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COMO A VIDA SE AUTO-ORGANIZA

Mudando o foco das entidades isoladas para os relacionamentos, os cientistas fizeram uma
descoberta espantosa - espantosa para a mente ocidental convencional, pelo menos. Eles
descobriram que a Natureza se organiza sozinha. Ou então, presumindo que seja esse o
caso, eles se dispuseram a compreender os princípios segundo os quais se dá essa auto-
organização. Eles descobriram que esses princípios ou propriedades sistêmicas são
extremamente elegantes em sua simplicidade e constância por todo o universo
observável, dos sistemas sub-orgânicos aos biológicos e ecológicos, além dos sistemas
mentais e sociais. As propriedades dos sistemas abertos que possibilitam que a variedade
e a inteligência das formas de vida surjam das correntes interativas de matéria e
energia são quatro:

1. Todo sistema, do átomo à galáxia, é uma totalidade. Isso significa que não pode
ser reduzido a seus componentes. Sua natureza e capacidade distintas derivam dos
relacionamentos interativos de suas partes. Esse jogo é sinérgico, gerando
“propriedades emergentes” e novas possibilidades, que não podem ser previstas
a partir do caráter de suas partes – assim como a natureza úmida da água não pode
ser predita a partir do oxigênio e do hidrogênio antes de se combinarem, ou como a
força tensora do aço excede em muito a força combinada do ferro e do níquel. Essa
propriedade universal da Segunda Lei da Termodinâmica, pedra fundamental da
ciência clássica, sobre a aqual repousam noções de entropia, que permeia toda a
vida.
2. Apesar da constante mescla de matéria, energia e informação, e até mesmo graças a
essa mescla, os sistemas abertos conseguem manter seu equilíbrio: eles se auto-
estabilizam. Em virtude dessa capacidade, que Von Bertalanffy chamou
Fliessgleich-gewicht (fluxo-equilíbrio), os sistemas podem se auto-regular para
compensar condições cambiáveis em seu ambiente. Essa função homeostática é
realizada pelo registro/acompanhamento dos efeitos de seu próprio comportamento,
ajustando-o às suas normas, como um termostato. É tida como uma função do
feedback negativo ou feedback de redução do desvio, para ser mais preciso
(também chamado “cibernético um”). É assim que mantemos a temperatura do
corpo, curamo-nos de um ferimento ou andamos de bicicleta.
3. Sistemas abertos não só mantêm seu equilíbrio em meio ao fluxo, como sua
complexidade evolui – co-evoluem. Quando persistem desafios apresentados por
seu meio ambiente, eles se desmontam ou se adaptam, reorganizando-se em torno
de novas normas, capazes de reagir melhor. Essa também é uma função do feedback
positivo ou feedback de ampliação do desvio (também chamado “cibernético dois”).
É assim que aprendemos e evoluímos desde a ameba. Mas se nossos
comportamentos cambiantes não forem compatíveis com os desafios que
enfrentamos e não atingirem um novo equilíbrio diante deles, o vínculo de feedback
positivo foge ao controle e fica “solto”, o que pode acabar levando ao colapso do
sistema.
4. Todo sistema é um “holon”- ou seja, é tanto algo inteiro em si mesmo,
compreendido por subsistemas, como é simultaneamente parte integral de um
sistema maior. Logo, os holons formam “hierarquias aninhadas”, sistemas dentro
de sistemas, circuitos dentro de circuitos, campos dentro de campos. Cada nível
holônico – digamos, do átomo para a molécula, da célula para o órgão, da pessoa
para a família – gera propriedades emergentes que não se reduzem às capacidades
dos componentes separados. Bem diferente das hierarquias de controle conhecidas
das sociedades nas quais as regras são impostas de cima para baixo, nas hierarquias
aninhadas (também chamadas holonarquias) a ordem tende a vir de baixo para
cima; o sistema se gera sozinho a partir da cooperação adaptativa e espontânea entre
as partes, em benefício recíproco. Ordem e diferenciação andam de mãos dadas, e
os componentes se diversificam coordenando papéis e inventando novas respostas.

MACY, Joana; BROWN Molly Young. Nossa vida como Gaia. – São Paulo : Gaia, 2004.
(p.61-62)

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