncia da teoria de MEZGER estä "permanec;:am funcionalmente integradas a organizac;:äo
primeiramente, em ter, como antes ja fizera HONIG, da vida comunit3ria de um povo em determinado mo-
separado o pr?blema o~tol6gico (causalidade) do pro~ rnento hist6rico" 47 . 0 sobrinho que manda o tio a florcs-
blema ~ormat1vo (relevancia). A teoria da adequac;:äo, ta esperando que ele seja atingido por um raio - o que
como v1mos, confundia estas duas etapas do pensamen- vem realmente a ocorrer - move-se dentro dos limites
to, o que, l~vava a atri!os te6ricos. Ern segundo lugar, ao do socialmente adequado, de modo que sua ac;:äo,mes-
recorrer a mterpretac;:ao dos tipos, a teoria da releväncia mo qu.e causadora do resultado, näo e tfpica 48 . Tampou-
abre ~s .portas p~ra qu~ se introduzam considerac;:öes co os pr(;:sentes de Natal comumente dados a funcionä-
teleolog1cas tambem ma1s gerais, como a ideia de fins do rios p6.bHcas preenchem o tipo da corrupc;:äo; as priva-
Direito Penal e fins da pena, com base na qua! ROXIN p5es.de lib.erdade a que todos se submetem dentro de
e sua escola acabaräo erigindo a moderna teoria da im- um transporte pUblico, que s6 pära em determinados
putac;:äoobjetiva. A falha de MEZGER foi consid.erar tais pontos 1 näo podem, igualmente, ser consideradas um
pontos de vista interpretatives um problema exdusiva- seqüestrn 49 .
A fundamentardo que da WELZEL a sua teoria da
me~te de p~rte especial, deixando de desenvo!ver O que
havia de umversalmente valido em sua concepc;:äo4S. adeq1.1-as;-äo
social guarda bastante proximidade - mas
näo identidade - com a que se costuma dar a idtia de
c) A teoria da adeqUafii.o social risco pennitido 50 • WELZEL introduz o conceito de ade-

Outra formulac;:äo te6rica que pode ser apontada 47, WELZEL, Studien wm System des Str~frechts, em: Abhandlungen
~o.::io precursora da teoria da imputai_;äo objetiva e a tum Strafrecht und zur Rechtsphilosophie, DeGruyter, Berlin / New
1deia de adequac;:äosocial 46 . WELZEL, no dassico traba- York, 1'975, p. l 20e ss., p. 141 (origina!mente: ZStW 58 (1939), p. 491
e ss.). Sabre este trabalho, e expondo o h!st6rico da teoria da adequai;äo
soc:ial, cf. MÖRDER, Die soziale Adiiql(Llnz im Strafrecht, Diss. Saar-
brücken, 1960, p. 5 e ss.; BERNERT, Zur Lehre von der "sozialenAdae-
45. Neste sentido, por ex., JESCHECK / WEIGEND Lehrbuch q1.1anz1'und' den "sm:ialadaequaten Handl.mge.n", N. G. E!vert Verlag,
286; ROXIN, Funcionalismo ... , § 11/38. ' ... , p.
Marburg, 1966, p. 5 e ss. (que a recus.i.). P'ara.a Ultima manifestar;äo de
4~. Sobr_ea teoria da adequai;äo ~ocial enquanto precursora da imputa- WELZEL,vide Das deutsche Strafrec;ht, 11"edir;äo, DeGruyter, Berlin,
i;ao obJehva, cf. CANC!O MELIA, Finale Handlungslehre und obj<1ktive 1969, p. 56.
~ur~chnung. Dogmengeschichtliche Betrachtung zur Lehre von der Sozia- 4S. 0 exerop!o encontra-se j:l em Studien ... , p. 142.
19däquanz, em: G~ 1995, ..P· 179 e ss. (_versäoespanhola em: ADPCP 49. Ambos em WELZEL, Das deutsche Strafrecht ... , p. 56. Uma !ista-
93, p. 697 e ss.), SCHUNEMANN, Uber die objektive Zurechnung gem das exernplos encontrados na doutrina ern gern! encontra-se em
em: _GA 1999, p. 207 e ss, (p.211 - h:l tradui;äo para o eSpanho!, d~ HIRSCH, Sozi..:leAdäquanz und Unrechtslehre,.ern: ZStW 74 (1962),
Manana Koster, em: Teorias actuales en el Derecho Penal Ad H p, 78 e ss., (p, 87 e ss.), quc logo ap6s passa a critiui-los, um a um.
Buenos Aires, 1998, p. 219 e ss.). ' oc,
50. A respeito, vi-deadiantc, IV, 3, a.

30 Jl
r

quar;:äo social ap6s uma crftica ao dogma causal, a idtia mentares dos tipos dcvem ser concretizadas de tal ma-
da lesäo ao bemjurfdico e a absolutizar;:äo do desvalor do neira que näo abranjam fatos socialrnente a.dequados.
resultado 51 • "A teoria da lesäo ao bem jurfdico.. nada Ern que sentido, porem, se pode cons,derar a ade-
mais e que o correlato do dogma causal no ämbito da qua<;äo social um precursor da imputas;äo objetiva? Pri-
antijuridicidade"-' 2 . Mas tal teoria descansa sobre um meiramente, a fundamenta<;äo acima exposta, dada por
erro fundamental: isolar o bem jur(dico da realidade WELZEL a adequa<;ä.o social, e bastante pr6xima da
social, afast.1-lo da vida, e posicion.1-lo num mundo est.1- dada ao risco permitido 56 . Esta se baseia na ideia de que
tico, de modo an3.logo 8.s "per;:as de um museu, que säo 0 Direito Penal näo pode proteger bens jurfdicos contra
cuidadosamente protegidas de influencias lesivas em vi- todos perigos imaginäveis, do conträrio a vida soc~al c.on-
trines, s6 expostas aos olhares das espectadores" 53 . Con- gelaria, e os interesses do direito a liberdade '.teanam
tudo o bem jurfdico s6 existe na realidade social, na tolhidos. WELZEL s6 vai um pouco alem, ao dtspensar
medida em que ele est:'i "em funr;:äo": "vida, integridade por completo a idE'ia da prote<;äo de bens jurldicos co~o
ffsica, propriedade etc. näo possuem uma simples exis- firn do Direito Penal. Ern segundo lugar, a adequa<;ao
tencia, mas seu existir e estar-em-furn;;:äo" 54. Assim social foi construida para solucionar problemas ( como o
aquelas a<;6esque, apesar de causais para a destruü;äo de caso do sobrinho) que, em parte, hoje säo resolvidos _no
um bem jurfdico, realizem a verdadeira voca<;äo deste, a ämbito da imputa<;äo. A rejei<;äo que sofreu na doutnna
sua furn;;:äona vida social, näo poderäo ser consideradas
dominante tem como um das principais motivos o fato
tipicas. Estas a<;6es consideram-se socialmente adequa-
das. de que a imputa<;äo objetiva se most~a apta a resol-
ver estes problemas do que a imprec1sa 1~e1ad~ adequa-
Por sua imprecisäo, a teoria da adequa<;äo social e
<_;äo
social57 • Ern terceiro lugar, a adequa<;_aosocial, ~~mo
predominantemente recusada pela doutrina. Hoje, ela
parece reduzida a um critiirio de interpretafäo 55 : as ele- 0 risco juridicamente irrelevante ou o nsco ~er1;1~t1~0,
representa um ponto de vista objetivo, em pnnc1p10 m-
51. WELZEL, Studien .., p. I33 e ss.
52. WELZEL, Studien .., p. 135. XIN (cf. a nota imediatamente adiante), o rece.nte estudo de ~SE~,
53. WELZEL, Studien .., p. 140. 'Sozialadtiquam': eine überflüssige oder unverzichtbare Rec~tsfigur.,
54. WELZEL, Studien ... , p. 140. em: Schünemann etc., Festschrift für Roxin, DeGruyter, Berlin/ !'Jew
55. Assim, especialmente ROXIN, Bemerkungen zur sozialenAdäquanz York, 2001, p. I 99, (p. 211). Na doutrina ~spanhola, por ex., MUNOZ
im Strafrecht, em: Kohlmann (ed.), Festschrift für Ulrich Klug, vol. I, CONDE, em: MUNOZ CONDE/GARCIA ARAN, Derecho penal -
Peter Deubner Verlag, Köln, 1983, p. 303 e ss., p. 310; e tambem o Parte General, 3a edio;äo,Tirant Lo Blanch, Valencia, 1998, P· 286.
pr6prio WELZEL, Das deutsche Strafrecht ... , p. 58. JESCHECK/ WEI- 56. Sobre esta fundamenta<;äo, a seguir, IV, 3, a. . .
GEND, Lehrbuch ... , pp. 252/253, consideram a idf'ia da adequa<;äo 57. Por ex., ROXIN, Bemerkungen ... , p. 3J_0e ss., estudo em que diVJd~
social, por um lado, "indispens.ivel", mas em virtude de sua imprecisii.o os casos solucionados pela adequa<;äo social em dois grandes grupos.
preferem utilizä-lo somente quando näo houver outro instrumento dog- aque\es a serem resolvidos no 3mbito da ~mputa<;äo~bjetiva e, a~ueles a
m.itico a disposü;äo (p. 253). Defendendo-a, contudo, e dando-lhe a serem excluidos dos tipos por meio da mterpreta,;ao teleolog1Ca e do
fun,;äo de excludente de tipicidade no segundo grupo de casos de RO- prindpio da insignificäncia.

32 33
dependente da psique do autor, a limitar o alcance <los teoria social da ac;:äo,Eberhard SCHMIDT, que a con-
tipos. As relac;:6esentre inadequac;:äosocial e risco juridi- ceitua como "comportamento dotado de sentido so-
camente desaprovado säo, assim, 6bvias58 . Por isso, va- cial"65,a primeira vista pouco se assemelham ils da mo-
rios autores praticamente confundem os dois critE'rios, derna teoria da imputac;:äoobjetiva. Mas as clässicas for-
ou consideram um elemento do outro. Par ex., v\TELZEL mula,6es de ENGISCH e MAIHOFER, por outro lado,
considerava o risco permitido um "caso especffico" de p6em as claras uma relac;:äoque e, na verdade, das mais
adequac;:äosocial59;KRAUß entende identicos a adequa- fntimas. 0 primeiro conceitua a<;äocomo "a causa<;äo
c;:äosocial e a observäncia do cuidado objetivo, no delito voluntäria de conseqü@nciasobjetivamente dirigfveis por
culposo 60 (que, por sua vez, nada mais e do que o risco uma pessoa" 66, o segundo como "todo comportamento
juridicamente desaprovado); ROEDER sequer fala em objetivamente dominävel, dirigido a um resultado social
risco näo permitido, mas em "risco socialmente inade- objetivamente previsfvel" 67. 0 que fazem ambos os au-
quado"61; e para JAKOBS, todo o primeiro nfvel da im- tores e inserir o juizo de adequa<;äo que, como vimos,
putac;:äoobjetiva (a criac;:äodo risco juridicamente desa- e precursor e parte integrante da moderna teoria .da
provado) nada mais contem do que "explicac;:6esda ade- imputai;äo objetiva - dentro de seu conceito de a<;ä.0 68 .

quac;:äosocial" 62. S6 integraräo a a<;äohumana aquelas conseqü@ncias ob-


jetivamente previsiveis, o que e bastante pr6ximo do
d) A teoria social da afiio conceito de ac;:äode LARENZ, anteriormente exposto.
Com isso, chega-se a um conceito de ac;:äoeminente-
Atualmente, os defensores desta teoria costumam
definir ac;:äocomo o "comportamento humano social- 65. Eb. SCHMIDT, Der Arzt im Strafrecht, Theodor Weicher Verlag,
mente relevante" 63, "comportamento socialmente rele- Leipzig, 1939, p. 75.
vante, dominado ou domin3.vel pela vontade humana" 64 . 66. ENGISCH, Der finale Handlungsbegriff, em: Festschrift für Eduard
Estas formulac;:öes,bastante pr6ximas das do criador da Kohlrausch, DeGruyter, Berlin, 1944, p. 141 e ss., (p. 164). 0 autor
utiliza a mesma terminologia cunhada por HONIG, (cf. anteriormente,
nota 29), sem contudo fazer-lhe referencia. Vi.de, ademais, EN~ISCH,
Vom Weltbild des Juristen, 2" edi,;äo, Carl Wmter Verlag, Heidelberg,
58. A respeito, especificamente, PRITTW!TZ, Strafrecht und Risiko,
1965, p. 38: "Para o jurista, a,;äo significa a causa,;äo voluntäria de
Vittorio Klostermann, Frankfurt a. M., 1993, p. 291 e ss.
59. WELZEL, Studien ... , p. 143. conseqüencias calculaveis e socialmente relevantes".
67. MAIHOFER, Der soziale Handlungsbegriff, em: Bockelmann/ Gai-
60. KRAUß, Erfolgsunwert und Handlunsunwert im Unrecht, em:
ZStW 76 (1964), p. J9 e ss., (p. 47). las (ed5.), Festschrift für Eb. Schmidt, Yandenhoeck & Ruprecht, G~t-
tingen, 1961, p. 156 e ss., (p. 178). Confira-se, igualmente, a formula,;ao
61 ROEDER, Die Einhaltung des sozialadäquaten Risikos, Duncker &
Humblot, Berlin, 1969, p. 28 e ss. anterior, em MAIHOFER, Der Handlungsbegriff im Verbrechenssytem,
62. JAKOBS, Strafrecht ... ,§ 7/4b. Mohr-Siebeck, Tübingen, 1953, p. 72: "'A,;äo' eo comportamento hu-
63. JESCHECK/ WEIGEND, Lehrbuch ... , p. 223. mane, dirigido a causat;aü de lesöes a bens juridico-penalmente protegi-
64. WESSELS / BEULKE, Strafrecht, Al/gemeiner Teil, 30' edi,;äo, C. dos".
F. Müller, Heidelberg, 2000, nUmero de margem 93. 68. Assim, expressamente, ENG!SCH, Der finale .. , p. 161. Sobre a
teoria da adequa<;äo, cf anteriormente, III, 3, a.
34
35
mente jurfdico, normativo 69 , o que faz da teoria social da uma ac;:äode matar 73 . Assim, casos que hoje se resolvern
ac;:äo"na verdade näo uma 'teoria da a,;;äo' (. ..), mas antes 00
plano do risco juridicamente irrelevante (como o_d~s
de tudo uma teoria da injusto ( ... ) uma teoria geral da pais do assassino, que, segundo a f6rmula d_acondicti_o
imputa,;;äo "70 . sine qua non, causariam o resultado) ou do nsco ~enm-
Os atuais defensores da teoria social da a,;;äo, como tido (interven(_,":6escirürgicas conforme_s a Lexart1.~quc,
WESSELS e JESCHECK, por acolherem a teoria da ainda assirn, näo lograssem salvar a v1da do paCJente)
imputac;:äo objetiva, reduzem afunfdo prdtica da concei- eram solucionados pela teoria social da a(_,":äo. Näo h.i
to de ac;:äoa uma dimensäo meramente negativa: excluir dllvida, contudo, que o critefio da releväncia social e
as näo-as;:öes de qualquer valoras;:äopelo Direito PenaF 1 . sobremaneira impreciso, de modo que a moderna teoria
Antes, porem, de estar desenvolvida a moderna teoria da da imputa(_,":äoobjetiva se mostra em todos os aspectos
imputa,;;äo objetiva, era no plano do conceito de a,;;äo superior as formula,;;6es da teoria social. Isso näo retira
que se tentavam resolver inllmeros casos que hoje säo dela, porE'm, o mefito de ser uma precursora da atual
considerados problemas de imputa,;;äo. Eb. SCHMIDT, irnputa,;;äo objetiva, por ter se ocupado dos mesmos pro-
por ex., diz que os pais do assassino, apesar de causarem blemas e trabalhado com constru,;;öes te6ricas bastante
a morte da vftima no sentido da teoria da equivalencia, pr6ximas.
näo cometeram homicfdio, uma vez que o sentido social
do ato da conceps;:-äoe completamente diverso do que e) A teoriafinalista da aräo
possui o ato de matar 72 . Tarnpouco as intervenc;:öes cirllr-
gicas segundo a Lex artis - mesmo quando causadoras O leitor talvez estranhe que eu arrole a teoria finalis-
da morte do paciente - possuem a conotac;:äo social de ta da a,;;ä.oentre os precursores da imputas;:äo objetiva,
uma vez que e conhecida a inimizade mortal que se
votam reciprocamente arnbas as teorias 74 • De fato, os
69. Isto e apontado por ENGJSCH, Der finale ... , p. 166. fundamentos bäsicos de ambas as teorias säo simples-
70 MAIHOFER, Zur Systematik der Fahrlässigkeit, em: ZStW 70
rnente opostos. Primeiramente, uma pöe a enfase no sub-
(1958), p. 160 ss., (p. 187). CritICando a teoria social justamente por ser
uma teoria da imputa,;äo, WELZEL, Das neue Bild des Strafrechtssys- jetivo enquanto a outra, no objetivo. Para o finalismo, o
tems, 4' edit;iio, Otto Schwarz Verlag, Göttingen, 1961, p. 12 e ss. (hii subje~ivo e o fundamental. A a,;;äo e o "exercfcio da
tradu,;äo brasileira d~ tradw;äo espanho!a, de Luis Rtgis Prado, RT, Säo
Paula, 2001). LUZON, Curso de deredio penal, Parte General, vol. !,
Editorial Universitas, Madrid, 1996, p. 377, vai a ponto de considerar 73 Eb. SCHMIDT, Soziale . ., p. 346 e ss. Na verdade, o autor rcsolve
que, nas decadas de 50-60, a imputa,;iio objetiva discutia-se sob o r6tulo 0
caso atraves de uma complicada e näo nmito convincente constru.;;äo
do conceito social de a<;:iio. de um delito omissivo (p. 347).
71. WESSELS / BEULKE, Strafrecht ... , nUmero de margem 95 e ss.; 74. A respeito da controversia, vidc a seguir, !V, 4. lsso sem mencionar
JESCHECK / WEIGEND, Lehrbuch ... , p. 224. que acima, III, 2, a, jii apontei para a mteressantc rela,;äo de parentesco
72. Eb. SCHMIDT, Soziale Handlungs/ehre, em· Bockclmann etc. existente entre as duas teorias, e em 111,3, c, mostre1 de que a maneira
(eds.), Festschrift fiir Engisch, Vittorio Klostermann, Frankfurt a. M., a cria,;iio finalista da adequa,;äo social tamhtm podia ser vista corno uma
1969, p. 339 e ss., (p 343). antecC"ssora da 1mputa,;iio.

37
36
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Direito tem autonornia para valorä-la de acordo com
atividade finalista" 73, o controle dos curs0s causais atra- . . 7g
seus obJet1vos . . . _
ves da finalidade. Ja para a imputai;äo obj,etiva, o subje- Contudo, o finalismo deu algumas contnbu1;oe_s que
tivo, a finalidade, s6 importa na medida em que integre ser consideradas essenciais para que surg1sse a
0 dem
uma ai_;äoobjetivamente perigosa. Ern segundo lugar, ha P
moderna teoria da imputa;ao ob·A··dt jet~va, pnme1ra e as
incompatibilidades metodol6gicas. 0 finalismo parte de foi entender o ilkito como contranedade a ~ma norm~
premissas ontologistas, quer conhecer o "ser" da realida- de determinat:äo; a segunda, a ela correlac1onada 1 fo1
de, para s6 depois valora-la. Basta conhecer o ser da sublinhar a presern;a de um desvalor d_a a;ä? corno a
realidade, a sua l6gica interna (a chamada "estrutura pe<;a-chave de todos os ilkitos;_ a terceira fo1 ~onse-
l6gico-real "), e jil se estani no caminho certo para valo- qüente valorizai:_;äoda perspect1va ex ante no JUIZO de
ra-Ia corretamente 76 • 0 que e uma a~äo proibida depen- ilicitude.
dera, assim, do ser, da essencia da a~äo enquanto exer- A doutrina anterior ao finalismo ignorava, fundamen-
cfcio da atividade finalista, isto e, de um conceito pre-ju- talmente, estes tres aspectos. Assim e que, para M~~-
rfdico. E ela que nos obriga a entender a finalidade, o GER, o injusto esgotava-se no desval?r resultado. 0
dolo, como integrante do tipo 77. Ja a imputa;äo objetiva, injusto e ( ...) a altera;äo de um estado ~ur~d:camente apro-
dedaradamente ou näo, parte de premissas normativis- vado, ou seja, causai:_;äo de um estado JUrtd1camente desa-
tas: a realidade näo pode resolver problernas jurfdicos. 0 provado, e nao a altera;äo juridicamente desaprov~da de
que e urna a;äo proibida näo pode ser respondido atraves um estado"79_A perspectiva atraves da qual se ven~ca .a
de um conceito pre-jurldico, ontol6gico, de a;äo, pois o ilicitude e exclusivamente ex post: s6 depois da ocorrencia
do fato pode-se saber o que ele causou, em que medida ele
modificou estados, situa;öes juridicamente aprovadas. A
75. WELZEL, Das deutsche ... , p. 33. norma violada pelo autor e exdusivamente uma norma de
76. Sobre o metodo finalista e a utilizai;äo das "estruturas l6gico-reais", valorai;äo, isto e, ela näo proibe au ordena condutas, mas se
ern detalhe, minha lntrodufäo ..., p. 127 e ss., com referencias. Cito aqui limita a valorar resultados 80 •
unicarnente um trecho de WELZEL que tarnbern ali referi, por sua O finalismo, especialmente gra;as as in~estigar;öes
especial dareza: a teoria finalista da a~äo " ... parte do axioma de que a
rnateria e a regulamenta~äo jurfdicas näo estäo, ou pe!o menos näo
de Armin KAUFMANN, a respeito da teona das nor-
cornpletamente, subordinadas ao poder de disposii;äo do legislador, rnas
de que ele se encontra, isso sim, vinculado a determinadas estruturas 78. Para uma comparai;äo detalhada entre o metodo finali~ta eo funcio-
16gico-reais, que ern certa medida ]he apontam qua! e a regulai;äo corre- nalista de constru~äo de conceitos, cf. GRECO, lntrodur;ao... , p. 133 e
ta, de modo que quando ele as perca de vista, näo atingidi seu objetivo:
construini muito mais uma regulai;äo inadequada, contradit6ria e lacu- ;sg_MEZGER, Die subjektiven Unrechtsel.emente, em: Gerichtssaal 89
nosa. Essas estruturas ]6gico-reais säo o objeto etemo da ciencia juridica, (1924), p. 207 e ss., (pp. 245-256). _
que tambem preexistem ao !egis!ador." (WELZEL, Aktuelle Strafrechts- 80. MEZGER, Die subjektiven ... , p. 245; Lehrbuch ..,., P: 164, NA-
probleme im Rahmen der finalen Handlungslehre, C. F. Müller, Karlsru- GLER Der heutige Stand der Lehre von der Rechtswidngkeit, em: Fest-
he, 1953, p. 4.) schrif//ür Binding, vol. II, Wilhelm Engelmann Verlag, Leipzig, 1911, P-
77. NIESE, Finalitdt, Vorsatz und Fahrlassigkeit, Mohr-Siebeck, Tü- 273 e ss., (p. 283 e ss,, p. 315 e ss.).
bingen, 1951, p. l 2; WELZEL, Strafrecht..., p. 61.
39
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r
mas, coloca este sistema de ponta-cabci;;:a~1• 0 Direito, mento em determinado sentido, näo pode esperar que a
afinal, ao declarar punfvel uma ac;äo, deseja que os cida- duta tenha sido praticada e causado resultatlos para
con d.
däos deixem de praticä-la. As normas, assim, näo podem formular O jufzo de ilicitude. 0 Direito tem que .,zer ao
ser entendidas como meras normas de valora<;äo, a inci- destinatärio quando sua a~äo e proibida no exato ,.nsta~-
direm ap6s a realizac;äo da conduta, de uma perspectiva te em que ele come<;arä a realizar a conduta, 1sto e,
·
ex post: elas tem de ser entendidas como verdadeiros adotando uma perspect1va ex an te85 . . , . ,
imperativos, normas de determinaf!io, a conterem or- Um problema desta bela constru<;äo s1stemat1ca esta
dens, proibii;;:öes ou comandos 82 . 0 objeto da proibi<;äo, em sua tendencia de absolutizar o subjetivo, o desvalor
obviamente, e a a<;äo. "S6 o atuar finalista pode ser subjetivo da a<;äo, em detrimento tanto da perigosidade
exigido ou proibido pelo Direito; näo teria sentido proi- desta a<,;,fo(o seu desvalor objetiv?], como do resu)tado
bir causai;;:öes"83 . Assim, antes do desvalor do resultado, de Jesäo (o desvalor do resultado )- . Mas em suas lmhas
passa a importar o desvalor da arao,que, para o finalis- mestras, ela influenciou de modo decisivo os defensores
mo, se esgota na finalidade dirigida a destruii;;:äo do bern
juddico 84 . E, como o Direito deseja influenciar o desti- 85. O finalista STRUENSEE, Objektive Zurechnung und Fahrlässigkeit,
natärio da norma, como ele deseja guiar-lhe o comporta- em: GA] 987, p. 97 e ss. (p. 99), cons1dera a perspecti\'a exanre_ad~tada
pela imputa<;ao objetiva uma "manifestai,:a? imperfeita de um finahs.m_o
ainda näo consciente de si pr6prio, um sinonimo, ou melhor, pseudom-
81 Cf. Annin KAUFMANN, Lebendiges und Toles in Bindings Nor- mo da finalidade como o objeto da valora1:äo"
mentheorie, Verlag Otto Schwarz, Güttingen, 1954, p. 102 e ss.; o 86. Assim, principalmente, a escola de Annin KAUFMANN, que b.a~e
mesmo, Zum Stande der Lehre vom personalen Unrecht, em: Straten- o resultado do conceito do injusto, relegando-o 3 posic;äo de condi,;:ao
wcrth etc. (eds.J, Festschrift für Hans Welzel, DeGruyter, Berlin / New objetiva de punibdidade: Annin KAUFMANN, Zum Stande ... , P· 40~ e
York, 1974, p. 393 c ss., o mesmo, Die Dogmatik der Unterlassungsde- ss.; ZIELINSKI, Handlungs- und Erfolgsunwert im L;nrechtsbeg~iff,
likte, 2" edis;äo, Verlag Otto Schwartz, Göttingen, 1988, p. 3; cf., igual- Duncker & Humblot, Berlin, 1973, p. 143: "O injusto c o ato finahsta
rncntc, WELZEL, Das deutsche. , p. 37 e ss., p. 48 e ss.; SCHÖNE, contdrio ao clever - e nada mais do quc elc"; HORN, Konkrete Gefähr-
Fahrlässigkeit, Tatbestand und Strafgesetz, ern: Hirsch etc. (eds.), Ge- dungsdelikte, Verlag Otto Schmidt, Köln, 1973, p. 78 e ss.; SUAREZ
dächtnisschrift fur Hilde Kaufmann, DeGruyter, Berlin / New York, MONTES Weiterentwicklung der finalen Handlungs/ehre7, cm: Fest·
1

1986, p. 649 e ;5_ (p. 650 e ss.). Sobre a concepi,:äo de Armin KAUF- schrift für Welzel ... , p. 379 e ss.; SCHÖNE, Fa~;lässigkeit ... , P:654;
MANN, especialmente, HOYER, Strafrechtsdogmatik nach Armin SANC!NETTI Teoria de!.delito y disvalorde accwn, Hammurabi, Bue-
Kaufmann. Lebendiges und Totes in Annin Kaufmanns Nonnentheorie, nos Aires, 199{, p. 43 c ss. Vide, ademais, SCHAFFSTE!N, Handlungs-
Duncker & Humblot, Berlin, 1992, p. l 5 e ss. unwert, Erfolgsunwert und Rechtfertigung bei den Fahr/ässigkeitsdelik-
Esta concep1:iio imperativista näo foi, obviamente, criada pelo finalismo, ten em: Festschrift für Welzel .. , p. 557 e ss. ZAFFARONJ, Panorama. ·,
mas, na Alernanha, ela se dcve a THON, Rechtsnonn und subjektives p. ] 93, diz ter essa orienta,;:äo abandonado as estruturas l6gico-reais de
Recht, Hermann Böhlau Verlag, Weimar, 1878, pp. l-2. Welzel, com O que olvida que elas foram um tema consta~te na obra de
82. Cf. a nota anterior. Annin KAUFMANN, desde a sua teo:ia das nonnas (ac~~a, no~a.81),
83 KAUFMANN, Zum Stande, p. 395; cf., tb., WELZEL, Das deuts- ate seus Ultimos trabalhos (como Das Ubernationale und Uberpo5:1t1ve:n
che .. , p. 37. der Strafrechtswissenschaft, em: Jescheck etc. (eds}, Gedächtmsschnft
84. WELZEL, Das deutsche .. , p. 62; KAUFMANN, Zum Stande .. , p. für Zong Uk 1jong, Seibundo Verlag, Tokio, 198:J, P- 100 e ss. (pp.
403. 109-110))

41
40
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da teoria da imputac;:äo objetiva, especialmente a escola e aquela ac;äorealizada sem o cuidado devido, sem aque-
de ROXIN, que se esfon;ou no sentido de uma funda- las precaw;öes que o homem prudente e consciencioso
mentac;:äo com base na teoria das normas. A rigor, a toma a ca'da passo de seu dia. Esta construc;äo te6rica,
moderna imputac;:äo objetiva nada mais e do que a cons- primeiramente formulada por ENG1SCH 89 , encontrou
truc;:äode Armin KAUFMANN e seus alunos, sem suas näo s6 fäcil recepc;äo, como tambem uma fundamenta-
absolutizac;:6es. Os detalhes seräo vistos mais adiante· c;äo, no sistema finalista 90 • Os finalistas, ao afirmarem a
por ora, basta ressaltar que as ide'ias do injusto com~ preponderäncia do desvalor da ac;äo sobre o desvalor do
contrariedade a uma norma de determinac;:äo, a um im- resultado, precisavam encontrar um momento desvalo-
perative, e o correlato reconhecimento de um desvalor rado na ac;äo para servir de objeto do juizo de ilicitude.
da ac;:äobem como da perspectiva ex ante säo geralmente Este momento seria näo a finalidade, mas o modo de
aceitas. Mas näo se esquecem a norma de valorac;:äo,o realizac;äo da ac;äo, o seu desrespeito 3.sexigencias bisi-
desvalor do resultado, a importäncia da complementa- cas de cuidado formuladas pelo dia-a-dia 91 .
c;:äoda perspectiva ex ante com a perspectiva ex post. E Mas a culpa näo se esgota na violac;äo do cuidado
1:1ais_:niio se absolutiza o ponto de vista subjetivo, a devido (desvalor da ac;äo); e preciso a causac;äo do resul-
fmahdade, mas se reconhece a necessidade de ser a ac;äo tado lesivo e um nexo entre a ac;äodescuidadosa e a lesäo
dotada de certa perigosidade, de um perigo objetivo, ( desvalor do resultado). Afinal, imagine-se o caso em
para que legitime a sua proibic;äo. que a ac;äo descuidada sequer piore a situac;äo do bem
Resumindo: o finalismo, ao pOr ä.s claras a func;äo da jurfdico; imagine-se que a pessoa atropelada pelo moto-
norma de determinac;äo, do desvalor da ac;äo e da pers- rista em excesso de velocidade, por ter se jogado diante
pectiva ex ante, forneceu componentes fundamentais do autom6vel, näo tivesse sido salva ainda que o moto-
~ara a constrU{;äo da moderna teoria da imputac;äo obje- rista respeitasse os limites do permitido; nestes casos,
t1va, a qual soube aproveitil-los, sem incorrer nos exage- näo hi por que condenar o autor por homiddio culposo,
ros em que aquele se afundou 87 • uma vez que inexiste o chamado nexo de antijuridicida-

f) A teoria do crime culposo


89. ENGISCH, Untersuchungen über Vorsatz und Fahrlässigkeit im
Strafrecht, Otto Llebmann Verlag, Berlin, 1930, p. 283 e ss.
Näo e nenhuma novidade para n6s que a culpa pres- 90. Estou, porl!rn, abstraindo de outros problernas enfrentados pelo
suponha a violac;äo do cuidado objetivo 88• A ac;äoculposa finalismo ao tentar apreender o delito culposo; o fato e que os finalistas
nunca o conseguiram atraves da categoria ontol6gica da finalidade. .
91. Assim, por e'x.., WELZEL, Das deutsche ... , pp. 129-130; Armm
87. Apontando estes exageros subjetivistas como uma das causas do KAUFMANN, Das fahrlässige Delikt, em: Zeitschrift für Rechtsverglei-
declinio do finalismo, SCHÜNEMANN, Einführung ... , p. 43 e ss. chung 5 (1964), p. 41 e ss., (p. 45); HIRSCH, Der Streit um Handlungs-
88. Cf., por todos, BITENCOURT, Manual. .., p. 224; MAYRINK DA und Unrechtslehre, insbesondere im Spiegel der Zeitschrift für die gesamte
COSTA, Direiw penal. .., p. 737; TAVARES, Direito penal da negligen- Strafrechtwissenschaft (Teil II), em: ZStW 94 1982), p. 239 e ss. {p. 266
cia .., p. 138 ess. e ss.).

42 43
de, nexo normativo, nexo de determinai:;ao (a tennino- Diverses nomes: aquilo que anteriormente se charna-
lagia aqui e tudo, menos uniforme) a vincular a a\äo aa va de viola\äO do cuidado objetivo na seio da imputar;äo
resultado 92 . objetiva ganha o nome de criai:;äo de um risco juridica-
Esta constru\äo da ilicita culpaso - vio!a\äo do mente desaprovado. 0 ncxo de antijuridicidade passa a
cuidado objetivo (desvalor da a\äo) adicionada a causa- chamar-se realiza\äo do risco. Mas, substancialmente,
\äo da lesäo e aa nexa de antijuridicidade (desvalor da trata-se da mesma problem:ltica, com idE'nticos funda-
resultado) - consolidau-se de modo bastante extensa 93 mentos e idCntica solu\äo.
inclusive entre n6s 94. E se a leitor suspeitar de que h.'.i Diverso alcance: porque enquanto a teoria do crime
excessiva semelhan\a entre a teoria do crime culposo e culposo, tal como a conhecemos, tem seu ämbito de
a imputac;äo abjetiva, s6 tenho a dizer que suas suspeitas aplica\äo restrita ao delito culposo, a imputa\äo objetiva
säo mais do que fundadas. Na verdade, e isto a doutrina quer ser aplicada a todos os tipos, culposos e dolosos.
alcrnä majorit.iria ainda custa a reconhecer, a imputac;äo Assim, o maior progresso da imputai:;äo objetiva foi levar
objetiva e seus conceitos b.isicos nada mais säo da quc a os criterios <lo crime culposo para o bojo do doloso 96 ,
teoria da crime culposo - s6 que com diverso nome e
alcance 95 •
ss., (p. 944), para os quais a teoria do crime culposo nada mais e do que
a imputas;äo objetiva; entre n6s, CIRINO, A moderna ... , p. 102, quc
92. Doutrina amplamente dominante; cf., por todos, JESCHECK / considera "nsco pcrmit1do" e "clever cuidado objetivo" um mesmo fen6-
WEIGEND, Lehrbuch, p. 584, com referE'ncias. Entre n6s, ZAFFARO- meno, analisado de pcrspectivas diversas: o pnmeiro, da perspectiva do
NI / PJERANGELJ, Manual..., p. 516, n. 276. ordcnamento juridico, o segundo da do agente. Expondo csta nova dou-
93. ReferE'ncias em JESCHECK / WEJGENO, Lehrbuch, p. 584. E trina, DUTTGE, Zur Bestimmtheit des Handlungsunwerts von Fahrläs-
mais f:kil dizer queIT\ näo segue esta fonnula,;;äo do que quem a segue: sigkeitsdelikten, Mohr-Siebeck, 2001, p. 108 e ss, que, porem, a recusa,
por ex., SCHMIDHAUSER, Fahrl.ässigeTat ohne Sorgfal1spflich1uerlet- em favor de uma nova teoria do crime culposo fnndada na 1d&iade um
zung, cm: Grünwald etc. (eds.), Festschrift für Schaffstein, Verlag Otto "momenlo ocasionador" (Veranlassungsmoment- p. 361 e ss.).
Schwarz, Göttingen, 1975, p. 129 e ss.; SCHROEDER, Leipziger Kom· 96. Note-se a exisfrncia de opiniao minoritiiria, que, apesar de admitir
mentar zum Strafgesetzbuch, J 1a edis;äo, DeGrnyter, Berlin/ New York, a existi:'ncia de mna 1mputai;äo objctiva tanto no delito n1lposo quanto
1994, § 16/127, que reduz a culpa ii "previsibilidade"; com uma cons- no doloso, deseja-,trabalhar com critefios d1sti~.tos, ,~ais rigor~sos, neste
tru,;;äo original, igua!mcnte, BURKHARDT, Tatbestandsmäßiges Ver- scgundo gf"l!pode &lito~: SCHUNEMANN, Uber die ob;ektwe Zurech·
halten und ex·ante Betrachtung- Zugleich ein Beitrag wider die Verwir. mmg, cm: GA 1999, p. 207 e ss. (p. 220); MIR PUIG, Derecho penal,
rung zwischen dem Subjektiven und dem Objektiven", enr Woltcr / Parte General, S" ed1s;äo, Rcpperlor, Barcelona, 1998, § 10/52 c ss.;
Freund (eds.), Straftat, Strafzumessung und Strafprozess im gesamten SJLVA SANCI-IEZ, Aproximaci6n al derecho penal conternpordneo,
Strafrechtssystem, C. F. Müller, Heidelberg, 1996, p. 99 e ss. (p. 114 e Bosch, Barcelona, 1992, p. 388. T rabalhando com cnt&rios distintos, näo
ss.), que expöe e critica as principais posi,;;öes hoje existentes, alem da necessariamente rnms ngorosos, tambCm, K!NDHÄUSER, Er/a11btes
dominante. Risiko und Sorgfaltswidrigkeit. Z11rStruktur strafrechtlicher Fahr/dssig-
94. Vide a nota 88, antcriom1ente. keitshaftung, em: GA 1994, p. 197 c ss. (p. 208), e HRUSCHKA,
95. Neste scntido, por ex., ROXIN, A teoria . ., IV 2; Strafrecht, § Imputation, em: Escr / Fletcher, Rechtferligung und Entsch11ldig1mg,vol.
24/ 1O; e YAMANAKA, Die Entwicklung der japanischen Strafrechtsdog. !, Max Planck Institut, l're1hurg, 1987, p. 121 e ss (p. 126 c ss., 133 e
marik in Lichte des sozialen Wandels, em: ZStW !02 (1990), p. 928 e ,s.), 4ue constrocm o delito doloso como forma de "irnputas;äo ordinii-

44 45
_ d norma100 permanecem
1
mostrando que inexiste dolo sem culpa, que o dolo pres- sob a Otica do firn de prote]~ao a S 6s no Brasil näo
sup6e culpa 97 , que "todos estäo livres para perseguir seus nos limites da delito ~u poso. el nme,ntos isto um
. de tais desenvo v1 ,
objetivos reproväveis, desde que respeitem os limites do dnhamos notf cm , . utad.o objetiva que
. d ue näo era so a imp :.. . h
clever objetivo de cuidado" 98 •
Creio nunca ser demais que se sublinhe a identidade
entre a teoria do crime culposo, essa nossa velha conhe-
smtoma e q
ignoravamos, ~domod~::~~:
sendo constrm o e 1
, uito daquilo que vm a
n:1teoria do delito culposo.
cida, e a moderna teoria da irnputa~äo objetiva. lsto
porque, desta forma, näo teremos motivo para sentir 4. Tentativas frustradas de revitalizar o conceito de
medo ou espanto diante das novas formula;öes, uma vez imputafiio
que elas näo säo täo novas assim. Näo se esta a negar que . - 0 dos precursores
a teoria da imputa<_;:äoobjetiva traga muito de novo; mas Com isso, conclu~mos a :xpo~~c_;:ivaEsta exposi<;äo
v3rios destes topoi que hoje aparecem ca.talogados sob a
rubrica da imputa<;fo objetiva nos capitulos em que os
da mod~rna.teoria da irnfi~~i~:d:
teve, pnmeirarnentd a
1:
sit~ar o leitor bra-
. e das discuss6es que an-
manuais estrangeiros exp6em o crime doloso, na verd.a- sileiro no contexto a: ted:1:oderna teoria da imputa-
de, ja ha muito vinham sendo discutidos no ä.mbito da tecederam a formulac,;ao lhe que a teoria näo surgiu
delito culposo. Por ex., os famosos textos de ROXIN, -
i;ao, para, eo m isso 1
mostrar- m construc,;6es com as
em que cuidou dos comportamentos alternatives confor- do nada, mas teve ant~~~s:s~:::: familiarizado ( como a
mes ao Direito, criando a teoria do aumento do risco 99 , quais ele se encontra Ja ) p de-se dizer, de certa
ou aquele em que tratou do comportamento da vftima teoria do crime culposo, por ex. · do . putadio objetiva
d" ssäo em torno a im :..
forma, que a tscu l ronta para manifestar-se,
permaneceu sempre atente, p eram entre o trabalho
ria" eo culposo como "imputa~iio extrnordimiria", an3loga a actio libera
in causa.
nas quase quatro de~~d~: i;~~;I, no qual foi rea~iva~o,
de HONIG eo estu . Mas ROXIN näo foi o pnmeiro
97. Assim, principalmente, HERZBERG, VQrsarzund erlaubtes Risi-
ko... , p. 6 e ss.; o mesmo, Die Sorgfaltswidrigkeit im Aufbau der fahrläs- com sucesso, o conceito. decadas outros escreve-
sigen und vorsätzlichenStraftat, em: JZ 1987, p. 536 ess.; omesmo, Das a tent3-lo. Nestas quase quatro u s'ucesso. Exporei,
. t ao massemose
VQllendetevorsätzliche Begehungsddikt als qualifiziertes Versuchs-, ram sob re a impu a<_;:.' . . ortantes e interessan-
Fahrlässigkeits-und Unterl.assungsdelikt,em: JuS 1996, p, 377 e ss. (p. agora, duas das tentat1vas ma1simp
380 - ha tradu~äo espanhola, de Teresa RodrfguezMontai"lfls,em:
Luz6n / Mir (eds.), Cuestiones actuales de ld tearia.del delito, McGraw tes.
Hili, Madrid, 1999, p. 41 e ss.J; cf. tb. ROXIN,FunciDMlismo, § Il/44;
e, entre n6s, JESUS, Jmputafao..., p. 122. rm bei fahrlässigen Delikten, em:
98. KRAUß, ErfQlgsunwcrt,p. 48.
99. ROXIN, Pflichtwidrigkeit und Erfolg beiJahrll/..ssigen Ddiktqn, em:
100. ROX!N, Zum Schutzzwe~k der
Lackner etc. (eds.), Festschriftfur
i:llas'e
DeGruyter, Berlin, 1993, p.
or Ana Paula Natschera-
ZStW 74 (1962), p. 411 e ss. (estudo ttadurldo pai-a o portugue!I, por 241 e ss. Estudo traduzido para O portugu. s] n· eito pen,il, 2" edi~äo,
Ana Paula Natscheradetz, em: ROXIN, Probl;mw.sFundamenrais de . ROXIN Prob/emasFundamentais e ir
d etz,em .. ' . 93 .273ess.
DireitQPenal, 2a edi<;äo,Vega Univen.idade, Lisboa, 1993, p. 235 e ss.). Vega Univers1dade, Lisboa, 19 ' P
47
46
a) HARDWIG: a imputafiio, umproblema central do vcrdadc 10". Na segunda e na terceira partes do livro,
Direito Penal tenta o autor construir a teoria do crime com base na
ideia de imputa<;;äo.
Estamos, agora, no final da dE'cada de 50. A dogm3- Ao inves de proceder dedutivamente, com base em
tica esquece a primeira teoria da imputac;äo, de modo um criterio unit;irio, do qua! dcsceria para os diversos
que esta palavra praticamente desaparece do panorama grupos de delitos, prefere HARD\.VIG analisar em ~epa-
das discussöes. Cabe a HARDWIG o merito de tcr re- rado a imputa<:;äo nos delitos de mera conduta (1. c.,
tomado o conceito de imputac;äo, sem que, entretanto, aqueles que se esgotam numa a~äo positiva, inde-
seu trabalho tenha tido rnaior cco na doutrina da epoca. pendentemente da prodm;äo de um resultado dela di-
Em suas considerac;6es introdut6rias, dcfine HARD- verso1113),nos delitos de mera omissäo (esgotam-se em
WIG o que entende por imputardo: "A imputa<;;äo sigm- uma simples omissäo), nos delitos cornissivos de resulta-
fica a venfica<:;äo de uma relac;äo positiva, de um nexo, do e nos dclitos, tanto intencionais como näo intencio-
entre um acontecimcnto e uma pcssoa, no sentido de nais e nos delitos omissivos de resultado, intencionais e
I

reconhecer ou reprovar a conduta da pessoa, seguindo näo intencionais. Nesta an;ilise, chega HARDWIG as
um complexo de normas da razäo" 101 , e pergunta se esta seguintes conclusöes:
ideia näo merece um lugar mais destacado numa teoria Nos delitos de mera conduta, o momento essencial,
do crime que parece dispensa-Ja (pp. 4/SJ. Logo ap6s, na que fondamenta a sua imputa<;;äo a um autor, e a ideia
prirneira parte de seu estudo, realiza uma exposic;äo das de evitabilidade (p. 120), de possibilidade de domfnio
teorias da imputa<;;äo desde Arist6teles, passando pela sobre um curso causal (p. 12 I J. A imputas;:äo ocorreria
Idade Media, pelo Direito germänico, por Pufendorf, em dois niveis, como imputa<;;äo a antijuridicidade (res-
Feuerbach e pelos hegelianos, ate o naturalismo e a teo- posta a pergunta quanto ao que faz de uma as;:äouma
ria finalista da a<;;äo(pp. 11/11 lJ. HARDWIG näo des- a<;;äoproibida), e a imputa<;;äo a culpabilidade (resposta
conhece que a ideia de imputac;äo esteja largamente es- a pergunta quanto ao que faz de uma a<:;äoproibida uma
quecida pela ciencia do Direito Penal de sua epoca. Seu a<;;äocensurave!J: "o acontecimento deve ser imputado a
duro jufzo, de que "foram principalmente o dogma cau- antijuridicidade, se o sujeito obrigado evitasse Jou pu-
sal eo conceito de ac;äo que provocaram a rufna da teoria desse evitar) o acontecimento, caso o quisesse. A culpa-
da irnputac;äo" (p. 90J, näo deixa de ter grande dose de
102. Cf., tb., p. 4, na qua! afinna: "Mais ou menos com a introdu,;;äo do
C6digo Penal do lmpefio ( 1871) desaparece o conceito geral de impu-
101 HARDWIG, Die Zurechnung- Ein Zentralproblem des Strafrechts, ta,;;äo. Ern seu lugar surge a causalidade".
Hamhurg, Cram, de Gruyter & Co., 1957, p. 7. As piigina~ citadasentre 103. HARDWIG, por motivo de dareza conccitual, define o resultado
parenteses nestc apartado pertencem a cste livro. Para urna exposic;:äo como "um acontecimento no mundo exterior, que e separävel, em pcn-
bem rnais dctalhada das teonas de HARDWIG vidc KAHLO Das sarnento, do pr6prio cornportarnento, podendo ser pensado Corno scu
Problem des Pflichtwidrigkeitswsammengangs be/ den unechten Unter- produto. Entendemos por resultado, assim, somente o resultado exte-
lassungsdelikten, Duncker & Hurnblot, Berlin, 1990, p. 58 e ss. rior" (p. 112)

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48
140) 104 . Logo ap6s, compara o autor seu conceito de
bilidade deve o acontecimento ser imputado se o sujeito
direcionamento com a tradicional conc.ep-;:äode causali-
p~desse querer da maneira que deveria" (pp. 120/121). dade, concluindo que, a rigor, a causalidade, no sentido
D1ga-se, de passagem, que HARDWIG se posiciona ex- que a lei concede a esta expressäo, nada mais significa
pressamente no sentido da liberdade da vontade como que a ideia de direcionamento: "o conceito de causalida-
pressuposto da culpabilidade (p. 123). Os demais deta- de do Direito e difcrcnte das das ciCncias naturais" (p.
lhes a respeito da estrutura do ilfcito e da culpabilidade 149); "causar e intervir realmente em um acontecimen-
em HARDW1G, por ele desenvolvidos com certa minti.- to causal de tal maneira quese aumentem as possibilida-
cia, ?evem aqui_ser pastos de lado, para que näo nos des objetivas de que determinado resultado ocorra, ou
desv1emos dos fms de nossa investiga-;:äo. quese facilite a realiza-;:äoda foto( ... ), quando aquelc a
Prossegue, entäo, HARDWIG para os delitos de quem inrnmbe o clever jurfdico o acontecimento for
~era omissäo, que seriam aqueles quese resumem a um objetivarnente dirigivel com relai:;:äoa determinado re-
s1~ples näo-fazer, com independencia da produ-;:äo ou sultado" (p. 152). 0 direcionamento, rectius, a dirigibi-
n~? de um resul_tadolesivo. Conclui o autor pela aplica- lidade, que aumenta o risco de que o resultado ocorra,
b~h~ade aos _dehtos de mera omissäo das mesmos prin- seria o "nexo normative-final" (p. 153) a justificar a
c1p1os antenormente desenvolvidos para os delitos de imputai:;:äo.
me:_a ~o?~uta, tanto no que se refere a imputa-;:äo a Por firn, trata o autor da imputa-;:äonos delitos omis"
ant1Jund1C1dade,como a imputa-;:äo a culpabilidade (p sivos de resultado. Primeirarnente, verifica ele consistir
13~ . o delito omissivo de resultado no "clever jurfdico de
A seguir, analisa o autor os delitos comissivos de re- impedir o resultado" (p. 154). Este cleverjuridico decor-
sultado. Aqui, o conceito central e o de direcionamento reria, em geral, de rela-;:6es especialmente fntimas, de
(Steuerung - p. 138). "A reprova-;:äo do Direito pode um contrato ou da anterior produ-;:äodo perigo do resul-
ter por ?bjeto o fato de que alguem tenha direcionado 0 tado (pp. 154/155). Mas tambem aqui o ponto de vista
acontec1mento causal a um determinado resultado desa- essencial, fundamentador da imputa-;:äo,seria o conceito
provado pelo Direito, ou, por outro lado, o de näo ter de causalidade normativo-final (p. 156), isto e, a dirigi-
este algu_e~ ~irecionado o acontecimento causal, apesar bilidade, o deixar de reduzir o risco da ocorrtncia do
de estar JundICamente obrigado a tanto, tendo o resulta- resultado. Assim, ao conträrio do que diz a opiniäo ate
do ocorri~o justamente por näo ter o sujeito cumprido hoje dominante naAlemanha 105 , näo e preciso que a a-;:äo
seu clever (p. 139). Logo, näo s6 o direcionamento real
como tai:n?~~ a direcionabilidade (darei preferencia a~
termo dingibilidade), a possibilidade de controlar um 104. Sobre a teoria finalista da ai;äo, vide anteriormente, III, 3, e.
aconteciment?, podem fundamentar a imputa<;äo (p. 105. Assim, por ex., SCHÜNEMANN, Moderne Tendenzen in der Dog·
152). Com a rdeia de direcionamento, procura HARD- matik der Fahrliissigkeits- und Gefährdungsdelikte, em: JA 1975, p. 647
WIG um ~riterio q_ue~ornpreenda, mas vä alem, daquilo c ss., (p. 655), JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch ... , p. 619, em espe-
cial nota de rodape 26, na qua] combatc a opiniiio contdria; WES-
q';e propoe .a teor~a ~mahsta da a-;:äo,abrangendo tam-
SELS/BEULKE, Strafrecht ... , ntimeros de margem 711 e 713.
bem os debtos nao-mtencionais, isto e, culposos (p.
51
50
,---
näo praticada tivesse, corn certeza, unpedido o resulta- esfon;os atuais, como os de JAKOBS, para o qual a teoria
do, para que se impute ao autor a consuma~äo de um da delito nada mais representa que mna teoria da impu-
delito de resultado (p. 162). Assim, por ex., o medico ta~aoio6. Ern terceiro lugar, HARDWIG trabalhou, de
que deixa de realizar uma opera~äo necessiria näo pode modo, ao que parece, pioneiro, com as idE'iasde evitabi-
isentar-se de pena alegando que a salvafäo nfo estaria lidade/dirigibilidade no ämbito da imputa~äo; idE'iases-
certa. Isto porque o que interessa e ter a sua omissäo sas que depois seriam retomadas por varios autores, em
diminufdo as chances de salvamento do bem, ou, noutras especial por OTT0 107, e que ate hoje desempenham um
palavras, deixado de reduzir o risco de sua lesäo. Os papel de destaque nas discuss6es. E, por firn, no concei-
princfpios desenvolvidos para os delitos comissivos de to de causalidade norrnativo-final se ve um claro precur-
resultado encontram, portanto, plena aplicabilidade em sor da teoria do aumento do risco, criada por ROXIN
face das delitos omissivos de resultado (p. 160). poucos anos mais tarde, em 1962 108 .
Ap6s esta abordagem que podemos chamar de tipo-
l6gica, uma vez que ela abrange quatro espE:ciesde deli- b) K.AHRS: o principio da evitabilidade
tos, procede HARDWIG a uma sfntese (p. 164 e ss.),
passando, a seguir, para a terceira parte de seu trabalho, K.AHRS, um disdpulo de HARDWIG, examina em
por ele chamada de "parte sistem<ltica" (p. 175 e ss., em que medida a alega~äo de que o resultado teria ocorrido
contraposi<;äo ils partes hist6rica e dogm<ltica, anterior-
mente analisadas), na qual desenvolve uma completa
teoria do delito com base na ideia de imputa~äo. Expor 106. O subtftu!o da Parte Gera! de JAKOBS chama-se: "Os fundamentos
e a teoria da imputai;äo". Värios outros autores chamam sua teoria do
esta teoria do delito em seus detalhes iria alem dos
crime de teoria da imputai;äo: por ex., HASSEMER, Person, Welt und
objetivos a que se propöe este trabalho, ao qua! interessa Verantwortlichkeit. Prolegomena einer Lehre von der Zurechnung im
unicamente apontar esfor~os anteriores que contribui- Strafrecht, em: Schulz/ Vombaum (eds.), Festschrift für Bemman, No-
ram para a elabora~äo da moderna teoria da imputa~äo mos, Baden-Baden, 1997, p. 175 e ss.; HRUSCHKA, Strukturen der
objetiva. Zurechnung, DeGruyter, Berlin/ New York, 1976; o mesmo, Imputa-
tion... , p. ]21 e ss.; NEUMANN, Norn:itheorie und strafrechtliche Zu-
Feita esta exposi~äo, podemos ressaltar aquilo que, rechnung, em: GA J985, p. 389 e ss.; KOHLER, Der Begriff der Zurech-
de uma perspectiva atual, sobressai como relevante no nung, em: Weigend / Küper (eds.), Festschrift fiir Hirsch, DeGruyter,
trabalho de HARDWIG, um trabalho que, apesar de Berlin/ New York, 1999, p. 65 e ss.
seus meritos, teve pouca penetra~äo e influencia na dou- 107. Assim, primeiramente, em OTTO, Kausadiagnose und Erfolgszu-
rechnung im Strafrecht, em: Schroeder / Zipf (eds.), Festschrift für
trina de sua E'poca. 0 primeiro desses mE'ritos e ter Maurach, CF. Mü!ler, Karlsruhe, 1972, p. 91 e ss. (p. 92); para uma
voltado a falar em imputa~äo numa epoca em que tal visäo atual, cf. o mesmo, Kausalitiit und Zurechnung, em: Zaczyk etc.
palavra encontrava-se riscada do vocabul<lriodos penalis- (eds.), Festschrift für E. A. Wolf!, Springer, Berlin etc., 1998, p. 395 e
tas. 0 segundo e ter ele elevado a ideia de imputa~äo a ss. (p. 404); o mesmo, Grundkurs Strafrecht, 6" edü;aü, DeGruyter,
Berlin/ New York, 2000, § 6/1 e ss. (principalmente nm. 8).
um lugar central na teoria do delito, antecipando alguns \08. ROXIN, Pflichtwidrigkeit und Erfolg..., p. 411 e ss.

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r
de qualquer maneira pode isentar o autor de responsabi- resultado: näo a concrcta lesiio ao bern jurfdico, corn
lidade'0". Procedendo a uma aspera crftica da idtia de todas as suas circunstäncias individualizadoras (morte de
causalidade e da formula da condiclio sine qua non, o A a tais horas, em tal lugar, sob tais circunstäncias), rnas
autor constata serem elas incapazes de resolver trCs gru- o resultado em abstrato (morte de A) (p. 38). Esta defi-
pos de casos: o da omissäo (ern que inexistiria causalida- ni5:iioabstrata da resultado pennitira que se levem cm
de, pp. 21-22), o da interrupi;:äo de cursos causais salva- grande considera<;äo cursos causais hipoteticos.
dores (em que o agente tarnbern näo causaria o resulta- 0 autor parte, entäo, para a an:ilise de grupos de
do, pp. 22-23 110] eo da atua,;;äo sobre o psiquismo de problemas, que näo veremos em detalhe. Contentar-
outrem (ern virtude do livre-arbftrio, näo se poderia nos-emos em apontar que ele mantem a förmu!a da
falar ern determinac;äo segundo leis da causalidade). Isto condictio sine qua non para a maior parte dos casos,
o leva a dispensar a ideia de causalidade, em favor de considerando-a insuficicnte, entretanto, para resolver os
uma teoria jurfdica da imputa,;;ao: "A causalidade no problemas de imputac;äo em dmbitos niio regidos por leis
sentido das ciencias naturais näo e um princfpio de im- causais deterministas (pp. 46-4 7) 111 . Nestes ämbitos,
puta,;;äo de validade geral" (p. 26). que compreendem em especial casos em que interfere
Para construir sua teoria jurfdica da imputai;äo, näo outro ser humano na linha de desdobramento que leva
podera ele mais recorrer a causalidade, o que o faz bus- ao resultado, havera imputai:;:äo sempre que o autor reti-
car orienta<;äo atraves "do sentido e da finalidade das rar ao bem jurfdico chances de salvamento, ou seja, sem-
norrnas penais" (p. 33). A comunidade jurfdica procura, pre que ele aumentar o risco do resultado (p. 47 e ss., p.
atraves das normas jurfdicas, estimular resultados social-
64).
mente beneficos e evitar os socialmente lesivos (p. 33).
Surge daf, o princfpio da evitabilidade, que, de forma Depois, examina KAHRS a problemcltica dos resul-
1

sintetica e aproximativa, disp6e: "Um resultado s6 sera tados hipotiticos, isto e, daquelas les6es que, mesmo sem
imputado ao autor, se este näo o evitar, apesar de o a ai:;:äodo autor, teriam ocorrido da mesma forma (p. 69
Direito o exigir" (p. 34). Tal princfpio sera valido tanto e ss.). Eie, aqui, complementa seu princfpio da evitabili-
para todos os delitos de resultado, tanto dolosos, quanto dade com uma consideraqiio de politica juridica: em
culposos, tanto omissivos, quanto comissivos (pp. 34- principio, o resultado s6 sera imputado na medida em
35). 0 autor precisa, alem disso, o que entende por que representar um dano maior do que aquele que a
comunidade jurfdica de qualquer forma estava disposta
a suportar (p. 80). Assim, inexistira imputai:;:äo no caso
109. KAHRS, Das Vermeidbarkeitsprinzip und die condicio-sine-qua-
em que o autor empurra o carrasco e aperta o botäo da
non-Formel im Strafrecht, Cram, de Gruyter & Co., Berlin, 1968, p. V.
As p;iginas c1tadas entre parenteses neste apartado pertencem a csta guilhotina, vindo a matar o condenado a morte no mes-
obra.
110. Aqm discrepa KAHRS da doutrina absolutamente dominante, que
adm1tc a causalidade sem qualquer hcsitai;:iio; por ex., ROXIN, Funcio. 111 lsto e uma antecipac;äo de um ponto de vista que, na atualidade, e
Mlismo ... , § ] l/32, 33 defcndido em especial por PUPPE; cf. adiante, V, 4.

54 55
'

mo segundo em que a cornunidade aceitou que ele mor- [V. A moderna teoria da imputac;:äoobjetiva
resse (pp. 78-79). 0 mesmo se diga no caso em que 0
autor causa o resultado, mas este ocorreria em virtude Esta longa incursäo aos precursores da moderna teo-
de um curso causal hipotE'tico oriundo da natureza (pp. ria da imputac;:ao objetiva chega ao firn; veremos, agora,
87-88). Mas a solu~ao seni diversa nos casos ern que 05
o nascimento da teoria, com especial enfase para o con-
autores substitutos agem antijuridicamente, (por ex.: se texto mctodol6gico em que isto ocorreu.
A n.fo furtasse o objeto da loja, B estava decidido a
fazt-lo): aqui, a comunidade nilo esta disposta a aceitar
1. 0 principio do risco, de ROXIN (1970)
n.enhum dos dois resultados, nem o real, nem o hipotE'-
Ern 1970, por ocasiäo dos 70 anos de HONIG, pu-
t1co, de modo quese pode falar em imputacäo do resul-
blica-se sua Festschrift, para a qua! ROXIN escreve o
tado.
trabalho que reacendeu o debate em torno da idE'ia de
, ~HRS cnuncia mais algumas regra~ bastante plau- imputac;:äo objetiva 114. ROXIN comec;:a expondo a teoria
~1ve1s,mas que pouco nos interessam. Falemos, de modo da imputac;:äo de HONIG (p. 145 e ss.), näo se cansando
fapido, da importdncia da obra, que foi ade levar adiante de sublinhar em que medida esta implica um abandono
algumas das idE'ias de HARDVVIG, tentando desenvol- do ontologismo, de conceitos prE'-jurfdicos, em favor de
ver uma teoria da imputac;:äo ao tipo objetivo. Seu con- um mE'todo teleol6gico, normativo: a teoria da imputa-
ceito de imputac;:äo, por näo se referir a teoria do delito c;:äode HONIG lhe parece uma teoria normativa da ac;:äo
como um todo, mas s6 ao tipo objetivo, e mais r.estrito (p. 146). E, ap6s analisar o critE'rio da imputac;:äo de
que o de HARDWIG, o que aproxima KAHRS do en- HONIG, a dirigibilidade objetiva a fins, ROXIN traz a
tendimento da doutrina contemporänea. O seu trata- colac;:ao o famoso caso do sobrinho que manda o tio
rnento do problema das cursos causais hipoteticos näo passcar no floresta, vindo este a falecer em virtude de
foi capaz de avivar as discuss6es, que s6 se acenderiam,
ao quc parece, ap6s a publicac;:äo do livro de SAM- 114. ROXIN, Gedanken zur Problematik der Zurechnung im Strafrecht,
SON112.E as criticas de KAHRS il. idE'ia da causalidade em: Festschrift für Richard Honig, Verlag Otto Schwartz, Göttingen,
como pressuposto da imputac;:äo naü encontraram por l 970, p. 133 e ss. Hll tradu<;;äo para o portuguCS: Reflexöes sobre a
sorte, acolhida na doutrina majoritäria 113_ ' problemdtica da imputafrlo em Direito Penal, em: Problemas Fundamen·
tais de Direito Penal, 2" ed1i;1io,trad. Ana Paula Natscheradetz, Vega
Universidade, Lisboa, 1993, 145 ss. fu', pllgmas citadas entre parenteses
neste apartado referem·se a versao traduzida.
112. SAMSON, Hypothetische Kausalverläufe im Strafrecht, Alfred Sobre este cstudo de ROXJN, cf., tambem, SUAREZ GONZALEZ /
Metzncr Verlag, Frankfurt a. M., 1972; sobrc o problema da causalidadl' CANCJO MELIA, La reformulaci6n de l.atipicidad a traves de la teoria
h1potCtica na atuahdadc, ROXJN, Funcionalismo ... , § 11/52 e ss. de la imputaci6n objetiva, em: JAKOBS, La imputaci6n objetiva en
l _13.Sobn: a~ relar,:öes entre causalidade e imputar,:äo, criticando o pos1- derechopena/, Civitas, Madnd, 1996, p. 21 e ss., (p. 32 css.J, lARRAU-
uonamento que deseia dispensar o nexo causal em favor de um ncxo RI, Notas preliminares ... , p. 741 e ss.; SCHÜNEMANN, Über die ob-
exclus1vamcnte nonnativo entre a<;;iioe rcsultado, adiante, VJ, 3, b. jektive .. , p. 212.

56 57
r
um raio (p. 146), e formula seu princfpio do risco: "a a quem lhes causou (p. 154 e ss.). Aqui sc enquadram as
possibilidade objetiva de originar um processo causal conseqüCncias secundarias do delito, como a morte da
danoso depende de a conduta do agente concreto criar, mäe da vftima, em virtude de um choque ao receber a
ou näo, um risco juridicamente relevante de lesäo tfpica fonesta notfcia (p. 156), tentativas fracassadas de salva-
de um bem jurfdico; no primeiro caso, o indivfduo A do mento (p. 157) etc.
exemplo supracitado tena cometido uma ac;:äode homi- Nas Ultimas paginas de seu trabalho, tenta ROXIN
cfdio; no segundo, näo" (p. 146).
enquadrar a teoria da imputac_;äo recem-esbo\ada no sis-
Parte, agora, ROXIN para a elaborac;:äo de uma "teo- tema da teoria do crime, delimitando, ern especial, as
ria geral da imputa<;äo completamente desligada do dog- relac_;6esentre teoria da imputa~äo e teoria da ac;iio. Em
ma causal" (p. 148), fundada na ideia do risco. 0 que cle trabalho publicado poucos anos antes, ROXIN lanc;ara as
faz:,a rigor, e aprcsentar quatro topoi, quatro concretiza- primeiras bases de seu atual conceito pessoal da ac_;äo,
,;;:öesdo referido princfpio. Primeiramente, a diminuirdo entcndcndo a a<;iio"sob o ponto de vista da 'imputabili-
da risco: ac;:6esque diminuem riscos näo podem scr im- dade pessoal' ... 'A<;iio' seria tudo aquilo quese pudesse
putadas como ac;:öestfpicas (p. 149). A seguir, os casos imputar a um homem enquanto 'pessoa' ... " 116 , qualquer
de riscas juridicamente irrelevantes: ac_;6esque näo criam "exteriorizac_;äo da personalidade" 117• ROXIN introduz,
uma possibilidade objetiva de lesäo, isto e,ac_;6esque näo entäo, a distirn;äo entre imputar;aa da compartamenta e
säo condic_;6esadequadas do resultado (e aqui ja vemos a imputar;äo do resultada (p. 161). A primeira compreen-
teoria da adequac_;äo, p. 149), näo säo objetivamente deria os conhecidos casos de exclusiio da ac_;äo:forc_;a
imputaveis (p. 149 e ss.). Aqui se enquadraria o famoso ffsica absoluta e atos reflexos (pp. 161-162). Nestes
caso do sobrinho. 0 terceiro criterio e o aumenta da casos, inexiste qualquer ac_;äo,qualquer exterioriza<;äo da
risca, que tem em vista a resoluc_;äo dos casos em que o personalidade. A segunda, a imputac_;äo do resultado,
autor foi alem do risco permitido, causou o resultado, abrangeria os criterios de imputac_;äo propostos (p. 162).
mas näo se sabe se a a\äo correta o te-lo-ia evitado ROXIN conclui reafirmando que sua teoria implica num
( comportarnento alternativo conforrne ao Direito). RO- abandono de conceitos ontol6gicos, em especial do con-
XIN, fazendo referCncia a um estudo anterior 115 , deseja ceito de finalidade (p. 164 e ss.), e a necessidade de
irnputar o resultado, se a ac_;äosuperadora do risco per- superar um sistema classificat6rio ern favor de um siste-
rnitido o tiver aumentado de modo relevante (p. 152 e ma verdadeiramente teleol6gico, polftico-criminal:
ss.). E, por ültimo, ROXIN apresenta o Jim de proter;ao "Neste ponto preciso e que assenta a diferenc_;aentre um
da norma como a quarta concretizac_;äo do princfpio do
risco: aqueles resultados que näo se encontrem no ärnbi-
116. ROXJN, Einige Bemerkungen zum Verhältnis von Rechtsidee und
to de prote<;äo da norma de cuidado näo säo imputaveis Rechtsstoff in der Systemalik unseres Strafrechts, em: Art Kaufmann
(ed.), Gedächtnisschrift für Gustav Radbruch, VandenhorTk & Ru-
precht, Göttingen, 1968, p. 260 e ss. (p. 262)
I 15. ROX!N, Pflichwidrigkeit ... , p. 411 e ss. l 17. ROXIN, Strafrecht .. ,§ 8/44.

58 59
sistema que dcsrnembra a matefia' e compöe o fato Estas insuficiCncias, anteriormente apontadas, näo
punfvel com as partfculas do acontecimento - sistema devem ser entend1das como pontos critidveis. Nenhum
esse que continua sendo dominante no Direito Penal - complexo edificio te6rico nasce pronto e perfcito; e
e um sistema teleol6gico, orientado por critefios de im- sempre necess::J.ria a a\äO do tempo e o concurso de
puta,ao" (p. 163). vclrios talentos para que uma grande teoria se consolide.
Note-se, contudo, que este trabalho contem unica- E C por isso que o ml?Titoe a importdncia do trabalho de
mente um esb°';;o, que foi consideravelmente desenvol- ROXIN dificilmcnte podcm ser exagerados. 0 autor
vido pela doutrina. Ele apresenta, como era de se espe-
conseguiu, primeiramente, reabilitar a ideia de imputa-
rar, värias insuficiencias. Primeiramente, falta-lhe uma
<,;äo,reacender a discussäo em torno deste conceito. Mas
verdadeira fundamenta<;;äo do principio do risco. Este e
ROXIN näo se limitou a recuperar uma idCia csquecida
introduzido <le maneira quase que axiornätica, por oca-
do passado; ao formular o princfpio do risco, ao centrar
siäo da an8.lise do caso do sobrinho e do criterio de
a sua teoria da imputai:;;äo em torno da ideia de risco, dcu
imputac;äo de HONIG. Esta fundamenta<;;äo, que adian-
a ela novas bases, que guiaram todo o desenvolvimento
te exponho (IV, 3, a), serä fornecida tambem posterior-
mente, por ROXIN e seus alunos. Ern segundo lugar, dogmcltico que iria suceder a seu trabalho. E, por firn, ao
ROXIN ainda näo distingue, cam clareza, os dois planas distinguir alguns grupos de casos, no esfor~o de concre-
da imputac;äa abjetiva, a saber, a criac_;;äo do risca juridi- tizar o criterio fundamental, ROXIN abriu caminho para
camente dcsapravado e sua realizac;äo no resultada. Os que o debate descesse do nfvel das abstrac_;;6es,aproxi-
quatro criterios säo arralados sem uma determinada hie- mando-se da realidade pdtica da aplicai:;;äodo Direito,
rarquizac_;;äol6gica (como ainda ocorre em muitas expo- que tem por objeto sempre problemas concretos. Enfim:
sic_;;6es).Por firn, a distinc_;;äofeita quase ao final, entre afirmei anteriormente (item III, 2) que o que diferen-
imputac;äo da comportamento e imputac_;;äoda resulta- ciava a teoria da imputac_;;äoatual - a que chamei mo-
do, mais confunde do que aclara, uma vez que utiliza dema - de suas precursoras era, primeiramente, traba-
duas vezes a palavra imputac_;;äo,com sentido na realida- lhar ela com a idcia de risco e, alem disso, valer-se de
de diverse. Deve-se ter especial cautela para näo a con- diferenciados criterios e distinc_;;6es.Com este estudo de
fundir com a distin<;;äo entre a criac;äo da risco juridica- ROXIN nasce, portanto, a moderna teoria da imputa<;;äo
mente desaprovado (desvalor da ac_;;äo)e a realizac;äo objetiva 118 •
deste risco no resultado (desvalor do resultada), uma
vez que ambas as dimens6es da imputa<;;äo säo engloba-
das, como diz o pr6prio ROXIN, pelo conceito de impu- 118. Valorando, no mcsnm 5cnt1do, a import5nCJa deste estudo de RO-
tac;äo do resultado. A imputa<;;äo do comportamento XJN para o nascimento da rnodnna teoria da imputa~ilo, tanto o aluno
compreende problemcltica distinta, relacionada ao con- SCHÜNEMANN, Über die objektive Zurechnung .. , p. 212, quanto o
ceito de ac_;;äo, näo a moderna teoria da imputac_;;äaobje- opmitor, HIRSCH, Die Entwicklung der Strafrechtsdogmatik nach Wel-
zel, em Festschri/1 fiir Rechtswissen.schaftliche Fakultä1 KOln, Hcy-
tiva.
manns, Köln etc., 1988, p. 399 c ss. (p. 403).

60 61
2. 0 contexto metodol6gico: surgimento de uma dog- ser entendida como o mCtodo segundo o qua! as constru-
mdtica funcionalista do delito i;ües jurfdicas devem ser conscicntemente guiadas por
detenninados valores e finalidades. Toda jurisprudencia
Corno vimos, em seu fundamental estudo sobre a dos valores tem, portanto, uma quest5o fundamental a
irnputai;äo objetiva, ROXIN näo se cansava de ressaltar resolver: de onde se retirarn os valores sobre os quais se
a irreleväncia de dados ontol6gicos tornados em si rnes- edificara o sistema 122?
mos e a neccssidade de um ponto de partida normativo, 0 neokantismo, ncste aspecto, ficou a meio cam1-
teleol6gico, rcferido aos fins do Direito Penal. E, ainda nho. Valeu-se de um metodo referido a valorcs, mas
cm 1970, vem ele expor ao püblico cm que consiste esta abdicou, por se atcr a um relativismo valorativo, de re-
nova conccp~äo: urna rcvisäo total do sistema da teoria conhecer qualqucr referencia teleol6gica objetivamente
do delito, reconstruindo cada conccito a luz de sua fun- \'3.lida. Para o ncokantiano, valores näo säo ob.1eto de
i;äo polftico-crirninal 1111. "O caminho correto s6 pode ser
deixar as decisöes valorativas politico-criminais introdu-
edi,,;äo, Springer, Berlin etc., 1995, BYDLINSKI, J11risrischeMethoden·
zirem-se no sistema do Direito Penal" 120. Todos os ele- lehre und Rechtsbegriff, 2" edit,;äo, Springer, \1\/ien / New York, 1991, p.
mcntos do crime tem uma funi;äo polftico-crirninal a l 23 e ss.; FIKENTSCHER, Methoden des Rechts in vergleichender Dar-
cumprir; seu contelldo ha, portanto, de ser preenchido stellung, vol. IlJ, Mohr-Sichcck, Tlibingen, 1976, p. 405 e ss.; HENKEL,
de maneira a melhor cumprirem a funi;äo que lhes assis- Einfiihrung in die Rechtsphilosophie, 2a edio;aü, Beck, München, 1977, p.
te. 314. Para uma cxtcnsa e didätica introdu,;äo iis principais correntes da
JUrisprudt'ncia dos valores, cf. PAWLOWSKI, Einfiihnmg in die juristi-
sche Methodenlehre, 2° edi,;-äo, C. F. Müller, 2000, ntlmero de margem
a) A referencia axiol6gica {polftica criminal) 176 e ss., que, todavia, e tudo, menos um dcfensor desta corrente
metodoltlgica; sobre a evolu~äo da jurisprndCncia dos valores, des<le o
0 funcionalismo, a rigor, inserc-se em um contexto prccursor, !HERING, atf a atualiclaclc, cm compara\)io com o dcsenl'ol-
metodol6gico ainda mais amplo: o da chamada jurispru- vimento <los divcrsos legal rea/isms norte-amcricanos, o riipido panora-
ma de FIKENTSCHER, F.in juristisches Jahrhundert, em: Rechtshisto-
dencia das valores (Weriungsjurisprudenz) 121 . Esta pode
risches Journal 19 (2000], p. 560 e ss.
l 22. BYDLINSKI, Juristische Methodenlehre ... , p. 128; assim, tambern,
especificarnente a respeito do Direito Pcnal, FlKENTSCHER, Metho-
119. ROXIN, Kriminalpolitik und Strafrechtssystem, 2" edi,,;iio, DeGruy- den .. , p. 423: "O problema, tambCm no Direito Penal, e pnncipalmcnte
ter, Berlin, l ~73 (ha tradu~äo brasileira, de minha lavra: Politica Crimi- o da obten,;-äo dos valorcs no procedimento democnitico" Cf., sobre a
na/ e sistema juridico-penal, Renovar, Ri(l de Janeiro, 2000] Para o problemiitica dos valores no Direito, tambCm HENKEL, Recht und
posiciona1m·nto mais recente do autor a respcito dos fundarnentoa da Wert, em: Grünwald de. (eds.J, Festschrift fiir Schaffsrein, Otto
teoria do delito, ROXIN, Funcionalismo .. , § 7/24 c ss., 51 e ss. Schwarz Verlag, Göttingen, 1975, p. 13 e ss., qlte assume urna postum
120 ROX!N, Politica criminal . ., p. 20. demasiado emocional-sentimental a respeito da possibilidade de sc co-
121 A junsprndCncia dos valores e seguida pda literatma dominante no nhecerem valores (pp. 20-21 ), e PAWLOWSKI, Methodenlehre fiir Ju-
campo da mctodologia jurldica. Cf., por ex., LARENZ, Merhoden/ehre risten, 3" edi~äo, C. F. Müller, 1--kidrlhcrg, J9Y9, nm. 846 c ss., exces-
der Rechtswissenschaft, fi' edi,;;äo, Springer, Berlin etc., 1991, p. 119 c sivamente critico e ct'tico a respc,to chs possibilidadcs de sc trabalhar
ss., LARENZ / CANARIS, Mnhodenlehre der Rechtswissenschaft, 3" racionalmente com valores.

62 63
conhecimcnto, mas um problcma do foro interno de dentro destes limites que a polflica criminal atuara, con-
cada indivfduo 123 . cretizando-as, racionalizando-as, levando cm conta o co-
E justamente neste ponto que o funcionalismo da nhecimento empfrico, refletindo sobre alternativas mais
escola de ROXIN realiza um progresso fundamental· os eficazes e menos gravosas para a realizac;äo destes fins
valores e as finalidades fundamentais seräo fornecidos bäsicos.
pela politica criminal 124 • E näo por uma qualquer polftica Uma outra pergunta que precisa ser respondida e a
criminal, que poderia ser desde lei e ordem 12-' ate aboli- dos limites entre a atuac;:aü do inte'rprete e a do legisla-
cionista, mas pela politica criminal do Estado Social e dor. Afinal, tradicionalmente, polftica criminal era tare-
Democrätico de Direito, que adscreve ao Direito Penal fa exclusiva do legislador. 0 interprete nada rnais faria
uma furn;äo de tutela subsidiäria de bens jurfdicos, atra-
do que obedecer as decis6es previamente tomadas pelo
ves da prevenc;äo geral e especial, sempre com respeito
primeiro. A proposta funcional näo acabaria por erigir o
absoluto aos direitos e garantias constitucionalmente as-
interprete em lcgislador?
segurados. As decisöes valorativas fundamentais encon-
0 legislador, por mais que o deseje, näo consegue
tram-se, assim, positivadas constitucionalmente, e e
regular todos os casos possiveis, que a prätica dia ap6s
dia apresenta aos olhos do inteTprete. Assim, por mais
123. Sobre esta postum relativista do neokantismo, cf. GRECO, lntro- que a Constituic;:äo contenha uma sE'rie de princfpios
du;;ao... , p. 127, com referencias. bJsicos, e a lei penal, uma extensa concretizac;:äo destes
124. ROXIN, Politica criminal..., p. 20 e ss.; Funcionalismo. ., § 7/53 ( = princfpios, em normas e regras um tanto claras, sempre
Strafrecht .. , § 7/53), Sobre a fundamentaplo politico-criminal do siste- restam zonas de indeterminac;:äo, em que mais de uma
ma juridico-penal, em Revista Brasileira de Ciencias Criminais 35,
2001, p. 14 e ss., p. 14 (trad. Luis Greco), SCHÜNEMANN, Einfüh-
opiniäo aparece como defensive!. E nestas zonas de in-
rung .. , p. 46 e ss., em especial p. 51; GRECO, lntrodw;iio ... , p. 135 e determinac;:äo que a polftica criminal pode atuar: ela
ss., com värias referencias a respeito das autores que seguem esta con- atua, definindo qua! das opiniöes meramente defensä-
cepi;äo b.1sica. veis deve ser tida como a opiniäo correta. A polltica
Seguindo uma orientai;iio funcionaVpolitico-criminal, entre n6s, Fabio criminal que o inteTprete deve realizar atua, portanto,
GUEDES DE PAULA, Prescri;;aopenal - Prescri;;dofuncionalista, RT,
Siio Pau!o, 2000, p. 180 e ss., e Pau!o QUEIROZ, Para uma configura-
nos espac;:os abertos pela Constituic;:äo e pelo legisla-
;;do monista-funciona/ da teoria do delito, em: Lelio Calhau (ed.J, Estu- dor126. Ao intE'rprete e defeso ultrapassar estes limites,
dos Juridicos - Homenagem ao Promotor Cleber Rodrigues, Minas Ge- sob pena de erigir-se em legislador, o que terä conse-
rais, 2000, p. 36 e ss. Criticamente, por ex., SJLVA FRANCO, Um qüencias desastrosas para o prindpio da legalidade e para
progn6stico ousado. As perspectivas do direito penal por volta do ano o Estado de Direito 127• 128·
20 I 0, em: Messuti ( coord.), Perspectivas criminol6gicas en el umbral del
tercer milenio, FCU, Montevideo, 1998, p. 13 e ss. (p. 28 e ss.).
125. Para uma exposit;iio e critica, cf. Joäo Marcello de ARAÜJO JR., Os
126. ROXIN, Funcionalismo .., § 7171.
grandes movimentos da polftica criminal de nosso tempo - aspectos, em: 127. ROXIN, Funcionalismo ... , § 7171, em especial § 7174, onde declara
Joiio Marcello Araüjo Jr. (ed.), Sistema Penal para o terceiro milenio, estar o intfaprete vinculado a valorai;äo polftico-criminal do legislador
Revan, Rio de Janeiro, 1991, p. 65 e ss. (p. 70 e ss.). ainda quando ela se mostrar errönea. Para um exemplo da aplicai;iio

64
65
'' r
Para rnais detalhes a respeito desta concepi;äo fun- b} A referencia a realidade (matl?ria juridica}
cional na teoria do delito, rcrneto a outra sede, na qua!
me manifestei com maior extensäo 129 , e, e claro, ao pri- Uma polftica criminal que queira produzir efeitos
r meiro par:igrafo do livro que o leitor tem em mäos 130 sobre a realidade, efetivamente protegendo bens juridi-
1 Limito-me, nesta oportunidade, a sublinhar a vinculai;;:äo cos e garantindo a seguranp das cidadäos em face do
entre ponto de partida normativista e teoria da imputa- poder punitivo estatal, tem de conhecer a realidade so-
.1 ~·äo. Corno ja vimos antcriormente, a primeira teoria da bre a qual irä atuar. Do conträrio, näo alcan~arä os obje-
11
imputai;;:äo nasceu num contexto de superai;;:äo do natu- tivos almejados, e todo tempo e esfor~o investidos näo
'. passaräo de desperdfcio. E o pr6prio ponto de partida
ralismo por correntes neo-kantianas e neo-hegelianas.
Aqui, novamente, foi pressuposto do nascimento da mo- polftico-criminal, portanto, que exige o abandono de
derna teoria da imputa.;;;äo o abandono do ontologismo uma abordagcm exclusivamente normativista, em favor
finalista, que queria construir seu sistema com base em de quese levem em conta, tambE'm, dados de realidade.
um conceito prE'-jurfdico de ai;iio, ern favor de uma pers- Contudo, de que maneira podem tais dados de realidade
vir a alterar a feü;äo do sistema?
pectiva teleol6gica, que busca fundamentar cada concci-
to nurna determinada tarefa polftico-criminal. Logo a
A rigor, de duas. Primeiramente, a medida que o
Direito Penal perde sua legitima<;äo metafisica, retribu-
seguir, veremos em que consiste a especffica tarefa polf-
tiva, absoluta, ele passa a legitimar-se, em grande parte,
tico-criminal do tipo, e em que medida isto exigiu a
pelas suas conseqüencias, isto f'., por sua capacidade de
constrU<_:;äode uma teoria da imputa<;äo objetiva.
"produzir conseqüencias desejadas e evitar as indeseja-
das" 131 . Estas conseqüencias säo reais e devem, portanto,
ser passfveis de comprova~äo empfrica, o mesmo se po-
d('stc raciocfnio, vide udiuntc, b: u qucstäo da punibilidade ou näo da dendo dizer de seus pressupostos, que säo, antes de mais
culpa kve.
128. Uni exame dctalhado da questiio metodol6gica da admissib1lidacle
nada, a pr6pria norma jurfdica e o conteU.do que o intf'.f-
de nrgumentos polft1co-criminais no ämbito dogm.itico encontra-se em prete lhe adscreve. Assim, na medida em que dados
BAHLMANN, Rechts- und kriminalpolitische Argwnente innerhalb der empiricos comprovem a funcionalidade ou disfuncionali-
Srrafgesetzaus/egung und - anwendung, Nomos, Baden-Baden, 1999, que dade de determinada interpretaqiio para a obten<;äo dos
expöe a p. 84 e ss. a posü;äo de ROXIN, e considcra viilidos tuis argu- fins almejados, isto seri levado em conta, a seu favor ou
mentos, se alenclidas cleterminadas condi<,;6es(comprova,;;äo da ncccssi-
dade + näo-oculta,;;äo; p. 178). Eduvidoso, porem, se o autor realmente
desfavor 132• Num exemplo: o legislador, ao declarar a
se rcfrrc ao probkma de que aqui se trata, uma vez que entende por
argumentm politiro-criminais valora,;;öes subjetivas do aphcador ou in-
tfrprctc u rcspdto de como o Direito deveria ser (p. 121), quando, na 131 HASSEMER, Einf-Uhrungin die Grundl.agen des Strafrechls, 2" edi-
verdadc, sc trata d(' tomar as valora,;;öes objetivas, inerentes il: lei, e ,;;äo, Beck, München, 1990, p. 22.
desenvolve-las nos espa,;;os que a lei de1xa em abeno. 132. Cf., especialmente, ROXIN, Sobre a fundamentafdO polftico-crimi-
129. c;RECO, In1rad11(dO ... , p. 131 e ss. nnl do sistemajuridico-penal, em: RBCC 35, 2001, p. 13 e ss. (trad. Luis
130. ROXJN, Fw1dmwlismo ... , § 7/24 e ss., 51 e ss. Greco), estudo em que tenta demonstrar de que mane1ra conhecimentos

66 67
J'

culpa punfvel, näo se manifestou expressamente a res- VE'-se, partanto, que a culpa leve näo merece ser punida,
pcito da culpa leve 133 . Ela deve ou näo ser punida? Aqui, pois, da cantr:irio, estar-se-ia cancretizando o espa<_;o
tanto a resposta afirmativa quanto a negativa se mostram indeterminado da nonna de moda polftico-criminal-
plausfveis, de modo que e a polftica criminal quem tem mente disfuncionaJ1 3 '.
de resolver a questäo. Se a proibi(;:äo tem a finalidade A dificuldade na utiliza<;äo desta ordern de dados
polftico-criminal de prote<;äo de bens juridicos atraves empfricos estä na sua obtenc;:ao, que par vezes requer
de preven<;äo gerat positiva (reafirma<;äo da vig&ncia da extensas e dispendiosas invcstigac;:öes de campo. Contu-
norma e dos valores violados pelo ofensorJ e negativa do uma tearia da delito polftico-criminalmente fundada,
(intimida<;äo de potenciais ofensores J, s6 se justifica pu- ao mostrar-se disposta a recepcionar tais conhecimentos
nir a culpa leve na medida em quese passam atingir estes e dar-lhes um lugar dentro do sistema, igualmente esti-
objetivos. Contudo, dados empfricos demanstrarn que a mula e requer sejam levadas adiantc tais pesquisas, a que
efidcia intimidat6ria estä comprometida: afinal, todos implicar:i num ganha de racionalidadc para a argumenta-
säo passfveis de pequenos deslizes, senda humanamente c;:äado dogmätico.
impassfvel manter-se as 24 horas do dia plenamente Ha, porem, uma segunda maneira atraves da qua! a
atento 13~. Por outro lado, säo igualmente dados empfri- realidade adentra o sistema: a concretiza<_;äoda norma a
cas que questionam a efidcia preventiva-geral positiva: luz de grupos de casos 138 • 0 legislador, como foi ressal-
uma vez que todos podem cometer erros leves, näo se
interpreta a lesäo ariunda de culpa leve como uma agres-
Kleine Kriminologie ... , p. 372 e 373.
säo a vigencia da norma e dos valores por ela tutelados, 136. ROXIN, Sobre a fundamentarilo . ., p. 24, e SCHLÜCHTER Kleine
mas quase camo um acidente, um fato da natureza 135, 136 • Kriminologie ... , p. 373, trabalham igualmente com um argumento prc-
ventivo-cspccial - na culpa leve, inexi5tiria necessidade de ressocializa-
,;;äo - qur näo estou reproduzindo, por crer que necessidades prevcnti-
empiricos podem ser utilizados por uma dogmitica politico-criminal- vo-espcdais pmais podem justificar uma p~na.
mente fundada. Cetico quanto a fecundidade da contribui,;äo das cit'.n- 137. ROXIN, Strafrecht...,§ 24/86; SCHLUCHTER, Kleine Kriminolo-
cias soctais, NAUCKE, Die Sozialphilosophie des sozialwissenschaftlich gie ... , p. 373; no mesmo sentido, igualmente argumentando com base
orientierten Strafrechts, cm: Hassemer / Lüderssen / Naucke, Fortschrit- nos fins da pena, BURGSTALLER, Das Fahrlassigkeitsdelikt im Stra-
te im Strafrecht durch die Sozialwissenschaften?, C. F. Müller, Heidel- frecht, Manzsche Verlag, Wien, 1974, p. 20] . , .
berg, 1983, p. 1 e ss. 138. Cf., tambem, minha Introdupio ... , p. 136 e ss., onde f1z uma rap1da
133. Cf., para este exemplo, ROXJN, Sobre a fundamentarilo ... , pp. referenda ao metodo da constru,;;äo de grupos e tente1 explicä-lo atravEs
23-24. de um exemplo, o da fixa,;;äo do infcio da execu,;äo na tentativa.
134. Assim, tambem, ROXIN, Sobre a fundamentarilo ... , p. 24; Sobre o metodo de grupos de casos cm gcral, cf. LARENZ, Wegweiser
SCHLUCHTER, Kleine Kriminologie der Fahrlässigkeitsdelikre, cm· zu richterlicher Rechtsfortbildung, em Festschrift für Nikisch, Mohr-Sie-
H.-J Albrecht etc. (eds.), Festschrift für Günther Kaiser, vol !, Duncker beck, Tübmgen, 1958, p. 275 e ss. (292 e ss.), LARENZ / CANARIS,
& Hrnnblot, Berlin, ]998, p 359 e ss., (p. 372). Esta autora apresenta Methodenlehre .. , pp. 113-114; BYDLJNSKJ, Juristische Methodenleh-
interessantes levantamentos emp[ricm [p. 303 e ss.) para sustcntar a re ... , p. 548 e ss.; criticamentc, Ralph WEBER, Einige Gedanke~ zu_r
posi<;iiopor ela dcfendida. Konkretisierung von Genera/k/ausel durch Fallgruppen, em Archw fur
135. Cf. ROXJN, Sobre a fundamentarao ... , p. 24; SCHLÜCHTER, zivi/istische Praxis 192 (1992), p. Slfi e ss., para o qua! o metodo de

68 69
r
t~do ac_irna, lir:riita-se, comumente, a enunciac;:öes genE'- o seu comportamento est.ä em contraste com os princf-
ricas e unprec1sas, deixando para os intefpretes a tarefa pios etico-jurfdicos" 141 . Isto porque todas estas explica-
de descobrir o alcance exato da norma Ele fornece <;6es encontram-se no mesmo nfvel de abstrai;:äo daquilo
certas vezes, nada mais do que linhas reit~ras diretrize~ que elas desejam esclarecer. 0 juiz s6 ter.ä em suas rnäos
de orie~tac;:äo, que precisam ser tornadas mais precisas, uma f6rmula mais precisa, a medida que se consiga re-
no confronto com os casos que se v.§o regular - a cha- duzir o nfvel de abstrai;:äo, em que a discussäo se tarne
mada m~tfria juridica (RechtsstoffJ 139• Por exemplo, 0 mais concreta. E o instrumento para tanto ea construi;:äo
nosso leg1slador considera o erro de proibic;:äo inevit8.vel de uma serie de grupos de casos.
um motivo para que se isente o autor de pena (art. 2 I). Continuando em nosso exemplo: o erro de proibifiio
Aquele que praticou uma ac;:äotfpica e antijurfdica des- isenta de pena, quando inevitcivel. Ern que, porem, con-
conhecendo que seu ato viola o ordenamento jurfdico s6 siste a inevitabilidade? Simplificadamente 142, o erro de
serri punido se seu erro puder ser tido como evit3vel proibi<;äo näo excluir.ä a pena quando o autor, atraves da
Contudo, o que e a evitabilidade, o que e a inevitabilida- refl.exdo e da infonnafdo, pudesse chegar ao conheci-
de? Quando um erro pode considerar-se inevit:'ivel a mento da ilicitude do ato. Mas, uma vez que a lei näo
part1.r de que ponto ele ser.ä evit:'ivel? Aqui, nenhur'na
pode exigir do cidadäo que pense antes de cada um de
cxphc~<;äo do significado da palavra evitabilidade repre-
seus atos se se trata de um ato proibido, deve ter ele um
sentara um avan<;o significativo. De pouco adiantar.ä ao
motivo para refletir e se informar: motivo este que sur-
juiz, que tem diante de si o caso concreto, saber se
giril em tres grupos de casos, quais sejam, quando l) o
evit.ävel era o que näo pode ser desculpado o erro insu-
autor praticar atividade regulada com normas especffi-
per.ävel, o erro em que "incidiria qualquer homem pru-
dente e de discernimento" 140, ou o erro que o autor cas; 2) quando o autor tiver dU.vida a respeito da ilicitude
concreto poderia näo ter cometido, devendo-se levar em do fato; e 3) quando o autor tiver conhecimento da
conta "a capacidade pessoal e concreta de perceber que antijuridicidade material, isto e, do carilter socialmente

141. MESTIERl,ManuaL, p. 183.


:onstru,;:ao de grupos de casos, entre outros prob!emas, desconhecc a 142. Hii muitas discussöes a respeito do tema, em que näo nos interessa
hrn,;:iiosocial das clausulas gerais, quc e a de libertar o intefprete das adentrar. Sigo, portanto, fie!mente a teoriza,;:äo de ROXIN, Strafrecht ... ,
amarras das descri,;:6es lcga1s,abrindo espa,;:o para a justi,;:a do concrcto. § 21/37 e ss. 0 leitor mais interessado pode consultar a profunda, mas
(p. 556), para uma resposta convinn·nte, BEATER, Generalkl.a11selund jll relativamente antiga, tese de habilita,;:äo de RUDOLPHJ, Unrechtsbe-
Fallgruppen, em: Archiv für zivilistische Praxis 194 (1994), p. 82 e ss. wußtsein, Verbotsirrtum und Vermeidbarkeit des Verbotsirrtums, Göt-
l 39. ROXIN, Funcionalismo, § 7/82 e ss.; Rechtsidee 11ndRechtsstoff, p. tingen, Verlag Otto Schwarz, 1969, p. 193 e ss.; mais breve e recente,
260 e ss.; c, detalhadamente, Täterschaft 11ndTatherrschaft, 7" edir;-äo, NEUMANN, Der Verbotsirrtum (§ 17 StGB) 1 em: JuS 1993, p. 793 e
J?cGruyter, Berlin/ New York, 2000, p. 528 e ss. 0 lcitor obscrvad a ss. (p. 797 e ss.). Entre n6s, o tema e tratado de maneira um tanto
fr~qüCnna com quc ROXJN utiliza esta cxprcssäo no livro que tem em sucinta. Cf., ainda assim, Luiz Fliivio COMES, Erro de tipo e erro de
maos.
proibifiio, 4• edi,;:äo, RT, Säo Paulo, 1999, p. 134 e ss.; Cezar BITEN-
140. JESUS, Direito penal .. , p. 428.
COURT, Erro juridico-penal, RT, Säo Paulo, 1996, p. 74 e ss.

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r'
'
lesivo de sua conduta. Assim, substitulmos o conceito (viola a boa-fe quem faz valer um direito que obteve
generico (evitabilidade) por uma sE'.riede subconceitos atraves de um comportamento ilegal) 1'16, cornportarnen-
(motivo, reflexäo, informai;:ao) e grupos de casos (ativi- to pr6prio contr.irio ao clever (quem viola uma obrigai;äo
dade especificamente regulada, dU.vida, consciencia da fundamental näo pode exigir da outra parte que cumpra
antijuridicidade material), deixando a realidade pene- a sua obrigac_;äo,sob pena de violar a boa-fe) .~7,compor-
trar no sistema, incrcmentando a precisäo e a segurarn;:a tamento contradit6rio '(venire contra factum proprium:
das soluc;öes a qne se chega. aquele que criou ern outrem a confiarn;;a fundada de que
Este metodo, de concretizac;äo atraves de grupos de näo utilizaria mais um direito näo pode rnais exercE'-lo,
casos, e utilizado com bastante freqüencia na Ciencia do do contr.irio estad violando a boa-fe) 148 etc. Na teoria
Direito alemä, tambem fora do Direito Penal. Eum civi- dos direitos fundamentais, que lida corn conceitos de
lista e comercialista quem afirma que "e, de fato, uma altissimo grau de abstra~äo, o metodo de grupo de casos
das caracteristicas principais da Ci@ncia do Direito atual goza igualmente de grandc popularidade 149. Desta for-
enxergar no desenvolvimento de grupos de casos uma de ~a, o aplicador do Direito näo se ve mais diante da
suas principais tarefas" 1~ 3 . E famoso o trabalho de con- indeterminac_;äo e da abstrac_;äo, rnas sim de tipologias
cretizac_;äorealizado em torno do prindpio da boa-fe (§§ relativamente concretas de casos, quese mostram sufi-
157 e 242, do BGB, C6digo Civil Alemäo) 144. Ajurispru- cienternente manuse.iveis e seguras.
dE'ncia e a doutrina, diante de um tal conceito altamente Com isso, fica esclarecida uma das perplexidades
indeterminado, construfram värios grupos de casos 145 , apontadas logo ao inlcio deste estudo: a questäo da
tais como a obtenc_;äo desleal da pr6pria posic_;äojurfdica "cara" da teoria, o fato de ela parecer um todo disperso
e difuso, um "conglomerado de topoi" 150 . Na verdade, a
teoria nada mais faz do que tomar dois critefios genefi-
143. CANARJS, Funktion, Struktur und Falsifikation juristisc:her Theo-
rien, em: JZ 1993, p. 377 e ss., (p. 380). E seu professor, LARENZ,
Gnmdformen wertorientierten Denkens in der Jurisprudenz, cm: Fes/- 146. LARENZ/WOLF, Allgemeiner Teil. ., § 16/29.
schrift für Wilburg, Lcykam Verlag, Graz, 197 5, p. 21 7 e ss. (p. 222), 147. LARENZ/WOLF, Allgemeiner Teil...,§ 16/34.
mencionu a constrw;äo de grupos de casos (tipo de casos) entre as formas 148. LARENZ/WOLF, Al/gemeiner Teil ... , § 16/44.
biisicas do pcnsamento orientado u valores na citncia do d1reito. 149. Cf., por todos, PIEROTH / SCHLINK, Grundrechte - Staatsrecht
144. 0 primeiro destes dispos1t1vosdetermina que "contratos devem scr II, 14" edi,;:äo, C. F. Müller, Heidelberg, 1998, onde se pode ver como a
intcrpretados scgundo as exigCncias du bou-fe, levando-sc em conta o~ doutrina alemä estrutura a teoriu dos direitos fundamentais com base em
costumes do triifcgo", o outro, que "o devcdor e obrigado u efetuar a uma sene de conceitos genfricos (i\mbito de protc,;:äo = Schutzbereich,
presta,)io segundo B5 exigE'nciusda boa-fe e dos costumcs do trafego" restrir;;ao = Eingriff, justificac;:äo = Rechtfertigung - nm. 195 e ss.),
145. LARENZ/WOLF, Al/gemeiner Teil des bürgerlichen Rechts, 8° ed1- concretizados, de d1reito fundamental a direito fundamental, prefercn-
r;;äo,Beck, München, 1997, § 16/28 c ss., cf., ademais, u cliissica obra de cialmente atraves de grupos de casos.
WIEACKER, EI principio general de /a buena Je, 2' edir;;iio, Civita~, 150. Annin KAUFMANN, Objektive Zurechnung beim Vorsatzdelikt?,
Madrid, 1982, trad. lose Luls Carro, p. 43 c ss. Sobre a boa-fe em gcral, cm: Vogler/ Hermann (eds.), Festschrift für lescheck, Duncker & Hum-
cm lingua portuguesa, cf. MENEZES CORDEIRO, Da boa.fi 110 direi'to blot, Berlin, 1985, p. 251 e ss., (p. 271) (Esteest\Jdoestä traduzidopara
civil, Almedina, Cmmbra, 1997. o espunhol, por Joaquln Cuello, em: ADPCP, 1985, p. 807 e ss.)

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cos, duas linhas de orientac_;:äo- a criac;:äo de um risco verfamos que a teoria do crime estä, em sua totalidade,
juridicamente desaprovado e sua respectiva realizac;:äo mais complicada e detalhada do que o era ha algumas
no resultado - e concretizil.-las em face de diversos decadas - e isto se deve, em parte, a aplicai;;:äo do
1
grupos de casos. Diminuic;:äo do risco, risco juridicamen- metodo dos grupos de casos. Mas o aumento na comple-
te irrelevante, risco permitido, säo concretizac_;:6es da xidade eo prei;;:oque se paga pela segurani;;:ae pelo acerto
criac;:äodo risco juridicamente desaprovado. Comporta- polftico-criminal das decisöes. A alternativa e o arbftrio
mento alternative conforme ao Direito, firn de protec;:äo judicial.
da norma, säo, por sua vez, concretizac;:6es da realizac;:äo
da risco no resultado. Trata-se de um procedimento que 3. A fundamentafäo da moderna teoria da imputa-
nada tem, portanto, de peculiar a imputai;;äo objetiva, f{foobjetiva
mas que se encontra em inllmeros outros pontos na teo-
ria do crime, e preferencialmente ali onde ainda se esta Ao analisarmos o contexto metodol6gico do surgi-
trabalhando com conceitos genE'ricos. Se, no Brasil, näo mento da teoria da imputai;;:äo objetiva, em especial a
tinhamos qualquer notfda deste desenvolvirnento rneto- tl:.cnica da construi;;:äo de grupos de casos, solucionamos
dol6gico, isto e ainda outro sintorna de que näo era s6 a o primeiro dos problemas näo resolvidos apresentados
irnputai;;:äo objetiva que ignorävamos. Se tiverrnos o cui- na introdu~äo (anteriormente, I), o que dizia respeito ao
dado de ver como säo tratados, atualmente, a legftima aspecto relativamente confuso da teoria. Agora, tratare-
defesa (em especial as charnadas "restrii;;:öes etico-sociais mos especificamente do segundo problema ali colocado,
a legftima defesa")1 51, o crime omissivo impr6prio (prin- qual seja, o da necessidade e legitimidade de uma tal
cipalmente a dogmätica da posii;;:äode garantidor) 152, a teoria. Por que se precisa de uma imputa~äo objetiva?
autoria mediata (aqui a diferencia<_;äo entre grupos de Ern que ela se fundamenta? Que princfpios e idl:.ias lhe
casos e bem tradicional) 153 , a teoria da tentativa 154 etc., servem de base? Para que ela serve? Dividirei a resposta
a esta pergunta em duas etapas. Primeiramente, analisa-
151 A respeito, detalhadamente, cf. GÜNTHER, em: Systematischer remos os fundamentos te6ricos da moderna teoria da
Kommentar zum Strafgesetzbuch (SK), 7a edi<;äo, 31. Lfg., 1999, § imputa;;äo objetiva (adiante, a). Mas, como o Direito e
32/102 e ss. uma ciencia aplicada, uma boa fundamentai;;:äo te6rica
152. Para uma referencia detalhada, OITO / BRAMMSEN, Die Grund- näo e o suficiente para garantir a sobrevivencia de uma
lagen der strafrechtlichen Haftung des Garanten. wegen Unterlassens, em:
Jura J985, p. 530 e ss., p. 592 e ss.; FREUND, Erfolgsdelikt und Unter-
construi;;:äo dogmcltica. E necessärio, ademais, que a
lassen, Heymanns, Kö!n etc., 1992, p. 159 e ss.; tambem, GIMBERNAT construi;;:äo apresente resultados prdticos positivos, uma
ORDEIG, Das unechte Unterlassungsdelikt, em: ZStW 11 l (l 999), p. vez que, sem eles, tudo näo passarä de diletantismo
306 e ss. (adiante b).
153. Cf. ROXIN, Täterschaft ... , p. 142 e ss.; de excepcional clarei.a e
brevidade STRATENWERTH, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 4" edii;äo,
Heymanns, Köln etc., 2000, § 12/30 e ss. em: Problemas Fundamentais de Direito Penal, 2" edii;äo, Vega Univer-
154. Cf. ROXIN, Resolufäo do facto e comefO da execufäO na tentativa, sidade, Lisboa, 1993 (trad. Maria Femanda Pa!ma), p. 295 e 55.

74 75
a) fundamento te6rico / constitucional

Vimos, anteriormente, que ao criar a moderna teoria RUDOLPHI, Vorhersehrbarkeit 1111d Scht112zweckd1:rNorm in der straf
rechilichen Fahrlässigkeits/ehre, em: JuS 1969, p. :i49 e ss.; o mesmo,
da imputac;aü objetiva e a idE'ia que lhe servia de espinha Der Zweck staatlichen Strafrechts und die strafrechtlichen Z11reclmw1gs·
dorsal - o princfpio do risco -, ROXIN näo se preocu- formen, em: Schiinemann (ed.), Grundfragen des modernen ?rafrecht}-
pou em fornccer uma fundamentac;äo mais extensa. 0 systems, DeGmyter, Berhn/New York, 1984, p. 69 e ss .. (ha tradll(;ao
porquC de uma 1mputac;äo objetiva c da idt'ia de risco espanhola, de Silva-Sancl1ez, em: Schünernann (cd.), EI s1srema moder-
na del derecho pena/- questiones fundamentales, Terno,, Madnd, 1991,
sera, cntretanto, devidamente explicitado por ele e por
p. 81 e ss.), o nwsmo, Systematischer Kommenrar zum Stmfge~etz/Jz1ch,
seus alunos. Destacam-se, sobretudo, os trabalhos de j' edir;äo, Alfred Metz.ner Verlag, Frankrurt a. M., 1975, vor_§ l, o
SCHÜNEMANN, RUDOLPHI e WOLTERl5'. mesmo Svstematischer Kommentar zum Strafgesetzb11ch, 6" cdir;ao, 26"
Lfg. (J~nho 1997), Luchterhand, Neuwied, vor~ l (que sed citado
como SK6 vor§ 1). .
1S~ A maior parte dos cstudos de ROXJl\1 jii fo1 citarb no cur~o do tecxto. WOLTER Der Irrtum uber dm l(a11salverlauf als Problem 0V1ektwer
Mas, para que as rcfrrencias fiquem (rl·lativamente) compktas, sao t'lcs: Erfo/gsz111"~chn11ng,em: ZStW 89 (1977), p. 649 c s,., o mesmo, Adil-
ROXIN, Pflichtwidrigkeit. ( = Violaqao do dever .. ); o mesmo, Gedan· quanz· und Relevanztheorie. Zug/eich ein Bei1rag zur ob_iektiv<'nErkenn-
ken .. (= Reflexöes ...), o mesmo, Z11m Sch11tzzweck. ., o mesmo, Bemer- barkeit beim Fahr/iissigkei1sdelikt, em: GA 1977, p. 257 c s,., o mesmo,
kungen zur sozialenAdäquanz . .; o mesmo, Finalität .; o Jllesmo, Bemer· Konkrete Erfolgsgefahr und konkreter Gefahrerfolg im Strafrecht, em:
klingen zum Regreßuerbot, em: Jescheck / Vogler (cds.J, Festschrift für JuS 1978, p. 748 e ss.; o mcsmo, Objektive und personn/e 7urechmmg
Trcindle, DcGruytcr, Berlin/ New York, 1989, p. 178 e ss. (ha trndm;,-äo von Verhalten, Gefahr und Verletzung in einemfunkiionalen Straftalsys-
para o espanhol, de Abanto Vasquez, cm: ROXJN, Dogm,itica penal y tem, Dunckcr & 1-lumblot, Berlin, 1981; o mcsn10, Objektive im~ p_erso-
polftica criminal, Edersa, Lima, 1998, p. 47 e ss., e de Sancinetti, cm: nale Zurechnung zum Unrecht. Zugleich ein Beitrag zur aberratio ictus,
Cuadernos doctrina y junsprudencia penal, n. 0 0, (1997), p. l 9_e ss.); o em: Grundfragen des modernen Strafrechtssystems, DeGruyter, ~~r-
mcsmo,A teoria ... , o mesmo, Strafrecht ... ; o mesmo, Schuld und Schuld- lin/New York, 1984, p. 103 c ss. (hi traduc;;iioespanhola, de Silva-San-
ausschluß im Strafrecht, em: Bemmann / Spinellis (eds.), Festschrift für chez, em: Schünemann [ed.], EI sistema modenui de/ derecho penal:
Mangakis, Sakkoulas Verlag, Athen - Komotini, 1999, p. 237 e ss.; o questiones fundamentales, Ternos, Madrid, 1991, p. 108 e ss.J, o mes-
mesrno, Prefdcio a traduqiio brasileira de Po/{tica criminal e sislema mo Der unmittelbare Zusammenhang zwischen Gnmddelili't 11Hdschwe-
7urfdico-penal, trad. Lufs Greco, Renovar, Rio de Janeiro, 2000; o mcs- re/Folge beim erfolgsqualifizierten Deli/a, cm: GA 1984, p. 443 e ss.; o
1110, Sobre a fundamentaqdo ... , o mesmo, Funciona/ismo. nwsmo Tatbestandsmaßiges Verhalten 11ndZ11rech11ungdes Erfolgs, em.
SCHÜNEMANN, Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässig- GA 1991, p. 531 e ss.; o mcsmo, Strafwürdigl,eit 1md Srrafbedürftigke_ü
keits und Gefährdungsdelikte, cm: JA 1975, p. 435 e ss., p. 511 e ss., p. i11einem neuen Strafrechtssystem, ern: 140 Jahre Goltdmmners Arclnv
575 es~., p. 647 e ss., p. 715 e ss., p. 787 e ss; o mesmo, Fahrlassige fiir Strafrecht, R. v. Dencker's Verbg, Heidelberg, 1993, p. 269 e_ss., o
Tötung d11rchAbgabe von Rauschmittel?, em: NStZ l 982, p. 60 c ss.; o mesmo Menschenrechte und Rechtsgüterschutz in emem e11ropaischen
mesmo, Einführnng ... ; o mesmo, Die deutschsprachige Strafrechtswis· Strafre~htssystem, em: Schünemann / figueiredo Dias (l•ds.), Ba11ste1~e
senschaft nach der Strafrechrsrefonn im Spiegel des Leipziger Kommen- des europäischen Strafrechts - Coimbra·Symposium fiii' Clam Roxm,
tars und des Wiener Kommentars, em: GA 1985, p. 341 e ss.; o mesmo, Heymanns, Köln, 1995, p. 3 e ss., o mesrno, Objektive Zurechnung und
Die Rechtsprobleme der AIDS.Eindämmung. Eine Zwischenbilanz, cm. modernes Strafrechtssystem, em: Gimbcrnat etc. (eds.), lnternatwna/e
Schlinemann / Pteiffer (eds.), Die Rechtsprobleme von Aids, Nomos, Dogmatik der objekti11e11Zurechnung u11dder U;iterlu.ssw1gsdelikte, C F.
Baden-Baden, 1988, p. 373 c ss. (p. 469 e ss.J; o rncsmo, Über die Müller, Heidelberg, 1995, p. 3 e ss. (citado como /11/emationale Dogma·
objektive ... , p. 207 C' ss. rik .. _ ha tradu~ilo espanhola, dl' Silvina Ba,iialupo, em: Gnubernat

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Corno ficou dito, dentro de uma perspectiva funcio- da a lesäodo bem jurfdico; 5 7, rnostrarn-se disfuncionais
nal, polftico-criminalmente orientada, os conceitos jurf- em facc das fins que o Direito Penal exigc sejam cum-
dicos devem ser constru(dos de maneira a satisfazer de- pridos pelo conceito de tipo. 0 Direito Penal tern a
tcrminadas func;6es 1~6 . Contudo, as anteriores constru- missäo constitucional de proteger subsidiariamentc os
c;6es do tipo, tanto a do sistema naturalista, que o fazia bens jurfdicos mais fundamentais para a vida em socie-
esgotar-se na causalidade, quanto a do sistema finalista, dade158. Sua fun(_;:äoe, assim, eminentemente preventi-
que nada mais exigia do que uma ac;äo finalmente dirigi- va, e preventivo-geral 159, uma vez quc objetiva prevenir

etc. (ed.), Omision e imputaei6n objetiva em derecho penal, Scrvicio de 157. A descri,;äo du,tas construc;öes encontra-se anteriormente, itcm I 1.
Publicauones - Faculdad de Derecho, Madrid, 1994, p. 65 e ss.J, o 158. ROXIN, Smtido e limiies da prna estaral, ern: Problemas Funda-
mesmo, Zur Dogmatik und Rangfolge von materiellen Ausschluf')grUnde, mentais de Direilo Penal, 2' edi~;:'io,Vega lJ111versidade, L1shoa, 1993,
Verfahreneinstellung, Absehen und Mildem von Strafe, em: Wolter / (trad. Ana Paula Natscheradetz), p. 15 c ss. (p. 43); o mesmo, Franz 11.
Freund (eds.J, Straftat, Strafzumessung und Strafprozeß im gesamten Liszt e a concepp;1.opo/ftico-criminal do projecto alternativo, em: Prob/e-
Strafrechtssystem, C. F. Müller, Heidelberg, 1996, p. 1 e ss.; o mesmo, mas Fundamentais de Direito Penal, 2" edi(;äo, trad. Ana Paula Natsche-
Verfassungsrechtliche Strafrechts-, Unrechts- und Strafausschliessungs- radctz, Vega, Lisboa, 1993, p. 49 e ss. (p. 57 e ss., - subsidiariedadC' - c
gründe im Strafrechtssystem von Cl.aus Roxin, em: GA 1996, p. 207 e 59 e ss. - protec;äo de bensjuridicos); Strafrecht ... ,§ 2/1; RUDOLPHI,
ss.; o mesmo, Problemas politico-criminales y jur[dico-constitucionales de Der Zweck ... , p. 71; SK6 vor § 1/2; WOL TER, Objektive und persona-
un sistema internacional de derecho penal, em: Silva-Sanchez (ed.), Po- le ... , p. 24. Para o conceito de bem jurfdko, o tambem disdpulo de
litica criminal y nuevo derecho penal - Libro homenaje a Claus Roxin, ROX!N, AMELUNG, Rechtsgüterschwz und Schutz der Gesellschaft,
Bosch, Barcelona, 1997, p. 101 e ss. A exposic;iio estä simplificando Athenäum, Frankfurt a. M., 1972, p. 15 c ss. (hist6rico), quc o rcchac;a
especialmente a teoria de WOLTER, que apresenta in(nneros detalhes e em favor da ideia de "lesividade social" (p. 330 e ss.).
evoluc;öes que aqui niio faria sentido introduzir. 159. Prevenpfo 0 a atividade de 1mpcdir que novos crimes se pratiquem.
A fundamentac;iio que a seguir apresento tem caräter expositivo e apro- Ela se diz geral, quando dmg1da ii gencralidade da popula,;;äo, quando
ximativo. Näo se exclui que os diversos autores da escola de ROXIN tem por ohjctivo imped1r que qualquC'r cidadäo pratique crimes; espe-
utilizem, em certos pontos, terminologia diversa, ou tratem os proble- cial, quando dirigida ao criminoso especifico, quando tem por objctivo
mas em diferentes setores da teoria do imputac;iio. ROXIN, por exem- impedir que clc pr6prio pratique um novo crime. Estas duas fonnas de
plo, discrepa de seus alunos especialmente na sua concepc;äo das relac;öes prevenc;äo podem, ainda, aprcsentar-se numa modalidadc negativa e
entre desvalor da ac;äo e desvalor do resultado, nonna de determinac;iio positiva. Chama-se preven,;iio geral 11egati11a aquela quc busca intimidar
e norma de valorac;iio, os quais constituem, para ele, uma unidade indi- a generalidade da populai;äo, dissuadindo-os da pritica de crimes; posi-
visivel (Strafrecht ... ,§ 10/97 e ss.). Tentei ater-me ao que me pareceu tiva, aquela que busca o cfrito preventlvo näo atraves da intimida,;ao,
essencial. Para os deta!hes, o leitor simplesmente deve recorrer ao texto mas do convencimento <los cidadäos de que os valores tutelados pela
de ROXIN, Funcionalismo ... , § 11/39 e ss., e abib\iografia citada nestas nonna penal devem ser respeitados. A preven,;iio especial pode, 1gual-
notas de rodape. mcote, ser negativa, sc quiser 1mpedir o cometimento de crimc:; atravCs
156. A.ssim, tambem, por ex., RUDOLPHI, Zweck ... , p. 70: "O conteUdo da oeutralizac;iio do dclinqüente (segregac;äo, morte} ou positiva, ~c al-
e os pressupostos tanto da nonna penal de sanc;äo quanto da norma penal mcjar estes rcsultados atraves da ressocializac;ao. A imputai)io objctiva,
de comportamento devem ser determinados tambem segundo os fins e vera o leitor, funda-se, e,pecialmcnte, em considerac;öcs de prevenc;äo
objetivos do Direito Penal estatal"; WOLTER, Objektive und persona- geral. Para uma introdui;äo, entre n6s, QUEIROZ, Fun,;Oesdo direito
le ... , p. 21 e ss. penal, Del Rey, Belo Horizonte, 2001, p. 35 e ss.

78 79
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lcsöes a bens jurfdicos 1b0 . 0 tipo, a estrutura conceitual dcfensores da finalismo, näo basta que o sujeito queira
que determina o que e, ern princfpio, proibido, näo pode destruir o bem jurfdico, näo basta estar cle atuando uma
isolar-sc dessa missäo do Direito Penal: ele tem urna finalidade lcsiva ao bem jurfdico 16~. Por mais intensa que
furn;;äo eminentemente preventivo-geral. 0 tipo incor- seja a vontade do famoso sobrinho de matar seu tio ao
pora o imperativo, a norma penal, que e, portanto, um envi.i-lo para a floresta, o foto eque ele näo praticou urna
comando, uma nonna de determina,;äo 161 , 162 . Assim, se ac;:äotfpica. Se, de uma perspectiva ex ante 165, a ac;:ao
o Direito Penal profbe condulas para proteger bens jurf- praticada naü parecer perigosa aos olhos de um observa-
dicos, e 6bvio que s6 faril sentido proibir condutas que, dor objetivo, dotado de conhecimentos especiais do au-
de alguma forma, os ameacem, nm11ras palavras: condu- tor (prognosc p6stuma objetiva, identica a da teoria da
tas perigosas163 . Ao contr8.rio do que afirmam certos adequac;:äo166), cla näo tcra por que ser proibida. Isto
porque as normas penais niio proibem ap5es que sequer
gerem riscos juridicamente relevantes 107 . Tudo o mais
160. ROXIN, Sentido . ., p. 43; Franz 11. Ust ... , r- 51 c ~s., RUDOLPHI,
seria proibir por proibir, sern qualquer respaldo nas fun-
Zweck, pp. 70-71, WOLTER, Objektive und personale .. , pp. 24-25 para
o qua! o Direito Penal opcra näo ,6 preventiva, como tambem repressi-
vamrntr, rcprovando condutas c satisfozendu as vitimas; SCHÜNE- brasileira, em: Polftica criminal . ., p. X!, refere-se a imputa,;iio objetiva
MANN, Uber die objektive ... , p. 214-215, que entende a 1mputa,;äo como decorrente da fum;iio prevent1vo-gera! dos tipos; da mesma forma
objetiva como decorrencia direta de uma politka niminal preventivo-ge- em Sobre a fundamentafäO ... , p. 16.
ral. Cf. tb. SCHÜNEMANN, Moderne Tendenzen . ., p. 438; Über die objek-
161. SCHÜNEMANN, Modeme Tendenzen ... , p. 438; RUDOLPHl, tive ... , pp. 214-215; com especial C'nfase, RUDOLPHl, Zweck ... , pp.
Der Zweck ... , p. 76; WOLTER, Adäquanz ... , p 257; Irrtum .. , p. 671; 76-77: "Proibi,;6es penais sempre säo pro1hi,;iio de as;6es objetivamente
Grundfragen, p. 106; Strafwürdigkeit .. , p. 271, Tntenuitionale Dogma- perigosas.", c p. 81; WOLTER,Adäquanz ... , p. 257; Irrtum .. , p. 672,
tik ... , p. 13. Ern Objekti11e 1mdpersonale. , pp. 26-27, p. 47, disnepa o Objektive und personale, p. 26, p. 47, p. 94; Grundfragen, p. 105.
autor, cons1derando que a norma de detennma<;iio se dirige ii proibi<;iio 164. Por ex., Arm. KAUFMANN, Zum Stande ..., p. 403: "Mesmo a
de a,;öes finais, mesmo niio perigosas, como no finalismo rxtrcmo. 0 tentativa supersticiosa e, assim, um injusto". Um exemplo de tentativa
1licito, porem, niio se esgotaria na contranedade ii nonna de determina- supersticiosa seria rogar o pai de santo uma praga para que alguem morra,
<;iio,mas compreenderia tambem uma contranedade ii nonna de valora- ou conjurar um demönio quc se acrcdita capaz de dominar os raios e
<;iio.Esta teria por objeto o risco criado pelo comportamento do autor. matar uma pessoa {exemplo de ZIELINSKI, Handlungs .. , p. 161, nota
Sobre nom1as de detennina,;ao e normas de valora<;iio, na escola de 33, que considera tal tentativa um ato ilicito)
ROXJN, tambem, HAFFKE, Die Bedeutung der Differenz 110nVerhal- 165. ROXJN, Funcwnalismo . ., p. 73, SCHÜNEMANN, Modeme Ten-
tens- und Sanktionsnormenfür die strafrechtliche Zurechnung, em: Schü- denzen ... , p. 438, p. 441; Über die objektive ... , p. 216; RUDOLPH!, Der
ncmann / FiguC'irc>doDias (eds.), Bausteine des europdischen Strafrechts Zweck .. , p. 78; WOLTER, Adäquanz ... , p. 257; Der Irrtum .. , p. 671-
- Coimbra-Symposi11mfür Clau.s Roxin, Heymanns, Köln, 1995, p. 89 672; Konkrete Erfolgsgefahr ... , p. 750, 754; Objektive und personale ... ,
e ss. p. 48, p. 75 e ss., p. 94, p. 103 (para o delito omissivo), Strafwürdig"
1G2. Relemhre-se, aqui, a constrni;:iio de Armm Kaufmanne sua escola, keit ... , p. 272.
calcada nas normas de dctcrmina,;5o (antcriormcntc, III, 3, e) 166. Sohre a teoria da adequai;äo e a prognose p6stuma objetiva, cf.
163. ROX!N, Reflex6es .. , p 148, em Funcionalismo. , § 7/57, e anteriormente, 111,3, a.
Schuld ... , pp. 238-239, entende o autor que o prindpio da culpabilidadc 167. ROXIN, Reflex6es .. , p. 149 c ss., Finalität .. , p. 238, p. 249; A
fundamenta a imputa<;äo objetiva; j8 em Prefiicio do autor a trad1tfäO teoria ... , II, l; Funcionalismo . ., § 11/49.

80 81
~öes do Direito Penal, o quc sc mostra ilegitimo dentro que condi\öes, o ordenamento jurfdico esta disposto a
de um Estado Social de Direito, que s6 restringe a liber- aceitar que se pratiquern ac;:öes perigosas. 0 risco de
dade do cidadäo na medida do estritamente necess3.rio. dirigir E'pcrrnitido, desde quese respeitem os lirnites de
A idE'ia de risco, centro de toda a moderna teoria da velocidadc e as dcmais regras de tränsito; o risco de
imputa~äo objetiva, fundamenta-se, desta forma, no fato fabricar e vender armas E'permitido, desde quese obser-
de que o Direito Penal, para proteger bens juridicos e vem as normas jurfdicas e tCcnicas que rcgulam a ativi-
cumprir sua fun~äo preventiva, s6 pode proibir a~öes ex dade. Os detalhes da concretizac;:30 dcstc risco permiti-
ante perigosas. do, atravCs de normas juridicas (por ex., o C6digo Na-
Mas nem todas as condutas perigosas säo proibidas cional de Tr3.nsito}, normas tE'cnicas {por ex., certos
pelas normas penais. 0 dia-a-dia E' repleto de ac;:6esque standards de seguranc;:a, fixados por associa~6es priva-
geram riscos altamentc significativos, ou, na terminolo- das), a figura do homem prudente (o motorista pruden-
gia da imputac;:äo objetiva, juridicamente relevantes. A te, o fabricante de armas prudente, o mE'dico pruden-
quantidade anual de 6bitos no tr3.nsito E' mais do que te ... , a serem utilizados Ja onde a atividade näo esteja
prova do perigo inerente a esta atividade. lgualmente, a regulada), o princfpio da confianc;:a (a idE'ia de que, em
fabrica~äo e venda de armas E'permitida dentro de certas princfpio, ninguE'm precisa contar com o comportamen-
condü;öes, ainda quese saiba serem armas artefatos pe- to antijuridico alheio, mas pode confiar em que o tercei-
rigosos, com voca~äo para a destruic;:äo de bens juridicos. ro respeitarä o Direito), näo podem ser analisados nesta
Proibir terminantemente a pratica de toda ac;:äoperigosa sede 170. Ja estamos, em grande parte, familiarizados com
congelaria a vida social, transformaria o dia-a-dia em um eles, uma vez que os conhecemos, sob outra rubrica: näo
museu 168, restringindo a liberdade dos cidadäos de modo risco permitido, mas clever objetivo de cuidado, no deli-
absolutamente desproporcional ao efetivo ganho em to culposo. Contudo, deve-se apontar para o princfpio
protec;:äo de bens jurfdicos. 0 Direito Penal objetiva a geral, que orienta todas estas concretizac;:6es: uma pon-
prote~äo de bens jurfdicos, mas näo a protec;:äo a qual- derar;iio, entre a liberdade geral dos cidadäos, de um
quer custo: s6 E'politico-criminalmente defens3.vel proi- lado, e os bens juridicos que se deseja proteger, de ou-
bir ac;:6es que, alE'm de arriscadas, ultrapassem o risco tro171. Nesta ponderac;:äo, säo de levar em conta especial-
permitido 169 . Este conceito define atE' que ponto, e sob

im Strafrecht, Dtmcker & Humblot, Berlin, 1974, p. 15 e ss., que,


J 68. Para usar a bcla imagem cunhada por WELZEL, Studien, p. 140, ao
porCln, confere a esta figura furn;äo d1versa dentro do delito culposo (p.
fundamentar a necessidade do conccito de adequa\äO social.
78 e ss.) e doloso (p. 194 e ss.).
169. ROXIN, Reflexi5es... , p. 152; Finalität..., p. 245, p. 249;A teoria .. ,
170. Paramais dctalhes, vide ROX!N, Strafrecht.,§ 24/14 e ss.;
!II 2· Funcionalismo .. § 11/60; SCHÜNEMANN, Modeme Tenden-
' ' / 6 BURGSTALLER, Das Fahrlässigkeitsdelikr ... , p. 44 e ss.; e, em especial,
zen ... , p. 575, RUDOLPH!, Der Zweck ... , p. 81; SK vor§ 1/62; WOL-
a investiga,;:iiode KUHLEN, Fragen einer strafrechtlichen Produkthaf
TER, Adäquanz ... , p. 264.
tung, C. F. MUl!er, Heidelberg, 1989, p. 101 e ss.; entre n6s, CIRINO,
Sobre o risco pcrmitido, dentre a imensa bibliografia existente, cf. prin-
A moderna ... , p. 102 e ss.
cipalmente o hist6rico de PREUß, Untersuchung zum erl.aubten Risiko
171 ROXIN, Viol.aräo do dever ... , p. 259; Finalität ... , p. 245: "motivos

82 83
mente o valor do bem jurfdico protegido, o grau de to de vista da prevenc;ao geral negativa, purnr o autor
perigo criado pela ac;äo que o ameac;a, a existencia de pela realizac;ao de riscos que näo criou, justamente por
alternativas menos arriscadas etc 172. A fixac;äo do risco näo poder ele impedir outros riscos que näo aqueles por
permitido e mais um ponto em que conhecimentos em- ele criados. Punir o autor quando se realiza um risco
pfricos se mostram fecundos, tambem para o dogm.3.ti- geral da vida (como no caso da acidente de ambuläncia),
coi7~_ ou um risco criado por um terceiro (mE'dico comete erro
Sabemos, agora, o porque do primeiro requisito da crasso ao operar a vftima lesionada pelo autor), näo me-
irnputac;äo objetiva, a cria~äo de um risco juridicamente lhoraria, em absoluto, a situac;äo destes bens jurfdicos,
desaprovado (nii.o permitido). Contudo, para que um uma vez que eles poderiam muito bem realizar-se sem
resultado possa ser imputado a alguem, e preciso, ade- qualquer intervern;äo do autor. Alem disso, seria disfun-
mais, que ele surja como a realiza~;iioda risco criado pelo cional tambem em face das finalidades de preven~äo
autor. Isso decorrc, tambem, da fun~äo preventivo-geral geral positiva que se responsabilizasse o autor por riscos
do Dircito Penal, tanto em sua modalidade de prevenc;äo por ele näo criados: os cidadäos somente compreenderäo
geral negativa (intimidac;äo de potenciais ofensores) o sentido reprovävel de um comportamento proibido se
quanto de prevern:_;äogeral positiva (reafirmac;äo do or- o resultado por ele causado näo o suceder por acaso, mas
denamento jurfdico violado). Näo faria sentido, do pon- como a realizac;äo do risco criado pelo autor 1 74 .
Note-se que, se, no plano da cria<:_;äo
de riscos juridi-
camente desaprovados, a conduta do autor era analisada
&uperiores de interesse pU.blico"; Funcionalismo. ., § 11/60; SCHÜNE-
segundo a 6tica de uma norma imperativa (norma de
MANN, Moderne Tendenzen ... , p. ~75; RUDOLPH!, SK6 vor§ 1/62;
WOLTE.R,Adäquanz ... , p. 265. determinac;äo), de uma perspectiva ex ante, agora, no
172. Sohn:- a pondera,;äo, especialrnente SCHÜNEMANN, Moderne plano da realizac_;äodo risco, esta anälise e complemen-
Tendenzen ... , p. 576, que apresenta urna tipologia de a,;öes, cada qua! tada por uma norma de valorafiio, que incide ex post 175 .
corn nlveis cresrentes de riscos permitidos: a,;öes de luxo, a,;öes social- Isto e, para descobrirmos se um risco se realizou ou näo
mente comuns, a,;öes socialmente Uteis e a,;öes socialmente necess.1rias;
CASTALDO, La concreci6n de/ 'riesgo jur[dicamente relevante', ern:
no resultado, e necessärio acudir a todos os dados faticos
Silva-Sanchez (ed.), Politica criminal y nuevo derecho penal - Libro relevantes, mesmo äqueles que s6 seriam reconhedveis
homenaje a Claus Roxin, Bosch, Barcelona, 1997, p. 233 e ss., PRITT- ap6s a prätica da conduta, tais como uma doenc;a grave
WITZ, Die Anstechungsgefahr bei Aids, em: JA 1988, p. 427 e ss. (p.
436 e ss.); parn urna exposi,;äo (um tanto desordenada) dos criterios
presentes na doutrina, do mcsmo autor, Strafrecht und Risiko ... , p. 281 174. Apresentando esta fundarnentm;äo da perspectiva da preven,;äo ge-
e ~s. Sohre a pondcrac;:fo de bcns e intercsses e sua importäncia para o ral positiva, WOLTER, Der Irrtum ... , p. 686; Konkrete Erfolgsgefahr... ,
iliffitu em gern!, Lf. !...AHENZ,Me1hodische Aspekte der "Güterabwäg- p. 751; Objektive und personale ... , p. 49, p. 72:
:mg", em: Haus~/ Schmidt, Fr:sl:,chriftfür Klingmüller, Verlag Versiche- 175. WOLTER, lrrtum ... , p. 681; Objektive und personale .. , p. 28, p.
nmgswirt~cbft, Karlsn1he, J 974, p. 235 e ts. 69; Grundfragen ... , pp. 106-107, p. 111; Strafwürdigkeit ... , p. 271, p.
173. Cf. ROXIN, Sobre a fundamenta~iio ... , p. 16. Sobre a importäncia 272; Internationale Dogmatik . ., p. 10; SCHÜNEMANN, Über die ob-
do empfrirn nunrn do;;m.1tirn polftICo-criminalmente orientada, cf. ante- jektive ... , p. 216, p. 219. Sobre a opiniiio discrepante de ROXIN, cf.
riorr.1entc, !V, 2, b. anteriorrnente, nota 155.

84 85
e rarfssima da vftima, que a tornaria vulncravel a trata- gosas, par ex., tem por finalidade evitar colisöes; se 0
mentos absolutamente normais. motorista ultrapassado sofrc, em virtude da susto, um
A realizac;:äo do risco depende, na verdade, de requi- ataque cardiaco, tal resultado encontra-se fora do firn de
sitos decorrentes da mesma ideia preventivo-geral: em protec;:ao da norma. 0 raciocfnio por tnis desta exig@ncia
primeiro lugar, a previsibilidade do resultado, e do curso E'simples: punir a autar ainda quando se realizem resul-
causal que a ele levou 175 . Afinal, näo faz sentido querer tados que a norma niio pretendia ev1tar em nada aumen-
evitar, mediante a ameac;:a penal, aquilo que ninguE'm tara a seguranc;:a dos bens Jurfdicos; quem tem corac;:8.a
pode prever. S6 resultados e cursos causais previsfveis fraco pode sofrer ataques cardfacos em face de qualquer
(novamente, teoria da adequac;:äo, mas desta vez, de uma susto, desde o decorrente de uma ultrapassagem perigo-
perspectiva ex post) podem ser 1mputados ao autor 17 i. sa e proibida, atE' ade uma ma notfcia. Noutras palavras:
Ern segundo lugar, o röultado deve pertencer 3.quele por niia guardarem qualquer relac;:äocom o risco criado
cfrculo que a norma de determinac;ao pretendia evitar· pelo autor, tais resultados näo sao por ele evitaveis atra-
resultados alheios ao Jim de proter;iio da norma näa säo vE's da niia-prJtica da ac;:äoproibida 17'-l_ Näo se pode jus-
imputaveis 178 . A norma que profbe ultrapassagens peri- tificar, em face da autar, a proibic;:äo de ultrapassagens
perigosas falando-lhe. da possibilidade de ataques cardfa-
cos das pessoas ultrapassadas.
176 ROXIN, Funcionalismo. , § 11/63, que fola em "se:gundo juizo de Par firn, se o Direito Penal quer proteger bens jurf-
perigo", com o que foz clara n+cr(·ncia il tcoria da adcqua<;;äo, a previsi-
dicas atravE's de proibii;;:öes de condutas criadoras de
bilidade, de um ponto de vista ex post; SCHÜNEMANN, Modeme
Tendenzen. , p. 580; RUDOLPHI, Vorhersehbarkeit. p. 551,552, que riscos juridicamente desapravados, näa faz sentida punir
insiste na necess1dade de complemcntar este critfrio com considera,;:öes alguE'm nos casos em que, apesar da causai;;:äodo resulta-
sobre o firn de prote,;:ao da norma; WOLTER, Irrtum ... , pp. 677-678; do, este se mastra inevitJvel, uma vez que teria ocorrido
Objekiiue und personale ... , p. 29; Internationale Dogmatik .. , p.16 e ss. mesmo com a observäncia dos limites do risco permiti-
177 Ern especial SCHÜNEMANJ\T, Moderne Tendenzen ... , p. 582; jä
da. 0 autar näo pode ser responsabilizado se seu com-
WOL TER, Objektive und personale.. , p. 30, argumenta predorninante-
mente com a componente positiva da prcvcn,;:äo gcral (cxercicio de portamento cantr;iria ao clever, ex ante criadar de um
fide!idade ao Direito). risco juridicamente desaprovado, näo tiver sequer dimi-
178. ROXJN, Reflex6es ... , p. 154 c ss.; o estudo Zum Schutzzweck .. , nufdo as chances de sobreviv@ncia do bem jurfdico 180 ;
apcsar do titulo, trata bern lirnitadamente do firn de proter;ilo da norma,
cnfocando de rnodo primäno casos do que ROXIN atualmente chama
de "alcance do tipo" (a respeito desta distinr;äo, adiante, V, !), A teo- delikte, Nomos, Baden-Baden, ZOO!, que a p. 19 e ss. expöe as pos1~öes
ria ... , III, 3; Funcionalismo, § 11/72 e ss.; SCHÜNEMANN, Modeme de RUDOLPHI c ROX!N.
Tendenzen ... , p. 715; Die deutschsprachige ... , p. 358 c 5S. Pioneirarnente, l 79. Assim, aproximadamente, RUDOLPHl, Vorhersehbarkeit .. , p.
RUDOLPHI, Vorhersehrbarkeit ... , pp. 551-552; SK6 vor§ 1/64; WOL- 551
TER, Objektiue und personale ... , p. 34 l e ss., Grundfragen . ., p. 113, 180. ROXIN, Violarao do dever .. , p. 257, p. 259; Reflex6es ... , p. 153;
117. Funcionalismo, § 11/76 e 77; SCHÜNEMANN, Modeme Tendenzen. .. ,
Sobrc a teoria do firn de prote,;:ao da nornia ern geral, cf. DEGENER, p. 652; Die deutschsprachige .. , p. 356, e Über die objektive ... , p. 226-
'Die Lehre vom Schutz:zweck der Norm' und die strafgesetzliche Erfolgs- 227, que defende uma vana~äo normativa da teoria do aurnento do risco;

86 87
1

noutras palavras, s6 lhe scräo imputadas aquelas lesöes uma lei natural, do resultado 183 . A causalidade näo deixa,
decorrentes de um aumento do risco em face do com- em absoluto, de ter um lugar no tipo objetivo; e,porE'm,
portamento alternativo confonne ao Direito 181. uma questäo terminol6gica e secund.iria, se a posiciona-
Talvez alguem pergunte: rnas e a causalidade? Aqui mos dentro da imputac;:äo objetiva, no plano da realiza-
falou-se unicamente em previsibilidade, firn de protei;äo c;:äodo risco, ou fora dela, como seu pressuposto funda-
da norma e aumento do risco; contudo, sera possfvel mental.
imputar um resultado, considerando-o realizai;äo de um A guisa de sintese: a imputac;:äo objetiva encontra seu
risco, se, presentes estes tres requisitos, faltar a causali- fundamento na idE'ia de que o tipo tem de ser reconstruf-
dade? De maneira alguma. A realizai;äo do risco, ao con- do a firn de cumprir uma funräo preventiva, de prote<;,:äo
trario do que pensam alguns 182, näo substitui a causalida- de bens juridicos. Esta funcionaliza1;äo do tipo faz com
de, mas a pressupöe· eimpossfvel dizer que determinado que s6 merec;:am ser proibidas ac;:Oesex ante perigosas,
risco se realizou no resultado, se a conduta do autor näo que ulfrapassem o risco permitido. Igualmente, a func;:äo
foi sequer conditio sine qua non, ou, para utilizar a teoria preventiva s6 sera plenamente satisfeita se o risco ex post
mais aceita na Alemanha atualmente, condic;:äo segundo realizado no resultado seja aquele que o autor criou, e
näo um outro.

RUDOLPHI, Vorhersehbarkeit ... , p. 554: "O firn de proter;äo da norma b) fundamento puitico
Cevitartodo resultado causado por um risco aumentado"; SK6 vor§ 1/66
e ss; WOLTER, Objektive und personale . ., p. 37 e ss., especia!mente p.
334 e ss.; Grundfragen . ., p. l 1Z e 117, onde declara que a idcia de Os fundamentos da teoria da imputac;äo objetiva säo
aumento do risco como "dccorr&ncia do fato de que as normas proibiti- mais do que s6lidos, uma vez que se alicerc;:am nas fun-
vas näo podem impedir a intcrvem;äo perigosa em bens juridicos sem c;:6es do tipo, as quais remetem a func;:äo do Direito
levar em conta se a obscrväncia da norma tena protegido o bcm jurfdico, Penal, que, por sua vez, e diretamente fundada na Cons-
garantindo-lhe (seguramenteJ uma possibilidade de salvar;äo"; Interna-
tituic;äo Federal e na ideia do Estado Social e Democr.i-
tionale Dogmatik .. , p. 12; Menschenrechte ... , pp. 7-8.
181 Sobre este grnpo de casos, denominado "comportamento alternati- tico de Direito. Contudo, a prova de fogo de qualquer
ve conforme ao direito", cf. ERB, Rechtmäßiges Alternativverhalten und teoria jurfdica e sempre a questäo da sua utilidade präti-
seine Auswirkungen auf die Erfolgszurechnung im Strafrecht, Duncker & ca184.A teoria da imputai_;äo objetiva serve, realmente,
Humblot, Berlin, 1991, que a p. 72 e ss. expöe as principais teorias
,i defendidas a respeito, com analise inclus1ve do direito civil.
182. PosifäO defendida, por ex., OITO, Risikoerhöhung statt Kausali" 183. Cf., sobre esta teoria da condir;äo conforme a uma lei natural,
ti:ltsgnmdsatz als Zurechnungskriterium bei Erfolgsdelikten, NJW 1980, formulada por ENGISCH, Die Kausaliti;it als Merkmal strafrechtlicher
p. 417 e ss., (p. 421), que näo parece ma1s se ater a ela cm seu manual Tatbestände, Mohr-S1ebeck, Tübingen, 1931, p. 21, vide, na atualidade,
(Grundkurs .. , § 6/40"43); SCHMIDHÄUSER, Strafrecht -Allgemei- ROXIN, Funcionalismo ... , § 11/14 e ss., e HILGENDORF, Der gesetz-
ner Teil. Ein Studienbuch, Mohr-S1ebeck 1 Tübingen, 1982, § 5/60; BUS- mär:.igeZusammenhang" im Sinne der modernen Kausallehre, em: Jura
TOS RAMfREZ, La imputaci6n objetiva, em: Teor[as actuales e-n el 1995, p. 514 e ss., bem como as fapidas considerar;öes adiante, por
Derecho Penal, Ad Hoc, Buenos Aircs, 1998, p. 211 e ss. (p. 211 ); e, oc:asiäo do sistema de PUPPE (item V, 4).
entre n6s, por JESUS, Imputa,;O.o.. , p. 23. 184. Neste sentido, radicalmente, o classico estudo de HECK, Begriffs-

88 89
para alguma coisa? Que casos da vida real ela pode solu- digo Pcnal ern vigor, torna-sc rnaceit.ivel a exclusao da
cionar? Ela näo sera, rnuito mais, uma conslrui;:äo de responsabilidade do apelado, pourn importando a ocor-
rneia dllzia de juristas tedescos, que nada tE'rn de melhor rE'ncia do choque anestE'sico causado, ou näo, por exccs-
a fazer do que fantasiar casos absurdos, como o do sobri- so de eter ou por imprudE'ncia dos medicos operadores."
nho que manda o tio para a floresta - ou, nas palavras Recha~ou-se, claramente, que a imprudE'ncia de terceiro
de Paulo QUEIROZ, '\una pura especula~äo te6rica pudesse vir a negar a releväncia da contribui(J10 do autor
desprovida de inter esse prätico "185? para o resultado. 0 reu responderia, portanto, pelo cri-
Uma resposta adequada a estas indaga~6es - que, me consumado.
sem dtivida, se JUStifkam - s6 pode ser dada atraves de Aqui vE'-sebem de que maneira a näo distirn;äo entre a
um lev~ntamento dos casos iulgados pelos tribunais. E, causalidade e a imputa<:;:fofaz com que, ap6s afirmar-se a
de preferE'ncia, por nossos tribunais E o que se fara, de pnmeira, automaticamente se admita a segunda. A pcr-
rnodo bastante sumario, por 6bvias raz6es de espa~o, a gunta que o Tribunal näo fonnulou, mas que hoje, de possc
seguir. de uma teoria da imputa<:;äoobjetiva, podemos formular, e
sc o crro de um terceiro näo interrompe a imputa<;:äo ao
Julgado 1: Caso do choque anestisico 186: Trata-se de causador das primeiras les6es. Isto e bastante controverti-
um caso classico de desvio no curso da causalidade. 0 do na doutrina, que, predominantemente, opta por uma
reu lesionara o ofendido "mostrando sua vontade de solu<:;äointermedia: ficara exclufda a imputa<;:äoem face da
eliminä-lo". Porem, a morte s6 ocorrera em virtude de culpa grave de terceiro (no caso, dos anestesistas ); no caso
"choc;·1e anestesico, sobrevindo sincope cardfaca". Argu- de culpa leve, havera imputa~äo 187 .
mentou a defesa que "os ferimentos näo foram direta-
mente responsäveis pela rnorte, e mais, näo fosse a vfti- Julgado 2: Caso da vftima cardiopata 188 : o autor
ma anestesiada com excesso de eter sulfurico, näo teria disparara, com dolo de homicfdio, contra a vftirna. Esta,
falecido." Haveria superveniE'ncia de causa, isto e, inter- de cora~äo fraco, mesmo näo sendo atingida por quais-
rup~äo do nexo causal, com base no art. 11, parägrafo quer dos projE'teis, sofreu uma parada cardfaca, em vir-
unico, do CP/40, atual art. 13, § ] CP/84. 0
, tude da qual veio a falecer. Acabou-se por condenar o
0 Tribunal näo acolheu a alega~äo da defesa: "ante a reu por tentativa de homicfdio, uma vez que "para que
teoria da equivalE'ncia das condi~öes, adotada pelo C6- pudesse o acusado responder por um delito de homicf-
dio contra a vitima, necessäria se tomaria a existE'ncia de
bildung und Interessenjurisprudenz, em: Das P ,em der Rechtsgewin-
nung/ Gesetzesauslegung und Interessenjurisprudenz / Begriffsbildung 187. Pioneiramcnte, ao que parece, BURGSTALLER, Das Fahrliissig-
und Interessenjurisprudenz, Verlag Gehlen, Bad Homburg von der Höhe keisdelikt . ., p. 119 e ss.; OTTO, Grenzen der Fahrliissigkeitslw.ftung im
etc., 1968 (original: 1932), p. 142 e ss. (pp. 146-147) Strafrecht, em: JuS 1974, p. 702 e ss., (p. 709), diferenciando mais
185. QUE!ROZ,A teoria . ., p. 8. detalhadamente, ROXIN, F1mc10nalismo. ., § 11/115 e ss.
186. Julgado pclo Tribunal de Justi.;;a de Sao Paula, RT 382, (1967), p. 188. Julgado pelo Tnbunal de Justi.;;a de Säo Paulo, RT 405 (1969), p.
97 e ss. 128ess.

90 91
r
um nexo causal entre sua conduta (tentativa 'branca') e (broncopneurnonia), com letalidade independente",
o 6bito. Ora, como o acusado certamente ignorava o condenando o acusado por lesöcs corporais.
estado cardfaco da vitima, fon;:oso E' concluir-se que, 0 Ministfrio PUblico alegou, em contrapartida, que
mesmo ideologicamcnte, näo se pode ligar o evento mor- "os doentes e convalescentes tem propensäo iis infec<;öes
te com o ato praticado pelo rE'u". dos br6nquios. Constantemente pessoas subrnetem-se a
Apesar da formulac;:äo ambigua da decisäo (que sig- tratamento em hospitais, e quando passam a rccupera-
nifica o "ideologicamente"?), parece quese quis negar o <;äo, säo acometidas desses mal es e vem a falecer", o que
nexo causal que, porE'm, estava indubitavelmente pre- significa que inexiste motivo para negar a causalidade. 0
sente. Alias, o corac;:80fraco seria um exemplo daro de desdobramcnto causal näo fora inadequado, näo sendo
causa preexistente relativamente independente, que, se- de aplicar-se o art. 11, parigrafo Unico (atual art. 13, §
gundo a doutrina tradicional entre n6s, näo exclui a im- 1°]. Foi neste scntido que decidiu tambE'm o Tribunal,
putac;äo. A adoc;:äoda imputac;:äo objetiva forneceria os condenan.do o rE'u por homicidio culposo.
fundamentos corretos para a decisäo: o risco criado pelo Aqui bem se veem as semelhan;as entre imputa~äo
autor ao disparar e o risco de falecer em virtude de tiros. objetiva e a teoria do crime culposo. 0 que me parece
Se a vftima morre ern virtude de cardiopatia desconhe- duvidoso, contudo, f'.o juizo de previsibilidade formula-
cida do autor, o risco quese realizou no resultado näo foi do com tamanha certeza pelo Ministf'.rio PUblico e aco-
o risco por ele criado. Se o autor conhecesse o estado da lhido pelo Tribunal, para os quais seria comum que al-
vftima, a solu;äo seria outra, urna vez que conhecirnen- guE'm adquirisse broncopneumonia ao ser internado em
tos especiais do autor devem ser levados em conta no
um hospital. Dever-se-ia recorrer a um perito - o que,
momento de formular o jufzo do risco juridicamente
se foi feito, näo e mencionado -, urna vez que o juizo
desaprovado.
de previsibilidade tem de levar em conta dados empiri-
cos, näo podendo esgotar-se na intui~äo do julgador.
Julgado 3: Caso da broncopneumonia 189 : aqui, o rE'u
lesionara a vltima culposamente, num acidente de trän- Tambf'.m seria de questionar-se em que medida näo f'. o
sito. Esta fora levada a um hospital, vindo a falecer "dois hospital o responsivel pelo cont:igio de certas doen<;as
dias depois, em razäo de broncopneumonia eclodida no em suas dependencias, mormente quando estas doen~as
curso do tratamento de traumatismo cränio-encefalico". possam ser facilmente evitadas. Ao menos na hip6tese
0 juiz de primeiro grau, de cuja senten;a apelou a acu- de culpa grave do hospital - para cuja admissäo, igual-
sa;äo, havia entendido que "o resultado morte näo podia mente, seriam necessärios mais dados faticos, inclusive
ser imputado ao rE'u, por ter o 6bito decorrido de uma prova pericial - näo se poderia imputar a morte ao
rela<;äo causal superveniente relativamente aut6noma primeiro causador 19CI_Mas esta possibilidade de a culpa
de um terceiro interromper a imputa~äo do resultado s6

189. Julgado pelo Tribunal de Al(,:ada Crimmal de Sao Paulo, RT 455,


{1973), p. 376 C SS. 190. Cf a nota de rodape 187

92 93
r
podera .ser vista a medida quese dispuser de uma teoria vftima antes do casamento desta, divulgou tal fato no
como a moderna imputai;äo objet1va. cfrculo de relac_;6es do casal. 0 marido afundou-sc em
depressäo, o que o levou a suicidar-se. 0 Tribunal rejei-
Julgado 4: Caso do caminhdo basculante 101: o rCu tou a acusac_;äo,alegando: "o C6digo adotou a 'teoria da
transportara algurnas pcssoas na carroceria de scu cami- equivalE'ncia' ( ... ). Ncssa estrutura, torna-se m~uto diff-
nhäo, "absolutamcnte inadcquada a tal tipo de transpor- cil admitir que o foto de o recorrido haver dif amado a
te" vindo a ferir um dos passageiros. J\lcgou, ern sua
1
esposa de D tenha levado este a morte."
defesa, cu!pa da vftima, o que foi de plano descartado Neste caso, mais uma vez, a intuic_;äofalou mais alto
pelo Tribunal: "mesrno que a atitude ncgligente ou un- que a teoria. Ec!aro que, segundo a f6rmula da conditio
prudente da \·ftirna tcnha contribufdo para o desastrc, tal
sine qua non, o autor causou o resultado: näo tivesse ele
erro näo elidc a cul pa do motorista", que o condenou por
lesöcs corporais culposas. difamado a ex-amante, Sf'U marido näo teria cafdo em
A qucstäo da auto-responsabilidade da vftirna que se depressäo, e näo tcria se suicidado. 0 problema est:i,
exp6c, de modo inteiramente livre e consciente a certos muito mais, na imputac_;äo objetiva. Difamar uma pessoa
perigos, sequer e tematizada pdo Tribunal. Aqui, ao que naü cria riscos juridicamente relevantes de que terceiros
tudo indica, a solrn;äo corrcta seria absolver o autor, em a ela ligados se suicidem. 0 risco criado pelo autor com
face da chamada autocolocac_;äo em perigo das vftimas, ou sua a~äo de difamar dirige-se, exclusivamente, a honra
ao menos da heterocolocac_;äo em perigo consentida 192 . da vftima.

Julgado 5: Caso da broncopneumonia Il 193 : julgado Julgado 7: Caso da diabetes 195 : a vftima, ferida cul-
em sentido idE'ntico ao anterior Uulgado 3), condenan- posamente pelo reu, padecia de diabetes, vindo a fale-
do-se o reu por homicfdio culposo. Säo cabfveis as mes- cer. Negou o acusado o nexo de causalidade, alegando
mas rcservas antes formuladas, mas a soluc_;äo parece que a causa exclusiva da morte fora a doenc_;ada vftima,
tendencialmente correta. e näo as fraturas e luxac_;6es oriundas do acidente de
tränsito. 0 julgado, baseando-se na perfcia, para a qual
Julgado 6: Caso da esposa difamada e do marido "a fratura-luxac_;äo poderia ter agido como concausa" do
suicida 194 : 0 reu, que tivera um caso com a esposa da resultado morte, declarou: "pouco importa que a condi-
c_;äode diabE'tico do ofendido haja concorrido para a
191 Ju!gado pelo Tnbunal de Justi<;a de Minas Gerais, publicado na RT
produc_;äo do resultado com preponderäncia para a con-
469, (1974), p. 406 e ss. duta dos apelantes". Afastou-se, logo ap6s, a incidE'ncia
192.A respeito destas categorias, ROXIN, Funcionalismo . ., § 11/91 e do par:igrafo Unico do antigo art. 11 (hoje art. 13), com
"193. Julgado pelo Tribunal base na li<;äo de Damilsio de JESUS, para quem "causas
de Al<;ada Criminal de Säo Paulo, RT 504,
(] 977), pp. 381 e SS.
194. Julgado pelo Tnbunal de Jmti,,:a de Sao Paulo, RT 497 (1977), p. 195. Julgado pdo Trihunal de Al\-ada Criminal de Siio Paulo, RT 527
321 ess.
(1979), p. 36] C 5~

94
preexistentes e concomitantes, quando relat1vamente
independentcs, näo excluem o resultado", condenando-
r
'
o julgado, por infelicidade, aplicou a teoria da causa
se o reu por homicfdio culposo. erveniente relativamente independente, sem perct:'-
sup . . d . 0 , -
ber que belfssimo caso tmha d1ante e s1. caso : t~o
Aqui, novamente, fica claro de que maneira a teoria
· teressante que mesmo a construi;äo moderna tena se-
das causas concomitantes, antecedentes, supervenientes
rias dificuldades em resolve-lo. 0 pro blema eo
m , segumte:
·
etc. serve de via de acesso do versari in re illicita, da
em que medida resultados oriundos de cirurgias estE'ti-
responsabilidade objetiva, sem culpa, no Direito Penal.
cas 1 as quais se submeteu a vftima no intuito de reparar
Mais adiante, tratarei destas concausas, criticando-as
0 d ano causado pelo autor, podem a ele ser imputados?
(item VI, 2, b). 0 caso e bem simples: a diabetes f' algo
Tais resultados estaräo ou näo cornpreendidos no firn de
completamente imprevisfvel, uma vez que ninguem por-
prote~äo da norma? Seräo eles previsfvcis? Näo arri_sco,
ta na testa o cartaz "cuidado, sou diabf'tico". O autor
por ora, urna resposta. 0 caso ser~e, co_ntudo, rara 1lus-
podera, no mäx1mo, responder pelas les6es culposas,
trar o quäo perigosa e a utilizai;äo 1medrnta e ~a? fund_a~
quc säo a materializai;äo do risco por ele criado; jamais,
rnentada de t6picos da teoria da imputai;äo obiet1va. Nao
contudo, pelo risco de morte, oriundo da doeni;a da qual
basta dizer que determinado resultado estä fora do firn
näo tinha nem p\Jdia ter qualquer conhecimento.
de protei;äo da norma; e'preciso, anteriorme_nte, deter-
rninar qua! e o firn de prote~äo da norma v1olada pelo
Julgado 8: Caso da cirurgia facial 196 : durante uma
partida de futebol, vftima e autor se desentenderam. O autor no caso concreto 197 •
autor conseguiu derrubä-Ja e, aproveitando-se de encon-
trar-se ela caida, desferiu-Ihe violento chute no rosto Julgado 9: Caso da mulher hipertensa e cardi~pa-
tal98: 0 marido, sabedor das rnales de que padecrn a
que lhe fraturou o maxilar e arrancou värios dentes. Par~
eliminar a deformidade, submeteu-se a vftima a opera- esposa, ainda por cima grävida de muitos meses, _agredi~-
i;öes faciais, vindo a falecer em virtude de uma delas.
a vindo ela a morrer. A publicai;äo, bastante sucmta, nao
Aplicou o tribuna] o art. 11, parägrafo Unico, do CP)40, e~clarece se a agressäo foi dolosa ou culposa; mas houve
declarando interrompido o nexo causal, por que "a causa condena~äo por homicfdio culposo, ap6s afirmai;äo do
superveniente, por si s6, produziu o resultado". Trazem- nexo de causalidade, em virtude das conhecirnentos do
se ä. colai;äo os ensinamentos de HUNGRIA neste sen- autor.
tido e de Paula Jose da COSTA JR., que pugna pela Tem-se, aqui, um caso em que a jurisprudencia che-
teoria da adequa~äo, sem que, contudo, fique claro se se gou a resultados corretos, sem, contudo, dispor d~ ins-
fez efetivamente aplicai;äo desta doutrina, ou se se tra- trumentärio te6rico adequado para fundamenta-los.
tou unicamente de um obiter dictum. Noutras palavras: aqui, por sorte o caso caiu nas mäos de

196. Julgado pelo Tribunal de Justic;a de Säo Paulo, RT 530 (1979), p. 197. A respeito deste perigo, cf. adiante, item VI, 1, b.
329 e S5. 198. Julgado pelo Tribunal de N<;;ada Criminal d<' Säo Paulo, RT 536
(1980), p. 341.
96
97
um juiz de boa intui(;äo. Apesar de a nossa teoria do absolvido, pela inexistE'ncia do nexo de causalidade en-
delito culposo falar unicamente em previsibilidade obje- tre a viola(_;:äodo cuidado e o resultado.
t1va no plano do tipo, o juiz entendeu a necessidadc de A decisäo, salvo um pequeno des!ize (falar em rela-
complementar esta previsibilidade objetiva com os co- t;:fo de causalidade entre infra~ao e atropelamento) apli-
1;hecimentos de que o autor, individualmente, disponha. cou corretamente a dogm;itica do delito culposo. Aqui,
E para isso que serve uma boa teoria: para evitar que o näo houve viola~äo do cuidado objetivo pelo autor: ele
julgamento acertado do caso dependa da sorte ou da inclusive olhou a retaguarda e s6 deu marcha a re ap6s
intuit;:aü do juiz. A teoria da imputa<;:äo objetiva fornece- tomar as dcvidas precau~öes. Mas e claro que a teoria da
ria os fundamentos corretos facilmente: como se sabe, imputat;:äo ohjetiva tcria fornecido bons argumcntos ca-
s6 serfo ohjetivamente imputilveis resultados oriundos pazes de explicar o porque da atipicidade da conduta:
de riscos juridicarnente relevantes e proibidos. A cria~äo primeiramente, a ac;:äodo autor näo parecia sequer obje-
destes riscos analisa-se de uma perspectiva ex ante, le- tivamente perigosa, näo sc podendo dizer que ela criou
vando-sc em conta os conhecimentos do observador ob- um risco juridicarnente relevante para a vida da vftima;
jetivo, bcm como os conhecimentos especiais de que o alem dissÜ, a norma por ele violada, de estacionamento
autor eventualmente disponha. Assim, como o autor co- em local proibido, näo tem por firn impedir mortes de
pessoas que durmam aträs de carros, mas sim a melhoria
nhecia o estado de sall.de da mulher, näo ha dUvida de
do fluxo do tränsito; e, por firn, poder-se-ia tematizar o
ter ele criado um risco juridicamente desaprovado, que,
problema da autocoloca~äo em perigo de parte da vfti-
de acordo com as parcas informa~öes que o julgado for-
ma, tendo em vista que deitar-se aträs de um caminhäo
nece, parece ter se realizado no resultado.
etudo, menos um comportamento racional, sem que me
parec;:a que o caso pudesse ser solucionado sob esta pers-
Julgado 10: Caso da marcha a re"199 : 0 reu, ap6s pectiva.
olhar 3. retaguarda, verificando nfo haver ningutm, deu
marcha a re em seu caminhfo, vindo a atropelar a vftima, Julgado 11: Caso da broncopneumonia ll1 200 : nova-
que ali se havia deitado. A manobra tinha o intuito de
mente, acidente de tränsito, novamente, contägio de
estacionar em local proibido, infringindo norma admi-
broncopneumonia ern hospital, novamente homicfdio
nistrativa. Declarou o Tribunal: "O foto de estar o mo-
culposo. Novamente, mesmas reservas.
torista manobrando para estacionar em local proibido
constitui infra(_;:äode natureza administrativa que, por si
Julgado 12: Caso do bebe chorao201: o pai, enfureci-
s6, näo e indicativa de imprudE'ncia, negligCncia ou im- do com o choro de sua filha, que sequer tinha completa-
perfcia, mormente se näo se provou a relac;:äode causali-
dade entre a infrac;:äo e o atropelamento", O rE'u foi
200. Julgado pelo Tribunal de Al<;adado Rio Grande do Sul, RT 596,
(1985), pp. 410-411.
J 99. Julgado pelo Tribunal dC' Al<;adado Rio Grande do Sul RT 596
1 201 Julgado pelo Tribunal de Justir;a de Siio Paulo, RT 697, (1993), p.
(1985), p. 410. '
280 e ss.

99
do seis meses de idade, surrou-a violentamente, vindo A teoria da imputac;äo ohjetiva seria capaz, unica-
ela a falecer ap6s seis meses de internac;äo c tratamcnto, mente, de fornecer outra terminologia: o risco criado
"de scpticemia decorrente das lesöes corporais sofri- pelo autor ao disparar com urna tal arma teria se realiza-
das". Declarou o Tribunal que "o nexo causal era, por- do no rcsultado. Trata-se de um dos (näo muitos) caso~
tanto, inegJvel", condenando o autor por lesöes corpo- em que a teoria das concausas näo chega a conclusöes
rais seguidas de morte.
erradas.
Novamente, fundamcntac;äo err6nea para um resul-
tado correto. Sem adentrarmos na problemätica das cri- Julgado 14: Caso da pneumonia aliada ao Hfl,12°4 :
mes qualificados pelo resultado, para os quais a teoria da outra vez, caso de lesöes culposas, ern que a v[tima vern
imputa~äo objetiva sofre algumas modificac;6es 202 , pode- a falecer no hospital. Sc bern que näo se trate, agora, de
se dizer que o problema, aqui, näo e meramente de broncopneumonia, mas de pneumonia, "com evolw;äo
causalidade. Porque esta estaria presente, ainda que a para meningite, scpticemia e 6bito", concorrendo, alem
crianc;a tivesse morrido por um erro crasso do mE'dico. disso, ser a vftima portadora do HIV, que teria possivel-
Seria necessJrio explicar por que a morte ocorrida ap6s mente tornado in6cuo o antibi6tico. Fazenda referCncia
seis meses de internac;äo, em decorrencia da agravac;äo aos tr&s casos da broncopneumonia apresentados, con-
do quadro clfnico provocado pelo autor, representa uma denou o Tribunal o rE'u pelo homicfdio.
realizac;äo do risco por ele criado. As reservas jJ anteriormente levantadas aos casos da
broncopneurnonia agora se tornam verdadeiras obje<;:6es:
Julgado 13: Caso da vitima acometida de titano 203 : se a constitui<;:äo ffsica da vftima, imprevisfvel para o
o autor disparou contra a vftima a curta distäncia, com autor tornou in6cuo o antibi6tico, näo ha como dizer
1

escopeta suja e de fabricac;äo caseira. A vftima foi atingi- que 0 resultado morte seria previsfveL Assim, o risco que
da, vindo a falecer doze dias depois, em razäo de tetano. se realizou näo foi o criado pelo autor.
0 rE'u foi condenado pelo homicidio consumado, uma
vez que a doenc;a, apesar de causa supervcniente relati- A guisa de conclusiio, podemos dizer o seguinte: os
vamente independente, näo produziu, por si s6, o resul- casos examinados podem dividir-se em quatro grupos.
tado: "hJ que se observar que tal molE'stia originou-se Primeiramente, o daqueles aos quais a imputac;äo obje-
das substäncias impuras que o corpo da vftima recebeu tiva pouco acrescenta alem da terminologia. A este grupo
no momento dos disparos." pertencem os julgados 10 e 13, que lidam ou com a
teoria do crime culposo, ou com a aplica<;:äoda teoria da
causa superveniente relativamente independente. Se, de
fato a nova teoria se limitasse a modificar nomes de
202. Cf., por ex., WOLTER, Der 'unmittelbare' Zusammenhang ... , p. '
443
203 Julgado pelo Tribunal de Justii;a de Rondünia, RT 722 (1995), p. 204. Julgado pelo Tribunal de Ali;uda Crimmal d(' Säo Paulo, RT 731
521 e 5S. (1996), pp. 605 css.

100 101
!

conceitos j;i anteriormente conhecidos, näo haveria por Por firn, num quarto grupo, podem ser dencados
que acolhC-la. Mas ha outros trE's grupos de casos em que aqueles julgados para os quais a imputardo objetiva näo
ela vai alem.
s6 chegaria a fundamentai;;:6es diversas, mas tambem a
Nurn segundo grupo, encontram-se aqucles em que a diferentes resultados, em geral, mais beneficos para reu.
tcoria da irnputac;:äo fornece a fundamentafilo correta Aqui se encontram, de infcio, os casos ern quese aphcarn
para uma decisilo que intuitivamente o Tribunal enten- os conceitos de causas concomitantes e antecedentes
deu acertada. Aqui se enquadrarn os Julgados 2, 6, 9, 12. relativamente independentes: rnuitos deles servern para
A irnportäncia fundamental deste grupo de julgados est:i
imputar ao autor riscos que ele näo criou (1, 4, 7, 14).
em que, ao contrclrio do que a primeira vista se podena
Muitos dos casos que envolvern o comportamento da
pensar ele prova näo tanto a necessidade de uma teoria
I
vftima ( como o julgado 4) recebem solui;;äo errada na
da imputac;:äo, e sim scu acerto polftico-criminaL Na
doutrina tradicional: repete-se, simplesmente, o antigo
rnedida em que a teoria da imputac;:80 objetiva consiga
brocardo de que "inexiste compensai;;äo de culpas no
fornecer os fundamentos racionais para aquilo que os
jufzes s6 intuitivamente acertavam, esta ela, ademais, Direito Penal", esquecendo-se, com isso, de analisar ate
contribuindo para a racionaliza;äo e uniformizai;äo da que ponto a vitirna pode ser senhora de seu nariz, colo-
aplicai;äo do Direito, que näo dependera mais da sorte, cando-se em perigo, e dispensando a tutela paternal de
mas unicamente de estarem os jufzes em sintonia corn os um terceiro 2 0 5 _ Por firn, alguns casos de resultados ina-
avani;os da ci@ncia jurfdico-penal. dequados / exteriores ao firn de protei;äo da norma tam-
Num terceiro grupo, encontram-se aqueles casos em bem se enquadram neste quarto grupo: uma vez que a
que a jurisprud@ncia decidiu de modo aparentemente conceituai;;äo adotada pela teoria da imputai;;äo objetiva
correto, sem contudo formular diversas quest6es quese- e mais precisa do que a obscura "relai;;äo de homogE:nei-
riam essenciais para que se pudesse imputar ao autor o dade" exigida pela doutrina tradicional para que se fale
resultado. S6 se acha aquilo quese procura; urna vez que, em imputa<;äo, ela evita com maior facilidade värios das
por ex., näo se considere o comportamento culposo de erros comumente cometidos (1, 4, 14). Este grupo de
terceiros relevante para excluir a imputai;äo ao autor, julgados comprova a gritante necessidade_de uma teori_a
sequer se perguntara se eles cometeram quaisquer erros, da imputai;;äo objetiva: por falta dela, estao sendo punt-
e este ponto näo sera analisado pelo julgador. E claro das pessoas sem que exista qualquer necessidade pre-
que, tivesse este ponto sido analisado, a decisäo poderia ventiva para tanto. Uma tal puni<;äo mostra-se altamente
ter sido diversa. Este grupo, o qua! se comp6e dos julga- disfuncional e, portanto, ilegftima.
dos 3, 5, 8 e 11, tambern da testemunho da necessidade Numa frase: a aniilise <los julgados de nossa jurispru-
de urna teoria da imputai;;äo amplamente desenvolvida, dencia comprova que precisamos de uma teoria da impu-
pois s6 ela guiara o juiz por todos os aspectos jurfdico-
penalmente relevantes, sem que ele olvide pontos signi-
ficativos. 205. A respeito, detalhadamente, ROXIN, Funcionalismo ... , § 11/91 e

"
102 103
tarao objetiva. Se vivcmos atC' ha pouco sem ela, o prci:;o
a) Risco e conhecimentos especiais do autor: a confu-
que pagamos foi trfplice: mcnor segurarn;a jurfdica, de- siio entre o objetivo e o subjetivo
sacerto polftico-criminal de v:'irias decisöes, ilegitimida-
de de v.'.lriascondenai;öes. "(. ..) os conhecimentos do autor sä~, claramente,
indispensaveis enquanto base de valo~ai;ao d~ tod~s ~s
elementares extrafdas da f6rmula da imputatw obteclt-
4. Criticas va: para saber tanto se houve 'cria~äo de um pe1:_igo',
quanto se ele e 'juridicamente desaprovado' (. ..)." "A luz
A moderna teoria da imputai;aü objetiva consolidou- do dolo, toda a complexa problem.'.ltica disso!ve-se,
se, extcnsamcnte, na literatura alemä 206 . Contudo, ela como a neve de ahril sob o ca1or d o so 1. "208 "Sc ana 1·
1sar-
näo chcgou aonde chegou de modo suave e tranqüilo. mos estes casos .. com mais exatidäo, veremos tratar-se
Tcve de cnfrentar- e superar -fortes crfticas, princi- näo de problemas de tipo objctivo, mas sub.1etivo."20 'J
palmentc as oriundas do rcduzido cfrculo finalista, quc Os finalistas näo <leixam de tcr razäo ao apontar quc
agora aprescntaremos. 0 conhecimento destas objei;öes os conhecimentos do autor, um dado subjetivo, tem
e fundamental para n6s, brasileiros, uma vez que o con- importäncia para o jufzo objetivo de imputai;äo. Se o
sobrinho - ao invE's de mandar o tio para a floresta -
trario implicaria numa aceitai;äo acrftica das postulados
deseja mat.'.1-lo convencendo-o a pegar um ayiäo para
da imputai;äo objetiva.
Nova Iorque, aviäo este que, por puro acaso, va1 chocar-
Näo nos interessa, aqui, descer aos detalhes das ar- se numa das torres do World Trade Center, näo houve
gumentos formulados pelos finalistas. Isto tornaria esta cria~äo de risco com qualquer releväncia jurfdica. Con-
introdui;äo ainda mais extensa do que ja e. Vamos nos tudo, se o sobrinho sabia das planos de realizar o atenta-
limitar as crfticas fundamentais, a saber: primeiramente, do, näo se podera negar a sua responsabilidade. Corno
ade que os problemas da imputai;äo objetiva näo perten-
cem ao tipo objetivo, mas ao tipo subjetivo, ao dolo, näo 208. Armin KAUFMANN, Objektive Zurechnung beim Vorsatzdelikt?,
havendo no tipo objetivo qualquer espa<;;opara uma tal em: Vogler/ Hermann (eds.), Festschrift fiir Jescheck, Duncker & Hum-
construi;äo doutrin;'iria; em segundo lugar, a de que a blot, Berlin, 1985, p. 251 e ss. (p. 260). .
imputai;äo objetiva seria desnecessaria no delito culpo- 209. HIRSCH, Die Entwicklung der Strafrechtsdogmatik nach Welzel,
em: Festschrift frir Rechtswissenschaftliche Fakultät Köln, Heymanns,
so; e, por firn, de que ela seria err6nea no delito do- Köln etc., 1988, p. 399 c ss. (p. 404); o mesmo, Die Entwicklung der
loso2u1_ Strafrechtsdogmatik in der Bundesrepublik Deutschland in grundätzli-
cher Sicht, em: Hirsch/ Weigend (eds.), Strafrecht und Kriminalpolitik
in Japan und Deutschland, Duncker & Humblot, Berlin, 1989, p. 65 e
ss. (p. 68) (este segundo estudo, por tratar-sc de uma versäo reduzida do
206. Cf. as rcferE'ncias cm JESCHECK / WEJGEND, Lehrbuch .. , p.
287, nota 39. primeiro, näo serä mais citado a seguir); de acordo, u)m deta!hada
207. A rigor, a terccira objei;:5:opoderia scr tratada em conjunlo com a aniilise, seu disdpulo KÜPPER, Grenzen der nonnativierenden Stra-
primeira, mas prcfcri desmembn\-las, por motivos de clareza. frechtsdogmatik, Dunckrr & Humhlot, Berlin, 1990, p. 9 l e ss., em
especial p. 99.

104
105
podem estes fatores subjetivos - os chamados conheci- do tipo objetivo: basta que ele seja importante sob o
mentos especiais do autor - influenciar uma imputai:_;:äo aspecto da ratio da tipo objetivo, que e a fixai:_;:äo de
quese diz objetiva?Näo se estara, em verdade, diante de riscos proibidos, do que seja a conduta objetivamente
um problema de dolo? A separai:_;:äo entre tipo objetivo e tfpica 212 .
subjetivo näo estara sendo burlada, o que prova ser a tal Ern segundo lugar, uma an3.lisemais refletida demons-
primazia do objetivo pregada pela imputai:_;:äo
1 objetiva, a tra que a critica se volta contra seus pr6prios autores. Afi-
rigor uma mentira? Isto leva o aluno de Armin Kauf- nal, no delito culposo,säo os finalistas os primeiros a traba-
mann, STRUENSEE, a perguntar: "o que existe de ob- do cuidado objetivo213 . Sur-
lhar com o criterio da violai:_;:äo
jetivo na imputai:_;:äoobjetiva?" 210 ge, rapidamente, identica pergunta: e se o autor dispuser
Mas a razäo relativa dos finalistas, quanto a necessi- de conhecimentos que väo alern dos do homem prudente?
dade de recorrer a conhecimentos, isto e, a fatores sub- Se um medico de fina sensibilidade percebe em seu pa-
jetivos, para determmar a existencia de um risco, algo ciente a rarfssima anomalia que outros rnedicos näo esta-
objetivo, em nada afeta a teoria da imputai:_;:äo.Primeira- vam obrigados a descobrir, ter-se-8. de decidir, da mesma
mente, porque, ao contr3.rio do que pensam os finalistas, maneira, se tais dados devem ser levados em conta no mo-
o sistema näo deve ser construido de modo classificat6- mento de delimitar o cuidado objetivo. E a maior parte dos
rio, como se cada elemento tivesse de ser trancado em finalistas opta por considerar tais dados subjetivos relevan-
determinada gaveta, da qua! ele näo pode sair. Na verda- tes para o tipo objetivo 214 .
de, um sistema construido teleologicamentetem sempre
diante de si o fato delituoso como um todo; este todo,
porem, e analisado, a cada momento, de uma perspecti- 212. Assim a resposta de ROXIN, Finalität und objektive Zurechnung,
va diversa. Assim, nada existe de problem3.tico em que em: Dornseifer etc. (eds.), Geddchtnisschrift für Arm.in Kaufmann,
um mesmo elemento tenha releväncia para mais de uma Heymanns, Köln usw., 1989, p. 237 e ss. (pp. 250-251); A teoria da
imputafäO objetiva ... , JV, 4; FRISCH, Faszinierendes, Berechtigtes und
categoria: por ex., muitos autores defendem uma dupla
Problematisches in der Lehre von der objektiven Zurechnung des Erfolgs,
funi:_;:äo
do dolo, no tipo (a forma mais socialmente lesiva em: Schünemann etc. (eds.), Festschrift für Roxin, DeGruyter, Berlm /
de conduta) e na culpabilidade (a forma mais reprov3.vel New York, 2001, p. 213 e ss. (p. 231). Sobre esta concepc;äo de sistema,
de conduta) 211 . Da mesma forma, nada pode irnpedir vide ROXIN, Funcionalismo."', § 7/76 e ss.
que um elemento subjetivo seja significativo j;'i no plano 213. Cf. acima, nota de rodape 91
214. WELZEL, Das deutsche ... , p. 132; HIRSCH, Der Streit .. , p. 266.
Uma alternativa, e daro, seria abandonar a ideia do clever obJetivo de
210. STRUENSEE, Objektive Zurechnung und Fahrlässigkeit, em: GA cuidado (com base no homem prudente ), em favor do cuidado subjetivo
1997, p. 97 e ss. (p. 98) (individual, com base no autor concreto), como faz uma corrente rnmo-
211. Assim, por ex., ROXIN, Rechtsidee und Rechtsstoff ... , p. 266; Straf- ritäna, que, porem, possui nomes bastante significativos em suas fileiras,
recht ... , § 12/26; FIGUEIREDO DIAS, Construfäo dogmdtica ... , pp. como, por ex., STRATENWERTH, Zur Individualisierung des Sorgfalts-
223-227; JESCHECK / WEIGEND, Lehrbuch ... , p. 243. Este posicio- maßstabes beim Fahrlässigkeitsdelikt, em: Festschrift für lescheck ... , p.
namento parece ter sido inaugurado por GALLAS, Zum gegenwärtigen 285 e ss., CASTALDO, Non intelligere, quod omnes intelligunt". Ob-
Stand der Lehre vom Verbrechen, em ZStW 67 (1955), p. I e ss. (p. 44 jektive Zurechnung und Maßstab der Sorgfaltswidrigkeit beim Fahrläs-
e ss.). sigkeitsdelikt, WF, München, 1992, p. 76 e ss.; FREUND, Strafrecht,

106 107
Akm disso - como tcrceira contra-crft1ca - e de mente apontado 210 : para os finalistas, o essencial e o sub-
lembrar-sc que o critf'.rio do perigo e definido segundo a jetivo, mesmo a tentativa supersticiosa, como rogar pra-
prognose p6sturna objetiva, da teoria da adequartlo gas para que alguem morra, E'um ato ilfcito, uma tenta-
(vide acima, III, 3, a), prognose essa que tem por base tiva de homiddio 21 7; para quem siga a imputai;:äo objeti-
os conhecimentos do homem prudente adicionados de va, a t6nica do injusto esta no objetivo, e s6 se levam em
conhecimcntos cspeciais do autor. Logo, o acerto siste- conta dados subjetivos na rnedida em que isso se mostrc
mJtico e polftico-criminal de levarem-se ern conta co- necessärio para deterrninar o carater objetivo do perigo.
nhecimentos espec1ais jJ no plano do t1po objetivo e
confirrnado pela teoria da adequai;:äo, quese consolidou b) Dispensabilidade de uma imputafii.O objetiva nos
formulando idCntJCas exigencias. delitos culposos
Por firn -- c esta Ca contracrftica mais relevante -
o fato de se considerarem clementos subjetivos no plano No ddito culposo ''( ... ) näo existe qualquer lugar
da imputai;:äo objetiva em nada altera na preponderancia para uma teoria geral, ou categoria sistematica, da impu-
do objetivo sobre o subjetivo, propugnada pcla teoria da ta1::;äoobjetiva" 218 . "A teoria da irnputai;:äo objetiva niio
imputai;:äo objetiva 21 ·'. Esta preponderäncia e funcional representa qualquer ganho para o delito culposo" 219 . A
3s exig€ncias de um Estado Social e Democrätico de
criai;:äo do risco juridicamente desaprovado nada acres-
Direito, que primeiro pergunta se algo ocorreu no mun-
centaria a violai;:äo do clever objetivo de cuidado. A rea-
do exterior 1 para depois interessar-se pelo foro interno
liza1::;iiodo risco no resultado näo iria alem do chamado
do agente. E cste, alias, o segundo ponto-chave da desar-
nexo de determina1::;iio220 . Desta forma, a teoria da impu-
monia entre o finalismo e a imputai;:äo objetiva, anterior-
ta~äo objetiva se mostraria completamente desnecessä-
ria nos delitos culposos.
Allgemeiner Teil, Springer, Berlin etc., 1998, § 5/22 ,, ss.; SAMSON, Esta crftica etiio procedcntc quanto irrelevante. Por-
cm Systematischer Kommentar ... , (12'. Lfrg.), ancxo ao § 16/13, que, como vimos anteriormente (III, 3, f), näo se negam
OTTO, Gnindkurs , § l 0/14; e, entre n6s, ZAFFARONI/PIERANGE-
Ll, Manual,. .. , p. 514, nO 275 Para uma crftica convmccnte dcsta posi-
as relai;:6es entre a teoria do crime culposo e os conceitos
t;:iio, SCHUNEMANN, Modeme Tendenzen .. , p 512 es~.; e Neue da imputa1::;iioobjetiva. Mas combatcr a imputai;:äo obje-
Horizonte der Fahrlassigkeitsdogmatik?, cm: Grünwald etc., Festschrift tiva atraves destas objei;:öes e algo täo inlltil quanto dar
für Schaffstein, Otto Scliwarz Verlag, Göttingen, J 975, p. 159 e ss.
215. lsto e ressaltado cxpressamente por ROXJN, A teona da imputai;iio
objetiva ... , IV, l; e JAKOBS, Tätervorstellung und objektive Zurechnung, 216 Jtem III, 3, ,•.
em: Dornseifer etc (eds.), Gedächtnisschrift für Armin Kaufmann, 217. Assim, cxprcs;amcntc, Arrnin KAUFMANN, Zum Stande ... , p.
Heymanns, Köln usw., 1989, p. 271 e ss. (p. 273 e ss.), que cxige uma 403.
certa "rclev:lncia comunicativa" da viola<;;äo da norma, inde- 218. HIRSCH, Zur Lehre 110nder objektiven Zurechm111g,em: Eser etc.
pendentemente cfa intnpreta1)io que lhe confere o autor, para quc se- (eds.), Festschrift für Lencker, Bcck, München, 1998, p. 119 e ss. (p.
quer se possa folar cm mj11sto;tudo o rnais seria puni,;;iiode pcnsamcntos. 127)
Vide, ademais, do rnesmo autor, Krimina.lisiening im V01feld einer 219. HIRSCH, Z11rLehre ... , p 140.
Rechtsgutsverletzung, cm. ZStW 97 (1985) p. 751 e ss. 22.0. HIRSCH, Die Entwick!1mg .. , p 400; KÜPPER, Grenzen. , p. 108.

!08 109
r
1

um tiro na pr6pria sombra. Afinal, elas tern cardter me- de risco juridicamente irrelevante para rect:>bera solrn;äo
ramente termin6logico; substancialmente, implicarn correta: a rigor, o sobrinho nä.o agiu dolosamente; ele
numa aceita1:;äo da teorian 1 . podia, no m:iximo, dcsejar o rcsultado tfpico, mas nao
tinha a finalidadC' de matar, porque esta pressup6e o
c) InadequafiiO da imputa9iio objetiva nos delitos controle sobre os cursos causais que conduzem ao resul-
dolosos tado (a finalidade como vontade de realizai;:äo)m. Para
outros finalistas, o que esta ausente no caso do sobrinho
A förmula da imputai;;:äo objetiva "tem a sua origem e, a rigor, outro dado objetivo, que nada tem a ver com
o delito culposo - escrita na testa" 222 . No delito os critfrios propostos pela teoria da imputac:;äo o domf-
doloso, "ela näo s6 e dispensavel, quanto tambem inade- nio do fato, pressuposto para que alguE'm seja considera-
quada"223. A teona do crime doloso näo precisa ser com- do autor 228 ; um ato de exccu(_;äo, prcssuposto para que
plementada pelos imprecisos critE'rios da imputai;;:äo ob- se diga que alguCm sequer chegou a fase de tcntativa 22".
jetiva, tais como o "conceito de perigo", que "representa A ide'ia de relegar a teoria da imputac:;äo objetiva para
um perigo para a determina<;;:äo dos tipos" 224 , principal- aparte especial näo convence, em absoluto. Aparte geral
mente porque os problemas que ela supostamente resol- sintetiza o que existe de comum a generalidadc (näo
ve ou pertencem a parte especial, ou säo, na verdade,
problemas de dolo 22 5, ou problemas que devem ser re-
solvidos com base em outros crite'rios objetivos, diversos 227 Assim, a solu,;äo de WELZEL, Das deutsche .. , p. 66' "O dolo,
das propostos pela teoria da imputac:;äo. cnquanto vontade de rcaliza,;äo, pressupöe que o autor se atribua uma
possibilidade de intervenr;äo sobre o curso causal real. 0 que, segundo a
Assim, por exemplo, a chamada diminuic:;äo do risco sua pr6pria visäo, esta alem de suas possibilidades de interven,;:ao, isto
- o me'dico, atraves de um tratamento, prolonga a vida pode o autor ter esperanr;a, ou desejar, que ocorra, como casual decor-
do paciente, que acaba, afinal, morrendo- näo se resol- rencia de sua a,;i'io, mas näo pode ter vontade de realizar" (grifos do
ve numa suposta imputac:;äo objetiva, mas na parte espe- autor); logo ap6s, cita ele o caso do sobrinho; e a pnmeira tentativa de
cial: matar e reduzir, encurtar a vida 226 . E o caso do !-JJRSCH, Die Enlwicklimg . ., p. 405 (que, com o passar do tempo,
fomm!ar:'i duas outras; cf. as duas notas de rodape seguintes) Expondo
sobrinho que manda o tio a floresta näo precisa da ideia e criticando todos os posic10namentos de HIRSCH, JAKOBS, Bemer-
kungen zur objektiven Zurechnung, em: Weigend / Küper (eds.), Fest-
schrift fiir Hnsch, DeGruyter, Berlin/ New York, 1999, p. 45 e ss. (p.
221 0 car:'iter tenninol6gico destas crfticas e tambem sublinhado por 46ess.).
JAKOBS, Bemerkungen ... , p. 54 e FRISCH, Berechtigtes ... , p. 226. 228. KÜPPER, Grenzen ... , p. 92. HIRSCH, 25 Jahre Entwicklung des
222. Armin KAUFMANN, Objektive Zurechnung ... , p. 258. Strafrechts, em: 25 Jahre Rechtsentwicklung in Deutschland - 25 Jahre
223. HIRSCH, Zur Lehre, p. 138. Juristische Fakultät der Uni11ersitdrRegensburg, Bcck, München, 1993,
224 Armin KAUFMANN, Objektive Zurechnung .., p. 259; de acordo, p. 35 e ss. (p. 49), fala em "dommabilidade", o que faria dos casos de
SCHÖNE, Fahrli:issigkeit... , p. 666. 1mputa,;äo objetiva prnhlemas a serem resolvidos no ämbito do conccito
225. Armin KAUFMANN, Objektive Zurechnung ... , p. 269. de a,;:äo.
226. Armin KAUFMANN, Objektive Zurechnung .. , pp. 254-255; 229 Assim, a mais rcccnte manifrsta,;äo de HIRSCH, Zur Lehre--, p.
HIRSCH, Die Entwicklung ... , p. 404 e ss. 134.

110 111
nccessariamente a totalidadc) dos ,,.pos espec1 .1·1cos-,3u.
s . ,
_e,c:Jnt,u_do, a fundarnentai;ä:o antenormente desenvol-
r
1 existe urna explicai;fo do conccito de risco dentro desta
teoria" 233, a teoria da adequai;:äo e sua prognosc p6stuma
v1da e '.'alida - tendo em vista a sua funs;äo prcventiva objetiva forneccm uma definii;:äo relativarnente precisa
o DJre1to Penal s6 profbc a,;:6cs superadoras do risc~ do quese entende por risco 21\ E a q11alidade deste risco,
pen:11t1do - näo havera Corno evitar a expansäo da ideia seu carater juridicamcnte desaprovado, näo se concreti-
d_ensco ~obr_e,_a genera_li?ade dos delitos da parte espe- za de outra mancira quc naü rnediante a aplicai;äo do~
c:aL lsto .)ustrf1ca o pos1c10namento da teoria da imputa-
criterios do ddito culposo. Por firn, o rnetodo de cons-
i;ao obJ_etJ_va~a partc geraL A!em disso, problemas como
trui;:äo de grupos de casos (acima, IV, 2, b] incrementa
o da_ ~1~mu1,;:äo do risco näo surgcm s6 no delito de
consideravclmente a precisäo dos conceitos. A insegu-
hom1cid10'. co~10 :ambem no de lesöes corporais, no de
rani;:a restante pode ser facilmente superada, desde que
~a~?' na '.~st1gai;_a~,na cumplicidade ... Se, com urna
un1ea teoi ia genenca, pudcrmos resolver todos este.:i se atendam a~exigtnciae> genericac. de urna fundarncnta-
p~oblcmas, teremos alcarn;ado uma consider.ivcl redu- <;äo suficiente e racional de todas as dccis6cs quc sc
~ao ?a c~mp!exidade d?_ sistema dogm8.tico231 0 que 1
vcnham atomar (adiante, VI, 2, b].
A primeira safda <los finalistas, que era considerar os
tmpl1:a nao so numa facd1tai;:äo do trabalho de todos os
q~e, t~verem de aprende-Jo e aplid-lo (ganho em termos problemas de irnputac;äo, na verdade, problemas de dolo,
d1datic?-l:r.iticos), como a garantia de se prevenirem näo convence. Porque, como se pode extrair da argu-
con,t~ad1i;:~es_ valorativas (ganho em termos de justii;:a c rnentai;:äo dos finalistas, a ausencia de dolo, aqui, näo e
pohtJCa cnmmal). imediata, mas um mero efeito colateral da ausencia do
. A indete!min_ar~o da conceito de perigo, a rigor, n.§o tipo objetivo 235. Dolo e a consciencia e vontade de reali-
ex1ste, ou nao va1 alem <los limites do toler8.veJ232 m.ixi- zac;äo do tipo objetivo; assim, se a consciencia e a vonta-
1
rne se o compararmos a outros terrnos, como a evitabili- de dirigirem-se a algo näo objetivamente tfpico, a um
dade d~ erro de proibii;:äo, o domfnio do fato o infcio da risco que a ordern jurfdica considera irrelevante, näo
execw;ao na tentativa, ou o clever objetivo de' cuidado- teremos dolo. A procedE'ncia desta resposta C admitida
to~?s propostos ou defendidos pelos finalistas. Ao con- inclusive por aqueles contra os quais ela se dirigia: o
trano do que diz ZAFFARONI, que pensa que "näo pr6prio HIRSCH acabou por admitir que, nos casos em
que o risco criado e juridicamente irrelevante (caso do
230. Sobre_,a d_istin,;fo entre aparte geral ca especial, T!EDEMANN
sobrinho ), "existem df:.ficits j3.no plano objetivo; o plano
Zu~1 Verhaltms von Allgemeinem und Besonderem Teil des Strafrechts'
em. Arzt etc. (eds.), Festschrift für Baumann, Gieseking Bielef ld' 233. ZAFFARONI, Panorama ... , p. 202. 0 autor faz a sq;uit considcra·
1992, p. I 2 e ss. , e ,
~öes sonol6gicas sahn: o conce1to de-risco, com o que parece recair Il3
231 Principio da cconomia dos conceitos, cf. SCHUNEMANN M d mesma confosiio entre direito e soriologia q11e rcprocha piigrnas adiantc
ne Tendenzen ... , p. 440. , o er.
a JAKOBS (pp. 207-208).
232. Assm1 tambem a resposLa de FRISCH Tip" p / · ·, 234. ROXIN, Funcionalismo ... , § 11/50.
l · · C 1 • v ena e 1mpu1acwn
o ~et)iva, u ex, Madrid, 1995, p. i4 (trad. Cancio Mel1:\/ Reyes Alva- 235. Assim, tambem, ROXIN, A teona ... , V 3 a; JAKOBS, Bemerkun-
ra O , e JAKOBS, Bemerkungen ., p. 52, nota de rodapi' 25. gen ... , p. 49; FRISCH, Berechtigtes ... , p. 228.

112
113
subjetivo nada rnaü, faz do quc refleti-los, de maneira
r
1
· do fato, ato de execu<_:;äo,dommabilidade etc.) que,
verdade, e meramente secund3rio, conseqüencia da
que aqui s6 sc torna passive] um desejo" 2J 0 .
· 240
A segunda safda dos finalistas, portanto, foi procurar abordagem normat1va .
no tipo objetivo um critefio com base no qua] pudessem
resolver casos como o do sobrinho. Näo se pode dizer d) Conclusäo
que o sobrinho tivessc o dominio do fato, sendo impos-
sfvel, assim, considerä-lo autor de delito algum 237 . Da A conclusäo e 6bvia: as criticas formuladas pelo fina-
mesma forma, poder-se-ia negar que o sobrinho tivesse lismo au sao injustificadas, ou silo meramente terminol6-
praticado um ato de execup:10 do crime de homicidio; a gicas. A rigor, os finalistas jti aceitaram _a.teoria da
aplica,;äo das criterios da tentativa chega facilmente a imputa<;iioobjetiva. 0 problema e que adm1t:r esta mu-
esta resposta 238 . Aqui, os finalistas parecem 21'.' chegar a danc;:ade postura significa abandonar as pre1mssas meto-
um ponto de vista fundado e aceit3vel. Mas isso se devc dol6gicas b.isic1s do finalismo. Uma primeira des~as ~a-
ao fato de terem, conscientemente ou n.:io, abandonado nifesta<_:;6es,entretanto, e o recente estudo do fmahsta
o ponto de vista original, e acolhido a teoria da imputa- HIRSCH2 41, no qual critica a idE'ia de reduzir o desvalor
<_:;äoobjetiva - s6 que com outro nome. Ao exigirem a a um desvalor de inten<_:;äo(p. 725), exigindo,
da a<_:;äo
presen<_:;ade outros criterios objetivos, e näo s6 da finali- de qualquer tentativa, que ~lase mostre,
para a puni<_:;8.o
dade, para quese tenha um injusto, os finalistas abando- ex ante, perigosa (p. 718). Ele chega, inclus1ve, a apo~tar
naram a idtia original, de que a a\äo final constitui a as semelhan<_:;asentre a sua concep~äo e a teoria da 1m-
matE'ria de proibi<_:;äo,coincidindo com a imputa<_:;äoob- puta~äo objetiva, se bem que numa tfmida nota de roda-
jetiva na supremacia de dados objetivos. Mas ao insisti- pe (p. 719, nota 38).
rern em negar a teoria da imputa<_:;äo,mostram que toda
a sua polemica e, a rigor, meramente terminol6gica: os
finalistas, para näo abandonarem seu ponto de partida, V. A imputa1_;äoobjetiva na atualidade. Modelos al-
as estruturas l6gico-reais, admitiram a imputa<_:;äoobjeti- ternativos de imputa1_;äo
va, dando-lhe um manto ontol6gico (falando em domf-
Corno j2 foi dito, este trabalho visa a introduz_ir _o
leitor brasileiro na moderna teoria da imputa~äo obJet1-
236. HIRSCH, Zur Lehre .. , p. 123.
237. KÜPPER, Grenzen ... , p. 92.
va. Ate agora, vimos o seu passado (as teorias precurso-
238 HJRSCH, Zur Lehre ... , p. 135.
239. 0 que s6 e verdade se abstra1rmos <loscaso5 de risco permitido em
que o autor tenba consciE'ncia do perigo que cria, como por ex., dingir, 240. FRISCH, Berechtigtes .. , p. 229; Tipo penal .. , p 73
dentro dos limitcs de velocidade, com o desejo de matar algu&ni, ou 241 HIRSCH, Untauglicher Versuch und Tatstrafrecht, em: Schüne-
vender um brinquedo a uma crian,:;a torcendo para que cla se fira ao mann etc. (eds.), Festchrift /Ur Roxin, DcGruyter, Berlin/ New York,
manuseJ.-lo. Aqui somente uma so!ur;iio no plano objctivo sed ,·apaz de 2001, p. 711 e ss.; as päginas entre paric:ntescs, neste breve apartado,
isentar o autor de responsabilidadc Cf. FRJSCH, Tipo penal ... , p. 73 pcrtenceni a este estudo

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